Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
24204/22.6T8LSB.L1-7
Relator: DIOGO RAVARA
Descritores: ASSEMBLEIA DE CONDÓMINOS
ACÇÃO DE ANULAÇÃO DE DELIBERAÇÃO DE ASSEMBLEIA DE CONDÓMINOS
LEGITIMIDADE PASSIVA
CONDOMÍNIO
CESSAÇÃO DE FUNÇÕES
ALTERAÇÃO NA PENDÊNCIA DA ACÇÃO
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 03/05/2024
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PARCIALMENTE PROCEDENTE
Sumário: I- Nas ações em que o autor pede que o Tribunal anule ou declare nula uma deliberação de assembleia de condóminos, a legitimidade passiva incide sobre o condomínio, sendo este representado pelo respetivo administrador ou por quem a assembleia de condóminos designar para esse efeito.
II- Se no decurso da causa ocorre a cessação de funções da pessoa ou entidade que à data da propositura da ação exercia tal cargo, a sucessão na representação não carece de qualquer formalidade, não sendo por isso aplicáveis, nem o incidente de intervenção principal provocada, nem o incidente de habilitação de cessionário.
III- Se, em ação de impugnação de deliberações de assembleia de condóminos, o autor indica, como réu, uma sociedade comercial que refere exercer as funções de administradora do condomínio, resultando claro que esta foi demandada em tal qualidade e por causa dela, deve o juiz fazer uma interpretação corretiva da petição inicial e, fazendo uso do poder-dever de adequação formal (art.º 547º do CPC), determinar que a causa prossiga contra o condomínio, representado pela entidade que, cada momento, exercer aquelas funções.
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam os Juízes na 7ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa:

1. Relatório
A intentou ação declarativa de condenação com processo comum, apresentando petição inicial em cujo introito fez constar o que segue:
A, NIF …. e cartão de cidadão nº … válido até …, maior, residente na Rua …, nº ..., 1º Esq., Carcavelos, vem propor:
AÇÃO DECLARATIVA COMUM,
nos termos dos artigos 548º e 552º e seguintes do CPC
PARA ANULAÇÃO DA DELIBERAÇÃO DE CONDOMÍNIO DO PRÉDIO DENOMINADO NOVA …, SITO NA R. …, Nº …, BLOCO B, 3º Frt., LISBOA ocorrida na assembleia extraordinária de 20/7/2022, nos termos dos art.ºs 1433º e segs. do Código Civil, contra:
O Administrador B [“… - PORTUGAL”], NIPC …, com sede e escritórios na Rua …, nº … – 1º Esq., Lisboa – cf. art.º 1437 – nº 1 do CC, na redação da Lei 8/2022 de 10/01,”
Na parte final da mesma peça deduziu os seguintes pedidos:

1º - Declarar nula e anulável a deliberação impugnada, por falta de fundamentação e de prova, anulada a Assembleia por convocatória fora de prazo dos autores e anulada a ata lavrada, por da mesma não constar o conteúdo da intervenção do representante dos autores, nem a mesma estar completamente assinada.
2º - SE ASSIM SE NÃO ENTENDER: deve ser julgado inconstitucional o disposto no nº 2, do art.º 9º do DL 128/2014 de 29/08, na redação da Lei 62/2018 de 22/08, na medida em que restringe o direito de propriedade, violando o princípio da proporcionalidade, relativamente a outros direitos em conflito, como o direito ao sossego e à privacidade, na interpretação feita pelo acórdão do STJ nº 4/2022 de 22/03/2022, uniformizador de jurisprudência, publicado no DRE – I série de 10/05, de que “no regime da propriedade horizontal, a indicação no título constitutivo, de que certa fração se destina a habitação, deve ser interpretada no sentido de nela não ser permitida a realização de alojamento local”, por violação do art.º 62º – nºs 1, 17 e 18 – nº 2 da Constituição da República Portuguesa.
3º - Condenada a Ré nas custas da ação.”
Aberta conclusão, foi proferido o seguinte despacho:[1]
“Antes de mais e uma vez que o Autor indica a B como Administradora do Condomínio, convido o mesmo a vir aos autos, esclarecer, em 10 dias, quem demanda na qualidade de Réu.
Sem prejuízo e não correspondendo o NIPC indicado pelo Autor à mesma sociedade, mas sim à sociedade “C” [… Associados,Ldª ] , notifique-se igualmente o mesmo para esclarecer ou informar em conformidade no prazo de 10 dias.”
Notificado de tal despacho, o autor apresentou requerimento, no qual expôs o que segue:
A , A. nos autos à margem identificados, vem requerer que se releve o lapso na correta identificação da Ré, que se deveu a letra minúscula e menos percetível que constava da convocatória da assembleia geral de condomínio entregue pelo constituinte, pelo que se requer o prosseguimento da instância, ordenando-se a citação da Ré, para o que se junta nova petição.”.
Juntamente com tal requerimento, o autor apresentou “nova” petição inicial, no início da qual fez constar o seguinte:
A, NIF … e cartão de cidadão nº …. válido até …, maior, residente na Rua …, nº …, 1º Esq., Carcavelos, vem propor:
AÇÃO DECLARATIVA COMUM,
nos termos dos artigos 548º e 552º e seguintes do CPC
PARA ANULAÇÃO DA DELIBERAÇÃO
DE CONDOMÍNIO DO PRÉDIO DENOMINADO NOVA …, SITO NA R. …, Nº …, BLOCO B, 3º Frt., LISBOA ocorrida na assembleia extraordinária de 20/7/2022, nos termos dos art.ºs 1433º e segs. do Código Civil, contra:
C (B … Portugal), NIPC …, com sede e escritórios na Rua …, nº … – 1º Esq., Lisboa, sociedade administradora do condomínio onde se localiza a fração de que o autor é proprietário – cf. art.º 1437 – nº 1 do CC, na redação da Lei 8/2022 de 10/01,
(…)”
Na sequência de tal requerimento, foi proferido despacho com o seguinte teor:[2]
“Tendo o Autor vindo juntar petição inicial com rectificação da identidade da Administradora do Condomínio, proceda-se à citação.”
Efetuada a citação, a C apresentou requerimento com o seguinte teor:[3]
C, sociedade comercial com sede na Rua ..., nº …, C/v Dta. Posterior, LISBOA, e portadora do NIPC …, citada que foi nos autos referenciados em epígrafe, vem expor e requerer o que segue.
1 - O Autor espoletou uma ação de anulação de deliberação da assembleia de condóminos.
2 - Por outro lado, ao abrigo do disposto no n.º 1 do art.º 1437.º do CC, na redação dada pela Lei n.º 8/2022, de 10 de janeiro, “[o] condomínio é sempre representado em juízo pelo seu administrador, devendo demandar e ser demandado em nome daquele”.
POSTO ISTO!
3 - Por deliberação unanime dos condóminos presentes na assembleia que teve lugar a 09.11.2022, foi eleita administradora do Condomínio do Empreendimento Nova …, Lote …, sito na Rua …, n.º …, a sociedade D, Lda., portadora do NIPC … e com sede na Rua …, Lote …, letra X,  Lisboa - cfr. doc. 1 que ora se junta.
4 - Nessa conformidade, julga-se que o condomínio deverá ser citado na pessoa da D, Lisboa.
5 - E por ela representado na ação de anulação de deliberação da assembleia de condóminos.
6 - Isto, partindo do princípio que, de facto, considerando o pedido e a causa de pedir, o Autor não terá intentado a presente ação contra a sociedade comercial C, pessoalmente,
7 - Antes sim, na qualidade de Administradora do condomínio.
8 - Considerando a dúvida, a nosso ver fundada, quanto à identificação do Réu e respetiva representação, requer a V./Exa se digne a notificar o Autor, com nota de urgência, para vir aos autos esclarecer se espoletou a presente ação contra o condomínio, tendo a sociedade C sido identificada, erroneamente, como administradora, ou se, em alternativa, pretendeu intentar a ação contra a sociedade comercial, a título pessoal.
9 - Verificando-se esta última hipótese, atenta a dúvida acima plasmada, desde já se requer a V./Exa a prorrogação do prazo para apresentação da contestação, no limite máximo por lei permitido (30 dias), nos termos do disposto no n.º 5 do art.º 569.º do CPC.”
Seguidamente foi proferido despacho com o seguinte teor:[4]
“Notifique-se o Autor do teor que antecede e para, em 48 horas, se pronunciar sobre a alegada actual administradora do Condomínio e esclarecer, conforme já anteriormente notificado, quem demanda na qualidade Réu.
Decorrido o prazo, conclua de imediato.”
Notificado deste despacho, o autor apresentou novo requerimento[5] com o seguinte teor:
“1º
Na nova petição anteriormente apresentada, o autor foi claro ao identificar como Ré a sociedade C (B …. Portugal), NIPC …, com sede e escritórios na Rua …, nº … – 1º Esq., Lisboa, sociedade administradora de condomínio do prédio referido nos autos e que agora apresenta o requerimento a pedir este esclarecimento.

Assim e porque à data da deliberação era a Ré a administradora do condomínio e porque o continuava a ser à data da entrada desta ação, a Ré tem interesse em contestar, pois no exercício das funções de administradora de condomínio é que foi produzida a deliberação impugnada, pelo que nada tem o autor a opor a que se prorrogue o prazo para a Ré contestar.
3º Tendo sido constituída nova entidade como administradora de condomínio a partir de 09/11/2022, para assegurar a continuação da legitimidade passiva e representatividade do sujeito passivo, oportunamente e após a contestação da Ré, irá o autor requerer a intervenção principal da nova administradora do condomínio, a sociedade D, Lda., se, entretanto, e antes, a ora Ré não tomar idêntica opção.
Requer, pois, o prosseguimento da instância contra a Ré C (B … Portugal), NIPC …, com sede e escritórios na Rua …, nº … – 1º Esq., Lisboa, concedendo-se à mesma, novo prazo para contestar.”
Seguidamente foi proferido despacho[6] com o seguinte teor:
“Face ao esclarecimento ora prestado pelo Autor no sentido de demandar como Ré a sociedade em questão - C, defiro ao requerido por esta última e prorrogo por 30 dias o prazo para a mesma contestar – artigo 569.º, n.º 5, do Código de Processo Civil.”
Notificada deste despacho, a sociedade C apresentou contestação, invocando as exceções de ilegitimidade passiva, de caducidade do direito de ação, e de abuso do direito, pugnando pela sua absolvição da instância ou, caso assim se não entenda, pela sua absolvição do pedido.
Notificado, o autor:
- deduziu incidente de intervenção principal provocada de D, Lda, sustentando para tanto que na pendência da causa a mesma havia sido eleita administradora do condomínio[7].
- apresentou novo articulado, no qual, invocando o direito ao contraditório e o disposto no art.º 3º, nº 3 do CPC, pronunciou-se relativamente às exceções invocadas na contestação, pugnando pela sua improcedência.[8]
Seguidamente foi proferido despacho com o seguinte teor:
“Antes de mais, tendo a sucessão de Administradores ocorrido na pendência da acção, cabe ao administrador cessante documentar nos autos tal sucessão, assim também identificando o sucessor (art.º 1436º, nº 1, al. o), do Código Civil, ora aplicável por maioria de razão).
Notifique, assim, a sociedade citada para proceder em conformidade, sob pena de multa (art.º 417º, nºs 1 e 2, do CPC).”
