Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
3077/20.9T8MAI.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: RODRIGUES PIRES
Descritores: CONDÓMINO
SUCESSÃO DE LEIS
LEGITIMIDADE
Nº do Documento: RP202202223077/20.9T8MAI.P1
Data do Acordão: 02/22/2022
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: REVOGADA
Indicações Eventuais: 2. ª SECÇÃO
Área Temática: .
Sumário: I – No âmbito da anterior redação do art. 1437º do Cód. Civil consolidou-se na jurisprudência e na doutrina o entendimento de que nas ações em que os condóminos pretendem a reparação de danos provocados nas suas frações que têm origem em partes comuns do prédio a parte legítima é o condomínio, sendo este representado em juízo pelo respetivo administrador.
II – A atual redação deste art. 1437º, introduzida pela Lei nº 8/2022, de 10.1., em que inclusive se substituiu a epígrafe “legitimidade do administrador” por “representação do condomínio em juízo”, veio acentuar a ideia de que o condomínio é a parte legítima e que a sua representação em juízo cabe ao respetivo administrador,
III – Se da petição inicial se pode extrair a ideia de que mais do que demandar a sociedade administradora os autores/condóminos pretendiam demandar o Condomínio representado pela administradora, embora tal não transpareça com nitidez do seu articulado, deve-lhes ser dada oportunidade de, através da apresentação de nova petição inicial, eliminarem as ambiguidades verificadas e de assim afastarem a situação de ilegitimidade passiva que dela poderia decorrer e que foi declarada na decisão recorrida.
(da responsabilidade do relator)
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Proc. nº 3077/20.9 T8MAI.P1

Comarca do Porto – Juízo Local Cível da Maia – Juiz 4
Apelação

Recorrentes: AA e BB
Recorrida: “D..., Lda.”

Relator: Eduardo Rodrigues Pires
Adjuntos: Desembargadores Márcia Portela e João Ramos Lopes

Acordam na secção cível do Tribunal da Relação do Porto:


RELATÓRIO
Os autores AA e BB, residentes na ..., ..., ..., Maia, intentaram ação declarativa de condenação, com processo comum, contra a ré “D..., Lda.”, na qualidade de administrador do Condomínio ..., sito na Rua ..., Maia, pedindo que esta seja condenada a:
a) Proceder no prazo de 60 dias à realização das obras necessárias para reparação da má impermeabilização do prédio, nomeadamente, suprimindo as infiltrações provenientes da parede exterior e da cobertura do edifício e que atingem a fração dos autores;
b) Reparar quaisquer danos que sejam provocados no imóvel, por causa e, em consequência, da realização das obras necessárias à reparação referida na alínea a);
c) Reparar os danos provocados pelas infiltrações na fração dos autores nos três quartos e sala, nomeadamente, limpar todas as manchas de humidade existentes, eliminar as fissuras e rachadelas, alisar as paredes e pintar todas as divisões danificadas;
d) Pagar, a título de sanção pecuniária compulsória, a quantia de 25,00€ por dia, por cada dia que passe depois do prazo fixado para as reparações em causa, sem que a ré tenha concluído tais obras, identificadas nas alíneas a), b) e c);
e) Pagar uma indemnização a título de danos morais no valor de 8.000,00€ aos dois autores, sendo 4.000,00€ por cada um deles.
A ré, devidamente citada, apresentou contestação, na qual principiou por excecionar a sua ilegitimidade passiva, sustentando que quem deve figurar como réu na presente ação é o próprio Condomínio ..., o que determinará a sua absolvição da instância.
Se assim não se entender, impugna a factualidade alegada pelos autores na petição inicial e pronuncia-se no sentido da improcedência da ação.
Os autores, em articulado de resposta, defenderam a legitimidade passiva da ré para a ação.
Efetuou-se audiência prévia e depois proferiu-se despacho saneador, no qual se julgou procedente a exceção dilatória de ilegitimidade passiva e, em consequência, se absolveu a ré da instância.
Inconformados com o decidido, os autores interpuseram recurso tendo finalizado as suas alegações com as seguintes conclusões:
1. Conforme resulta da própria sentença recorrida, em sede de questões a decidir, importa apurar se a Ré enquanto administradora do condomínio tem legitimidade para ser parte na presente ação.
