Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
080355
Nº Convencional: JSTJ00007796
Relator: PEREIRA DA SILVA
Descritores: PROPRIEDADE HORIZONTAL
CONDOMÍNIO
ADMINISTRADOR
ASSEMBLEIA GERAL
DELIBERAÇÃO SOCIAL
IMPUGNAÇÃO
LEGITIMIDADE
Nº do Documento: SJ199102140803552
Data do Acordão: 02/14/1991
Votação: UNANIMIDADE
Referência de Publicação: BMJ N404 ANO1991 PAG376
Tribunal Recurso: T REL PORTO
Processo no Tribunal Recurso: 9484/90
Data: 06/26/1990
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: AGRAVO.
Decisão: NEGADO PROVIMENTO.
Área Temática: DIR CIV - DIR REAIS.
DIR PROC CIV.
Legislação Nacional: CCIV66 ARTIGO 1433 N4 ARTIGO 1435 ARTIGO 1437 N1 N3.
Jurisprudência Nacional: ACÓRDÃO RL DE 1984/02/07 IN CJ ANO1984 TI PAG134.
ACÓRDÃO RL DE 1990/02/08 IN CJ ANO1990 TI PAG161.
ACÓRDÃO RL DE 1984/06/25 IN CJ ANO1984 TIII PAG174.
Sumário : O administrador de condominio não tem legitimidade passiva em acção que tenha por objecto a impugnação de deliberação tomada na assembleia geral de condominos, pelo que tal acção tem de ser proposta contra todos os condominos individualmente considerados.
Decisão Texto Integral: Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:
I - O Banco A instaurou a presente acção com processo ordinario contra o administrador do condominio do predio sito na Praceta Engenheiro Amaro da Costa n. 752, no Porto, - predio esse em regime de propriedade horizontal e denominado Parque Italia, - requerendo se julguem feridas de nulidade as deliberações tomadas na Assembleia Geral de condominos de 1 de Maio de 1989, visto não se ter verificado a maioria legal para o funcionamento da assembleia em primeira convocatoria.
O administrador contestou, arguindo a sua ilegitimidade e impugnando alguns dos factos.
Houve resposta a contestação, e no despacho saneador o reu foi declarado parte ilegitima e absolvido da instancia, (folhas 62).
O autor recorreu, mas a Relação negou provimento ao recurso (folhas 80 e seguintes).
Do respectivo acordão traz o autor o presente recurso, pedindo a sua revogação e substituição por outro que declare o administrador parte legitima para com ele prosseguir a acção. Na sua alegação formula as seguintes conclusões: a) o administrador pode ser demandado nas acções respeitantes as partes comuns do edificio (artigo 1437 n. 2 do Codigo Civil); b) as deliberações em causa versavam sobre partes comuns do edificio, pois que, tratando-se de apresentar contas do ano transacto e o orçamento para o ano de 1989, estão em causa as despesas e comparticipações necessarias a conservação e fruição das partes comuns e o pagamento de serviços de interesse comum; c) foram violados os artigos 1432, 1437 n. 2 do Codigo Civil e 494 n. 1, alinea b), 495 e 510 do Codigo de Processo Civil.
Não foram apresentadas contra-alegações.
II - Colhidos os vistos legais, cumpre decidir:
A questão posta consiste em saber se o administrador do condominio tem legitimidade passiva para ser demandado, em nome proprio e nessa qualidade, nas acções anulatorias das deliberações tomadas pela assembleia de condominos.
A face da lei de processo devemos dizer que a não tem. Com efeito o artigo 26 n. 1 do Codigo de Processo Civil dispõe que o reu e parte legitima quando tem interesse directo em contradizer, - interesse esse que se exprime pelo prejuizo que para ele possa advir da procedencia da acção. Na falta de indicação da lei em contrario, (acrescenta o preceito no seu n. 3). são considerados titulares do interesse relevante para o efeito da legitimidade os sujeitos da relação material controvertida.
Ora o administrador do condominio não e sujeito das deliberações cuja anulação se pede. Elas foram tomadas pela assembleia de condominos, a que o dito administrador presidiu.
