Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
1338/22.1T8MTS.P1.S1
Nº Convencional: 6.ª SECÇÃO
Relator: ANA RESENDE
Descritores: ASSEMBLEIA DE CONDÓMINOS
DELIBERAÇÃO
AÇÃO DE ANULAÇÃO
LEGITIMIDADE PASSIVA
ADMINISTRADOR DO CONDOMÍNIO
REVISTA EXCECIONAL
Data do Acordão: 09/28/2023
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: REVISTA IMPROCEDENTE.
Sumário :

Na ação de impugnação de uma deliberação de assembleia de condóminos, a legitimidade passiva pertence ao condomínio, representado pelo respetivo administrador.

Decisão Texto Integral:

REVISTA n.º 1338/22.1T8MTS.P1.S1


ACORDAM NA 6ª SECÇÃO DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA


I - Relatório


1. B..... ........ LDA. veio instaurar ação de anulação de deliberações da assembleia de condomínio de 15.01.2022 contra AA, pedindo que seja declarada a nulidade de todas as deliberações tomadas na referida assembleia, ou caso não seja esse o entendimento, a anulabilidade, principalmente da que aprovou as contas por não corresponder à verdade.


2. Alega para tanto que é proprietária das frações B, C, D, E, J, L, M, e N do imóvel constituído em propriedade horizontal, e o R., proprietário das frações A, F, G, H, e I, sendo a fração O propriedade de Sociedade G...... ............... ............, SA.


Convocada para a referida assembleia votou contra a aprovação das contas de 2020 e 2021 apresentadas pelo Administrador, sendo as contas e dívidas aprovadas pelo R., sabendo o mesmo e o Administrador que não correspondiam à verdade.


Mais invoca que o R tem legitimidade passiva, visto ser o condómino que participou na deliberação.


3. Citado, veio o R. contestar, invocando a sua ilegitimidade passiva, entendendo que este tipo de ações devem ser propostas contra o Administrador do Condomínio, em representação do condomínio, e consequentemente dos condóminos, impugnando o factualismo aduzido e pedindo a condenação da A. por litigância de má fé.


4. A A. veio responder.


5. Foi proferida Decisão que considerando ser legalmente atribuída ao condomínio a legitimidade passiva para esta tipologia de ações, verificava-se a ilegitimidade passiva singular, importando na absolvição do R. da instância.


6. Inconformada veio a A. interpor recurso de apelação, que foi julgada improcedente, confirmando a Decisão recorrida.


7. Novamente inconformada veio a A. interpor recurso de revista excecional, formulando nas suas alegações as seguintes relevantes conclusões:


a) Encontram-se preenchidos todos os requisitos para admissão do presente recurso, nos termos do n.º 2 do art.º 672º do Cód. Processo Civil .


(…)


d) Pronunciando-se esse Venerando Tribunal, quanto à correta interpretação do art.º 1430º e 1433º n.º6 do Cód. Civil, que foram alvo de interpretações contraditórias entre a legitimidade passiva dos condóminos que votaram favoravelmente ou o administrador, face às duas decisões antagónicas do tribunal da Relação do Porto.


e) Proferindo esse Venerando Tribunal Acórdão Uniformizador a fixar quem tem legitimidade passiva nas ações de impugnação de deliberações de Assembleias do Condomínio.


7.1. Remetidos os autos à Formação, foi proferido Acórdão que admitiu a revista excecional.

8. Cumpre apreciar e decidir.

*


II – Enquadramento facto-jurídico


A . Dos factos.


Tal como foi referenciado em sede do Acórdão recorrido, com vista à apreciação da questão em causa nos autos, essencialmente de direito, relevam os factos descritos no relatório antecedente, traduzindo a factualidade essencial no que concerne ao pedido e causa de pedir com vista a aferir da titularidade da legitimidade passiva na situação sob análise.