2. Assim, o Tribunal “a quo” considerou que a Ré era parte ilegítima na presente ação e que a mesma deveria ter sido instaurada contra o condomínio do prédio.
3. Dispõe o Artigo 1437º, nº 2 do CC que o administrador também pode ser demandado nas ações respeitantes às partes comuns do edifício, pelo que, estando em causa factos respeitantes às partes comuns do prédio, cuja vigilância, reparação e gestão cabe à administração do condomínio assiste à mesma legitimidade.
4. Os Autores instauraram a presente ação contra a Ré, imputando-lhe a qualidade de administradora do condomínio.
5. Efetivamente, na Petição Inicial, os Autores sempre que se referiram à Ré, fizeram-no na qualidade de administradora do condomínio, e nunca em nome próprio, conforme aliás resulta dos artigos 5º, 8º, 19º e 21º do referido articulado, pelo que no nosso modesto entendimento a Ré é parte legítima na presente ação.
6. No mesmo sentido cfr. Acórdão do Tribunal da Relação do Porto, de 2015/11/10, proferido no Proc. 1246/14.0T8MTS.P1 (ao qual aderimos) relativamente à apreciação jurídica numa situação idêntica à dos presentes autos, e que passamos a reproduzir.
7. Determina o referido Acórdão o seguinte:
“O art. 30º do Cód. do Proc. Civil estabelece que o réu é parte legítima quando tem interesse directo em contradizer (nº 1), sendo que este se exprime pelo prejuízo que advenha da procedência da acção (nº 2).
Na falta de indicação da lei em contrário, são considerados titulares do interesse relevante para o efeito da legitimidade os sujeitos da relação controvertida, tal como é configurada pelo autor (nº 3).
Decisivo para a solução do presente caso é o art. 1437º do Cód. Civil onde se preceitua o seguinte:
«1. O administrador tem legitimidade para agir em juízo, quer contra qualquer dos condóminos, quer contra terceiro, na execução das funções que lhe pertencem ou quando autorizado pela assembleia.
2. O administrador pode também ser demandado nas acções respeitantes às partes comuns do edifício.
3. Exceptuam-se as acções relativas a questões de propriedade ou posse dos bens comuns, salvo se a assembleia atribuir poderes especiais ao administrador.»”
8. “Contudo, o legislador não deixou de ser prudente ao ter distinguido as situações que se reconduzem a mera gestão e conservação do condomínio das que se relacionam com a propriedade e posse de bens comuns, regendo para estas últimas o nº 3 do art. 1437º do Cód. Civil.
Com efeito, quando esteja em causa a propriedade ou a posse de bens comuns ou o direito de algum ou alguns dos condóminos a essas mesmas coisas, o administrador é parte ilegítima salvo se se verificar a hipótese prevista no nº 3 do art. 1437º, ou seja, se a assembleia conferir ao administrador poderes especiais de representação.
Prosseguindo, referir-se-á que casos paradigmáticos de legitimidade do administrador nos termos do art. 1437º, nº 2 do Cód. Civil são aqueles em que o administrador é demandado numa acção em que um terceiro pretenda o pagamento de serviços prestados ou de bens fornecidos ao condomínio ou o das acções propostas por condóminos, para obter o ressarcimento de danos causados por partes comuns do edifício, como, por exemplo, infiltrações de águas provenientes do terraço de cobertura.”
9. No caso em apreço, com a ação proposta pelos Autores (enquanto condóminos), pretende-se o ressarcimento dos danos causados pelas partes comuns do prédio, nomeadamente infiltrações de água provenientes das partes comuns.
10. Pelo que, concluímos que a Ré enquanto administradora do condomínio em causa tem legitimidade para ser demandada na presente ação.
11. Efetivamente, nos termos do Artigo 1432º, nº 2 do CC a administração do condomínio pode ser demandada nas ações relativas às partes comuns do prédio cuja vigilância, reparação e gestão lhe compete.
12. A empresa administradora do condomínio não atua na presente ação por si própria, mas sim na qualidade de administradora do condomínio, tal como resulta da petição inicial.
