Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
26149/22.0T8LSB.L1-7
Relator: ANA MÓNICA MENDONÇA PAVÃO
Descritores: ASSEMBLEIA DE CONDÓMINOS
ACÇÃO DE IMPUGNAÇÃO DE DELIBERAÇÃO
LEGITIMIDADE PASSIVA
CONDOMÍNIO
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 09/26/2023
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PROCEDENTE
Sumário: I.– A acção de impugnação de deliberação da assembleia de condóminos deve ser intentada contra o condomínio - que será representado em juízo pelo administrador ou por quem a assembleia designar - e não contra os condóminos que aprovaram a deliberação.

II.– A legitimidade passiva do condomínio é afirmada com base numa interpretação actualista do nº 6 do art. 1433º do C. Civil, conjugado com o disposto no art. 1437º/1 e 2 do mesmo código, na redacção introduzida pela Lei nº 8/2022, de 10 de Janeiro.

Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam os Juízes na 7ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa:


I.– RELATÓRIO


A e B intentaram a presente acção declarativa de anulação de deliberação de assembleia de condóminos contra Condomínio do prédio sito na Avenida ..... ....., ... a ...-C, 1...-1..–Lisboa, representado pelo respectivo administrador Urban Factory Lda., pedindo que seja anulada a deliberação da assembleia de condóminos de 13 de Setembro de 2022, constante da acta nº 16, que aprovou o arrendamento da casa do porteiro.

Para tanto alegaram, em síntese, que:
são proprietários e condóminos da fração H correspondente ao sétimo andar recuado do mencionado prédio sujeito ao regime da propriedade horizontal;
no dia 13 de Setembro de 2022, realizou-se uma assembleia extraordinária de condóminos do identificado prédio, tendo sido aprovada, por maioria dos presentes, a deliberação de proceder ao arrendamento da casa do porteiro, com os votos a favor dos condóminos das frações A, B, C, E, F e G e com o voto contra do condómino do sétimo andar, fração H, ou seja, dos autores;
o condómino da fração D não esteve presente na assembleia;
do título constitutivo da propriedade horizontal consta que “as dependências destinadas ao uso e habitação da porteira, compostas de vestíbulo de entrada, uma sala comum, um quarto, uma cozinha, uma despensa e um pequeno terraço na rectaguarda, são comuns de todas as fracções, com exceção da fração designada pela letra A.”;
a deliberação em sede de assembleia de condóminos de proceder ao arrendamento do espaço destinado a casa do porteiro tinha de ser aprovada por todos os condóminos do prédio, o que não sucedeu, sendo assim a deliberação em causa nula e anulável nos termos do disposto nos n.ºs 1 e 4, segunda parte, do artigo 1433º do Código Civil;

Citado, o réu não apresentou contestação.

Foi proferido despacho saneador-sentença, cujo dispositivo é o seguinte:
«Pelo exposto, nos termos das disposições conjugadas dos artigos 30º, 278º, n.º 1, alínea d), 576º, n.º 1 e 2, 577º, alínea e) e 578º, todos do Código de Processo Civil, e 1433º, n.º 6 do Código Civil, julgo verificada a exceção dilatória de ilegitimidade passiva e, consequentemente, absolvo da instância o réu Condomínio do Prédio sito na Avenida ..... ....., ... a ...-C, em Lisboa.
Custas a cargo dos autores (artigo 527º do Código de Processo Civil).
Notifique, registe e mais D.N.»
*