Notificada, a C apresentou requerimento com o seguinte teor:[9]
“ 1 – Salvo lapso nosso, a sucessão de administradores, ocorrida na pendência da ação, mas ainda antes da citação do ora R. – convém realçar -, já foi documentada nestes autos por duas vezes (com a respetiva junção de cópia da ata): (i) no requerimento do R., datado de 23.01.2023 e, mais recentemente, (ii) no pedido de intervenção principal provada, levado a efeito pelo A.
2 – Também do requerimento datado de 23.01.2023 consta a identificação da nova administradora do condomínio.
3 – Pese embora, volta-se a juntar aos autos a ata da assembleia de condóminos, de 09.11.2022, e que elegeu como administradora D, LDA., portadora do NIPC … – cfr. ata que se junta novamente.”
Na sequência, foi proferido despacho com o seguinte teor:[10]
“Cite ainda a PC identificada no requerimento que antecede, na qualidade de eventual cessionária da R.”
Na sequência, a secção de processos enviou à D, Lda uma carta registada com aviso de receção, com o seguinte teor:
“Assunto: Citação por carta registada com AR
Fica por este meio V. Ex.ª citado nos autos acima identificados, de que foi requerida e admitida a sua intervenção como parte principal, podendo, querendo, no prazo de 30 dias oferecer o seu articulado ou fazer a declaração de que faz seus os articulados da parte a que se associa.
A citação considera-se efectuada no dia da assinatura do AR.
O prazo é contínuo suspendendo-se, no entanto, nas férias judiciais.
No caso de pessoa singular, quando a assinatura do Aviso de Recepção não tenha sido feita pelo próprio, acrescerá a dilação de 5 dias (art.º s 228.º e 245.º do CPC).
Terminando o prazo em dia que os tribunais estiverem encerrados, transfere-se o seu termo para o primeiro dia útil seguinte
Fica advertido de que sim é obrigatória a constituição de mandatário judicial.
Juntam-se para o efeito, as cópias dos articulados já oferecidos.”
A D, Lda recebeu a carta suprarreferida[11], mas não apresentou em juízo qualquer requerimento, nem constituiu mandatário ou por qualquer outra forma interveio no processo.
Seguidamente foi proferida decisão com o seguinte teor:[12]
“I. Consigna-se que, apesar de ter sido determinada a citação da «PC identificada no requerimento que antecede, na qualidade de eventual cessionária da R» (cf. despacho de 24-04-2023), o que é certo é que a mesma nunca foi admitida a intervir nos autos enquanto parte - pressuposto essencial de uma eventual modificação subjectiva da instância -, passando a proferir-se decisão quanto a essa matéria.
II. Do pedido de intervenção principal provocada de terceiros deduzido pelo autor:
Nos presentes autos, veio o autor A intentar acção declarativa comum contra C (conforme petição inicial aperfeiçoada de 13-12-2022) peticionando que seja declarada «nula e anulável a deliberação impugnada, por falta de fundamentação e de prova, anulada a Assembleia por convocatória fora de prazo dos autores e anulada a acta lavrada, por da mesma não constar o conteúdo da intervenção do representante dos autores, nem a mesma estar completamente assinada».
Na sequência da invocação, pela ré, de uma excepção de ilegitimidade passiva singular, apreciada infra, veio o autor expor e requerer o seguinte:
«A actual Ré C, excecionou a sua ilegitimidade passiva, a que o autor se opõe, pois era a administradora do condomínio quando a deliberação impugnada foi tomada e quando entrou a ação, mas entende o autor que pertencendo ao administrador de condomínio a legitimidade de o representar, importa que o condomínio continue a estar representado na acção pelo seu administrador actual, por via da intervenção da ora requerida D.
Este facto não afasta a legitimidade passiva da Ré pois foi no exercício do seu mandato que foi tomada a deliberação impugnada que o autor entende ser ilegal, pelo que competirá à Ré e então administradora de condomínio defender a legalidade dessa deliberação e o seu interesse em contradizer tal alegado facto de ilegalidade invocado pelo autor, e até para evitar responsabilidades pela participação numa deliberação ilegal».
Peticionando, a final, que «deve notificar-se a actual Ré C para efeitos do disposto no nº 1, do art.º 315 do CPC, sendo admitida a intervenção principal de D, LDA, NIF …, com sede nas Galerias …, Rua …, Lisboa nova administradora de condomínio do prédio referido nos autos e ordenando-se de seguida a citação da requerida, com cópias da petição e da contestação nos termos do nº 1, do art.º 319 do CPC».
*
Apreciando.
Da exposição de facto reproduzida resulta clara uma confusão do autor entre (i) quem figura como parte na acção, (ii) o regime da representação das partes que não dispõem de capacidade judiciária em litígio e (iii) a figura do litisconsórcio, que fundamenta o regime das modificações subjectivas da instância, em particular o da intervenção principal provocada de terceiros.
Em primeiro lugar, importa frisar que, na acção, tal como configurada pelo autor na sua petição inicial, o réu não é o condomínio - sendo demandada a título principal a sociedade que, alegadamente, o representa (C).
Repare-se que, mesmo após esclarecimento pedido pelo Tribunal, o autor asseverou que «na nova petição anteriormente apresentada, o autor foi claro ao identificar como Ré a C (B… Portugal), NIPC …, com sede e escritórios na Rua …, nº … - 1º Esq., Lisboa, sociedade administradora de condomínio do prédio referido nos autos e que agora apresenta o requerimento a pedir este esclarecimento» (cf. requerimento de 25-01-2023).
Ora, o condomínio, ao qual é reconhecida personalidade judiciária nos termos do art.º 12.º, al e) do CPC, para efeitos processuais é uma entidade autónoma da sociedade que o administra (que tem também personalidade judiciária, cf. art.º 11.º do CPC).
Assim, facilmente se conclui que na presente acção, como reiterado pelo autor, está a ser demandada a sociedade que administra o condomínio e não este último.
Por outro lado, só quanto ao condomínio é que se pode suscitar a questão de saber quem o representa - cf. art.º 15.º e 27.º do CPC, importando nesta sede determinar quem é o seu administrador - cf. art.º 1437.º, n.º 1 do CC, onde se prevê expressamente «o condomínio é sempre representado em juízo pelo seu administrador, devendo demandar e ser demandado em nome daquele».
Reitera-se: na presente acção não é parte o condomínio, inexistindo, como tal, fundamento para determinar a intervenção do seu actual administrador ao abrigo do regime da irregularidade da representação, já mencionado.
Terceira questão, distinta das primeiras, é a da admissibilidade da intervenção principal provocada da «actual administradora do condomínio».
No que respeita à intervenção principal espontânea, dispõe o art.º 311.º do CPC que, «estando pendente causa entre duas ou mais pessoas, pode nela intervir como parte principal aquele que, em relação ao seu objecto, tiver um interesse igual ao do autor ou do réu, nos termos dos artigos 32.º, 33.º e 34.º».
Por seu turno, o art.º 316.º do mesmo diploma estabelece que «1- Ocorrendo preterição de litisconsórcio necessário, qualquer das partes pode chamar a juízo o interessado com legitimidade para intervir na causa, seja como seu associado, seja como associado da parte contrária.
2- Nos casos de litisconsórcio voluntário, pode o autor provocar a intervenção de algum litisconsorte do réu que não haja demandado inicialmente ou de terceiro contra quem pretenda dirigir o pedido nos termos do artigo 39.º.
3- O chamamento pode ainda ser deduzido por iniciativa do réu quando este:
a) Mostre interesse atendível em chamar a intervir outros litisconsortes voluntários, sujeitos passivos da relação material controvertida;
b) Pretenda provocar a intervenção de possíveis contitulares do direito invocado pelo autor».
Admitindo-se ainda que, «sendo a prestação exigida a algum dos condevedores solidários, o chamamento pode ter por fim o reconhecimento e a condenação na satisfação do direito de regresso que lhe possa vir a assistir, se tiver de realizar a totalidade da prestação» - cf. art.º 317.º, n.º 1 do CPC.
Deste enquadramento normativo extrai-se que a intervenção a título principal se prende apenas e só com relações de litisconsórcio, isto é, com a existência de uma mesma relação material controvertida relativamente às várias partes intervenientes na lide - cf. art.ºs 32.º e ss do CPC. A ideia de relação material controvertida, por seu turno, encontra-se intimamente relacionada com o princípio da instrumentalidade do processo, só se justificando exigir a presença de várias pessoas, à luz do regime do litisconsórcio (e com a consequente verificação da ilegitimidade da demanda de umas sem as outras) quando, do ponto de vista do direito material, o efeito jurídico pretendido apenas se possa produzir por todas ou contra todas as pessoas que devem intervir no litígio.
Assim, facilmente se conclui que não só não foi invocada qualquer preterição de litisconsórcio legal (confundindo o autor o regime da representação judiciária com o da legitimidade, cf. parágrafos que antecedem), como não se vislumbra fundamento legal para fazer intervir a pessoa aí identificada, por os efeitos jurídicos pretendidos pelo autor não exigirem, do ponto de vista material, a sua intervenção em conjunto com a ré.
*
Pelo exposto, por manifestamente improcedente, indefere-se a intervenção principal provocada da requerida pelo autor.
Custas do incidente pelo autor - cf. art.º 527.º, n.º 1, 539.º do CPC e 7.º, n.º 4 e anexo II do RCP.
Registe e notifique.
*
III.      Da não realização de audiência prévia:
Considerando o valor da causa, inferior a metade da alçada da Relação (cf. despacho infra), bem como a simplicidade da matéria objecto dos autos e o desnecessário ou já exercido contraditório quanto às excepções invocadas (art,ºs 597.º, al a) e 3.º, n.º 3 do CPC), dispensa-se a realização da audiência prévia (cf. art.º 597.º, al. b) do CPC), passando a proferir-se:
*
DESPACHO SANEADOR-SENTENÇA
VALOR DA CAUSA
Atento o disposto nos arts. 296.º e 297.º, n.ºs 1 e 2 e 301.º, n.ºs 1 e 2 do CPC, e uma vez que o mesmo não foi impugnado nem infirmado por qualquer elemento junto aos autos, fixa-se o valor da causa em €5.000,01.
*
DESPACHO SANEADOR STRICTO SENSU
O tribunal é competente em razão da nacionalidade, da matéria, da hierarquia e do valor.
Não existem nulidades processuais que invalidem o processo.
As partes dispõem de personalidade e capacidade judiciárias e estão devidamente patrocinadas.
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Da excepção de ilegitimidade singular da ré:
Nos presentes autos, veio o autor A intentar acção declarativa comum contra C peticionando que seja declarada «nula e anulável a deliberação impugnada, por falta de fundamentação e de prova, anulada a Assembleia por convocatória fora de prazo dos autores e anulada a acta lavrada, por da mesma não constar o conteúdo da intervenção do representante dos autores, nem a mesma estar completamente assinada».
Para o efeito, alega, em síntese:
(i) Ser proprietário de uma fracção em prédio constituído em propriedade horizontal (facto 1);
(ii) A existência de uma deliberação, aprovada em sede de assembleia extraordinária (facto 13);
(iii) Em cuja acta consta «o Dr. GA informou a Assembleia de Condóminos sobre o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 22.03.2022, que estabelece que não é permitida a exploração de uma fracção autónoma como alojamento local, caso a mesma seja destinada a habitação no respectivo título constitutivo de propriedade horizontal» (facto 19);
(iv)      «Deliberação» com a qual não se conforma pelos motivos aí enunciados.
