Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
6597/23.0T8LSB.L1-7
Relator: LUIS FILIPE PIRES DE SOUSA
Descritores: PROCEDIMENTO CAUTELAR
OBRAS EM PARTES COMUNS DE PRÉDIO
ACÇÃO INTENTADA CONTRA ADMINISTRAÇÃO DO CONDOMÍNIO
ERRO DE IDENTIFICAÇÃO DO REQUERIDO
RECTIFICAÇÃO
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 09/26/2023
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Sumário: I.–A circunstância de o procedimento cautelar ter sido intentado contra a Administração do Condomínio do Prédio sito (…)” em vez de contra o Condomínio do prédio sito (…)” constitui mera imprecisão terminológica inconsequente porquanto o demandado deduziu a oposição, que entendeu pertinente, e nem sequer suscitou tal questão em tal oposição, sendo ainda certo que um simples erro de identificação do sujeito processual deve ser objeto de retificação «nuns casos mediante formulação de um convite à parte, noutros casos por via direta, através de uma simples interpretação corretiva que estabeleça a precisa correspondência entre a identificação do sujeito e a verdade intenção da parte».

II.–Devem ser intentadas contra o Condomínio as ações propostas por condóminos em que seja peticionada a reparação de partes comuns do prédio, bem como as ações de responsabilidade civil propostas por condóminos para indemnização dos danos fundados em defeitos de conservação ou manutenção de partes comuns, cabendo ao administrador intervir enquanto representante legal do Condomínio.

III.–A sentença proferida contra um condomínio vincula os condóminos, pode ser executada contra estes.

Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam os Juízes na 7ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa:


RELATÓRIO


HJ e mulher CM intentaram contra a Administração do Condomínio do Prédio sito na Rua S, nº X,  Lisboa, representada por EL e JV na qualidade de elemento de ligação com a administração externa, a presente providência cautelar.—

Pedem que os requeridos sejam condenados a:

1.–Realizar todas as obras necessárias tendo em vista a eliminação de todas as anomalias e deficiências existentes em partes comuns do prédio, nomeadamente:
eliminação de infiltrações de diversos tipos, cuja origem se encontra em terraços de cobertura, fachadas principal e tardoz e guarnecimentos em pedra de vãos de janelas englobados nas fachadas;
trabalhos de reabilitação de reposição de sistema de impermeabilização e isolamento térmico no terraço de cobertura, o de 1º nível, logo acima do 6º piso, que reponha as condições técnicas construtivas previamente existentes;
Fissuras estruturais que devem ser monitorizadas, de forma a confirmar se estão estáveis ou ativas. (Estas deformações diferenciais na estrutura podem levar ao agravamento das infiltrações, já que propiciam a descontinuidade dos sistemas de impermeabilização, criando caminhos para a passagem de águas pluviais, mediante a avaliação do projeto de estabilidade, juntamente com a disposição das fissuras e sua atividade, poderá ser necessária a avaliação estrutural através de cálculo, levando à necessidade de possíveis reforços estruturais.
Relativamente ao sistema de impermeabilização, de forma a garantir o bom funcionamento, será necessário a total substituição em terraços e coberturas, devendo esta subir à parede, isolando juntas, descontinuidades, elementos salientes, caleiras e embocaduras dos ralos, sempre de forma continua. No fim da sua aplicação, deve ser testado o sistema, fechando os ralos e enchendo a cobertura e terraços, com 15 a 20 cm de lâmina de água, de forma a verificar se surgem indícios de infiltração no interior.
Este sistema de impermeabilização deve ficar protegido do sol, evitando a sua perda de elasticidade e aumentando a sua vida útil. Esta proteção pode ser executada recorrendo ao sistema invertido de isolamento térmico, em que o isolante fica por cima das telas de impermeabilização.
A drenagem dos terraços e coberturas também deve ser melhorada recorrendo a pendentes com maior inclinação em os desníveis que propiciam o empoçamento das águas. Nos terraços, devido à necessidade de melhorar as pendentes, de colocar isolamentos e de fazer com que a impermeabilização suba a parede, em pelo menos 10 cm, prevê-se a possibilidade de subir as soleiras dos vãos de acesso aos mesmos.
O isolamento das paredes também deve ser melhorado, recorrendo a tintas hidrófugas e onde há revestimento cerâmico deve ser averiguado quais as peças que estão soltas e retirá-las para voltar a colar. As juntas devem ser refeitas com material adequado para a sua aplicação em fachadas.
Devem ainda ser feitos os capeamentos onde não existem e substituídas as cantarias que estão partidas, nas ligações das guardas, por pedra da mesma natureza. As ligações devem ser refeitas, deixando folgas para as dilatações das guardas metálicas.
As guardas metálicas devem ainda ser pintadas com esquema de pintura adequado, com vista a não permitir o avanço da corrosão e a dar uma proteção superficial a toda a superfície.

2.–Realizar, as obras necessárias à reparação das anomalias e danos verificados na fração dos requerentes devido às infiltrações causadas pelo estado de conservação da estrutura do terraço, nomeadamente:
Intervenção de reabilitação urgente no interior do 6º andar do edifício sito no nº nº X da Rua S (Fração H – sita imediatamente abaixo do terraço do 1º nível cobertura) com a realização de trabalhos necessários para reparação dos danos e prejuízos visíveis na Fração, em resultado das infiltrações de água na fração dos Requerentes, nomeadamente no que concerne às infraestruturas técnicas e acabamentos afetados e degradados por conta das anomalias e deficiências enunciadas no ponto antecedentes.
Trabalhos prévios de preparação na criação de condições para a execução dos trabalhos nomeadamente desmonte de armário roupeiro, remoção, condicionamento e reposição do recheio da habitação;
Reparação de todas as paredes, tetos e sancas afetados;
Reparação com substituição de pavimento de madeira afetado;
Pintura das paredes e tetos danificados;
Reparação de todas as infraestruturas técnicas afetadas, circuitos elétricos, substituição de aparelhagem de comando e manobra, etc.