Inconformados com a decisão, dela apelaram os autores, formulando as seguintes conclusões [transcrição]:
«I.–O presente recurso vem interposto da sentença que julgou verificada a exceção dilatória de ilegitimidade passiva e, consequentemente, absolveu da instância o réu Condomínio do Prédio sito na Avenida Defensores de Chaves, 81 a 81 C, em Lisboa, por considerar que a presente ação de impugnação de deliberação de condomínio deveria ter sido intentada contra todos os condóminos que votaram favoravelmente a deliberação impugnada – e não contra o condomínio –, uma vez que só estes seriam prejudicados com a decisão.
II.–Os Recorrentes entendem que a decisão mencionada fez uma incorreta interpretação e aplicação da lei, concretamente do disposto nos artigos 12º, alínea e) do CPC, conjugado com o disposto nos artigos 1437º, n°s 1 a 3, e 1436º, alínea h), e no artigo 1433º, nº 3 e nº 6, todos do Código Civil.
III.–Com efeito, vem sendo entendido pela doutrina e jurisprudência que na ação de impugnação de deliberações da assembleia de condóminos, a legitimidade passiva pertence ao condomínio, representado pelo respetivo administrador.
IV.–Na verdade, à enumeração taxativa de entidades excecionalmente providas de personalidade judiciária, o legislador, na Reforma de 1995/1996, acrescentou o condomínio, prevendo-se no artigo 6º, alínea e), do CPC de 1961 (atual artigo 12º, alínea e), do CPC de 2013), que tem personalidade judiciária o condomínio resultante da propriedade horizontal, relativamente às ações que se inserem no âmbito dos poderes do administrador.
V.–Este preceito aponta na direção do artigo 1437º do Código Civil, que prevê especificamente a legitimidade para agir em juízo ativa e passivamente, nalguns casos, e também para o artigo 1436º do mesmo diploma, o qual enumera as diversas funções que competem ao administrador, nas quais se inclui, sob a alínea h), a execução das deliberações da assembleia.
VI.–Por seu turno, o nº 6 do artigo 1433.o do Código Civil prevê que a representação judiciária dos condóminos contra quem são propostas as ações compete ao administrador ou à pessoa que a assembleia designar para o efeito.
VII.–A deliberação dos condóminos é a forma por que se exprime a vontade da assembleia de condóminos (artigos 1431º e 1432º do Código Civil), órgão a quem compete a administração das partes comuns do edifício constituído em propriedade horizontal (artigo 1430º, nº 1, do Código Civil), sendo o administrador o órgão executivo da assembleia de condóminos (artigos 1435º a 1438º, todos do Código Civil).
VIII.–Assim, a solução mais correta será a de demandar o condomínio, como se conclui, a título de exemplo, no acórdão do TRP de 13.2.2017: Se a deliberação exprime a vontade da assembleia de condóminos, estruturalmente percebe-se que seja essa entidade, porque vinculada pela deliberação, a demandada em ação em que se questione a existência, a validade ou a eficácia de uma sua qualquer deliberação.
IX.–A necessidade de identificar todos os condóminos pode, de resto, ser "diabólica", por duas razões: por causa do elevado número de condóminos de certos edifícios sujeitos ao regime da propriedade horizontal; por causa, também, da impossibilidade prática, na esmagadora maioria das vezes, de identificar, na acta da assembleia, os condóminos que votaram a favor da deliberação inválida.
X.–A tese negatória da personalidade judiciária do condomínio, ao rejeitar a interpretação atualista do art. 1433º, nº 6, do CC, constitui uma solução pouco prática e, até, espinhosa – como escreve Miguel Mesquita, os pressupostos processuais não devem servir para complicar, desnecessariamente, o conhecimento do pedido e a resolução dos litígios, finalidades precípuas do processo civil.
XI.–Razão pela qual se impõe a revogação da decisão recorrida, substituindo-a por outra que, interpretando corretamente o disposto nos artigos 12º, alínea e) do CPC, conjugado com o disposto nos artigos 1437º, n°s 1 a 3, e 1436º, alínea h), e no artigo 1433º, nº 4 e nº 6, todos do Código Civil, declare o condomínio Réu parte legítima, e que determine o prosseguimento dos autos, com todas as consequências legais, tendo, designadamente em conta que o Réu, devidamente citado, não contestou.»

Concluem que deve o recurso ser julgado procedente e revogada a sentença que julgou o réu parte ilegítima.

O recorrido não contra-alegou.

Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir.
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II.– QUESTÕES A DECIDIR
Sendo o objeto do recurso delimitado pelas conclusões do apelante, nos termos preceituados nos artigos 635º/4 e 639º/1 do Código de Processo Civil, sem prejuízo das questões que sejam de conhecimento oficioso e daquelas cuja decisão fique prejudicada pela solução dada a outras, importa, no caso, apreciar e decidir da questão da legitimidade passiva do réu.
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III.– FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO
A factualidade relevante para a decisão é a que consta do relatório supra.
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IV.– FUNDAMENTAÇÃO JURÍDICA
A decisão posta em crise julgou verificada a excepção dilatória da ilegitimidade passiva e consequentemente absolveu o réu da instância, considerando que a presente acção de anulação de deliberação da assembleia de condóminos deveria ter sido intentada contra os condóminos que votaram favoravelmente a deliberação impugnada, e não contra o condomínio.