A ré, em sede de contestação, invocou, além do mais, a excepção de ilegitimidade passiva singular com os seguintes fundamentos (em síntese):
(i) Conforme resulta do regime legal da propriedade horizontal (cf. arts. 1433.º e 1434.º do CC), a acção de anulação das deliberações de assembleia de condóminos deve ser proposta quanto a todos os condóminos ou, quando muito, o condomínio;
(ii) O administrador de condomínio não tem legitimidade passiva para a acção assim proposta.
O autor, em resposta à excepção invocada, asseverou que entende que a ré dispõe de legitimidade passiva «pois foi no exercício do seu mandato que foi tomada a deliberação impugnada que o autor entende ser ilegal, pelo que competirá à Ré e então administradora de condomínio defender a legalidade dessa deliberação e o seu interesse em contradizer tal alegado facto de ilegalidade invocado pelo autor, e até para evitar responsabilidades pela participação numa deliberação ilegal».
*
Apreciando.
Nos termos do art.º 30.º do CPC, «o autor é parte legítima quando tem interesse directo em demandar; o réu é parte legítima quando tem interesse directo em contradizer.
2- O interesse em demandar exprime-se pela utilidade derivada da procedência da acção e o interesse em contradizer pelo prejuízo que dessa procedência advenha.
3- Na falta de indicação da lei em contrário, são considerados titulares do interesse relevante para o efeito da legitimidade os sujeitos da relação controvertida, tal como é configurada pelo autor».
Por seu turno, o art.º 12.º, al. e) do CPC, epigrafado «extensão da personalidade judiciária», atribui a susceptibilidade de ser parte ao «condomínio resultante da propriedade horizontal, relativamente às acções que se inserem no âmbito dos poderes do administrador»; dispondo o art.º 1433.º, n.º 6 do CPC que «a representação judiciária dos condóminos contra quem são propostas as acções compete ao administrador ou à pessoa que a assembleia designar para esse efeito».
A jurisprudência tem discutido se as acções de impugnação de deliberações da assembleia de condóminos devem ser propostas contra (i) o condomínio, (ii) todos os condóminos ou (iii) os condóminos que aprovaram a deliberação.
Quanto à solução enunciada em (iii) afigura-se ser de afastar, pela seguinte razão: o art.º 1432.º, n.ºs 9 e 11 do CC estende as deliberações não impugnadas a condóminos não votantes, tornando-as eficazes num âmbito mais alargado do que o dos intervenientes directos na deliberação.
Ora, uma acção que visa a apreciação da invalidade de uma deliberação insere-se no âmbito do art.º 33.º, n.º 2 do CPC, por a natureza da relação jurídica (o âmbito de relevância da deliberação) impor a intervenção de todos os interessados com vista a produzir o seu efeito útil normal, não podendo uma deliberação que é una ser (ou poder ser) válida e inválida (ou eficaz e ineficaz) em relação a intervenientes diversos. Como refere MIGUEL TEIXEIRA DE SOUSA As partes, o objecto e a prova, Lisboa: Lex, 1995, pp. 71-72, «o litisconsórcio também se impõe quando a presença em juízo de todos os interessados é necessária para garantir uma decisão uniforme entre eles, ou seja, quando a ausência de um qualquer dos interessados é susceptível de possibilitar uma nova acção sobre a mesma relação e de originar decisões contraditórias».
No que respeita à posição enunciada em (ii), dir-se-á que, na senda da tese enunciada no Ac. TRG de 30-11-2016, proc. 98/14.4TBMTR.G1, «torna-se necessário levar a cabo uma interpretação actualista do art.º 1433º, nº 6 do CC substituindo a expressão aí mencionada “condóminos” pela palavra “condomínio”, já que este preceito legal foi redigido numa época em que o condomínio não gozava de personalidade judiciária, estatuto processual que entretanto o Condomínio alcançou na sequência da reforma do CPC de 1995/1996». Neste sentido, v. também, o Ac. do TRL de 11-07-2019, proc. 9441.17.3T8LSB.L1-2, onde se refere que «as acções de impugnação das deliberações da assembleia de condóminos devem ser intentadas contra o condomínio, que será representado pelo seu administrador ou por quem a assembleia designar para esse efeito» e o mais recente Ac. do STJ de 04-05-2021, proc. 3107/19.7T8BRG.G1.S1:
«a deliberação de condóminos é a forma por que se exprime a vontade da assembleia de condóminos (art.ºs 1431.º e 1432.º, ambos do Código Civil), órgão deliberativo a quem compete a administração das partes comuns do edifício constituído em propriedade horizontal (art.º 1430.º, n.º 1, do Código Civil), sendo o administrador o órgão executivo da administração (art.ºs 1435.º a 1438.º, todos do Código Civil).
Como bem se refere no acórdão da Relação do Porto, de 13/2/2017, proferido no processo n.º 232/16.0T8MTS.P1[16], parcialmente transcrito no acórdão deste Supremo, de 24/11/2020, já citado:
“Se a deliberação exprime a vontade da assembleia de condóminos, estruturalmente percebe-se que seja essa entidade, porque vinculada pela deliberação, a demandada em ação em que se questione a existência, a validade ou a eficácia de uma sua qualquer deliberação.
Por outro lado, mal se percebe que os condóminos, pessoas singulares ou coletivas, dotados de personalidade jurídica, careçam de ser representados judiciariamente pelo administrador do condomínio. De facto, a representação judiciária apenas se justifica relativamente a pessoas singulares desprovidas total ou parcialmente de capacidade judiciária ou relativamente a entidades coletivas, nos termos que a lei ou respetivos estatutos dispuserem, ou ainda relativamente aos casos em que as pessoas coletivas ou singulares se venham a achar numa situação de privação dos poderes de administração e disposição dos seus bens por efeito da declaração de insolvência”.
Por isso, entende-se que, quando no n.º 6 do art.º 1433º do Código Civil se faz referência aos condóminos, o legislador incorreu nalguma incorreção de expressão, dizendo menos do que queria, pois parece ter tido em mira uma entidade colectiva - a assembleia de condóminos -, o condomínio vinculado pelas deliberações impugnadas e cuja execução compete ao administrador, como já se viu.
Se ao administrador compete executar as deliberações da assembleia de condóminos, nos termos do art.º 1436.º, al. h), do Código Civil), por igualdade de razão, cumpre-lhe sustentar a existência, a validade e a eficácia dessas mesmas deliberações, em representação do condomínio.
Concluímos, assim, com o devido respeito por outros entendimentos, que a legitimidade passiva na ação de impugnação de deliberação da assembleia de condóminos, compete ao condomínio, representado pelo administrador».
Cumpre ainda notar que, ao contrário do que entendem teses diversas, o poder previsto no art.º 1433.º, n.º 6 do CC é ainda uma função do administrador, abrangida pelo art.º 1436.º que, desde logo na letra («além de outras que lhe sejam atribuídas»), admite que o elenco aí previsto é exemplificativo.
Deve ainda referir-se que a ratio de simplificação da relação processual, limitando o número de intervenientes em questões que se reportem ao condomínio como realidade global, que sustenta o regime previsto no art.º 12.º, al. e) do CPC, se verifica também nestes casos.
A final, sempre se dirá que a solução legal, assim interpretada, assume integral coerência com o regime do caso julgado, quanto aos seus pressupostos subjectivos: é que qualquer decisão sobre a deliberação vinculará os condóminos presentes e futuros, uma vez que, como se refere no Ac. do STJ de 12-07-2011, proc. 773/06.7TBLRA.C1.S1 «para efeito de caso julgado, verifica-se a identidade de sujeitos prevista no art.º 498º, nºs 1 e 2 do CPC, quando as partes são as mesmas sob o ponto de vista da sua qualidade jurídica. (...) verifica-se essa identidade entre a presente acção e a anterior, pois os réus aqui demandados sucederam por compra e venda no imóvel à autora na primeira acção onde fora reconhecido à mesma e à aqui autora o direito de compropriedade sobre o mesmo imóvel (...)».
*
Conclui-se, destarte, que, numa acção em que se pede a anulação de uma deliberação de condóminos é parte legítima o condomínio.
Assim, atenta a descrição do objecto processual tal como alegado pelo autor, é manifesto que a ré não tem qualquer interesse em contradizer a presente acção - neste sentido, v.g. Ac. do TRL de 28-04-2022, proc. 20064/21.2T8LSB.L1-6.
A ilegitimidade singular (por oposição à ilegitimidade por preterição de litisconsórcio necessário), não é sanável, já que o incidente de intervenção de terceiros apenas se encontra previsto para os casos de ilegitimidade plural - cf. arts. 261.º e 316.º e seguintes. De facto, não existe qualquer litisconsórcio possível entre uma parte que não é titular da relação material controvertida e a parte que devia figurar na mesma, não podendo esta última ser chamada à acção por não se encontrar preenchido, relativamente à parte (ilegítima) que figura na acção, o pressuposto «preterição de litisconsórcio necessário» ou «litisconsórcio voluntário», previstos no art.º 316.º, n.ºs 1 e 2 do CPC.
Pelo exposto, verifica-se uma excepção dilatória de conhecimento oficioso e insanável, determinando a absolvição da instância da ré - cf. arts. 278.º, n.º 1, al. d), 577.º, al. e) e 578.º do CPC.
 *
Atento o exposto, fica precludido o conhecimento das restantes questões suscitadas pelas partes - cf. 608.º, n.º 2 do CPC.
O autor é responsável pelas custas do processo - cf. art.º 527.º, n.º 1 do CPC.
*
Nestes termos, julga-se procedente a excepção dilatória de ilegitimidade singular passiva e, em consequência:
(i)   Absolve-se a Ré C da instância;
(ii)  Condena-se o Autor A em custas.
Registe e notifique.”
Inconformado, o autor interpôs o presente recurso de apelação, cuja motivação resumiu nas seguintes conclusões:
A. Nos presentes autos A propôs ação declarativa comum contra a sociedade administradora do condomínio, C (B….Portugal), responsável pela administração do prédio denominado NOVA …, sito na Rua …, n.º … Lote …, Bloco B, 3º Frt., Lisboa, pedindo que:
a) A deliberação da assembleia seja declarada "nula e anulável (..), por falta de fundamentação e de prova,
b) que seja anulada a Assembleia por convocatória fora de prazo e ainda,
c) anulada a ata lavrada, por da mesma não constar o conteúdo da intervenção do representante dos autores, nem a mesma estar completamente assinada".
d) E ser julgado inconstitucional o disposto no nº 2, do art.º 9º do DL 128/2014 de 29/08, na redação da Lei 62/2018 de 22/08.
B. Após a propositura da ação, o A. teve conhecimento de que a original representante da Ré havia sido destituída, tendo sido nomeada por unanimidade a D, Lda, como nova representante da Ré, pelo que, oportunamente foi deduzido incidente de intervenção principal provocada.
C. Na sentença recorrida, para além do mais, e no que para este recurso importa decidiu-se:
- Julgar procedente a exceção dilatória de ilegitimidade singular passiva;
- Absolver o Réu da instância;
- Condenar o Autor nas custas processuais.
