Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
1167/14.6TBGDM.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: MANUEL DOMINGOS FERNANDES
Descritores: PROPRIEDADE HORIZONTAL
DELIBERAÇÕES DA ASSEMBLEIA DE CONDÓMINOS
LEGITIMIDADE PASSIVA
Nº do Documento: RP201409081167/14.6TBGDM.P1
Data do Acordão: 09/08/2014
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: REVOGADA
Indicações Eventuais: 5ª SECÇÃO
Área Temática: .
Sumário: O condomínio, ou seja, o conjunto dos condóminos, pode ser directamente demandado quando, designadamente, estejam em causa deliberações da assembleia”, sendo que, na falta de outra pessoa nomeada pela assembleia para o efeito, “é o administrador que deve ser citado como representante legal do condomínio”.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Processo nº 1167/14.6TBGDM.P1-Apelação
Origem: Tribunal Judicial da Comarca de Gondomar-1º Juízo Cível
Relator: Manuel Fernandes
1º Adjunto Des. Caimoto Jácome
2º Adjunto Des. Macedo Domingues
Sumário:
I- O condomínio, ou seja, o conjunto dos condóminos, pode ser directamente demandado quando, designadamente, estejam em causa deliberações da assembleia”, sendo que, na falta de outra pessoa nomeada pela assembleia para o efeito, “é o administrador que deve ser citado como representante legal do condomínio”.
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I-RELATÓRIO
Acordam no Tribunal da Relação do Porto:

B…, casado, residente na Rua …, …, .º sq., …, veio requerer procedimento cautelar de suspensão provisória das deliberações da Assembleia de Condóminos realizada em 29.04.2014, contra Condomínio … sito na Rua …, números …, …, …, … e …, …, Gondomar, representado pela senhora administradora C…, moradora na Rua …, …, .º Esqº, ….-… …, designadamente a que deliberou que os portões de acesso ao logradouro do condomínio situado a nascente e poente esteja aberto das 07h 30m às 20h30 de Segunda a Sábado, alegando que aquele livre acesso permite que veículos por ali circulem, provocando ruído que incomoda os condóminos, bem assim pondo em perigo a circulação de crianças e idosos naqueles.
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Após ter sido ordenada a citação do requerido, foi exarado despacho saneador em que se concluiu que o condomínio, na pessoa do seu administrador, não tem legitimidade passiva para o presente procedimento cautelar, e, em consequência, absolveu-se o requerido da instância.
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Não se conformando com o assim decidido veio o requerente interpor o presente recurso concluindo da seguinte forma:
1- As acções de impugnação de deliberação resultante de Assembleia de Condóminos, devem ser intentadas contra o condomínio representado pelo seu administrador;
2- Sendo o administrador do condomínio quem, nos termos do disposto no artigo 383º nº 2 do CPC, e citado para o procedimento cautelar.
3- Ao decidir pela ilegitimidade do condomínio representado pelo seu administrador para o presente procedimento cautelar foram violados o disposto nos artigos 12º; 223ª; 383º do CPC.
4- A revogação da decisão de fls. e a sua substituição por outra que julgue o condomínio representado pelo seu administrador como parte legítima para a providência cautelar de suspensão de deliberação de assembleia de condóminos é de inteira e sã justiça.
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Não foram apresentadas contra-alegações.
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Foram dispensados os vistos.
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II- FUNDAMENTOS

O objecto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação do recorrente, não podendo este Tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que as mesmas sejam de conhecimento oficioso-cfr. artigos 635.º, nº 3, e 639.º, nºs 1 e 2, do C.P.Civil.
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No seguimento desta orientação é apenas uma a questão que importa decidir:
a)- saber contra quem deve ser requerida a suspensão de uma deliberação tomada em assembleia de condóminos e, concretamente, se o tem de ser contra os condóminos, devidamente discriminados e identificados, que votaram a deliberação cuja suspensão se requer, como pretende a decisão recorrida, ou contra o condomínio representado pelo administrador, como defende o apelante.
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A)- FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO

A matéria de facto que importa considerar para a apreciação da questão enunciada é a que resulta do relatório supra e que aqui se dá por reproduzida.
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III- O DIREITO

