Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
08A1755
Nº Convencional: JSTJ000
Relator: MOREIRA CAMILO
Descritores: PROPRIEDADE HORIZONTAL
CONDOMÍNIO
CONTRATO DE LOCAÇÃO FINANCEIRA
LOCATÁRIO
ASSEMBLEIA DE CONDÓMINOS
DELIBERAÇÃO
ANULAÇÃO
LEGITIMIDADE PROCESSUAL
Nº do Documento: SJ20080624017551
Data do Acordão: 06/24/2008
Votação: MAIORIA COM * VOT VENC
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: AGRAVO
Decisão: NEGADO PROVIMENTO
Sumário :
I - A legitimidade - activa ou passiva - para as acções de impugnação de deliberações da assembleia de condóminos radica-se nos próprios condóminos, sendo os demandados representados judiciariamente pelo Administrador do condomínio ou por pessoa que a assembleia designar para esse efeito.
II - São eles, efectivamente, os titulares do interesse em demandar (legitimidade activa) ou em contradizer (legitimidade passiva), na definição constante do art. 26.º do CPC.
III - Não tendo a aqui agravante legitimidade para impugnar as deliberações das Assembleias de Condóminos, por ser simplesmente locatária da fracção autónoma e não proprietária da fracção autónoma em causa, não é titular da relação controvertida, sendo de considerar parte ilegítima na acção.
Decisão Texto Integral:



Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:



I – No Tribunal Cível da Comarca de Vila Franca de Xira, “AA – GESTÃO IMOBILIÁRIA QUINTA DO ......., SOCIEDADE UNIPESSOAL, LDA”, intentou a presente acção declarativa comum sob a forma ordinária contra os Condóminos das fracções designadas pelas letras “C” e “D”; “B”, “E” e “J”; “H” e “I” e “K”, “L”, “M” e “N”, do prédio em regime de propriedade horizontal sito em Alverca do Ribatejo, Lugar da Caldeira, Estrada Nacional 10, km 106,05, pedindo que, com a procedência da acção, sejam anuladas as deliberações tomadas em Assembleia de Condóminos realizada no dia 9 de Fevereiro de 2006 e mediante as quais foram aprovados os pontos constantes da ordem de trabalhos:
2 – Aprovação das contas do 4º trimestre 2005 e orçamento de 2006;
3 – Deliberação de aprovação e ratificação da pala efectuada na fachada das fracções K, L, M e N.

Em representação dos condóminos, e como administradora do edifício, contestou SS&LL – INVESTIMENTOS IMOBILIÁRIOS, S.A., invocando, além do mais, as excepções dilatórias da litispendência e da nulidade do processo por ineptidão da petição inicial.

Houve réplica.

Foi proferido despacho saneador, onde, após se decidir que a petição não é inepta, se decidiu julgar a Autora parte ilegítima para a acção e, consequentemente, se absolveu os Réus da instância.

Após recurso da Autora, foi, no Tribunal da Relação de Lisboa, proferido acórdão a negar provimento ao agravo e a confirmar, consequentemente, a decisão recorrida.

Ainda inconformada, veio a Autora interpor o presente recurso de agravo em 2ª instância, o qual foi admitido.

A recorrente apresentou alegações, formulando as seguintes conclusões:

1ª – Vem o presente recurso de agravo interposto do acórdão recorrido e que julgou a recorrente como parte ilegítima para a presente acção de impugnação de deliberação da assembleia de condóminos, sustentando que só o locador, por ser o proprietário, pode ser considerado parte legítima para a acção.
2ª – Provado está que a recorrente é locatária de uma fracção designada pela letra F do condomínio, cujos condóminos são aqui réus, e que o locador é o Banco Comercial Português, S.A., bem como de que nessa qualidade intentou a presente acção de impugnação pedindo a anulação da deliberação de 09 de Fevereiro de 2006.
3ª – Ao caso sub judice aplica-se o disposto nos decretos-lei nº 149/95, de 24 de Junho, e 265/97 de 2 de Outubro, sendo que este último revogou o decreto-lei nº 10/91, de 09 de Janeiro.
4ª – Conforme resulta do disposto no artigo 10º, nº 2, alínea b), do Decreto-Lei nº 149/95, de 24 de Junho, na redacção que lhe foi dada pelo Decreto-Lei nº 265/97, de 02 de Outubro, o locatário exerce, na locação de fracção autónoma, os direitos próprios do locador, com excepção dos que, pela sua natureza, somente por aquele possam ser exercidos. Ora,
5ª – O direito de participar, votar e impugnar as deliberações da assembleia, que não importem a perda da coisa, nos termos do artigo 9º, nº 2, alínea a), do Decreto-Lei nº 149/95, de 24 de Junho, pertencem ao locatário, nos termos da supra citada disposição legal, dado que não se trata de um direito que pela sua natureza só possa ser exercido pelo locador.
6ª – Note-se que o uso, gozo e fruição da coisa, pertence, em exclusivo, ao locatário, sendo que as questões entre condóminos são, essencialmente, e, como é o caso, respeitantes àqueles e aos quais, aliás, o locador, enquanto entidade financeira, é alheio, sendo um absurdo conceber-se ser este a intervir nas relações de «vizinhança», participando e votando e, eventualmente, impugnando assuntos que lhe não dizem respeito.
7ª – O facto do legislador não ter transposto para o actual regime jurídico uma norma de conteúdo idêntico à do artigo 9º do Decreto-Lei nº 10/91, de 09 de Janeiro, não significa que tenha querido a eliminação pura e simples do seu instituto no ordenamento jurídico, posto que a transpõe para a citada norma do artigo 10º, nº 2, alínea b), do Decreto-Lei nº 149/95, de 24 de Junho, na redacção que lhe foi dada pelo Decreto-Lei nº 265/97, de 02 de Outubro, a qual é suficientemente ampla para a sua previsão e, consequente, aplicação ao caso concreto.
8ª – O tribunal a quo interpretou o citado artigo 10º, nº 2, alínea b), do Decreto-Lei nº 149/95, de 24 de Junho, na redacção que lhe foi dada pelo Decreto-Lei nº 265/97, de 02 de Outubro, no sentido de que só o locador, enquanto proprietário, tem legitimidade activa substantiva. No entanto,
9ª – Tal norma deve ser interpretada e aplicada no sentido de que o locatário, no contrato de locação financeira imobiliária, tem legitimidade substantiva para não só participar e votar nas deliberações de condóminos, como, se for caso disso, intentar acções de impugnação das deliberações dos condóminos.
10ª – Por todo o exposto, o acórdão recorrido violou o artigo 10º, nº 2, alínea b), do Decreto-Lei nº 149/95, de 24 de Junho, na redacção que lhe foi dada pelo Decreto-Lei nº 265/97, de 02 de Outubro, e artigo 26º, nºs 1 e 2, do Código de Processo Civil.