3.–Iniciar e concluir os trabalhos num prazo razoável a fixar pelo tribunal;

4.–A pagar aos Requerentes uma quantia pecuniária por cada dia de atraso na execução das obras, ao abrigo do disposto nos arts. 829.0-A, n.1 do CC e 365.0, n.0 2 do CPC, fixada segundo o prudente e razoável arbítrio do Tribunal.

5.– A pagar aos requerentes a quantia de €50.000,00€ (cinquenta mil euros). por danos morais.

Citada, a requerida deduziu oposição pedindo, em síntese:
1.–Seja verificada a exceção dilatória de litispendência, nos termos do nº 2 do artigo 576º, e alínea j) do artigo 577º, ambos do CPP e, em consequência, ser a requerida absolvida da instância;
Se assim se não entender,
2.–Considerar o presente procedimento por não provado e em consequência, não serem decretadas as providências requeridas pelos Requerentes, com todas as consequências legais;
3.–Serem os Requerentes condenados como litigantes de má fé; e, por consequência,
4.–Serem os Requerentes condenados no pagamento de uma indemnização ao requerido em montante a fixar pelo Tribunal, não inferior a € 10.000.

Após julgamento, foi proferida sentença com o seguinte dispositivo:
«Julgo improcedente a exceção de litispendência;

B.   
Julgo parcialmente procedente o pedido da presente providência, e ao abrigo do disposto no artº 362º nº1 do C.P.C., condeno o condomínio do prédio sito Rua S, nº X,  Lisboa, nesta providência representado pelo seu administrador MM (cf. artº 1437º nº 1 do C.C.), a:

I.–no prazo máximo de 40 (quarenta) dias com termo inicial a 4.8.2023:
1.-Determinar a realização e fazer aprovar caderno de encargos,
2.-Abrir procedimento concursal e
Adjudicar a realização e escolher fiscal para a execução de obras nas partes comuns do prédio, com vista à eliminação das anomalias e deficiências causais das infiltrações que se verificam na fração dos requerentes (6º piso), obras cuja realização será adjudicada com prazo máximo de execução de 180 (cento e oitenta) dias e que que são concretamente:
a.-eliminação de infiltrações (na fração dos requerentes) de diversos tipos, cuja origem se encontre em terraços de cobertura, fachadas principal e tardoz e guarnecimentos em pedra de vãos de janelas englobados nas fachadas;
b.-trabalhos de reabilitação de reposição de sistema de impermeabilização e isolamento térmico no terraço de cobertura, o de 1º nível, logo acima do 6º piso, que reponha as condições técnicas construtivas existentes à data do termo da construção do edifício;
c.-Total substituição do sistema de impermeabilização no terraço do 7º piso, por sistema invertido de isolamento térmico, devendo o sistema de impermeabilização ficar protegido do sol, subir à parede pelo menos 10 cm, isolando juntas, descontinuidades, elementos salientes, caleiras e embocaduras dos ralos, sempre de forma contínua
d.-Elaboração de pendentes com maior inclinação no terraço do 7º piso e sem desníveis que propiciem o empoçamento das águas.
e.-Execução, no fim da aplicação, de teste do sistema, fechando os ralos e enchendo a cobertura e terraços, com 15 a 20 cm de lâmina de água, de forma a verificar se surgem indícios de infiltração no interior.
f.-inspeção da rede de águas pluviais, com recurso a vídeo CCTV, filmagem de condutas e deteção de problemas para procurar eventuais entupimentos e condutas partidas ou danificadas;
g.- Monitorização ao nível do 60 piso, das fissuras estruturais, de forma a confirmar se estão estáveis ou ativas e proceder aos necessários reforços estruturais.
h.-Melhoramento do isolamento das paredes exteriores ao nível do 60 piso, com tintas hidrófugas, revisão do revestimento cerâmico com eventual retirada de peças para voltar a colar, sendo as juntas refeitas com material adequado para a sua aplicação em fachadas.
i.-Realização ao nível do 60 piso e do terraço do 70 piso (que serve de cobertura ao 60 piso), de capeamentos onde não existam e substituição das cantarias que se encontrem partidas, nas ligações das guardas, por pedra da mesma natureza com nova execução das ligações, deixando folgas para as dilatações das guardas metálicas.
j.- Pintura das guardas metálicas.

II.–Pagar aos requerentes quantia €70,00 (setenta euros), a título de sanção pecuniária e por cada dia de incumprimento das diligências referidas em 1., 2. e 3. no prazo máximo referido em I..

