Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
4838/07.0TBALM.L1-8
Relator: ILÍDIO SACARRÃO MARTINS
Descritores: PERSONALIDADE JUDICIÁRIA
CONDOMÍNIO
ADMINISTRADOR
PROPRIEDADE HORIZONTAL
LEGITIMIDADE
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 06/25/2009
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: AGRAVO
Decisão: REVOGADA A DECISÃO
Sumário: Na propriedade horizontal o condomínio tem personalidade judiciária e, nas acções em que estejam em causa deliberações da assembleia de condóminos, deve ser demandado o condomínio, representado pelo administrador, o qual deve ser citado nessa qualidade.
(Sumário do Relator)
Decisão Texto Integral: Acordam no Tribunal da Relação de Lisboa
 I - RELATÓRIO
V... intentou acção declarativa ao abrigo do disposto no Decreto-Lei nº 108/2006, de 8 de Junho contra a Administração do Condomínio do prédio sito na Rua ---, pedindo que sejam anuladas as deliberações tomadas na assembleia de condóminos de 21.07.2007.
Na oposição, a administração do condomínio alegou, além do mais, que se configura uma situação de ilegitimidade passiva, pois que era necessária a intervenção de todos os condóminos que deliberaram.
O autor respondeu, referindo que intentou a acção nos termos e para os efeitos previsto no  nº 6 do artigo 1433º do  Código Civil que estipula que na acção de anulação de deliberações sociais os condóminos estão representados pela administração do condomínio.
Foi proferido despacho que julgou procedente a excepção de ilegitimidade passiva da administração, convidando o autor a apresentar nova petição onde constem como partes os condóminos que votaram a deliberação em causa, por forma a assegurar a legitimidade passiva.
Não tendo o autor junto a nova petição nos termos ordenados, foi julgada procedente a excepção dilatória de ilegitimidade da ré e a mesma absolvida da instância.
 Não se conformando com aquele despacho, dele recorreu o autor, tendo formulado as seguintes CONCLUSÕES:
1ª – A legitimidade deve ser aferida pela titularidade da relação material controvertida, nomeadamente no interesse em contradizer, que se manifesta pelo prejuízo que advenha da procedência da acção – artº 26º nºs 1 e 2 do C.P.C.
2ª – Estando o condomínio, como órgão colegial que é, vinculado e obrigado ás deliberações aprovadas em assembleia, será este e não cada condómino, que terá interesse concreto em contradizer no pleito.
3ª – O artigo 6º, alínea a) do C.P.C. atribui ao condomínio personalidade judiciária relativamente às acções que se insiram no âmbito dos poderes do administrador.
4ª – Dispõe o artigo 1433º nº 6 do C. Civil, que cabe nos poderes do administrador a representação judiciária dos condóminos contra quem são propostas as acções de impugnação das deliberações tomadas em assembleia.
5ª – Resulta da conjugação de todas as disposições legais já acima referidas que o condomínio é parte legitima passiva, podendo e devendo ser demandado como tal na presente acção, cabendo a sua representação em juízo ao administrador ou a pessoa que a assembleia designar para esse efeito.
6ª – A douta sentença sob recurso violou, entre outros, os seguintes preceitos legais:
Artigo 6º alínea e) do C.P.C e artigo 1433º nº 6 do Código Civil.
Termina pedindo que seja revogada a decisão recorrida, substituindo-se por outra favorável à pretensão do agravante.
Nas contra-alegações a parte contrária pugna pela manutenção da decisão recorrida.
Dispensados os vistos legais, cumpre decidir.
II - FUNDAMENTAÇÃO
A- Fundamentação de facto
A matéria de facto a considerar é a que resulta do relatório que antecede.
B- Fundamentação de direito
 A questão que foi colocada à ponderação deste tribunal consiste em saber contra quem deve ser requerida a suspensão de uma deliberação tomada em assembleia de condóminos e, concretamente, se o tem de ser contra os condóminos, devidamente discriminados e identificados, que votaram a deliberação cuja suspensão se requer, como pretende a decisão recorrida, ou contra o condomínio representado pelo administrador, como defende o agravante.
Cumpre decidir.
Antes de mais, importa referir que não tem sido pacífica e uniforme a jurisprudência que sobre essa questão se tem pronunciado.
Para uma determinada corrente jurisprudencial, o administrador do condomínio não tem legitimidade passiva nas acções de impugnação de deliberações da assembleia de condóminos. Tais acções devem ser propostas, não contra os administradores, mas contra os condóminos.
Assim, entendeu-se no Ac. da RC de 19.6.2001[1] que nas acções de impugnação das deliberações da assembleia de condóminos a respectiva acção terá de ser intentada “contra todos os condóminos, individualmente considerados, que as hajam aprovado, se tenham abstido ou não tenham estado presentes ou representados, os quais, serão, assim, os verdadeiros demandados na acção, que a podem contestar, isoladamente, permitindo a lei, não obstante, que estes sejam representados pelo administrador ou pela pessoa designada para o efeito (...)”.
Esse foi também o entendimento seguido no Ac. da RL, de 30.9.1997[2], onde se escreveu que a acção deve ser dirigida “contra (...) todos os condóminos que votaram as deliberações, identificando-os”, podendo, embora, depois, pedir-se que a sua citação se efectue na pessoa do administrador.
Para outra corrente, a legitimidade passiva cabe ao condomínio, representado pelo administrador - Ac. R.L de 14.5.98[3].