Pede, assim, que, concedendo-se provimento ao recurso, seja revogada a decisão recorrida, a fim de ser substituída por outra, que, julgando a recorrente parte legítima para a acção, ordene o normal andamento desta para conhecimento da questão de fundo.

Contra-alegaram os recorridos, defendendo a confirmação do acórdão impugnado.

Colhidos os vistos, cumpre apreciar e decidir.

II – No acórdão recorrido, foram dados como provados os seguintes factos:
1) Pela inscrição G-1, Ap. 24/20041006, mostra-se registada aquisição a favor de “Banco Comercial Português, SA”, por compra a “Totta – Crédito Especializado, Instituição Financeira de Crédito, SA”, da fracção autónoma designada pela letra “F” do prédio em regime de propriedade horizontal sito em Alverca do Ribatejo, Lugar da Caldeira, Estrada Nacional 10, km 106,05, concelho de Vila Franca de Xira, descrito na 2.ª Conservatória do Registo Predial de Vila Franca de Xira, sob a ficha n.º 02864.
2) Pela inscrição F-1, Ap. 25/20041006, mostra-se registada locação financeira a favor de “AA – Gestão Imobiliária Quinta do ......., Sociedade Unipessoal, LDA”, pelo prazo de 10 anos, a contar de 2004-08-04, sobre a fracção autónoma designada pela letra “F” do prédio em regime de propriedade horizontal sito em Alverca do Ribatejo, Lugar da Caldeira, Estrada Nacional 10, km 106,05, concelho de Vila Franca de Xira, descrito na 2.ª Conservatória do Registo Predial de Vila Franca de Xira, sob a ficha n.º 02864.

III – 1. A questão a decidir consiste em saber se o locatário de fracção de um imóvel constituído em propriedade horizontal, por força de um contrato de locação financeira, pode impugnar as deliberações tomadas em Assembleia de Condóminos.

As instâncias responderam negativamente a esta questão.

Segundo o nº 1 do artigo 1433º do Código Civil, “As deliberações da assembleia contrárias à lei ou a regulamentos anteriormente aprovados são anuláveis a requerimento de qualquer condómino que as não tenha aprovado”.

Assim, e como se refere no acórdão recorrido, os únicos requisitos necessários e suficientes para assegurar a legitimidade activa nas acções de impugnação das deliberações da Assembleia, ou para requerer a respectiva suspensão, são apenas dois: ser titular de uma fracção autónoma, ou seja, deter a qualidade de condómino, e, além disso, não ter aprovado a deliberação que é posta em crise. (cfr. Abílio Neto, “Manual da Propriedade Horizontal”, 3ª edição, pág. 348).

Estabelece o nº 1 do artigo 1420º do referido diploma que “Cada condómino é proprietário exclusivo da fracção que lhe pertence e comproprietário das partes comuns do edifício”.

Logo, atribuem-se aqui ao condómino, em geral, os poderes próprios do proprietário singular, pelo que respeita à fracção que lhe pertence. Assim, tais poderes constituem como que a matriz do direito do condómino (cfr. Luís Carvalho Fernandes, “Lições de Direitos Reais”, 3ª edição, pág. 365).

