Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
06A2913
Nº Convencional: JSTJ000
Relator: MOREIRA ALVES
Descritores: ASSEMBLEIA DE CONDÓMINOS
DELIBERAÇÃO
ADMINISTRADOR
PODERES FUNCIONAIS
LEGITIMIDADE PASSIVA
Nº do Documento: SJ200611290029131
Data do Acordão: 11/29/2006
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: AGRAVO.
Decisão: CONCEDIDO PROVIMENTO.
Sumário : I - O administrador não tem legitimidade para ser demandado como réu quando esteja em causa a impugnação de deliberações do condomínio.

II - O n.º 6 do art. 1433.º, quando conjugado com o art. 1437.º, ambos do CC, e com a al. e) do art.6.º do CPC, não pode ser interpretado no sentido de conferir legitimidade processual passiva ao administrador do Condomínio, assim como o art. 6.º, al. e) do CPC não concede personalidade judiciária ao condomínio quanto às acções em que pode intervir o administrador, pura e simplesmente, mas apenas quanto àquelas em que o administrador intervém no exercício dos seus poderes funcionais.

III - No caso das acções em que se impugnam deliberações da assembleia de condóminos, não se está no âmbito dos poderes funcionais do administrador.

Decisão Texto Integral: Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:


Relatório


Nas Varas Cíveis da Comarca de Lisboa, Empresa-A, intentou a presente acção declarativa, com processo ordinário, contra AA (na qualidade de administradora do Imóvel sito na R: .. nº ...) pedindo que, julgada a acção procedente, se declarem anuladas as deliberações da Assembleia de Condóminos de 2 de Fevereiro de 2005, no que respeita à aprovação das contas de 2004 e orçamento de 2005.
Para efeitos de decisão de agravo, não interessa considerar a factualidade em que a A. fundamenta o pedido).

Citada a Ré, defendeu-se, antes de mais por excepção, arguindo a sua ilegitimidade, porquanto o pedido de invalidade “letra sensu” das deliberações da assembleia de condóminos deve ser formulado contra os condóminos que tenham aprovado tais deliberações conforme resulta do disposto no Art.º 1433 nº6 do C.P.C.

(não interessa considerar a defesa por impugnação).
Replicou a A. defendendo ser a R. parte legítima.
Proferiu-se despacho saneador no âmbito do qual foi apreciada a questão da ilegitimidade da Ré, julgando-se procedente a alegada excepção e em consequência julgou-se a Ré parte ilegítima na presente acção, absolvendo-se da instância.

Inconformada apelou a A. para o Tribunal da Relação de Lisboa, o qual apreciando o agravo, lhe deu provimento, revogando a decisão recorrida e julgando a Ré parte legítima.

É agora a Ré que, inconformada agrava para este STJ ao abrigo do disposto no Art.º 754º nº2 do C.P.C., invocando oposição do acórdão com vários outros acórdãos da mesma Relação que decidiram em sentido contrário.

Admitido o agravo, foram apresentados tempestivas alegações, formulando a recorrente as seguintes

