Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
29712/22.6T8LSB.L1-7
Relator: JOSÉ CAPACETE
Descritores: PROCEDIMENTO CAUTELAR
ASSEMBLEIA DE CONDÓMINOS
SUSPENSÃO DE DELIBERAÇÃO
LEGITIMIDADE PASSIVA
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 11/21/2023
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PROCEDENTE
Sumário: Num procedimento cautelar de suspensão de uma deliberação da assembleia de condóminos, a legitimidade passiva pertence ao condomínio, representado pelo administrador ou por quem a assembleia designar para o efeito.

Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam na 7.ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa:


I–RELATÓRIO:


CAI, Unipessoal, LDA., E – SOCIEDADE DE INVESTIMENTO IMOBILIÁRIO, S.A., e I - FUNDO DE INVESTIMENTO IMOBILIÁRIO FECHADO, instauraram o presente procedimento cautelar de suspensão de deliberação de assembleia de condóminos, com pedido de inversão do contencioso, contra Condomínio ____, representado pela respetiva Administração, B, LDA., pedindo, pelas razões invocadas no requerimento inicial:
- que «se determine a suspensão da execução da deliberação tomada no âmbito do Ponto 2. da Ordem de Trabalhos da Assembleia Geral de 08.11.2022 que aprovou o orçamento para 2022»;
- que «se dispense as REQUERENTES do ónus de propositura da ação principal, nos termos do artigo 369.º do CPC, uma vez que com a matéria adquirida no presente procedimento é possível formar convicção segura acerca da existência do direito acautelado»;
- que «seja o REQUERIDO citado urgentemente assim evitando o risco de execução da deliberação cuja suspensão aqui se requer, o que prejudicaria o efeito útil do presente procedimento cautelar».
Concluso o processo à senhora juíza a quo, foi proferido despacho liminar do qual consta, além do mais, o seguinte:
«(...)
O procedimento cautelar, sendo carecido de autonomia e de natureza instrumental, é dependência da causa que tenha por fundamento o direito acautelado, nos termos do artigo 364º, n.º 1 do Código de Processo Civil.
No caso sub judice, o presente procedimento cautelar é preliminar da ação de impugnação ou anulação de deliberação de assembleia de condóminos, relativamente à qual vigora um regime especial de legitimidade passiva previsto no artigo 1433º, n.º 6 do Código Civil.
De acordo com este preceito legal, “a representação judiciária dos condóminos contra quem são propostas as ações compete ao administrador ou à pessoa que a assembleia designar para esse efeito”.
Tal significa que a legitimidade passiva na ação de impugnação de deliberação e, por conseguinte, no presente procedimento cautelar, radica, não no condomínio, mas sim nos próprios condóminos que, tendo estado presentes ou representados na assembleia em que foi votada a deliberação, votaram favoravelmente à sua aprovação, devendo os mesmos ser representados judiciariamente pelo administrador do condomínio ou por pessoa que a assembleia designar para esse efeito (neste sentido, Acordão do Supremo Tribunal de Justiça de 06/11/2008, processo n.º 08B2784, Acordãos do Tribunal da Relação de Lisboa de 12/02/2009, processo n.º 271/2009-6 e de 23/04/2020, processo n.º 27383/19.6T8LSB.L1-8, Acordãos do Tribunal da Relação do Porto de 27/01/2011, processo n.º 2532/08.3TBVCD.P1, de 04/10/2012, processo n.º 1371/11.9TJPRT.P1, de 08/03/2016, processo      n.º 1440/14.3TBSTS.P1 e de 24/03/2022, processo n.º 1257/19.9T8PVZ.P1, Acordão do Tribunal da Relação de Évora de 17/10/2013, processo n.º 7579/11.0TBSTB.E1 e Acordãos do Tribunal da Relação de Guimarães de 24/11/2016, processo n.º 130/15.4T8MTR.G1, de 09/03/2017, processo n.º 42/16.4T8VLN.G1 e de 28/01/2021, processo n.º 235/17.7T8EPS.G1, todos in www.dgsi.pt).
Seguimos assim o entendimento perfilhado, entre outros, no Acordão do Tribunal da Relação do Porto de 08/03/2016, onde se lê: “Sendo a personalidade judiciária atribuída ao condomínio restrita às ações que se inserem nos poderes do administrador (artigo 12º, alínea e) do Código de Processo Civil), prevendo a lei substantiva que este seja demandado nas ações respeitantes às partes comuns (artigo 1437º, n.º 2 do Código Civil), aludindo o n.º 6 do artigo 1433º do Código Civil aos condóminos contra quem são propostas as ações, em nenhum preceito se referindo expressamente a legitimidade passiva do condomínio para as ações de impugnação de deliberação da assembleia de condóminos, essa legitimidade radica nos condóminos, embora a sua representação em juízo caiba ao administrador ou à pessoa que para o efeito a assembleia designar” (vide processo n.º 1440/14.3TBSTS.P1, in www.dgsi.pt).
No Acordão do Tribunal da Relação do Porto de 04/10/2012, lê-se ainda o seguinte: “dificilmente se compreenderia que havendo conflito de interesses entre os condóminos, os que votaram a deliberação e os que com ela não concordam, pudesse ser acionado o condomínio, que engloba todos os contitulares da propriedade horizontal (vide processo n.º 1371/11.9TJPRT.P1, in www.dgsi.pt).
Em suma, o presente procedimento cautelar não deveria ter sido proposto contra o requerido Condomínio, ainda que representado pela respetiva administração, mas sim contra todos os condóminos que votaram favoravelmente a deliberação alegadamente inválida, uma vez que só estes serão prejudicados com a decisão, em caso de suspensão e/ou anulação da deliberação em apreço.
Verifica-se assim uma exceção dilatória de ilegitimidade passiva, que in casu não é sanável mediante a intervenção principal provocada dos sujeitos em falta1, conduzindo forçosamente ao indeferimento liminar da presente providência cautelar.
Nos termos do artigo 590º, n.º 1 do Código de Processo Civil, o juiz pode, em lugar de ordenar a citação, indeferir liminarmente o requerimento inicial no procedimento cautelar, quando ocorram, de forma evidente, exceções dilatórias insupríveis e de que o juiz deva conhecer oficiosamente, tal como sucede no caso em apreço.
Face ao exposto, nos termos das disposições legais supra citadas, indefiro liminarmente o requerimento inicial do presente procedimento cautelar especificado de suspensão de deliberação da assembleia de condóminos deduzido pelas sociedades CAI, Unipessoal, Lda, com sede na Rua ____, E – SOCIEDADE DE INVESTIMENTO IMOBILIÁRIO, S.A., com sede na Rua ____, e I – Fundo de Investimento Imobiliário Fechado, representada pela sociedade I – Sociedade Gestora, S.A., com sede ____, contra o Condomínio ____, representado pela respetiva administração, a sociedade B, Lda, com sede na Avª ____, n.º ...-E, ...º direito, em L____.»
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Inconformadas, as requerentes apelaram desta decisão concluindo assim as respetivas alegações:
«I.-O aresto decisório aqui em crise indeferiu liminarmente o requerimento inicial de procedimento cautelar especificado de suspensão de deliberação da assembleia de condóminos, intentado pelas REQUERENTES, por entender que estamos perante uma exceção dilatória de ilegitimidade passiva.