2. Posto isto, vejamos o que consta do acórdão recorrido, com o qual – dizemos, desde já – concordamos inteiramente:

“Sendo cada condómino “proprietário exclusivo da fracção que lhe pertence” (art. 1420º, n.º 1), nessa qualidade “goza de modo pleno e exclusivo dos direitos de uso, fruição e disposição da coisa que lhe pertence, dentro dos limites da lei e com observância das restrições por ela impostas” (art. 1305º, do CCivil), ou seja, poderá livremente aliená-la, constituir sobre ela uma garantia real de habitação (art. 1484º, do CCivil), um usufruto, dá-lo de arrendamento, introduzir-lhe inovações, proceder à sua junção com outra ou outras,.., e praticar os demais actos consentidos pelo direito de propriedade.
Está provado que se mostra inscrita a favor da Agravante e relativamente à fracção autónoma designada pela letra “F”, uma locação financeira pelo prazo de 10 anos, a contar de 2004-08-04 – facto provado n.º 1.
Assim, poderá a Agravante, como locatária da fracção autónoma ser considerada sua proprietária, e assim equiparada aos condóminos do imóvel poder impugnar as deliberações aprovadas em Assembleia de Condóminos?
(…).
A locação financeira é um contrato pelo qual uma das partes se obriga, mediante retribuição, a ceder à outra o gozo temporário de uma coisa móvel ou imóvel, adquirida ou construída, por indicação desta, e que o locatário poderá comprar, decorrido o período acordado, por um preço nele determinado ou determinável, mediante simples aplicação de critérios fixados – art. 1º, do DL n.º 149/95, de 24/06.
Estamos perante um contrato de estrutura trilateral - o fornecedor ou construtor da coisa, com quem o locador que contratou; e o locatário que contratou com este último.
Entre o fornecedor e o locador configura-se uma aquisição de propriedade que passa do fornecedor para a esfera jurídica do locador. E este deve exigir e assegurar-se da verificação de todos os elementos ocorrentes ao negócio real aquisitivo, nomeadamente de possíveis vícios que possam ser oponíveis à sua aquisição.
O contrato de locação financeira não é uma compra e venda porque a propriedade se não transfere por mero efeito do contrato mas também não é uma locação típica, pois o locatário tem o direito de acabar por adquirir o respectivo bem.
A locação financeira é, essencialmente, um negócio de crédito, ainda que vertido nos moldes da velha locação. Assim, não lhe são aplicáveis as regras da compra e veda e, designadamente, as regras da venda a prestações (Menezes Cordeiro, Manual de Direito Bancário, págs. 557/558).
O elemento característico da locação financeira, enquanto cedência do gozo temporário de uma coisa, é, a circunstância do locatário poder fazer sua a coisa locada (móvel ou imóvel) findo que esteja, o prazo acordado (art. 9º, n.º 1, do DL n.º 149/95, de 24/06), embora não responda pelos vícios da coisa, que não tenha provocado, nem pela inadequação da coisa ao fim do contrato, exigindo-se ao locatário que avise o locador dos vícios de que tenha conhecimento, quando terceiros se arrogam direitos sobre o objecto da locação [artigos 10º, n.º 1, h) e 12º].
O locador é dono do objecto locado, até ao fim do prazo acordado, como resulta do n.º 2, alínea e) do artigo 10º do citado DL n.º 149/95.
O locador mantém-se proprietário do bem dado em locação. Só no fim do contrato o locatário pode exercer a opção de compra, adquirindo, então, a posição de proprietário.
Estando registada locação financeira a favor da Agravante, esta como locatária da fracção autónoma, não é sua proprietária, mas sim o locador, no caso, o “Banco Comercial Português, SA”.
Assim sendo, mantendo-se o locador proprietário do bem até ao fim do contrato, e só caso o locatário exerça o direito de opção, será aquele o condómino do prédio em regime de propriedade horizontal, por ser o proprietário exclusivo da fracção.
Concluindo, sendo a Agravante locatária da fracção autónoma, não é sua proprietária, não detendo a qualidade de condómina do prédio em regime de propriedade horizontal.
(…).
A Agravante não sendo condómina do prédio, por não ser proprietária de uma fracção autónoma, mas sim locatária, carece de legitimidade para pedir a anulação das deliberações tomadas na Assembleia de Condóminos do prédio sito em Alverca do Ribatejo, Lugar da Caldeira, Estrada Nacional 10, km 106,05.
Condómino do prédio, nos termos do n.º 1, do art. 1433º, do CCivil, e com legitimidade activa para pedir a anulação de deliberações da Assembleia de Condóminos, será o Locador, no caso “Banco Comercial Português, SA”, por ser o proprietário exclusivo da fracção.
Os locatários, como a Agravante, por não serem proprietários das fracções autónomas, não são condóminos dos imóveis onde estas se situam, carecendo assim de legitimidade activa para impugnar as deliberações das Assembleias de Condóminos.
Alega no entanto a Agravante que se lhe é vedado o direito de votar nas Assembleias de Condóminos, bem como impugnar as deliberações aí tomadas, como pode defender o uso e fruição do bem nas condições em que este se encontrava aquando da celebração do contrato de locação financeira? Se pode lançar uso de acções possessórias, mesmo contra o locador, porque é que não poderá intentar uma acção judicial que protege um interesse de ambos?
Há esbulho sempre que alguém foi privado do exercício de retenção ou fruição do objecto possuído, ou da possibilidade de o continuar (Moitinho de Almeida, Restituição de Posse e Ocupação de Imóveis, pág. 100).
Estando na posse do imóvel e caso seja esbulhado, o locatário defende o uso e fruição do bem locado através das acções possessórias, e não através de impugnação de deliberações tomadas em Assembleias de Condóminos.
É que só através do esbulho o locatário é privado do uso e fruição do bem locado, e não através de deliberações tomadas em Assembleias de Condóminos.
O locador deve assegurar a entrega da coisa, ainda que só responda por dolo ou culpa grave; o locador é, ainda, o possuidor da coisa em termos de propriedade, exercendo a sua posse através do locatário: pode usar embargos, para defender a sua posse. (Menezes Cordeiro, Manual de Direito Bancário, pág. 558).
Por outro lado, sendo o Locador o proprietário da fracção autónoma, será este o convocado para as Assembleias de Condóminos, e onde poderá tomar posição sobre as deliberações que possam afectar a sua fracção, bem como o imóvel do qual é condómino.
Caso este não queira comparecer a tais Assembleias poderá ser representado por qualquer outra entidade, nomeadamente, e o que se mostra razoável, no locatário, onde este poderá reagir contra qualquer violação do regime condominal.
Se quiser reagir contra qualquer deliberação tomada em Assembleia de Condóminos e que possa afectar a fracção, e caso obtenha anuência para tal, poderá obter procuração do locador para intentar a competente acção judicial.
Caso contrário, se o locatário tivesse legitimidade para impugnar as deliberações tomadas em Assembleia de Condóminos, poderia pedir a anulação de uma deliberação em que o locador tivesse estado presente e com a qual tivesse concordado.
Assim, não pode o locatário ter legitimidade para impugnar deliberações das Assembleias de Condóminos, pois caso a tivesse, poderia haver um conflito de interesses com o locador que, tendo estado presente, as tivesse votado favoravelmente.
Ora, o locador financeiro, se for sua vontade, poderá sempre mandatar a Agravante para tomar todas as providências necessárias no que respeita aos direitos relativos ao imóvel, pelo que, o não reconhecimento para poder impugnar deliberações das Assembleias de Condóminos, não inviabiliza os seus deveres enquanto locatária financeira.
Assim sendo, a norma do al. c), do n.º 2, do art. 10º, do DL n.º 149/95, não pode ser interpretada no sentido do locatário ter legitimidade ad causam para impugnar as deliberações da Assembleia de Condóminos.
Concluindo, o locatário pode defender o uso e fruição do bem por meio de acções possessórias, e no caso de discordar com as deliberações tomadas em Assembleias de Condóminos, poderá impugná-las, desde que para tal esteja devidamente mandatado pelo locador, pois só este tem para tal legitimidade”.