Conclusões

a) O acórdão recorrido está em contradição com diversas decisões proferidas pelo Tribunal da Relação de Lisboa e de outras Relações, nos termos supra- citados.
b) O entendimento destas decisões, conformes com a tese da agravante, é no sentido de que apesar de o administrador ser um órgão executivo do condomínio e, nesta qualidade, ter, entre outras, as funções de representar o conjunto dos condóminos, .... no que se refere à impugnação das deliberações da assembleia contrárias à lei ou a regulamentos anteriormente aprovados, por parte de qualquer condómino que as não tenha aprovado, o que se estabelece no n.º 6, do art. 14330 do CC, é que a representação jurídica dos condóminos contra quem são propostas as acções compete ao administrador ou à pessoa que a assembleia designar para este efeito"
c) ", ,. a legitimidade passiva para as acções de impugnação de deliberações da assembleia de condóminos radica nos próprios condóminos - a representação judiciária dos condóminos contra quem são propostas as acções,." que são efectivamente os titulares do interesse directo em contradizer",
d) O representante age apenas em nome e no interesse do condomínio, ou seja do conjunto e condóminos ...
e)... como vem sendo jurisprudência pacífica nesta Relação, resulta, com mediana clareza, da conjugação do disposto nos nºs 1,2,4 e 6 do art.º 1433° do CC, na redacção dada pelo Dec-Lei n, ° 267/94, de 25 de Outubro, que a legitimidade - activa ou passiva - para as acções de impugnação de deliberações da assembleia de condóminos se radica nos próprios condóminos, sendo os demandados representados judiciariamente pelo administrador do condomínio ou por pessoa que a assembleia designar para o efeito.
f) São eles efectivamente os titulares do interesse em demandar (legitimidade activa) ou em contradizer (legitimidade passiva), na definição do art.º. 26º nºs 1 e 2, do CPC, e não os seus representantes, uma vez que estes agem em nome e no interesse do representado sobre quem se reflectem os efeitos dos actos de representação.
g)A descrita contradição fundamenta e justifica o presente recurso - art° 678° n° 4 do CPC.
h) Para além da contradição da decisão recorrida com decisões do Tribunal da Relação de Lisboa e de outras Relações, também o acórdão recente proferido pelo Supremo Tribunal de Justiça - acórdão 02/06/2006 - veio a considerar-se existir jurisprudência deste mesmo Tribunal no sentido da tese da agravante, e, por isso, em contradição com o acórdão recorrido.
i) Decidiu este Supremo Tribunal - referido acórdão - que " .... A legitimidade passiva do Administrador nas acções respeitantes às partes comuns do edifício não é extensível à impugnação das deliberações do condomínio onde estão em causa interesses dos condóminos de outra natureza. Resulta claramente do nº 6 do art.º 1433° do Código Civil que, nas acções de impugnação da assembleia geral dos condóminos, estes são representados pelo administrador, o que implica que devem também ser demandados. "
j) Não existe, pois, jurisprudência anteriormente fixada pelo Supremo que sustente a decisão recorrida, antes a contrariando (parte final do art. 678° nº 4, e existe jurisprudência do Supremo Tribunal no mesmo sentido.
k) O que também fundamenta o presente recurso - art° 6780 nº 6 do CPC.
I) A agravante carece de legitimidade passiva para ser demandada, em nome próprio e nessa qualidade, pelo que é parte ilegítima na presente acção - art. 1433 nº 6 do C.C., art. 26 nºs 1 e 3 e art. 494 e) do C.P.C.
Não existe factualidade relevante para a decisão, visto que a única questão a resolver é e direito e consiste em saber se o administrador do condomínio tem (ou não tem) legitimidade para, por si e nessa qualidade, ser accionado nas acções de (impugnação de deliberação da assembleia de condóminos.

Fundamentação

A questão acima enunciada é controversa como bem se salienta no acórdão recorrido.

Para uma corrente jurisprudencial, o administrador do condomínio não tem legitimidade passiva nas acções de impugnação de deliberações da assembleia de condóminos. Tais acções devem ser propostas, não contra os administradores, mas contra os condónimos.
(neste sentido cfr.
- Ac. S.T.J. de 14/2/91 – Nº conv. JSTJ000077a6;
- Ac. S.T.J de 23/9/98 – N. conv. JST00034212;
- Ac. S.T.J de 2/2/2006 – N. conv. JST000.)
Para outro, é inequívoca tal legitimidade passiva, uma vez que o administrador actua como representante orgânico do condomínio, sendo certo que, como diz Sandra Passinhas (Assembleia de Condomínio e o Administrador na Propriedade Horizontal)” A deliberação exprime a vontade do condomínio, do grupo, e não dos condóminos (individualmente considerados, ou dos que aprovaram a deliberação).
E, sendo um acto do condomínio, a legitimidade passiva cabe ao administrador. A redacção do Art.º 1433 nº4, é anterior à reforma de 94 e não foi objecto de actualização...”
(cof. Ac. R.L de 14/5/98 – Col/J. 1998 -3º-96;
- Ac. do S.T.J. - Agravo nº 1114/05 – 7º de 5/5/2005;
-Ac. do S.T.J. – Revista nº 3727/05 – 6 de 10/1/2006.)
Foi esta última orientação a adoptada pelo acórdão recorrido.

Cumpre, então, decidir.

Não obstante se reconhecer a dificuldade em optar por qualquer uma das soluções e pese embora o peso da argumentação desenvolvida na defesa da segunda orientação enunciada, pensamos que a interpretação dos textos legais não a consentem, daí que se opte pela primeira.
Consequentemente, decidir-se-à que o administrador não tem legitimidade para ser demandado como ........ quando esteja em causa a impugnação de deliberação do condomínio.