B. Do Direito.

1.Conforme se aludiu, o presente recurso de revista excecional foi admitido pela Formação, consignando-se “(…) Analisada a jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça, constata-se que, efetivamente, existe uma certa clivagem jurisprudencial, havendo quem considere que, nas ações de anulação de deliberações da assembleia de condóminos, deve ser demandado o condomínio, representado pelo respetivo administrador (inter alia, acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 25 de maio de 2021 (Processo n.º 7888/19.0T8LSB.L1.S1), de 24 de novembro de 2020 (Processo n.º 23992/18.9T8LSB.L1.S1) e quem considere que tal legitimidade passiva pertence aos condóminos que estiveram presente ou representados na assembleia e que votaram favoravelmente à sua aprovação (acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 30 de setembro 2014 (Processo n.º 22/11.6TBEPS.S1.G1), de 6 de novembro de 2008 (Processo n.º 2784/08).

Ora, esta clivagem jurisprudencial, associada à inexistência de uma amostra relevante de decisões proferidas por este Supremo Tribunal de Justiça sobre esta matéria, torna, em nossa perspetiva, necessária a intervenção deste Supremo Tribunal de Justiça a título excecional. De facto, está em causa uma matéria decorrente de frequente conflitualidade e que não raras vezes é objeto de discussão nos nossos tribunais, o que torna evidente a conclusão de que o que aqui se decidir terá, certamente, repercussões em litígios futuros.


(…) Tudo visto, impõe-se a conclusão de que é manifesto o destacado relevo social da matéria que integra o objeto do presente recurso, donde se justifica o acesso ao terceiro grau de jurisdição, ao abrigo do art.º 672º n.º 1 alínea b) do Código de Processo Civil, e daí a admissibilidade da revista excecional, ficando, assim, prejudicada a apreciação do fundamento decorrente da invocada alínea c) do n.º 1 do art.º 672º do Código de Processo Civil.”(…)


2. O objeto do recurso prende-se assim em saber se ao R assiste legitimidade passiva em ação de anulação de deliberação de assembleia de condóminos, ou diversamente do pretendido pela Recorrente, se essa legitimidade deve ser atribuída ao condomínio representado pelo seu administrador.


2.1. Sabendo-se que inexiste unanimidade no entendimento a perfilhar, na posição defendida pela Recorrente, vertida na sua petição inicial, melhor explanada nas suas alegações do recurso de apelação, a ação de impugnação de deliberações da assembleia de condóminos deve ser intentada contra os condóminos que a hajam aprovado, devendo nela figurar como RR, que assim constituem parte passiva, representados pelo administrador e não o condomínio.


O fundamento deste entendimento radica na consideração de o condomínio, resultante da propriedade horizontal, não constituir, em si próprio, um ente jurídico personalizado, nem um património autónomo, não gozando de personalidade jurídica a que se encontra associada a personalidade judiciária, pelo que, e apesar da na alínea e) do art.º 6, do CPC, lhe ter sido reconhecida personalidade jurídica, relativamente às ações que se inserem no âmbito dos poderes do administrador, cabendo-lhe a representação em juízo, tal não tem aplicação à ação de anulação de deliberações sociais no âmbito do disposto no art.º 1433, do CC, e desse modo tendo a deliberação sido aprovada com o voto do Réu/Recorrido, é contra ele que deve ser dirigida a ação.


2.1.2. Em abono da tese enunciada, para além do Acórdão da Relação do Porto, de 8.06.2021, processo n.º 1849/20.3T8MTS.P1, junto aos autos como Acórdão fundamento, apontando como argumentos atendíveis, o primeiro relativamente à natureza do litígio, enquanto posição individualmente assumida pelos condóminos que votaram favoravelmente a deliberação, e assim dentro da esfera do exercício da autonomia da vontade de cada condómino e desse modo entrando-se no âmbito de discrepâncias entre condóminos, um segundo argumento conceptual, com a menção de a atribuição de personalidade jurídica ao condomínio, nos termos do art.º 12, e) do atual CPC, não lhe conferindo a possibilidade de assumir-se como parte em todas as ações, mas tão só relativamente àquelas que se inserem no acervo dos poderes do administrador, e um terceiro argumento, que se prende com o facto de a intervenção do condomínio responsabilizar todos os condóminos, que não fará sentido quanto aos condóminos que não tenham aprovado a deliberação.


