Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
1063/09.9TVLSB.L1-6
Relator: OLINDO GERALDES
Descritores: PROPRIEDADE HORIZONTAL
LEGITIMIDADE PASSIVA
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 07/13/2010
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA A DECISÃO
Sumário: A legitimidade passiva na acção de impugnação das deliberações da assembleia de condóminos cabe aos respectivos condóminos, embora a sua representação pertença ao administrador ou à pessoa que a assembleia designar para o efeito.
(Sumário do Relator)
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam no Tribunal da Relação de Lisboa:

I – RELATÓRIO
S... instaurou, na 3.ª Vara Cível da Comarca de Lisboa, contra a Administração do Condomínio do Prédio sito ..., em Lisboa, representada pelo seu administrador J..., acção declarativa, sob a forma de processo ordinário, pedindo que fosse declarado falso o documento particular, a acta n.º 32, falsidade traduzida na desconformidade entre o que se passou e declarou na assembleia de condóminos, ocorrida no dia 4 de Maio de 2008, e o que no documento se diz ter passado ou declarado, com a consequente declaração de nulidade da acta n.º 32 do livro de actas do respectivo condomínio.
Contestou a R., por impugnação, concluindo pela improcedência da acção.
Findos os articulados, foram as partes notificadas do despacho do Juiz de que poderia estar em causa a ilegitimidade passiva, vindo as mesmas a pronunciar-se.
Designada a audiência preliminar, nesta foi proferido despacho saneador, no qual, para além do mais, se declarou a ilegitimidade passiva e se absolveu a R. da instância.

Inconformada com tal decisão, apelou a Autora, a qual, tendo alegado, formulou essencialmente as seguintes conclusões:
a) A presente acção é de declaração de nulidade, por falsidade, de uma acta, que supostamente registaria as deliberações da assembleia de condóminos, mas que se fez constar falsamente que teria sido tomada uma determinada deliberação que não foi tomada.
b) A legitimidade passiva assiste a quem é arguido de ter efectuado a falsidade, a Administração do Condomínio, representada pelo administrador.
c) Mesmo que se entendesse dever aplicar o regime fixado para as acções de anulação/impugnação das deliberações da assembleia de condóminos, tinha de ser intentada contra o administrador do condomínio, porque é este que representa processualmente o condomínio e, enquanto conjunto organizado dos condóminos, tem interesse em contradizer.
d) A decisão recorrida violou o art. 26.º do CPC.
Pretende, com o provimento do recurso, a revogação do despacho recorrido, prosseguindo os autos, com a selecção da matéria de facto.

A parte contrária não contra-alegou.

Cumpre apreciar e decidir.

Neste recurso, está em discussão a legitimidade passiva do administrador do condomínio.