3. Segundo o nº 1 do artigo 26º do Código de Processo Civil, “O autor é parte legítima quando tem interesse directo em demandar; o réu é parte legítima quando tem interesse directo em contradizer”.

“O interesse em demandar exprime-se pela utilidade derivada da procedência da acção; o interesse em contradizer, pelo prejuízo que dessa procedência advenha” – n.º 2 do mesmo artigo.

“Na falta de indicação da lei em contrário, são considerados titulares do interesse relevante para o efeito da legitimidade os sujeitos da relação controvertida, tal como é configurada pelo autor” – seu nº 3.

É hoje indubitável – como se diz no acórdão ora impugnado – que o demandante assegura a legitimidade singular activa na acção se se identificar (ele próprio) como o titular da relação controvertida.

Ou seja, o formulante do pedido deduzido é, para a aferição da legitimidade processual, o suposto titular da pretensão formulada.

Assim, afastada a concepção objectivista da legitimidade, nenhuma dificuldade surge agora na diferenciação da sua congénere substantiva, sendo que a nova concepção evita confundir o aspecto da legitimidade, enquanto pressuposto processual, com o da procedência da acção ou da pretensão.

O interesse a que se refere o citado artigo 26º tem de ser, antes de mais, um interesse jurídico, isto é, um interesse protegido pelo direito; tem de ser pessoal ou directo, no sentido de que ninguém, em seu próprio nome, pode, em regra, defender interesse alheio.

A legitimidade – activa ou passiva – para as acções de impugnação de deliberações da assembleia de condóminos radica-se nos próprios condóminos, sendo os demandados representados judiciariamente pelo Administrador do condomínio ou por pessoa que a assembleia designar para esse efeito.

São eles, efectivamente, os titulares do interesse em demandar (legitimidade activa) ou em contradizer (legitimidade passiva), na definição constante do aludido artigo.

Assim, não tendo a aqui agravante legitimidade para impugnar as deliberações das Assembleias de Condóminos, por ser simplesmente locatária e não proprietária da fracção autónoma em causa, não é titular da relação controvertida, sendo, consequentemente, de considerar parte ilegítima na acção, conforme bem se decidiu no acórdão recorrido, que confirmou a decisão proferida na primeira instância.

4. Sufragando-se inteiramente a posição assumida no acórdão recorrido, teremos de concluir que não colhem as conclusões da agravante, tendentes ao provimento do recurso.

IV – Nos termos expostos, acorda-se em negar provimento ao agravo, confirmando-se, em consequência, a decisão recorrida.

Custas pela agravante.


Lisboa, 24 de Junho de 2008


Moreira Camilo ( relator)
Urbano Dias (votou vencido)*
Paulo Sá

* Voto de vencido

Salvaguardado o respeito que é devido a quem não compartilha das nossas convicções, não podemos deixar de manifestar a nossa total discordância com a posição maioritária que sufragou na totalidade a tese das instâncias.

A questão colocada, aparentemente simples, é esta: tem a recorrente, enquanto locatária financeira de uma fracção, o direito de impugnar em juízo as deliberações tomadas na assembleia de condóminos?

Da resposta obtida a esta questão (de natureza substantiva) depende, naturalmente, a solução da questão adjectiva que foi trazida à nossa consideração: só sabendo se ela tem interesse directo em demandar o condomínio é que estamos em condições de dizer se ela tem legitimidade ad causam, atento o disposto no artigo 26°, n° 1, do Código de Processo Civil.

Não podemos deixar, desde já, de dizer da "nossa" verdade: temos como certo que a razão assiste e por completo à agravante. Ou seja, que ela tem o direito de impugnar as deliberações tomadas em assembleia de condóminos, o mesmo é dizer que tem legitimidade ad causam.