II.-As RECORRENTES intentaram o referido procedimento cautelar contra o CONDOMÍNIO ____, representado pela respectiva Administração, B, LDA.
III.-O Douto Tribunal a quo entendeu que o procedimento cautelar devia ter sido proposto contra “todos os condóminos que votaram favoravelmente a deliberação alegadamente inválida”.
IV.-Fundamenta a sua tese no artigo 1433º, n.º 6 do Código Civil segundo o qual “a representação judiciária dos condóminos contra quem são propostas as acções compete ao administrador ou à pessoa que a assembleia designar para esse efeito”.
V.-Alega que apenas os condóminos que votaram a favor da deliberação são prejudicados com a decisão, em caso de suspensão e/ou anulação da deliberação em apreço.
VI.-As ora RECORRENTES não se conformam com a decisão proferida!
VII.-O artigo 1437º do Código Civil consagra a capacidade judiciária do condomínio, ao estabelecer a susceptibilidade de o administrador, seu órgão executivo, estar em juízo em representação daquele. Daí que o n.º 6 do artigo 1433º do Código Civil deva ser interpretado em conformidade com a actualidade e não á luz da legislação em vigor à data em que foi redigido.
VIII.-Ora, cabendo ao administrador executar as deliberações da assembleia de condóminos, nos termos do artigo 1436º, al. i) do Código Civil, cabe-lhe igualmente justificar a existência, a validade e a eficácia dessas mesmas deliberações, em representação do condomínio.
IX.-Esta solução, como refere o Professor Miguel Mesquita é a que permite um exercício mais ágil do direito de acção, pois que os “pressupostos processuais não devem servir para complicar, desnecessariamente, o conhecimento do pedido e a resolução dos litígios, finalidades precípuas do processo civil.
X.-Este entendimento é acolhido pelo Supremo Tribunal de Justiça ao referir no Acórdão de 04.05.2021 que “Se ao administrador compete executar as deliberações da assembleia de condóminos, nos termos do art.º 1436.º, al. h), do Código Civil), por igualdade de razão, cumpre-lhe sustentar a existência, a validade e a eficácia dessas mesmas deliberações, em representação do condomínio. Concluímos, assim, com o devido respeito por outros entendimentos, que a legitimidade passiva na ação de impugnação de deliberação da assembleia de condóminos, compete ao condomínio, representado pelo administrador”.
XI.-No mesmo sentido entendeu o Tribunal da Relação de Lisboa no processo n.º 2131/21.4T8AMD.L1-2, datado de 27.10.2022 e o Supremo Tribunal de Justiça no processo n.º 7888/19.0T9LSB.L1.S1 em 25.05.2021 ao referir que “A ação de impugnação das deliberações da assembleia de condóminos deve ser intentada contra o condomínio, que será representado pelo seu administrador ou por quem a assembleia designar para esse efeito, e não contra os condóminos que aprovaram a deliberação.”
XII.-Conclui-se, portanto, pela legitimidade passiva do Condomínio ____, representado pela sua administração, nos presentes autos.
XIII.-O recurso per saltum consiste na faculdade concedida aos recorrentes que impugnam a decisão da 1.ª Instância de pedir, no acervo conclusivo da sua alegação, que o recurso suba imediatamente ao Supremo Tribunal de Justiça, sem que tenha de transitar por apelação.
XIV.-Os requisitos de admissão do recurso são elencadas nas quatro alíneas do n.º 1 do artigo 678.º do Código de Processo Civil, a saber: i)- o valor da causa ser superior à alçada da Relação; ii)- o valor da sucumbência ser superior a metade da alçada da Relação; iii)- suscitarem-se apenas questões de direito; iv)- não estar em causa qualquer decisão interlocutória.
XV.-In casu, encontram-se preenchidos os referidos requisitos para a admissão do recurso per saltum, uma vez que o valor do procedimento cautelar se fixou em € 30.000,01 (trinta mil euros e um cêntimo), o presente recurso incide sobre uma decisão que ditou o indeferimento liminar dos autos, e onde apenas se discute a questão da legitimidade passiva do Condomínio Requerido.
XVI.-Motivo pelo qual deve ser admitido o recurso per saltum para o Supremo Tribunal de Justiça que, desde já, se requer.»
E remata assim:
«Nestes termos e nos melhores de Direito e sempre com o mui douto suprimento de Vossas Excelências que, desde já, se invoca, deverá o presente Recurso de Apelação ser declarado procedente por provado, e por conseguinte:
1.- Seja declarada a legitimidade passiva do Condomínio ____, representado pela sua Administração;
2.- Seja admitido o recurso per saltum para o Supremo Tribunal de Justiça, nos termos e para os efeitos do artigo 678.º do Código de Processo Civil, uma vez que se encontram preenchidos os requisitos elencados no n.º 1 daquele preceito legal.»
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No dia 5 de janeiro de 2023 foi proferido despacho de admissão do recurso nos seguintes termos:
«Por ser admissível, ter sido apresentado tempestivamente e por quem dispõe de legitimidade para o efeito, admite-se o recurso ordinário interposto pelos requerentes sobre a decisão de indeferimento liminar da presente providência cautelar, o qual é de apelação, com subida nos próprios autos e efeito suspensivo – cfr. artigos 627º, n.º 1 e 2, 629º, n.º 1 e 2 alínea a)[1] e n.º 3, alínea c), 631º, n.º 1, 637º, n.º 1 e 2, 638º, n.º 1, 639º, 641º, n.º 1, alínea d)[2] e 5[3], 644º, n.º 2, alínea b)[4], 645º, n.º 1, alínea d) e 647º, n.º 3, alínea d), todos do Código de Processo Civil.
Notifique os requerentes e proceda à citação do requerido, nos termos do artigo 641º, n.º 7 do Código de Processo Civil.»
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Cumprido o disposto no mencionado normativo, o requerido nada veio dizer aos autos.
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Na subsequente tramitação da apelação, os autos subiram a este Tribunal da Relação de Lisboa, onde, o Exm.º Juiz Desembargador a quem o recurso foi inicialmente distribuído, proferiu a seguinte decisão sumária, datada de 14 de junho de 2023:
«Nas alegações de recurso apresentadas pelas sobreditas sociedades requerentes - Questionou-se:
- I - O art. 14379 do C. Civil consagra a capacidade judiciária do Condomínio ao estabelecer a suscetibilidade de o Administrador, seu órgão executivo, estar em representação daquele. Daí que o n.º 6, do art. 1433.º do tal compendio legal civil, deva ser interpretado em conformidade com a atualidade e não à luz da legislação em vigor à data em que foi redigido.
Ora, cabendo ao Administrador executar as deliberações da assembleia de condóminos, nos termos do ar. 1436.º, alínea i), do C. Civil, cabe-lhe, igualmente, justificar a existência, validade e eficácia dessas mesmas deliberações em representação do condomínio.
- 2 - O recurso per saltum consiste na faculdade concedida aos recorrentes que impugnarem a decisão da Ia Instância, de pedir, no acervo conclusivo das suas alegações, que o recurso suba imediatamente ao Supremo Tribunal de Justiça, sem que tenha de transitar a apelação. In casu: verificam-se todos os requisitos elencados no n.º 1, do art. 678.º do C. P. Civil, razão porque deve ser admitido tal recurso.