C.   
No mais pedido julga-se improcedente a providência;

D.  
Julga-se improcedente o pedido de condenação dos requerentes como litigantes de má fé.»
*

Não se conformando com a decisão, dela apelou ADMINISTRAÇÃO DO CONDOMÍNIO DO PRÉDIO SITO NA RUA S, nº X, formulando, no final das suas alegações, as seguintes CONCLUSÕES:
«
A.–O presente recurso é interposto da decisão que considerou parcialmente procedente o pedido da presente providência cautelar;
B.–A providência cautelar foi intentada contra a Recorrente – Administração do Condomínio – e contra os então administradores, sendo que a decisão recorrida considerou estes últimos, partes ilegítimas;
C.–A decisão recorrida condenou o Condomínio, na prática de factos que não constam do pedido dos Recorridos;
D.–Desde logo, o Condomínio não foi demandado, nem foi citado, mas a decisão recorrida condenou-o, que viola o princípio do contraditório;
E.–Pelo que, a decisão recorrida é nula, por excesso de pronúncia, nos termos da alínea d) do nº 1 do artigo 615º do CPC, dado que se pronunciou sobre uma questão sobre a qual, sem a audição prévia das partes, não se podia pronunciar;
F.–A Recorrente, o seu administrador, podem determinar a realização e fazer aprovar o caderno de encargos, abrir procedimento concursal, adjudicar e escolher fiscal para execução de obras nas partes comuns, com vista à eliminação das anomalias e deficiências das infiltrações;
G.–Quem cabe decidir e realizar tal desiderato é aos condóminos, pelo que o procedimento deveria ter sido instaurado contra o condomínio e todos os condóminos;
H.–É às partes que cabe alegar os factos essenciais, que constituem a causa de pedir, podendo para além destes, Juiz considerar os factos instrumentais, que complemente ou concretizem os que as partes já alegaram e os factos notórios – cf. artigo 5º do CPC;
I.–No entanto, a decisão recorrida condenou em objeto diverso do pedido pelos Recorridos, pois estes solicitaram a intervenção de reabilitação urgente e realização de todas as obras necessárias, com vista à eliminação de diversas patologias e a aquela determinou a realização e aprovação de caderno de encargos, abrir procedimento concursal, adjudicar a realização de obras e escolha de fiscal para execução das mesmas;
J.–Tal facto, constitui nulidade da decisão recorrida, nos termos da alínea e) do nº 1 do artigo 615º do CPC, por o Juiz ter condenado em objeto diverso do pedido;
Sem prescindir,
K.–O que os Recorridos pretendem é que sejam realizadas as obras necessárias a corrigir os danos no prédio e, em consequência, que sejam eliminados todos os pontos que originam as infiltrações que ocorrem na fração de que são proprietários, até porque, já foram realizadas obras em 2010 e 2016 e após estas últimas, estas infiltrações agravaram-se;
L.–O certo é que, foi já contratado o Eng. JF, para fazer o levantamento das necessidades com vista à reparação dos danos existentes no prédio em causa, conforme ata de assembleia de condóminos de 22/05/2023, pese embora este ter ficado de elaborar o caderno de encargos, o que não aconteceu até à presente data, tendo, somente, entregue no passado dia 28/07/2023 o mapa de quantidades de trabalhos necessários;
M.–Mas, com tal mapa de quantidades de trabalhos necessários, foram já solicitados orçamentos a diversas empresas para a realização das obras que foram consideradas necessárias;
N.–Acontece que, a adjudicação e realização das obras são atos de que não depende a ação ou decisão da Recorrente ou do Condomínio, mas sim de todos os condóminos e, bem assim, de que estes cumpram as obrigações de efetuarem o pagamento da quantia da sua responsabilidade;
O.–Ou seja, não depende da Recorrente ou do Condomínio, o cumprimento do decretado na decisão recorrida e muito menos no prazo fixado, pelo que os mesmos não lhe podem ser assacados;
P.–A decisão recorrida condenou ainda, no pagamento de uma sanção pecuniária, sem fundamentar de direito tal decisão, o que constitui nulidade nos termos da alínea b) do nº 1 do artigo 615º do CPC;
Q.–Ainda para mais, no caso concreto, não estamos perante a prestação de um facto infungível, pelo que não poderia o Tribunal condenar a tal título;
R.–Nestes termos, a decisão recorrida é nula, nos termos das alíneas b), d) e e) do nº 1 do artigo 615º do CPC e violou o disposto nos:
Artigos 829º-A, 1.430º, 1.436º e 1.437º do Código Civil
Artigos 5º, 365º, 366º e 615º do Código do Processo Civil
Artigo 20º da Constituição da República Portuguesa
Nestes termos, deve a decisão proferida ser revogada e, em consequência, deve ser considerado improcedente a presente providência cautelar, com todas as consequências legais, fazendo assim JUSTIÇA.»
*

Contra-alegaram os apelados, concluindo pela improcedência da apelação.

QUESTÕES A DECIDIR
Nos termos dos Artigos 635º, nº4 e 639º, nº1, do Código de Processo Civil, as conclusões delimitam a esfera de atuação do tribunal ad quem, exercendo um função semelhante à do pedido na petição inicial.[1] Esta limitação objetiva da atuação do Tribunal da Relação não ocorre em sede da qualificação jurídica dos factos ou relativamente a questões de conhecimento oficioso, desde que o processo contenha os elementos suficientes a tal conhecimento (cf. Artigo 5º, nº3, do Código de Processo Civil). Também não pode este Tribunal conhecer de questões novas que não tenham sido anteriormente apreciadas porquanto, por natureza, os recursos destinam-se apenas a reapreciar decisões proferidas, ressalvando-se as questões de conhecimento oficioso, v.g., abuso de direito.[2]

Nestes termos, as questões a decidir são as seguintes:
i.-Admissibilidade da junção dos documentos na apelação;
ii.-Nulidades da sentença.

Corridos que se mostram os vistos, cumpre decidir.

FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO
A sentença sob recurso considerou como provada a seguinte factualidade:
1.-O requerente é proprietário da fração autónoma designada pela letra “H”, a que corresponde o 6° andar, do imóvel sito Rua S, nº X,  Lisboa, freguesia de (...), concelho de Lisboa, inscrito na matriz predial urbana sob o n° (...), e descrito na Conservatória do Registo Predial de Lisboa sob o número (...), cf. doc. n° 1.
2.-O prédio em causa nos autos foi constituído em propriedade horizontal em 28 de Junho de 1995.
3.-Encontrando-se como administradores do condomínio, na data da propositura da providência cautelar:
1–Externa: EL, residente na (...) nº .., 1.0 Frente, 1...-...- Lisboa
2–Interno: JV, residente Rua S, nº X, 7.0 andar (…) Lisboa, elemento de ligação à administração externa.
4.–A fração dos requerentes, designada pela letra “H”, corresponde ao sexto andar do prédio.
5.–Encontrando-se abaixo da última fração autónoma do prédio, fração autónoma esta duplex a que corresponde o 7º andar.
6.–A fração autónoma o duplex do 7º andar é recuado em relação à fração dos requerentes.
7.–A fração autónoma dos requerentes situa-se, em parte, diretamente abaixo do terraço de 10 nível do duplex do 7º andar.
8.–Sobre o teto do 6º andar em faixa que abrange toda a largura do prédio e da sua fração, há um terraço de 10 nível acessível a pessoas. Em cota superior existe outro terraço, este de 20 nível também acessível a pessoas e em cota superior finalmente a cobertura não acessível da fração duplex do 7º andar, que é plana, não acessível, e com um tipo de impermeabilização diferente dos terraços.
9.–Existem na fração autónoma do requerente estragos e deterioração dos revestimentos de tetos, de paredes e de pavimentos, devidos a existência de infiltrações e presença de humidades nos respetivos paramentos.
10.–Existem infiltrações de água descendentes provenientes do sistema de drenagem do terraço e dos demais elementos estruturais que o compõem.
11.–Existem infiltrações de água provenientes das paredes das fachadas do prédio.
12.–Existem infiltrações de água provenientes dos guarnecimentos de pedra natural dos vãos englobados nas fachadas.
13.–O imóvel dos requerentes nos seus diversos paramentos, horizontais (tecos) e verticais (paredes) encontra-se com muitas fissuras não monitorizadas até à data da apresentação do procedimento cautelar, criptoflurescências, eflorescências, manchas, descasques de revestimentos, bolhas, elementos de pedra em destaque com possibilidade de queda iminente para a via pública, juntas abertas, circuitos elétricos desligados para obviar a risco de curto-circuito, aparelhos de iluminação de teto desligados e removidos por causa da queda de água.
14.–No ano de 2016 foram realizadas obras no prédio deliberadas pelo condomínio.
15.–Tendo sido introduzidas alterações no sistema técnico construtivo do terraço de 1º nível do 7.º andar.
16.–A administração do condomínio tem vindo a ser alertada para o referido em 10, 11, 12 e 13 e dele tomou conhecimento.
17.–Sem que tenha havido até ao momento da propositura da presente providência deliberação de execução de obras suficientes para a resolução das patologias referidas em 10, 11 e 12.
18.–A partir do teto, verifica-se entrada franca de água na fração autónoma dos requerentes.
19.–O que começou em 2016 e se agrava desde então, ocorrendo todos os anos no período do inverno e sempre que chove.
20.–E é consequente do referido em 10.
21.–Sempre que chove com alguma intensidade a casa dos requerentes é inundada.
22.–Os requerentes colocam recipientes (alguidares e bacias) e plásticos para recolha das águas que escorrem pelo teto e também pelas paredes e caixas de estore.
23.–O que também é do conhecimento da administração do condomínio.
24.–Foi já pedida intervenção da polícia e foi chamado o Regimento de Sapadores Bombeiros
25.–Foi feita exposição e por duas vezes solicitada vistoria à Câmara Municipal de Lisboa
26.–A administração externa do escritório de EL, diz-se interina desde 27 Março 2017.
27.–As obras referidas em 14. determinaram a alteração das condições térmicas e acústicas da fração dos requerentes.
28.–Com diminuição do isolamento.
29.–O que foi dado a conhecer à administração do condomínio.
30.–Pela CIVIL foi elaborado auto datado de 27.9.2022 onde se fez constar, além do mais: “1.1. – 1.1Sexto andar:
Verificou-se que o teto da sala de estar, na zona do canto, formado pela empena esquerda e pela fachada principal, possui algumas zonas de revestimento por pintura a destacar e empolado, com manchas de humidade e eflorescência salitrosas. Embora com menos intensidade, estas patologias desenvolvem-se na zona do sanca e nas paredes contíguas à zona de teto mais afetada. Esta situação localiza-se sob um dos ralos referidos no ponto 1.2. do presente auto de vistoria. Em duas das paredes verifica-se a existência de fendilhação extensa e vertical de pequena abertura.
Observou-se também que numa zona mais central da sala de estar (fora da área do terraço do piso superior) num dos pontos de iluminação do teto e sua zona envolvente, existem tintas empoladas, indiciando contacto com a instalação elétrica.
Constatou-se que as paredes que formam o outro canto da sala, também contíguo à fachada principal, possuem alguma fendilhação do estuque e têm o revestimento por pintura empolado, com algumas manchas de humidade e eflorescências salitrosas. Algumas das patologias descritas verificaram-se também no quarto contíguo à sala de estar e à fachada principal.
1.2.–Terraço ao nível do sétimo andar, formado por piso revestido com membrana de material compósito, por sua vez desgastado em algumas zonas. Este piso é formado por dois planos com pendente para uma caleira central, que por sua vez escoa para dois ralos nos extremos da mesma;
2.–Face ao referido julga-se que as patologias referidas no ponto 1.1.-estarão eventualmente associadas a infiltrações provenientes na rede de drenagem das águas pluviais, que se propagam pela laje e consequentemente pela tubagem da instalação elétrica.”
31.–E em participação feita à PSP em 20.12.2022 consta “Chegado ao local contactei com HS..... (devidamente identificado em item próprio), o qual me informou que a sua residência tem uma infiltração de água na sala de estar e no quarto.
Mais informou que esta situação se arrasta há vários anos e que não consegue chegar a um consenso com o Administrador do Condomínio, para resolver o problema em questão.
HS..... autorizou-me a entrar na sua residência e conduziu-me ate à sala de estar e ao quarto, onde foi possível verificar que no teto da sala, perto do local onde tem a ligação luminosa, pingava água de forma contínua para o solo da residência, conforme documento que se anexa.
lndagado se possuía seguro contra este tipo de situações, o mesmo afirmou que não. No local também compareceu o Regimento de Sapadores de Bombeiros de Lisboa, composto por 6 elementos, chefiado pelo subchefe de 1ª classe PV....., que analisou a situação, tendo informado que da parte deles não havia nada a fazer”.
32.–A 23/12/2022 o requerente remeteu para a requerida e condóminos carta registada mencionando para a falta de condições de habitabilidade da sua fração e solicitando a convocação de uma assembleia extraordinária com caracter de urgência.
33.–Foi iniciada assembleia no dia 26 de janeiro de 2023.
34.–Não tendo sido possível, qualquer deliberação sobre a situação da fracção dos requerentes.
35.–O requerente sofre de insuficiência brônquica.
36.–Condição que se agrava em ambientes húmidos.
37.–E por causa da qual usa frequentemente corticoides e aerossóis.
38.–O estado da fracção provoca ao requerente ansiedade e estado de nervosismo constante.
39.–O requerente foi por duas vezes administrador do condomínio, em 2004 e 2006.
40.–Em 2010 foram realizadas obras nos terraços do 7º andar e não foram feitas as obras no interior da fracção dos requerentes, por motivo que não foi possível apurar concretamente.
41.–Nas obras realizadas em 2016 ficaram a faltar os trabalhos no interior da fracção do requerente por motivo não concretamente apurado.
42.–Em 2020 a empresa Arevil foi verificar os terraços uma vez por se encontrar a obra ainda em período de garantia.
43.–A empresa declinou 50% de responsabilidade.—
44.–Em datas não apuradas o requerido pretendeu diligenciar no sentido de verificar os danos e apresentar de orçamentos para a reparação dos terraço.
45.–O que, em datas não concretamente apuradas, teve a oposição do requerente, que alegava que as soluções propostas não eram as ideais.
46.–Não apresentando o requerente outras soluções que considerasse adequadas.
47.–O requerente é engenheiro civil.
48.–Em data não apurada a proprietária da fração “D”, correspondente ao 2º andar, solicitou ao requerente ao requerente ajuda para indicar empresas credíveis para resolução dos problemas existentes, o que este recusou.
49.–Na sequência de inspeção realizada no dia 28/10/2022, foi elaborado parecer, que verificou os danos nas frações do 6º e 7º andar, resultante de infiltrações, cuja solução requeria uma intervenção profunda nos terraços do 7º andar.
50.–Intervenção que não havia sido realizada com as obras anteriores.
51.–Em assembleia geral de condóminos realizada a 26/03/2017 EL mostrou-se indisponível para continuar a assumir o cargo de administradora.
52.–O mesmo sucedeu na assembleia geral de condóminos realizada a 29/04/2019.
53.–Declarando que não tinha condições para exercer a administração, mesmo interinamente.

FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO

ADMISSIBILIDADE DA JUNÇÃO DE DOCUMENTOS NA APELAÇÃO
O Condomínio apelante requereu a junção, em sede de apelação, de dois documentos, sendo o primeiro um mapa de trabalhos, datado de 28.7.2023, e o segundo uma ata de Assembleia de Condóminos de 23.6.2023.

No corpo das alegações, o apelante reporta-se à pertinência de tais documentos nestes termos:
29.–O mencionado engenheiro, ficou de elaborar o caderno de encargos, o que não aconteceu até à presente data, tendo, somente, entregue no passado dia 28/07/2023 o mapa de quantidades de trabalhos necessários, conforme documento que ora se junta com o nº 1.
30.–No entanto, com base no mapa de quantidades de trabalhos necessários, foram já solicitados orçamentos a diversas empresas para a realização das obras que foram consideradas necessárias.
31.–Há, no entanto, uma questão que pode pôr em causa a realização das obras, que é o facto de os condóminos não pagarem os montantes a que foram obrigados, conforme foi decidido na assembleia de condóminos de 26/06/2023, que ora se junta como documento nº 2.
32.–Pelo que a fixação do prazo de 40 dias para determinar a realização de obras e fazer aprovar o caderno de encargos, está dependente do engenheiro contratado para o efeito, da entrega de orçamentos por partes de empresas de construção e do prazo que estas terão para a realização das obras.

Apreciando.

Nos termos do Artigo 651º, nº1, do Código de Processo Civil, «As partes apenas podem juntar documentos às alegações nas situações excecionais a que se refere o artigo 425º ou no caso de a junção se ter tornado necessária em virtude do julgamento proferido na 1ª instância.» Por sua vez, o Artigo 425º do Código de Processo Civil dispõe que «Depois do encerramento da discussão só são admitidos, no caso de recurso, os documentos cuja apresentação não tenha sido possível até àquele momento

No que tange à impossibilidade de apresentação anterior, afirmam Lebre de Freitas et al, Código de Processo Civil Anotado, 2º Vol., Coimbra Editora, 2001, p. 426, que «Constituem exemplos de impossibilidade de apresentação o de o documento se encontrar em poder de terceiro, que só posteriormente o disponibiliza, de a certidão de documento arquivado em notário ou outra repartição pública, atempadamente requerida, só posteriormente ser emitida [superveniência objetiva] ou de a parte só posteriormente ter conhecimento da existência do documento [superveniência subjetiva]. Nos dois primeiros casos, será necessário que se tenham esgotado anteriormente os meios dos arts. 531 a 537 [atuais Artigos 432º a 437º do Código de Processo Civil].» Rui Pinto, Notas ao Código de Processo Civil, Coimbra Editora, 2014, p. 265, afirma que: «Os documentos apresentados referem-se a factos já trazidos ao processo, nos articulados normais ou nos articulados supervenientes (cf. artigos 588º e ss.). Portanto, a regra é a de que os documentos supervenientes não trazem ao processo factos supervenientes.»