Se bem interpretamos a posição maioritária, concordante, como se disse, com a das instâncias, está nela implícita uma confusão entre duas realidades totalmente distintas, quais sejam as que são reguladas, em termos de direito positivo, pelos institutos da locação e da locação financeira.
Entendemos, pois, que se confundem os dois regimes jurídicos, os quais regulam duas realidades fácticas diferentes.
Mas pior do isso é descortinarmos que tal posição olvida por completo o regime jurídico da locação financeira e, sobretudo, da locação financeira imobiliária, desde a sua génese até à actualidade.
É certo que este problema - objecto da nossa reflexão aqui e agora - não se punha nos tempos longínquos em que a propriedade horizontal foi regulamentada, em termos de direito positivo, no nosso Ordenamento Jurídico.
Quando entrou em vigor o Decreto-Lei n° 40333, de 14 de Junho de 1955, o legislador não tinha qualquer dúvida sobre a legitimidade da participação das assembleias de condóminos: só os proprietários das fracções tinham tal poder.
E os jurisprudentes não deixavam de fazer notar que este era um direito próprio dos proprietários. Que aos locatários não assistia tal direito.
E o problema continuou a não se colocar quando, tempos mais tarde, entrou em vigor o Código Civil de 1966.
É que a vida comercial não era, nesses tempos, tão imaginativa como é hodiernamente. Então, os negócios funcionavam dentro dos quadros típicos que estavam há muito consolidados.
Num interessante e profundo estudo, o Conselheiro Quirino Soares, com a sabedoria que põe em todas as cousas, olhando para o aparecimento de todos os novos contratos financeiros e garantias que os acompanham, v.g. desconto bancário, garantias à primeira solicitação, factoring, locação financeira, etc, acaba por ver em tudo isto como uma espécie de repetição, "sob a forma uniformizadora e em ambiente cibernético" de "velhas fórmulas jurídicas (...), numa espécie de eliminação do tempo, num eterno retorno".
E referindo-se concretamente ao aparecimento do leasing, numa linguagem deveras sugestiva, deixou cair o seguinte:
"O factoring foi um êxito, mas, tempo depois, chegou a hora de substituição da frota automóvel.
João Cliente Lª (a pessoa imaginária que o acompanhou desde o início da sua exposição), pensou em fazê-lo através de uma qualquer operação de crédito, mas, olhando para o envelhecido e desactualizado material a substituir, lastimou o peso que ele tinha no activo da empresa e pensou que seria bom, tanto para a economia como para as finanças da sociedade, uma forma mais ligeira de aquisição, algo semelhante ao simples aluguer".
Então aquela pessoa imaginária foi ter com o seu consultor financeiro que lhe deu a solução: escolher, primeiro, nas empresas da especialidade, o tipo de carro a comprar, acertando os pormenores da aquisição, e dirigir-se, depois, a uma sua associada, que, se aceitar as condições, lhe dará em leasing o material e, de seguida, irá comprá-lo para, depois, lho entregar (SCIENTIA IVRIDICA, Abril de 2003, Tomo LII, n° 295, Contratos Bancários, pág. 108 e ss. e particularmente, 123,124 e 128). Se pensarmos bem, olhando para a génese dos negócios e suas garantias, não fazemos grande esforço para lhe dar razão e dizermos que, no fundo, o que mudou de ontem para hoje, ao cabo e ao resto, foi a cosmética, que não a essência das relações comerciais.
Mas, adiante, pois, o que nos interessa não é dissertar sobre as "nuances" que os vários negócios foram tendo ao longos dos séculos, mas procurar dar resposta à questão que nos angustia.

Aquela referência serviu-nos, apenas, para dizer que a locação financeira é uma figura dos tempos modernos, que procura dar resposta adequada às dificuldades de quem anda no mundo dos negócios.
Não nos cabe fazer aqui, como é evidente, a enumeração das vantagens e desvantagens que a celebração de um tal contrato acarreta para cada uma das partes e muito menos quem fica numa situação de precariedade no caso de eventual incumprimento.
A nossa tarefa resume-se a analisar a realidade que subjaz ao contrato de leasing e à sua imbricação na fattispecie propriedade horizontal. E a dizer frontalmente que este tipo de contrato nada tem a ver com aqueloutro já referido, qual seja o contrato de locação.

Com vista a podermos dar, na medida do possível, uma justificação cabal à solução que defendemos, é necessário recuar um pouco e dizermos algo, pouco que seja, sobre a locação financeira. Só, depois, estaremos em posição ideal para fazermos a devida conexão desta realidade com a da propriedade horizontal.
É no quadro desta perspectiva metodológica que procuraremos encontrar a verdadeira natureza jurídica do locatário financeiro de uma fracção integrada numa propriedade horizontal.