II – FUNDAMENTAÇÃO
2.1. Descrita a dinâmica processual relevante, importa conhecer do objecto do recurso, delimitado pelas respectivas conclusões, e cuja questão jurídica emergente se acaba de especificar.
Embora na acção se peça que seja declarado falso o documento correspondente à acta n.º 32 do Condomínio, com a consequente declaração de nulidade da mesma acta, o que acaba por estar em questão são as deliberações da assembleia de condóminos documentadas por tal acta, dado que o efeito jurídico pretendido com a acção afecta directamente a genuinidade e validade das respectivas deliberações.
Por isso, a questão da legitimidade passiva, que se discute nos autos, equaciona-se também nos mesmos termos do que sucede com a impugnação das deliberações da assembleia de condóminos.
Neste âmbito, como se dá conta na decisão recorrida, têm-se confrontado duas correntes jurisprudenciais.
Para uma, o administrador do condomínio não tem legitimidade passiva nas acções de impugnação de deliberações da assembleia de condóminos, devendo tais acções ser propostas contra os condóminos – acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 29 de Novembro de 2006 (Processo n.º 06A2913) e de 6 de Novembro de 2008 (Processo n.º 08B2784), ambos acessíveis em www.dgsi.pt.
Para outra corrente, o administrador do condomínio tem legitimidade passiva, dado que o mesmo actua como representante orgânico do condomínio e a deliberação exprime a vontade do condomínio, do grupo e não dos condóminos (individualmente considerados, ou dos que aprovaram a deliberação). E, sendo um acto do condomínio, a legitimidade passiva cabe ao administrador – acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 29 de Maio de 2007, publicado na Colectânea de Jurisprudência (STJ), Ano XV, T. 2, pág. 97.
A questão não é de fácil solução, mas propende-se para a primeira corrente, na esteira aliás do acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 16 de Junho de 2005 (acessível em www.dgsi.ptProcesso n.º 2428/2005-6), que o actual relator subscreveu, persuadidos que a interpretação dos textos legais não consente a segunda corrente.
O condomínio resultante da propriedade horizontal não goza de personalidade jurídica, à qual se associa a personalidade judiciária, como decorre do n.º 2 do art. 5.º do Código de Processo Civil (CPC).
No entanto, por efeito do disposto na alínea e) do art. 6.º do CPC, a lei estendeu a personalidade judiciária ao “condomínio resultante da propriedade horizontal, relativamente às acções que se inserem no âmbito dos poderes do administrador”. Neste caso, e de forma limitada, cabe ao administrador a respectiva representação em juízo, por força do estatuído nos artigos 22.º do CPC e 1437.º do Código Civil (CC).
Assim, fora do âmbito dos poderes do administrador, o condomínio não tem personalidade judiciária, não podendo ser parte em juízo, competindo, nesse caso, aos condóminos agir em juízo em seu próprio nome.
No caso do condomínio, o n.º 1 do art. 1437.º do CC confere ao administrador legitimidade para agir em juízo “quer contra qualquer dos condóminos, quer contra terceiro, na execução de funções que lhe pertencem ou quando autorizado pela assembleia” (legitimidade activa), enquanto o seu n.º 2 lhe confere legitimidade para ser demandado apenas nas “acções respeitantes às partes comuns do edifício” (legitimidade passiva).
Daqui resulta que a alínea e) do art. 6.º do CPC não se destinou a incluir o caso de representação judiciária prevista no n.º 6 do art. 1433.º do CC, na medida em que, em matéria de deliberações da assembleia de condóminos, o administrador não tem quaisquer poderes nem exerce qualquer função administrativa. Na verdade, a apreciação e votação das questões submetidas à assembleia de condóminos só a estes pertence, sem qualquer papel do administrador. Trata-se, pois, de uma questão que apenas implica os condóminos, enquanto membros da assembleia de condóminos, neles radicando a legitimidade, como se destacou no referido acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 6 de Novembro de 2008.
Efectivamente, nos termos estabelecidos no n.º 1 do art. 1433.º do CC, “as deliberações da assembleia contrárias à lei ou a regulamentos anteriormente aprovados são anuláveis a requerimento de qualquer condómino que as não tenha aprovado”, o que só pode significar que tais deliberações são da exclusiva responsabilidade dos condóminos que as votaram, não implicando o exercício de qualquer poder ou desempenho de funções do administrador, enquanto tal considerado. Por isso, é claro que, nas acções de impugnação das deliberações da assembleia de condóminos, não se está no âmbito dos poderes do administrador, não gozando, aqui, o condomínio de personalidade judiciária. Nesta situação, são os próprios condóminos que devem ser demandados, pese embora a sua representação judiciária pertença ao administrador ou à pessoa que a assembleia de condóminos designar para o efeito. Isso mesmo é afirmado, categoricamente, pelo n.º 6 do art. 1433.º do CC, ao aludir aos “condóminos contra quem são propostas as acções”.
Deste modo, a legitimidade passiva na acção de impugnação das deliberações da assembleia de condóminos cabe aos respectivos condóminos, embora a sua representação pertença ao administrador ou à pessoa que a assembleia designar para o efeito.
É, neste sentido, aliás, que tem vindo a pronunciar-se, maioritariamente, o Tribunal da Relação de Lisboa, designadamente, nos acórdãos de 31 de Janeiro de 2008 (Processo n.º 9968/2007-6), 12 de Fevereiro de 2009 (Processo n.º 271/2009-6) e 28 de Abril de 2009 (Processo n.º 11159/2008-1), todos acessíveis em www.dgsi.pt.
No caso vertente, a Apelante propôs a acção contra a Apelada, a Administração do Condomínio do Prédio sito ..., em Lisboa, com a pretensão de obter a declaração de falsidade da acta n.º 32 do respectivo Condomínio e a declaração da sua nulidade, respeitante à assembleia de condóminos de 4 de Maio de 2008.
É manifesto que, no caso, não se discute qualquer questão relativa às partes comuns do edifício, mas antes matéria de diferente natureza relativa à genuinidade e validade da deliberação da assembleia de condóminos documentada na acta referenciada.
Por isso, como demandados, deviam estar todos os condóminos que aprovaram a respectiva deliberação, cuja genuinidade e validade foi impugnada, dado serem os mesmos que tinham interesse directo em contradizer (art. 26.º do CPC), muito embora representados pelo administrador ou, sendo o caso, por pessoa designada pela assembleia de condóminos.
Ora, tendo a acção sido instaurada contra o Condomínio, representado pelo administrador, é manifesta a sua ilegitimidade passiva e, consequentemente, a sua absolvição da instância.
Assim, improcede o recurso.
2.2. Em conclusão, pode extrair-se de mais relevante:
A legitimidade passiva na acção de impugnação das deliberações da assembleia de condóminos cabe aos respectivos condóminos, embora a sua representação pertença ao administrador ou à pessoa que a assembleia designar para o efeito.
2.3. A Apelante, ao ficar vencida por decaimento, é responsável pelo pagamento das custas, em conformidade com a regra da causalidade consagrada no art. 446.º, n.º s 1 e 2, do CPC.
III – DECISÃO
Pelo exposto, decide-se:
1) Negar provimento ao recurso, confirmando a decisão recorrida.
2) Condenar a Apelante (Autora) no pagamento das custas.Lisboa, 13 de Julho de 2010
(Olindo dos Santos Geraldes)
(Fátima Galante)
(Ferreira Lopes)