13. Conforme resulta da identificação da Ré na Petição Inicial, a presente ação foi interposta contra a “D..., Lda” na qualidade de administradora do condomínio ..., resultando dos pontos 5 e 8 que a gestão desse condomínio é realizada pela aqui Ré.
14. Assim, resultando da PI que a Ré se mostra demandada na qualidade de administradora do condomínio, será de concluir, em consonância com a norma do Artigo 1437º, nº 2 do CC, pela sua legitimidade passiva, porquanto o administrador enquanto representante do condomínio tem legitimidade passiva para ações propostas por um condómino com vista ao ressarcimento de danos causados por partes comuns do edifício, excetuando-se as ações relativas às questões de propriedade ou posse de bens, o que não é o caso.
15. Neste sentido, cfr. Acórdão do Tribunal da Relação do Porto “casos paradigmáticos de legitimidade do administrador nos termos do artigo 1437º, 2 do Código Civil são aqueles em que o administrador é demandado (…) das ações propostas por condóminos, para obter o ressarcimento de danos causados por partes comuns do edifício, como, por exemplo, infiltrações de água provenientes do terraço de cobertura.” (…)
16. Pretendem assim, os Apelantes a revogação da decisão recorrida e a sua substituição por outra que, com a procedência do recurso, decida que a Ré tem legitimidade passiva para ser parte na presente ação, julgando improcedente, por não provada, a exceção de ilegitimidade passiva e, em consequência, ser anulada a decisão de extinção da instância, prosseguindo a mesma.
Pretende-se a revogação da decisão recorrida.
Não foram apresentadas contra-alegações.
O recurso foi admitido com subida imediata, nos próprios autos e efeito meramente devolutivo.
Cumpre então apreciar e decidir.
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FUNDAMENTAÇÃO
O âmbito do recurso, sempre ressalvadas as questões de conhecimento oficioso, encontra-se delimitado pelas conclusões que nele foram apresentadas e que atrás se transcreveram – cfr. arts. 635º, nº 4 e 639º, nº 1 do Cód. do Proc. Civil.
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A questão a decidir é a seguinte:
Apurar se relativamente à ré ocorre a exceção de ilegitimidade passiva.
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Os elementos factuais e processuais relevantes para o conhecimento do presente recurso constam do antecedente relatório.
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Passemos à apreciação jurídica.
1. A decisão do recurso interposto pelos autores assenta na interpretação do disposto no art. 1437º do Cód. Civil, que, à data da prolação do despacho recorrido, tinha a epígrafe “legitimidade do administrador”, nele se estatuindo o seguinte:
«1. O administrador tem legitimidade para agir em juízo, quer contra qualquer dos condóminos, quer contra terceiro, na execução das funções que lhe pertencem ou quando autorizado pela assembleia.
2. O administrador pode também ser demandado nas ações respeitantes às partes comuns do edifício.
3. Exceptuam-se as ações relativas a questões de propriedade ou posse dos bens comuns, salvo se a assembleia atribuir poderes especiais ao administrador
Sucede que este art. 1437º, face à forma como se mostrava redigido, parecia regular a ação em juízo do administrador em substituição do condomínio, ou seja, a possibilidade daquele ser parte num processo judicial. Regular-se-ia, assim, a legitimidade ativa, tanto para demandar condóminos como terceiros (n.º 1), e passiva, no que respeita às ações respeitantes as partes comuns (n.º 2).
Porém, veio a tornar-se pacífico na doutrina e jurisprudência que o que se encontra regulado nesse artigo não é a legitimidade substancial do administrador, como configurada nos arts. 30º e segs. do Cód. de Proc. Civil, ou seja, o “interesse em agir”, mas sim a legitimidade processual/formal, no sentido de capacidade de representação, enquanto forma de suprimento da incapacidade judiciária do condomínio.
Conforme escreve GONÇALO MAGALHÃES (in “A personalidade judiciária do condomínio e a sua representação em juízo”, Revista Julgar, nº 23, págs. 64/65) “…no art. 437º o legislador não trata da legitimidade processual, no sentido da legitimidade ad causam, até porque a legitimidade, que consiste no interesse directo em demandar ou em contradizer, consoante se trate de legitimidade activa ou passiva, respectivamente, é um pressuposto que só em concreto pode ser determinado. A norma respeita à legitimatio ad processum, ou seja, à capacidade processual. Diz-nos apenas que a representação do condomínio em juízo incumbe ao administrador, como já resultaria do art. 26º do Código de Processo Civil.”