Uma palavra de reflexão merece, em primeiro lugar, o instituto da locação financeira.
Diogo Leite Campos na análise à figura da locação financeira não deixa de apontar que o locador "não «explora» o bem, não dispõe de um bem que oferece em locação, não tem intenção de correr riscos próprios do proprietário, nomeadamente o risco económico da não rentabilidade da coisa e do seu perecimento", razão pela qual se desinteressa da coisa.
Por outro lado - acrescenta - os riscos são assumidos pelo utente e é ele que escolhe a coisa de acordo com as suas necessidades, acabando por concluir que "o locatário aparece, pois, como o «proprietário» (económico) do bem que paga integralmente durante o período do contrato, e cujos riscos assume" (A Locação Financeira, páginas 129 e 130).
E isto acontece porque "o contrato de locação financeira é, essencialmente, um negócio de crédito, ainda que vertido nos moldes da velha locação" (António Menezes Cordeiro, Manual de Direito Bancário - 3a edição - página 563).
Também João Calvão da Silva acentua esta nota ao dizer que "o locador tem a obrigação de conceder mas não de assegurar o gozo da coisa ao locatário", a este cabendo "a manutenção e conservação do bem em bom estado, efectuando todas as despesas necessárias. O que se revela harmónico com a função de financiamento desempenhada pela sociedade de leasing, que compra a coisa para a dar em locação financeira, com opção de compra final, e que, por isso mesmo, a partir da concessão da mesma ao locatário, se «desinteressa» dos riscos e responsabilidade conexos à sua utilização" (Estudos de Direito Comercial -Pareceres - Locação Financeira e Garantia Bancária, página 26).
Da natureza do contrato de leasing também nos dá conta Luís Manuel Teles de Menezes Leitão: "o leasing constitui uma operação complexa",... "tem a natureza de verdadeira garantia", ... "o leasing é uma operação de financiamento, que se reconduz a um empréstimo de dinheiro" e, ainda, que "para além dos direitos e deveres gerais do contrato de locação, cabem ao locador financeiro as faculdades de defender a integridade do bem, examiná-lo e fazer suas, sem compensação, as peças ou outros acessórios nele incorporados", mas "já as obrigações do locatário financeiro são moldadas pelo regime geral da locação" (Garantias Das Obrigações, página 277 e seguintes).
Também António Pedro A. Ferreira sublinha o elemento financeiro como sendo o seu traço distintivo e justifica:
"De facto, uma avaliação substancial dos interesses que confluem na negociação em causa evidencia que a aquisição do bem e a sua posterior cedência em locação financeira constituem meros elementos instrumentais à sustentação creditícia assegurada a um dado investimento, permitindo ao investidor não correr riscos desnecessários de imobilização económica ou de obsolescência técnica".
Para este A., a locação financeira surge como "contrato novo, nominado e típico, específico da actividade bancária e genericamente orientado para a prossecução de função de financiamento" (Direito Bancário, página 631 e seguintes).
Mais longe vai José Simões Patrício, que, depois de acentuar que é o direito de aquisição por parte do locatário o elemento essencial do contrato, acaba por considerar o leasing como uma "verdadeira e própria operação de crédito, que não de simples financiamento", louvando a orientação perfilhada no acórdão deste Supremo Tribunal, de 11 de Dezembro de 2003, segundo a qual não pode aceitar-se «sem séria reserva a tese de que o contrato de locação é a matriz e o modelo da locação financeira e do seu regime» dado que isso seria «tomar o nome pela substância e, desse modo, a nuvem por Juno», fazendo tábua rasa da sua função económica que é essencialmente a de forma, modo ou instrumento de financiamento, facultado através do uso do bem escolhido pelo locatário, que a locadora adquire para esse efeito" (Direito Bancário Privado, página 319 e seguintes).
Gabriela Figueiredo Dias, depois de observar que o leasing apareceu e tirou protagonismo à venda a crédito com reserva de propriedade, não deixou de salientar as grandes semelhanças que existem entre ambas as figuras, frisando que "enquanto na compra e venda com reserva de propriedade a coisa (ou o seu domínio) é afectada à garantia do crédito do próprio vendedor, na locação financeira ela é afectada à garantia do crédito de um terceiro que não o fornecedor do bem em causa: a instituição financeira" (Reserva de propriedade, COMEMORAÇÕES DOS 35 ANOS DO CÓDIGO CIVIL - VOLUME III -, páginas 441 a 443).
E isto porque, como sabemos, só bancos e as sociedades de locação financeira (estas são instituições de crédito que têm por objecto principal o exercício da actividade de locação financeira) podem celebrar, de forma regular, na qualidade de locadores, contratos de locação financeira (ut artigos 1°, n° 1 e 4° do Decreto-Lei n° 72/95, de 15 de Abril, com redacção dada pelo Decreto-Lei n° 285/2001, de 03 de Novembro).

Da leitura destes ensinamentos, retiramos a ideia de que a locação financeira nada tem a ver com a locação.
Esta é "o contrato pelo qual uma das partes se obriga a proporcionar à outra o gozo temporário de uma coisa, mediante retribuição" - artigo 1022° do Código Civil.
Uma simples olhadela, fugaz que seja, para o regime jurídico do contrato de locação, suas características, regulamentação das várias vicissitudes ao nível do cumprimento e (ou) incumprimento, transmissão, inter vivos e mortis causa, formas de extinção, dá para perceber quão diferente é a realidade fáctica que lhe está inerente, bem diferente do que acontece com a locação financeira.

Aclaradas as ideias, brevitatis causa, a respeito do instituto da locação financeira, é altura de fazermos a (sua) ligação com o instituto da propriedade horizontal e de nos interrogarmos sobre se o locatário financeiro de uma fracção em regime de propriedade horizontal é um verdadeiro condómino.
Mais ainda: se locador financeiro é um verdadeiro proprietário (certo que o proprietário de hoje nada tem a ver com o proprietário de ontem).
Ou não será de considerar que, postos perante uma locação financeira de natureza imobiliária, não podemos e, sobretudo, não devemos considerar apenas e só (isto é, enquanto vigorar o contrato de locação financeira) o locatário como condómino?
Ou, para sermos mais rigorosos: não será o locatário financeiro o verdadeiro proprietário para certos fins, designadamente, para participar nas despesas com as partes comuns e, decorrentemente disso, para participar na vontade do colectivo, devendo ser, para o efeito, convocado para as respectivas assembleias-gerais, nelas participando e votando consoante os seus pontos de vista?
Ao precisarmos este ponto, restringindo a discussão ao assinalado, deixamos claro que o locador financeiro (proprietário jurídico) conserva ainda, enquanto se mantiver em vigor o contrato de leasing, certos e determinados poderes, os quais não estão directamente ligados ao uso (gozo) das partes comuns do edifício.
No fim de contas, a pergunta que paira no nosso espírito e em relação à qual pretendemos obter resposta é, simplesmente, esta: à face do nosso sistema jurídico, é o locatário financeiro um verdadeiro condómino?
Sabemos perfeitamente que a administração das partes comuns do edifício compete à assembleia de condóminos e a um administrador, e que cada condómino tem na assembleia tantos votos quantas as unidades inteiras que couberem na percentagem ou permilagem a que o artigo 1418° se refere: é o que resultado artigo 1430°, n°s 1 e 2 do Código Civil.
Mas o nosso problema é outro, como já o deixámos transparecer: é saber se o locatário financeiro pode e deve participar na administração das partes comuns, o que equivale a saber se pode e deve participar nas assembleias, sendo previamente convocado para o efeito.
Nós pensamos que sim. Que pode e deve.