Como flui das alegações do recurso e designadamente do ponto II das conclusões, os ora apelantes imputam à decisão recorrida incorrecta interpretação e aplicação da lei, concretamente do disposto nos artigos 12º, alínea e) do Código de Processo Civil (CPC), conjugado com o disposto nos artigos 1437º/1 a 3 e 1436º alínea h) e no artigo 1433º/3 e 6 todos do Código Civil.

Sustentam, sob a conclusão III da motivação recursória, que “na acção de impugnação de deliberação da assembleia de condóminos a legitimidade passiva pertence ao condomínio”.

Cumpre apreciar.

A legitimidade, enquanto pressuposto processual, visa assegurar que o autor e o réu são os sujeitos que podem discutir a procedência da acção, procurando que "a causa seja julgada perante os verdadeiros e principais interessados na relação jurídica, de modo a não voltar a repetir-se" (Anselmo de Castro, “Direito Processual Civil”, Vol. II, p. 167 e A. VARELA, RLJ, Ano 114º, p. 141).

Nos termos do nº 1 do art. 30º do Código de Processo Civil (CPC), “o réu é parte legítima quando tem interesse directo em contradizer”, acrescentando o nº 2 que o interesse em contradizer exprime-se pelo prejuízo que advenha da procedência da acção, e o nº 3 que “na falta de indicação da lei em contrário, são considerados titulares do interesse relevante para o efeito da legitimidade os sujeitos da relação controvertida, tal como é configurada pelo autor”.

Quer isto dizer que na falta de outra indicação da lei, a legitimidade - activa e passiva - é aferida em função da relação controvertida, tal como é apresentada/descrita na petição inicial.

Como é sabido, o condomínio de um prédio não tem personalidade jurídica, mas por via da “extensão da personalidade judiciária” consagrada no art. 12º alínea e) do Código Processo Civil, goza de personalidade judiciária relativamente às acções que se inserem nos poderes do administrador.

Esta norma deve ser conjugada com o regime da propriedade horizontal, designadamente com o disposto nos artigos 1433º, 1436º e 1437º todos do Código Civil.

Dispõe o nº 1 do art. 1433º que “As deliberações da assembleia contrárias à lei ou a regulamentos anteriormente aprovados são anuláveis a requerimento de qualquer condómino que as não tenha aprovado”; estatuindo o nº 6 do mesmo preceito que “A representação judiciária dos condóminos contra quem são propostas as acções compete ao administrador ou à pessoa que a assembleia designar para esse efeito”.

Enquanto que o art. 1436º elenca, em termos exemplificativos, as funções do administrador, o art. 1437º atribui-lhe a representação judiciária do condomínio, em concretização do princípio enunciado no art. 26º do Código de Processo Civil, que reserva a representação das entidades que careçam de personalidade jurídica aos seus administradores (v. Comentário ao Código Civil, Universidade Católica Editora, 2021, pág. 531).

A questão da legitimidade passiva suscitada no presente recurso constitui querela antiga que vem dividindo a doutrina e a jurisprudência, tendo-se formado duas correntes distintas.

A primeira, expressa pela decisão sob recurso, advoga que a legitimidade para a impugnação das deliberações tomadas em assembleia de condóminos cabe aos condóminos, devendo a acção ser intentada contra todos os condóminos que votaram a favor da aprovação da deliberação cuja anulação se pretende, argumentando-se com a letra do art. 1433º/6 do CC, nos termos do qual “a representação judiciária dos condóminos contra quem são propostas as acções compete ao administrador ou à pessoa que a assembleia designar para esse efeito”, afastando, assim, a legitimidade do condomínio.

É ainda aduzido a favor desta posição que o art. 12º alínea e) do Código de Processo Civil atribui personalidade judiciária ao condomínio resultante da propriedade horizontal, relativamente às acções que se inserem nos poderes do administrador. Recorrendo ao art. 1436º do CC, sustenta-se que a defesa da validade das deliberações tomadas não se encontra incluída entre as funções do administrador, o que retira a possibilidade de entender que, quanto a tal, o condomínio tem personalidade judiciária, agindo o administrador como seu representante nos termos do art. 26º do Código Processo Civil.