Antes de mais, importa referir que não tem sido pacífica e uniforme a jurisprudência que sobre a questão decidenda se tem pronunciado.
Para uma determinada corrente jurisprudencial, o administrador do condomínio não tem legitimidade passiva nas acções de impugnação de deliberações da assembleia de condóminos. Tais acções devem ser propostas, não contra os administradores, mas contra os condóminos.
Para uma determinada corrente jurisprudencial, o administrador do condomínio não tem legitimidade passiva nas acções de impugnação de deliberações da assembleia de condóminos. Tais acções devem ser propostas, não contra os administradores, mas contra os condóminos.
Assim, entendeu-se no Ac. da RC de 19.6.2001[1] que nas acções de impugnação das deliberações da assembleia de condóminos a respectiva acção terá de ser intentada “contra todos os condóminos, individualmente considerados, que as hajam aprovado, se tenham abstido ou não tenham estado presentes ou representados, os quais, serão, assim, os verdadeiros demandados na acção, que a podem contestar, isoladamente, permitindo a lei, não obstante, que estes sejam representados pelo administrador ou pela pessoa designada para o efeito (...)”.
Esse foi também o entendimento seguido no Ac. da RL, de 30.9.1997[2], onde se escreveu que a acção deve ser dirigida “contra (...) todos os condóminos que votaram as deliberações, identificando-os”, podendo, embora, depois, pedir-se que a sua citação se efectue na pessoa do administrador.
Para outra corrente, a legitimidade passiva cabe ao condomínio, representado pelo administrador-Ac. R.L de 14-05-1998.[3]
Neste acórdão defendeu-se que, após a reforma de 1995 do Código de Processo Civil, “o condomínio, ou seja, o conjunto dos condóminos, pode ser directamente demandado quando, designadamente, estejam em causa deliberações da assembleia”, sendo que, na falta de outra pessoa nomeada pela assembleia para o efeito, “é o administrador que deve ser citado como representante legal do condomínio”.
Idêntico entendimento foi o seguido no acórdão da RC de 14.12.2006, onde se defendeu que “nas acções de anulação das deliberações da assembleia dos condóminos, tem legitimidade passiva o condomínio, representado pelo seu administrador”.[4]
Julgamos ser esta a doutrina a seguir.
Efectivamente, o condomínio, isto é, o conjunto de condóminos, não tendo personalidade jurídica, tem personalidade judiciária.
Nos termos do art.º 12º, al. e), do C.P.C., tem ainda personalidade judiciária “o condomínio resultante da propriedade horizontal relativamente às acções que se inserem no âmbito dos poderes do administrador”.Ora, um dos poderes do administrador é precisamente o da representação judiciária dos condóminos contra quem sejam propostas acções de impugnação das deliberações da assembleia–artigo 1433.º, nº 6 do Código Civil.
Aliás, o nº 2 do artigo 393.º do CPCivil estatui também que, na providência cautelar de suspensão das deliberações da assembleia de condóminos “É citada para contestar a pessoa a quem compete a representação judiciária dos condóminos na acção de anulação”.
O administrador do condomínio é, pois, ope legis, o representante judiciário dos condóminos nas acções de impugnação ou no procedimento cautelar de suspensão das deliberações da assembleia. E, enquanto representante judiciário, age em nome e no interesse do colectivo de condóminos, ou seja, do condomínio.
É também este o entendimento de Lebre de Freitas[5] e de Lopes do Rego.[6]
O que está em causa é uma deliberação que “exprime a vontade do condomínio, do grupo, e não dos condóminos (individualmente considerados)”, sendo que “as controvérsias respeitantes à impugnação de deliberações da assembleia apenas satisfazem exigências colectivas da gestão condominial, sem atinência directa com o interesse exclusivo de um ou vários participantes, com a consequência que, nessas acções, a legitimidade para agir cabe exclusivamente ao administrador”.[7]
No condomínio actua um interesse colectivo, e a assembleia de condóminos (órgão deliberativo) exprime a vontade do condomínio, “completamente desvinculada e autónoma das posições individuais de cada condómino”.[8]
No mesmo sentido escreveu Aragão Seia, “ Face à actual redacção da alª e) do artigo 6.º do Código de Processo Civil, em consonância com o nº 6 citado, diversamente do que acontecia antes da Reforma de 1995, o condomínio, ou seja, o conjunto dos condóminos, pode ser directamente demandado quando, designadamente, estejam em causa deliberações da assembleia, devendo o administrador ser citado como representante legal do condomínio–nº 1 do artigo 231.º do CPC–, embora a assembleia possa designar outra pessoa para prosseguir a acção”.[9]
Por força deste entendimento, e também para prevenir e evitar dificuldades reais não só para quem demanda (existe o ónus excessivo de identificar cabalmente todos os condóminos que votaram favoravelmente a deliberação, sobretudo, quando tal não resulta da acta respectiva) como também para quem contesta (dificuldade em mobilizar todos os condóminos para a defesa comum, evitar vários tipos de contestação com o prejuízo daí decorrente para a defesa, etc), parece-nos mais consentâneo com a intenção do legislador que consagrou a personalidade judiciária do condomínio, conferir legitimidade passiva ao condomínio, o qual, se assim o entender, poderá conferir ao administrador a sua representação.[10]
Sendo assim, a acção não tinha que ser dirigido contra os condóminos, individualmente considerados e identificados, que aprovaram a deliberação, como foi decidido, mas sim contra o conjunto dos condóminos ou condomínio, representado pelo respectivo administrador, como foi feito.
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Destarte, procedem assim, as conclusões formuladas pelo apelante e, com elas, o respectivo recurso.
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IV-DECISÃO

Pelos fundamentos acima expostos, acordam os Juízes deste Tribunal da Relação em julgar a apelação interposta procedente por provada e consequentemente, revoga-se a decisão recorrida, ordenando-se o prosseguimento da acção face à legitimidade processual do condomínio demandado, representado pela respectiva administradora.
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Custas pelo apelante (artigo 527.º nº 1 do C.P.Civil).
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Porto, 08 de Setembro de 2014
Manuel Domingos Alves Fernandes
Caimoto Jácome
Macedo Domingues
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[1] CJ III/2001, pág. 27.
[2] CJ IV/97, pág. 96.
[3] CJ III/98, pág. 96.
[4] CJ V/2006, pág. 122.
[5] Código de Processo Civil Anotado, vol I, pág. 21.
[6] Comentários ao Código de Processo Civil, vol I, pág. 43.
[7] Sandra Passinhas, “A Assembleia de Condóminos e o Administrador na Propriedade Horizontal”, pg. 337
[8] Ibidem, pág. 176.
[9] Propriedade Horizontal-Condóminos e Condomínios-, 2ª Edição Revista e Actualizada, pág. 216 e 217.
[10] Ac. RE de 18.09.2008, in www.dgsi.pt