O administrador do condominio e eleito pela assembleia de condominos, (artigo 1435 do Codigo Civil, - de que serão as disposições que viermos a citar sem indicação de origem), podendo ser esse condomino ou um terceiro, (n. 4 do dito preceito). Sendo um terceiro, nem sequer tem direito de voto, e estranho seria que fosse demandado como sujeito da relação material controvertida.
A sua intervenção so se justifica em relação aos actos de conservação e fruição das coisas comuns, aos actos conservatorios dos respectivos direitos ou a prestação dos serviços comuns. Compete-lhe a gestão corrente dos bens comuns, estando a sua competencia, no entanto, subordinada as deliberações que a assembleia tome a tal respeito, - deliberações que, de resto, lhe cumpre executar. Tem ainda legitimidade para praticar actos conservatorios dos direitos relativos aos bens comuns,
(artigo 1437, alinea f)), e para demandar e ser demandado, quando autorizado pela assembleia (artigo 1437 ns. 1 e 3), em acções relativas a propriedade e posse desses bens, (Dr. Henrique Mesquita na Revista de Direito e Estudos Sociais, XXIII, paginas 132).
Ao contrario do que diz o recorrente, as deliberações em causa não "versavam sobre partes comuns do edificio".
Versavam sobre as contas e o orçamento apresentados pelo administrador: - sobre a justeza e prova daquelas, e sobre a objectividade das previsões para o ano seguinte.
E, sendo asssim, não se ve que a face da lei de processo o administrador possa ser considerado como parte legitima para ser demandado, como reu, nas indicadas acções.
Importa, por isso, considerar o que sobre a materia dispõe a lei civil.
Ja se considerou que o administrador do condominio e parte legitima, como reu, nas acções anulatorias de deliberações tomadas na assembleia de condominos, sempre que elas respeitem as partes comuns do edificio em propriedade horizontal, (Acordão da Relação de Lisboa de 25 de Junho de 1984 na Colectanea 1984, III, paginas 174).
Todavia deve dizer-se que, no caso presente, as deliberações tomadas não respeitam, como ja referimos acima, as partes comuns do predio. Respeitam apenas as despesas feitas pelo administrador e ao orçamento pelo mesmo apresentado. E, nessa medida, a doutrina propugnada não tem aplicação ao caso, se bem que, mesmo na hipotese considerada, não seja de aplaudir.
Defendeu-se tambem que nas acções de anulação das deliberações da assembleia de condominos tem legitimidade passiva: a) os condominos que votaram a deliberação, por serem os demais sujeitos do condominio; b) o administrador do condominio, por força dos artigos 1437 n. 2 e 1433 n. 4; e c) a pessoa que a assembleia designar "para efeitos de ser demandada" (artigo 1433 n. 4) (Dr. Moitinho de Almeida na Anulação e Suspensão de Deliberações Sociais, paginas 52).
A hipotese da alinea a) não oferece contestação. Os condominos que votaram a deliberação são partes legitimas, porquanto são os sujeitos da relação material controvertida, (artigo 26 n. 3 do Codigo de Processo Civil).
As hipoteses das alineas b) e c) merecem os nossos reparos, face aos preceitos invocados.
No n. 2 do artigo 1437 se dispõe que "o administrador pode tambem ser demandado nas acções respeitantes as partes comuns do edificio" e no n. 1 se estabelece que "o administrador tem legitimidade para agir em juizo na execução das funções que lhe pertencem ou quando autorizado pela assembleia".
Ora, como o administrador apenas tem, como o proprio nome indica, funções de gestão dos bens comuns, so pode estar em juizo como reu quando estejam em causa essas funções. Estando em causa outros valores, como a propriedade ou a posse dos bens comuns, o administrador so tera legitimidade para ser demandado ou demandar se a assembleia lhe atribuir, para o efeito, poderes especiais, (n. 3 do dito artigo).
"A intervenção do administrador so se justifica em relação aos actos de conservação e fruição das coisas comuns, aos actos conservatorios dos respectivos direitos ou a prestação de serviços comuns", (Pires de Lima e Antunes Varela no Codigo Civil Anotado III, 2 edição, paginas 456).
Ora tão so em relação a esses actos e que ele podera ser demandado.
No que respeita a impugnação das deliberações tomadas pela assembleia de condominos não lhe concede a lei (artigo 1433) legitimidade para, na exclusiva qualidade de administrador, demandar e ser demandado.