Neste sentido, vejam-se os seguintes acórdãos, entre os mais recentes: ac. TRG de 28-01-2021, proc. 235/17.7T8EPS.G1, relator Paulo Reis; ac. TRP de 08-06-2021, proc. 1849/20.3T8MTS.P1, relator José Igreja de Matos, ambos publicados em www.dgsi.pt

Ao nível da doutrina, veja-se Abílio Neto, in Manual da Propriedade Horizontal, Ediforum, 4.ª Edição, págs. 729 a 733 e Abrantes Geraldes, in Temas da Reforma do Processo Civil, IV Volume, 4.ª Edição, Almedina, 2010, págs. 108 a 109.

Na mesma linha, posiciona-se Miguel Teixeira de Sousa, em comentário (ao acórdão do TRP de 25/1/2022, proc. 6263/21.0T8PRT-A.P1), publicado no blog IPPC de 20/10/2022, refutando a interpretação actualista do art. 1433º/6 do CC em face das alterações introduzidas no regime da propriedade horizontal pela Lei  nº 8/2022, de 10/1 (que não abrangeram aquele preceito) e concluindo pela ilegitimidade do condomínio para ser demandado na acção de impugnação da deliberação da assembleia de condóminos.

Contrariamente, a segunda corrente defende que a legitimidade processual passiva para este tipo de acção declaratória compete ao condomínio, representado pelo respectivo administrador, ao abrigo do preceituado no art. 12º alínea e) do Código Processo Civil, conjugado com o disposto nos arts 1437º/1 e 3 e 1436º h) e apelando aos critérios interpretativos do art. 9º do Código Civil.
Sustenta esta corrente que se a deliberação exprime a vontade da assembleia de condóminos (artigos 1431º e 1432º do Código Civil), estruturalmente percebe-se que seja essa entidade, porque vinculada pela deliberação, a demandada em acção em que se questione a existência, a validade ou a eficácia de uma sua qualquer deliberação.

Neste contexto, é entendido que quando o nº 6 do art. 1433º do CC faz referência a condóminos, o legislador incorreu em alguma incorrecção de expressão, dizendo menos do que queria, pois parece ter tido em mira uma entidade colectiva – a assembleia de condóminos –, o condomínio vinculado pelas deliberações impugnadas e cuja execução compete ao administrador.

Mais se afirma que se ao administrador compete executar as deliberações da assembleia de condóminos, nos termos do art. 1436.º al. h) do Código Civil, por igualdade de razão, cumpre-lhe sustentar a existência, a validade e a eficácia dessas mesmas deliberações, em representação do condomínio.

Por conseguinte, entende-se que o mencionado nº 6 do art. 1433º deve ser objeto de uma interpretação actualista (substituindo a expressão condóminos pela palavra condomínio), tendo em conta que a norma, derivada do DL 267/94 de 25/10, foi redigida numa época em que o condomínio não gozava de personalidade judiciária, que apenas lhe foi conferida com a reforma do Código de Processo Civil levada a cabo pelos DL nºs 329-A/95, de 12/12 e 180/96, de 25/09.

No sentido de uma interpretação actualista do art. 1433º/6 do CC pronunciam-se, entre outros, Aragão Seia (Propriedade Horizontal, Almedina, 2ª edição, pág. 216/217), Miguel Mesquita (“A Personalidade Judiciária do Condomínio nas Ações de Impugnação de Deliberações da Assembleia de Condóminos”, in Cadernos de Direito Privado, n.º 35, julho/setembro 2011, pág. 41 a 46) e Sandra Passinhas (“A Assembleia de Condóminos e o Administrador na Propriedade Horizontal, Almedina 2.ª Edição, pág. 346).

A favor da legitimidade do condomínio há quem invoque, além dos referidos argumentos, a alteração da redacção do art. 1437º introduzida pela Lei nº 8/2022, de 10/01 (que substituiu a epígrafe “legitimidade do administrador” por “representação do condomínio em juízo”, alterando a redacção do preceito), sustentando que veio clarificar a questão ou dissipar as dúvidas, acentuando a ideia de que o condomínio é a parte legítima e que a sua representação em juízo cabe ao respectivo administrador, assumindo tal lei natureza de lei interpretativa, integrando-se na lei interpretada e sendo por isso aplicável retroactivamente às situações jurídicas anteriormente constituídas e que subsistam à data da sua entrada em vigor (v. acórdão do TRL de 11/5/2023, proc. 25642/21.7T8LSB.L1-8 e acórdãos do TRP de 8/5/2023, proc. 4878/22.9T8VNG-B.P1 e 10/3/2022, proc. 54/21.6T8PPFR.P1, publicado em www.dgsi.pt).