Nesse sentido, pronunciou-se o Supremo Tribunal de Justiça (STJ) de 6.11.2008, processo n.º 2784/08, Acórdão de 30.09.2014, processo n.º 22/11.6TBEPS.G1.S1.


2.1.3. Em termos doutrinais, seguindo essa orientação, ainda recentemente foi defendido que nas ações de impugnação das deliberações da assembleia de condóminos, a legitimidade passiva dos condóminos que votaram favoravelmente a deliberação impugnada, por serem os únicos com interesse em contradizer, até porque o condomínio não tem personalidade jurídica, questionando-se nomeadamente porque razão se há de atribuir ao condomínio, isto é, o conjunto dos condóminos, a defesa dos direitos parcelares de quem aprovou uma certa deliberação na assembleia de condóminos1.


Entendeu-se também2, que apesar do n.º 6, do art.º 1433, do CC, parecer inculcar a ideia que as ações devem ser propostas contra condóminos, dando conta de entendimento diverso, as divergências terão relevância menor, pois mesmos que se entenda que as ações de impugnação tem que ser propostas contra condóminos, “parece não ser razoável negar que serão todos citados na pessoa do administrador ou de quem a assembleia designar3, sem prejuízo que considerando-se que devem ser propostas contra os condóminos, um caminho será propor a ação contra todos os condóminos, individualmente considerados, que as hajam adotado, se tenham abstido ou não estado presentes, permitindo a lei que sejam representados pelo administrador, ou representante especial, que efetuará a defesa de todos.


2.2. Nas Instâncias, salientando o Acórdão sob recurso, foi expressamente considerado que na ação de impugnação de deliberações da assembleia de condóminos a legitimidade passiva pertence ao condomínio representado pelo respetivo administrador.


Na sustentação da sua posição, que aliás, e adiantando, se perfilha, não deve ser esquecido no atendimento do art.º 30, do CPC, a legitimidade enquanto pressuposto processual face à posição das partes no litígio delineado, exprime-se, como se sabe, no interesse em demandar, e por parte do réu, em contradizer a pretensão do autor, tendo em conta a relação material controvertida, como se mostra configurado pelo autor, não deixando de se sublinhar que está no seu âmago a utilidade, ou o prejuízo que possam advir às partes.


Evidenciado também se mostra, que conforme o disposto no art.º 12, alínea e) do CPC, é atribuída personalidade judiciária ao condomínio, o que se entende, tal como se alude no Acórdão sob recurso, por razões de ordem prática, com vista ao exercício de poderes processuais pelo condomínio, ainda que em termos de excecionalidade, mas também sublinhado que a deliberação tomada numa assembleia de condóminos tem um conteúdo autónomo da vontade de cada um dos condóminos, individualmente considerados e distinta da simples de vontades que possam ter sido expressas.


No reporte ao n.º 6, do art.º 1433, do CC, considerando a necessidade de uma interpretação atualista no sentido de o condomínio poder ser diretamente demandado, representado pelo administrador, não surge como descabido que, incumbindo a este último a execução das deliberações da assembleia de condóminos, art.º 1436, h) do CC, cumpre ao mesmo, em representação do condomínio, sustentá-las em termos processuais.


2.2.1.No sentido de atribuição de legitimidade passiva ao condomínio, veja-se Acórdão do STJ de 29.05.2007, processo n.º 1484/07, Acórdão do STJ de 14.06.2007, processo n.º 502/07, Acórdão do STJ de 24.11.20204, Acórdão do STJ de 25.09.2012, processo 3592/09.5TBPTM.E1.S1, Acórdão do STJ de 4.05.20215, Acórdão do STJ de 25.05.20216, e ainda referencia-se, Acórdão da Relação do Porto, de 4.04.20227


2.2.2. Quanto à doutrina, refere-se o entendimento que a deliberação da assembleia de condóminos exprime a vontade do grupo que constitui o condomínio, e não dos condóminos individualmente considerados, ou dos que aprovaram a deliberação, pois as controvérsias respeitante à impugnação de uma deliberação só satisfazem necessidades coletivas, sem a atinência direta com o interesse individual ou exclusivo de um dos condóminos, com a consequência da atribuição da legitimidade8.