Como se dispõe no n. 1 do dito preceito, a anulação pode ser requerida por qualquer condomino que não tenha aprovado a deliberação. Fala-se em condomino e não em administrador, sabido como e que o administrador pode nem sequer ser qualquer dos condominos.
Por outro lado no n. 3 do mesmo preceito se indica contra quem as acções de anulação devem ser propostas.
Ai se fala nos "condominos contra quem são propostas as acções", o que quer dizer que os sujeitos passivos dessas acções são os condominos. Não se diz que sejam todos, (com excepção daquele ou daqueles que propuseram a acção), ou que sejam tão so os que aprovaram a deliberação anulanda.
Decidiram neste ultimo sentido os acordãos da Relação de Lisboa de 7-2-84 e de 8-2-90, publicados na Colectanea 1984, I, paginas 134 e 1990, I, paginas 161.
Fundamentaram a sua decisão em que esses condominos e que serão prejudicados com a procedencia da acção, e não o administrador.
Opinou no primeiro sentido, ou seja de que a acção deve ser proposta não so contra os condominos que votaram a favor da deliberação, mas tambem contra aqueles que se abstiveram ou não compareceram sequer a assembleia, - o Dr. Abilio Neto. Alega ele que todos esses condominos podem ser prejudicados ou beneficiados com a declaração da nulidade pedida e a deliberação constitui um acto unitario (Direitos, Deveres dos Condominos na Propriedade Horizontal, paginas 114).
Mas, seja a acção proposta contra os condominos que votaram a deliberação, seja contra esses e contra os demais, a sua representação judiciaria pertence ao administrador ou a pessoa que a assembleia designar para esse efeito, (n. 3 do mesmo normativo).
Esta ultima hipotese raramente se verificara, porquanto não e normal que uma assembleia de condominos preveja logo que vai ser impugnada a sua deliberação e providencie desde logo sobre a representação passiva do condominio em juizo, relativamente a uma eventual acção de impugnação dessa deliberação, (Dr. Moitinho de Almeida na obra e local citados). Todavia tera lugar sempre que seja o proprio condomino administrador a propor a acção de anulação.
Não se dando este caso, o administrador intervira no processo, não como reu, mas como representante dos condominos demandados, que são os verdadeiros reus, e na esfera juridica dos quais se irão produzir os efeitos da procedencia da acção.
"O condominio não constitui um ente juridico autonomo, dotado de personalidade juridica propria, nem tão pouco a lei lhe reconhece personalidade judiciaria, isto e, não o dotou da possibilidade de requerer ou de contra si ser requerida, em nome proprio, qualquer das providencias de tutela jurisdicional reconhecidas por lei. Consequentemente, o ou os condominos que pretendam impugnar em juizo deliberações tomadas numa dada assembleia geral, terão de intentar a correspondente acção contra todos os condominos, individualmente considerados,... os quais serão, assim, os verdadeiros reus na acção... a lei, no entanto, para facilitar o desenvolvimento da acção e evitar a intervenção efectiva de todos (R. D. Jose, 118) permite que os reus sejam representados pelo administrador ou pela pessoa designada para o efeito por deliberação da assembleia,
(n. 4 deste artigo 1433), o que significa que o autor podera requerer a citação de todos os reus apenas na pessoa do administrador ou do representante especial, se o houver" (Dr. Abilio Neto na obra citada, paginas 113 e 114).
Falando a lei em que o administrador e apenas o representante judicial dos condominos (n. 4 do artigo 1433), nunca o mesmo administrador podera ser demandado, em nome proprio, como reu. O representante actua em nome do representado, nos limites dos poderes que lhe competem, e e na esfera juridica deste ultimo que se vão produzir os efeitos dos actos praticados, (cfr. artigo 258).
Sendo assim, não oferece duvidas que o administrador demandado não e parte legitima na acção, porquanto foi demandado como reu e não como representante dos condominos, para alem de que estes ultimos não foram sequer demandados.
Nos termos expostos se acorda em negar provimento ao recurso com custas a cargo do recorrente.
Lisboa, 14 de Fevereiro de 1991.
Pereira da Silva,
Maximo Guimarães,
Solano Viana.