Recentemente tem-se verificado uma tendência jurisprudencial maioritária no sentido da segunda tese apontada, que atribui legitimidade passiva ao condomínio nas acções de impugnação de deliberações condominiais.

A título de exemplo, vejam-se os seguintes acórdãos, publicados em www.dgsi.pt: acórdãos do TRL: de 11/3/2021, proc. 14743/18.9T8LSB.L1-6, relator Eduardo Peterson Silva; de 15/7/2021, proc. 3054/19.2T8FNC.L1-6, relatora Ana Calafate; de 28/4/2022, proc. 2460/20.4T8LSB.L1-6, relatora Ana de Azeredo Coelho; de 28/4/2022, proc. 29964/21.2T8LSB.L1-6, relatora Vera Antunes; de 11/5/2023, proc. 25642/21.7T8LSB.L1-8, relatora Cristina Lourenço; acórdãos do TRP: de 8/5/2023, proc. 4878/22.9T8VNG-B.P1, relator Miguel Morais; de 22/2/2022, proc. 3077/20.9T8MAI.P1, relator Rodrigues Pires; de 10/3/2022, proc. 54/21.6T8PFR.P1, relator Paulo Teixeira; acórdãos do STJ: de 24/11/2020, proc. 23992/18.9T8LSB.L1.S1, relator Raimundo Queirós; de 4/5/2021, proc. 3107/19.7T8BRG.G1.S1, relator Fernando Samões; de 25/5/2021, proc. 7888/19.0T8LSB.L1.S1, relatora Maria Clara Sottomayor.

Subscrevemos esta segunda tese, afigurando-se-nos que é aquela que melhor se coaduna com o conceito de legitimidade plasmado no art. 30º do Código Processo Civil, na medida em que expressando a deliberação da assembleia de condóminos a vontade do condomínio, enquanto grupo de condóminos (e não dos condóminos individualmente considerados ou dos que aprovaram a deliberação), é o condomínio, dotado de personalidade judiciária (art. 12º e) do Código Processo Civil), que tem interesse em contestar a acção de anulação da deliberação.

Da mesma forma, parece-nos ser a solução mais acertada tendo em conta a unicidade do sistema jurídico (art. 9º/1 do C.C.), considerando o regime jurídico da propriedade horizontal no seu todo, em conjugação com a extensão de personalidade judiciária conferida ao condomínio pelo art. 12º/1 e) do Código Processo Civil.

Ao afirmar que o art. 1433º/6 do CC prevê um regime especial de legitimidade passiva, a decisão recorrida parece confundir duas questões jurídicas distintas, legitimidade e representação.

Como se escreveu no mencionado acórdão deste TRL de 28/4/2022, proc. 2460/20.4T8LSB.L1-6, a propósito da interpretação actualista do art. 1433º/6 do CC, “a referência do artigo 1433.º/6 do Código Civil aos condóminos teria de ser compreendida como reportando-se à pluralidade que a expressão condomínio identifica enquanto património autónomo dotado de personalidade judiciária, logo atribuindo ao administrador a função de defesa em juízo das deliberações da assembleia e a consequente legitimidade para as acções de impugnação de deliberações da assembleia de condóminos (com autonomia face ao artigo 1436.º).
Só assim pode compreender-se a menção a serem os condóminos representados pelo administrador. Se a norma se referisse aos condóminos pessoas singulares ou colectivas inexistiria razão ou possibilidade de lhes impor representação diversa da que resulta da lei ou da sua própria vontade.
A intervenção da lei 8/2022 em nada afasta esta interpretação, na nossa perspectiva, tanto quanto às alterações do 1436º e 1437.º, como já referido, nem quanto à não intervenção do legislador no artigo 1433.º. A intervenção no artigo 1437.º pode, de algum modo, considerar-se como corroborando tal interpretação como acima indicámos, embora não seja isenta de dúvidas.”