Antes de prosseguirmos o discurso em defesa do nosso ponto de vista, não queremos deixar de frisar que, mesmo para quem entenda que o legislador é o senhor todo-poderoso que impõe até ao decisor o modus interpretandi, é possível chegar ao ponto de chegada para o qual nós apontamos: nem sempre os caminhos maus nos levam a portos errados.
Já Baptista Machado, repudiando por completo o positivismo jurídico (o qual entende a vontade legislativa como "criadora e em boa medida arbitrária da própria evolução da sociedade"), não deixa, no ponto concreto da interpretação, de lançar mão de todos os pontos evidenciados no artigo 9o do Código Civil para alcançar o desideratum "voluntas legislatoris".
E, nessa perspectiva, não deixa de realçar que o texto é o ponto de partida (tendo mesmo uma função negativa, de afastamento ou eliminação de sentidos sem qualquer apoio; mas também positivo quando vários sentidos sejam possíveis nela colher), passando pelo elemento teleológico ("o conhecimento deste fim, sobretudo quando acompanhado do conhecimento das circunstâncias ... em que a norma foi elaborada"), pelo elemento sistemático (o que significa "a consideração de outras disposições que formam o complexo normativo do instituto em que se integra a norma interpretanda" ..."é oportuno referir aqui a descoberta da «geneologia» ou «linhagem jurídico-sistemática» da norma"), mas também o elemento histórico, nele considerando a história evolutiva do instituto, as chamadas fontes da lei e os trabalhos preparatórios, considerando como ponto mais importante de tarefa a busca da "unidade do sistema", pegando aqui nas palavras de Larenz ("a lei vale na verdade para todas as épocas, mas em cada época da maneira como esta a compreende e desimplica, segundo a sua própria consciência jurídica") (Introdução ao Direito e ao Discurso Legitimador, página 181 e seguintes.).
Numa linha de pensamento que anda muito próxima deste último A., Francesco Ferrara refere que "o jurista há-de ter sempre diante dos olhos o escopo da lei, quer dizer, o resultado prático que ela se propõe conseguir. A lei é um ordenamento de relações que mira a satisfazer certas necessidades e deve interpretar-se no sentido que melhor responda a esta finalidade, e portanto, em toda a plenitude que assegure tal tarefa".
E continua:
"Ora isto pressupõe que o intérprete não deva limitar-se a simples operações lógicas, mas tem de efectuar complexas apreciações de interesses, embora dentro do âmbito legal".
E, do mesmo modo, não deixa de fazer distinguir entre interpretação literal e interpretação lógica, fazendo apelo aos elementos enunciados supra na mira de alcançar a ratio legis (Interpretação e Aplicação das Leis, traduzido por Manuel A. Domingues Andrade, Colecção Stvdium – 3ª edição -, página 136 e seguintes).

A "nossa" questão, a questão de saber se o locatário financeiro é um verdadeiro condómino, coloca-se porque, a partir da entrada em vigor do Decreto-Lei n° 10/91, de 09 de Janeiro, passou a vigorar no nosso sistema jurídico um regime que permitiu a locação financeira de imóveis destinados a habitação do locatário.
O alargamento do regime do leasing a todos os imóveis foi saudado por Rui Pinto Duarte com o argumento de que "todo o acréscimo do financiamento à habitação em Portugal é bem-vindo" (Escritos Sobre Leasing e Factoring, página 181).
O legislador, em 1997, ciente da realidade, entendeu por bem, dissipar dúvidas e estabelecer "um regime uniforme para o contrato de locação financeira, independentemente do respectivo objecto" (preâmbulo do Decreto-Lei n° 265/97, de 02 de Outubro).
E foi por obra e graça de tal diploma legal que o Decreto-Lei n° 149/95, de 24 de Junho (Regime Jurídico da Locação Financeira) sofreu alterações, nomeadamente nas alíneas b) do n° 1, e e) do n° 2, do seu artigo 10o.
No citado Decreto-Lei n° 10/91, de 09 de Janeiro, o legislador alargou o regime da locação financeira ao domínio da habitação ("o regime agora estabelecido vem colocar à disposição do público um instrumento flexível e capaz de proporcionar os meios necessários para a compra de habitação própria" - lê-se no preâmbulo) e estabeleceu no seu artigo 9o o seguinte:
"1 - Nas situações de propriedade horizontal, o locatário assume, em nome próprio, todos os direitos e obrigações do locador relativos às partes comuns do edifício, suportando as despesas de administração, participando e votando nas assembleias de condóminos e podendo, nelas ser eleito para os diversos cargos.
2 - Exceptua-se do disposto no número anterior tudo aquilo que implique a disposição de partes comuns ou alteração do título constitutivo".
Em 1997, o legislador teve a preocupação de unificar os regimes de locação financeira ("estabelece-se, assim, um regime jurídico uniforme para o contrato de locação financeira, independentemente do respectivo objecto" -está escrito no preâmbulo do Decreto-Lei n° 265/97, de 02 de Outubro).
E tudo isto porque "considerou-se que, face à quantidade de contratos de locação financeira de imóveis para a habitação registados, por um lado, e, por outro, pelo respectivo regime jurídico, não se justificava que este tipo de contratos não fosse sujeito ao regime geral. Por isso, foi revogado o Decreto-lei n° 10/91 e foram introduzidos algumas alterações no Decreto-Lei n° 149/95 -designadamente prevendo situações de propriedade horizontal -, por forma que o regime geral melhor acomode os contratos que tenham aquele objecto": eis aqui a explicação do legislador para as alterações introduzidas então.
Neste último diploma desapareceu, é certo, qualquer referência expressa aos direitos e deveres do locatário financeiro de uma fracção integrada numa propriedade horizontal, tal-qualmente o estava no diploma anterior: perfeitamente justificável já que a ideia estava consolidada e o regime unificado e deixou de haver regimes especiais, tudo (entenda-se, todos as locações financeiras') se passou a regular da mesma forma.
Assim se compreende o teor da alínea e) do n° 2 deste último diploma legal, que nada mais representa que a transposição do preceituado no artigo 9o do Decreto-Lei n° 10/91, de 09 de Janeiro:
"Para além dos direitos e deveres gerais previstos no regime de locação que não se mostrem incompatíveis com o presente diploma, assistem ao locatário financeiro, em especial, os seguintes direitos:
e) Exercer, na locação da fracção autónoma, os direitos próprios do locador, com excepção dos que, pela sua natureza, somente por aquele possam ser exercidos".