D. Nulidade por omissão de pronúncia:
O autor na sua petição inicial alegou a inconstitucionalidade do disposto no nº 2, do art.º 9º do DL 128/2014 de 29/08, na redação da Lei 62/2018 de 22/08, na medida em que restringe o direito de propriedade, violando o princípio da proporcionalidade, relativamente a outros direitos em conflito, como o direito ao sossego e à privacidade, na interpretação feita pelo acórdão do STJ nº 4/2022 de 22/03/2022, uniformizador de jurisprudência, publicado no DRE - I série de 10/05, de que “no regime da propriedade horizontal, a indicação no título constitutivo, de que certa fração se destina a habitação, deve ser interpretada no sentido de nela não ser permitida a realização de alojamento locai’, por violação do art.º 62 - nº 1, 17 e 18 - nº 2 da Constituição da República Portuguesa.
E. Ora a presente questão apresentada ao Tribunal recorrido foi absolutamente ignorada, não havendo nada na sentença que dê resposta ao caso presente. O art.º 608º, nº 2 do CPC estabelece que: "O juiz deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, excetuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras;”
F. Ora a solução dada a outras questões não prejudicou o conhecimento da inconstitucionalidade levantada, pelo que deveria sim o tribunal recorrido pronunciar-se acerca da questão levantada.
G. Tudo na senda do acórdão proferido pelo Supremo Tribunal de Justiça, no proc. 12131/18.6 T8LSB.L1.S1 de 10.12.2020, onde se pode ler:“/ - A nulidade por omissão de pronúncia, representando a sanção legal para a violação do estatuído naquele nº 2, do artigo 608.º, do CPC, apenas se verifica quando o juiz deixe de pronunciar-se sobre as «questões» pelas partes submetidas ao seu escrutínio, ou de que deva conhecer oficiosamente, como tais se considerando as pretensões formuladas por aquelas, mas não os argumentos invocados, nem a mera qualificação jurídica oferecida pelos litigantes.”
H. A sentença é nula porquanto não se pronunciou sobre o vício da inconstitucionalidade do disposto no nº 2, do art.º 9º do DL 128/2014 de 29/08, na redação da Lei 62/2018 de 22/08, na interpretação feita pelo acórdão do STJ nº 4/2022 de 22/03/2022, uniformizador de jurisprudência, publicado no DRE - I série de 10/05, por violação do art.º 62 - nº 1, 17 e 18 - nº 2 da Constituição da República Portuguesa.
I. A omissão de pronúncia determina um vício da sentença, enfermando - a de nulidade nos termos do art.º 615º, nº 1, al. d) e ainda o art.º 608º, nº 2 primeira parte, todos do CPC.
J. A matéria de facto foi incorretamente julgada, fazendo-se tábua rasa do novo entendimento perfilhado pelos Tribunais Superiores, de que pertence ao administrador a legitimidade ativa e passiva para representar o condomínio em Juízo, tal como ficou estabelecido pelo legislador pela Lei 8/2022 de 10/01 alterou o artigo 1437º, nº 1 do CC, dele passando a constar que “o condomínio é sempre representado em Juízo pelo seu administrador, devendo demandar e ser demandado em nome daquele”.
K. E está muito certa esta norma interpretativa, como tal considerada no acórdão do TRP de 10/03/2022, proferido no P. 54/21.6T8PFR.P1, e disponível em www.dgsi.pt onde se escreveu:
“I - Na questão sobre a legitimidade passiva nas ações cujo objeto seja a anulação de deliberações da assembleia de condóminos, deve ser efetuada uma leitura atualista do artigo 1433º, nº6, do CC, pelo que estas devem ser intentadas contra o condomínio representado pelo seu administrador.
II   - Essa corrente já é atualmente a maioritária.
III - O legislador através da alteração do artigo 1437º, do CC efetuada pela lei nº 8/2022 de 10/1 consagrou esta posição, adotando assim uma norma de natureza interpretativa.
IV - Nesse diploma consagrou-se ainda que essa norma (com entrada em vigor no dia seguinte à sua publicação) produzia efeitos imediatos em todas as ações pendentes onde se discuta essa questão de representação.
V  - Por forma a aplicar esse comando que constitui um poder dever deve, pois, dar-se oportunidade ao autor, seja qual for a fase processual, de suscitar no prazo de dez dias a intervenção do administrador do condomínio.”
L. Por ser norma interpretativa, entrou de imediato em vigor, aplicando-se aos processos pendentes, como se alcança do artigo 8º da citada Lei, sendo que as restantes normas dela constante entraram em vigor passados 90 dias da sua publicação - cf. artigo 9º da citada Lei.
M. E compreende-se que assim seja: nas deliberações do condomínio, nomeadamente naquela cuja anulação nos autos se peticiona, não está em causa qualquer ato dispositivo ou redutor dum direito real, nomeadamente da propriedade dos condóminos, pelo que por força do mandato e do contrato de prestação de serviços efetuado entre a Ré e os condóminos, facilmente se assegura a representatividade em juízo dos condóminos, sendo a questão agora é clara face à Lei 8/2022 de 10/01, que alterou o artigo 1437º, nº 1 do CC.
N. Pertence por isso ao administrador a legitimidade ativa e passiva para representar o condomínio em Juízo, o legislador pela Lei 8/2022 de 10/01 alterou o artigo 1437º, nº 1 do CC, dele passando a constar que “o condomínio é sempre representado em Juízo pelo seu administrador, devendo demandar e ser demandado em nome daquele”.
O. Torna-se por isso evidente que a douta sentença recorrida padece de erro de direito, pelo que, com este fundamento, o recurso deverá ser julgado procedente.
P. A presente ação foi proposta a 17.10.2022. Por ata de dia 9.11.2022, notificada por email de 16.12.2022 ao A., foi a original representante da ré, C (B…. Portugal), NIPC ..., com sede e escritórios na Rua ..., nº ... - 1º Esq., Lisboa, destituída.
Q. Nessa data, por maioria, foi eleita a D, Lda., portadora do NIPC ... e com sede na Rua ..., Lote ..., letra X, Lisboa como nova administradora externa do Condomínio com efeitos a partir de 1.12.2022 e para o exercício de 2023.
R. Por incidente deduzido foi requerida a INTERVENÇÃO PRINCIPAL PROVOCADA e para o efeito liquidou-se a correspondente taxa de justiça.
S. A original representante da Ré C, excecionou a sua ilegitimidade passiva, a que o autor se opôs. Efetivamente era a C a administradora do condomínio quando a deliberação impugnada foi tomada e quando entrou a ação.
T. Entende, porém o autor que pertencendo ao administrador de condomínio a legitimidade de o representar, importa que o condomínio continue a estar representado na ação pelo seu administrador atual, por via da intervenção da então requerida D, Lda.
U. Este facto não afasta a legitimidade passiva da representante original da Ré C, pois foi no exercício do seu mandato que foi tomada a deliberação impugnada que o autor entende ser ilegal, pelo que competirá à Ré e então administradora de condomínio defender a legalidade dessa deliberação e o seu interesse em contradizer tal alegado facto de ilegalidade invocado pelo autor, e até para evitar responsabilidades pela participação numa deliberação ilegal.
V. A Ré C continua, por isso, a ser parte legítima e o chamamento da requerida visaria manter a legitimidade do condomínio e a sua representatividade em juízo, para assegurar a defesa dos atuais interesses do condomínio, anulando a deliberação ou assegurando até uma transação nesta ação, pelo que deveria ter sido admitida a intervenção principal requerida e ordenada a citação da nova administradora do condomínio, o que nunca se verificou.
W. Entendeu o tribunal a quo pelo indeferimento da intervenção principal provocada por a considerar manifestamente improcedente, considerando-se que: “os efeitos jurídicos pretendidos pelo autor não exigirem do ponto de vista material a sua intervenção em conjunto com a ré” e alegando-se ainda que o “autor não invocou a preterição do litisconsórcio legal.”
X. Salvo o devido respeito, parece-nos deveras evidente que qualquer decisão que afete o condomínio tem de ser tida em conta pelos representantes do mesmo. Facto que, por motivos processuais vários, sofreu alterações após a propositura da ação. Ou seja, do ponto de vista material, o efeito jurídico pretendido, tem necessariamente que se produzir contra qualquer um dos representantes do condomínio. Qualquer decisão tida neste processo teria necessariamente que ser “acatada” também pelo novo representante, não se vislumbrando como considera o tribunal recorrido que não exige do ponto de vista material uma intervenção em conjunto.
Y. Veja-se neste sentido, o Ac. Proferido no P.177/18.9 T8OHP-A.C1 do Tribunal da Relação de Coimbra de 21.5.2019, disponível em www.dgsi.pt, onde se pode ler:
III - Na intervenção principal, o terceiro é chamado a ocupar na lide a posição de parte principal, ou seja a mesma posição da parte principal primitiva a que se associa, fazendo valer um direito próprio (art.º 312º do CPC), podendo apresentar articulados próprios (artº 314º do CPC) e sendo a final condenado ou absolvido na sequência da apreciação da relação jurídica de que é titular efetuada na sentença, a qual forma quanto a ele caso julgado, resolvendo em definitivo o litígio em cuja discussão (art.º 320º do CPC).
Z. V - O artigo 311º do C.P.C. vigente, que define o âmbito da intervenção principal espontânea e serve de referência à intervenção provocada, veio estabelecer que, estando pendente causa entre duas ou mais pessoas, pode nela intervir como parte principal aquele que, em relação ao seu objeto, tiver um interesse igual ao do autor ou do réu, nos termos dos artigos 32º (litisconsórcio voluntário), 33º (litisconsórcio necessário) e 34º (acções que têm de ser propostas por ambos ou contra ambos os cônjuges).
AA. V// - Este incidente, como já dissemos, visa permitir a participação de um terceiro perante o qual o réu possui, na hipótese de procedência da ação, um direito de regresso.
BB. V/// - Para justificar esta intervenção não basta um simples direito de indemnização contra um terceiro, tornando-se ainda necessário que exista uma relação de conexão entre o objecto da ação pendente e o da ação de regresso (cfr. art.º 322º, nº 2, in fine, do C.P.C. vigente, art.º 331º, nº 2 in fine do C.P.C. revogado). E essa conexão está assegurada sempre que o objecto da ação pendente seja prejudicial relativamente à apreciação do direito de regresso contra o terceiro (cfr. Ac. Rel. Lisboa de 8/5/2003, proc.º nº 10688/2002-6).
CC. /X - Com este incidente o réu obtém não só o auxílio do chamado, como também a vinculação deste à decisão, de carácter prejudicial, sobre as questões de que depende o direito de regresso (art.º 332º, nº 4, hoje art.º 323º, n.º 4) - cfr. Ac.ºs STJ de 16.12.1987, BMJ 372/385, e de 31.3.1993, BMJ 425/473.
DD. X - Temos para nós que a posição que mais se adapta à lei é a que entende ser possível ao tribunal convolar oficiosamente para o incidente de intervenção provocada, desde que a parte alegue os requisitos exigidos pela norma (vg. direito de regresso ou sub rogação). Porquanto com a reforma do processo civil veio claramente permitir-se a opção por soluções que privilegiam aspetos de ordem substancial, em detrimento das questões de natureza meramente formal.”