II–FUNDAMENTAÇÃO

- Quanto à 1.a Questão:
É ponto assente, em termos jurisprudenciais e doutrinais, face ao regime legal e processual regulador da propriedade horizontal, que o Condomínio não possui personalidade jurídica.
A redação, algo dúbia, do art. 1437.º do C. Civil permite sustentar que o Administrador do Condomínio pode acionar e ser acionado, enquanto tal (como órgão executivo e representativo do Condomínio) e a título pessoal, sem necessidade da presença em juízo deste último mas julgamos que não é esse o verdadeiro sentido e alcance das normas em análise, que apontam em direção diversa, ou seja, que Condomínio é o que recorre a Tribunal ou aí é interpelado, muito embora seja devidamente representado pelo dito Administrador.
A impugnação das deliberações tomadas em Assembleia de Condóminos conhece uma norma especial: “...a representação judiciária dos condóminos contra quem são propostas as ações compete ao administrador ou à pessoa que a assembleia designar para esse efeito...” (art. 1433.º, n.º 6, do C. Civil).
A legitimidade ativa está definida no art. 1433.º, n.º 1, do C. Civil - qualquer condómino que não tenha aprovado a deliberação suscetível de ser anulada - ao passo que a legitimidade passiva é assacada aos demais condóminos que a votaram positivamente, muito embora representados judiciariamente pelo administrador, na pessoa do qual são citados.
Muito embora, como direito a constituir, possamos admitir essa tese (a deliberação anulável, caso não seja suspensa e enquanto não declarada inválida pelo tribunal, representa a vontade coletiva dos condóminos e, nessa medida, vincula juridicamente o condomínio e deve ser executada pelo administrador, que está obrigado a cumpri-la), já em termos de direito constituído e atendendo aos precisos termos utilizados pelo legislador, parecenos muito difícil, por falta de suporte normativo, defender que do lado passivo se perfila o conjunto dos condóminos ou o condomínio.
Poder-se-ia chamar à colação o estatuído nos artigos 6.º e 22.º do C. P. Civil, como forma de justificar a demanda do Condomínio, representado pelo administrador, em casos como o dos autos, mas importa dizer que a alínea e) restringe tal intervenção processual às ações que se inserem no âmbito dos poderes do administrador e que são aqueles que se mostram essencialmente descritos nos artigos 1436.º e 1437.º do C. Civil, não existindo sobreposição, ainda que parcial, entre as realidades a que cada um dos regimes em confronto respeitam, nem que seja pela relação de «especialidade» ou de exclusão recíproca existente entre aquele previsto nos números 1 e 6 do art. 1433.º e aquele outro contemplado nas quatro disposições acima.
- Quanto à 2.ª Questão:
A questão do recurso per saltum suscitada neste tópico, não foi objeto de conhecimento nem decisão pela douta decisão impugnada. Trata- se de «questão nova».
Por definição, a figura do recurso exige uma prévia decisão desfavorável, incidente sobre uma pretensão colocada pelo recorrente perante o Tribunal recorrido, pois só se recorre de uma decisão que analisou uma questão colocada pela parte e a decidiu em sentido contrário ao pretendido.
Estamos, pois, impedidos de apreciar este tópico.
III – CONCLUSÃO
Em Consequência
- Decide-se:
- Julgar improcedente a presente apelação.»
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Notificados dessa decisão, vieram os requerentes requerer, «nos termos do n.º 3, do artigo 652.º doCPC, que sobre a matéria do despacho (decisão) recaia acórdão, devendo o caso ser submetido à Conferência

