Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
26/14.7TBEPS-U.G1
Relator: ANA CRISTINA DUARTE
Descritores: RESPONSABILIDADES PARENTAIS
INCUMPRIMENTO GRAVE E REITERADO
MULTA
INDEMNIZAÇÃO
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 06/06/2024
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: APELAÇÃO IMPROCEDENTE
Indicações Eventuais: 2ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário:
1 – O ingresso no ensino superior deve ser considerada uma questão de particular importância para a vida de um filho e, consequentemente, deve ser decidida em comum por ambos os progenitores, designadamente quando inclui decisões relativas ao afastamento da casa onde o filho vivia.
2 – A imposição de multa por incumprimento do regime fixado para as responsabilidades parentais não é automática, não se seguindo obrigatoriamente à constatação da infração.
3 - Só o incumprimento grave e reiterado do progenitor remisso justifica a sua condenação em multa e a aplicação desta dependerá sempre da ponderação e análise dos factos provados em cada caso concreto.
4 – Para a condenação em indemnização a favor do menor e do outro progenitor é necessário que, em situação de incumprimento, se verifiquem os pressupostos da obrigação de indemnização por factos ilícitos.
Decisão Texto Integral:
Acordam no Tribunal da Relação de Guimarães

I. RELATÓRIO

AA suscitou Incidente de Incumprimento do Acordo de regulação das responsabilidades parentais contra BB, alegando que este, desde ../../2022 que não paga a prestação de alimentos acordada e devida aos menores CC e DD, bem como não paga o valor despendido pela requerente a título de despesas, conforme acordo homologado. Pede a condenação do requerido no pagamento da totalidade dos valores em dívida, no montante de € 5.031,36 e em multa até vinte unidades de conta, bem como indemnização a favor dos menores e da progenitora requerente. Sem prescindir, requer a atualização do valor das prestações de alimentos.
Notificado para alegar, o requerido impugnou os factos constantes do requerimento inicial, afirmou ter pago os alimentos em dívida e quanto às despesas, ou já foram pagas, ou não deu o seu consentimento para as mesmas, ou não estão devidamente comprovadas por documento.
Teve lugar a conferência de pais a que alude o artigo 41.º, n.º 3 do RGPTC e face à impossibilidade de acordo, foram as partes notificadas para alegarem, o que ambos fizeram, tendo a requerente confirmado que o requerido pagou em 17/11/2022 a quantia de € 1.700,00 relativa às prestações mensais em dívida e, em 16/11/2022, a quantia de € 132,71, relativa a medicamentos de dermatologia do DD e aproveitando para pedir o pagamento de outras despesas que, entretanto, terá suportado, concluindo com um pedido líquido final no montante de € 3.875,60.

Teve lugar a audiência de julgamento, após o que foi proferida sentença, cujo dispositivo tem o seguinte teor:

“Nestes termos e pelos fundamentos expostos, decido:
a) Julgar extinta a instância, por inutilidade superveniente da lide, na parte respeitante às quantias de € 1.700,00 (mil e setecentos euros) e de € 132,71 (cento e trinta e dois euros e setenta e um cêntimos) reclamadas pela demandante no requerimento inicial;
b) Declarar que o requerido é devedor à requerente da quantia de € 2.683,98 (dois mil, seiscentos e oitenta e três euros e noventa e oito cêntimos), condenando no pagamento desse montante;
c) Julgar pela improcedência deste incidente de incumprimento quanto ao mais peticionado, designadamente quanto à condenação do requerido no pagamento de multa e duma indemnização a favor da requerente e dos filhos”.

A requerente interpôs recurso, tendo finalizado a sua alegação com as seguintes
Conclusões:

1. A recorrente não pode conformar-se com a douta decisão proferida, quanto aos factos dados como provados, com a interpretação jurídica que motivaram a Douta sentença.
2. Com efeito entende a recorrente que a Douta decisão proferida padece de erro de interpretação no que concerne à aplicação do direito.
3. O tribunal A Quo julgou improcedente parte do pedido, em concreto, no que toca às despesas associadas ao ingresso e frequência do DD num curso do ensino superior.
4. Especificamente as despesas devidamente provadas, nos pontos 7);8); e 9), no montante global de €728,80 (setecentos e vinte e oito euros e oitenta cêntimos) (€500,00 rendas+€20,00 seguro escolar +€278,8 propinas).
