Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
2358/17.3T8CSC-A.L1-7
Relator: DIOGO RAVARA
Descritores: OBRIGAÇÃO DE ALIMENTOS
INCIDENTE DE INCUMPRIMENTO
PRESSUPOSTOS
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 03/25/2025
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PARCIALMENTE PROCEDENTE
Sumário: Sumário: [1]-[2]-[3]
I- O incidente de incumprimento da regulação do exercício das responsabilidades parentais, previsto e regulado nos arts. 41º e segs. do RGPTC assenta nos seguintes pressupostos:
a) A inobservância, por um dos progenitores, de obrigação emergente do regime de exercício das responsabilidades parentais;
b) A imputabilidade de tal inobservância ao mesmo progenitor, a título de dolo ou negligência;
c) Uma certa gravidade/relevância desse incumprimento, aferida à luz do superior interesse da criança.
II- Se no acordo de regulação do exercício das responsabilidades parentais os progenitores ajustaram que “As despesas escolares e de saúde das menores serão suportadas mensalmente por cada um dos progenitores na proporção de 50%, sendo apresentadas ao pai os respetivos comprovativos por parte da mãe no último dia de cada trimestre”, e que “as atividades extracurriculares das menores que forem acordadas por ambos os progenitores serão suportadas na mesma proporção por cada um”, tal significa que só haverá incumprimento de tal cláusula se o pai das crianças for previamente interpelado para reembolsar a mãe, com cópia dos recibos relativos às despesas, e não efetuar tal pagamento.
III- Os pressupostos referidos em II- têm que se mostrar verificados à data da dedução do incidente de incumprimento, sob pena de improcedência do mesmo, no que se reporta à referida obrigação alimentar.
IV- Uma eventual alteração das circunstâncias que determinaram a definição do regime de exercício das responsabilidades parentais pode legitimar a propositura de um procedimento de alteração do referido regime, mas não dispensa os progenitores de cumprir o regime em vigor, enquanto o mesmo não for objeto de alteração (temporária ou definitiva).
V- Verificado o incumprimento do regime de exercício das responsabilidades parentais no tocante à obrigação de prestar alimentos, a adoção de “diligências necessárias para o cumprimento coercivo”, a que alude o art.º 41º do RGPTC deve preferencialmente consistir na execução dos mecanismos previstos no art.º 48º do mesmo diploma.
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[1] Da responsabilidade do relator - art.º 663º nº 7 do Código de Processo Civil aprovado pela Lei nº 41/2013, de 26-06, e adiante designado pela sigla “CPC”.
[2] Neste acórdão utilizar-se-á a grafia decorrente do Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa de 1990, respeitando-se, no entanto, nas citações, a grafia do texto original.
[3] Todos os acórdãos citados no presente aresto se acham publicados em http://www.dgsi.pt/ e/ou em https://jurisprudencia.csm.org.pt/. A versão eletrónica deste acórdão contém hiperligações para todos os arestos nele citados.
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam os Juízes na 7ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa:

1. Relatório
Por apenso ao processo alteração do regime de regulação do exercício das responsabilidades parentais que correu termos no Juízo de Família e Menores de Cascais (J…) sob o nº …/17.3T8CSC, relativo a A … e B …, filhas de C … e D …[4], veio a mãe das mencionadas crianças intentar o presente incidente de incumprimento das responsabilidades parentais.
Para tanto alegou, em síntese, que:
a) O Requerido/Progenitor encontra-se em incumprimento no que respeita ao pagamento da prestação alimentícia das Jovens A … e B …, bem como da obrigação de reembolso de 50% das despesas de saúde, educação, e extracurriculares relativas às mesmas jovens, o que se verifica desde 2008, tendo, ao longo do tempo, pago apenas parte das quantias que eram devidas;
b) No decorrer de um outro processo por falta de pagamento de prestações alimentares de que são beneficiárias as suas filhas (Proc. nº …/…), em 10-03-2011 o requerido subscreveu uma declaração escrita na qual confessou que não entregou as prestações alimentícias a que estava obrigado e se obrigou a pagar a quantia global de 29.616,54€, correspondendo 15.829,75€ ao montante devido a título de alimentos para cada uma das filhas menores e 13.786,75€ a metade das despesas com saúde e educação das mesmas. Porém, não procedeu ao pagamento de tais quantias;
c) Ficaram por pagar prestações alimentares devidas às suas filhas no valor global de € 139.960,85.
Conclui pedindo que o Tribunal determine a “realização das diligências necessárias para o cumprimento coercivo” considerando a quantia global em falta, bem como condene o requerido no pagamento de multa e indemnização a favor das filhas de ambas.
Notificado para se pronunciar acerca do alegado incumprimento, o requerido veio fazê-lo, invocando a exceção de ilegitimidade ativa[5], e sustentando o que segue:
i- O acordo de regulação do exercício das responsabilidades parentais foi assinado num momento de grande fragilidade de sua parte, numa altura em que ainda tinha a esperança de se reconciliar com a Requerente, tendo, pois, um carater de provisoriedade que não se veio a verificar;
ii- A pensão de alimentos que aceitou de cruz aquando da assinatura do acordo no referido fragilizado estado emocional não tem qualquer correspondência com o aumento de tempos de convívio com o pai, sendo que se à data pouco estava com as Filhas, os convívios com as mesmas aumentaram substancialmente, sem que tal se tenha refletido no montante da pensão inicialmente acordada;
iii- Desde o momento em que os seus rendimentos o permitiram, transferiu mensalmente para a conta bancária da mãe até novembro de 2019 o montante de 700,00€, com exceção dos meses de julho e agosto em que as crianças sempre estiveram pelo menos metade do tempo com o pai e nestes meses não há lugar ao pagamento de propinas escolares, pelo que não faz sentido (conforme a própria requerente concordou) o pagamento de uma pensão de alimentos durante tal período;
iv- Após intensas negociações entre as partes e com a ação a correr termos nos tribunais (de incumprimento), a requerente propôs a redução da pensão de alimentos para o valor mensal de 250,00€ por cada filha menor, sendo este montante aplicado retroativamente desde a data de assinatura do acordo inicial;
v- A requerente já havia aceite anteriormente nas negociações, através da sua mandatária, que a dívida apenas se reportava a partir de maio de 2009, mas argumentando que era necessário que o requerido assinasse documento formal para desistir da instância, e que não iria traduzir aquilo que havia sido acordado entre as partes, pelo que o requerido assinou o documento junto ao requerimento inicial como doc. 3, cuja validade impugna por simulação jurídica em benefício único e exclusivo da requerente;
vi- Assim, de boa fé, presumiu que o acordo de cavalheiros entre progenitores seria suficiente e passou a pagar 600,00€, uma vez que não tem condições financeiras de pagar os 750,00€ logo desde início;
vii- De acordo com os termos do acordo homologado, a mãe deveria apresentar ao pai os comprovativos das despesas de educação e de saúde até ao último dia de cada trimestre, não o tendo feito, razão pela qual não pode vir agora exigir um pagamento de 14 anos de educação e saúde (uma vez que a obrigação não se vence sem a interpelação para cumprimento, a qual nunca sucedeu);
viii- Apesar de ter conhecimento da sua situação financeira, a requerente decidiu pela manutenção da filha A … em colégio privado, a inscrição da filha B … em creche privada (“…..”), a inscrição da filha B … em colégio privado, e a aquisição de aparelho de ortodôntica para as duas filhas, entre muitas outras despesas relativamente às quais o pai nunca foi ouvido, o que fez em consciência, afirmando que assumiria essas despesas pelo que deverá assumir exclusivamente tais despesas;
ix- Só as despesas extracurriculares que sejam acordadas por ambos os progenitores serão pagas em partes iguais. Ora, a inscrição das filhas A … e B … em explicações privadas partiu uma vez mais da exclusiva iniciativa da mãe, pelo que deverá ser esta a assumir integralmente tal despesa, não tendo, inclusive, interpelado o Pai para o seu cumprimento;
x- Assumiu integralmente as despesas com o telefone móvel das duas filhas desde o dia em que perfizeram 10 anos no montante mensal de 24,90€ cada uma, sendo que nalguns meses, por excesso de tráfego de internet nos seus telefones móveis, o requerido teve que pagar mais de 300,00€ por conta das suas filhas;
xi- Sempre que as suas filhas estão consigo, assume a totalidade das despesas de saúde, nunca apresentando contas à Mãe, nomeadamente de consultas de psicologia, psiquiatria, dentista, roupa, artigos de higiene pessoal e outras, o que se computa, já, em mais de 20.000,00€;
xii- Assumiu o pagamento exclusivo das aulas de piano das duas filhas e a aquisição de um piano para as mesmas poderem praticar em casa, no montante global de 3.000,00€, bem como o pagamento exclusivo das aulas de guitarra da A … e da aquisição de uma guitarra para a sua aprendizagem, no total de 800,00€ e o pagamento de uma flauta transversal para a sua filha B … no valor de 1.200,00€;
xiii- As prestações alimentícias relativas à filha A … mostram-se prescritas, uma vez que a mesma já atingiu a maioridade.
Conclui pedindo que o Tribunal:

a) Considere a Requerente e a filha A … parte ilegítima, reduzindo-se o pedido em conformidade; e, ou,
b) Absolva o Requerido de todos os pedidos, nos termos enunciados; e, ou,
c) Absolva o Requerido do peticionado relativamente às despesas de saúde e educação, porquanto a Requerente não obteve o seu consentimento nem sequer o interpelou para pagamento das mesmas; e, ou,
d) Absolva o Requerido do peticionado quanto a despesas extracurriculares, porquanto não obteve o acordo ou sequer consentimento do Requerido, nem tão pouco foi este interpelado para o seu pagamento;
e) Considere prescritos todos os créditos reclamados pela Requerente, motu próprio, ou, melhor, em representação própria, com mais de 5 anos.”
Realizada conferência, na qual não foi possível alcançar qualquer acordo, foram os progenitores notificados para, querendo, apresentarem alegações.
Em sede de alegações, requerente e requerido reiteraram o já anteriormente alegado, pugnando aquela pela procedência da ação e condenação deste no pagamento das quantias peticionadas; ao passo que o requerido, além do já anteriormente alegado, pugnou ainda pela improcedência da ação por abuso de direito e pela condenação da requerente como litigante de má fé, por conhecer a sua situação financeira, tendo aceite os pagamentos que foi realizando, os quais sabia iriam variar ao longo do tempo de acordo com a evolução da sua situação, nunca o tendo interpelado para o pagamento das despesas de educação das filhas de ambos, como estava obrigada a fazer. Mais sustentou que relativamente às propinas dos colégios frequentados pelas filhas de ambos não está obrigado a suportar as inerentes despesas porquanto a escolha de tais estabelecimentos de ensino foi realizada pela requerente à sua revelia.
 Realizada audiência final, com produção de prova testemunhal, foi proferida sentença[6] com o seguinte dispositivo:
“Destarte, julgo parcialmente procedente por parcialmente provado o pedido de incumprimento da regulação do exercício das responsabilidades parentais deduzido por C … e, em consequência, condeno o Requerido D … no pagamento à Requerente da importância de 88.935,91€ (oitenta e oito mil, novecentos e trinta e cinco euros e noventa e um cêntimos), a título da pensão de alimentos/despesas devidas entre 2007 e novembro de 2022 às Filhas de ambos, A …, nascida em 2 de dezembro de 2004 e B …, nascida em 14 de fevereiro de 2007.
Custas a cargo do Requerido, fixando-se o valor da ação em 88.935,91€ (oitenta e oito mil, novecentos e trinta e cinco euros e noventa e um cêntimo).”
Inconformados com tal decisão, ambos os progenitores recorreram.
O requerido resumiu os fundamentos do seu recurso nas seguintes conclusões[7]:

A. A Sentença de que se recorre, na sua economia, sinaliza o Recorrente como “incumpridor”, daí retirando consequências jurídicas que vão além do pedido, olvidando questões factuais na decisão da matéria de facto e, sobretudo, optando sempre em detrimento da posição do Recorrente, uma vez que o considera uma espécie de incumpridor por vontade própria.
B. A Sentença está, assim, errada do ponto de vista decisório porque, no fundo, falha na sua motivação, falhando, com estrondo, aliás, na análise que faz à prova que aqui nos traz.
C. A legitimidade processual consiste na suscetibilidade de ser parte num determinado processo jurisdicional, podendo falar-se em legitimidade processual ativa, quando respeitante ao autor, e em legitimidade processual passiva, quando respeitante ao réu.
D. Com efeito, verifica-se, da leitura do processo no seu todo, que a Recorrida representou, verdadeiramente, as filhas e não a si.
E. A Recorrente, nos termos sobrepostos, é parte ilegítima e a Sentença objecto do presente é ilegal por violação do artigo 989.º do CPC, considerando o sobredito, devendo, assim, ser substituída por douto Acórdão que considera a ilegitimidade, absolvendo o Recorrente do pedido.
F. Como se encontra provado nos autos, confessado pela Recorrida e reconhecido na Sentença, esta não enviou um único comprovativo de qualquer despesa de saúde, escolar ou outra, nunca consultou ou sequer informou previamente o Recorrente das actividades extracurriculares ou escolares levadas a cabo pelas filhas, nunca lhe dando conhecimento prévio de actos médicos, necessidades clínicas ou de saúde das meninas.
G. A Recorrida nunca se preocupou em colher o seu consentimento, assentimento ou sequer opinião, exigindo-lhe, depois e no âmbito do presente, uma avultada verba a título de despesas com as filhas de ambos.
H. Nem no âmbito do presente, ou fora dele, o Recorrente foi interpelado para pagamento de qualquer montante, pelo que, repete-se, a dívida não é exigível.
I. As despesas referidas no presente, como resulta, também, provado do acervo documental que consta do processo, não devem ser consideradas como devidas, não devendo o Recorrente ser condenado ao seu pagamento.
J. Desde a assinatura do acordo de regulação das responsabilidades parentais até ao presente, as circunstâncias, os factos relacionados com o exercício das responsabilidades parentais, já se alteraram por diversas vezes, como resulta dos autos.
K. Nestes precisos termos, como pode a Recorrida, no âmbito de um Direito assente no princípio da Boa-Fé, exigir pensão de alimentos sobre um período em que partilhava a residência da filha A …, com o Recorrente tal como lhe é reconhecido pela Sentença recorrida?
L. Desde o momento em que os seus rendimentos o permitiram, a título de pensão de alimentos o Recorrente transferiu mensalmente para a conta bancária da mãe, até Novembro de 2019, o montante de 700,00€ - com excepção dos meses de Julho e Agosto, uma vez que as menores passavam pelo menos metade do tempo com o Recorrente, não existindo, também, lugar ao pagamento de propinas escolares.
M. Em suma, a pensão de alimentos determinada pela mãe pressupunha um regime de visitas com o pai de pouco mais de 48h mensais.
N. Ora esse regime não existe há muito tempo, pelo que não pode ter qualquer relevância para o presente, ao contrário do que se sustentou na decisão recorrida!
O. A prevalecer a doutrina subjacente à Sentença objecto do presente recurso, estaríamos perante uma visão formalista do Direito de Família, absolutamente contrária à realidade do quotidiano, à realidade do dia-a-dia.
P. Privilegiar uma situação que resulta da forma e não da materialidade subjacente, prejudicando um progenitor, torna desigual o que nasceu para ser igual – daí o Direito à Família, que consta no artigo 67.º da CRP, também violado pela Sentença recorrida.
Q. Argumentando que era necessário que o Recorrente assinasse documento formal para a Recorrida desistir da instância, mas que não iria traduzir aquilo que havia sido acordado entre as partes, o Recorrente assinou o documento que se encontra junto dos autos, cuja validade se impugnou e impugna, por óbvia simulação jurídica em benefício único e exclusivo da Recorrida, arguição que se mantém, reforçando!
R. Esse documento teve, unicamente, como as partes reconhecem, esse efeito e nunca o de sedimentar uma posição material das partes.
S. Tudo porque esse documento está em manifesta e óbvia contradição com o acordo obtido, como resulta abundantemente dos documentos que se encontram nos autos, nomeadamente as referidas trocas de emails.
T. O Recorrente considerou que o acordo entre progenitores estava sedimentado, começando a pagar 600,00€, uma vez não ter condições financeiras de pagar os 750,00€ logo desde início - estava, assim, assegurado integralmente o pagamento da pensão de alimentos e ainda sobrava uma quantia relevante para abater a dívida anterior.
U. Considerando as contas apresentadas pelo Recorrida, ou foi liquidado em excesso ou montante de 21.004,92€, ou um montante de 15.120,00 €, ou, no último exemplo que consta das presentes alegações, poder-se-ia considerar que o Recorrente tem em falta o montante de 230,00€ que o Recorrente desde já se disponibiliza a pagar.
V. Face ao circunstancialismo provado, o Recorrente não tinha condições objectivas (e aliás demonstradas por várias vezes à Recorrida, conforme se retira por exemplo dos e-mails que fazem parte do presente processo) de fazer face ao pagamento da pensão de alimentos alegadamente acordada entre as partes e exigida pela Recorrida.
W. O recurso aos indicados meios processuais para cobrança das prestações alimentícias em dívida não revela qualquer efeito útil, pois que, após o pagamento da pensão (alegadamente) devida às menores, ao Recorrente não restaria o suficiente do seu vencimento que lhe permitisse a satisfação das necessidades mais básicas da sua subsistência, sobrevindo, nestes casos, o direito do progenitor, apesar de incumpridor, a sobreviver com dignidade, reconhecimento, aliás, Constitucional, nos termos do artigo 26.º da CRP.
X. Resulta do acordo junto pela Recorrida aos autos que a mãe deveria apresentar ao pai os comprovativos das despesas de educação e de saúde até ao último dia de cada trimestre, o que o Recorrente aceita!
Y. A Recorrida nunca apresentou qualquer comprovativo, pelo que não pode vir agora exigir um pagamento de 14 anos de educação e saúde
Z. A obrigação só se venceria com a interpelação para pagamento, que nunca, nunca, por um momento só, sucedeu! E não sucedeu porque, a bem da verdade, a dívida não era exigível, nos termos expostos.
AA. A mãe decidiu unilateralmente, sem autorização do Recorrente, aspectos absolutamente essenciais da vida das filhas, que sedimentam o que aqui é peticionado.
BB. Admitir este comportamento, tutelando-o, como faz a Sentença recorrida, é, no fundo, quebrar a barreira de confiança na relação familiar, que é a última ratio do Direito de Família.
CC. Pelo que a inscrição das filhas A … e B … em explicações privadas ou mesmo o transporte privado de e para o colégio partiu uma vez mais da exclusiva iniciativa da mãe, pelo que deverá ser esta a assumir integralmente tal despesa, não tendo, inclusive, interpelado o Pai para o seu cumprimento. Não se podem enquadrar estas como despesas de educação, pois que não resulta qualquer obrigatoriedade da sua frequência pelas menores.
DD. A sentença Recorrida, de forma, aliás, absolutamente incoerente, não reconhece que as decisões, partir de 2018, face à guarda conjunta, também homologada pelo Tribunal (!), para vincularem ambos os progenitores, teriam de ser tomadas pelos dois – pelo que, a prevalecer este entendimento, o que se admite, sem conceder, por imperativo categórico de pleno patrocínio, sempre se dirá que tem de se reduzir o co-pagamento das despesas nessa conformidade.
EE. Atendendo à natureza do princípio da proporcionalidade, a Sentença recorrida, além do mais, viola, também, o princípio da proporcionalidade, consagrado no art.º 18.º, n.º 2, da CRP, o qual se analisa em três subprincípios: necessidade (ou exigibilidade), adequação e racionalidade (ou proporcionalidade em sentido restrito).
FF. Relembramos o Acórdão do STJ, processo 4519/15.0T8MTS.P2.S1, supra referido: IV. O princípio da proporcionalidade, além da consideração das necessidades do alimentando, pressupõe uma apreciação comparativa dos rendimentos de ambos os progenitores. Apenas o respeito do princípio da proporcionalidade consente a realização do princípio cardinal da igualdade dos progenitores constitucionalmente consagrado. V. Não se viola o princípio da proporcionalidade quando se determinam as necessidades da menor com base nas despesas normais de crianças da mesma idade e se considera a situação económica dos progenitores.
GG. O Tribunal a quo, na determinação do valor a imputar ao Recorrente, não podia ter-se estribado numa mera operação contabilística; bem pelo contrário, devia ter analisado as condições dos Pais, em cada momento, elaborando um juízo de equidade na determinação dos montantes, tal como impõe o referido artigo 20.º, n.º 4 da CRP, que tivesse em linha de conta a proporcionalidade, de acordo com o artigo 18.º n.º 2 da CRP.
HH. Será justo e equitativo obrigar o Recorrente a pagar um valor que o arruinará, quando as suas filhas sempre tiveram o seu bem-estar assegurado, a sua educação e a sua saúde, também com o contributo do Pai e seus familiares? Não é justo, não é equitativo e não é proporcional!
II. O Recorrente, nesta sede, não pode deixar de assinalar que a Sentença recorrida devia ter reconhecido, assim decidindo, que, ainda que algo houvesse algum valor a pagar pelo Recorrido, o pedido da Recorrida assenta em patente Abuso de Direito, pelo que a Sentença viola, também, o artigo 334.º do Código Civil.
JJ. A Recorrida conhece todos os factos e circunstâncias referidos pelo Recorrente e tal impedi-la-ia de invocar qualquer putativo direito, considerando quer a boa-fé a que está adstrita, quer o fim social e, ou, económico do direito aqui em causa.
KK. O Recorrente cumpriu escrupulosamente tudo aquilo a que se comprometeu, à excepção do período que se seguiu ao seu processo de tratamento à sua adição, tendo, também aí, a Recorrida aceite que o pagamento não fosse efectivado nos moldes referidos no dito “acordo”.
LL. (i)a Recorrida aceitou sempre que o Recorrente pagasse a prestação alimentícia conforme o que foram acordando em cada momento, como os documentos que se juntaram, aliás, provam e, para pior,
MM. (ii) não enviou os documentos relativos à educação das duas filhas, como estava obrigada a fazer para que o Recorrente estivesse “formalmente” adstrito a essa obrigação,
NN. (iii) desde Novembro de 2019 que a filha A … está mais de metade do tempo com o seu pai, pelo que se nos afigura absurdo exigir o pagamento de uma pensão de alimentos.
OO. Se não o fez, como bem sabemos, teve um motivo (no caso, aceitável): a obrigação é inexistente, considerando que a utilização de escola privada foi opção sua, exclusivamente sua, sem que o Recorrente tivesse dado o seu aval, aceitando-o apenas porque a Recorrida aceitou suportá-la na íntegra.
PP. Perante o referido, não sobra nenhuma dúvida que a Recorrida litiga em manifesta má-fé processual, devendo, então, ser condenada em conformidade, nos termos do artigo 542.º do CPC.
QQ. Todas as prestações com mais de 5 anos a contar da data da propositura da acção devem ser consideradas prescritas, estando, também, prescrito qualquer direito de crédito com mais de 5 anos, com referência à comparticipação nas despesas, o que desde já se requer.
RR. Pelo que a Sentença é ilegal, violando as normas constantes nos artigos 2.º, 13.º, 18.º, n.º 2, 20.º, n.º 4, 26.º e 67.º da CRP, 989.º do CPC e 334.º, 2003.º a 2006.º e 2009.º do Código Civil devendo, por isso, ser revogada e substituída por Douto Acórdão que absolva o Recorrente de todos os pedidos.
SS. O Direito, a prevalecer a visão objecto de recurso, não reconheceria a vontade dos Pais, nas relações com os filhos - e também entre si -, que resulta da vivência diária, do convívio permanente, das alterações ao quotidiano que podem surgir dia-a-dia, mas apenas reconheceria validade ao que as partes acordam em Tribunal.
TT. Por absurdo, uma regulação das responsabilidades parentais que fosse acordada logo nos primeiros meses de vida de um bebé, que nunca fosse formalmente alterada, mas que sofresse vicissitudes várias até ao menor completar 18 anos, seria válida durante todo esse período, ainda que desprovida de qualquer correspondência com a realidade e a vontade dos Pais.
UU. Caso um entendimento desta natureza prevalecesse, estaríamos perante uma distância tão grande entre o Direito e a sociedade, que o primeiro já não cumpria a sua função primordial no âmbito do “contrato social”, na visão kantiana que acaba por fundar o contemporâneo Estado de Direito: a ordem jurídica enquanto norma reguladora da sociedade, na defesa da Liberdade e no respeito pelo livre-arbítrio.
VV. A Sentença recorrida viola este princípio sagrado do Direito Constitucional contemporâneo, devendo, também por aqui, ser revogada.
WW. Caso não se considere a aplicação directa dos preceitos constitucionais supra referidos ao Recorrente, o que não defendemos em abono do princípio da aplicação directa dos Direitos Fundamentais, a que o Estado está vinculado, sempre se dirá que uma interpretação dos artigos 2003.º a 2006.º e 2009.º do Código Civil que permita, como aqui se viu e retratou, uma aplicação tout court de um regime homologado pelo Tribunal, em detrimento do acordo dos Pais e da materialidade subjacente a cada relação filial, é inconstitucional por violação dos artigos 2.º, 13.º, 18.º, n.º 2, 20.º, n.º 4, 26.º e 67.º da CRP, devendo, por isso, ser revogada e substituída por Douto Acórdão que absolva o Recorrente de todos os pedidos, o que se requer!
XX. A Sentença é ilegal, violando as normas constantes nos artigos 2.º, 13.º, 18.º, n.º 2, 20.º, n.º 4, 26.º e 67.º da CRP, 989.º do CPC e 334.º, 2003.º a 2006.º e 2009.º do Código Civil devendo, por isso, ser revogada e substituída por Douto Acórdão que absolva o Recorrente de todos os pedidos.”
No seu recurso, a requerente formulou as seguintes conclusões[8]:
É mencionado na douta sentença, ora em crise, que, de acordo com o art.º 41º nº 1 do Regime Geral do Processo Tutelar Cível, “se um dos progenitores ou terceira pessoa a quem a criança haja sido confiada não cumprir o que tiver sido acordado, podem ser requeridas as diligências necessárias para o cumprimento coercivo e a condenação do remisso em multa e condenação a favor do menor ou do requerente ou de ambos.” “Nestes termos, enquanto a condenação do incumpridor em multa observa a natureza de sanção, devendo ser aplicada caso se verifique o incumprimento, já a indemnização terá de observar os pressupostos respeitantes à responsabilidade extracontratual, ínsitos no artigo 483º do Código Civil, que dispõe que, “Aquele que, com dolo ou mera culpa, violar ilicitamente o direito de outrem ou qualquer disposição legal destinada a proteger interesses alheios fica obrigado a indemnizar o lesado pelos danos resultantes da violação”
Bem como se refere que que:
“ambas as situações comportam, salvo melhor opinião, a restrição do princípio do pedido, ínsito no artigo 609º do Código de Processo Civil, estando a condenação limitada ao objecto e à quantidade do pedido, sem prejuízo das prestações vincendas. - “sem pedido, portanto, não poderá subsistir uma condenação neste âmbito (da multa e/ou indemnização.” - “No caso vertente, não foi pedida qualquer condenação em multa do Requerido”. (sublinhado nosso)
Porém, como se poderá observar na petição inicial (cfr. fls. dos autos), a aqui Recorrente apresentou expressamente o seguinte pedido: “e a condenação do Requerido em multa e indemnização a favor das menores conforme o disposto no nº 41º do Regime Geral do Processo Tutelar Cível, seguindo-se os demais trâmites até final. “
Face ao exposto, a Mm.ª Juiz a quo nunca poderia ter, repita-se, mencionado na douta sentença que “No caso vertente, não foi pedida qualquer condenação em multa do Requerido”, e liminarmente, ter decidido como decidiu.
Assim estamos perante uma nulidade prevista no art.º 6ª15 do C.P.C.
E, perante os factos dados como provados na douta sentença, ora em crise, e que, por uma questão de economia processual se dão aqui por integralmente reproduzidos, a Mmª. Juiz a quo deveria ter-se pronunciado sobre o pedido formulado e condenado o progenitor a pagar uma multa e indemnização a favor das menores nos termos do art.º 41º nº 1 do Regime Geral do Processo Tutelar Cível, tal como foi, repita-se, pedido na petição inicial.
Por outro lado, a aqui Recorrente também não pode concordar com a decisão proferida pela Mmª Juiz a quo quando refere na douta sentença, ora em crise, que: “não se pode deixar de concluir que os alimentos /despesas da jovem A … que remontam aos anos de 2011, 2012, 2013, 2014 e 2015 (até novembro), estão prescritas, o que não se pode deixar de declarar”.
Assim, o Tribunal a quo, julgou procedente a excepção da prescrição no que aos alimentos e despesas da jovem A … respeita relativos aos anos de 2011, 2012, 2013, 2014 e 2015 (até Novembro), devendo a quantia peticionada ser reduzida em conformidade.
Porém, foi feita uma interpretação errada do disposto na parte final do nº 1 do artigo 320º do Código Civil.
10º Como aliás, se pode observar na anotação efectuada no Código Civil Anotado (Prof. Abílio Neto, a fls. 260), a esse mesmo artigo quando é ai referido que ”o prazo de prescrição contra menor não se completa sem ter ocorrido um ano a partir do termo da incapacidade, ainda que tenha representante legal”.
11º Mais, a maior parte da jurisprudência tem tido um entendimento bem distinto daquele que está expresso na douta sentença, ora em crise, entre outros, o Acórdão de 18/06/2009 do Tribunal da Relação de Lisboa, relatado pela Ex.ma Senhora Juiz Desembargadora Fátima Galante e Acórdão de 4/10/2011 do Tribunal da Relação de Lisboa, relatado pelo Ex.mo Senhor Juiz Desembargador Rui Vouga, ambos disponíveis em www.dgsi.pt bem como um mais recente (Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 22-02-2024 Proc. 225/21.5T8MAC.L1-2 - relatado pelo Ex.mo Senhor Juiz Desembargador António Moreira e também disponível em www.dgsi.pt), no qual estas questões estão perfeitamente debatidas e concluídas num sentido diverso do que está expresso na douta sentença, ora em crise, conforme supra foi reproduzido.
12º Ora, como no caso concreto, a acção em causa deu entrada a 29 de Novembro de 2022 e a jovem A … atingiu a maioridade a 2 de Dezembro de 2022, o prazo prescricional ainda não se havia completado, em face do disposto na parte final do nº 1 do art.º 320º do Código Civil, uma vez que à data em que a acção foi intentada, ainda não havia decorrido o prazo de um ano depois de a titular do direito a alimentos – a jovem A … – ter atingido a maioridade.
13º Conclusão essa que também é suportada noutros Acórdãos (do Tribunal da Relação de Guimarães, de 28-01-2021, relatado pela Ex.ma Juiz Desembargadora Eva Almeida, no processo nº 668/13.8TBCHV-B.G1, e Acórdão do mesmo Tribunal de 4-10-2011 (proc. 320-C/2001.L1-1- , ambos publicados em www.dgsi.pt)), que também supra se reproduziram.
14º Pelo que, atendendo ao que se encontra vertido nos artigos 310º, f), 318º, alínea b) e 320º, nº 1, in fine, todos do Código Civil, estes foram violados pelo Tribunal a quo,
15º E a excepção da prescrição parcial invocada pela ora Recorrente, terá de ser considerada totalmente improcedente,
16º Pois, não se pode aceitar a interpretação e a aplicação do direito efectuada pelo Mmª Juiz a quo vertida na douta sentença, ora em crise.
17º Mas sim que essas normas sejam interpretadas num sentido completamente oposto e entendido que os alimentos/despesas da jovem A … que remontam aos anos de 2011, 2012, 2013, 2014, e 2015 (até Novembro), não estão prescritas,
18º E que o progenitor, ora Recorrido, deverá ser condenado a pagar todas as quantias indicadas na petição inicial relativas às suas filhas e, aqui em concreto, à jovem A ….
O Ministério Público também apresentou alegações, pugnando pela improcedência do recurso interposto pelo requerido.
A requerente e o requerido não apresentaram contra-alegações.
Admitidos os recursos e remetidos os mesmos a este Tribunal, o relator proferiu despacho determinando a devolução do processo ao Tribunal recorrido, a título devolutivo, a fim de a Mmª Juíza a quo se pronunciar sobre a invocada nulidade da sentença apelada, por omissão de pronúncia.
Baixando os autos em conformidade, a Mmª Juíza a quo proferiu nova sentença, suprindo a nulidade invocada.
Tal sentença tem o seguinte dispositivo:
“Destarte, julgo parcialmente procedente por parcialmente provado o pedido de incumprimento da regulação do exercício das responsabilidades parentais deduzido por C … e, em consequência, condeno o Requerido D … no pagamento à Requerente da importância de 88.935,91€ (oitenta e oito mil, novecentos e trinta e cinco euros e noventa e um cêntimos), a título da pensão de alimentos/despesas devidas entre 2007 e novembro de 2022 às Filhas de ambos, A …, nascida em 2 de dezembro de 2004 e B …, nascida em 14 de fevereiro de 2007.
Condeno ainda o Requerido no pagamento duma multa pelo incumprimento, a qual se fixa em 4UCs.
Absolvo o Requerido do demais peticionado.
Custas a cargo do Requerido, fixando-se o valor da ação em 88.935,91€ (oitenta e oito mil, novecentos e trinta e cinco euros e noventa e um cêntimo).”
Notificados os progenitores desta decisão, o progenitor requereu a ampliação do recurso, impugnando a sentença apelada também no tocante à sua condenação em multa, reiterando as conclusões vertidas no recurso anteriormente apresentado, e acrescentando as seguintes:

1. A condenação fruto da ampliação da matéria condenatória, que é autónoma, decorrendo, contudo, face à apreciação do Tribunal a quo, da condenação primitiva, é, também, ilegal, nos termos referidos no recurso primitivo, considerando, até, tudo o que aí fica dito;
2. Pelo que deve ser revogada a Sentença, também neste trecho decisório, considerando que viola os artigos 2.º, 13.º, 18.º, n.º 2, 20.º, n.º 4, 26.º e 67.º da CRP, 617.º e 989.º do CPC e 334.º, 2003.º a 2006.º e 2009.º do Código Civil devendo, por isso, ser revogada e substituída por Douto Acórdão que absolva o Recorrente de todos os pedidos.”
Por seu turno, a requerente apresentou novo requerimento de interposição de recurso, apresentando as seguintes conclusões[9]:

A aqui Recorrente também não pode concordar com a decisão proferida pela Mmª Juiz a quo quando refere na douta sentença, ora em crise, que: “não se pode deixar de concluir que os alimentos/despesas da jovem A … que remontam aos anos de 2011, 2012, 2013, 2014 e 2015 (até novembro), estão prescritas, o que não se pode deixar de declarar”.
Assim, o Tribunal a quo, julgou procedente a excepção da prescrição no que aos alimentos e despesas da jovem A … respeita relativos aos anos de 2011, 2012, 2013, 2014 e 2015 (até Novembro), devendo a quantia peticionada ser reduzida em conformidade.
Porém, foi feita uma interpretação errada do disposto na parte final do nº 1 do artigo 320º do Código Civil.
Como aliás, se pode observar na anotação efectuada no Código Civil Anotado (Prof. Abílio Neto, a fls. 260), a esse mesmo artigo quando é ai referido que ” o prazo de prescrição contra menor não se completa sem ter ocorrido um ano a partir do termo da incapacidade, ainda que tenha representante legal”.
Mais, a maior parte da jurisprudência tem tido um entendimento bem distinto daquele que está expresso na douta sentença, ora em crise, entre outros, o Acórdão de 18/06/2009 do Tribunal da Relação de Lisboa, relatado pela Ex.ma Senhora Juiz Desembargadora Fátima Galante e Acórdão de 4/10/2011 do Tribunal da Relação de Lisboa, relatado pelo Ex.mo Senhor Juiz Desembargador Rui Vouga, ambos disponíveis em www.dgsi.pt bem como um mais recente (Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 22-02-2024 Proc. 225/21.5T8MAC.L1-2 - relatado pelo Ex.mo Senhor Juiz Desembargador António Moreira e também disponível em www.dgsi.pt), no qual estas questões estão perfeitamente debatidas e concluídas num sentido diverso do que está expresso na douta sentença, ora em crise, conforme supra foi reproduzido
Ora, como no caso concreto, a acção em causa deu entrada a 29 de Novembro de 2022 e a jovem A … atingiu a maioridade a 2 de Dezembro de 2022, o prazo prescricional ainda não se havia completado, em face do disposto na parte final do nº 1 do art.º 320º do Código Civil, uma vez que à data em que a acção foi intentada, ainda não havia decorrido o prazo de um ano depois de a titular do direito a alimentos – a jovem A … – ter atingido a maioridade.
Conclusão essa que também é suportada noutros Acórdãos (do Tribunal da Relação de Guimarães, de 28-01-2021, relatado pela Ex.ma Juiz Desembargadora Eva Almeida, no processo nº 668/13.8TBCHV-B.G1, e Acórdão do mesmo Tribunal de 4-10-2011 (proc. 320-C/2001.L1-1- , ambos publicados em www.dgsi.pt)), que também supra se reproduziram
Pelo que, atendendo ao que se encontra vertido nos artigos 310º, f), 318º, alínea b) e 320º, nº 1, in fine, todos do Código Civil, estes foram violados pelo Tribunal a quo,
E a excepção da prescrição parcial invocada pela ora Recorrente, terá de ser considerada totalmente improcedente,
10º Pois, não se pode aceitar a interpretação e a aplicação do direito efectuada pelo Mmª Juiz a quo vertida na douta sentença, ora em crise.
11º Mas sim que essas normas sejam interpretadas num sentido completamente oposto e entendido que os alimentos/despesas da jovem A … que remontam aos anos de 2011, 2012, 2013, 2014, e 2015 (até Novembro), não estão prescritas,
12º Assim, o progenitor, ora Recorrido, deverá ser condenado a pagar todas as quantias indicadas na petição inicial relativas às suas filhas e, aqui em concreto, à jovem A ….”
O Ministério Público pugnou pela improcedência do recurso do requerente.

2. Questões a decidir
Conforme resulta das disposições conjugadas dos arts. 635º, n.º 4 e 639º, n.º 1 do CPC, é pelas conclusões que se delimita o objeto do recurso, seja quanto à pretensão dos recorrentes, seja quanto às questões de facto e de Direito que colocam[10]. Esta limitação dos poderes de cognição do Tribunal da Relação não se verifica em sede de qualificação jurídica dos factos ou relativamente a questões de conhecimento oficioso, desde que o processo contenha os elementos suficientes a tal conhecimento (cfr. art.º 5º n.º 3 do CPC).
Não obstante, a este Tribunal está vedado apreciar questões que não tenham sido anteriormente apreciadas porquanto, por natureza, os recursos destinam-se apenas a reapreciar decisões proferidas[11].
No caso em análise, importa considerar que o recurso interposto pela requerente não se pode considerar totalmente prejudicado pela circunstância de o tribunal a quo ter suprido a nulidade da sentença, visto que naquele recurso a requerente pediu a condenação do requerido em indemnização a favor das filhas[12], tendo a sentença apelada, tal como resulta da decisão que supriu a nulidade, absolvido o requerido quanto a este pedido indemnizatório.
Nesta conformidade, as questões a apreciar e decidir são as seguintes[13]:
2.1. Ilegitimidade ativa – Conclusões C a E do recurso do requerido;
2.2. Prescrição – Conclusões QQ do recurso do requerido, e 1º a 12º do recurso da requerente.
2.3. Inexigibilidade do pagamento das despesas de saúde, educação, e relativas a atividades extracurriculares – Conclusões F a I do recurso do requerido;
2.4. Alteração das circunstâncias – conclusões J a P do recurso do requerido;
2.5. Alteração do regime por acordo entre progenitores, não formalizado – Conclusões Q a T do recurso do requerido;
2.6. Inconstitucionalidades – Conclusões W, HH e SS a WW do recurso do requerido;
2.7. Abuso do direito – Conclusões II a MM do recurso do requerido
2.8. Litigância de má-fé – Conclusão PP do recurso do requerido;
2.9. Multa e indemnização – Conclusão 9ª do 1º recurso, e 12ª do requerimento de ampliação do recurso da requerente, e conclusões 1 e 2 da ampliação do recurso do requerido.