Neste acórdão defendeu-se que, após a reforma de 1995 do Código de Processo Civil, “o condomínio, ou seja, o conjunto dos condóminos, pode ser directamente demandado quando, designadamente, estejam em causa deliberações da assembleia”, sendo que, na falta de outra pessoa nomeada pela assembleia para o efeito, “é o administrador que deve ser citado como representante legal do condomínio”.
Idêntico entendimento foi o seguido no acórdão desta Relação de 14.12.2006, onde se defendeu que “nas acções de anulação das deliberações da assembleia dos condóminos, tem legitimidade passiva o condomínio, representado pelo seu administrador”[4].
Julgamos ser esta a doutrina a seguir.
Efectivamente, o condomínio, isto é, o conjunto de condóminos, não tendo personalidade jurídica, tem personalidade judiciária.
Nos termos do artº 6º alª e) do CPC, na redacção introduzida pela reforma processual de 1995, “o condomínio resultante da propriedade horizontal, relativamente às acções que se inserem no âmbito dos poderes do administrador”, tem personalidade judiciária.
Ora, um dos poderes do administrador é precisamente o da representação judiciária dos condóminos contra quem sejam propostas acções de impugnação das deliberações da assembleia – artº 1433º, nº 6 do Código Civil.
Aliás, o nº 2 do art. 398º do CPC estatui também que, na providência cautelar de suspensão das deliberações da assembleia de condóminos “é citada para contestar a pessoa a quem compete a representação judiciária dos condóminos na acção de anulação”.
O administrador do condomínio é, pois, ope legis, o representante judiciário dos condóminos nas acções de impugnação ou no procedimento cautelar de suspensão das deliberações da assembleia. E, enquanto representante judiciário, age em nome e no interesse do colectivo de condóminos, ou seja, do condomínio.
É também este o entendimento de Lebre de Freitas[5] e de Lopes do Rego[6].
O que está em causa é uma deliberação que “exprime a vontade do condomínio, do grupo, e não dos condóminos (individualmente considerados)”, sendo que “as controvérsias respeitantes à impugnação de deliberações da assembleia apenas satisfazem exigências colectivas da gestão condominial, sem atinência directa com o interesse exclusivo de um ou vários participantes, com a consequência que, nessas acções, a legitimidade para agir cabe exclusivamente ao administrador”[7].
No condomínio actua um interesse colectivo, e a assembleia de condóminos (órgão deliberativo) exprime a vontade do condomínio, “completamente desvinculada e autónoma das posições individuais de cada condómino”[8].
No mesmo sentido escreveu Aragão Seia, “ Face à actual redacção da alª e) do artigo 6º do Código de Processo Civil, em consonância com o nº 6 citado, diversamente do que acontecia antes da Reforma de 1995, o condomínio, ou seja, o conjunto dos condóminos, pode ser directamente demandado quando, designadamente, estejam em causa deliberações da assembleia, devendo o administrador ser citado como representante legal do condomínio – nº 1 do artigo 231º do CPC –, embora a assembleia possa designar outra pessoa para prosseguir a acção”[9] (in Propriedade Horizontal – Condóminos e Condomínios -, 2ª Edição Revista e Actualizada, pág. 216 e 217).
Por força deste entendimento, e também para prevenir e evitar dificuldades reais não só para quem demanda (existe o ónus excessivo de identificar cabalmente todos os condóminos que votaram favoravelmente a deliberação, sobretudo, quando tal não resulta da acta respectiva) como também para quem contesta (dificuldade em mobilizar todos os condóminos para a defesa comum, evitar vários tipos de contestação com o prejuízo daí decorrente para a defesa, etc), parece-nos mais consentâneo com a intenção do legislador que consagrou a personalidade judiciária do condomínio, conferir legitimidade passiva ao condomínio, o qual, se assim o entender, poderá conferir ao administrador a sua representação[10].
Sendo assim, a acção não tinha que ser dirigido contra os condóminos, individualmente considerados e identificados, que aprovaram a deliberação, como foi decidido, mas sim contra o conjunto dos condóminos ou condomínio, representado pelo respectivo administrador, como foi feito.
TERMINANDO PARA CONCLUIR:
Na propriedade horizontal o condomínio tem personalidade judiciária e, nas acções em que estejam em causa deliberações da assembleia de condóminos, deve ser demandado o condomínio, representado pelo administrador, o qual deve ser citado nessa qualidade.
III – DECISÃO
Face ao exposto, concede-se provimento ao agravo e, em consequência, revoga-se a decisão recorrida, ordenando-se o prosseguimento da acção face à legitimidade processual do condomínio demandado, representado pelo respectivo administrador.
Custas pelo agravante.
Lisboa, 25 de Junho de 2009
Ilídio Sacarrão Martins
Teresa Prazeres Pais
Carla Mendes

[1] CJ III/2001, pág. 27.
[2] CJ IV/97, pág. 96.
[3] CJ III/98, pág. 96.
[4] CJ V/2006, pág. 122.
[5] Código de Processo Civil Anotado, vol I, pág. 21.
[6] Comentários ao Código de Processo Civil, vol I, pág. 43.
[7] Sandra Passinhas, “A Assembleia de Condóminos e o Administrador na Propriedade Horizontal”, pg. 337
[8] Ibidem, pág. 176.
[9] Propriedade Horizontal – Condóminos e Condomínios -, 2ª Edição Revista e Actualizada, pág. 216 e 217.
[10] Ac. RE de 18.09.2008, in www.dgsi.pt