Entendida, pois, como o interesse na procedência da ação (no caso do autor) ou da sua improcedência (no caso do réu), logo se percebe que o preenchimento deste pressuposto processual – legitimidade substancial - apenas se poderá aferir em concreto e não abstratamente. Além disso, esta é uma questão que nem se colocará em relação ao administrador, na medida em que este age em juízo por conta do condomínio, enquanto seu órgão executivo e, portanto, necessariamente no interesse dos representados, os condóminos. Com efeito, o condomínio é que é parte nas relações jurídicas relativas às partes comuns e não o administrador, sendo em relação àquele e não a este que deve ser aferido o preenchimento do pressuposto da legitimidade tal como configurada nos arts. 30º e segs. do Cód. de Proc. Civil, isto é, o interesse na procedência (caso seja o autor) ou na improcedência (caso seja réu) da ação.[1]
Continuando, dir-se-á ainda que o regime do art. 1437º do Cód. Civil encontrava a sua razão de ser na realização de uma evidente exigência de simplificação nas relações entre o condomínio e terceiros, ou até algum dos condóminos, em que uma das partes pretenda fazer valer em juízo pretensões respeitantes às partes comuns, de que aqueles são comproprietários.
Como casos paradigmáticos de legitimidade do administrador nos termos do art. 1437º, nº 2 do Cód. Civil referem-se aqueles em que o administrador é demandado numa ação em que um terceiro pretenda o pagamento de serviços prestados ou de bens fornecidos ao condomínio ou o das acções propostas por condóminos, para obter o ressarcimento de danos causados por partes comuns do edifício, como, por exemplo, infiltrações de águas provenientes do terraço de cobertura.[2]
Por seu turno, no acórdão de 4.10.2007 (proc. 07B1875, disponível in www.dgsi.pt), o Supremo Tribunal de Justiça situa a questão aqui em causa no pressuposto processual da personalidade judiciária (por extensão legal) e na exigência legal de representação dos patrimónios autónomos pelos seus administradores, sintetizando-a no respetivo sumário que se transcreve parcialmente:
«[…] 4. O art. 1437º do CC consagra a capacidade judiciária do condomínio, ao estabelecer a susceptibilidade de o administrador, seu órgão executivo, estar em juízo em representação daquele, nas lides compreendidas no âmbito das funções que lhe pertencem (art. 1436º), ou dos mais alargados poderes que lhe forem atribuídos pelo regulamento ou pela assembleia, sendo que, em qualquer dos casos, as acções deverão ter sempre por objecto questões relativas às partes comuns. […]
8. Ao conferir ao administrador a possibilidade de actuar em juízo, o art. 1437º do CC mais não faz do que concretizar uma aplicação do disposto no art. 22º do CPC[3] – que estatui sobre a representação das entidades que carecem de personalidade jurídica – eliminando possíveis dúvidas sobre se aquele poderia, no exercício das suas atribuições, recorrer à via judicial.
9. O art. 1437º não resolve, pois, o problema da legitimidade do administrador, que, aliás, não se coloca, porque este age, em juízo, enquanto órgão do condomínio e, portanto, em representação deste. Do que, no fundo, se trata, é de atribuir ao administrador legitimação para agir em nome do conjunto dos condóminos.
10. Parte no processo, relativamente às partes comuns do edifício, é o condomínio, sendo relativamente a este, e não no tocante ao administrador, que se poderá colocar a questão da legitimidade. […]»
Deste modo, impõe-se concluir que é o condomínio, que tem personalidade judiciária (por expressa extensão legal), que deve ser demandado, mas é ao administrador que incumbe a sua representação.
Por conseguinte, a propositura de ação inserida no âmbito dos poderes do administrador por quem o não seja configura um caso de irregularidade de representação, sanável mediante a intervenção do titular do órgão executivo do condomínio, nos termos do art. 27º, nº 1 do Cód. de Proc. Civil, sem que daí derive qualquer modificação subjetiva da instância, certo como é que «parte é quem o é e não quem o representa».