3. Fundamentação
3.1. Os factos
O Tribunal a quo considerou os seguintes factos:
3.1.1. Factos provados[14]-[15]
1. A …, nascida em 2 de dezembro de 2004, e B …, nascida a 14 de fevereiro de 2007, são filhas da Requerente e do Requerido.
2. Foi exarada decisão pela … Conservatória do Registo Civil de Lisboa em 24 de outubro de 2007, onde se determinou, para além do divórcio de Requerente e Requerido, a regulação das responsabilidades parentais das filhas então menores A … e B … estabelecendo-se, além do mais, que as menores residiram com a Requerente, a qual exerceria em exclusivo as responsabilidades parentais,
3. (…) ficou ainda estipulado que o Requerido pagaria a quantia mensal de 350,00€ a título de prestação de alimentos para as menores, a ser liquidada, através de transferência bancária para a conta da Requerente, até ao dia 5 de cada mês,
4. (…) Quantia essa a ser atualizada no mês de Janeiro de cada ano,
5. (…) As despesas escolares e de saúde das menores serão suportadas mensalmente por cada um dos progenitores, na proporção de 50%, sendo apresentados ao Pai os respetivos comprovativos pra parte da Mãe, no último dia de cada trimestre.
6. (…) Além disso, as atividades extracurriculares das menores que forem acordadas por ambos os progenitores serão suportadas na mesma proporção por cada um.
7. Correu termos no … Juízo de Família e Menores deste Tribunal ação de incumprimento instaurada pela ora Requerente, no âmbito da qual a mesma peticionava a condenação do Requerido nas quantias em dívida a título de alimentos e de despesas escolares e de saúde das filhas de ambos (Processo nº …/…).
8. No decurso de um processo Requerente e Requerido encetaram negociações extrajudiciais no sentido de ser regularizada a quantia em dívida e de serem alteradas as cláusulas relativas aos alimentos devidos e a proporção da responsabilidade de cada um nas despesas de educação das Filhas.
9. No âmbito de tais negociações foi proposta, além do mais, a redução da prestação alimentícia para 250,00€, redução que não chegou a ser plasmada em acordo assinado por ambas as partes e submetido ao Tribunal para homologação.
10. Na sequência das negociações encetadas, em 10 de março de 2011, assinou uma declaração de confissão de dívida na qual confessou a não entrega das prestações alimentícias a que estava obrigado e se obrigou a pagar a quantia global de 29.616,54€, correspondendo a 15.829,75€ devido a título de alimentos para cada uma das filhas menores e 13.786,75€ referente a despesas com saúde e educação das menores
11. O Requerido não pagou as quantias reconhecidas nesse documento.
12. A 17 de janeiro de 2018, no âmbito da conferência de pais realizada nos autos principais de alteração da regulação das responsabilidades parentais das Jovens A … e B …, acordaram os Progenitores alterar provisoriamente o regime anteriormente fixado, passando o progenitor a estar com as menores em fins-de-semana alternados, de 15 em 15 dias, indo o mesmo, para o efeito, buscar as menores ao colégio na quinta-feira após as atividades letivas, entregando-as na segunda-feira, no mesmo local; com início no dia 25 de Janeiro.
13. (…) Para além disso, o progenitor poderá estar com as menores à quarta-feira, na semana que antecede o fim-de-semana da progenitora, indo o mesmo, para o efeito, buscar as menores diretamente ao colégio após as atividades letivas e entregando-as entre as 21:15 e as 21:30 horas em casa da progenitora.
14. (…) As responsabilidades parentais nas questões de particular importância serão exercidas em conjunto por ambos os progenitores.
15. Nesses mesmos autos, na conferência de pais que teve lugar no dia 28 de fevereiro de 2019, foi alterado o regime provisório acordado, no que às clausulas 1ª e 2ª respeita, no âmbito do qual estabeleceram que (…) o progenitor estará com as menores em fins-de-semana alternados, de 15 em 15 dias, indo o mesmo, para o efeito, buscar as menores ao colégio na quarta-feira após as atividades letivas, entregando-as na segunda-feira, no mesmo local;
16. (…) Para além disso, o progenitor poderá estar com as menores à quarta-feira, na semana que antecede o fim-de-semana da progenitora, indo o mesmo, para o efeito, buscar as menores diretamente ao colégio após as atividades letivas, deixando a A … na explicação às 15:00 horas e a B … no voleibol às 17:00 horas (indo a progenitora buscá-las findas as atividades).
17. Estas alterações foram precedidas de um aumento progressivo dos períodos de convívios das Jovens com o Requerido.
18. O Requerido não tem vindo a proceder ao pagamento integral dos alimentos acordados, sendo que no ano de 2008 não foram pagos os meses de novembro e dezembro;
19. No ano de 2009 não foram pagos os meses de janeiro, fevereiro, março, abril, maio, setembro, outubro, novembro e dezembro.
20. Tendo pago em junho e agosto a quantia de 50,00€,
21. E em julho 200,00€.
22. No ano de 2010 não foram pagos os meses de janeiro, fevereiro, março, julho, agosto e outubro,
23. Tendo pago a quantia de 500,00€ nos meses de abril, maio, junho, setembro, novembro e dezembro.
24. No ano de 2011 não foram pagos os alimentos devidos nos meses de março, abril, agosto e outubro,
25. Em janeiro e fevereiro entregou 500,00€, respetivamente,
26. E em maio, junho, setembro, novembro e dezembro entregou 600,00€, respetivamente.
27. No ano de 2012 em janeiro pagou 600,00€,
28. Em fevereiro pagou 650,00€,
29. Em março pagou 650,00€,
30. Em maio pagou 600,00€,
31. Em agosto pagou 600,00€,
32. Em outubro pagou 650,00€,
33. Em novembro pagou 650,00€,
34. Em dezembro pagou 650,00€,
35. Não tendo entregue qualquer quantia relativa aos meses de abril, junho, julho e setembro.
36. No ano de 2013 não procedeu ao pagamento da pensão de alimentos referente ao mês de agosto,
37. Em janeiro, fevereiro, março, abril, maio, junho, setembro, outubro, novembro e dezembro apenas entregou 650,00€,
38. E em julho pagou apenas 600,00€.
39. No ano de 2014, nos meses de janeiro, fevereiro, março, abril, maio, junho, setembro, outubro e dezembro pagou 650,00€,
40. Em novembro pagou 750,00€ e
41. Não entregou qualquer quantia relativa aos meses de julho e agosto.
42. No ano de 2015 apenas entregou a quantia de 650,00€ nos meses de janeiro, fevereiro, março, abril, setembro, outubro, novembro e dezembro
43. Em julho apenas pagou 400,00€,
44. Em julho pagou 775,00€,
45. E não entregou qualquer quantia relativa aos meses de maio e agosto.
46. No ano de 2016 pagou a quantia de 650,00€ em janeiro, fevereiro, março, abril, maio, junho julho, setembro, outubro e novembro
47. Em dezembro entregou 700,00€,
48. Não tendo entregue qualquer quantia relativa ao mês de agosto.
49. No ano de 2017 entregou a quantia de 700,00€ nos meses de janeiro, fevereiro, março, abril, maio, junho, julho, setembro, outubro, novembro e dezembro,
50. Não tendo entregue qualquer quantia relativa ao mês de agosto.
51. No ano de 2018 entregou a quantia de 700,00€ nos meses de janeiro, fevereiro, março, abril, maio junho, setembro, outubro, novembro e dezembro,
52. Não tendo entregue qualquer quantia relativa aos meses de julho e agosto.
53. No ano de 2019 entregou a quantia de 700,00€ nos meses de janeiro, fevereiro, março, abril, maio, junho, setembro e outubro,
54. Não tendo entregue qualquer quantia relativa aos meses de julho, agosto e dezembro.
55. No ano de 2020 procedeu à entrega da quantia de 550,00€ nos meses de janeiro, fevereiro, março, abril, maio, junho, outubro, novembro e dezembro,
56. Não tendo entregue qualquer quantia relativa aos meses de julho, agosto e setembro.
57. No ano de 2021 procedeu à entrega da quantia de 550,00€ nos meses de janeiro, fevereiro, março, abril, maio e junho,
58. Em setembro, outubro, novembro e dezembro pagou apenas 400,00€,
59. Não tendo entregue qualquer quantia relativa aos meses de julho e agosto.
60. No ano de 2022 pagou a quantia de 400,00€ nos meses de janeiro, fevereiro, março, abril, maio, junho, outubro e novembro,
61. Não tendo entregue qualquer quantia relativa aos meses de julho, agosto e setembro.
62. O Requerido não procedeu igualmente ao reembolso à Requerente das quantias despendidas pela mesma em relação à Jovem A …, referentes à frequência do Colégio de …, Lisboa (desde 2007 a 2021), no montante de 82.382,68€,
63. De despesas escolares relacionadas com explicações, materiais escolares e outras rubricas de natureza semelhante no montante de 13.976,36€,
64. De despesas de saúde, entre 2013 a novembro de 2022, no valor global de 9.227,92€.
65. Num total de 105.586,96€, sendo a quota parte do Requerido no montante de 52.793,48€.
66. Relativamente à menor B …, a Requente suportou o pagamento da quantia 6.610,00€ referentes à frequência da mesma na creche “…”,
67. Pela frequência do Colégio de …, Lisboa, desde 2010 a novembro de 2022 no montante de 71.858,87€,
68. Com despesas escolares relacionadas com explicações, materiais escolares e outras rubricas de natureza semelhante no montante 866,47€,
69. E de despesas de saúde, calculadas desde 2013 a novembro de 2022, o montante de 5.576,41€,
70. Ascendendo as despesas supra elencadas a 84.911,75€, sendo 42.455,87€ a quota parte das despesas do Requerido referentes à Filha B ….
71. A 5 de Novembro de 2014, o Requerido pagou 1.250,00€ correspondente a metade do custo de um aparelho de dentição para a A ….
72. A 1 de julho de 2022, pagou 320,00€ correspondente a metade do custo de uma viagem escolar a Roma efetuada pela menor B ….
73. Em setembro de 2022, pagou 697,00€, correspondente às propinas do ano 2022/2023 da ainda menor A ….
74. A Requerente não procedeu à entrega trimestral ao Requerido das despesas de educação e saúde tidas com as filhas A … e B ….
75. No ano de 2011 o Requerido teve um total de rendimentos líquidos no montante de 18.303,58€,
76. No ano de 2012 no montante de 20.692,97€,
77. No ano de 2013 no montante de 13.487,70€,
78. No ano de 2014 no montante de 15.10226€,
79. E no ano de 2015 no montante de 10.032,62€
80. A mãe decidiu unilateralmente a manutenção da filha A … em colégio privado,
81. A inscrição da filha B … em creche privada,
82. A inscrição da filha B … em colégio privado,
83. A aquisição de aparelho de ortodôntica para as duas filhas.
84. A inscrição das filhas A … e B … em explicações privadas partiu da exclusiva iniciativa da mãe.
85. A Requerente nunca consultou o Requerido em relação às atividades extracurriculares ou escolares levadas a cabo pelas Filhas.
86. O Requerido assumiu integralmente as despesas com o telefone móvel das duas filhas desde o dia em que perfizeram 10 anos no montante mensal de 24,90€ cada uma,
87. O Requerido assumiu o pagamento das propinas da Jovem A … no ano letivo 2022/2023.
88. O Requerido assumiu o pagamento exclusivo das aulas de piano das duas filhas e a aquisição de um piano para as mesmas poderem praticar em casa, no montante global de 3.000,00€.
89. O Requerido assumiu ainda o pagamento exclusivo das aulas de guitarra da A … e da aquisição de uma guitarra para a sua aprendizagem, no total de 800,00€.
90. O Requerido assumiu ainda o pagamento de uma flauta transversal para a sua filha B … no valor de 1.200,00€.
91. Em novembro de 2019 a A … passou a residir de forma alternada entre a casa de ambos os progenitores.

3.1.2. Factos não provados
a) A Requerente nunca deu prévio conhecimento ao Requerido dos atos médicos, necessidades clínicas ou saúde das Filhas.
b) Desde o momento em que os seus rendimentos o permitiram o Requerido transferiu para a Requerente a título de pensão de alimentos o montante mensal de 700,00€ até novembro de 2019, com exceção dos meses de julho e agosto que as menores passam metade consigo.
c) Requerente e Requerido acordaram na redução da pensão de alimentos devida às
menores para o montante de 250,00€/cada.
d) De agosto a dezembro de 2008 o Requerido não teve quaisquer rendimentos em virtude de estar desempregado.
e) No ano de 2009 teve um total de rendimentos líquidos de 7.000,00€,
f) E no ano de 2010 teve um total de rendimentos líquidos no montante de 12.000,00€.
g) Alguns meses houve em que, por excesso de tráfego de internet nos seus telefones móveis, o Requerido teve que pagar mais de 300,00€ por conta das suas filhas.
h) Sempre que estão com o Requerido, este assume a totalidade das despesas de saúde, nunca apresentando contas à mãe, nomeadamente de consultas de psicologia, psiquiatria, dentista, roupa, artigos de higiene pessoal e outras.

3.2. Os factos e o direito
3.2.1. Da ilegitimidade ativa
3.2.1.1. Considerações prévias
Como já se referiu, no recurso de apelação que interpôs, o requerido reiterou a invocação da exceção de ilegitimidade ativa.
Sucede, contudo, que tal exceção não foi apreciada e objeto de decisão na sentença apelada, mas sim no despacho com a refª …78, de 27-02-2023 sendo certo que no recurso de apelação que interpôs em momento algum o requerido pediu a revogação deste despacho ou por qualquer forma o mencionou.
Coloca-se, por isso a questão de saber se, no âmbito do recurso de apelação interposto pelo requerido deveria este Tribunal reapreciar questão da ilegitimidade ativa.
Cremos, contudo, que o recurso em apreço deve ser interpretado no sentido de abranger igualmente o mencionado despacho, visto que, por um lado, o apelante manifestou expressamente a intenção de ver reapreciada a exceção de ilegitimidade ativa e, por outro lado, o despacho que julgou improcedente tal exceção não era suscetível de apelação autónoma (vd. art.º 644º, nº 2 do CPC, do qual decorre que com exceção dos despachos que apreciem a exceção e incompetência absoluta do Tribunal, os despachos que julgam improcedentes exceções dilatórias não são suscetíveis de apelação autónoma), o que significa que o despacho em questão só podia ser impugnado juntamente com o recurso que viesse a ser interposto da decisão final do processo ou, não sendo esta objeto de recurso, em recurso a interpor após a sua prolação – nºs 3 e 4 do art.º 644º do CPC.
Assim sendo, não deixaremos de apreciar esta questão.

3.2.1.2. Apreciação
3.2.1.2.1. Considerações gerais
Embora sem definir cabalmente o conceito de legitimidade processual, o art.º 30º do CPC reporta-o ao interesse em demandar ou contradizer.
E, no nº 2 do mesmo preceito esclarece-se que o interesse em demandar se exprime pela utilidade derivada da procedência da ação, enquanto que o interesse em contradizer se exprime pelo prejuízo que dela advenha.
Estas regras aplicam-se quer às situações de legitimidade singular, quer às situações de legitimidade plural, ou seja, aos casos de litisconsórcio e coligação (vd. arts. 32º a 36º do CPC).
Finalmente, e de acordo com o nº 3 do mesmo art.º 30º do CPC, o critério supletivo para aferição da titularidade do interesse relevante para o efeito da legitimidade é o da titularidade da relação material controvertida tal como o autor a configura.
Mantém-se por isso atual a definição doutrinária de legitimidade processual proposta por CASTRO MENDES[16]: “A legitimidade é uma posição de autor e réu, em relação ao objecto do processo, qualidade que justifica que possa aquele autor, ou aquele réu, ocupar-se em juízo desse objecto do processo.”
Em sentido semelhante sustenta PAULO PIMENTA[17] que “a legitimidade consiste numa relação concreta da parte perante uma causa. Por isso a legitimidade não é uma qualidade pessoal, antes uma qualidade posicional da parte face à ação, ao litígio que aí se discute”.
Do mesmo modo, dizem RITA LOBO XAVIER, INÊS FOLHADELA, E GONÇALO ANDRADE E CASTRO[18] que “ser parte legítima é ter uma relação direta com o objeto do litígio”.
Finalmente, esclarecem ABRANTES GERALDES, PAULO PIMENTA, E LUÍS FILIPE PIRES DE SOUSA[19] que “o autor é parte legítima se, atenta a relação jurídica que invoca, surgir nela como sujeito suscetível de beneficiar diretamente do efeito jurídico pretendido; já o réu terá legitimidade passiva ser for diretamente prejudicado com a procedência da ação. A exigência de um “interesse” emergente da pronúncia judicial, reconduz-nos a um interesse direto e indica que é irrelevante para o efeito um mero interesse indireto, reflexo, ou mediato, ou ainda um interesse diletante ou de ordem moral ou académica”.
Não obstante, os mesmos autores advertem para a circunstância de que “casos há (…) em que é a própria lei que identifica o detentor da legitimidade ativa ou passiva, prevalecendo tal indicação sobre a eventual alegação do autor em sentido inverso (…)”.