EE. Torna-se por isso evidente que a douta sentença recorrida padece de erro de direito, pelo que, também com este fundamento, o recurso deverá ser julgado procedente.
Remata as suas conclusões nos seguintes termos:
“deve o presente recurso ser julgado procedente, e provado, conduzindo este douto TRL a:
1 º - Declarar o condomínio do prédio denominado NOVA …, sito na Rua …, n.º … Lote …, Bloco B, 3º Frt., Lisboa aqui representado inicialmente por C (B…. Portugal), NIPC, com sede e escritórios na Rua …, nº … - 1º Esq., Lisboa, e posteriormente por D, Lda, portadora do NIPC … e com sede na Rua …, Lote …, letra X, Lisboa ré na ação e por isso com legitimidade passiva para o efeito;
2º) Declarar nula e anulável a deliberação impugnada, por falta de fundamentação e de prova, anulada a
Assembleia por convocatória fora de prazo dos autores e anulada a ata lavrada, por da mesma não constar o conteúdo da intervenção do representante dos autores, nem a mesma estar completamente assinada.
3º - SE ASSIM SE NÃO ENTENDER: deve ser julgado inconstitucional o disposto no nº 2, do art.º gº do DL 128/2014 de 29/08, na redação da Lei 62/2018 de 22/08, na medida em que restringe o direito de propriedade, violando o princípio da proporcionalidade, relativamente a outros direitos em conflito, como o direito ao sossego e à privacidade, na interpretação feita pelo acórdão do STJ nº 4/2022 de 22/03/2022, uniformizador de jurisprudência, publicado no DRE - | série de 10/05, de que "no regime da propriedade horizontal, a indicação no título constitutivo, de que certa fração se destina a habitação, deve ser interpretada no sentido de nela não ser permitida a realização de alojamento local", por violação do art.º 62º - nº 1, 17 e 18 - nº 2 da Constituição da República Portuguesa.”
A apelada apresentou contra-alegações, pugnando pela improcedência da apelação.
No despacho de admissão do recurso, a Mm Juíza a quo sustentou que a decisão apelada não padece da nulidade invocada pela apelante, na medida em que da mesma consta que o Tribunal a quo não apreciou as demais questões suscitadas pelo autor por as considerar prejudicadas.
Remetidos os autos a este Tribunal, foram colhidos os vistos.
2. Objeto do recurso
Conforme resulta das disposições conjugadas dos art.ºs 635º, n.º 4 e 639º, n.º 1 do CPC, é pelas conclusões que se delimita o objeto do recurso, seja quanto à pretensão dos recorrentes, seja quanto às questões de facto e de Direito que colocam[13]). Esta limitação dos poderes de cognição do Tribunal da Relação não se verifica em sede de qualificação jurídica dos factos ou relativamente a questões de conhecimento oficioso, desde que o processo contenha os elementos suficientes a tal conhecimento (cfr. art.º 5º n.º 3 do CPC).
Não obstante, excetuadas as questões de conhecimento oficioso, não pode este Tribunal conhecer de questões que não tenham sido anteriormente apreciadas porquanto, por natureza, os recursos destinam-se apenas a reapreciar decisões proferidas[14].
Assim sendo, as questões a apreciar e decidir são as seguintes:
a) a nulidade da decisão apelada;
b) o incidente de intervenção principal provocada e a exceção de ilegitimidade passiva;
c) a nulidade e a anulabilidade da deliberação da assembleia de condóminos;
d) a inconstitucionalidade do nº 2 do art.º 9º do DL nº 128/2014, de 29-08.
3. Fundamentação
3.1. Os factos
Os factos a considerar são os vertidos no relatório supra.
3.2. Os factos e o Direito
3.2.1. Da nulidade do despacho recorrido.
3.2.1.1. Em jeito de introdução
Em jeito de introito à análise das nulidades invocadas, justifica-se plenamente citar ABRANTES GERALDES, PAULO PIMENTA, E LUÍS FILIPE PIRES DE SOUSA[15]:
“2. É verdadeiramente impressionante a frequência com que sede de recurso são invocadas nulidades da sentença ou de acórdãos, denotando o número significativo de situações em que o verdadeiro interesse da parte não é propriamente o de obter uma correta apreciação do mérito da causa, mas de “anular” a toda a força a sentença com que foi confrontada.
3. É claro que certas decisões poderão estar eivadas de nulidades, mas ainda assim seria bom que se interiorizasse que, atento o disposto no art.º 655º nº 1, que regula os poderes da Relação no âmbito do recurso de apelação, a sua verificação não determina necessariamente a remessa dos autos ao tribunal de 1ª instância, antes implica a substituição imediata por parte da Relação, a não ser que alguma questão tenha sido considerada prejudicada e haja necessidade de recolher outros elementos. Mesmo quando as nulidades respeitam a acórdãos da Relação, a intervenção do Supremo também se faz, em regra, em regime de substituição, a não ser nas situações excluídas no nº 1 do art.º 684º.
4. Acresce ainda uma frequente confusão entre nulidade da decisão e discordância quanto ao resultado, entre a falta de fundamentação e uma fundamentação insuficiente ou divergente da pretendida, ou mesmo entre a omissão de pronúncia (relativamente alguma questão ou pretensão) e a falta de resposta a algum argumento dos muitos que florescem nas alegações de recurso.
5. Porventura esta tendência encontrará a sua raiz num modelo processual em que o decurso do prazo para a interposição de recurso apenas iniciava depois de serem apreciados pelo tribunal a quo eventuais nulidades decisórias que eram autonomamente arguidas. Porém, há muito que foi ultrapassado esse quadro normativo, de modo que o prazo para interposição de recurso e apresentação de alegações apontada partir da notificação da sentença (art.º 638º nº 1) sem que haja a possibilidade de a parte dilatar (artificialmente) o exercício desse direito através da dedução de incidente de arguição de nulidade ou de reforma da sentença, questões que, quando surjam devem ser necessariamente integradas nas alegações de recurso, como claramente escreve nº 4. Seguro é que os resultados que se observam através da leitura dos acórdãos são reveladores da generalizada falta de consistência das nulidades que são frequentemente arguidas tendo como reflexo justificada a sua apreciação sumária que, na maior parte das vezes, é inteiramente merecida.”
Como bem apontam os citados autores, é realmente impressionante a circunstância de a grande maioria das arguições de nulidade da sentença se revelarem flagrantemente improcedentes e, mais do que isso, grosseiramente fundamentadas, demonstrando as mais das vezes profundo desconhecimento absoluta desconsideração do que há mais de setenta anos[16] constitui entendimento pacífico na doutrina e na jurisprudência acerca do correto âmbito de aplicação das normas que cominam a nulidade da sentença, sem que se denote, da parte dos recorrentes, qualquer esforço argumentativo no sentido de convencer o Tribunal de recurso das razões pelas quais arguem o apontado vício ao arrepio dos entendimentos dominantes na matéria.
Infelizmente, como veremos, o caso que nos ocupa constitui apenas mais um exemplo dessa postura.
3.2.1.2. Considerações gerais
Nos termos do disposto no artigo 615º, nº1, alínea d) do Código de Processo Civil, a sentença é nula quando o juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento.
Esta disposição legal é aplicável, com as necessárias adaptações, às decisões judiciais que não sejam qualificáveis como sentenças, bem como aos “meros despachos”. Tal é o que se retira do disposto no art.º 613º, nº 3 do CPC, que estabelece que “o disposto nos números anteriores, bem como nos artigos subsequentes aplica-se, com as necessárias adaptações, aos despachos”.
Seja como for, os vícios da omissão e do excesso de pronúncia constituem vícios formais, em sentido lato, traduzidos em error in procedendo ou erro de atividade que afetam a validade da sentença.
Esta nulidade configura, no fundo, uma violação do disposto no artigo 608º, nº2, do Código de Processo Civil, segundo o qual “O juiz deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, excetuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras; não pode ocupar-se senão das questões suscitadas pelas partes, salvo se a lei lhe permitir ou impuser o conhecimento oficioso de outras.”
Neste contexto, há que distinguir entre questões a apreciar e razões ou argumentos aduzidos pelas partes. Conforme já ensinava ALBERTO DOS REIS[17], “São, na verdade, coisas diferentes: deixar de conhecer de questão de que devia conhecer-se, e deixar de apreciar qualquer consideração, argumento ou razão produzida pela parte. Quando as partes põem ao tribunal determinada questão, socorrem-se, a cada passo, de várias razões ou fundamentos para fazer valer o seu ponto de vista; o que importa é que o tribunal decida a questão posta; não lhe incumbe apreciar todos os fundamentos ou razões em que elas se apoiam para sustentar a sua pretensão.” Ou seja, a omissão de pronúncia circunscreve-se às questões/pretensões formuladas de que o tribunal tenha o dever de conhecer para a decisão da causa e de que não haja conhecido, realidade distinta da invocação de um facto ou invocação de um argumento pela parte sobre os quais o tribunal não se tenha pronunciado.
Dito de outro modo: esta nulidade só ocorre quando não haja pronúncia sobre pontos fáctico-jurídicos estruturantes da posição das partes, nomeadamente os que se prendem com a causa de pedir, pedido e exceções e não quando tão só ocorre mera ausência de discussão das “razões” ou dos “argumentos” invocados pelas partes para concluir sobre as questões suscitadas. A questão a decidir não é a argumentação utilizada pelas partes em defesa dos seus pontos de vista fáctico-jurídicos, mas sim as concretas controvérsias centrais a dirimir e não os factos que para elas concorrem.
Do supra exposto flui que não constitui nulidade da sentença por omissão de pronúncia a circunstância de não se apreciar e fazer referência a cada um dos argumentos de facto e de direito que as partes invocam tendo em vista obter a (im)procedência da ação. Nas palavras precisas de MANUEL TOMÉ SOARES GOMES[18] «(…) já não integra o conceito de questão, para os efeitos em análise, as situações em que o juiz porventura deixe de apreciar algum ou alguns dos argumentos aduzidos pelas partes no âmbito das questões suscitadas. Neste caso, o que ocorrerá será, quando muito, o vício de fundamentação medíocre ou insuficiente, qualificado como erro de julgamento, traduzido, portanto numa questão de mérito.»
Não há omissão de pronúncia quando a matéria, tida por omissa, ficou implícita ou tacitamente decidida no julgamento da matéria com ela relacionada, competindo ao tribunal decidir questões e não razões ou argumentos aduzidos pelas partes. O juiz não tem que esgotar a análise da argumentação das partes, mas apenas que apreciar todas as questões que devem ser conhecidas, ponderando os argumentos na medida do necessário e suficiente.
Assim, incumbe ao juiz conhecer de todos os pedidos deduzidos, todas as causas de pedir e exceções invocadas e todas as exceções de que oficiosamente deve conhecer (art.º 608º, nº 2, do CPC) à exceção daquelas cujo conhecimento esteja prejudicado pelo anterior conhecimento de outros.
O conhecimento de uma questão pode fazer-se tomando posição direta sobre ela, ou resultar da ponderação ou decisão de outra conexa que a envolve ou a exclui.
Não ocorre nulidade da sentença por omissão de pronúncia quando nela não se conhece de questão cuja decisão se mostra prejudicada pela solução dada anteriormente a outra (art.º 608º, nº 2, 2ª parte, do CPC).