Vejamos melhor.
Dispõe o Art.º 6º e/ do C.P.C. que tem personalidade judiciária” o condomínio resultante da propriedade horizontal relativamente às acções que se inserem no âmbito dos poderes do administrador”.
Portanto, fora do âmbito dos poderes do administrador, o condomínio não tem personalidade judiciária, isto é, não pode ser parte em juízo, competindo, assim, aos condóminos, agir em juízo em seu nome próprio.
Como é sabido, a atribuição de personalidade judiciária a determinadas entidades não dotadas de personalidade jurídica, como é o caso do condomínio, visa a “ordenação dos interesses subjacentes a essas entidades” (cof. Luís Carvalho Fernandes – Teoria Geral).
Ora, no caso do condomínio, o Art.º 1437 do C.C. confere ao administrador legitimidade para agir em juízo, quer contra qualquer dos condóminos, quer contra terceiros, na execução das funções que lhes pertencem (legitimidade activa), assim como lhe confere legitimidade passiva para ser demandado, mas apenas nas acções respeitantes às partes comuns do edifício.
(Como parece evidente refere-se o preceito à chamada legitimidade formal, isto é a capacidade judiciária ou processual – (susceptibilidade de estar a parte, pessoal e livremente em juízo) – e não à legitimidade “ad causam” que só em concreto e caso a caso pode ser averiguada.
É que nem sempre a personalidade judiciária coincide com a capacidade processual. Pode falhar esta, apesar de existir aquela.
É o que se passa no condomínio, ao qual é reconhecida personalidade judiciária embora sem a correspondente capacidade processual. E, sendo assim, torna-se necessário que o exercício dos direitos processuais fique a cargo de terceiro, que assim adquire legitimidade formal, agindo no processo, embora em nome e no interesse das partes que representam (cf. Anselmo de Castro – Direito Processual Civil declaratório). Quer dizer, na falta de capacidade processual há necessidade do seu suprimento e é exactamente essa a função do Art.º 1437 do C.P.C.).
Portanto, de acordo com o disposto no preceito em análise, como se diz no Ac. deste S.T. de 2/2/2006 “só quanto a actos de conservação e punição dos cargos comuns, aos actos conservatórios ou relativos à prestação de serviços comuns o administrador pode demandar e ser demandado nessa qualidade”.

Parece, pois, poder concluir-se que a introdução mo Art.º 6 do C.P.C. da alínea e/, quando da reforma de 1995, não trouxe nada de novo que não resultasse já da lei substantiva (Art.º 1437 do C.C.)., pois, que, se o administrador podia já agir em juízo no âmbito dos seus poderes funcionais, é porque a lei reconhecia implicitamente ao condomínio, a necessária personalidade judiciária, sem que o preceito seria absurdo.

De resto, como observa L. Freitas (C.P.C.), citando A. Varela e Teixeira de Sousa “a ideia de elencar as entidades às quais é atribuída personalidade judiciária visou desfazer duvidas quanto ao âmbito da categoria de património autónomo semelhante à herança cujo titular ainda não estivesse determinado, embora alguma doutrina e jurisprudência usasse, sem grande rigor, no que respeita ao condomínio, nele subsumir as figuras a que se referem as novas alíneas b) c) e e)”

Parece-nos, assim, que o Art.º 6º e) do C.P.C. não visou abranger a situação de representação judiciária prevista no nº4 (hoje nº6) do Art.º 1433 do C.C., até porque, em matéria de deliberação da assembleia de condóminos o administrador não tem quaisquer poderes nem exerce qualquer função administrativa. A apreciação e votação das questões submetidas à assembleia de condóminos só a estes pertence, não desempenhando, nessa sede, o administrador, qualquer papel.
O que lhe compete, isso sim, é o dever de executar as deliberações da assembleia (Art.º 1436 b) do C.C.) e nessa actividade funcional, se porventura a execução da deliberação tiver a ver com actos conservatórios relativos às partes comuns, já nada impedirá que o condomínio prejudicado, por ex, accione directamente o administrador. Então, estaremos em pleno âmbito do disposto no Art.º 1437 nº2.
Mas, não é esta a perspectiva do Art.º 1433.
Segundo o nº1 do preceito “As deliberações da assembleia contrárias à lei ou a regulamentos anteriormente aprovados são anuláveis a requerimento de qualquer condómino que os não tenha votado”, o que significa que a conduta pode ser sancionada com a anulabilidade, isto é, a deliberação contrária à lei ou ao regulamento, é da exclusiva responsabilidade dos condóminos que a votarem, não envolvendo o exercício de qualquer poder ou desempenho de funções da parte do administrador, enquanto tal.
Consequentemente, no que respeita às acções de impugnação das deliberações tomadas pela assembleia de condóminos, não estamos no âmbito dos poderes do administrador, pelo que, nesse domínio, não goza o condomínio de personalidade judiciária como resulta do Art.º 6 do C.P.C. e já resultava implicitamente do disposto no Art.º 1437 do C.C.
Daí que, nesta matéria são os próprios condóminos que devem ser pessoalmente accionados, dada a falta de personalidade judiciária do condomínio, embora a sua representação em juízo caiba ao administrador ou à pessoa que a assembleia designar para o efeito.
É o que resulta directamente do disposto no Art.º 1437 do C.C. quer no que respeita à legitimidade activa, quer quanto à legitimidade passiva.
Quanto a esta , única que de momento nos interessa, diz expressamente o nº6 do preceito que as acções são propostas contra os condóminos “A representação judiciária dos condóminos contra quem são propostas as acções compete ao administrador ou à pessoa que a assembleia designou para o efeito” (sublinhado nosso).
Sendo assim, como nos parece, é claro que, apesar da reformulação do Art.º 6 do C.P.C. e da sua nova alínea e), não havia necessidade de actualizar a redacção do então nº4 (hoje nº6) do Art.º 1433 do C.C.
Aquela reformulação limita-se a ser a expressão processual do que já resultava do Art.º 1437 do C.C.
A harmonização a convergência fez-se com esse preceito e não com o nº6 do Art.º 1433.