3.2.1.2.2. O caso dos autos
No caso em apreço, estamos perante um procedimento tutelar cível de incumprimento das responsabilidades parentais (previsto e regulado no art.º 41 do RGPTC), intentado pela mãe de duas jovens contra o pai das mesmas, no qual a requerente sustenta que o requerido não pagou a pesão de alimentos devida às filhas de ambos, nem cumpriu a obrigação de suportar 50% das despesas de saúde e educação das mesmas, conforme se achava obrigado.
De acordo com o alegado pela requerente, a referida obrigação alimentar resultava de regulação do exercício das responsabilidades parentais estabelecida por acordo entre os progenitores e posteriormente alterado igualmente por acordo.
Contudo, sustenta o requerente que a mais velha das filhas de ambos atingiu a maioridade, razão pela qual deveria ser esta a exercer o direito a alimentos, em nome próprio, e não representada pela sua mãe, ora requerente.
Sucede, porém, que a Lei nº 122/2015, de 1 de setembro veio acrescentar ao art.º 1905º do código Civil, um nº 2 com o seguinte teor: «Para efeitos do art.º 1880º, entende-se que se mantém para depois da maioridade, e até que o filho complete 25 anos de idade, a pensão fixada em seu benefício durante a menoridade, salvo se o respetivo processo de educação ou formação profissional estiver concluído antes daquela data, se tiver sido livremente interrompido ou ainda, se em qualquer caso, o obrigado à prestação de alimentos fizer prova da irrazoabilidade da sua exigência».
A introdução deste preceito visou dirimir uma querela jurisprudencial que até então se suscitava na interpretação do mesmo preceito, conjugado com os arts. 1878º, 1879º, e 1880º do mesmo código.
Com efeito, não obstante o art.º 1879º, do CC disponha que “os pais ficam desobrigados de prover ao sustento dos filhos e de assumir as despesas relativas à sua segurança, saúde e educação na medida em que os filhos estejam em condições de suportar pelo produto do seu trabalho ou outros rendimentos, aqueles encargos”, o art.º 1880º estatui que “se no momento em que atingir a maioridade ou for emancipado o filho não houver completado a sua formação profissional, manter-se-á a obrigação a que se refere o número anterior na medida em que seja razoável exigir aos pais o seu cumprimento e pelo tempo normalmente requerido para que aquela formação se complete”.
Da conjugação destes preceitos resultava já – mesmo antes da publicação da Lei nº 122/2015 - que a obrigação alimentar imposta aos pais na menoridade dos filhos, ou seja, a obrigação de prover ao seu sustento pode manter-se após a maioridade destes se os mesmos não tiverem completado a sua formação profissional, e não tiverem rendimentos que lhes permitam suportar aqueles encargos.
Neste contexto legislativo, suscitou-se muitas vezes, nos Tribunais, a questão de saber se não obstante o eventual prolongamento das responsabilidades alimentares dos progenitores para além da maioridade dos filhos, se deveria entender que a maioridade operava a caducidade das decisões judiciais que haviam estabelecido a obrigação alimentar com fundamento na sua menoridade, sem prejuízo da possibilidade de os filhos - agora maiores – poderem exercer o seu direito a alimentos, em nome próprio, e mediante a instauração das competentes ações judiciais, ou se, pelo contrário, se deveria considerar que o direito a alimentos se mantinha, e perduravam os efeitos das decisões judiciais que o haviam consagrado e porventura alterado, sem prejuízo de o progenitor poder intentar ação ou incidente de cessação de alimentos.
A tese da caducidade dos efeitos das decisões judiciais relativas à obrigação de alimentos foi sustentada nos acs.:
- RL 26-01-2004 (Fonseca Ramos), p. 0356365;
- STJ 31-05-2007 (Salvador da Costa), p. 07B1678;
- RP 21-02-2008 (Coelho da Rocha), p. 0830752;
- STJ 22-04-2008 (Pereira da Silva), p. 08B389;
- RL 06-05-2008 (Ana Grácio), p. 2508/2008-1;
- RL 10-09-2009 (Teresa Albuquerque), p. 6251/08-2;
Já a tese da manutenção dos efeitos da ação judicial que consagrou a obrigação alimentar foi sufragada nos seguintes arestos:
- RP 09-03-2006 (Fernando Baptista), p. 0630895;
- RC 03-05-2011 (Francisco Caetano), p. 223/06.9TMCBR-D.C1
- RG 19-06-2012 (Ana Cristina Duarte), p. 599-D/1998.G1.
A lei nº 122/2015 pretendeu, pois, clarificar a interpretação dos mencionados preceitos, no sentido da manutenção dos efeitos da ação que consagrou a obrigação alimentar.
Assim, e porque consagrou um sentido interpretativo que alguma jurisprudência já havia sancionado[20], coloca-se a questão de saber se a mesma não terá caráter meramente interpretativo.
Com efeito, como refere o ac. STJ 14-03-2019 (Nuno Pinto de Oliveira), p. 582/18.0YRLSB.S1, “O Supremo Tribunal de Justiça tem consistentemente declarado que o critério determinante da qualificação de uma lei como interpretativa depende do preenchimento cumulativo de dois requisitos: o primeiro consiste em “a lei [nova] regular um ponto de direito acerca do qual se levantam dúvidas e controvérsias na doutrina e jurisprudência” e o segundo, em “a lei [nova] consagrar uma solução que a jurisprudência pudesse tirar do texto da lei anterior, sem intervenção do legislador”. Convocando a formulação do Professor Baptista Machado, dir-se-á que o primeiro requisito está em que a solução do direito anterior, da lei antiga, “seja controvertida ou, pelo menos, incerta” e que o segundo requisito está em que a solução da lei nova se situe dentro dos quadros da controvérsia ou da incerteza, de forma a que “o julgador ou o intérprete a ela poderiam chegar sem ultrapassar os limites normalmente impostos à interpretação e aplicação da lei”
Como é sabido, nos termos do disposto no art.º 13º, nº 1 do Código Civil, “a lei interpretativa integra-se na lei interpretada, ficando salvos, porém, os efeitos já produzidos pelo cumprimento da obrigação, por sentença passada em julgado, por transação, ainda que não homologada, ou por atos de análoga natureza.”
Interpretando este preceito explicam PIRES DE LIMA e ANTUNES VARELA[21] que “deve considerar-se lei interpretativa aquela que intervém para decidir uma questão de direito cuja solução é controvertida ou incerta, consagrando um entendimento a que a jurisprudência, pelos seus próprios meios, poderia ter chegado (…).”
Assim, numa primeira análise, dir-se-ia que a Lei nº 122/2015 tem natureza interpretativa e, por isso, é de aplicação imediata às situações jurídicas pendentes à data da sua entrada em vigor.
Contudo, a verdade é que apesar de solucionar a já aludida querela jurisprudencial, a Lei 122/2015 se reveste também de um aspeto inovatório, na medida em que consagrou o limite dos 25 anos de idade que o art.º 1880º não continha, sendo certo que tal limite nunca havia sido objeto de elaboração jurisprudencial.
Nesta conformidade, haverá que considerar que pelo menos na parte em que consagra aquele limite, a Lei nº 122/2015 tem caráter inovatório - Em sentido aproximado ao exposto, vd. ac. RL 14-06-2016 (Rosa Ribeiro Coelho), p. 6954/16.8T8LSB.L1-7, e RG 12-01-2017 (Espinheira Baltar), p. 529/13.0TBCMN-B.G2.
Aqui chegados, resta aferir se por força da redação que a Lei nº 122/2015 conferiu ao art.º 1905º do CC a requerente, mãe da jovem A …, tem interesse direto em demandar o requerido.
A essa questão responde de forma inequívoca o art.º 989º, nº 3 do CPC, norma também ela introduzida pela referida Lei nº 122/2015, que estabelece que “O progenitor que assume a título principal o encargo de pagar as despesas dos filhos maiores que não podem sustentar-se a si mesmos pode exigir ao outro progenitor o pagamento de uma contribuição para o sustento e educação dos filhos (…)”.
Esta norma deve ser interpretada em conjugação com o nº 2 do mesmo preceito que estipula que “tendo havido decisão sobre alimentos a menores ou estando a correr o respetivo processo, a maioridade ou emancipação não impedem que o mesmo se conclua e que os incidentes de alteração ou cessação dos alimentos corram por apenso”.
 Ora, se a maioridade não impede que os incidentes de alteração ou cessação corram por apenso ao processo em que foram fixados alimentos a favor da mesma pessoa enquanto menor, por identidade de razão se deverá aplicar a mesma regra aos incidentes de incumprimento.
Assim, conclui-se que os preceitos em apreço se devem interpretar no sentido de que o progenitor com quem o menor coabita tem legitimidade ativa nos procedimentos tutelares cíveis de incumprimento das responsabilidades parentais, fundadas em incumprimento da prestação alimentar por parte do outro progenitor, nas situações em que o filho atinja a maioridade, esteja a estudar, e não tenha ainda completado 25 anos, não disponha de rendimentos suficientes para se sustentar e seja sustentado pelo progenitor com quem reside.
Neste sentido, enquadrando tal situação na categoria da legitimidade indireta, cfr. GONÇALO OLIVEIRA MAGALHÃES[22]. Em sentido aproximado, aludindo a uma situação de substituição processual, cfr. AAVV, in “Família e Crianças: As novas Leis - Resolução de questões práticas”.[23]
O mesmo entendimento foi sufragado nos seguintes arestos:
- RG 15-10-2015 (Francisca Vieira), p. 387/15.0T8BCL-A.G1;
- RL 30-06-2016 (Ezagüy Martins), p. 6692/05.7TBSXL-C.L1.-2
- RG 21-06-2018 (Margarida Sousa), p. 458/18.1T8BCL.G1;
- RL 20-09-2018 (Teresa Pardal), p. 4345/15.7T8LRS-A.L1-6;
- RG 11-10-2018 (Alexandra Rolim Mendes), p. 2343/15.2T8BCL-B.G1;
- RL 04-04-2019 (Jorge Leal), p. 769/15.8T8LRS.1.L1;
- RL 24-10-2019 (Carla Mendes), p. 238/17.8SXL.L1-8;
- RL 21-11-2019 (António Valente), p. 5100/05.8TBSXL-B.L1-8;
- RE 19-11-2020 (Tomé de carvalho), p. 3930/19.2T8FAR-A.E1;
No caso vertente, verifica-se que a jovem A … nasceu em 02-12-2004[24], tendo por isso completado 18 anos de idade em 02-12-2022.
Ora, como o requerimento inicial deu entrada em juízo em data anterior, mais precisamente em 29-11-2022[25], forçoso será concluir que à data da propositura do presente procedimento a A … ainda era menor, em caso algum poderia proceder a exceção de ilegitimidade ativa visto que a legitimidade ativa se terá que aferir com referência à data da propositura do processo judicial a que diz respeito.
Mas mesmo que se admitisse que a circunstância de a A … atingir a maioridade na pendência do presente procedimento poderia gerar uma ilegitimidade ativa superveniente, o certo é que do próprio requerimento inicial resultava já que de acordo com o alegado pela requerente, a A … continuava a estudar, mais precisamente na Faculdade de Ciências da Universidade Nova de Lisboa[26].
Perante todo o exposto, concluímos, como fez o Tribunal a quo, que a requerente é parte legítima na presente causa, e que por tal razão improcede a exceção de ilegitimidade ativa.
Deve, pois manter-se o decidido no despacho com a refª …78, de 27-02-2023, que julgou improcedente a exceção de ilegitimidade ativa invocada pelo requerido.

3.2.2. Do invocado incumprimento do regime regulador das responsabilidades parentais relativas às filhas da requerente e do requerido
3.2.2.1. Considerações gerais
Estabelece o art.º 41º, nº 1 do RGPTC que “Se, relativamente à situação da criança, um dos pais ou a terceira pessoa a quem aquela haja sido confiada não cumprir com o que tiver sido acordado ou decidido, pode o tribunal, oficiosamente, a requerimento do Ministério Público ou do outro progenitor, requerer, ao tribunal que no momento for territorialmente competente, as diligências necessárias para o cumprimento coercivo e a condenação do remisso em multa até vinte unidades de conta e, verificando-se os respetivos pressupostos, em indemnização a favor da criança, do progenitor requerente ou de ambos”.
Deste preceito resulta de forma inequívoca que o incumprimento a que o mesmo se reporta assenta nos seguintes pressupostos:
a) A inobservância, por um dos progenitores, de obrigação emergente do regime de exercício das responsabilidades parentais
b) A imputabilidade de tal inobservância ao mesmo progenitor, a título de dolo ou negligência;
c) Uma certa gravidade/relevância desse incumprimento, aferida à luz do superior interesse da criança.
Neste sentido cfr. acs.:
- RL 08-10-2020 (Carlos Castelo Branco), p. 5534/11.9TBSXL-E.L1-2;
- RL 26-05-2022 (Adeodato Brotas), p. 2626/19.0T8GMR-I,L1-6;
- RL 07-07-2022 (Cristina Silva Maximiano), p. 600/18.2T8LSB-K.L1-7;
- RG 19-01-2023 (Maria João Matos), p. 1312/10.0TBEPS-H-A.G1;
- RE 31-05-2023 (Tomé de Carvalho), p. 3349/16.7T8FAR-H.E1;
A este propósito, uma parte da doutrina e da jurisprudência tem sustentado que só comportamentos reiterados relevam consubstanciam incumprimento das responsabilidades parentais.
Neste sentido, no campo da doutrina se pronunciaram MARIA CLARA SOTTOMAYOR[27], e bem assim PAULO GUERRA / HELENA BOLIEIRO
No campo da jurisprudência, cfr., entre outros, os acs.:
- RL 14-09-2010 (Pedro Brighton), p. 1169/08.1TBCSC-A.L1-1;
- RP 10-01-2012 (Mª Cecília Agante), p. 336/09.5TBVPA-B.P1;
- RG 26-10-2017 (Raquel Tavares), p. 2416/15.9T8BCL-C.G1;
- RL 07-07-2022 (Cristina Silva Maximiano), p. 600/18.2T8LSB-K.L1-7 ;
Porém, este entendimento é questionado por outra corrente jurisprudencial que entende que também situações isoladas relevam como incumprimento, desde que devam considerar-se graves – vd., entre outros os acs.:
- RC 18-02-2020 (Carlos Moreira), p. 1513/19.6T8CBR-B.C1;
- RL 02-03-2023 (Pedro Martins), p. 600/18.2T8LSB-G.L1-2;

3.2.2.2. O caso dos autos
No caso em apreço, o objeto do incumprimento invocado pela requerente é a prestação de alimentos devida às filhas da requerente e do requerido; bem como relativamente à comparticipação nas despesas de educação, extracurriculares, e de saúde das mesmas jovens.
Esta matéria havia sido regulada nas cláusulas 6ª e 7ª do acordo homologado na Conservatória do Registo Civil, as quais têm o seguinte teor[28]:
“7.º
O Pai pagará a título de pensão de alimentos a favor década uma das menores a quantia mensal de € 350,00 (trezentos e cinquenta euros), a depositar em conta bancária indicada pela Mãe, até ao dia 5 de cada mês.
Parágrafo Único: As referidas pensões serão actualizadas, anualmente, em Janeiro, de acordo com o índice de inflação publicado pelo INE.
8.º
As despesas escolares e de saúde das menores serão suportadas mensalmente por cada um dos progenitores, na proporção de 50%, sendo apresentados ao Pai os respectivos comprovativos por parte da Mãe, no último dia de cada trimestre.
Parágrafo Único: As actividades extra curriculares das menores que forem acordadas por ambos os progenitores serão suportadas na mesma proporção por cada um.”

3.2.2.2.1. Da prescrição
Muito embora o CC não contenha qualquer definição de prescrição, estabelece o nº 1 do art.º 298º deste código que a mesma se reconduz ao “não exercício durante o lapso de tempo estabelecido na lei” de direitos que a lei não qualifique como indisponíveis ou declare dela isentos.
Este não exercício do direito pelo tempo previsto na lei tem como consequência, nos termos previstos no art.º 304º, nº 1 a faculdade que assiste ao beneficiário a faculdade de “recusar o cumprimento da prestação ou de se opor, por qualquer modo, ao exercício do direito prescrito”.
Como ensina MENEZES CORDEIRO[29], uma vez invocada, a prescrição constitui um facto impeditivo do direito invocado pelo credor daquele que a invoca. Não configura um facto extintivo, porque não extingue a obrigação prescrita, na medida em que a mesma subsiste, embora transmutada ou convertida em obrigação natural. Essa a razão pela qual o nº 2 do art.º 304º do CC estabelece que cumprida a obrigação prescrita não há lugar à repetição do indevido (vd. tb. os arts. 402º a 404º do CC).
No caso vertente, o requerido invocou a prescrição dos créditos de alimentos devidos à jovem A … vencidos antes de dezembro de 2015, por a mesma ter atingido a maioridade em 02-12-2022.
Vejamos então.
Nos termos do disposto no art.º 310º, al. f) do CC, as prestaçãoes alimentícias vencidas prescrevem no prazo de cinco anos.
Não obstante, dispõe o nº 1 do art.º 320º do mesmo código que “a prescrição não começa nem corre contra menores enquanto não tiverem quem os represente ou administre seus bens, salvo se respeitará atos para os quais o menor tenha capacidade; e ainda que o menor tenha representante legal ou quem administre os seus bens a prescrição contra ele não se completa sem ter decorrido um ano a partir do termo da incapacidade.”
Interpretando este preceito, tem a doutrina salientado que o mesmo visa proteger a criança beneficiária do direito a alimentos de eventual negligência ou laxismo por parte do seu/a representante legal – Neste sentido se pronunciaram VAZ SERRA[30], PIRES DE LIMA e ANTUNES VARELA[31]; JACINTO RODRIGUES BASTOS[32], PEDRO PAIS DE VASCONCELOS[33]; e ANA FILIPA MORAIS ANTUNES[34].
Como já referimos no presente incidente discute-se o incumprimento de prestações alimentares, nomeadamente devidas à jovem A …, sendo certo que a mesma completou 18 anos em 02- 12-2022, tendo atingido nesta data a maioridade.
Conforme resulta dos autos, o requerimento inicial do presente incidente de incumprimento das responsabilidades parentais deu entrada em juízo em 29-11-2022, sendo certo que, como refere a sentença apelada, o requerido apenas foi notificado, para os termos deste incidente, eletrónica enviada à sua ilustre mandatária em 10-01-2023[35].
Objeta, contudo, a requerente que estando em causa o exercício do direito a alimentos estabelecidos antes de a A … ter atingido a maioridade, e tendo a prescrição sido invocada relativamente a prestações alimentícias igualmente vencidas antes de a mesma completar 18 anos de idade, o prazo prescricional apenas se completaria quando decorresse um ano desde a data em que a A … completou 18 anos, isto por força do disposto no citado art.º 320º, nº 1 do CC.
O Tribunal a quo entendeu, porém, que esta última disposição legal só se aplica quando o direito a alimentos for judicialmente exercido pelo jovem credor de alimentos, mas não quando os créditos alimentares sejam judicialmente reclamados pelo adulto que legalmente o representou na sua menoridade.
Para tando invocou o acórdão RP 11-02-2021 (Freitas Vieira), p. 3429/18.4T8STS-J.P1, no qual o Tribunal da Relação do Porto fundamentou o entendimento suprarreferido nos seguintes termos:
“Na situação prevista na alínea b) dos art.º 318º do CC estamos perante uma causa bilateral de suspensão através da qual se procura proteger as relações familiares entre quem exerce o poder paternal e as pessoas a ele sujeitos do clima de conflituosidade que resultaria se este último tivesse que exercer o direito que lhe assista em relação ao primeiro. Porque só se refere apenas a quem exerce o poder paternal, esta previsão legal nunca teria – ao contrário do que começou por entender-se – aplicabilidade à situação em apreço, uma vez que o requerido, ora recorrente, não exercia o poder paternal.
Já situação prevista no nº 1 do art.º 320º do mesmo diploma, cuja aplicabilidade foi considera na decisão recorrida contempla uma causa unilateral de suspensão, que tem subjacente a necessidade de proteger os menores ou maiores acompanhados – “suspensão a favor dos menores e dos maiores acompanhados” - das consequências que para si resultariam de, por não terem quem os represente, ou por inércia ou negligência do seu representante legal, o direito que lhes assiste não for atempadamente exercido.
A questão que o recurso colca reside em saber se – como pretende o recorrente – a referida finalidade que se viu estar subjacente ao referido normativo, não está presente quando o direito às prestações alimentares vencidas durante a menoridade do seu beneficiário é exercido pelo progenitor a quem estava confiada a guarda do mesmo, mas depois de atingida a sua maioridade.
A situação não está especificamente salvaguardada na norma em causa ou noutra qualquer que se lhe refira expressamente. Não sofre contestação a legitimidade do progenitor guardião para, em substituição processual do filho menor titular das prestações alimentares, e em sua representação, exigir do obrigado ao seu pagamento o seu cumprimento.
Legitimidade que em relação à exigência dessas prestações se mantém mesmo se entretanto o seu beneficiário atingir a maioridade, conforme se vem entendendo e devendo considerar-se a aplicabilidade do disposto no nº 2 do art.º 989º do CPC na medida em que se refere ao prosseguimento de processo para fixação de alimentos devidos a menores. Nessas situação no entanto, considerando que o beneficiário das prestações adquiriu já capacidade jurídica e judiciária para demandar e exigir por si que jure próprio lhe são devidas pelo progenitor, a legitimidade do progenitor para continuar a intervir para exigir aquelas prestações só pode entender-se enquanto justificada em termos de sub-rogação deste – art.º 592º, nº 1, do C. Civil - no direito que assiste ao titular dessas prestações, por ter tido que suprir as necessidades do mesmo durante a sua menoridade em substituição do devedor faltoso de tais prestações. É evidente que neste caso o progenitor intervém movido pelo interesse em ver-se compensado pelo que pagou a mais, tendo por isso um interesse próprio no cumprimento da dívida, como de resto é exigido par que possa falar-se em sub-rogação legal[1]. Consequentemente tem de concluir-se existir uma identidade entre o direito do menor ao pagamento das prestações devidas em atenção à sua menoridade, e o direito exercido em sub-rogação pelo progenitor guardião no confronto com o progenitor devedor. Identidade de direitos que se estende às garantias e outros acessórios do direito transmitido - cfr. art.º 582º do C Civil ex vi art.º 594º do mesmo diploma.
Argumenta o recorrente que apesar de o direito que invoca ser assim o mesmo direito de que beneficiava a sua filha, e não um crédito novo, não se poderá conceber que o prazo de prescrição seja o aplicável ao primitivo credor, pois que, não é essa a ratio da suspensão da prescrição a favor da menor prevista na 2ª parte do nº 1 do art.º 320º do C.C.
E efetivamente assim é, já que como vimos, a razão de ser da suspensão do prazo prescricional prevista no nº 1 do art.º 320º do CC, e mais concretamente na segunda parte desse preceito, prende-se com a menoridade do titular de alimentos, e da especial tratamento que em função disso o legislador entendeu dever prever em termos do exercício desse direito no que concerne ao prazo prescricional. Esta razão de ser não se verifica em relação ao progenitor com quem o menor vivia, já que em relação aquele nenhuns constrangimentos se verificavam que o impedissem de exercer em tempo útil o direito a exigir o cumprimento das prestações alimentares vencidas, seja durante a menoridade do titular dos alimentos, seja depois de este ter atingido a maioridade.
Acresce que a prescrição não diz respeito ao direito em si, mas ao seu exercício. O que prescreve ou não prescreve não é o direito – que apesar de prescrito não se extingue – mas o direito a exigir o seu cumprimento. Ora se o direito ao pagamento das prestações alimentares vencidas durante a menoridade do filho em que o progenitor guardião se encontra sub-rogado é o mesmo de que era titular o filho menor, ao exigir o cumprimento desse direito o progenitor guardião atua em nome próprio, pelo que se compreende que esteja sujeito às regras gerais que condicionam no tempo esse exercício.
Reitera-se que, como começou por se pôr em evidência, o que está em causa no recurso agora em apreciação é apenas a questão da aplicabilidade à situação em análise da moratória prevista na parte final do nº 1 do art.º 320º do CC, uma vez que, não tendo a decisão recorrida sido impugnada nessa parte, tem-se como adquirida a natureza alimentar das quantias peticionadas e a consequente aplicabilidade do prazo prescricional previsto na alínea f) do art.º 310º do CC.
E assim sendo, considerando que a requerente e ora recorrida, B…, vem peticionar o pagamento de prestações alimentícias vencidas durante a menoridade da titular das mesmas, a sua filha D…, entretanto já maior de idade, tem de concluir-se, no seguimento de quanto foi dito, que não pode ter-se como aplicável a previsão contida na parte final do nº 1 do referido art.º 320º do CC.”
Não obstante segundo cremos, e tanto quanto nos foi possível apurar, esta posição não encontra eco na doutrina, nem na jurisprudência publicada.
Com efeito, e com exceção do citado aresto, toda a jurisprudência publicada que nos foi dado localizar sustenta a posição inversa, considerando que a norma da parte final do nº 1 do art.º 320º do CC é aplicável às situações em que os alimentos devidos a menor são judicialmente exigidos por um dos progenitores. Não obstante, nem todos os arestos consultados justificam expressamente tal entendimento.
Demonstrativos deste entendimento são os seguintes arestos:
- RL 18-06-2001 (Fátima Galante), p. 8578-B/1993.L1-6 - Considera aplicável art.º 320º, nº 1, al. a) a ação intentada por progenitora, sem fundamentação específica deste entendimento;
- RL 04-10-2011 (Rui Vouga), p. 320-C/2001.L1-1 – Considera aplicável o 320º, nº 1, al. a) porque o credor de alimentos é a criança e não a sua mãe, apesar de ser esta a requerente no incidente de incumprimento;
- RG 28-01-2021 (Eva Almeida), p. 668/13.8TBCHV-B.G1 – Assenta na mesma fundamentação do acórdão RL 04-10-2011;
- RE 24-02-2022 (Tomé de Carvalho), p. 152/07.9TBSTR-C.E1 - Considera aplicável art.º 320º, nº 1, al. a) a ação intentada por progenitora, sem fundamentação específica deste entendimento;
- RL 07-07-2022 (Teresa Pardal), p. 193/05.0TMLSB.1.L1-6 - Considera aplicável art.º 320º, nº 1, al. a) a ação intentada por progenitora, sem fundamentação específica deste entendimento.
Havendo que tomar posição seguimos resolutamente o entendimento manifestado pela jurisprudência maioritária.
Com efeito, não nos parece que a ratio da norma contida na parte final do nº 1 do art.º 320º do CC comporte a interpretação que o apelante sustenta, desde logo por se tratar de uma interpretação restritiva que a nosso ver não encontra suficiente respaldo no elemento teleológico da interpretação.
Na verdade, cremos que a ratio deste preceito é a tutela do direito a alimentos das crianças e jovens, devendo tal preceito aplicar-se independentemente de o referido direito ser judicialmente exercido pelos respetivos titulares, ou por quem os tenha representado na menoridade, em ação intentada contra o progenitor obrigado a alimentos.
Assim sendo, revertendo ao caso dos autos, verificamos que à data em que o requerido foi notificado para os termos do presente incidente de incumprimento das responsabilidades parentais[36] a jovem A … ainda não tinha completado 19 anos[37], razão pela qual, nos termos das disposições conjugadas dos arts. 318º, al. f) e 320º, nº 1, parte final, ambos do CC, importa concluir que o prazo prescricional consagrado na primeira das citadas normas ainda não se tinha completado.
Tanto basta para concluir pela improcedência da exceção de prescrição.
Em consequência, o reexame da responsabilidade alimentar do requerido, considerando os fundamentos invocados em ambas as apelações, deverá ter por objeto a totalidade das prestações alimentares reclamadas no requerimento inicial.