No que tange ao excesso de pronúncia (segunda parte da alínea d) do art.º 615º), o mesmo ocorre quando o juiz se ocupa de questões que as partes não tenham suscitado, sendo estas questões os pontos de facto ou de direito relativos à causa de pedir e ao pedido, que centram o objeto do litígio. Conforme se refere no acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 06-12-2012 (João Bernardo), p. 469/11.8TJPRT.P1.S1, à luz do princípio do dispositivo, há excesso de pronúncia sempre que a causa do julgado não se identifique com a causa de pedir ou o julgado não coincida com o pedido, não podendo o julgador condenar, além do pedido, nem considerar a causa de pedir que não tenha sido invocada. Contudo, quando o tribunal, para decidir as questões postas pelas partes, usar de razões ou fundamentos não invocados pelas mesmas, não está a conhecer de questão de que não deve conhecer ou a usar de excesso de pronúncia suscetível de integra nulidade[19].
A não concordância da parte com a subsunção dos factos às normas jurídicas e/ou com a decisão sobre a matéria de facto de modo algum configuram causa de nulidade da sentença[20].
3.2.1.3. O caso dos autos
Tecidas estas considerações, vejamos a sua pertinência no caso concreto.
No caso vertente, sustenta o autor que a decisão apelada é nula, por omissão de pronúncia., porque não se pronunciou sobre a invocada inconstitucionalidade do nº 2 do art.º 9º do DL nº 128/2014, de 29-08, na redação que lhe foi conferida pela Lei nº 62/2018, de 22-08.[21]
Do supra exposto resulta de forma clara que nenhuma razão assiste às recorrentes em invocar a nulidade em apreço.
Com efeito, na decisão apelada, o Tribunal a quo julgou improcedente o incidente de intervenção principal provocada deduzido pelo autor e procedente a exceção dilatória de ilegitimidade passiva, o que o conduziu a uma decisão de absolvição do réu da instância.
A questão da inconstitucionalidade invocada pelo autor poderia relevar para apreciar da validade material da deliberação impugnada, mas nada tinha que ver com a determinação da legitimidade passiva.
Nesta medida, tendo o Tribunal a quo, concluído pela procedência da referida exceção, já não podia conhecer da invocada inconstitucionalidade, por sere tratar de questão cuja apreciação ficou prejudicada face à procedência daquela exceção dilatória.  – art.º 608º, nº 2, 2ª parte, do CPC.
Isso mesmo consignou expressamente o Tribunal a quo, na parte final da fundamentação jurídica da causa: “Atento o exposto, fica precludido o conhecimento das restantes questões suscitadas pelas partes”.
Termos em que, sem necessidade de quaisquer outras considerações, se conclui que a decisão apelada não enferma da nulidade invocada.
3.2.2. Do incidente de intervenção principal provocada, e da exceção de ilegitimidade passiva
Na presente apelação foi a decisão apelada impugnada quer na parte em que julgou improcedente o incidente de intervenção principal provocada, quer na parte em que julgou procedente a exceção de ilegitimidade passiva.
As duas questões entrecruzam-se, na medida em que ambas têm como pressuposto a prévia determinação da legitimidade passiva., razão pela qual procuraremos resolvê-las de forma conjugada.
3.2.2.1. Considerações gerais
Embora sem definir cabalmente o conceito de legitimidade processual, o art.º 30º do CPC reporta-o ao interesse em demandar ou contradizer.
E, no nº 2 do mesmo preceito esclarece-se que o interesse em demandar se exprime pela utilidade derivada da procedência da ação, enquanto que o interesse em contradizer se exprime pelo prejuízo que dela advenha.
Estas regras aplicam-se quer às situações de legitimidade singular, quer às situações de legitimidade plural, ou seja, aos casos de litisconsórcio e coligação (vd. art.ºs 32º a 36º do CPC).
Finalmente, e de acordo com o nº 3 do mesmo art.º 30º do CPC, o critério supletivo para aferição da titularidade do interesse relevante para o efeito da legitimidade é o da titularidade da relação material controvertida tal como o autor a configura.
Mantém-se por isso atual a definição doutrinária de legitimidade processual proposta por CASTRO MENDES[22]: “A legitimidade é uma posição de autor e réu, em relação ao objecto do processo, qualidade que justifica que possa aquele autor, ou aquele réu, ocupar-se em juízo desse objecto do processo.”
Em sentido semelhante sustenta PAULO PIMENTA[23] que “a legitimidade consiste numa relação concreta da parte perante uma causa. Por isso a legitimidade não é uma qualidade pessoal, antes uma qualidade posicional da parte face à ação, ao litígio que aí se discute”.
Do mesmo modo, dizem RITA LOBO XAVIER, INÊS FOLHADELA, E GONÇALO ANDRADE E CASTRO[24] que “ser parte legítima é ter uma relação direta com o objeto do litígio”.
Finalmente, esclarecem ABRANTES GERALDES, PAULO PIMENTA, E LUÍS FILIPE PIRES DE SOUSA[25] que «o autor é parte legítima se, atenta a relação jurídica que invoca, surgir nela como sujeito suscetível de beneficiar diretamente do efeito jurídico pretendido; já o réu terá legitimidade passiva ser for diretamente prejudicado com a procedência da ação. A exigência de um “interesse” emergente da pronúncia judicial, reconduz-nos a um interesse direto e indica que é irrelevante para o efeito um mero interesse indireto, reflexo, ou mediato, ou ainda um interesse diletante ou de ordem moral ou académica».
Não obstante, os mesmos autores advertem para a circunstância de que “casos há (…) em que é a própria lei que identifica o detentor da legitimidade ativa ou passiva, prevalecendo tal indicação sobre a eventual alegação do autor em sentido inverso (…)”.
No caso em apreço, estamos perante uma ação declarativa constitutiva de impugnação de deliberações de assembleia de condóminos, matéria sobre a qual rege o art.º 1433º do CC, nos seguintes termos:
“Artigo 1433.º
(Impugnação das deliberações)
1. As deliberações da assembleia contrárias à lei ou a regulamentos anteriormente aprovados são anuláveis a requerimento de qualquer condómino que as não tenha aprovado.
2 - No prazo de 10 dias contado da deliberação, para os condóminos presentes, ou contado da sua comunicação, para os condóminos ausentes, pode ser exigida ao administrador a convocação de uma assembleia extraordinária, a ter lugar no prazo de 20 dias, para revogação das deliberações inválidas ou ineficazes.
3 - No prazo de 30 dias contado nos termos do número anterior, pode qualquer condómino sujeitar a deliberação a um centro de arbitragem.
4 - O direito de propor a ação de anulação caduca no prazo de 20 dias contados sobre a deliberação da assembleia extraordinária ou, caso esta não tenha sido solicitada, no prazo de 60 dias sobre a data da deliberação.
5. Pode também ser requerida a suspensão das deliberações nos termos da lei de processo.
6. A representação judiciária dos condóminos contra quem são propostas as ações compete ao administrador ou à pessoa que a assembleia designar para esse efeito.”
Como resulta da leitura deste preceito, a norma do nº 1 atribui expressamente a legitimidade ativa a qualquer condómino que não tenha aprovado a(s) deliberação(ões) impugnada(s).
Já a questão da legitimidade passiva gerou alguma controvérsia na doutrina e na jurisprudência, perfilando-se duas teses.
Assim, e segundo uns, face à ausência de personalidade judiciária do condomínio, as ações de impugnação de deliberações das assembleias de condóminos deveriam ser intentadas contra todos os condóminos ou pelo menos contra aqueles que haviam votado a favor de tais deliberações, e apenas poderiam ser intentadas contra o condomínio (representado pelo administrador), as ações inseridas no âmbito da competência deste (art.ºs 1436º e 1437º do CPC), sendo certo que, de acordo com esta tese, a representação do condomínio em tais ações não integrava o âmbito destes preceitos – Neste sentido cfr., por todos, os acs.:
- RL 12-02-2009 (José Eduardo Sapateiro), p. 271/2009-6;
- RL 13-07-2010 (Olindo Geraldes), p. 1063/09.9TVLSB.L1-6;
- RL 31-03-2011 (Márcia Portela), p. 1842/05.6TVLSB.L1-6;
- RG 28-01-2021 (Paulo Reis), p. 235/17.7T8EPS.G1;
- 08-06-2021 (José Igreja Matos), p. 1849/20.3T8MTS.P1;
- STJ 23-09-1998 (Torres Paulo), p. 98A845;
- STJ 02-02-2006 (Moitinho de Almeida), p. 05B4296;
- STJ 29-11-2006 (Moreira Alves), p. 06A2913;
- STJ 20-09-2007 (Bettencourt de Faria), p. 07B787;
- STJ 24-06-2008 (Moreira Camilo), p. 08A1755;
- STJ 06-11-2008 (Santos Bernardino), p. 08B2784;
Este entendimento foi sufragado por ABÍLIO NETO[26], JACINTO FERNANDES BASTOS[27], ABRANTES GERALDES[28], e MIGUEL TEIXEIRA DE SOUSA[29]
A esta tese se veio contrapor uma outra, segundo a qual as ações de impugnação de deliberações de assembleias de condóminos devem ser intentadas contra o condomínio, representado pelo administrador ou por quem a assembleia de condóminos indicar para esse efeito.
Particularmente ilustrativo desta tese se revelou o ac. RP 13-02-2017 (Carlos Gil), p. 236/16.0T8MTS.P1, que a sustentou nos seguintes termos:
“De acordo com o previsto na alínea e), do artigo 12º do Código de Processo Civil, a personalidade judiciária estende-se ao condomínio resultante da propriedade horizontal, relativamente às ações que se inserem no âmbito dos poderes do administrador.
Esta disposição legal remete diretamente para o artigo 1437º do Código Civil, que prevê especificamente a “legitimidade” para agir em juízo ativa e passivamente, nalguns casos, e também para o artigo 1436º que discrimina as diversas funções que competem ao administrador, nas quais se inclui a execução das deliberações da assembleia (alínea h), do artigo 1436º do Código Civil).
Finalmente, o nº 6, do artigo 1433º do Código Civil prevê que a representação judiciária dos condóminos contra quem são propostas as ações compete ao administrador ou à pessoa que a assembleia designar para o efeito [7].
A deliberação de condóminos é a forma por que se exprime a vontade da assembleia de condóminos (artigo 1431º e 1432º, ambos do Código Civil), órgão a quem compete a administração das partes comuns do edifício constituído em propriedade horizontal (artigo 1430º, nº 1, do Código Civil), sendo o administrador o órgão executivo da assembleia de condóminos (artigos 1435º a 1438º, todos do Código Civil).
Se a deliberação exprime a vontade da assembleia de condóminos, estruturalmente percebe-se que seja essa entidade, porque vinculada pela deliberação, a demandada em ação em que se questione a existência, a validade ou a eficácia de uma sua qualquer deliberação.
Por outro lado, mal se percebe que os condóminos, pessoas singulares ou coletivas, dotados de personalidade jurídica, careçam de ser representados judiciariamente pelo administrador do condomínio. De facto, a representação judiciária apenas se justifica relativamente a pessoas singulares desprovidas total ou parcialmente de capacidade judiciária ou relativamente a entidades coletivas, nos termos que a lei ou respetivos estatutos dispuserem, ou ainda relativamente aos casos em que as pessoas coletivas ou singulares se venham a achar numa situação de privação dos poderes de administração e disposição dos seus bens por efeito da declaração de insolvência.