5. Igualmente julgou improcedente este incidente de incumprimento quanto à condenação do requerido no pagamento de uma multa e indemnização a favor da requerente e dos filhos.
6. O filho DD, findo o ensino obrigatório, ingressou no ensino superior público; em curso escolhido pelo próprio, mediante as notas de ingresso, e vagas disponíveis.
7. A progenitora desde esse ingresso, assumiu sozinha a expensas suas os encargos de candidatura à universidade, propinas,       alojamento, deslocações e transporte.
8. O Requerido não cumpre o acordo de regulação das responsabilidades parentais estabelecido,
9. Nomeadamente no seu artigo 5, em sentença proferida em 29.11.2017, no processo de alteração do exercício das responsabilidades parentais, que correu termos no apenso B, homologado acordo nessa data celebrado entre requerido e requerente, conforme resulta provado no ponto 2 da Douta sentença.
10. A Requerente deduziu incidente de incumprimento do regime de exercício das responsabilidades parentais contra o Requerido,
11. Pois, não obstante o decidido a esse respeito em sede da regulação das responsabilidades parentais, o requerido não procedeu ao pagamento das prestações, nem liquidou despesas de educação.
12. Das despesas peticionadas e dadas como provadas em 6); 7); 8); 9); da Douta sentença referentes a despesas com a universidade publica no montante global de €728,80 (setecentos e vinte e oito euros e oitenta cêntimos) (€500,00 rendas+€20,00 seguro escolar +€278,8 propinas).
13. Entendeu o Meritíssimo Juiz a Quo que “as decisões atenienses ao ingresso no ensino superior, devem qualificar-se como questões de particular importância para a vida do filho”.
14. Carecendo estas de consentimento do requerido.
15. “Improcedendo da sua pretensão quanto ao peticionado pela requerente a título de gastos com alojamento, matrículas e propinas”
16. progenitor reside no ..., na cidade ..., e, portanto, fisicamente distante.
17. As despesas com a educação dos filhos, estão contempladas no acordo de regulação do poder parental mesmo que não sejam especificadas.
18. - As despesas com a educação no ensino superior, podem considerar-se normais nos tempos que correm, pois tem sido incentivado pelo Estado que todos tenham acesso ao ensino superior.
19. Mesmo que seja extraordinária não foi excluída pelos progenitores quando existe uma cláusula para as despesas consideradas o "sustento" e outra para as extraordinárias.
20. Cabe aos pais, dentro das suas possibilidades, assegurar a formação académica dos seus filhos.
21. Tanto mais que nunca o requerido alegou que não tinha meios para suportar as despesas com as propinas do ensino superior.
22. O único fundamento invocado pelo progenitor prende-se com a ausência de intervenção e conhecimento da escolha do filho.
23. A manutenção e a educação dos filhos é um direito natural dos pais e sobre eles incumbe o esforço e obrigação de lhes proporcionar uma educação que eles próprios até, não tenham atingido.
24. Os alimentos, tal como definidos no art. 2003º, nº 2 do Código Civil compreendem a instrução e a educação.
25. Isso acontece na hipótese de o alimentando ser menor, mas é necessariamente extensível ao caso em que o direito a alimentos se prolonga para além da maioridade do alimentando,
26. Exatamente pela razão de estar em continuação o processo de formação daquele. É, de resto, por isso mesmo que se apelidam esses alimentos de “educacionais”.
27. - O filho continua com direito a ser alimentado pelos pais enquanto não tiver completado a sua formação profissional, na medida em que seja razoável exigir o seu cumprimento e pelo tempo normalmente requerido para que essa formação se complete.
28. Sempre se dirá que, não foi sequer ponderado o ensino privado no caso do DD.
29. O Filho DD fez o concurso de admissão a uma universidade pública, como continuação dos seus estudos.
30. Num curso escolhido por si, dentro das notas obtidas no ensino obrigatório, e das vagas disponíveis de acesso à universidade.
31. Mediante este ingresso na universidade pública, tornou-se urgente o arrendamento de um quarto, atenta a pouca oferta em arrendamento universitário a preços razoáveis.
32. Sempre se dirá que o valor da renda no montante de €100,00, fato provado em 6) da Douta sentença.
33. Não é de todo irrazoável ou desproporcionado.
34. A este propósito competia ao progenitor a quem são pedidos alimentos e o pagamento nas despesas com o ensino Universitário a prova dos fatos impeditivos, nomeadamente fatos que determinassem a irrazoabilidade do pedido.