3.2.2.2.2. Da inexigibilidade do pagamento das despesas de saúde, educação, e relativas a atividades extracurriculares
Sustentou o requerido, na sua apelação, que a requerente “não enviou um único comprovativo de qualquer despesa de saúde escolar ou outra nunca consultou sequer informou previamente o recorrente das atividades extracurriculares ou escolares levada a cabo pelas filhas nunca lhe dando conhecimento prévio de atos médicos necessidades clínicas ou de saúde das meninas”, e que “nem do âmbito do presente ou fora dele o recorrente foi interpelado para pagamento de qualquer montante pelo que (…) a dívida não é exigível.”[38]
O Tribunal a quo rebateu este entendimento nos seguintes termos:
“Defende ainda o Requerido que, de acordo com os termos do acordo homologado, a mãe deveria apresentar ao pai os comprovativos das despesas de educação e de saúde até ao último dia de cada trimestre, não o tendo feito, razão pela qual não pode vir agora exigir um pagamento de 14 anos de educação e saúde (uma vez que a obrigação não se vence sem a interpelação para cumprimento, a qual nunca sucedeu).
Segundo a Requerente foi ao longo do tempo pedindo ao Requerido para liquidar as quantias em dívida, ainda que não o tenha feito formalmente, e por mais do que uma vez reuniu todos os documentos e apresentou-os e ainda assim o Requerido não liquidou as quantias em dívida.
Ora, ainda que não tenha apresentado trimestralmente as despesas tidas com a Jovens, sendo o Requerido conhecedor da maior parte delas, designadamente dos colégios, não pode vir alegar o desconhecimento que tal quantias se estavam a acumular.
E ainda que assim não fosse, também o Requerido não alegou e muito menos demonstrou ter tentado inteirar-se das quantias em dívida e que a Requerente tenha obstado a tal conhecimento.
Assim, e não desobrigado, a apresentação tardia, o Requerido do pagamento das quantias que se obrigou a entregar à Requerente, o facto de só terem sido «formalmente» apresentadas com a presente ação tem apenas como consequência a impossibilidade de a Requerente cobrar juros de mora desde o vencimento de cada uma das prestações.
Não procede, pois, a argumentação do Requerido.”
Vejamos então.
Sobre a matéria da comparticipação de cada um dos progenitores nas despesas de saúde e educação relativas às filhas da requerente e do requerido regia a cláusula 8ª do acordo de regulação das responsabilidades parentais que aqueles outorgaram, e que tem o seguinte teor[39]:


As despesas escolares e de saúde das menores serão suportadas mensalmente por cada um dos progenitores na proporção de 50%, sendo apresentadas ao pai os respetivos comprovativos por parte da mãe no último dia de cada trimestre.
Parágrafo único: as atividades extracurriculares das menores que forem acordadas por ambos os progenitores serão suportadas na mesma proporção por cada um.”
Do teor desta cláusula resulta, de forma inequívoca, que a obrigação de reembolso nela consagrada depende de prévia interpelação do requerido pela requerente, com apresentação dos recibos relativos às despesas invocadas, estabelecendo-se um ritmo trimestral para esta prestação de contas.
Ora, no caso em apreço, não consta da factualidade provada que a requerente tenha apresentado ao requerido um só dos recibos relativos às despesas invocadas.
Com efeito, não se acha comprovado que até à dedução do presente incidente a requerente tenha apresentado ao requerido quaisquer recibos comprovativos das despesas invocadas, ou que lhe tenha prestado contas de tais despesas com ritmo trimestral, nos termos da mencionada cláusula 8ª do acordo sobre responsabilidades parentais.
Acresce ainda que a mesma cláusula dispõe expressamente que a responsabilidade pelo co-pagamento das despesas decorrentes de atividades extracurriculares apenas foi ajustada relativamente a atividades “que forem acordadas por ambos os progenitores”, sendo certo que no caso vertente se apurou que a requerente nunca consultou o requerido em relação às explicações privadas, atividades extracurriculares ou escolares levadas a cabo pelas filhas, as quais decidiu unilateralmente.[40]
Não obstante, importa não esquecer que resultou igualmente provado que em 10-03-2011 o requerido subscreveu e assinou uma declaração escrita na qual, nomeadamente:[41]
 “(…) se confessa devedor da quantia global de vinte e nove mil, seiscentos e dezasseis euros e 54 cêntimos para com a mãe das suas referidas filhas menores C … (…) correspondendo:
a) - quinze mil oitocentos e vinte e nove euros e setenta e cinco cêntimos ao montante devido a título de alimentos para cada uma das filhas menores e
b) - treze mil setecentos e oitenta e seis cêntimos a metade das despesas com saúde educação das menores e que foram efetivamente pagas pela mãe das mesmas conforme documentação na posse do outorgante e que o declarante ficou obrigado a pagar no âmbito do processo acima referido.
Para cumprimento das suas obrigações perante as menores, o outorgante obriga-se a:
a) - proceder a partir da presente data e com efeitos reportados ao mês em curso a entrega da pensão alimentícia de trezentos e sessenta e quatro euros e oitenta e quatro cêntimos (valor resultante da aplicação dos coeficientes de atualizações como estipulado), a cada uma das filhas menores no total de setecentos e vinte e nove euros e sessenta e oito cêntimos, a entregar mensalmente a mãe das menores até ao dia cinco de cada mês;
b) - bem como a pagar metade das despesas escolares e de saúde das menores contra a Entrega do comprovativo do pagamento pela mãe das menores ou da previsão das despesas, e
c) - a liquidar à credora a referida quantia de vinte e nove mil e dezasseis euros e cinquenta e quatro cêntimos em duzentas e noventa e seis prestações mensais sendo as primeiras duzentas e noventa e cinco iguais e sucessivas no montante de cem euros cada e a última no montante de cento e dezasseis euros e cinquenta e quatro cêntimos vencendo se a primeira (…) no dia 31 de Março do corrente ano e as restantes no último dia de cada um dos meses seguintes sem vencimento de qualquer juro.”
Face a esta confissão do requerido, não pode o mesmo invocar a inexigibilidade dos montantes relativos às prestações alimentícias de que expressamente se confessou devedor, incluindo as relativas a comparticipação em despesas escolares, extracurriculares, e de saúde.
Contudo, no tocante à comparticipação das despesas desta natureza, reclamadas pela requerente, e respeitantes a períodos temporais subsequentes, cumpre efetivamente aferir da sua exigibilidade.
Relativamente a esta questão, entendeu o Tribunal a quo que ainda que a requerente não tenha apresentado trimestralmente as despesas tidas com as jovens, sendo o requerido conhecedor da maior parte delas, designadamente dos colégios, não pode vir alegar o desconhecimento de tais quantias.
Com todo o respeito, discordamos deste entendimento.
Com efeito, e desde logo, do elenco de factos provados não constam factos suficientes para suportar a afirmação de que o requerido era conhecedor das despesas de educação extracurriculares, e de saúde das filhas, posteriores ao período a que se reporta a declaração confessória que subscreveu, visto que apenas se apurou que[42]:
a) Em 05-11-2014 pagou à requerida a quantia de € 1.250,00, correspondente a metade do custo de um aparelho de dentição para a A …;
b) Em 01-07-2022 pagou à requerida a quantia de € 320,00, correspondente a metade do custo de uma viagem escolar efetuada pela B …;
c) Em setembro de 2022 pagou à requerida € 697,00 correspondente a metade do valor das propinas escolares da A … relativas ao ano de 2022/20223.
Mais entendeu o Tribunal a quo relevante ponderar que o requerido não alegou e muito menos demonstrou ter tentado inteirar-se das quantias em dívida e que a requerente tenha obstado aa tal conhecimento.
Com o devido respeito, discordamos novamente de tal afirmação.
Na verdade, do acordo de regulação das responsabilidades parentais emerge para a requerente, de modo muito claro, um ónus de interpelação do requerido e de apresentação de documentos comprovativos relativos às despesas de saúde, educação e extracurriculares respeitantes às filhas de ambos, com ritmo trimestral, sendo certo que resultou provado que a requerente nunca observou tal ónus.[43]
A observância deste ónus de interpelação e prova documental constitui um claro pressuposto da exigibilidade das quantias reclamadas a este título.
Importa, por outro lado sublinhar que para efeitos do presente incidente só relevam interpelações efetuadas em data anterior à sua interposição.
Com efeito, uma interpelação subsequente ao mencionado momento pode ainda vir a relevar, determinando a exigibilidade das prestações alimentares em causa, e eventualmente englobando as aqui invocadas.
Simplesmente não releva nos termos e para os efeitos deste incidente. Este tem forçosamente que improceder, quanto às despesas de educação, extracurriculares e de saúde não confessadas, porque à data da sua dedução não se verificavam os pressupostos consagrados no art.º 41º, nº 1 do RGPTC.
Daqui decorre, de forma cristalina, a improcedência do presente incidente, no tocante ao alegado incumprimento da obrigação de reembolso de despesas que não foi objeto da já mencionada confissão do requerido.

3.2.2.2.3. Da alteração das circunstâncias
Sustenta o requerente que não deve ser-lhe exigido o pagamento da totalidade da pensão de alimentos, porquanto a situação que determinou o estabelecimento do regime de alimentos devidos à A … e à B … se alterou significativamente ao longo do tempo.
Para tanto argumenta que:
- A pensão de alimentos determinada pela requerente pressupunha um regime de visitas da B … e da A … com o Pai de pouco mais de 48h mensais;
- Desde a assinatura do acordo de regulação das responsabilidades as circunstâncias, os factos relacionados com o exercício das responsabilidades parentais, já se alteraram por diversas vezes;
- Exigir o pagamento da pensão de alimentos relativa à jovem A … relativamente a um período em que a mesma residiu alternadamente com ambos os progenitores, atenta contra a Boa-Fé;
- Nos meses de julho e agosto não liquidou a pensão de alimentos porque a B … e a A … passavam pelo menos metade do tempo consigo, não existindo, também, lugar ao pagamento de propinas escolares;[44]
Não indica, contudo, em que fundamento legal sustenta esse entendimento, ou sequer, em que medida deveria considerar-se devida a pensão alimentar relativa a cada uma das suas filhas.
Seja como for, a sua argumentação parece fazer apelo ao instituto da alteração das circunstâncias.
Vejamos, então.
Estabelece o art.º 437º nº 1 do CC que “Se as circunstâncias em que as partes fundaram a decisão de contratar tiverem sofrido uma alteração anormal, tem a parte lesada direito à resolução do contrato, ou à modificação dele segundo juízos de equidade, desde que a exigência das obrigações por ela assumidas afete gravemente os princípios da boa fé e não esteja coberta pelos riscos próprios do contrato.”
Sobre esta matéria se pronunciou, de forma ampla e compreensiva o acórdão RL 10-01-2023 (Carlos Oliveira), p. 9761/18.0T8LSB.L1[45], que o ora relator subscreveu na qualidade de 1º adjunto, em cuja fundamentação se exarou o seguinte:
“Importa assim ter em consideração que o Art.º 437º n.º 1 do C.C. veio estabelecer uma regra especial, e verdadeiramente excecional, destinada a corrigir as injustiças que poderiam decorrer para as partes do princípio da estabilidade dos negócios jurídicos.
Uma interpretação rígida deste princípio geral de direito determinaria que as partes deveriam prever de forma exaustiva todas as eventuais ocorrências futuras com reflexo nos vínculos obrigacionais assumidos, nomeadamente de natureza duradoura, ficando a sua disciplina sujeita à regra do “pacta sunt servenda”.
Desse modo, o risco do “error in futurum” corria sempre por conta do errante, que deveria ter previsto a verificação dessas circunstâncias futuras e, não o fazendo …, “sibi imputet”.
A preocupação com a aplicação cega destes princípios levou a doutrina a procurar soluções que pudessem afastar as consequências injustas que deles pudesse resultar, tendo o primeiro passo nesse sentido sido dado pelo chamamento à colação da cláusula “rebus sic standibus”, desenvolvida pelo pós-glosador Bártolo.
Pretendia-se então sustentar que existiria uma cláusula subentendida nos contratos, nomeadamente nos de natureza duradoura e não aleatórios, segundo a qual as partes apenas se vinculavam nas condições vigentes ao tempo da sua celebração e no pressupostos que essas circunstâncias se mantivessem, pois se as mesmas se alterassem o negócio poderia ser modificado ou o vínculo extinto.
Como é evidente, a insegurança jurídica que a aplicação de semelhante solução trazia para o direito, pelo seu carácter subjetivo e meramente voluntarista, mereceu a crítica geral, por poder conduzir a situações também elas injustas.
Nesta senda aparece a “teoria da pressuposição” de Windscheid, que substituiu o conceito da cláusula “rebus sic standibus” pelo de “condição não desenvolvida pressuposta”.
A pressuposição era entendida por esse autor como uma condição que não havia sido explicitada no contrato, também denominada de “reserva virtual” (Krückmann), que consistia na circunstância ou estado de coisas que qualquer dos contraentes, ao realizar determinado negócio, teve por certo verificar-se no passado, ou no presente, ou vir ou continuar a verificar-se no futuro, quando de outro modo não teria contratado. Se essa circunstância ou estado de coisa se reporta ao presente ou ao passado, ficaria sujeita ao regime jurídico do erro. Mas se se reportasse a circunstância futura, estão estaríamos no domínio próprio da pressuposição, como cláusula implícita do contrato que determinaria a possibilidade de revogação do mesmo.
A teoria da pressuposição, por não ser mais que um aprofundamento da teoria da cláusula “rebus sic standibus”, padecia precisamente dos mesmos vícios e foi sujeita ao mesmo tipo de críticas que levaram à sua refutação.
De maior relevância foi a teoria da base de negócio, desenvolvida por Oertmann, que fazia depender a eficácia do negócio da subsistência da sua base negocial, entendida esta como correspondendo às representações de uma das partes sobre a existência de certas circunstâncias consideradas basilares, desde que a outra parte as reconheça como importantes, sem as contradizer.
Esta conceção subjetiva de base de negócio veio a merecer outros desenvolvimentos na jurisprudência alemã, tendentes a delimitar esse conceito essencialmente a circunstâncias concretas da execução do negócio, como por exemplo relativas a variações motivadas pela inflação na fase pós-guerra, fazendo então recurso ao princípio da boa-fé.
É nessa sequência que Karl Larenz vem a defender uma conceção mista de base do negócio. Assim, para este autor, a base do negócio tem uma dimensão subjetiva, que corresponde à representação comum ou expectativa de ambas as partes, que as levou à conclusão do negócio e que, se fosse conhecida com exatidão, ele não teria sido celebrado com esse conteúdo, ou pelo menos não teria sido honestamente obtido pela contraparte. Mas, há também que ter em conta uma dimensão objetiva da base negocial, relativa a qualquer circunstância cuja verificação ou manutenção seja objetivamente necessária para que o contrato possa subsistir como uma regulamentação que faça sentido.
Para Lehmann a teoria da base negocial parte da ideia da pressuposição deficiente, a qual só é relevante quando for conhecida ou cognoscível para a outra parte no momento da conclusão do negócio e desde que esta, se lhe tivesse sido proposto o condicionamento do negócio à verificação dessa circunstância suposta, tivesse aceitado tal pretensão, ou pelo menos deveria tê-la aceitado segundo o princípio da boa-fé.
Manuel Andrade, vem a justificar a resolução e modificação do negócio, para além dos casos admitidos pela teoria da base negocial de Lehmann, desde que a boa-fé justifique agora aquele resultado, mesmo que não seja exigível a aceitação da cláusula de condicionamento na data do negócio. Seria esse o caso em que a prestação duma parte se tenha tornado de tal forma prejudicial que a tornasse incomportavelmente onerosa relativamente à contraprestação da outra parte, visando-se assim restabelecer o equilíbrio das prestações.
Neste contexto, teve ainda relevância a teoria da imprevisão, que parte da ideia de que os contratos são feitos em determinado ambiente económico e social e podem ser resolvidos ou modificados se se alterar, duma forma radical, esse ambiente em que nasceram. Mas, para esse efeito, era necessário que a alteração futura das circunstâncias não tenha sido subjetivamente prevista pelos contraentes (imprevisão), e que essa alteração seja objetivamente imprevisível (imprevisibilidade), sendo que essa imprevisão e imprevisibilidade deveriam ser verificadas em cada contrato concretamente considerado. No entanto, se essa imprevisão e imprevisibilidade fossem de algum modo imputáveis à parte que as pretende invocar, elas seriam irrelevantes. Por outro lado, a relevância dessas alterações deveria ser tal que a exigência do cumprimento do contrato seria incompatível com o próprio sentido originário do negócio, tal como ele possa, razoável e honestamente, ser apreendido pelas partes, sendo assim contrário ao princípio da boa-fé.
As estas teorias somam-se aquelas que assentaram na solução derivada da consideração do risco assumido nos contratos, pretendendo desse modo afastar-se do subjetivismo da vontade.
Neste quadro, Kegel chamou a tenção para o facto de que quando se contrata cada parte assume os riscos próprios da contratação, falhando-se os fins desta quando uma das partes tenha de suportar um sacrifício superior ao previsto, o que se aplica à alteração das circunstâncias. Este autor distingue assim a “grande base negocial”, relativa aos grandes riscos comunitários que atingem de forma indiscriminada grandes grupos e determinam uma distribuição injusta dos sacrifícios (v.g. as guerras, crises económicas), da “pequena base negocial” que respeita aos danos sofridos apenas na esfera própria de cada parte, que apenas poderiam permitir a concessão de ajuda ao devedor em circunstâncias muito particulares.
Já para Fikentscher o risco é uma expressão da autonomia privada. Se o âmbito do risco assumido pelas partes for ultrapassado, põe-se o problema da base do negócio. Este autor identifica assim a existência duma base de confiança do negócio que se traduz no conjunto de circunstâncias nas quais, consciente ou inconscientemente, as partes confiam aquando da conclusão do negócio. Por isso identifica a “base pessoal de confiança”, que inclui as pressuposições ligadas aos contraentes e que poderiam dar lugar à inexigibilidade por razões pessoais; e a “base negocial de confiança” que compreende as circunstâncias exteriores à vontade negocial. O risco assumia aqui uma tripla função: define o contrato; dá a medida de exigibilidade da prestação; e indica como devem ser repartidos os riscos fora do contrato.
Köhler entende que não seria exigível a obrigação quando, na conclusão do negócio, as partes se tenham apoiado em circunstâncias que se apresentam como estáveis, mas que depois eram alteradas, constituindo a exigência da prestação uma contradição com a atuação anterior ou previsão de confiança suposta, ao jeito do “venire contra factum proprium”.
Como logo referido de início, todo este conjunto de teorias e progressos do pensamento doutrinário, assim sucintamente resumidos, tiveram o claro escopo de proporcionar soluções para as situações em que, havendo alteração das circunstâncias com base nas quais as partes formularam a sua vontade de contratar, seria uma manifesta injustiça sujeitar as partes à rigidez da regra “pacta sunt servanda”. No entanto, houve sempre um claro esforço no sentido de não permitir uma solução que pusesse em causa de forma injustificada a segurança jurídica, de tal modo que constituísse ela própria uma injustiça motivada por razões estritamente subjetivas e meramente voluntaristas.
É assim que progressivamente se encaminha essa possibilidade de modificação ou resolução extraordinária do contrato para os critérios que objetivamente possam decorrer da consideração do princípio da boa-fé, que funciona como parâmetro e medida, quer da relevância da gravidade das alterações das circunstâncias, quer das soluções jurídicas que deveremos encontrar para retificar os desequilíbrios que as mesmas provocaram na estabilidade dos contratos (vide, a propósito de todo o exposto, entre muitos outros: Castro Mendes in “Teoria Geral do Direito Civil”, Vol. II, 1979, pág.s 258 e ss.; Mota Pinto in “Teoria Geral do Direito Civil”, 3ª Ed., pág.s 258 e ss.; Manuel de Andrade in “Teoria Geral da Relação Jurídica”, Vol. II, 1987, pág.s 401 e ss.; Pedro Pais Vasconcelos in “Teoria Geral do Direito Civil, 2ª Ed., 2003, pág.s 729 e ss.; Menezes Cordeiro in “Da Boa-fé no Direito Civil”, 1997, pág.s 903 e ss.; Menezes Leitão in “Direito das Obrigações”, Vol. II, 3ª Ed., pág.s 123 e ss.).
É este conjunto de construções doutrinárias que serve de inspiração à letra da lei vigente constante do Art.º 437º do C.C. e que importa agora considerar.
Estabelece este preceito que: «1. Se as circunstâncias em que as partes fundaram a decisão de contratar tiverem sofrido uma alteração anormal, tem a parte lesada direito à resolução do contrato, ou à modificação dele segundo juízos de equidade, desde que a exigência das obrigações por ela assumidas afete gravemente os princípios da boa-fé e não esteja coberta pelos riscos próprios do contrato».
Seguindo agora mais de perto a análise proposta por Almeida Costa (in “Direito das Obrigações”, 9ª Ed., pág. 302 e ss.), serão 6 os pressupostos de funcionamento desta previsão legal de resolução ou modificação do contrato:
1º A alteração deve dizer respeito a circunstâncias em que se alicerçou a vontade de contratar.
Deve, portanto, reportar-se a condições essenciais do negócio segundo o fim típico do contrato, seja como representação mental comum patente nas negociações (base negocial subjetiva), seja reportada aos condicionalismos objetivos apenas implícitos, mas essenciais ao sentido e aos resultados do contrato (base negocial objetiva). As circunstâncias que se alteraram têm de ser determinantes para uma das partes e devem ser conhecidas, ou cognoscíveis, para a outra, de tal forma que essa condição pressuposta seja exigível de impor ao outro contraente segundo o princípio da boa-fé.
2º As circunstâncias fundamentais devem ter sofrido uma alteração anormal.
Apela-se aqui ao conceito de imprevisibilidade objetiva da ocorrência de facto futuro. No entanto, a lei adotou um conceito mais amplo, pois permite modificar ou resolver o contrato, mesmo quando a alteração pudesse ser previsível, desde que afete o equilíbrio económico do mesmo de forma anormal. Portanto, dispensa-se a imprevisibilidade nos casos em que a boa-fé obrigaria a outra parte a aceitar que o contrato ficasse dependente da manutenção das circunstâncias em que fundaram a sua vontade negocial. No fundo pretende-se relevar a excecionalidade da alteração, sendo anómalas todas as alterações que escapem à regra e ao curso normal e natural dos acontecimentos.
3º A estabilidade do contrato tem de envolver a lesão para uma das partes.
Tem que se verificar uma perturbação do equilíbrio contratual originário de tal forma que a prestação se torna excessivamente onerosa para uma das partes. Mas pode também não se traduzir propriamente num prejuízo patrimonial, desde que envolva para o lesado grandes riscos pessoais ou excessivos sacrifícios de natureza não patrimonial. Enfim, tem de se concluir que a manutenção do contrato é injusta em consequência da alteração das circunstâncias.
4º A manutenção do contrato afete gravemente os princípios da boa-fé.
A resolução ou modificação do contrato tem de ser uma exigência imperiosa da boa-fé, fazendo a avaliação da situação no seu conjunto e tendo em conta a finalidade do contrato. A boa-fé é o princípio que nos dá a medida da gravidade que justifica a resolução ou modificação do contrato. Não se trata de considerar a alteração de circunstâncias como contrária à boa-fé, nem o desequilíbrio dela resultante. O que se pretende é considerar a atuação típica duma pessoa de boa-fé, como padrão de honestidade e de seriedade, que nos levará a aferir da gravidade da perturbação e injustiça interna do contrato. Pretende-se em suma concluir que a manutenção do contrato nos seus precisos termos é inaceitável, porque a exigência do seu cumprimento poderia corresponder a uma espécie de abuso de direito.
5º A situação não pode estar abrangida pelos riscos próprios do contrato.
Caso o contrato contenha uma disciplina própria de distribuição do risco da realidade, será de acordo com ele que o caso deve ser resolvido. Assim, se o contrato for aleatório só se aplicará a previsão do Art.º 437º do C.C. se o risco não esteja compreendido na álea própria do contrato, doutro modo esses contratos não poderão ser resolvidos ou modificados neste quadro legal. Em suma, só na falta de solução negocial é que é legítimo o recurso ao estabelecido no Art.º 437º n.º 1 do C.C..
6º Inexistência de mora do lesado (Art.º 438º do C.C.)
Trata-se de requisito de verificação negativa, justificado pela injustiça que motivaria a possibilidade de resolução ou modificação do contrato pela pessoa que estaria a dar causa primeira ao seu incumprimento.”
No caso específico da alteração de acordo que fixa prestações alimentares a favor de crianças e jovens menores de 18 anos (devidamente homologado por decisão judicial) a alteração do acordado com fundamento na alteração das circunstâncias está sujeita a regras próprias, seja no plano do Direito substantivo, seja no plano do Direito adjetivo.
Com efeito, no plano do Direito substantivo releva o art.º 2012º do CC que estabelece que “se depois de fixados os alimentos pelo Tribunal ou por acordo dos interessados as circunstâncias determinantes da sua fixação se modificarem podem os alimentos taxados ser reduzidos ou aumentados conforme os casos ou podem outras pessoas ser obrigadas a prestá-los.”
Por outro lado, e no plano do Direito processual rege o art.º 42º, do RGPTC que tem por epígrafe “alteração de regime”, estatuindo o seu nº 1 que “Quando o acordo ou a decisão final não sejam cumpridos por ambos os pais, ou por terceira pessoa a quem a criança haja sido confiada, ou quando circunstâncias supervenientes tornem necessário alterar o que estiver estabelecido, qualquer um daqueles ou o Ministério Público podem requerer ao tribunal, que no momento for territorialmente competente, nova regulação do exercício das responsabilidades parentais.”
Destas disposições legais emerge, com clareza, que a alteração das circunstâncias constitui fundamento da alteração do regime de exercício das responsabilidades parentais, aqui se concluído o regime dos alimentos devidos aos filhos, mas decorre igualmente que o meio próprio para promover a alteração do mesmo regime é o procedimento tutelar cível previsto no art.º 42º do RGPTC.
No caso vertente, verifica-se que muito embora o regime de exercício das responsabilidades parentais relativas à A … e à B … inicialmente ajustado não previsse quaisquer pernoitas das filhas em casa do requerido, o certo é que o mesmo veio a ser objeto das seguintes alterações, as quais foram objeto de homologação judicial:
- em 17-01-2018, no âmbito de procedimento tutelar cível de alteração do regime de exercício das responsabilidades parentais, requerente e requerido acordaram provisoriamente que a A … e a B … passariam a estar com o requerido e pernoitar em casa deste em fins-de-semana alternados, bem como a estar com o requerido às quartas-feiras das semanas que antecediam os fins-de-semana que passavam com a Mãe, desde o final das atividades letivas até cerca das 21h30m[46];
- em 28-02-2019, no âmbito do mesmo procedimento, o requerente e requerido acordaram na alteração provisória do mesmo regime, estendendo os tempos de convívio e pernoita acima referidos para períodos de quarta-feira à tarde até à manhã da 2ª feira subsequente em semanas alternadas, mantendo os convívios na tarde-noite das quartas-feiras que antecediam os fins-de-semana que passavam com a Mãe[47];
- em 26-11-2019, requerente e requerido voltaram a alterar provisoriamente o acordo relativo ao exercício das responsabilidades parentais respeitantes às filhas de ambos, nos termos do qual, a A … passou a residir alternadamente com a requerente e com o requerido; mantendo-se, quanto à B …, o anteriormente acordado[48];
- na sequência de manifestação de vontade sinalizada por ambos os progenitores, o acordo provisório de 26-11-2019 foi convertido em definitivo[49].
Seja, como for, é inequívoco que em momento algum, no âmbito do procedimento tutelar de alteração do regime de exercício das responsabilidades parentais o requerido solicitou a alteração dos termos em que o mesmo regulava o direito a alimentos respeitante à A … e à B …, ou essa questão foi por qualquer forma objeto de acordo entre os progenitores que tenha sido manifestado perante o Tribunal e judicialmente homologado.[50]
Não o tendo feito, não pode o requerido e ora apelante considerar-se desobrigado pelo pagar a pensão alimentar respeitante às suas filhas pelo montante estipulado no regime de exercício das responsabilidades parentais em vigor, bem como a comparticipar no custeio das despesas de saúde, educação e extracurriculares das jovens, nos termos consagrados no mesmo – Neste sentido, enfatizando que o regime de exercício das responsabilidades parentais judicialmente determinado ou homologado é imperativo enquanto não for alterado por nova decisão judicial, vd. acs. RC 08-07-2021 (Vítor Amaral), p. 1545/18.1T8FIG-J.C1, e RG 26-10-2023 (Mª João Matos), p. 2946/17.8T8BRG-C.G1.
Complementarmente, ainda se dirá que a circunstância de em determinados períodos temporais, as crianças passarem mais tempo com o progenitor com quem não residem habitualmente não legitima, por si só, qualquer alteração ao regime de alimentos devidos àquelas e muito menos justifica uma redução unilateral do montante da prestação alimentar judicialmente fixada. Neste sentido cfr. ac. RG 19-01-2023 (Mª João Matos), p. 1312/10.0TBEPS-H-A.G1.
Termos em que improcede a invocada exceção de alteração das circunstâncias.

