Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
07A1484
Nº Convencional: JSTJ000
Relator: URBANO DIAS
Descritores: PROPRIEDADE HORIZONTAL
REPRESENTAÇÃO DO CONDOMÍNIO
Nº do Documento: SJ20070529114841
Data do Acordão: 05/29/2007
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: AGRAVO
Decisão: NEGADO
Sumário :
É ao administrador que cabe a representação do condomínio com vista a assegurar o contraditório numa acção de impugnação de deliberações, a menos que a assembleia designe outra pessoa para tal.
Decisão Texto Integral:

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:


AA, BB e CC, na sua qualidade de proprietários de uma fracção do condomínio sito na R. ..., nº 00, Lisboa, intentaram, no Tribunal Cível de Lisboa, acção ordinária contra DD, EE, FF, GG, HH, II, JJ e LL, pugnando pela declaração de nulidade ou anulabilidade das deliberações tomadas na assembleia de condóminos do passado dia 21 de Setembro de 2001 e, ainda, pela condenação dos RR. no pagamento, na forma solidária, de uma indemnização de 500.000$00 por mês desde Setembro de 2000 até Outubro de 2001 e de 1.000.000$00/mês desde esta data e ainda noutros prejuízos que o comportamento danoso dos RR. lhes causar, a liquidar em execução.
Os RR. HH e LL contestaram, arguindo a ilegitimidade deste último por preterição das regras do litisconsórcio necessário passivo uma vez que a mulher dele é também comproprietária da fracção.
Os RR. EE e FF contestaram, arguindo, inter alia, a ilegitimidade passiva dos RR. por, no seu entender, a representação dos condóminos pertencer ao administrador.
As RR. II e JJ contestaram por impugnação, defendendo a improcedência da acção.
Foi admitida a intervenção espontânea de AM bem como a intervenção provocada de MM e de MC
Sobre a defesa excepcional respeitante à ilegitimidade, os AA., na réplica, vieram defender que a acção de impugnação de deliberações deve ser instaurada contra os condóminos que na assembleia se pronunciaram a favor da deliberação impugnada e não contra os que a não votaram ou nem sequer estiveram presentes.

Em sede de saneador, foi julgada procedente a arguida excepção de ilegitimidade.

Malgrado o agravo interposto pelos AA., a Relação de Lisboa confirmou o julgado.

Ainda irresignados, recorreram, ora, para o Supremo na tentativa de revogação do acórdão confirmatório.

Nas conclusões com que fecharam a sua minuta os agravantes apenas nos colocam, como é óbvio, a questão de saber se os RR., tal como estão colocados na lide, são ou não partes legítimas. Por outras palavras, se a decisão das instâncias, ao considerarem que a acção deveria ter sido proposta contra o condomínio representado pelo respectivo administrador, está errada ou certa.

Vejamos.

Antes da alteração introduzida ao art. 1433º pelo D.-L. nº 267/94, de 25 de Outubro, Abílio Neto defendia que “o condomínio não constitui um ente autónomo, dotado de personalidade jurídica própria, nem tão-pouco a lei lhe reconhece personalidade judiciária” e, por isso mesmo, defendia que “o ou os condóminos que pretendam impugnar em juízo deliberações tomadas numa dada assembleia geral, terão de intentar a correspondente acção contra todos os condóminos, individualmente considerados, que as hajam aprovado, que se tenham abstido ou que não tenham estado presentes ou representados, os quais serão, assim, os verdadeiros réus na acção” (in Direitos e Deveres dos Condóminos na Propriedade Horizontal, pág. 113 e 114).
À luz das disposições legais da época, temos por acertada esta posição.
Mas, hoje em dia, a lei reconhece ao condomínio resultante da propriedade horizontal personalidade judiciária relativamente às acções que se inserem no âmbito dos poderes do administrador (cfr. al. e) do art. 6º do CPC, na redacção actual).
No preâmbulo do D.-L. 329-A/95, de 12 de Dezembro, o legislador frisa a consagração do condomínio como ente dotado de personalidade judiciária – “…prevê-se expressamente a personalidade judiciária do condomínio resultante da propriedade horizontal”.
Isto significa que caiu, com a entrada em vigor do código adjectivo de 95, a razão da tese defendida por Abílio Neto.
Disso mesmo nos dá conta Aragão Seia:
“Face à actual redacção da al. e) do artigo 6º do CPC, em consonância com o nº 6 citado, diversamente do que acontecia antes da Reforma de 1995, o condomínio, ou seja, o conjunto dos condóminos, pode ser directamente demandado quando, designadamente, estejam em causa deliberações da assembleia, devendo o administrador ser citado como representante legal do condomínio – nº 1, do artigo 231º, do CPC –, embora a assembleia possa designar outra pessoa para prosseguir a acção” (in Propriedade Horizontal – Condóminos e Condomínios -, 2ª Edição Revista e Actualizada, pág. 216 e 217).

Também Moitinho de Almeida alinha nas mesmas águas face às alterações legislativas sublinhadas:
“Além das funções enumeradas no art. 1436º, compete também ao administrador, nos termos do art. 1433º, nº 6, a representação judiciária dos condóminos contra quem são propostas acções anulatórias de deliberações de condóminos” (in Propriedade Horizontal, pág. 98).
Igualmente Sandra Passinhas parece ir de encontro a estas ideias ao defender que o administrador “age como representante orgânico do condomínio” e que “a deliberação exprime a vontade do condomínio, do grupo, e não dos condóminos (individualmente considerados). E, sendo um acto do condómino, a legitimidade passiva cabe ao administrador” (in Assembleia de Condóminos E O Administrador Na Propriedade Horizontal, pág. 337).

Estamos inteiramente de acordo com as posições referidas que consideram que, hoje em dia, é ao administrador que cabe a representação do condomínio com vista a assegurar o contraditório numa acção de impugnação de deliberações, a menos que a assembleia designe outra pessoa para tal.

Com isto queremos dizer que os AA. ao pretenderam pôr em crise deliberações tomadas em assembleia do condomínio realizada do passado dia 21 de Setembro de 2001 deveriam ter demandado este ente dotado de personalidade judiciária representado, para o efeito, pelo administrador.
Era este que, nos termos do disposto no nº 1 do art. 231º do CPC, deveria ter sido citado para acção em representação do condomínio.
Nada disto aconteceu.
Ao defendermos este ponto de vista temos a noção da justeza da lição de Carvalho Fernandes quando defende que “os poderes de representação do administrador não podem deixar de ser encarados e compreendidos à luz da falta de autonomia jurídica do condomínio”, sendo que no fundo se atribuiu ao administrador legitimação para agir em nome dos condóminos e que perante a regra geral estabelecida no nº 2 do art. 5º do CPC só se pode compreender o disposto na al. e) do art. 6º como um reconhecimento de que o condomínio não tem personalidade judiciária – apud Cadernos de Direito Privado, nº 15 Julho/Setembro 2006, Da natureza jurídica do direito de propriedade horizontal, pág. 9.

São, pois, partes ilegítimas nesta acção anulatória os condóminos demandados e daí o acerto das decisões das instâncias.

Em conformidade com o que fica dito e sem necessidade de qualquer outra consideração, decide-se negar provimento ao agravo e condenar os agravantes no pagamento das respectivas custas.

Lisboa, aos 29 de Maio de 2007
Urbano Dias (relator)
Paulo Sá
Faria Antunes