Quanto à necessidade da junção em virtude do julgamento da primeira instância (Artigo 651º, nº1), «a lei não abrange a hipótese de a parte se afirmar surpreendida com o desfecho da ação (ter perdido, quando esperava obter ganho de causa) e pretender, com tal fundamento, juntar à alegação documento que já poderia e deveria ter apresentado em primeira instância. O legislador quis manifestamente cingir-se aos casos em que, pela fundamentação da sentença ou pelo objeto da condenação, se tornou necessário provar factos com cuja relevância a parte não podia razoavelmente contar antes de a decisão ser proferida» - Antunes Varela et al, Manual de Processo Civil, 2ª Ed., pp. 533-534. Ainda na doutrina, Abrantes Geraldes, Recursos em Processo Civil, 2022, 7ª ed.,  pp. 286-287, afirma que: «Podem ainda ser apresentados documentos quando a sua junção apenas se tenha revelado necessária por virtude do julgamento proferido, máxime quando este se revele de todo surpreendente relativamente ao que seria expectável em face dos elementos já constantes do processo. / A jurisprudência anterior sobre esta matéria não hesita em recusar a junção de documentos para provar factos que já antes da sentença a parte sabia estarem sujeitos a prova, não podendo servir de pretexto a mera surpresa quanto ao resultado.» (cf. Refere-se no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 26.9.2012, Gonçalves Rocha, 174/08, que «(…) a junção de documentos às alegações da apelação só poderá ter lugar se a decisão da 1ª instância criar pela 1ª vez a necessidade de junção de determinado documento, quer quando se baseie em meio probatório não oferecido pelas partes, quer quando se funde em regra de direito com cuja aplicação ou interpretação as partes não contavam.»[3] Visa-se abranger as situações que - pela fundamentação da sentença ou pelo objeto da condenação - tornaram necessário provar determinados factos, cuja relevância a parte não podia, razoavelmente, ter em consideração antes da decisão ter sido proferida.[4]

Por outro lado, uma vez que a junção de documentos tem em vista a prova de factos que hajam sido alegados, a possibilidade de junção de documentos, em sede de recurso, não poderá ter como objetivo ou finalidade a prova de factos que não hajam sido alegados. «Se os documentos visam a prova de factos alegados apenas no recurso e se, neste, o tribunal ad quem não pode atender a esses factos, não se vê qualquer utilidade na junção dos documentos com o recurso.»[5] Na verdade, sendo os recursos meios processuais de impugnação de anteriores decisões judiciais e não ocasião para julgar questões novas, não se pode nos tribunais superiores e em recurso, alegar matéria de facto nova, não obstante o tribunal ad quem dever conhecer das questões de conhecimento oficioso.

Ora, com a junção dos documentos em causa, o apelante pretende alegar e demonstrar a existência de óbices ao cumprimento do ordenado na sentença impugnada, a saber: que o prazo de 40 dias fixado está dependente da contratação de empresas com base no mapa de trabalhados entretanto elaborado; que é necessário que os condóminos paguem as obras.
Consoante foi vista supra, os recursos não constituem meio idóneo para a introdução de questões novas nem para a adução de factos supervenientes pelo que, pela mesma ordem de razões, não deve ser permitida a junção de documentos com tais propósitos.
Termos em que não se admite a junção dos documentos, devendo o apelante ser condenado nas custas do incidente assim suscitado (Artigo 7º, nº4, do RCP).

NULIDADE DA SENTENÇA
Sustenta o apelante que o procedimento deveria ter sido instaurado contra o Condomínio e todos os condóminos, sendo que o Condomínio não foi demandado nem foi citado, pelo que a decisão é nula, por excesso de pronúncia, dado que se pronunciou sobre uma questão sobre a qual, sem a prévia audição das partes, não se podia pronunciar (conclusões G, H, C a E).

Apreciando.

Na oposição deduzida, a parte passiva não arguiu que o procedimento deveria ter sido instaurado contra o condomínio e todos os condóminos o que, na prática, equivale à arguição da exceção dilatória da ilegitimidade. Não tendo tal exceção sido arguida no devido tempo, não pode agora ser invocada em sede de recurso de apelação por constituir uma questão nova (cf. supra).
Quanto à falta de demanda do Condomínio e da sua citação, não procede a argumentação do apelante.
O procedimento foi intentado contra a Administração do Condomínio do Prédio (…)”, representado pelos administradores (interno e externo).
Feita a citação, foi deduzida oposição pela Administração do Condomínio do Prédio (…)” .
Neste procedimento, está em causa a realização de obras em partes comuns, bem como o ressarcimento pelo Condomínio de danos em fração autónoma provenientes de infiltrações ocorridas nas partes comuns.
Nos termos do Artigo 12º, al. e), do Código de Processo Civil , tem personalidade judiciária o condomínio resultante da propriedade horizontal, relativamente às ações que se inserem no âmbito dos poderes do administrador. E, nos termos do Artigo 1437º, nº1, do Código Civil, o condomínio é sempre representado em juízo pelo seu administrador, devendo demandar e ser demandado em nome daquele.
Assim, constitui jurisprudência reiterada que devem ser intentadas contra  o Condomínio as ações propostas por condóminos em que seja peticionada a reparação de partes comuns do prédio, bem como as ações de responsabilidade civil propostas por condóminos para indemnização dos danos fundados em defeitos de conservação ou manutenção de partes comuns, cabendo ao administrador intervir enquanto representante legal do Condomínio (cf.:  Acórdãos do Tribunal da Relação do Porto de 10.11.2015, Rodrigues Pires, 1246/14, de 27.11.2017, Carlos Querido, 822/17,  de 22.2.2022, Rodrigues Pires, 3077/20;  Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 27.1.2015, Isabel Silva, 586/11; Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 8.3.2018, José Cravo, 993/14; Comentário ao Código Civil, Direito das Coisas, Universidade Católica Editora, 2021, p. 534). A parte é o Condomínio, representado em juízo pelo administrador, órgão do Condomínio.