Serve isto para vincar que quando no nº 6, do artigo 1433º, do Código Civil se faz referência aos condóminos, o legislador incorreu nalguma incorreção de expressão e de facto parece ter-se tido na mira, uma entidade coletiva, a assembleia de condóminos corporizada pelos condóminos que votaram favoravelmente a deliberação impugnada, o condomínio vinculado pelas deliberações impugnadas e cuja execução compete ao administrador, como já antes se viu.
Ora, também por aqui se chega à conclusão de que a legitimidade passiva na ação de impugnação de deliberação da assembleia de condóminos, compete ao condomínio, representado pelo administrador, pois que se a este cabe executar as deliberações da assembleia de condóminos (artigo 1436º, alínea h), do Código Civil), por igualdade de razão, cumpre-lhe sustentar a existência, a validade e a eficácia dessas mesmas deliberações, em representação do condomínio.
Esta solução, como refere o Professor Miguel Mesquita[30] é a que permite um exercício mais ágil do direito de ação, pois que os “pressupostos processuais não devem servir para complicar, desnecessariamente, o conhecimento do pedido e a resolução dos litígios, finalidades precípuas do processo civil.”
A estes argumentos, tem sido acrescentado um outro, decorrente da necessidade de fazer uma interpretação atualista do art.º 1433º, nº 6 do CC, de modo a que, onde constava “condóminos” se lesse “condomínio”, na medida em que a redação deste número 6 data de uma época em que o condomínio carecia de personalidade judiciária, sendo certo que na sequência da reforma processual de 1995/1996, tal situação se alterou, passando o condomínio a dispor de personalidade judiciária, relativamente às ações inseridas no âmbito dos poderes do administrador[31].
Em sentido idêntico cfr. acs.:
- RL 14-05-1998 (Silva Pereira), CJ XXIII, t. III, pp. 96-100;
- RL 14-12-2006 (Rosa Ribeiro Coelho), CJ XXXI, t. V, pp. 121-125;
- RL 25-06-2009 (Ilídio Sacarrão Martins), p. 4838/07.0TBALM.L1-8;
- RG 03-04-2014 (Isabel Rocha), p. 1360/10.0TBVCT.G1;
- RP 08-09-2014 (Manuel Domingos Fernandes), p. 1167/14.6TBGDM.P1
- RG 30-11-2016 (Pedro Damião Cunha), p. 98/14.4TBMTR.G1;
- RL 11-07-2019 (Gabriela Cunha Rodrigues), p. 9441/17.3T8LSB.L1-2;
- RL 11-03-2021 (Eduardo Petersen Silva), p. 14743/18.9T8LSB.L1-6;
- RL 15-07-2021 (Anabela Calafate), p. 3054/19.2T8FNC.L1-6;
- RP 22-02-2022 (Rodrigues Pires), p. 3077/20.9T8MAI.P1;
- RP 10-03-2022 (Paulo Duarte Teixeira), p. 54/21.6T8PFR.P1;
- RL 28-04-2022 (Ana de Azeredo Coelho), p. 2460/20.4T8LSB.L1-6;
- RL 28-04-2022 (Vera Antunes), p. 20064/21.2T8LSB.L1-6;
- RL 28-04-2022 (Vaz Gomes), p. 26145/20.2T8LSB.L1-2;
- RL 27-10-2022 (António Moreira), p. 2131/21.4T8AMD.L1-2;
- RL 22-11-2022 (Ana Rodrigues da Silva), p. 12845/20.0T8SNT.L1[32];
- RL11-05-2023 (Cristina Pires Lourenço), p. 25642/21.7T8LSB.L1-8
- STJ 14-02-1991 (Pereira da Silva), p. 080355;
- STJ 29-05-2007 (Urbano Dias), p. 1484/07;
- STJ 24-11-2020 (Raimundo Queirós), p. 23992/18.9T8LSB.L1.S1;
- STJ 04-05-2021 (Fernando Samões), p. 3107/19.7T8BRG.G1.S1;
- STJ 25-05-2021 (Mª Clara Sottomayor), p. 7888/19.0T8LSB.L1.S1;
- STJ 28-09-2023 (Ana Resende), p. 1338/22.1T8MTS.P1.S1;.
Esta tese apoia-se nas posições manifestadas por ARAGÃO SEIA[33], LOPES DO REGO LOPES DO REGO[34], SANDRA PASSINHAS[35], MIGUEL MESQUITA[36], LEBRE DE FREITAS E ISABEL ALEXANDRE[37]
Aderimos resolutamente a este entendimento, pelas razões expostas no trecho do aresto supracitado, as quais, pela sua clareza, dispensam a invocação de outros argumentos na sua sustentação.
Ressalva-se, porém, que a disciplina legal sobre esta matéria permanece envolta nalguma álea de indefinição conceptual, na medida, em que convoca três conceitos distintos, mas que interagem dinamicamente:
- A personalidade judiciária do condomínio;
- A legitimidade processual do condomínio;
- A representação do condomínio em juízo
A este propósito importa chamar à colação a atual redação do art.º 1437º do CC, que lhe foi conferida pela Lei n.º 08/2022, de 10-01, e que tem o seguinte teor:
“Artigo 1437.º
Representação do condomínio em juízo
1 - O condomínio é sempre representado em juízo pelo seu administrador, devendo demandar e ser demandado em nome daquele.
2 - O administrador age em juízo no exercício das funções que lhe competem, como representante da universalidade dos condóminos ou quando expressamente mandatado pela assembleia de condóminos.
3 - A apresentação pelo administrador de queixas-crime relacionadas com as partes comuns não carece de autorização da assembleia de condóminos.”
Face à atual redação deste preceito, parece-nos se hoje mais claro que o condomínio goza de uma certa extensão da personalidade judiciária (vd. art.º 12º, al. e) do CPC), e que a representação do condomínio em juízo cabe sempre ao administrador ou a quem a assembleia de condóminos designar.
Por outro lado, da conjugação deste preceito com o art.º 1433º do CC afigura-se ser hoje mais cristalino que a legitimidade passiva respeitante às ações de impugnação de deliberações da assembleia de condóminos é do condomínio, representado pelo administrador ou por quem a assembleia de condóminos designar para esse efeito.
No sentido exposto vd., entre outros, os seguintes acs., nos quais se entendeu que a alteração da redação deste preceito pela Lei nº 82/2022, de 10-01 tem natureza interpretativa, aplicando-se a todas as ações pendentes à data da sua entrada em vigor:
- RP 22-02-2022 (Rodrigues Pires), p. 3077/20.9T8MAI.P1;
- RP 10-03-2022 (Paulo Duarte Teixeira), p. 54/21.6T8PFR.P1
- RP 08-05-2023 (Miguel Baldaia de Morais), p. 4878/22.9T8VNG-B.P1;
- RL 11-05-2023 (Cristina Lourenço), p. 25642/21.7T8LSB.L1-8;
- RL 26-09-2023 (Ana Mónica Mendonça Pavão), p. 26149/22.0T8LSB.L1-7;
- RL 21-11-2023 (José Capacete), p. 29712/22.6T8LSB.L1-7[38]
3.2.2.2. O caso dos autos
3.2.2.2.1. Do incidente de intervenção principal provocada passiva
Aqui chegados, cumpre apreciar o decidido no tocante ao incidente de intervenção principal e à exceção de ilegitimidade passiva.
Quanto ao primeiro, diremos que do disposto no art.º 311º do CPC resulta de forma clara que o mesmo tem por finalidade e efeito fazer intervir na causa quem nela deva figurar como autor ou réu, a par do/a primitivo/a autor ou réu, daí resultando uma situação de litisconsórcio.
Este incidente é, por isso, absolutamente inaplicável ao caso dos autos, na medida em que a legitimidade para a causa é singular, e repousa no condomínio, representado pela administração ou por quem a assembleia de condóminos designar.
Acresce que o incidente de intervenção principal não serve para substituir uma parte carecida de legitimidade por outra que a detém – vd. acs. RG 06-01-2011 (Manuel Bargado), p. 5907/09.7TBBRG-A.G1; e STJ 17-06-2010 (Salazar Casanova), p. 686/08.8TBBRG.G1.S1.
A sucessão de administradores na pendência da ação nada tem que ver com a legitimidade passiva, que sempre repousa no condomínio, mas na representação deste.
Note-se que não dispondo o condomínio de personalidade jurídica, mas beneficiando da extensão da personalidade judiciária, na medida prevista na al. e) do art.º 12º do CPC, ou seja, quanto às ações que se inserem no âmbito das funções do administrador, quanto a estas rege o art.º 26º do CPC, do qual resulta a necessidade de representação do condomínio pelo administrador. É aliás essa a solução consagrada atualmente no art.º 1437º, nº 1 do CC.
Ora, sempre que, na pendência da causa, ocorra sucessão na posição jurídica de representante legal de uma das partes, tal sucessão não carece de ser formalizada mediante incidente da instância. Não é por isso aplicável nem a intervenção principal, como sustentou a apelante, nem a habilitação de cessionário, como poderá ter considerado o Tribunal a quo aquando da prolação do pouco claro despacho proferido em 24-04-2023 (refª 425086015).
Nesta medida, nenhuma censura merece a decisão apelada, na parte em que julgou improcedente o incidente de intervenção principal provocada passiva.
3.2.2.2.2. Da exceção de ilegitimidade passiva
Cumpre agora sindicar a decisão apelada, na parte em que julgou procedente a exceção de ilegitimidade passiva.
Como resulta do exposto no relatório, o Tribunal a quo considerou que a ilegitimidade passiva para a presente causa cabe ao condomínio e, por entender que a presente ação foi intentada contra a sociedade C enquanto sociedade comercial, e não na qualidade de administradora do condomínio a quer se reporta a petição inicial, julgou procedente a exceção de ilegitimidade passiva, e absolveu a demandada da instância.
Concordamos com a primeira conclusão, mas divergimos da segunda.
Na verdade, atenta a relativa falta de clareza dos preceitos do CC e do CPC a que já fizemos referência, impõe-se um especial cuidado na interpretação das peças processuais, no tocante à determinação da legitimidade passiva.
Ora, no caso vertente, logo no início da petição inicial o autor fez constar o que segue:
““A, NIF … e cartão de cidadão nº … válido até …, maior, residente na Rua …, nº …, 1º Esq., Carcavelos, vem propor:
AÇÃO DECLARATIVA COMUM,
nos termos dos artigos 548º e 552º e seguintes do CPC
PARA ANULAÇÃO DA DELIBERAÇÃO DE CONDOMÍNIO DO PRÉDIO DENOMINADO NOVA …, SITO NA R. …, Nº ... LOTE …, BLOCO B, 3º Frt., LISBOA ocorrida na assembleia extraordinária de 20/7/2022, nos termos dos art.ºs 1433º e segs. do Código Civil, contra:
O Administrador B “B….. - PORTUGAL”, NIPC …, com sede e escritórios na Rua …, nº … – 1º Esq., Lisboa – cf. art.º 1437 – nº 1 do CC, na redação da Lei 8/2022 de 10/01,”
Deste trecho ressalta, para nós, com evidência, que a sociedade aqui identificada foi demandada na sua qualidade de administradora do condomínio.