Alegam o seguinte:

«I)-Da tramitação do recurso interposto pelos RR.:
Ao invés do sucedido após a interposição de recurso, em que os presentes autos foram remetidos pela 1.ª Instância a este Venerando Tribunal, entendem os RR. que o tribunal a quo deveria ter procedido à remessa directamente ao Supremo Tribunal de Justiça (STJ), pois a apelação interposta aí tramita como revista, cabendo em exclusivo ao Juiz Conselheiro Relator no STJ pronunciar-se nos termos do estatuído no artigo 678.º do CPC.
De facto, é a este relator no S.T.J. e só a e este, que o acima mencionado preceito se refere, cabendo-lhe em exclusivo a apreciação da admissibilidade do recurso per saltum, uma vez que só pode ser deste alto Tribunal adquem, a que o n.º 4 do artigo 678.º, se refere quando indica “baixe à Relação”.
Poderia ter-se colocado o caso da 1.ª Instância entender não se encontrarem verificados os requisitos cumulativos previstos no n.º 1, do artigo 678.º, e por economia e adequação processual mandar seguir o recurso como apelação à Relação, no entanto nada disso sucedeu tendo sido proferido despacho de admissão do recurso dos RR., tal como por estes interposto (cfr. referido despacho de admissão – ref. Citius 421900509).
Pelo que os presentes autos de recurso deveriam ter sido remetidos para o Supremo Tribunal de Justiça. Por todos, neste entendimento, cfr. Acórdão do STJ de 29.11.2016, proferido no âmbito do Proc. n.º 7825/11.0TBCSC.L1.S1, publicado em www.dgsi.pt.
Neste enquadramento, pelas razões acima enunciadas e salvo melhor entendimento, não devia o(a) Juiz Relator(a) da Decisão Singular ora em sindicância, ter avocado a si competência para proferir decisão nos presentes autos, porquanto a mesma cabe em exclusivo ao juiz relator no STJ, antes devia, no entender dos RR., determinar nos termos do 652º, n.º 1, a correcção da remessa da 1.ª Instância e ordenar liminarmente a subida imediata do recurso per saltum ao Supremo Tribunal de Justiça, por ser a este que compete o conhecimento do recurso, nos termos conjugados dos artigos 69.º e 678.º do CPC .
Assim, nos termos do artigo 96.º do CPC, está-se perante um caso de incompetência absoluta do Tribunal da Relação, por infração das regras de competência em razão da hierarquia, o que obsta a que neste momento este Venerando Tribunal se possa pronunciar sobre o recurso per saltum, em concreto sobre a sua admissibilidade, o que implica a remessa dos autos ao tribunal competente, o Supremo Tribunal de Justiça, tudo nos termos conjugados dos artigos 97.º a 99.º do CPC.

II)-Da nulidade da Decisão Singular:
Atento o teor da douta decisão, quanto ao que aquela indica como “2.ª Questão”, a saber, a do recurso per saltum, entendeu o(a) Ex.mo(a) Senhor(a) Juiz Relator(a) que a mesma:
“(…) não foi objecto de conhecimento nem de decisão pela douta decisão impugnada. Trata-se de «questão nova».” E que: “Estamos, pois, impedidos de apreciar este tópico.”
Questiona-se, salvo o devido respeito, como poderia a decisão proferida pelo tribunal a quo pronunciar-se sobre a questão do recurso per saltum se esta questão apenas surgiu em momento posterior aquela?
Isto é, só após notificados da douta decisão impugnada é que os RR., por com ela não se conformarem, decidem recorrer e aí, apresentam competente requerimento de interposição e juntam competentes alegações de recurso, nas quais aduzem motivação e conclusões, inserindo nestas últimas pedido para que o recurso suba imediatamente ao Supremo Tribunal de Justiça, sem que tenha de transitar por apelação.
Como poderia o tribunal a quo conhecer ou decidir sobre esta “2.ª questão” do recurso per saltum, na “douta decisão impugnada”!
Por muito esforço que se faça não se consegue vislumbrar o raciocino temporal vertido nesta singular Decisão Singular.
O certo é que ao dar-se como “impedido de apreciar este tópico”, de facto o(a)Senhor(a) Juiz Relator(a), decide, dado que na prática essa tomada de posição, equivale a uma verdadeira decisão, pois determina a conclusão do sobredito “tópico”.
Sendo por isso seguro, que, entendendo-se impedido de apreciar este tópico, o(a) Senhor(a) Juiz Relator(a) deveria então ter dado cumprimento ao estatuído no artigo 655.º, n.º 1, do CPC e ouvido as partes antes de proferir decisão.
Ao não o fazer incumpriu o comando legal ali vertido, o que acarreta a prática de uma nulidade processual prevista no artigo 195.º, n.º 1, do mesmo diploma adjectivo, por impedir a possibilidade das partes exercerem o contraditório – cfr. neste sentido Acórdão do STJ de 22.02.2017, proferido no âmbito do Proc. n.º 5384/15.T8GMR.G1.S1, publicado em www.dgsi.pt.
Estando por isso esta Decisão Singular inquinada, por ferida de nulidade, o que aqui se invoca para todos os devidos e legais efeitos.