Resumindo: quem deve ser demandado é o Condomínio (colégio dos condóminos), representado (organicamente) pelo administrador. Conforme refere Rui Pinto, Código de Processo Civil Anotado, Vol. I, 2018, p. 96, o condomínio é uma parte meramente judiciária ou formal pelo que a sentença proferida contra um condomínio  vincula os condóminos, pode ser executada contra estes, ou seja, a parte vinculada aos efeito da decisão não é a parte processual  (condomínio) mas a pessoa jurídica que não é parte processual: os condóminos.

Assim, a circunstância de o procedimento ter sido intentado contra a Administração do Condomínio do Prédio sito (…) em vez de contra Condomínio do Prédio sito (…) constitui mera imprecisão terminológica inconsequente porquanto o demandado deduziu a oposição, que entendeu pertinente, e nem sequer suscitou tal questão em tal oposição. Ou seja, a sua defesa não foi prejudicada por tal imprecisão. Essa imprecisão terminológica foi sanada, definitivamente, no dispositivo da sentença em que foi condenado o Condomínio, representando pelo seu administrador.

Consoante referem Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Sousa, Código de Processo Civil Anotado, I Vol., 2022, 3ª ed., Almedina, p. 45,  um simples erro de identificação do sujeito processual deve ser objeto de retificação «nuns casos mediante formulação de um convite à parte, noutros casos por via direta, através de uma simples interpretação corretiva que estabeleça a precisa correspondência entre a identificação do sujeito e a verdade intenção da parte (cf. art. 146º, nº2).» Foi o que ocorreu no caso em apreço em que o tribunal a quo supriu a imprecisão terminológica dos requerentes.
Termos em que improcede a arguida nulidade.
Argui o apelante que a decisão impugnada é nula por ter condenado em objeto diverso do pedido porquanto os recorridos solicitaram a intervenção de reabilitação urgente e realização de todas as obras necessárias, com vista à eliminação de diversas patologias e a sentença determinou a realização e aprovação de caderno de encargos, abrir procedimento concursal, adjudicar a realização de obras e escolha de fiscal para execução das mesmas.
Também aqui improcede a arguição de nulidade.
O pedido constitui a forma de tutela jurisdicional requerida para uma situação jurídica, no caso, a condenação do Condomínio a realizar determinadas obras. Na medida em que a situação jurídica se reporta a um quid material, este constitui o objeto mediato do pedido.
Na delimitação do pedido, há que atender ao efeito prático-jurídico pretendido pela parte.

Conforme se refere lapidarmente no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 7.4.2016, Lopes do Rego, 842/10:
«Subjacente ao assento está, pois, não apenas o reconhecimento de que é lícito ao Tribunal convolar para uma qualificação jurídica da causa de pedir diferente da formulada pelo A. – no caso, como decorrência da inquestionável possibilidade de conhecimento oficioso das nulidades da ato jurídico - mas também a admissibilidade de uma inovatória qualificação da pretensão material deduzida, cuja identificação não se faz apenas em função das normas e do instituto jurídico invocado pelo A., mas essencialmente através do efeito prático-jurídico que este pretende alcançar (só assim se explicando que o tribunal possa atribuir o bem, valor ou montante pecuniário pedido, não em consequência ou a título de cumprimento do contrato em que se consubstanciava a causa de pedir, mas através da figura do dever de restituir tudo aquilo que se obteve em consequência de um negócio oficiosamente tido por nulo).

Esta mesma ideia é realçada – ainda com maior nitidez – no Ac. 3/2001, em que se uniformizou a jurisprudência no sentido de que Tendo o autor, em ação de impugnação pauliana, pedido a declaração de nulidade ou a anulação do ato jurídico impugnado, tratando-se de erro na qualificação jurídica do efeito pretendido, que é a ineficácia do ato em relação ao autor (nº1 do art. 616º do CC), o juiz deve corrigir oficiosamente tal erro e declarar a ineficácia, como permitido pelo art. 664º do CPC.
Considera-se, deste modo, que o que identifica a pretensão material do autor, o efeito jurídico que ele visa alcançar, enquanto elemento individualizador da ação, é o efeito prático-jurídico por ele pretendido e não a exata caracterização jurídico-normativa da pretensão material, a sua qualificação ou subsunção no âmbito de certa figura ou instituto jurídico, sendo lícito ao tribunal, alterando ou corrigindo tal coloração jurídica, convolar para o decretamento do efeito jurídico adequado à situação litigiosa, sem que tal represente o julgamento de objeto diverso do peticionado.»