Sendo a ação proposta contra o condomínio, este deve ser citado na pessoa do seu administrador, recaindo sobre o autor o ónus de o identificar na petição inicial.[4]
De referir ainda o Ac. Rel. Coimbra de 27.1.2015 (proc. 586/11.4 TBACB-A.C1, disponível in www.dgsi.pt), onde se fez constar o seguinte no respetivo sumário:
«I- Numa ação em que um condómino pretende a reparação dos defeitos das paredes comuns dum prédio em propriedade horizontal, bem como ser ressarcido dos prejuízos sofridos na sua fração e causados pela existência desses defeitos, parte legítima é o Condomínio desse prédio.
II - O Administrador desse Condomínio, na sua própria pessoa, é parte ilegítima e intervirá na ação apenas enquanto representante legal do Condomínio».[5]
2. Regressando ao caso dos autos, o que se verifica, da leitura da petição inicial, é que os danos invocados pelos autores, condóminos, cujo ressarcimento pretendem são provenientes de infiltrações que têm a sua origem em partes comuns do prédio.
O propósito dos autores intentarem a presente ação não contra uma sociedade que atua em nome próprio – a “D..., Lda.” -, mas sim contra o próprio Condomínio ..., cujo administrador é essa sociedade, cremos que resulta do texto da petição inicial.
No seu cabeçalho escreve-se que a ação é intentada contra “D..., Lda.”, na qualidade de administrador do Condomínio .... E depois nos arts. 5º e 8º refere-se que a gestão do condomínio desse imóvel é realizada pela ré, sua administradora.
Porém, na parte final da petição inicial quando formulam o pedido os autores pedem a condenação da ré, sem mais e sem fazerem qualquer menção à sua qualidade de administradora do condomínio.
Parece assim que pedem a condenação da própria sociedade “D..., Lda.”, embora também, apesar de mais dificilmente, se possa colocar a hipótese de visarem a condenação do Condomínio, representado pelo seu administrador.
Por outro lado, da consulta dos elementos constantes do processo também não resulta que a citação da sociedade “D..., Lda.” tenha sido efetuada enquanto administradora do Condomínio.
De qualquer modo, não se duvida que o pressuposto da legitimidade substantiva deve ser referenciado ao Condomínio e que o seu administrador intervém nos autos não em nome próprio, mas sim apenas nessa qualidade de administrador e enquanto órgão daquele.
3. Sucede, porém, que recentemente, e já depois de proferida a decisão recorrida, a Lei nº 8/2022, de 10.1 veio alterar a redação do art. 1437º do Cód. Civil, modificando, desde logo, a sua epígrafe que era “legitimidade do administrador” e passou a ser “representação do condomínio em juízo”.
Eis a sua nova redação:
«1. O condomínio é sempre representado em juízo pelo seu administrador, devendo demandar e ser demandado em nome daquele.
2. O administrador age em juízo no exercício das funções que lhe competem, como representante da universalidade dos condóminos ou quando expressamente mandatado pela assembleia de condóminos.
3. A apresentação pelo administrador de queixas-crime relacionadas com as partes comuns não carece de autorização da assembleia de condóminos
Daqui parece resultar mais nítido, quando feito o confronto com a anterior redação do preceito, que a parte legítima é o Condomínio e que a sua representação em juízo cabe ao respetivo administrador, sem embargo das pertinentes críticas que MIGUEL TEIXEIRA DE SOUSA (in blog do IPPC, “A posição em juízo do administrador do condomínio: et tu, Legislator?, 11.1.2022) dirige à nova redação dos nºs 1 e 2 do art. 1437º que, na sua perspetiva, padecem de uma “inaceitável confusão de conceitos”, entre parte e representante. Isto porque, “de acordo com os ensinamentos básicos da Ciência Processual Civil, quem é parte não pode ser representante e quem é representante não pode ser parte.”[6]
Acontece que a nova redação do art. 1437º do Cód. Civil, ao invés do que ocorre com o resto do diploma, entrou em vigor no dia seguinte ao da sua publicação [11.1.2022], sendo imediatamente aplicável aos processos judiciais em que seja discutida a regularidade de representação do condomínio, devendo também ser encetados os procedimentos necessários para que esta seja assegurada pelo respetivo administrador – cfr. arts. 8º e 9º da Lei nº 8/2022.