Porém, o facto de a legitimidade passiva para as acções onde se impugne uma deliberação tomada na assembleia de condóminos radicar nos próprios condóminos nos termos gerais do direito processual, não impede a consideração de que a assembleia de condóminos configura um órgão colectivo ou colegial de que o administrador aparece como órgão executivo, nem a contestação de que a deliberação vincula todos os condóminos, assim como a sua anulação produz efeitos em relação a todos.
Ora, é em atenção a esta específica realidade que a lei, por razões de ordem prática
(- dificuldade prática de conseguir a mobilização de todos os condóminos para a defesa comum – o propósito de evitar a proliferação de contestação com o natural prejuízo para a defesa, fase à previsível falta de cooperação ou coordenação – necessidade de eficácia da defesa – simplificação do processado etc-), centralizou a representação judiciária dos condóminos accionados na pessoa do administrador ou da outra pessoa para o efeito designada.
Tal representação corresponde, no entanto, a uma situação completamente diferente da prevista no Art.º 1437, que não pressupõe a prévia atribuição de personalidade judiciária como acontece com a consignada no dito preceito legal, no domínio do nº6 do Art.º 1433, estamos perante uma simples representação judiciária, determinada pela lei, ela própria a implicar que os condóminos representados sejam individualmente accionados sob pena de não haver representação alguma...

Por outro lado, parece que a respeito da representação judiciária, a que se refere o citado nº6 do Art. 1433, não será, sequer, adequado falar-se em representação orgânica exercida pelo órgão executivo-administrador-.
É que a representação orgânica que compete ao administrador não poder ser afastada pela assembleia.
Como diz Sandra Passinhas (ob. cit. pág. 339) “O administrador é um órgão, tem aquilo a que se chame representação orgânica e representa ex necessário o condomínio.
A assembleia não pode limitar a delimitada pelo núcleo das suas funções.”
Ora, no caso, essa representação (a representação judiciária) pode ser afastada pela assembleia que tem o poder de designar quem entender para o efeito de representar os condóminos nas acções que contra eles foram intentados para impugnar deliberação da assembleia.

Pensamos, assim, salvo melhor opinião, e não apenas por meras razões literais, que o nº6 do Art.º 1433, quando conjugado com o Art.º 1437 ambos do C. C. e com a alínea e) do Art.º 6 do C.P.C., não pode ser interpretado no sentido de conferir legitimidade processual passiva ao administrador do condomínio, assim como o Art.º 6 e do C.P.C. não concede personalidade judiciária ao condomínio quanto às acções em que pode intervir o administrador, pura e simplesmente, mas apenas quanto àquelas em que o administrador intervém no exercício dos seus poderes funcionais. No caso das acções em que se impugnam deliberação da assembleia de condóminos, não se está no âmbito dos poderes funcionais do administrador.

Consequentemente, no caso concreto, a Ré AA, porque foi accionada na sua qualidade de administradora do condomínio, não tem legitimidade passiva para esta acção, como bem decidiu a 1ª instância.
Procede, pois, o agravo.
Decisão

Termos em que acordam neste S.T.J. em dar provimento ao agravo, e, por isso, revogam o douto acórdão recorrido, passando a valer a decisão da 1ª instância.

Custas, pela agravada, também na Relação.
Lisboa, 29 de Novembro de 2006

Moreira Alves
Alves Velho
Moreira Camilo