Seguindo este entendimento, pode ler-se no acórdão deste Tribunal da Relação de 27 de Outubro de 2022 (relator António Moreira, Processo nº 2131/21.4T8AMD.L1-2, acessível em www.dgsi.pt ), que:
“(…) a redacção do nº 6 do art.º 1433º do Código Civil carecia de ser interpretada com recurso a uma interpretação actualista desde que entrou em vigor a reforma do Código de Processo Civil de 1995/1996, com a qual passou a ser conferida personalidade judiciária ao condomínio (isto é, a susceptibilidade de figurar como autor ou réu).
Nesta medida, a necessidade de tal interpretação não deixa de se verificar pela entrada em vigor das alterações decorrentes da Lei 8/22, de 10/1, na exacta medida em que tal diploma não alterou a redacção do referido art.º 1433º do Código Civil (desde logo o seu nº 6), mas apenas (no que aqui releva) a redacção do art.º 1437º do Código Civil, para que este preceito legal não mais se referisse à representação em juízo do condomínio (isto é, à sua capacidade judiciária) como se se tratasse do pressuposto da legitimidade processual do seu administrador.
Aliás, por isso é que o legislador substituiu a epígrafe “legitimidade do administrador” pela epígrafe “representação do condomínio em juízo”, na medida em que deixou (há muito) de estar em causa que o condomínio não pudesse estar em juízo (activa ou passivamente), enquanto conjunto organizado dos condóminos e, por isso, carecendo de ser estabelecida a sua representação orgânica, em juízo. Ou, dito de outra forma, por não estar em causa a actuação do administrador do condomínio, em nome próprio, mas apenas no exercício dessas funções de representação, nenhum sentido fazia falar da legitimidade processual do administrador, já que tal pressuposto processual havia de se reportar à entidade com personalidade judiciária (o condomínio, segundo o art.º 12º do Código de Processo Civil), e sendo aferida nos termos do art.º 30º do Código de Processo Civil.
E como da nova redacção do nº 2 do art.º 1437º do Código Civil resulta que tal representação do condomínio em juízo corresponde à representação da universalidade dos condóminos, esclarecida passou a estar, através da acção do legislador e por esta via interpretativa autêntica, a dúvida sobre quem deve ser demandado nas acções a que respeita o art.º 1433º do Código Civil, tomando o mesmo legislador “partido” no sentido de dever ser o condomínio, entidade com personalidade judiciária e correspondente ao universo de condóminos, representado pelo seu administrador (ou pela pessoa que a assembleia de condóminos designar).”

Por último, é de sublinhar que a solução que defendemos tem a vantagem de agilizar o direito de acção, ao afastar os problemas resultantes da obrigatoriedade de demandar, em litisconsórcio necessário, os condóminos que votaram a favor da deliberação inválida, atendendo ao elevado número de condóminos de certos edifícios sujeitos ao regime da propriedade horizontal, sem olvidar a dificuldade de identificar, na acta da assembleia, os condóminos que votaram a favor da deliberação (neste sentido, vide Miguel Mesquita, ob. cit., pág. 41/56).

Nestes termos, concluímos que a legitimidade passiva na acção de impugnação de deliberação da assembleia de condóminos compete ao condomínio, representado pelo administrador ou por quem a assembleia designar para o efeito, em linha, aliás, com o decidido nesta secção no acórdão proferido em 22/11/2022, no âmbito do processo nº 12845/20.0T8SNT.L1 (relatora Ana Rodrigues da Silva).

Pelos fundamentos expostos, impõe-se a procedência do recurso e a  consequente revogação da decisão recorrida, que deverá ser substituída por outra que, julgando o R. parte legítima, determine o prosseguimento dos autos.
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V.– DECISÃO
Pelo exposto, acordam em julgar procedente a apelação e, consequentemente, revogar a decisão recorrida, a qual deverá ser substituída por outra que, julgando o R. parte legítima, determine o prosseguimento dos autos.
Sem custas, por a elas não terem dado causa os recorrentes (art. 527º/1 e 2 do CPC).
Registe e notifique.
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Lisboa, 26 de Setembro de 2023


Ana Mónica C. Mendonça Pavão - (Relatora)
Edgar Taborda Lopes - (1º Adjunto)
Rute Lopes - (2ª Adjunta)