Ou seja, é lícito ao Tribunal convolar o pedido formulado pela parte ou enquadrá-lo diferentemente desde que essa convolação não extravase o efeito prático-jurídico pretendido.
É esse, precisamente, o caso porquanto o tribunal a quo – ao precisar a realização de caderno de encargos, abertura de procedimento concursal, adjudicação de obras e escolha de fiscal – concretiza atos procedimentais instrumentais à pretendida realização de obras nas partes comuns, não excedendo o efeito prático-jurídico peticionado pelos requerentes, limitando-se a concretizar passos intermédios para que tal efeito prático-jurídico seja alcançado.
Improcede a arguição da nulidade.
Argui, ainda, o apelante a nulidade decisória decorrente de o tribunal a quo ter condenado o apelante ao pagamento de sanção pecuniária compulsória, sem fundamentar de direito tal decisão.
Nos termos do Artigo 365º, nº2, do Código de Processo Civil , é sempre admissível a fixação, nos termos da lei civil, da sanção pecuniária compulsória que se mostre adequada a assegurar a efetividade da providência.
No ponto 4 do seu petitório, os requerentes da providência peticionaram a condenação do Condomínio a pagar aos requerentes uma quantia pecuniária por cada dia de atraso na execução das obras, invocando o disposto nos artigos 829ºA, nº1, do Código Civil, e Artigo 365º, nº2, do Código de Processo Civil .

Na sentença impugnada, a questão foi apreciada nestes termos:
«E sendo assim, não pode também condenar-se o condomínio, como se pede no requerimento inicial, a pagar uma “sanção pecuniária” por atraso na “realização de obras”. Pode-se sim o menos em relação ao que vem pedido. Ou seja, pode condenar-se o condomínio no pagamento de uma sanção pecuniária a favor dos requerentes pelo não cumprimento daquelas obrigações em prazo razoável.
Na fixação do prazo e do montante não pode deixar de ter-se em consideração a longa “história” de problemas decorrentes das infiltrações no 6º piso, problemas que o condomínio não tem tido a capacidade de resolver, por razões que não estão em causa nesta providência mas que se prenderão com o desentendimento entre os condóminos e a circunstância de o requerente – engenheiro civil de profissão – ter entendido não ter de prestar ajuda nas diligências necessárias à resolução das anomalias.»
Assim, não pode o apelante afirmar que a  decisão não foi fundamentada. A mera circunstância de não ter sido feita alusão expressa a norma legal não obsta ao que acaba de dizer-se. «Fundamentar juridicamente uma decisão não implica citar expressamente os preceitos legais que a suportam», bastando indicar a  razão de direito que conduziu ao despacho (Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 19.2.2015, Prazeres Beleza, 3175/07). A simplicidade da questão, como é o caso, é compatível com uma fundamentação implícita (cf. Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 30.9.1999, Araújo Barros, 02B3010).
Improcede, também aqui, a arguição de nulidade.
No que tange ao teor das conclusões K a M, conforme já foi visto supra, este recurso não permite a discussão de novas questões e, muito menos, de factos supervenientes à prolação da decisão impugnada. De todo o modo, conforme já se enfatizou, o condomínio é uma parte meramente judiciária ou formal pelo que a sentença proferida contra um condomínio vincula os condóminos, pode ser executada contra estes, ou seja, a parte vinculada aos efeito da decisão não é a parte processual  (condomínio) mas a pessoa jurídica que não é parte processual: os condóminos.
Aqui chegados, está esgotado o objeto do recurso.
A decisão apelada não merece reparo quanto à verificação dos requisitos de decretamento da providência cautelar requerida, sendo que o próprio apelante não questiona a verificação desses requisitos, tendo-se centrado na arguição de questões formais.
A fundamentação autónoma da condenação em custas só se tornará necessária se existir controvérsia no processo a esse propósito (cf. art. 154º, nº1, do Código de Processo Civil; Acórdãos do Tribunal Constitucional nºs. 303/2010, de 14.7.2010, Vítor Gomes, e 708/2013, de 15.10.2013, Maria João Antunes).

DECISÃO

Pelo exposto, acorda-se em:
a)-Não admitir a junção dos dois documentos pelo apelante, condenando-se o mesmo numa UC pelo incidente suscitado;
b)-julgar improcedente a apelação, confirmando-se a sentença recorrida.
Custas pelo apelante na vertente de custas de parte (Artigos 527º, nºs 1 e 2, 607º, nº6 e 663º, nº2, do Código de Processo Civil).


Lisboa, 26/9/2023



Luís Filipe Sousa
Carlos Oliveira
Alexandra de Castro Rocha
                                    


[1]Abrantes Geraldes, Recursos em Processo Civil, 7ª ed., 2022, p. 186.
[2]Abrantes Geraldes, Op. Cit., pp. 139-140.
Neste sentido, cf. os Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 9.4.2015, Silva Miguel, 353/13, de 10.12.2015, Melo Lima, 677/12, de 7.7.2016, Gonçalves Rocha, 156/12, de 17.11.2016, Ana Luísa Geraldes, 861/13, de 22.2.2017, Ribeiro Cardoso, 1519/15, de 25.10.2018, Hélder Almeida, 3788/14, de 18.3.2021, Oliveira Abreu, 214/18, de 15.12.2022, Graça Trigo, 125/20, de 11.5.2023, Oliveira Abreu, 26881/15, de 25.5.2023, Sousa Pinto, 1864/21, de 11.7.2023, Jorge  Leal, 331/21. O tribunal de recurso não pode conhecer de questões novas sob pena de violação do contraditório e do direito de defesa da parte contrária (Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 17.12.2014, Fonseca Ramos, 971/12).
[3]No mesmo sentido, cf. Acórdão da Relação de Guimarães de 24.4.2014, Manuel Bargado, 523/11, www.colectaneadejurisprudencia.com.
[4]Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 19.3.2013, Ana Resende, 371/09.
[5]Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 13.9.2010, Paula Carvalho, 304/08, www.colectaneadejurisprudencia.com.