Por sua vez, considerando que a deliberação contra a qual se reage traduz a vontade do condomínio, este acaba por ser uma realidade distinta dos seus membros, pelo que assim sendo a boa solução será demandar o condomínio e não apenas os condóminos que votaram a favor da deliberação, mais entendendo no concerne ao n.º 6, do art.º 1433, do CC, que a interpretação a fazer do preceito legal não deverá ser estritamente literal, importando que se atenda aos demais elementos interpretativos, na realização de uma interpretação atualista9, nomeadamente tendo em conta a vigência do DL 267/94, de 25.10, e só com a reforma de 1995/1996 estendendo-se a personalidade judiciária ao condomínio, passando este a ser a parte legítima, assumindo o administrador o papel de representante10


3. Aqui chegados, conforme acima se aludiu perfilha-se o entendimento das instâncias, que aliás, tem sido o seguido ultimamente por este Tribunal.


Com efeito, embora repisando o já dito, a deliberação da assembleia de condóminos exprime a sua vontade, e desse modo, compreende-se e tem respaldo legal que seja o condomínio, que naquele âmbito afirmou tal vontade, quem a possa sustentar em juízo, se questionada a respetiva validade ou eficácia, permitindo também agilizar o exercício do direito, que não se configurando como determinante nos presentes autos, não se mostra despiciendo em situações hodiernas, com multiplicidade de condóminos.


4. Conclui-se, em conformidade, que a pretensão da Recorrente não merece acolhimento.


III – DECISÃO


Nestes termos, decide-se negar a revista.


Custas pela Recorrente

Lisboa, 28.09.2023

Ana Resende (Relatora)

António Barateiro Martins

Maria Olinda Garcia


*


Sumário, art.º 663, n.º 7, do CPC.


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1. Cf. Miguel Teixeira de Sousa, Jurisprudência 2022, Blog do IPPC, 20.10.2022.↩︎

2. Cf. Rui Pinto Duarte, Código Civil Anotado, 2017, coordenação de Ana Prata, fls. 286 e 287.↩︎

3. Cf. Rui Pinto Duarte, obra acima citada, fls. 286.↩︎

4. In www.dgsi.pt↩︎

5. In www.dgsi.pt.↩︎

6. In www.dgsi.pt↩︎

7. In ECLI, jurisprudência.csm.org.pt., com vasta nota jurisprudencial, relativa às duas posições indicadas nos autos.↩︎

8. Cf. Sandra Passinhas, A Assembleia de Condóminos e o Administrador na Propriedade Horizontal, janeiro 2002, fls. 346 e 347, na referência à qualificação do administrador como um mandatário do condomínio.↩︎

9. Cf. Miguel Mesquita, A personalidade judiciária do condomínio nas ações de impugnação, in Cadernos de Direito Privado, n.º 35, julho/setembro, fls. 51 e segs, referindo “quanto mais uma lei esteja marcada no seu conteúdo, pelo circunstancialismo da conjuntura em que foi elaborada, tanto maior poderá ser a necessidade da sua adaptação às circunstâncias porventura muito alteradas, do tempo que é aplicada” e também, “ temos de ajustar o próprio significado da norma à evolução entretanto sofrida (pela introdução de novas normas ou decisões valorativas) pelo ordenamento em cuja vida ela se integra” apud Batista Machado, Introdução ao Estudo do Direito e ao Legitimador, 1983, fls 68 e 191.↩︎

10. Cf. Miguel Mesquita, obra citada, fls. 56, “Os pressupostos processuais não devem servir para complicar desnecessariamente, o conhecimento do pedido e a resolução dos litígios, finalidades precípuas do processo civil”↩︎