III)-Da não verificação dos pressupostos do artigo 656.º do CPC:
Quanto à matéria do recurso dos RR. afirma o(a) Senhor(a) Juiz Relator(a), previamente ao relatório da Decisão Singular, que
“(…) mostrando-se reunidos os pressupostos do art. 656º do C. P. Civil (designadamente a simplicidade da questão recursória) que habilitam a decidir de imediato,”
No entanto, pese embora o muito respeito pelo douto entendimento do(a) Senhor(a) Juiz Relator(a), a verdade é que o artigo 656.º não define como pressuposto para se proferir decisão sumária, a verificação singela da “simplicidade da questão recursória”, mas antes que o relator entenda que a questão seja simples, “(…) designadamente por ter já sido jurisdicionalmente apreciada, de modo uniforme e reiterado, ou que o recurso é manifestamente infundado”.
Ora, no caso sub iudice, recorde-se a questão da legitimidade passiva da figura do Condomínio (in casu, no seio de impugnação judicial de deliberações da assembleia de condóminos), tem sido objecto desde há muito de opiniões divergentes quer na doutrina quer na própria jurisprudência, mesmo até ao nível dos tribunais superiores, sendo por isso matéria (bastante) controversa num passado recente.
O que, é bem ao invés do pressuposto enunciado no acima referido artigo 656.º do CPC, o qual refere as expressões “uniforme” e “reiterado” (de modo cumulativo, note-se) para designar uma questão jurisdicionalmente apreciada como assente, como pressuposto para que seja proferida uma decisão sumária.
Aliás, a tendência nos últimos tempos acolhida neste Venerando Tribunal da Relação e também no Supremo Tribunal de Justiça, tem sido precisamente a contrária ao entendimento do(a) Ex.mo(a) Senhor(a) Juiz Relator(a), como são exemplo o douto Acórdão de 27.10.2022 do TRL e os doutos Acórdãos de 04.05.2021 e de 25.05.2021 do STJ, todos publicados em www.dgsi.pt, e indicados nas alegações de recurso apresentadas pelos RR..
Muito se estranhando por isso que tal matéria possa ser dada como simples, uniforme e reiteradamente apreciada pelo poder jurisdicional, em entendimento semelhante ao do(a) Senhor(a) Juiz Relator(a).
Conclui-se assim pela impossibilidade legal de ser proferida decisão sumária, por se entender existir falta de habilitação por parte do(a) Senhor(a)Juiz Relator(a), uma vez que, como acima se deixa plasmado, os pressupostos do artigo 656.º do CPC não se encontram, de todo, reunidos.

IV)-Da “1.º Questão” suscitada no recurso dos RR. - a legitimidade passiva nas acções / procedimentos de impugnação judicial de deliberações da assembleia de condóminos:
Evitando delongas, vale apenas acrescentar ao que já veio acima dito no ponto III) anterior, que os ora RR. não se conformam com a Decisão Singular, tanto mais que existem decisões jurisdicionais muito recentes emanadas de forma reiterada pelo Supremo Tribunal de Justiça (subscritas por distintos relatores, note-se), nas quais aquele supremo tribunal acolhe entendimento relativo à presente matéria da legitimidade, convergente com o dos RR..
Com efeito, na doutrina e jurisprudência recentes tudo corre absolutamente ao contrário do indicado na Decisão Singular em causa, o que por si só justifica uma apreciação em modo colectivo.
Atente-se aliás ao recentíssimo e mui douto Acórdão da 8.ª Secção deste Tribunal da Relação de Lisboa, proferido a 11 de Maio de 2023, no âmbito do Proc. n.º 25642/21.7T8LSB.L1-8, publicado em www.dgsi.pt, do qual se extrai o seguinte sumário (que se transcreve):
“As ações que visem a anulação das deliberações da assembleia de condóminos devem ser propostas contra o condomínio (colégio de condóminos), representado pelo administrador, com base numa interpretação atualista do nº 6, do art. 1433º, do CC, conjugado com o disposto no art. 1437º, nºs 1, e 2, do mesmo Código, na redação que lhe foi dada pela Lei nº 8/2022, de 10/01.”
Ora, a possibilidade de que esta questão seja “morta” à nascença pelo entendimento (singular) do(a) Senhor(a) Juiz Relator(a), quando o recurso para o tribunal superior é admissível se, in casu, objecto de decisão colegial, justifica também por si só a presente reclamação para a Conferência.
Por tudo, entende-se que sobre a presente matéria deverá recair douta decisão colegial por parte deste Venerando Tribunal da Relação de Lisboa (acórdão recorrível), o que desde já se requer.
Nestes termos deve a presente reclamação ser deferida e:
a)- ser proferido Acórdão que determine a incompetência absoluta do Tribunal da Relação para decidir da admissibilidade do recurso per saltum, por esta ser da exclusiva competência de Juiz Conselheiro Relator e consequentemente, ordene a remessa dos autos ao Supremo Tribunal de Justiça;
b)- caso assim não se entenda, ser proferido Acórdão que julgue da nulidade da Decisão Singular, por incumprimento do comando legal vertido no artigo 655.º, n.º 1, do CPC, que impediu o exercício do contraditório, com todas as legais consequências, e;
c)- ser proferido Acórdão que se pronuncie sobre as demais questões suscitadas nesta reclamação e sobre a matéria requerida no âmbito do recurso interposto a fls..»
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Aberta conclusão no dia 24 de julho de 2023 ao Exm.º Senhor Juiz Desembargador de turno, pelo mesmo foi proferido o seguinte despacho:
«À Conferência, após férias e depois de constituído novo colectivo de acordo com nova distribuição sendo certo que o relator se jubilou e a 2.ª adjunta foi transferida.»
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No cumprimento desse despacho, a nova distribuição a que se procedeu determinou a constituição deste coletivo.
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Em conferência, foi proferido o acórdão de 12 de setembro de 2023, de cuja parte dispositiva consta o seguinte:

«Por todo o exposto, em Conferência, acordam os juízes que integram a 7.ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa:
a)- em determinar a devolução do processo ao tribunal de 1.ª instância, onde a senhora juíza a quo deverá emitir pronúncia sobre a admissibilidade do recurso per saltum para o Supremo Tribunal de Justiça, após o que os autos prosseguirão seus devidos termos, conforme for de direito;
b)- julgar prejudicado, em função do decidido em a), o conhecimento das demais questões suscitadas pelos reclamantes.»
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Devolvidos os autos à 1.ª instância, a senhora juíza a quo decidiu, além do mais, o seguinte:
«(...)
Donde, atendendo à natureza do processo e à limitação prevista no artigo 370.º, n.º 2 do Código de Processo Civil, decide-se indeferir a revista per saltum requerida pelos Recorrentes.
Notifique.
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Na decorrência do supra decidido, admite-se o recurso ordinário interposto pelos Requerentes sobre a decisão de indeferimento liminar da presente providência cautelar, como recurso de apelação, com subida nos próprios autos e efeito suspensivo (cfr. artigos 627.º, n.º 1 e 2, 629.º, n.ºs 1 e 2, alínea a) e n.º 3, alínea c), 631.º, n.º 1, 637.º, n.º 1 e 2, 638.º, n.º 1, 639.º, 641.º, n.º 1, alínea d) e 5, 644.º, n.º 2, alínea b), 645.º, n.º 1, alínea d) e 647.º, n.º 3, alínea d), todos do Código de Processo Civil) – neste sentido, veja-se António Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Pires de Sousa, in “Código de Processo Civil Anotado”, Vol. 1, 2018, pág. 818, anotação 4. ao citado artigo 678.º.
Notifique.
Oportunamente remeta novamente os autos ao Venerando Tribunal da Relação de Lisboa para superior apreciação.»
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As requerentes não regiram contra o assim decidido em 1.ª instância, pelo que os autos foram novamente remetidos a este Tribunal da Relação de Lisboa.
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II–ÂMBITO DO RECURSO:
Nos termos dos arts. 635.º, n.º 4 e 639.º, n.º 1, do CPC, é pelas conclusões do recorrente que se define o objeto e se delimita o âmbito do presente recurso, sem prejuízo das questões de que este tribunal ad quem possa ou deva conhecer oficiosamente, apenas estando adstrito à apreciação das questões suscitadas que sejam relevantes para conhecimento do objeto do recurso.
Assim, perante as conclusões da alegação das apelantes, neste recurso importa apenas decidir da legitimidade passiva para os termos do presente procedimento cautelar de suspensão de deliberação da assembleia de condóminos.
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III–FUNDAMENTOS:

3.1– FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO:
A factualidade relevante para a decisão da questão atrás enunciada é a que decorre do antecedente relatório.
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3.2–FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO:
Conforme se afirma, e bem, no despacho recorrido, «o procedimento cautelar, sendo carecido de autonomia e de natureza instrumental, é dependência da causa que tenha por fundamento o direito acautelado, nos termos do artigo 364º, n.º 1 do Código de Processo Civil.
No caso sub judice, o presente procedimento cautelar é preliminar da ação de impugnação ou anulação de deliberação de assembleia de condóminos, relativamente à qual vigora um regime especial de legitimidade passiva previsto no artigo 1433º, n.º 6 do Código Civil.»
Dispõe o n.º 6 do art. 1433.º do CC, com a redação que lhe foi dada pelo Dec. Lei n.º 267/94, de 25.10, que «a representação judiciária dos condóminos contra quem são propostas as ações compete ao administrador ou à pessoa que a assembleia designar para esse efeito.»
Estatui, por sua vez, o n.º 1 do art. 1437.º do mesmo código, com a redação que lhe foi dada pelo art. 2.º da Lei n.º 8/2022, de 10.01[5]-[6], que «o condomínio é sempre representado em juízo pelo seu administrador, devendo demandar e ser demandado em nome daquele.»
A questão da legitimidade passiva num caso como o presente «constitui querela antiga que vem dividindo a doutrina e a jurisprudência, tendo-se formado duas correntes distintas.
A primeira, expressa pela decisão sob recurso, advoga que a legitimidade para a impugnação das deliberações tomadas em assembleia de condóminos cabe aos condóminos, devendo a acção ser intentada contra todos os condóminos que votaram a favor da aprovação da deliberação cuja anulação se pretende, argumentando-se com a letra do art. 1433º/6 do CC, nos termos do qual “a representação judiciária dos condóminos contra quem são propostas as acções compete ao administrador ou à pessoa que a assembleia designar para esse efeito”, afastando, assim, a legitimidade do condomínio.
É ainda aduzido a favor desta posição que o art. 12º alínea e) do Código de Processo Civil atribui personalidade judiciária ao condomínio resultante da propriedade horizontal, relativamente às acções que se inserem nos poderes do administrador. Recorrendo ao art. 1436º do CC, sustenta-se que a defesa da validade das deliberações tomadas não se encontra incluída entre as funções do administrador, o que retira a possibilidade de entender que, quanto a tal, o condomínio tem personalidade judiciária, agindo o administrador como seu representante nos termos do art. 26º do Código Processo Civil.
Neste sentido, vejam-se os seguintes acórdãos, entre os mais recentes: ac. TRG de 28-01-2021, proc. 235/17.7T8EPS.G1, relator Paulo Reis; ac. TRP de 08-06-2021, proc. 1849/20.3T8MTS.P1, relator José Igreja de Matos, ambos publicados em www.dgsi.pt.
Ao nível da doutrina, veja-se Abílio Neto, in Manual da Propriedade Horizontal, Ediforum, 4.ª Edição, págs. 729 a 733 e Abrantes Geraldes, in Temas da Reforma do Processo Civil, IV Volume, 4.ª Edição, Almedina, 2010, págs. 108 a 109.
Na mesma linha, posiciona-se Miguel Teixeira de Sousa, em comentário (ao acórdão do TRP de 25/1/2022, proc. 6263/21.0T8PRT-A.P1), publicado no blog IPPC de 20/10/2022, refutando a interpretação actualista do art. 1433º/6 do CC em face das alterações introduzidas no regime da propriedade horizontal pela Lei nº 8/2022, de 10/1 (que não abrangeram aquele preceito) e concluindo pela ilegitimidade do condomínio para ser demandado na acção de impugnação da deliberação da assembleia de condóminos.
Contrariamente, a segunda corrente defende que a legitimidade processual passiva para este tipo de acção declaratória compete ao condomínio, representado pelo respectivo administrador, ao abrigo do preceituado no art. 12º alínea e) do Código Processo Civil, conjugado com o disposto nos arts 1437º/1 e 3 e 1436º h) e apelando aos critérios interpretativos do art. 9º do Código Civil.
Sustenta esta corrente que se a deliberação exprime a vontade da assembleia de condóminos (artigos 1431º e 1432º do Código Civil), estruturalmente percebe-se que seja essa entidade, porque vinculada pela deliberação, a demandada em acção em que se questione a existência, a validade ou a eficácia de uma sua qualquer deliberação.
Neste contexto, é entendido que quando o nº 6 do art. 1433º do CC faz referência a condóminos, o legislador incorreu em alguma incorrecção de expressão, dizendo menos do que queria, pois parece ter tido em mira uma entidade colectiva – a assembleia de condóminos –, o condomínio vinculado pelas deliberações impugnadas e cuja execução compete ao administrador.
Mais se afirma que se ao administrador compete executar as deliberações da assembleia de condóminos, nos termos do art. 1436.º al. h) do Código Civil, por igualdade de razão, cumpre-lhe sustentar a existência, a validade e a eficácia dessas mesmas deliberações, em representação do condomínio.
Por conseguinte, entende-se que o mencionado nº 6 do art. 1433º deve ser objeto de uma interpretação actualista (substituindo a expressão condóminos pela palavra condomínio), tendo em conta que a norma, derivada do DL 267/94 de 25/10, foi redigida numa época em que o condomínio não gozava de personalidade judiciária, que apenas lhe foi conferida com a reforma do Código de Processo Civil levada a cabo pelos DL nºs 329-A/95, de 12/12 e 180/96, de 25/09.
No sentido de uma interpretação actualista do art. 1433º/6 do CC pronunciam-se, entre outros, Aragão Seia (Propriedade Horizontal, Almedina, 2ª edição, pág. 216/217), Miguel Mesquita (“A Personalidade Judiciária do Condomínio nas Ações de Impugnação de Deliberações da Assembleia de Condóminos”, in Cadernos de Direito Privado, n.º 35, julho/setembro 2011, pág. 41 a 46) e Sandra Passinhas (“A Assembleia de Condóminos e o Administrador na Propriedade Horizontal, Almedina 2.ª Edição, pág. 346).
A favor da legitimidade do condomínio há quem invoque, além dos referidos argumentos, a alteração da redacção do art. 1437º introduzida pela Lei nº 8/2022, de 10/01 (que substituiu a epígrafe “legitimidade do administrador” por “representação do condomínio em juízo”, alterando a redacção do preceito), sustentando que veio clarificar a questão ou dissipar as dúvidas, acentuando a ideia de que o condomínio é a parte legítima e que a sua representação em juízo cabe ao respectivo administrador, assumindo tal lei natureza de lei interpretativa, integrando-se na lei interpretada e sendo por isso aplicável retroactivamente às situações jurídicas anteriormente constituídas e que subsistam à data da sua entrada em vigor (v. acórdão do TRL de 11/5/2023, proc. 25642/21.7T8LSB.L1-8 e acórdãos do TRP de 8/5/2023, proc. 4878/22.9T8VNG-B.P1 e 10/3/2022, proc. 54/21.6T8PPFR.P1, publicado em www.dgsi.pt).
Recentemente tem-se verificado uma tendência jurisprudencial maioritária no sentido da segunda tese apontada, que atribui legitimidade passiva ao condomínio nas acções de impugnação de deliberações condominiais.
A título de exemplo, vejam-se os seguintes acórdãos, publicados em www.dgsi.pt: acórdãos do TRL: de 11/3/2021, proc. 14743/18.9T8LSB.L1-6, relator Eduardo Peterson Silva; de 15/7/2021, proc. 3054/19.2T8FNC.L1-6, relatora Ana Calafate; de 28/4/2022, proc. 2460/20.4T8LSB.L1-6, relatora Ana de Azeredo Coelho; de 28/4/2022, proc. 29964/21.2T8LSB.L1-6, relatora Vera Antunes; de 11/5/2023, proc. 25642/21.7T8LSB.L1-8, relatora Cristina Lourenço; acórdãos do TRP: de 8/5/2023, proc. 4878/22.9T8VNG-B.P1, relator Miguel Morais; de 22/2/2022, proc. 3077/20.9T8MAI.P1, relator Rodrigues Pires; de 10/3/2022, proc. 54/21.6T8PFR.P1, relator Paulo Teixeira; acórdãos do STJ: de 24/11/2020, proc. 23992/18.9T8LSB.L1.S1, relator Raimundo Queirós; de 4/5/2021, proc. 3107/19.7T8BRG.G1.S1, relator Fernando Samões; de 25/5/2021, proc. 7888/19.0T8LSB.L1.S1, relatora Maria Clara Sottomayor.