3.2.2.2.4. Da alteração do regime por acordo entre progenitores, não formalizado
Sustentou o requerido e ora apelante que chegou a acordar com a requerente a redução da prestação alimentícia para € 600,00 mensais (€ 300,00 para cada filha) – Cfr. al. 3., al. C) da motivação do recurso e conclusões Q a V.
Esta posição não tem qualquer sustentação na decisão sobre matéria de facto, que o apelante de resto não impugnou.
Com efeito, muito embora tivesse alegado ter acordado com a requerida e ora apelada a redução da prestação alimentar devida a cada uma das filhas de ambos para € 250,00, não logrou provar tal acordo (vd. al. c) dos factos não provados) sendo que apenas resultou provado que no decurso de um processo (desconhecendo este Tribunal que processo foi esse), a requerente e o requerido encetaram negociações extrajudiciais e que, no âmbito destas, foi proposta (desconhecendo este Tribunal quem propôs) a redução da prestação alimentícia para € 250,00 (pontos 8 e 9 dos factos provados).
Admitindo que a proposta supra aludida tenha sido apresentada pelo requerido à requerente, a mesma só se consubstanciaria em acordo, se fosse aceite pela requerida (art.º 232º do CC), aceitação essa que não resultou provada.
Finalmente, ainda se dirá que só um acordo de alteração das responsabilidades parentais que seja homologado pelo Tribunal poderá produzir efeitos – Neste sentido cfr. acs. RE 14-11-2013 (Cristina Cerdeira), p. 1271/07.7TBPTM-D.E1; e RC 08-03-2022 (Cristina Neves), p. 610/17.7T8CVL-B.C1.
Nesta conformidade, não se descortina como pode o apelante sequer suscitar esta questão em via de recurso.
Seja como for, improcede a exceção em análise.

3.2.2.2.5. Das inconstitucionalidades
Nas conclusões de recurso, embora de forma algo confusa, o requerido invocou diversas inconstitucionalidades.
Assim, na conclusão W, mencionou:
“W. O recurso aos indicados meios processuais para cobrança das prestações alimentícias em dívida não revela qualquer efeito útil, pois que, após o pagamento da pensão (alegadamente) devida às menores, ao Recorrente não restaria o suficiente do seu vencimento que lhe permitisse a satisfação das necessidades mais básicas da sua subsistência, sobrevindo, nestes casos, o direito do progenitor, apesar de incumpridor, a sobreviver com dignidade, reconhecimento, aliás, Constitucional, nos termos do artigo 26.º da CRP”
Mais adiante, nas conclusões GG e HH o apelante referiu:
“GG. O Tribunal a quo, na determinação do valor a imputar ao Recorrente, não podia ter-se estribado numa mera operação contabilística; bem pelo contrário, devia ter analisado as condições dos Pais, em cada momento, elaborando um juízo de equidade na determinação dos montantes, tal como impõe o referido
artigo 20.º, n.º 4 da CRP, que tivesse em linha de conta a proporcionalidade, de acordo com o artigo 18.º n.º 2 da CRP.
HH. Será justo e equitativo obrigar o Recorrente a pagar um valor que o arruinará, quando as suas filhas sempre tiveram o seu bem-estar assegurado, a sua educação e a sua saúde, também com o contributo do Pai e seus familiares? Não é justo, não é equitativo e não é proporcional!”
… para na conclusão RR. culminar tais considerações com a seguinte afirmação:
“(…) a Sentença é ilegal, violando as normas constantes nos artigos 2.º, 13.º, 18.º, n.º 2, 20.º, n.º 4, 26.º e 67.º da CRP”
E, finalmente, na al. WW das mesmas conclusões afirmar que “Caso não se considere a aplicação directa dos preceitos constitucionais supra referidos ao Recorrente, o que não defendemos em abono do princípio da aplicação directa dos Direitos Fundamentais, a que o Estado está vinculado, sempre se dirá que uma interpretação dos artigos 2003.º a 2006.º e 2009.º do Código Civil que permita, como aqui se viu e retratou, uma aplicação tout court de um regime homologado pelo Tribunal, em detrimento do acordo dos Pais e da materialidade subjacente a cada relação filial, é inconstitucional por violação dos artigos 2.º, 13.º, 18.º, n.º 2, 20.º, n.º 4, 26.º e 67.º da CRP”
As afirmações constantes das als. W, GG, e HH supratranscritas não têm qualquer sustentação no Direito constituído, na medida em que, por um lado, e ao contrário do que o requerido sustentou, não resultou provado nenhum acordo dos progenitores no sentido de reduzir o montante da prestação alimentícia devida a cada uma das filhas e que, por outro lado, a decisão apelada não estabeleceu o montante da pensão alimentícia, mas apenas se limitou a verificar as quantias globais em falta, assim determinando a medida do incumprimento do regime de prestação alimentar a que o requerido e ora apelante voluntariamente se vinculou e que nunca procurou alterar junto da única instituição que podia decidir nesse sentido – O Tribunal.
Com efeito, não será demais enfatizar e reiterar que a decisão apelada foi proferida no âmbito de um procedimento tutelar cível de incumprimento das responsabilidades parentais; que o requerido e ora apelante nunca discutiu em juízo o montante da prestação alimentícia que acordou com a requerente, e que em dado momento entendeu requerer a alteração do regime de exercício das responsabilidades parentais referentes à A … e à B …, mas apenas no sentido de alterar as regras disciplinadoras da residência das jovens e do regime de visitas às mesmas…
Acresce que, a confirmar-se a afirmação proferida pela requerente e não negada pelo requerido, de que este é advogado[51], certamente não ignoraria que lhe assistia a faculdade de requerer ao Tribunal a alteração do valor da prestação alimentícia.
Donde, sem necessidade de quaisquer outras considerações, se conclui pela improcedência da apelação, no tocante às invocadas inconstitucionalidades.

3.2.2.2.6. Do abuso do direito
Sustentou também o requerido nas conclusões II, JJ e KK:

II. O Recorrente, nesta sede, não pode deixar de assinalar que a Sentença recorrida devia ter reconhecido, assim decidindo, que, ainda que algo houvesse algum valor a pagar pelo Recorrido, o pedido da Recorrida assenta em patente Abuso de Direito, pelo que a Sentença viola, também, o artigo 334.º do Código Civil.
JJ. A Recorrida conhece todos os factos e circunstâncias referidos pelo Recorrente e tal impedi-la-ia de invocar qualquer putativo direito, considerando quer a boa-fé a que está adstrita, quer o fim social e, ou, económico do direito aqui em causa.
KK. O Recorrente cumpriu escrupulosamente tudo aquilo a que se
comprometeu, à excepção do período que se seguiu ao seu processo de tratamento à sua adição, tendo, também aí, a Recorrida aceite que o pagamento não fosse efetivado nos moldes referidos no dito “acordo”.”
Para sustentar este entendimento, diz o apelante, na motivação do recurso:
“a Recorrida invoca um falso incumprimento da prestação de alimentos e o não pagamento de responsabilidades de comparticipação de despesas escolares e de saúde a que o Recorrente estaria obrigado.
Como ficou assente, nenhum dos direitos foi violado; bem pelo contrário, o Recorrente cumpriu escrupulosamente tudo aquilo a que se comprometeu, à excepção do período que se seguiu ao seu processo de tratamento à sua adição, tendo, também aí, a Recorrida aceite que o pagamento não fosse efectivado nos moldes referidos no dito “acordo”.
Ou seja, bem sabe a Recorrida que, desde o primeiro dia, sublinhamos, o dito “acordo” seria alterado em função de cada momento. O que sucedeu.
Os factos falam por si:
(i) a Recorrida aceitou sempre que o Recorrente pagasse a prestação alimentícia conforme o que foram acordando em cada momento, como os documentos que se juntaram, aliás, provam e, para pior, (ii) não enviou os documentos relativos à educação das duas filhas, como estava obrigada a fazer para que o Recorrente estivesse “formalmente” adstrito a essa obrigação, (iii) desde Novembro de 2019 que a filha A … está mais de metade do tempo com o seu pai, pelo que se nos afigura absurdo exigir o pagamento de uma pensão de alimentos.
Se não o fez, como bem sabemos, teve um motivo (no caso, aceitável): a obrigação é inexistente, considerando que a utilização de escola privada foi opção sua, exclusivamente sua, sem que o Recorrente tivesse dado o seu aval, aceitando-o apenas porque a Recorrida aceitou suportá-la na íntegra.”
Vejamos então.
Estabelece o art.º 334º do Código Civil que “É ilegítimo o exercício de um direito, quando o titular exceda manifestamente os limites impostos pela boa fé, pelos bons costumes ou pelo fim social ou económico desse direito”.
Interpretando este preceito, diz ANTUNES VARELA[52] que “Não é necessária a consciência, por parte do agente, de se excederem com o exercício do direito os limites impostos pela boa fé, pelos bons costumes ou pelo fim social ou económico desse direito; basta que, objectivamente, se excedam tais limites”. Quer isto dizer que o Código Civil consagrou uma conceção objetiva de abuso do direito.
No que respeita aos limites impostos pela boa-fé, avulta em especial a vertente da tutela da confiança legítima. A este propósito sublinhou BAPTISTA MACHADO[53] que “Dentro da comunidade das pessoas responsáveis (ou imputáveis), a toda a conduta (conduta significativa, comunicativa) é inerente uma “responsabilidade” – no sentido de um “responder” pelas pretensões de verdade, de rectitude ou de autenticidade inerentes à mensagem que essa conduta transmite (...).
Desta “autovinculação” inerente à nossa conduta comunicativa derivam ao mesmo tempo regras de conduta básicas, também postuladas pelas exigências elementares de uma ordem de convivência e de interacção, que o próprio direito não pode deixar de tutelar, já que sem a sua observância nem essa ordem de convivência nem o direito seriam possíveis (...).
Do exposto podemos também concluir que o princípio da confiança é um princípio ético-jurídico fundamentalíssimo e que a ordem jurídica não pode deixar de tutelar a confiança legítima baseada na conduta de outrem”.
Nesta medida, ensina MENEZES CORDEIRO[54] que a figura do abuso do direito abrange uma tipologia diversificada de situações de exercício inadmissível de posições jurídicas e que compreende, nomeadamente, as seguintes modalidades:

- a exceptio doli: o exercício de uma posição jurídica poderia ser detido com a alegação de que o seu autor incorre em dolo, isto é (neste caso), defronta diretamente a boa fé;
- o venire contra factum proprium: o exercente deixa entender – ou declara – ir tomar uma certa atitude e, depois, toma atitude contrária ou diversa;
- as inalegabilidades formais: o exercente vem alegar a invalidade de um negócio jurídico por vício de forma, em termos contrários à boa fé;
- a supressio: o exercente deixa passar um tal lapso de tempo sem exercer o seu direito que, quando o faça, contraria a boa fé;
- a surrectio: por força da boa fé, o exercente vê, contra ele ou em termos que ele deva respeitar, formar-se um direito que, de outro modo, não existiria;
- o tu quoque: o exercente pratica um facto ilícito ou indevido e depois alega-o contra outrem;
- o exercício em desequilíbrio: o exercente desenvolve uma atividade danosa inútil, o exercente exige algo que deve restituir de seguida (…) ou o exercente provoca uma desproporção inadmissível entre a vantagem própria e o sacrifício que impõe a outrem.”
No caso vertente, não esclarece o requerido qual a modalidade de abuso do direito que em seu entender se verifica.
Não obstante, sempre diremos que no que respeita à comparticipação em despesas de saúde, escolares, e extracurriculares da A … e da B … não expressamente confessadas, a apreciação desta exceção mostra-se prejudicada porquanto este tribunal já conclui que nesta parte inexiste incumprimento do regime de exercício das responsabilidades parentais.
Já no que tange ao incumprimento da obrigação de pagar, na totalidade, a prestação alimentar de valor fixo, verificamos que a invocada exceção de abuso do direito assenta num quadro factual que não tem qualquer apoio na factualidade provada.
Com efeito – repete-se – não logrou o apelante provar que acordou com a requerente a redução do montante da prestação alimentícia devida às filhas de ambos, ou qualquer alteração quanto à forma de pagamento da mesma.
Donde, não se verificam os pressupostos da verificação das figuras das inalegabilidades formais (eventual acordo não sujeito à forma escrita, e não submetido a homologação judicial).
Relativamente à figura da supressio, também designada na doutrina germânica por verwirkung, como bem refere o ac. STJ 05-06-2018 (Henrique Araújo), p. 10855/15.9T8CBR-A.C1.S1, a mesma pressupõe um “comportamento reiteradamente omissivo da parte que poderia exercer o direito, seguido, ao fim de largo tempo, de um acto comissivo com que a contraparte legitimamente já não contava (…).”
Refere igualmente o STJ, no mesmo aresto:
É desnecessária a ocorrência de culpa por parte do titular, bastando a situação objetiva criada a partir da sua inércia, geradora de justificada confiança da pessoa contra quem o direito se dirigia.
Mais do que sancionar a inércia do titular do direito, o objectivo da supressio é o de proteger a legítima confiança do terceiro que, ao fim de largo tempo, é surpreendido com uma demanda que já não esperava.
O tempo necessário para que a supressio opere dependerá muito das circunstâncias que, combinadamente, contribuam para a formação do estado de confiança, variando naturalmente de caso para caso.
É possível, no entanto, estabelecer algumas referências temporais. Assim, deverá ser inferior ao prazo da prescrição, porque de outro modo perderia utilidade; deverá, por outro lado, equivaler ao período necessário para convencer um homem comum, colocado na posição do real e perante as mesmas circunstâncias, de que não mais seria exercido o direito invocado.
Conforme tem sido sublinhado pela doutrina, a supressio (tal como outras modalidades do abuso de direito) é um remédio subsidiário para uma situação extraordinária e daí que sejam necessárias todas as cautelas na sua aplicação pelos tribunais.”
Assim, constituem requisitos desta figura da supressio:
- um não-exercício prolongado do direito;
- uma situação de confiança, daí derivada;
- uma justificação para essa confiança;
- um investimento de confiança;
- a imputação da confiança ao não-exercente (neste sentido cfr. STJ 11-12-2013 (Fernandes da Silva), p. 629/10.9TTBRG.P2.S1, e RP 30-05-2017 (Vieira e Cunha), p. 15612/15.0YIPRT.P1)
Estes requisitos são de verificação cumulativa, pelo que, como refere o ac. RG 05-02-2013 (Ana Cristina Duarte), p. 4838/09.5TBBRG.G1, “o simples decurso do tempo sem o exercício de um direito não é suficiente para se poder concluir pelo abuso do direito”.
No caso vertente, é certo que a situação de incumprimento da obrigação de pagamento da prestação alimentícia de valor fixo devida à A … e da B … se prolongou durante diversos anos, sem que a requerente tivesse dado mostras de exigir judicialmente o cumprimento dessa obrigação. Com efeito, muito embora se tenha apurado que foi intentado processo judicial que em 2011 culminou num reconhecimento de dívida por parte do requerido, o qual se obrigou a pagar à requerente a quantia global de € 29.616,54, o requerido não pagou tal quantia[55], não se tendo apurado que até à propositura do presente procedimento a requerente tivesse tomado qualquer providência no sentido de obter o pagamento coercivo desse montante.
Contudo, cumpre sublinhar que as prestações alimentícias em questão são devidas à A … e à B …, pelo que um eventual abuso do direito não poderia reportar-se exclusivamente à inércia da requerente, sendo que durante a menoridade das filhas do requerido a inércia das mesmas é irrelevante.
Acresce ainda que a factualidade apurada não permite concluir pela verificação dos pressupostos da situação de confiança, da justificação para essa mesma confiança, do investimento de confiança e da imputação dessa confiança às não exercentes.
Finalmente, sempre se dirá que sendo o direito a alimentos irrenunciável, o não exercício do mesmo não é suscetível de ferir a Boa-Fé, pelo que não gera situações de supressio – Neste sentido cfr. acs. RG 22-10-2020 (Mª da Conceição Sampaio), p. 2216/19.7T8BCL.G1; e RC 08-03-2022 (Cristina Neves), p. 610/17.7T8CVL-B.C1
E tanto bastaria para concluir pela não verificação de uma situação de supressio.
Poderia, não obstante, hipotizar-se a verificação de uma situação de exercício em desequilíbrio.
Com efeito, assentando no exercício de um direito que excede manifestamente os limites impostos pela boa-fé, os bons costumes ou o fim social ou económico do direito, o funcionamento do instituto do abuso do direito pressupõe o reconhecimento de uma relação de desequilíbrio entre o exercício de determinado direito, e um daqueles limites.
No abuso do direito verifica-se assim um sacrifício desproporcional de um dos mencionados valores.
A verificação de uma tal situação traz à colação a necessidade de aplicação de um teste de proporcionalidade, fortemente inspirado pelo regime do art.º 18º da Constituição da República e por diversas disposições da Convenção Europeia dos Direitos Humanos (cfr. v.g. os arts. 8º, nº 2; 9º, nº 2; 10, nº s; 11º, nº 2).
Esse teste de proporcionalidade é igualmente aflorado em inúmeras disposições do Código Civil (v.g., os arts. 566º, nº 1, parte final; 802º, nº 2; e 829º, nº 2), e pode concretizar-se nos seguintes critérios decisórios: a necessidade, a adequação, a justa medida (proporcionalidade stricto sensu), e o interesse legítimo.
Desta forma, será ilegítimo o exercício de um direito, que contrariando um dos seus critérios específicos (boa fé, bons costumes, finalidade económica ou social), revele, em concreto e atendendo à globalidade das circunstâncias, que o benefício decorrente desse direito é injustificadamente desproporcional relação ao sacrifício que para a contraparte representa a estrita observância do correspondente dever, não se revelando aquele ou este como necessários, adequados, na justa medida e para assegurar interesses legítimos.
Ora, no caso vertente, não descortinamos na factualidade provada, quaisquer elementos que nos permitam considerar verificada essa desproporção.
É certo que, no que se refere à alteração do regime de residência da jovem A …, se apurou que a partir de novembro de 2019 a mesma passaria a residir de forma alternada entre a casa de ambos os progenitores[56]. Contudo, não obstante essa alteração, expressamente acordada em conferência que teve lugar no Tribunal, a requerente e o requerido não manifestaram qualquer acordo no sentido de alterarem também o regime da prestação de alimentos à mesma jovem, sendo certo que nenhuma disposição legal impunha a redução do montante desta prestação como mero efeito automático da alteração do regime de residência daquela jovem.
Ora, essa alteração foi manifestada perante juiz de Direito, que a homologou, num primeiro momento enquanto alteração provisória[57] e, mais tarde, na sequência de manifestações de vontade de ambos os progenitores, a título definitivo[58].
Nessas circunstâncias, uma tal alteração apenas poderia considerar-se desproporcionada e contrária aos limites da boa-fé se o apelante tivesse logrado demonstrar que a mesma implicaria para si um esforço financeiro desproporcionado.
Um tal juízo dependeria do apuramento detalhado da sua atual situação financeira, em confronto com a situação financeira da requerente, ou seja, pressupunha a determinação dos rendimentos e despesas do agregado familiar de cada um.
No caso dos autos a factualidade provada não permite de forma alguma considerar esclarecidos tais aspetos, desde logo porque nada se apurou relativamente aos rendimentos e despesas da requerente.
Não se verifica, por isso, uma situação de exercício em desequilíbrio.
Conclui-se, por isso, pela improcedência da exceção de abuso do direito.

3.2.2.2.7. Do montante global das prestações alimentares em falta e do pagamento coercivo das mesmas
Aqui chegados, podemos concluir que o requerido não cumpriu as obrigações alimentares a que estava vinculado, no que respeita às prestações que foram objeto de confissão expressa, nos termos expostos no ponto 10 dos factos provados, e que perfazem a quantia global de € 29.616,54.
Por outro lado, já constatámos que relativamente à obrigação de reembolso de 50% das despesas escolares, de saúde e atividades extracurriculares da A … e da B … posteriores à declaração confessória que emitiu, não pode considerar-se verificado qualquer incumprimento, na medida em que a exigibilidade de tais obrigações pressupunha a observância, por parte da requerente, do ónus de interpelação do requerido e apresentação de documentos comprovativos das despesas – cláusula 8ª do acordo e pontos 78 a 83 dos factos provados.
Cumpre assim determinar se deve considerar-se incumprida a obrigação de pagar a prestação alimentícia de montante fixo relativa aos meses de março de 2011 a novembro de 2022.
Neste particular, a factualidade provada permite concluir que o requerido se acha em falta quanto aos seguintes montantes, relativos aos anos de 2011 a 2023:
a. 2011: (período de março a dezembro): € 2.800,00[59].
b. 2012: € 3.350 [pagou € 5.050[60], deveria ter pago € 8.400]
c. 2013: € 700 [pagou € 7.700[61], deveria ter pago € 8.400]
d. 2014: € 1.800 [pagou € 6.600[62], deveria ter pago € 8.400]
e. 2015: € 2.025 [pagou € 6375[63], deveria ter pago € 8.400]
f. 2016: € 1.200 [pagou € 7200[64], deveria ter pago € 8.400]
g. 2017: € 700 [pagou € 7.700[65], deveria ter pago € 8.400]
h. 2018: € 1.400 [pagou € 7.000[66], deveria ter pago € 8.400]
i. 2019: € 2.800 [pagou € 5.600[67], deveria ter pago € 8.400]
j. 2020: € 3.450 [pagou € 4.950[68], deveria ter pago € 8.400]
k. 2021: € 3.500 [pagou € 4.900[69], deveria ter pago € 8.400]
l. 2022: € 5.200 [pagou € 3.200[70], deveria ter pago € 8.400]
m. 2023: € 7.700 [estão em, causa 11 meses, não se tendo apurado qualquer pagamento].
… num total de € 36.625,00.

3.2.2.2.8. Das consequências do incumprimento
3.2.2.2.8.1. Considerações gerais
Aqui chegados, cumpre apreciar as consequências do incumprimento.
Com efeito, do disposto no art.º 41º do RGPTC decorre que este procedimento visa:
- a determinação das diligências necessárias para o cumprimento coercivo das obrigações parentais incumpridas;
-  e a condenação do remisso em multa;
- indemnização a favor da criança, do progenitor requerente ou de ambos.
Como bem aponta o ac. RG 19-10-2017 (Mª João Matos), p. 1020/12.8TBVRL-E.G1 no caso do procedimento de incumprimento das responsabilidades parentais “Está-se perante um processo cautelar cível que consubstancia um misto de actividade declarativa e de actividade executiva: pretende-se apurar, em primeiro lugar, se existe ou não o incumprimento (seja sobre o destino da criança, convívio, ou prestação de alimentos); e, em segundo lugar, determinar a realização das diligências coercivas necessárias para o cumprimento coercitivo do acordo ou da decisão de regulação do exercício das responsabilidades parentais.”

3.2.2.2.8.2. Medidas coercivas
A primeira das consequências do reconhecimento judicial deste incumprimento, no âmbito do presente procedimento de incumprimento das responsabilidades parentais é a determinação de diligências com vista ao cumprimento coercivo das obrigações parentais incumpridas.
Não se trata por isso, de proferir uma decisão meramente declarativa, ou de simples apreciação ou mesmo uma mera decisão condenatória, como fez o Tribunal a quo, ao condenar o requerido a pagar a quantia liquidada a título de alimentos devidos e não pagos.
Trata-se, isso sim, de determinar a realização de medidas coercitivas.
Neste particular sustenta TOMÉ D’ ALMEIDA RAMIÃO[71] que “(…), tratando-se apenas de incumprimento quanto à prestação de alimentos, importa considerar o disposto no art.º 48.º, que prevê o modo de cobrança coerciva dos alimentos vencidos e vincendos, através do desconto no vencimento ou outros rendimentos do devedor. Por isso, estando em causa apenas essa questão, é diretamente aplicável esse preceito, não o processamento deste incidente”.
Em sentido idêntico aponta o ac. RE 10-05-2018 (Tomé Ramião), p. 77/09.3TBALR-B.E1.
Porém, e por um lado, o mecanismo do art.º 48º do RGPTC não prevê a condenação do remisso em multa e indemnização a favor da criança, e, por outro, nem sempre o mecanismo previsto no art.º 48º do RGPTC constitui uma resposta adequada com vista ao cumprimento coercivo das obrigações alimentares em falta - basta que o remisso não trabalhe por conta de outrem (no setor público ou privado), nem aufira “pensões, subsídios, comissões, percentagens, emolumentos, gratificações, comparticipações ou rendimentos semelhantes” para que as medidas previstas neste preceito se revelem absolutamente inadequadas ao pretendido fim de obter o pagamento coercivo das prestações alimentares em falta.
Seja como for, nada obsta a que na procedência de um incidente de incumprimento das responsabilidades parentais de natureza alimentar, o Tribunal lance mão dos mecanismos previstos no art.º 48º do RGPTC.
No caso vertente tal releva sobremaneira porquanto, os autos indiciam que o mesmo trabalha efetivamente por conta de outrem[72] e/ou que é advogado de profissão[73].
Não se mostra, por isso, inviável que o Tribunal a quo diligencie pelo pagamento coercivo do montante global já apurado, relativo a prestações alimentares vencidas e não pagas, utilizando os mecanismos consagrados no já referido art.º 48º do RGPTC.
Justifica-se, por isso alterar a decisão apelada no sentido de, em lugar da condenação do requerido a pagar à requerida a quantia global em falta, se determinar a realização pelo Tribunal a quo das diligências tidas por convenientes quanto ao pagamento coercivo desse montante, nos termos previstos no art.º 48º do RGPTC.

3.2.2.2.8.3 Multa
Nos termos do disposto no art.º 41º, nº 1, parte final do RGPTC, concluindo pela verificação de incumprimento de regime de exercício das responsabilidades parentais pode o Tribunal condenar o remisso em multa até vinte unidades de conta (UCs) e, verificando-se os respetivos pressupostos, em indemnização a favor da criança, do progenitor requerente ou de ambos.
No caso vertente, o Tribunal a quo julgando verificado o incumprimento das obrigações alimentares a que estava obrigado, condenou o requerido em multa no valor de 4 UCs, mas não no pagamento de indemnização a favor das filhas.
O requerido insurge-se contra tal entendimento, considerando não dever ser sancionado, por não ter incorrido em incumprimento.
Por seu turno, a requerente pugnou pela condenação do requerido quer no pagamento de multa, quer em indemnização a favor das filhas de ambos.
Vejamos então.
Como já referimos, o incumprimento das responsabilidades parentais depende da verificação de três requisitos:
a) A inobservância, por um dos progenitores, de obrigação emergente do regime de exercício das responsabilidades parentais
d) A imputabilidade de tal inobservância ao mesmo progenitor, a título de dolo ou negligência;
e) Uma certa gravidade/relevância desse incumprimento, aferida à luz do superior interesse da criança.
Por outro lado, alguma jurisprudência tem entendido que no tocante à condenação em multa, atento o seu caráter sancionatório, apenas relevam comportamentos dolosos.
Neste sentido apontou o ac. RG 23-02-2017 (Fernando Fernandes Freitas), p. 23/14.2T8VCT-A.G1:
“Atento o teor do artigo 41.º, n.º 1, do actual Regime Geral do Processo Tutelar Cível, continua válido e actual o entendimento, que era uniforme, de que só o incumprimento grave e reiterado do progenitor remisso justifica que seja condenado em multa, somente relevando, quanto à culpa, o dolo no incumprimento (…). E quanto à culpa também só releva o dolo no incumprimento, ou seja, as situações em que o incumpridor quis realizar o facto ilícito (dolo directo); ou, não o querendo realizar directamente, o previu como uma consequência necessária da sua conduta mas, apesar disso, não a alterou (dolo necessário); ou ainda, não querendo realizar directamente o facto ilícito, previu-o como uma consequência possível (dolo eventual), mas, mesmo assim, aceitou-o.”
No caso vertente, atento o caráter reiterado do comportamento do requerido, e a circunstância de o mesmo ter chegado a reconhecer o incumprimento das responsabilidades alimentares, persistindo posteriormente no mesmo comportamento, sem que se tenha apurado qualquer circunstância que o justificasse, afigura-se que o mesmo atuou pelo menos com dolo necessário.
Por outro lado, como considerou o Tribunal a quo, “No que respeita à culpa, também não se afigura que a mesma seja diminuta, pois que ainda que o Requerido tenha alegado dificuldades financeiras, a verdade é que, a ser assim, podia e devia ter requerido, oportunamente, a alteração da regulação das responsabilidades parentais acordada, no que aos alimentos respeita, e não o fez, remetendo-se à posição confortável de ir pagamento o que entendia ser devido.” Aliás, a factualidade provada não revela que o requerido tenha enfrentado dificuldades financeiras que o hajam impedido de cumprir, total ou parcialmente, as suas obrigações alimentares relativas à A … e à B ….
Nesta conformidade, conclui este Tribunal, como o fez Tribunal a quo, que o requerido deve ser condenado em multa.
Quanto à determinação da medida concreta da multa a aplicar, haverá que atender ao grau de culpa do progenitor remisso, e às consequências do seu comportamento, sendo certo que o Tribunal da Relação só deve alterar o montante da multa aplicada se, considerando as circunstâncias do caso, o tiver por desproporcionado.
Ora, no caso em apreço, e por um lado, importa considerar, que o comportamento relapso do requerido se prolongou consideravelmente no tempo, mas que se traduziu, as mais das vezes, por omissões parciais de pagamento das prestações alimentares de montante fixo[74]. Contudo, e por outro lado, há que reconhecer que não se apuraram factos que indiciem e muito menos demostrem que o incumprimento do requerido tenha causado uma situação de perigo concreto relativamente à satisfação das necessidades da A … e da B …, ou seja que em consequência deste incumprimento, as mesmas tenham passado por dificuldades, no tocante à satisfação das suas necessidades de habitação, saúde, educação, ou vestuário.
Assim, tendo o Tribunal a quo fixado a medida concreta da multa em 4 Unidades de Conta, ou seja 1/5 do seu limite máximo, não encontra este Tribunal motivo para considerar desproporcionado o montante da multa aplicada ao requerido.

3.2.2.2.8.4. Indemnização
Relativamente à indemnização a favor da A … e da B …, considerou o Tribunal a quo, com total acerto, que o direito a indemnização emergente de incumprimento das responsabilidades parentais depende da verificação de um dano na esfera jurídica do credor de alimentos, que seja consequência direta e necessária do incumprimento do regime de exercício das responsabilidades parentais.
Na verdade, a obrigação de indemnizar se constitui quando se verifiquem todos os pressupostos da responsabilidade civil extracontratual, ou seja, quando para além do comportamento ilícito e culposo do remisso que configura incumprimento das responsabilidades parentais, a factualidade apurada permita concluir pela verificação de danos na esfera jurídica da criança e de um nexo de causalidade e adequação entre tais danos e o comportamento ilícito e culposo do remisso. Neste sentido cfr., entre outros, os seguintes acórdãos:
- RG 26-10-2017 (Raquel Tavares), p. 2416/15.9T8BCL-C.G1;
- RG 25-01-2024 (Joaquim Boavida), p. 4094/20.4T8GMR-N.G1;
- RG 06-06-2024 (Ana Cristina Duarte), p. 26/14.7TBEPS-U.G1;
Ora, como evidencia o Tribunal a quo, no caso vertente não se apurou qualquer dano sofrido pela A … e pela B … em consequência do incumprimento imputável ao requerido.
Tanto basta para concluir, como fez o tribunal a quo, pela improcedência do pedido de condenação do requerido em indemnização a favor da B … e da A ….