35. O progenitor alicerça a sua fundamentação apenas no fato de não ter tido conhecimento nem intervenção na escolha do filho.
36. O presente Recurso incide, assim, sobre a matéria de direito que a Recorrente julga incorretamente apreciada,
37. O Tribunal a quo fez uma errada e incorreta subsunção dos factos ao Direito.
38. Pois compete ao requerido pagar, a título de despesa de educação devidamente comprovada, com a inscrição do menor na Universidade pública, e todas as despesas inerentes a esta inscrição dadas como provadas nos pontos 6);7);8);9).
39. Porquanto, tal resulta desde logo do regime fixado para o exercício das responsabilidades parentais, onde pode ler-se no artigo 5 da regulação do poder parental: “o pai pagará a totalidade das despesas escolares, medicas e medicamentosas, desde que devidamente comprovadas com a apresentação do respetivo recibo”
40. Não tendo sido efetuada qualquer ressalva quanto a este pagamento, nomeadamente, que o progenitor apenas pagaria as despesas de educação, até ao ensino obrigatório,
41. São, nesta conformidade as despesas de educação devidas pelo progenitor requerido.
42. De igual modo, o legislador, no disposto no artigo 1879.º do Código Civil, quando se refere à obrigação de os progenitores assegurarem a educação dos seus filhos.
43. Também a doutrina se tem vindo a pronunciar no sentido de a decisão pelo ensino ser um ato da vida corrente e, por conseguinte, não necessita do acordo dos progenitores (neste sentido Maria Clara Sottomayor, em Regulação das responsabilidades parentais nos casos de divórcio, 6ª edição, Almedina), dando-se assim PREPONDERÂNCIA AO SUPERIOR INTERESSE DO JOVEM,
44. E tendo ficado provado que o filho, concluído que foi o ensino obrigatório, continuou a sua formação académica numa universidade pública.
45. Resulta que o Recorrido mantém para com a Recorrente a obrigação de pagar as despesas, onde se incluem as despesas de educação, por forma a que seja assegurado o seu sustento, nos termos enunciados no artigo 1879.º do Código Civil.
46. Dos elementos probatórios constantes dos autos, deveria o Tribunal a quo condenar o Requerido no pagamento das despesas de educação peticionadas em sede de Incidente de Incumprimento,
47. Realizadas em estabelecimento de ensino superior publico, no montante total peticionado e dado como provado nos pontos 6);7); 8) e 9), da Douta sentença
48. Deste modo deverá a Veneranda Relação de Guimarães alterar a decisão sob recurso, substituindo-a por outra que condene o ora recorrido no pagamento dos valores despendidos com despesas de educação dados como provados 6);7);9), da Douta sentença no montante global de € 728,80 (setecentos e vinte e oito euros e oitenta cêntimos) (€500,00 rendas+€20,00 seguro escolar +€278,8 propinas).
49.A sentença sob recurso viola, entre outras, as seguintes disposições legais: artigos 9.º, 10.º, 1879.º, 1880.º e 1905.º, todos do Código Civil.
50. Insofismável que face ao disposto nos art. 1880º e 1905º nº 2 do C.C., este com a alteração introduzida pela Lei nº 122/2015 de 1 de setembro, é hoje pacífico o entendimento que a obrigação de alimentos que foi fixada durante a menoridade se prolonga até aos 25 anos do filho se a formação académica ou profissional não estiver completa.
51. Adequando as necessidades do alimentado e as suas possibilidades, ou requerendo a sua extinção caso se verifiquem os pressupostos da sua cessação, o que in casu não aconteceu.
52. Na definição de ato de particular importância têm surgido várias abordagens doutrinais.
53. Tomé d’Almeida Ramião entende que a matrícula em estabelecimento privado de ensino constitui questão de particular importância.
54. ENQUANTO O MESMO ATO EM ESTABELECIMENTO DE ENSINO PÚBLICO CONSTITUI ATO DA VIDA CORRENTE. O QUE NO CASO DOS AUTOS SUCEDE.