4. Prosseguindo, se como parte legítima surge o Condomínio, sendo o administrador o seu representante em juízo, é nosso entendimento que deve ser concedida oportunidade aos autores de poderem suprir as ambiguidades que a sua petição inicial apresenta e que já atrás, em 2., foram referenciadas.[7]
Com efeito, no caso “sub judice” a petição inicial apresentada pelos autores é pouco clara, fruto inegável das dificuldades interpretativas que têm sido criadas pela redação do art. 1437º do Cód. Civil, mas dela pode-se extrair a ideia de que mais do que demandar a sociedade administradora estes pretenderiam demandar o Condomínio representado pela administradora, embora tal não transpareça com nitidez do seu articulado, nomeadamente, em termos de formulação do pedido.
Por conseguinte, consideramos que, como já acima se referiu, deve ser dada oportunidade aos autores de, através da apresentação de nova petição inicial, eliminarem as ambiguidades atrás mencionadas e de assim afastarem a situação de ilegitimidade passiva que dela poderia decorrer e que foi declarada na decisão recorrida, o que se fará também com apoio no disposto nos arts. 590º, nº 2, al. a) e 6º, nº 2 do Cód. de Proc. Civil.
Deste modo, nessa nova petição inicial os autores deverão clarificar dois aspetos essenciais:
- que a ação é proposta contra o Condomínio ..., representado pela administradora “D..., Lda.”;
- que o pedido de condenação é dirigido contra o Condomínio.
O que tudo implica a revogação da decisão recorrida e a parcial procedência do recurso interposto.
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Sumário (da responsabilidade do relator – art. 663º, nº 7 do Cód. de Proc. Civil):
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DECISÃO
Nos termos expostos, julga-se parcialmente procedente o recurso de apelação interposto pelos autores AA e BB e, em consequência, revoga-se a decisão recorrida que se substitui por outra que determina a notificação destes para apresentarem nova petição inicial em que se clarifiquem dois aspetos:
- que a ação é proposta contra o Condomínio ..., representado pela administradora “D..., Lda.”;
- que o pedido de condenação é dirigido contra o Condomínio.

Custas conforme vencimento a final.

Porto, 22.2.2022
Rodrigues Pires
Márcia Portela
João Ramos Lopes
_________________________
[1] Cfr. JOSÉ FILIPE FERREIRA, “O condomínio e as relações de consumo: um teste à elasticidade do conceito de consumidor”, 2019, págs. 20/21, disponível in run.unl.pt.
[2] Cfr. SANDRA PASSINHAS, “A Assembleia de Condóminos e o Administrador da Propriedade Horizontal”, 2ª ed., Almedina, pág. 343.
[3] Atualmente art. 26 do CPC.
[4] Cfr. GONÇALO MAGALHÃES, ob. cit., pág. 65.
[5] Cfr. também Ac. Rel. Porto de 27.11.2017, proc. 822/17.3 T8VFR.P1, disponível in www.dgsi.pt.
[6] Miguel Teixeira de Sousa, procurando no seu entendimento dar sentido útil ao novo art. 1437º do Cód. Civil, escreve também que “Os n.º 1 e 2 do art. 1437.º CC atribuem ao administrador do condomínio -- ou seja, a esse administrador como parte processual -- a qualidade de substituto processual do condomínio”. E depois salienta: “ Dado que o administrador não está em juízo defendendo interesses próprios, mas antes os interesses alheios do condomínio, o que se consagra nos referidos preceitos é o que em termos doutrinários se qualifica como substituição processual representativa (como também se verifica, por exemplo, quanto ao administrador de insolvência)
[7] Ambiguidades que depois no desenvolvimento dos autos poderão originar situações processualmente pouco claras no tocante ao destinatário da condenação, como se verificou, por ex., nos casos apreciados nos Acórdãos da Relação do Porto de 13.4.2021 (proc. 6014/17.4 T8AMT.P1) e de 12.7.2021 (proc. 3104/19.2 T8MTS-A.P1), ambos disponíveis in www.dgsi.pt.