Subscrevemos esta segunda tese, afigurando-se-nos que é aquela que melhor se coaduna com o conceito de legitimidade plasmado no art. 30º do Código Processo Civil, na medida em que expressando a deliberação da assembleia de condóminos a vontade do condomínio, enquanto grupo de condóminos (e não dos condóminos individualmente considerados ou dos que aprovaram a deliberação), é o condomínio, dotado de personalidade judiciária (art. 12º e) do Código Processo Civil), que tem interesse em contestar a acção de anulação da deliberação.
Da mesma forma, parece-nos ser a solução mais acertada tendo em conta a unicidade do sistema jurídico (art. 9º/1 do C.C.), considerando o regime jurídico da propriedade horizontal no seu todo, em conjugação com a extensão de personalidade judiciária conferida ao condomínio pelo art. 12º/1 e) do Código Processo Civil.
Ao afirmar que o art. 1433º/6 do CC prevê um regime especial de legitimidade passiva, a decisão recorrida parece confundir duas questões jurídicas distintas, legitimidade e representação.
Como se escreveu no mencionado acórdão deste TRL de 28/4/2022, proc. 2460/20.4T8LSB.L1-6, a propósito da interpretação actualista do art. 1433º/6 do CC, “a referência do artigo 1433.º/6 do Código Civil aos condóminos teria de ser compreendida como reportando-se à pluralidade que a expressão condomínio identifica enquanto património autónomo dotado de personalidade judiciária, logo atribuindo ao administrador a função de defesa em juízo das deliberações da assembleia e a consequente legitimidade para as acções de impugnação de deliberações da assembleia de condóminos (com autonomia face ao artigo 1436.º).
Só assim pode compreender-se a menção a serem os condóminos representados pelo administrador. Se a norma se referisse aos condóminos pessoas singulares ou colectivas inexistiria razão ou possibilidade de lhes impor representação diversa da que resulta da lei ou da sua própria vontade.
A intervenção da lei 8/2022 em nada afasta esta interpretação, na nossa perspectiva, tanto quanto às alterações do 1436º e 1437.º, como já referido, nem quanto à não intervenção do legislador no artigo 1433.º. A intervenção no artigo 1437.º pode, de algum modo, considerar-se como corroborando tal interpretação como acima indicámos, embora não seja isenta de dúvidas.”
Seguindo este entendimento, pode ler-se no acórdão deste Tribunal da Relação de 27 de Outubro de 2022 (relator António Moreira, Processo nº 2131/21.4T8AMD.L1-2, acessível em www.dgsi.pt), que:
“(…) a redacção do nº 6 do art.º 1433º do Código Civil carecia de ser interpretada com recurso a uma interpretação actualista desde que entrou em vigor a reforma do Código de Processo Civil de 1995/1996, com a qual passou a ser conferida personalidade judiciária ao condomínio (isto é, a susceptibilidade de figurar como autor ou réu).
Nesta medida, a necessidade de tal interpretação não deixa de se verificar pela entrada em vigor das alterações decorrentes da Lei 8/22, de 10/1, na exacta medida em que tal diploma não alterou a redacção do referido art.º 1433º do Código Civil (desde logo o seu nº 6), mas apenas (no que aqui releva) a redacção do art.º 1437º do Código Civil, para que este preceito legal não mais se referisse à representação em juízo do condomínio (isto é, à sua capacidade judiciária) como se se tratasse do pressuposto da legitimidade processual do seu administrador.
Aliás, por isso é que o legislador substituiu a epígrafe “legitimidade do administrador” pela epígrafe “representação do condomínio em juízo”, na medida em que deixou (há muito) de estar em causa que o condomínio não pudesse estar em juízo (activa ou passivamente), enquanto conjunto organizado dos condóminos e, por isso, carecendo de ser estabelecida a sua representação orgânica, em juízo. Ou, dito de outra forma, por não estar em causa a actuação do administrador do condomínio, em nome próprio, mas apenas no exercício dessas funções de representação, nenhum sentido fazia falar da legitimidade processual do administrador, já que tal pressuposto processual havia de se reportar à entidade com personalidade judiciária (o condomínio, segundo o art.º 12º do Código de Processo Civil), e sendo aferida nos termos do art.º 30º do Código de Processo Civil.
E como da nova redacção do nº 2 do art.º 1437º do Código Civil resulta que tal representação do condomínio em juízo corresponde à representação da universalidade dos condóminos, esclarecida passou a estar, através da acção do legislador e por esta via interpretativa autêntica, a dúvida sobre quem deve ser demandado nas acções a que respeita o art.º 1433º do Código Civil, tomando o mesmo legislador “partido” no sentido de dever ser o condomínio, entidade com personalidade judiciária e correspondente ao universo de condóminos, representado pelo seu administrador (ou pela pessoa que a assembleia de condóminos designar).”
Por último, é de sublinhar que a solução que defendemos tem a vantagem de agilizar o direito de acção, ao afastar os problemas resultantes da obrigatoriedade de demandar, em litisconsórcio necessário, os condóminos que votaram a favor da deliberação inválida, atendendo ao elevado número de condóminos de certos edifícios sujeitos ao regime da propriedade horizontal, sem olvidar a dificuldade de identificar, na acta da assembleia, os condóminos que votaram a favor da deliberação (neste sentido, vide Miguel Mesquita, ob. cit., pág. 41/56).
Nestes termos, concluímos que a legitimidade passiva na acção de impugnação de deliberação da assembleia de condóminos compete ao condomínio, representado pelo administrador ou por quem a assembleia designar para o efeito, em linha, aliás, com o decidido nesta secção no acórdão proferido em 22/11/2022, no âmbito do processo nº 12845/20.0T8SNT.L1 (relatora Ana Rodrigues da Silva).».
Acompanhámos e em grande parte transcrevemos o recente acórdão desta Relação e Secção, proferido no dia 26.09.2023, Proc. n.º 26149/22.0T8LSB.L1-7 (Ana Mónica Pavão), in www.dgsi.pt, cuja fundamentação merece a nossa inteira concordância.
Assim, à luz dos fundamentos vertidos em tal aresto, que aqui reproduzimos, não pode subsistir o despacho recorrido, que deve ser revogado e substituído por outro que determine o prosseguimento dos autos.
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V–Decisão:

Por todo o exposto, acordam os juízes que integram esta 7.ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa, em revogar a decisão recorrida, a qual se substitui por outra a determinar o prosseguimento do procedimento cautelar, nos termos que ao senhor juiz "a quo" se afigurar serem os de direito aplicáveis.
Sem custas.


Lisboa, 21 de novembro de 2023


José Capacete
Alexandra Castro Rocha
Cristina Silva Maximiano



[1]É, salvo o devido respeito, incompreensível a referência à al. a) do n.º 2 do art. 629º do CPC.
[2]O n.º 1 do art. 641.º do CPC não tem qualquer alínea.
[3]É, salvo o devido respeito, incompreensível a referência ao n.º 5 do art. 641.º do CPC.
[4]É, salvo o devido respeito, incompreensível a referência à al. b) do n.º 2 do art. 644.º do CPC. A referência seria ao disposto no n.º 1 do mesmo artigo.
[5]Diploma que procedeu à revisão do regime da propriedade horizontal, alterando o Código Civil, o Decreto-Lei n.º 268/94, de 25 de outubro, e o Código do Notariado.
[6]O presente procedimento cautelar deu entrada em juízo no dia 14 de
dezembro de 2022.