Concedemos que a redacção do Decreto-Lei n° 10/91, de 09 de Janeiro, era mais precisa a este respeito, mas tal imperfeição (se é que ela existe ...) não nos faz mudar de rumo, como acertadamente adverte Sandra Passinhas (A Assembleia de Condóminos e o Administrador na Propriedade Horizontal, pág. 208 e 209).

A leitura que surpreendemos do diploma legal em vigor respeitante ao contrato de locação financeira vai ao encontro da solutio dada pela Professora de Direito de Coimbra que, confrontada com a questão de saber quem tem direito de participação nas assembleias de condóminos, responde que "o locatário tem o direito de participar nas reuniões da assembleia, onde exercerá o seu voto".
E justifica:
"A solução que propugnamos justifica-se pelo próprio fim do contrato de leasing: o financiamento do interessado. As sociedades de locação financeira são instituições que não se dedicam à gestão da propriedade nem à actividade produtiva; por isso não têm interesse na conservação da propriedade do bem e, muito menos, em assumir o papel de proprietário. A propriedade desempenha um papel fundamentalmente instrumental do financiamento, não sendo um fim em si mesmo".
Mas esta solução só foi encontrada porque a A. citada partiu precisamente do ponto que devia partir - "nos termos do artigo 10º, n° 1, alínea b), é obrigação do locatário pagar as despesas correntes necessárias à fruição das partes comuns do edifício e aos serviços de interesse comum" e, ainda, porque "segundo a alínea e) da mesma disposição, o locatário exerce, na locação de fracção autónoma, os direitos próprios do locador, com excepção dos que, pela sua natureza, somente por aquele possam ser exercidos" (obra e locais citados).
E, mais à frente, afirma peremptoriamente:
"Nos termos do artigo 10°, n° 2, alínea e), do DL n° 194/95, de 24 de Junho, com as alterações introduzidas pelo DL n° 265/97, de 2 de Outubro, o locatário exerce, na locação de fracção autónoma, os direitos próprios do locador, com excepção dos que, pela sua natureza, somente por aquele possam ser exercidos.
Nos direitos próprios do locador, entendemos que cabe o direito de voto na assembleia dos condóminos" (pág. 230).

Não queremos, a terminar, deixar uma breve palavra sobre o registo a que está sujeita a locação financeira.
Como é sabido, a locação financeira de imóveis está sujeita a registo: é o que resulta do n° 3 do artigo 3º do Decreto-Lei n° 149/95, de 24 de Junho, e da alínea 1) do n° 1 do artigo 2º do Código de Registo Predial.
O registo destina-se essencialmente a dar publicidade à situação jurídica dos prédios, ut artigo 1º deste último diploma legal.
Está dado como provado que a agravante é locatária financeira de uma fracção da propriedade horizontal de cujas deliberações pretende impugnar.

Temos como certo que o locatário financeiro imobiliário (proprietário económico da coisa) é um verdadeiro condómino: é ele que usa e goza a fracção que lhe foi locada à custa de um financiamento. É ele, como decorrência dessa mesma realidade, que participa - que tem o direito de participar - na vontade do colectivo, na justa medida em que é ele que responde pelas despesas correspondentes às partes comuns, nos termos do disposto no artigo 1424° do Código Civil.

Estamos, agora, em posição ideal para, conjugando as disposições legais que citámos, olharmos para a realidade hodierna, não nos apegando a uma (ultrapassada e perversa) jurisprudência dos conceitos que cega a visão das cousas, e dizermos com toda a firmeza e convicção que não pode deixar de ser de outra maneira.
Mais, ainda: mesmo à luz das regras interpretativas que nos regem (nos são "impostas") e às quais fizemos curta referência, não vemos, olhando o Sistema como um todo (tal como deve ser) e não como uma parte (o que nos retira a visão perfeita), não descortinamos que outra possa ser a solução a dar à "nossa questão".

Atrevemo-nos, ainda, a dizer que num ponto estamos em completo acordo com o que ficou escrito no acórdão sindicado: "a norma da alínea c) do n° 2 do artigo 10° do Decreto-Lei n° 149/95, não pode ser interpretada no sentido do locador ter legitimidade ad causam para impugnar as deliberações sociais da Assembleia de Condóminos".

Prescrevendo o preceito legal em causa que ao locatário financeiro assiste o direito de usar das acções possessórias, mesmo contra o locador, é por demais evidente que daqui nada, mas nada, se pode tirar em abono da solutio da "quaestio" que nos preocupa.
Aqui chegados, posto a claro o viso orientador da nossa posição, respondemos que o agravo merecia (merece) inteiro provimento: a natureza jurídica do locatário financeiro leva a dizer que aquele é um verdadeiro condómino.
O mesmo é dizer que a agravante, como locatária financeira de uma fracção, tinha (tem) toda a legitimidade, do ponto de vista formal, para impugnar as deliberações tomadas nas respectivas assembleias de condóminos. Como assim, nada a impedia (impede) de demandar as RR.: tinha (tem) para isso legitimidade.
É que, à luz do artigo 26°, n° 1, do Código de Processo Civil, é parte legítima.