3.2.2.2.9. Litigância de má-fé
Estabelece o artigo 542º, nº 1 do CPC que, tendo litigado de má-fé, a parte será condenada em multa e numa indemnização à parte contrária, se esta o pedir.
Por seu turno, o n.º 2 do mesmo preceito qualifica como consubstanciadores de litigância de má-fé os seguintes comportamentos processuais, praticados com dolo ou negligência grave:
a) dedução de pretensão ou oposição cuja falta de fundamento a parte não devia ignorar;
b) alteração da verdade os ou omissão de factos relevantes para a decisão da causa;
c) omissão grave do dever de cooperação;
d) uso manifestamente reprovável do processo ou dos meios processuais, com o fim de conseguir um objetivo ilegal, impedir a descoberta da verdade, entorpecer a ação da Justiça ou protelar, sem fundamento sério, o trânsito em julgado da decisão.
Numa primeira aproximação ao conceito, diremos que a litigância de má fé constitui uma forma qualificada de violação dos deveres da cooperação consagrados nos arts. 7º e 417º do CPC, e da boa-fé processual, consagrado no art.º 8º do mesmo código, dos quais decorrem os deveres de lealdade e probidade – Neste sentido cfr. CASTRO MENDES e TEIXEIRA DE SOUSA[75]; e FRANCISCO FERREIRA DE ALMEIDA[76].
Contudo, poder-se-ia questionar se as situações de litigância de má-fé negligente configuram violações do dever de boa-fé processual, ou meras formas qualificadas[77] de inobservância de um dever geral de diligência processual.
Procurando densificar o conceito de negligência grave no contexto da litigância de má-fé ensina ABRANTES GERALDES:[78]
“Reportando-se ao regime anterior, A. Reis[79] dividia em 4 os tipos de conduta processual:
a) Lide cautelosa;
b) Lide simplesmente imprudente;
c) Lide temerária;
d) Lide dolosa.[80]
Embora o referido processualista concluísse que só a derradeira categoria merecia ser considerada como integrante da litigância de má fé, não deixava de caracterizar cada uma das outras, revelando ensinamentos que ainda hoje permanecem actuais.
Assim, aceitando essa doutrina, verifica-se a primeira espécie quando a parte esgotou todos os meios para se assegurar de que tinha razão e, apesar disso, viu inviabilizada a sua pretensão ou oposição.
Na segunda, a parte cometeu imprudência leve ou levíssima, por isso injustificando qualquer consequência, mesmo que se possa considerar ter agido sem a prudência normal.
Já na terceira categoria, a parte, embora convencida da sua razão, incorreu em erro grosseiro ou culpa grave, ajuizando a acção ou a defesa com desconsideração de motivos ponderosos, de facto ou de direito, que comprometiam a sua pretensão.
Por último, na lide dolosa, a parte, apesar de estar ciente de que não tinha razão, litigou e deduziu pretensão ou oposição conscientemente infundada.
Como é evidente, tanto a primeira como a segunda das categorias enunciadas por A. Reis devem continuar afastadas da aplicação do sancionamento especial, por se inserirem ainda no exercício legítimo do direito de acção ou de defesa.
Inalterada fica também a integração na norma sancionadora das condutas caracterizadas pelo dolo ou pela convicção de que se litiga infundadamente.
Resta, pois, averiguar qual o âmbito de aplicação das situações agora retratadas como de litigância gravemente negligente ou culposa.
Na falta de meios auxiliares da interpretação da norma extraídos do próprio diploma, a par dos seus antecedentes históricos e da delimitação dos conceitos de litigância dolosa e de litigância culposa que a doutrina e jurisprudência foram elaborando, não será de todo desajustado o recurso suplementar a outros campos do sistema jurídico, a fim de neles encontrar linhas de rumo que ajudem o intérprete nesta primeira fase de aplicação do novo preceito.
É assim que se torna útil recorrer aos conceitos de dolo e de negligência tal como são tratados no âmbito do Direito das Obrigações ou de Direito Criminal.
Como refere a doutrina civilista apregoada, entre outros, por A. Varela, nas condutas dolosas, geradoras de responsabilidade civil, integram-se o dolo directo (em que o agente prefigura determinado efeito d seu comportamento e quer esse efeito como fim da sua actuação), o dolo necessário (em que o agente, não querendo directamente o facto ilícito, prevê-o como consequência necessária e segura da sua conduta) e o do eventual (caracterizado pelo facto de o agente prever a produção do facto: ilícito como consequência possível da sua conduta, conformando-se com. o resultado).
Já na negligência se procede a uma divisão entre negligência consciente e inconsciente.
Na primeira, o agente prevê a produção do facto ilícito como resultado possível, mas, por leviandade, precipitação, desleixo ou incúria, cri na sua não verificação, ao passo que na negligência inconsciente o agem. não se apercebe, devendo fazê-lo, do resultado da sua conduta, por imprevidência, imperícia, descuido ou inaptidão.
Recorrendo ainda, antes de avançar, ao modo como no direito criminal tem sido tratada esta questão, as situações de culpa grave ou de negligência grosseira resultam, no entender de Maia Gonçalves:
- a “falta das precauções exigidas pela mais elementar prudência ou das aconselhadas pela previsão mais elementar que devem ser observadas nos usos correntes da vida”;
- Ou de “uma conduta de manifesta irreflexão ou ligeireza, tomando para tanto, como ponto de referência a precaução ou a previsão de um homem normal, do homem médio suposto pela ordem jurídica”.
São estes elementos suficientes para que, com as devidas adaptações, se definam, no que respeita aos comportamentos processuais, aqueles que devem integrar-se na litigância dolosa, mais grave e, por conseguinte, punida com multa mais elevada, dos que devem ser inseridos n_ negligência grave ou grosseira, com menor grau de reprovabilidade reflectido igualmente no doseamento da sanção cível. Destes comportamentos devem separar-se as acções ou omissões que, embora censuráveis, não atinjam uma tal gravidade que mereça especial reprovação correspondente à litigância de má fé.
Por conseguinte, recorrendo mais uma vez à doutrina e à jurisprudência que anteriormente foi produzida a este respeito, parecem-nos passíveis de integrar o conceito de negligência grave, para efeitos de litigância de má fé, as seguintes situações, sem prejuízo de uma apreciação casuística que, em concreto, permita dar relevância positiva ou negativa ao circunstancialismo verificável:
- A lide temerária ou ousada;[81]
- A teimosia manifestamente infundada em defender uma posição até ao STJ, depois de ter sido rejeitada pelas instâncias;[82]
- O que demanda por mero capricho, com espírito de emulação ou com erro grosseiro;[83]
- A lide leviana ou imprudente;[84]
- A falta grave do dever de diligência;
- A pertinaz e contundente oposição, clara e decisivamente infundada, por incorrecta interpretação e aplicação da lei e por desajustamento aos factos provados;[85]
- A pretensão ou defesa manifestamente inviáveis, constitutivas do abuso do direito de acção; [86]
- A deficiência técnica grave. [87]
Manter-se-ão no conceito de litigância dolosa comportamentos que já antes assim eram considerados, tais como:
- A parte litiga sabendo que não tem razão;[88]
- A parte que apresenta uma versão do acidente que sabe ser falsa.[89]
No caso em apreço, o requerido sustenta que a requerente litiga de má-fé, remetendo para os argumentos expendidos a propósito da exceção de abuso do direito[90], sem aduzir qualquer outro argumento, nomeadamente, não explicando se em seu entender a requerente atuou de forma dolosa ou gravemente negligente, ou concretizar em qual ou quais das als. do nº 2 do art.º 542º do CPC subsume o comportamento processual da requerente. Aliás, o requerido não explica sequer qual ou quais o(s) concreto(s) atos praticados pela requerente que em seu entender consubstanciam litigância de má-fé.
Seja como for, o certo é que não descortinamos motivo para enquadrar o comportamento processual da requerente no âmbito de qualquer uma das alíneas do nº 2 do art.º 542º do CPC.
Termos em que se tem por não demonstrada a invocada litigância de má-fé por parte da requerente.

3.2.3. Das custas
Nos termos do disposto no art.º 527º, nº 1 do CPC, “A decisão que julgue a ação ou algum dos seus incidentes ou recursos condena em custas a parte que a elas houver dado causa ou, não havendo vencimento da ação, quem do processo tirou proveito”.
No caso em apreço, face à parcial procedência de ambos os recursos, as custas inerentes a cada um deles deverão ser suportadas por ambos os litigantes, na proporção dos respetivos decaimentos.

4. Decisão
Pelo exposto, acordam os juízes desta 7ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa em:
4.1. Julgar a apelação interposta pelo requerido parcialmente procedente,
4.1.1. Alterando a sentença recorrida, que consta do 1º parágrafo do seu dispositivo, nos seguintes termos:
4.1.1.1. Julgando verificado o incumprimento das responsabilidades parentais, considerando devida e não paga a esse título a quantia global de € 66.241,00 (sendo € 29.616,00 a título de prestações alimentícias de montante fixo e comparticipação em despesas de saúde, educação e extracurriculares devidas às jovens B … e A … relativas ao período decorrido até 10-03-2011, e € 36.625,00 a título de prestações alimentícias de montante fixo respeitantes às mesmas jovens, respeitantes ao período decorrido desde 10-03-2011 até à data da propositura do presente incidente de incumprimento);
4.1.1.2. Determinando que o Tribunal a quo diligencie no sentido de tornar efetiva a prestação de alimentos, nos termos previstos no art.º 48º do RGPTC;
4.1.2. Confirmando, o decidido no segundo parágrafo da sentença apelada (nomeadamente no que respeita à multa em que o requerido foi condenado, e à sua absolvição relativamente ao pedido de condenação em indemnização a favor das filhas).
4.2. Julgar a apelação interposta pela requerente prejudicada no tocante à condenação do requerido em multa, e improcedente no que respeita à condenação do requerido em indemnização a favor das filhas de ambos.
Custas em ambas as apelações por apelante/a e apelada/o, na proporção dos respetivos decaimentos.
Valor do incidente: o fixado na sentença apelada.

Lisboa, 25 de março de 2025
Diogo Ravara
Paulo Ramos de Faria
Rute Lopes
_______________________________________________________
[4] Titular do nº de identificação civil ….
[5] subsequentemente apreciada, tendo o Tribunal a quo julgado esta exceção improcedente.[5]
[6] Refªs 148515923 e 148613167, ambas de 16-01-2024.
[7] Refª 24964668/47870828, de 05-02-2024.
[8] Refª 8860091, de 08-10-2019.
[9] Estas conclusões correspondem, textualmente, às conclusões 7ª a 18ª do recurso anteriormente apresentado, sendo que as conclusões 1ª a 6ª versavam sobre a nulidade da sentença que o Tribunal a quo supriu.
[10] Neste sentido cfr. Abrantes Geraldes, “Recursos no Novo Código de Processo Civil”, 5ª Ed., Almedina, 2018, pp. 114-116.
[11] Vd. Abrantes Geraldes, ob. cit., p. 116.
[12] Vd. conclusão 9ª do recurso da requerida.
[13] As conclusões identificadas por letras reportam-se ao recurso do requerido, ao passo que as identificadas por algarismos dizem respeito ao recurso da requerente.
[14] O ponto 1 da matéria de facto que consta da sentença apelada continha um lapso de escrita, porquanto ali constava que a A … nasceu em 02-12-2002, quando a mesma nasceu em 02-12-2004. Trata-se de um lapso manifesto, dado que, como se alcança da leitura da certidão do assento de nascimento da mencionada jovem, constante dos autos de alteração da regulação do exercício das responsabilidades parentais por apenso à qual corre o presente procedimento tutelar cível de incumprimento (refª …13, de 057-05-2021), a A … nasceu em 02-12-2004.Aliás no dispositivo da sentença apelada consta a correta data de nascimento da A ….
[15] Retificámos a numeração do elenco de factos provados, porquanto a numeração constante da sentença apelada padece de lapso, visto que a seguir ao ponto 36 consta um novo ponto 35, e um novo ponto 36. Desse lapso resultava que o elenco de factos provados da sentença apelada, que tem 91 pontos tivesse sido numerado de 1 a 89, com dois pontos 35 e dois pontos 36.
[16] “Direito processual civil”, II vol., AAFDL, 1987, p. 187.
[17] “Processo Civil declarativo”, 2ª ed., Almedina, 2018, p. 75.
[18] “Elementos de direito processual civil – Teoria geral – Princípios – Pressupostos”, Universidade Católica Portuguesa Editora – Porto, 2014, p. 164
[19] “Código de Processo Civil Anotado”, vol. I, Almedina, 2018, p. 59.
[20] Ao contrário do que a decisão recorrida parece pressupor, uma vez que apenas invoca um aresto que concluiu no sentido interpretativo que propugna, sem mencionar a existência de acórdãos em sentido diverso.
[21] “Código Civil Anotado”, Vol. I, Coimbra Ed., 1987, p. 62.
[22] “A tutela (jurisdicional) do direito a alimentos dos filhos maiores que ainda não concluíram a sua formação profissional”, in JULGAR ONLINE, março de 2018, pp. 12-13, disponível em http://julgar.pt/wp-content/uploads/2018/03/20180329-ARTIGO-JULGAR-Direito-a-alimentos-dos-filhos-maiores-que-ainda-n%C3%A3o-conclu%C3%ADram-forma%C3%A7%C3%A3o-profissional-Gon%C3%A7alo-Oliveira-Magalh%C3%A3es.pdf.
[23] CEJ, 2017, pp. 63-64, disponível em http://www.cej.mj.pt/cej/recursos/ebooks/familia/eb_familia_criancas_as_novas_leis_resolucao_questoes_praticas.pdf.
[24] Ponto 1 dos factos provados.
[25] Vd. requerimento inicial, refª 22275471/44025958.
[26] Vd. art. 20º, al. b) do referido requerimento, e documentos juntos com o requerimento de 08-12-2022, onde se referenciam despesas relativas à A …, relativas a propinas da Faculdade de Ciências da Universidade Nova de Lisboa.
[27] “Regulação do Exercício do Poder Paternal nos Casos de Divórcio”, 7ª ed., Almedina, 2002, p. 160. A autora não manifesta expressamente ta posição, mas refere que a mesma tem sido seguida na jurisprudência, não acrescentando qualquer comentário crítico, pelo que depreendemos que concorda com tal entendimento.
[28] Vd. pontos 2 a 5 dos factos provados e documento junto com o requerimento inicial.
[29] “Tratado de Direito Civil”, vol. V, 2ª ed., 2015, pp. 207-209.
[30] “Prescrição extintiva e Caducidade”, in Boletim do Ministério da Justiça n.º 106 (maio de 1961), pp. 164-170.
[31] “Código Civil Anotado”, vol. I, 4ª ed. (reimpressão) , Coimbra Editora, 2010, p. 288.
[32] “Notas ao Código Civil”, vol. II, 1988, pp. 87-88
[33] “Teoria Geral do Direito civil”, 7ª edição, Almedina, 2012, p..
[34] “Prescrição e Caducidade”, Coimbra Editora, 2008, pp. 122-124.
[35] Cfr. refª …59.
[36] O requerido foi notificado por meio de carta expedida em 10-01-2023 (refª …59), que recebeu em 18-01-2023 (vd. despacho com a refª …78, de 27-02-2023).
[37] A referida jovem nasceu em 02-12-2004, tendo por isso completado 19 anos em 02-12-2023.
[38] Vd. conclusões F a I do recurso do requerido.
[39] Vd. pontos 2 a 5 dos factos provados e documento junto com o requerimento inicial.
[40] Pontos 82 e 83 dos factos provados.
[41] Ponto 10 dos factos provados, e documento nº 3 junto com o requerimento inicial.
[42] Pontos 69 a 72 dos factos provados.
[43] Ponto 72 dos factos provados.
[44] Vd. al. C) da motivação do recurso, intitulada “Da evolução das responsabilidades parentais”, e conclusões J a N.
[45] Ao que sabemos, inédito.
[46] Pontos 12 e 13 dos factos provados, e ata de conferência com a refª 110918846.
[47] Pontos 15 e 16 dos factos provados, e ata de conferência com a refª 118024510.
[48] Ponto 90 dos factos, e ata de audiência final com a refª 122474421.
[49] Vd. sentença com a ref.ª 128619858, de 11-01-2021.
[50] Com efeito, apenas se apurou que “no decurso de um processo” (desconhece este Tribunal que processo foi esse) “encetaram negociações” e que “no âmbito dessas negociações foi proposto” (desconhecendo este Tribunal quem propôs) “a redução da prestação alimentícia para 250,00€, redução que não chegou a ser plasmada em acordo assinado por ambas as partes e submetido ao Tribunal para homologação” – Pontos 8 e 9 dos factos provados. Em rigor nem sequer se apurou que tal proposta tenha sido aceite. Ou seja, não se provou sequer que os progenitores tenham acordado a acordar na redução da prestação alimentícia.
[51] Vd. art. 98º das alegações apresentadas pela requerente em 26-05-2023, refª 23446892/45692110.
[52] “Das obrigações em geral”, 7ª Ed., p. 536.
[53] RLJ, ano 119, p. 232.
[54] “Teoria Geral do Direito Civil”, AAFDL, 1989, pp.372-383. Para uma análise detalhada de cada um dos tipos de atos abusivos cfr. do mesmo autor, “Tratado de Direito Civil”, V, 2ª ed., Almedina, 2015, pp. 295-381.
[55] Pontos 10 e 11 dos factos provados.
[56] Ponto 90 dos factos provados.
[57] Vd. ata com a refª 122474421, de 26-11-2019.
[58] Cfr. sentença com a refª 128619858, de 11-01-2021.
[59] Correspondente aos meses de março, abril, agosto, e outubro - ponto 24 dos factos provados.
[60] Pontos 27 a 35 dos factos provados.
[61] Pontos 36 a 38 dos factos provados.
[62] Pontos 39 a 41 dos factos provados.
[63] Pontos 42 a 45 dos factos provados.
[64] Pontos 46 a 48 dos factos provados.
[65] Pontos 49 e 50 dos factos provados.
[66] Pontos 51e 52 dos factos provados.
[67] Pontos 53 e 54 dos factos provados.
[68] Pontos 55 e 56 dos factos provados.
[69] Pontos 57 a 59 dos factos provados.
[70] Pontos 60 e 61 dos factos provados.
[71] “Regime Geral do Processo Tutelar Cível”, 2ª ED., Quid Juris, p. 154.
[72] Cfr. informação constante da base de dados da Segurança Social com a refª 22514210, de 10-01-2023.
[73] Art. 56º do requerimento da requerente com a refª 22791566/44760881, de 17-02-2023, e art. 98º das alegações apresentadas pela requerente em 26-05-2023, refª 23446892/45692110. Note-se que o requerido nunca negou ser advogado de profissão.
[74] Recordamos que, no tocante às obrigações alimentares de valor variável, não pode considerar-se verificado o incumprimento, atenta a inexigibilidade decorrente da falta de interpelação e prova das despesas, pela forma estipulada no regime de exercício das responsabilidades parentais..
[75] “Manual de processo civil”, vol. I, AAFDL, 2022, pp. 104.
[76] Ob. e vol. cits., pp. 137 ss., em especial p. 142.
[77] Qualificadas, porque só a negligência grave carateriza a litigância de má-fé.
[78] “Temas Judiciários”, Almedina, 2000, pp. 314-318.
[79] In CPC anot., vol. II, pág. 262.
[80] Sobre a distinção entre as diversas modalidades de litigância, cfr. o Ac. do STJ de 20-6-90 in Act. Jurídica, nºs 10/11, pág. 28, segundo o qual “ lide pode ser cautelosa, esgotando-se os meios para assegurar a defesa da posição assumida; pode ser imprudente, pode ser temerária, em que há culpa grave ou erro grosseiro, e pode ser dolosa, quando se pratica facto que merece censura e condenação, litiga-se, apesar de se saber que se não tem razão”.
[81] Afastada, na altura, pelo Ac. do Trib. Const., de 20-11-91, in BMJ 411.°/611, pelo Ac. de 22-10-91, in BM.I 410.°/828, pelo Ac. do STJ.de 4-10-88, in BMJ 377.º/554, e pelo Ac. da Rei. do Porto, de 1-10-92, in CJ, tomo IV, pág. 242.
Mas se, apesar da ousadia, a parte está honestamente convencida da sua razão, não deverá ser condenada, como, aliás, o julgou o Ac. da Rei. do Porto, de 24-11-76, in CJ, tomo III, pág. 708.
[82] Na altura, afastada pelo Ac. do STJ, de 7-2-91, in BMJ 404.º/351
[83] Apontada por A. Reis como uma das situações que eram abarcadas por outros sistemas que puniam a culpa grave - in CPC anot, vol. II, pág. 257.
[84] Afastada, na altura, pelo Ac. da Rel. de Évora, de 23-1-86, in BMJ 355.º/455
[85] Julgada insuficiente no Ac. do STJ. de 14-10-84, in RLJ, ano 114.°, págs. 310, e no BMJ 296.7173.
[86] Já então considerada pelo Ac. da Rel. de Évora, de 13-6-85, in BMJ 350.º/405.
[87] Parece-nos que o caso analisado no Ac. do STJ, de 29-11-93, in BMJ 429.º/750, em que uma parte instaura, por apenso ao processo, uma execução contra o próprio juiz “para prestação de facto” consistente no cumprimento de uma decisão do tribunal superior, insistindo, depois, até ao STJ, retrata uma caso de flagrante litigância de má fé fundada em negligência grave, se não mesmo em dolo.
[88] 516    Ac. do STJ, de 11-3-92, in ADSTA, 377.7581.
[89] Ac. da Rei. de Coimbra, de 4-3-92, in ВMJ 415.º/731.
[90] Vd. al. H) da motivação do recurso, que se limita a remeter para “o referido ponto antecedente”, e conclusão PP.