Isso mesmo reiterou o autor na petição inicial “corrigida” que apresentou com o seu requerimento de 24-11-2022, na qual fez constar idêntico trecho, agora reportado à sociedade C.
É certo que, perante a notícia da mudança da administração do condomínio e na sequência do despacho proferido em 23-01-2023, o autor requereu “o prosseguimento da instância contra a Ré C, mas fê-lo argumentando que o fazia por ser esta a sociedade administradora do condomínio à data da aprovação da deliberação impugnada e da propositura da ação. Aliás, concomitantemente, deduziu incidente de intervenção principal da nova administradora, de modo a que a mesma passasse a intervir na qualidade de ré.
Não pode, pois, depreender-se, como fez o Tribunal a quo, que o autor pretendeu demandar a mencionada sociedade por considerar que a mesma deve figurar como ré enquanto sociedade comercial, antes parece claro que foi demandada na qualidade de administradora do condomínio.
É certo que o autor parece nalguma medida confundir os conceitos de legitimidade processual e representação do condomínio.
Mas neste plano uma eventual confusão é compreensível, atenta a indefinição terminológica já largamente aludida.
Impunha-se, pois, que o Tribunal a quo, fizesse uma leitura da petição inicial e dos esclarecimentos prestados pela sociedade que, à data da propositura da ação exercia as funções de administradora do condomínio, de modo a interpretar a demanda como dirigida contra o condomínio, representado pela sua administradora.
Como bem aponta o ac. RL 26-09-2023 (Luís Filipe Pires de Sousa), p. 6597/23.0T8LSB.L1.[39], “a circunstância de o procedimento ter sido intentado contra a Administração do Condomínio do Prédio sito (…) em vez de contra Condomínio do Prédio sito (…) constitui mera imprecisão terminológica inconsequente porquanto o demandado deduziu a oposição, que entendeu pertinente (…). Ou seja, a sua defesa não foi prejudicada por tal imprecisão.”
É que, como ensinam ABRANTES GERALDES, PAULO PIMENTA, E LUÍS FILIPE PIRES DE SOUSA[40], o mero erro de identificação do sujeito processual deve ser objeto de retificação «nuns casos mediante formulação de um convite à parte, noutros casos por via direta, através de uma simples interpretação corretiva que estabeleça a precisa correspondência entre a identificação do sujeito e a verdade intenção da parte (cf. art.º 146º, nº2).»
No caso vertente, não temos dúvidas de que o autor pretendeu demandar o administrador do condomínio enquanto representante deste, ou seja, pretendeu intentar a ação contra o condomínio, representado pela sociedade que à data da propositura da ação, exercia as funções de administradora deste.
Cabia, pois, ao Tribunal a quo interpretar tal vontade, e exercendo o poder-dever de adequação formal (art.º 547º do CPC), promover a reconfiguração da causa em conformidade com a vontade do autor, ou seja, determinando que a ação prosseguisse nesses termos, com as necessárias consequências, nomeadamente que no registo informático dos autos e no rosto dos mesmos passasse a constar, como réu, o condomínio, considerando-se seu representante o respetivo administrador, e reconhecendo que face à substituição do administrador inicialmente identificado, a representação do réu cabe atualmente à administração atualmente eleita, ou seja, a sociedade D, Lda, pessoa coletiva nº …[41].
Em consequência, cumpre revogar o despacho recorrido, na parte em que julgou procedente a exceção de ilegitimidade passiva em consequência julgar improcedente aquela exceção, determinando-se o prosseguimento da causa, devendo entender-se que a presente ação foi intentada contra o condomínio do prédio denominado Nova …, sito na rua …, nº …, em Lisboa, e que o mesmo é representado em juízo pelo respetivo administrador que em cada momento se encontrar em funções.
3.2.3. Das demais questões suscitadas
Sustenta o apelante que este Tribunal da Relação declare nula e anulável a deliberação impugnada e, caso assim o não entenda, se pronuncie pela inconstitucionalidade do disposto na al. g) do nº 2 do DL 128/2014, de 29-08.
Estas pretensões não podem proceder, na medida em que se trata de questões que não chegaram a ser apreciadas pelo Tribunal a quo, sendo certo que a apreciação do mérito da causa, no tocante à primeira questão referida depende de prova a produzir e a segunda questão deve ser apreciada juntamente com a primeira.
Trata-se, por isso, de questões cujo conhecimento se acha, por ora, prejudicado – art.º 608º, nº 2 2ª parte, do CPC, aplicável ex vi do art.º 663º, nº 2 do mesmo Código.
3.2.4. Das custas
Nos termos do disposto no art.º 527º, nº 1 do CPC, “A decisão que julgue a ação ou algum dos seus incidentes ou recursos condena em custas a parte que a elas houver dado causa ou, não havendo vencimento da ação, quem do processo tirou proveito.”
A interpretação desta disposição legal, no contexto dos recursos, deve atender ao elemento sistemático da interpretação.
Com efeito, o conceito de custas comporta um sentido amplo e um sentido restrito.
Em sentido amplo, tal conceito inclui a taxa de justiça, os encargos e as custas de parte (cf. art.ºs 529º, nº1, do CPC e 3º, nº1, do RCP).
Já em sentido restrito, as custas são sinónimo de taxa de justiça, sendo esta devida pelo impulso do processo, seja em que instância for (art.ºs 529º, nº 2 e 642º, do CPC e 1º, nº 1, e 6º, n.ºs 2, 5 e 6 do RCP).
O pagamento da taxa de justiça não se correlaciona com o decaimento da parte, mas sim com o impulso do processo (vd. art.ºs 529º, nº 2, e 530º, nº 1, do CPC). Por isso é devido quer na 1ª instância, quer na Relação, quer no STJ.
Assim sendo, a condenação em custas a que se reportam os art.ºs 527º, 607º, nº 6, e 663º, nº 2, do CPC, só respeita aos encargos, quando devidos (art.ºs 532º do CPC e 16º, 20º e 24º, nº 2, do RCP), e às custas de parte (art.ºs 533º do CPC e 25º e 26º do RCP).
Tecidas estas considerações, resta aplicar o preceito supracitado.
E fazendo-o diremos que no caso em apreço, face à parcial procedência da presente apelação, as custas devem ser suportadas por apelante e apelado[42], afigurando-se adequado que o façam em partes iguais.
4. Decisão
Pelo exposto, acorda-se em julgar a apelação parcialmente procedente, e em consequência, revogar o despacho recorrido, na parte em que julgou procedente a exceção de ilegitimidade passiva em consequência julgar improcedente aquela exceção, determinando o prosseguimento da causa, devendo entender-se que a presente ação foi intentada contra o condomínio do prédio denominado Nova …, sito na rua …, nº …, em Lisboa, e que o mesmo é representado em juízo pelo respetivo administrador que em cada momento se encontrar em funções.
Nesta conformidade, deverá proceder-se às necessárias alterações no rosto dos autos e no registo informático do processo.
Custas por apelante e apelado, em partes iguais.

Lisboa, 05 de março de 2024
Diogo Ravara
Luís Filipe Pires de Sousa
José Capacete
_______________________________________________________
[1] Refª 420874770, de 24-11-2022.
[2] Refª 421436114.
[3] Refª 34815859/44476779, de 23-01-2023.
[4] Refª 422469121, de 23-01-2023.
[5] Refª 34854466/44515339, de 25-01-2023.
[6] Refª 422613084, de 25-02-2023.
[7] Refª 35111873/44765858, de 17-02-2023.
[8] Refª 35111875/44765696, de 17-02-2023.
[9] Refª 35494040/45132577, de 27-03-2023.
[10] Refª 425086015, de 24-04-2023.
[11] Vd. aviso de receção com a refª 36075236, de 26-05-2023.
[12] Refª 428812908.
[13] Neste sentido cfr. Abrantes Geraldes, “Recursos no Novo Código de Processo Civil”, 5ª Ed., Almedina, 2018, pp. 114-117
[14] Vd. Abrantes Geraldes, ob. cit., p. 119
[15] “Código de Processo Civil Anotado”, vol. I, Almedina, 2018, pp. 736-737.
[16] Basta referir que os primeiros volumes da 1ª edição do “Código de Processo Civil Anotado” de ALBERTO DOS REIS foram publicados nos anos 40 do século passado.
[17] Código de Processo Civil Anotado, Vol. V, p. 143.
[18] “Da Sentença Cível”, in “O novo processo civil”, caderno V, e-book publicado pelo Centro de Estudos Judiciários, jan. 2014, p. 370, disponível no endereço http://www.cej.mj.pt/cej/recursos/ebooks/ProcessoCivil/CadernoV_NCPC_Textos_Jurisprudencia.pdf.
[19] Neste sentido cfr. ac. STJ de 15-12-2011 (Pereira Rodrigues), p. 2/08.9TTLMG.P1S1
[20] Vd. ac. STJ de 17-05-2012 (Gilberto Jorge), p. 91/09
[21] Vd. conclusões D a I.
[22] “Direito processual civil”, II vol., AAFDL, 1987, p. 187.
[23] “Processo Civil declarativo”, 2ª ed., Almedina, 2018, p. 75.
[24] “Elementos de direito processual civil – Teoria geral – Princípios – Pressupostos”, Universidade Católica Portuguesa Editora – Porto, 2014, p. 164
[25] “Código de Processo Civil Anotado”, vol. I, Almedina, 2018, p. 59.
[26] “Manual da propriedade horizontal”, 3ª ed., Ediforum, pp. 348-349
[27] “Notas ao Código de Processo Civil”, vol. I, 3ª ed., 12999, p. 57;
[28] “Temas da reforma do processo civil”, IV vol., 4ª ed., Almedina, 2010, p. 109.
[29] Vd. comentário publicado no blog do IPPC de 20-10-2022, disponível em:
https://blogippc.blogspot.com/2022/10/jurisprudencia-2022-48.html
[30] Ob. e lug. cits, p. 56.
[31] Vd. art.º 6º, al. e) do CPC1961, na redação vigente após esta reforma. Atualmente rege o art.º 12º, al. e) do CPC2013.
[32] Inédito.
[33] “Propriedade Horizontal”, 2ª ed., Almedina, 2002 pp. 216-217
[34] “Comentários ao Código de Processo Civil”, Vol. I, 2ª ed., Almedina, 2004 p. 43, nota VI
[35] “A Assembleia de condóminos e o administrador na propriedade horizontal”, Almedina 2000, pp. 336-338.
[36] “A personalidade judiciária do condomínio nas acções de impugnação de deliberações da assembleia de condóminos”, in Cadernos de Direito Privado, 35, jul/set 2011, pp. 41-56.
[37] “Código de Processo Civil anotado”, Vol. 1º, 3ª ed., Coimbra Editora 2014, p. 41, nota 5.
[38] Relatado pelo aqui segundo adjunto. Embora este aresto se reporte a um procedimento cautelar de suspensão de deliberação aprovada em assembleia de condóminos, as conclusões nele vertidas valem, por inteiro, relativamente às ações de impugnação de deliberações da mesma assembleia.
[39] Relatado pelo aqui 1º adjunto.
[40] “Código de Processo Civil Anotado”, vol. I, 3ª ed., Almedina, 2022, p. 45.
[41] Vd. requerimento de 27-03-2023 e despacho de 24-04-2023, referenciados no relatório.
[42] Entendendo-se como tal o condomínio a que se reportam os presentes autos.