55. Este entendimento foi igualmente seguido numa decisão do Tribunal da Relação de Évora (Ac. RE de 19/06/2008 in CJ, III, pg. 254) “…as matrículas e inscrições escolares dos filhos menores são um dos exemplos duvidosos. Não seguramente quando se tratar de matrícula ou inscrição em estabelecimento de ensino público; neste caso, a opção pelo ensino público dificilmente se compreenderá como ato de particular importância”
56. É na interpretação deste pressuposto que reside a solução do caso em apreço, pois como bem se decidiu no Acórdão da Relação do Porto de 15/12/2020, no proc. nº 9366/20.5T8PRT-A.P1 ( in www.dgsi.pt/jtrp): «O custo com propinas de uma universidade integra-se, salvo expressa solução em sentido diverso, no conceito de alimentos, como custo de educação, não constituindo uma despesa extraordinária equiparável a despesas não recorrentes expressamente previstas em acordo de exercício de responsabilidades parentais, tais como despesas de saúde.
57. Apodítico que os alimentos, tal como definidos no art. 2003º, nº2doCódigo Civil compreendem a instrução e a educação.
58. Exatamente pela razão de estar em continuação o processo de formação do jovem.
59. Logo, a responsabilidade por alimentos abrange as despesas com instrução e educação, onde necessariamente        haverão de se compreender as despesas com propinas e quaisquer outros custos com formação escolar.
60. Julgou o tribunal a Quo pela improcedência deste incidente de incumprimento designadamente quanto à condenação do requerido no pagamento de multa e duma indemnização a favor da requerente e dos filhos.
61. O requerido não proveu pelo pagamento das prestações de alimentos de janeiro de 2022, julho, agosto, setembro outubro e novembro de 2022.
62. Sabia o requerido que a prestação de alimentos tem que ser liquidada até ao dia 8 do mês a que respeitar conforme decorre do acordo das responsabilidades parentais, no seu artigo 7.
63. Durante os meses indicados em 61, deliberadamente não procedeu ao pagamento das mesmas.
64. Situação que de outras motivou o presente incidente.
65. como decorre da motivação de recurso: “Revertendo ao caso dos autos, cabe dizer, em primeiro lugar, que relativamente às quantias de €1.700,00 e de €132,71 peticionadas pela requerente no requerimento inicial, esta instância se tornou inútil. Foi alegado e demonstrado pelo requerido que, embora já na pendência do incidente (nos dias 16 e 17 de ../../2022), liquidou esses montantes.
66. Liquidou, portanto, os valores em divida como resulta, na pendencia do incidente.
67. A condenação em multa prevista no artº 41º da Lei n.º 141/2015, de 08.09, que aprovou o RGPTC, não exige a prova de um incumprimento reiterado e grave.
68. Bastando um simples e singelo, posto que relevante, sendo requisito bastante para a sua emergência a verificação de um simples e único incumprimento.
69. Competindo ao incumpridor provar causa de justificação do mesmo, que agiu sem culpa.
70. Com o devido respeito, não pode considerar-se que o requerido tenha agido sem culpa,
71. Porquanto, sabendo que estava obrigado ao pagamento atempado,
72. Não o fez,
73. Como aliás resulta da Douta sentença na sua Motivação, que o requerido liquidou de uma só vez o valor assim que teve conhecimento do presente incidente.
74. “Foi alegado e demonstrado pelo requerido, que embora já na pendência do incidente (nos dias 16 e 17 de dezembro) liquidou esses montantes”
75. O dever de alimentos dos pais para com os seus filhos menores assume magnitude eivada inclusivamente por traços de cariz ético-moral.
76. Que os pais, enquanto devedores da prestação de alimentos, só se podem dela eximir em circunstâncias especialíssimas e extremas.
77. O que claramente não resulta demonstrado.
78. Atenta a especial fragilidade inerente à condição dos filhos menores carecidos de alimentos, a repetição do não pagamento da pensão por um período de 4 meses constitui em si próprio ato grave.
79. Que merece censura e por si bastante para a condenação em multa.
80. É consabido, são os interesses dos menores e a sua defesa, cabal, atempada e profícua, a pedra de toque de toda a dilucidação a qual, única ou determinantemente, releva.
81. Em todo o caso, provado que foi o incumprimento relevante e digno de tutela incidental, a falta de pagamento da pensão durante vários meses.
82. Só tendo sido sanado pelo requerido após a citação do presente incidente.
83. Como é bom de ver, o incumprimento faz presumir esta culpa, quanto mais não seja por apelo às regras gerais – artº 799º do CC.
84. O Requerido não podia desconhecer a sua obrigação e nada fez para a regularizar, até à citação do presente incidente. Momento em quede uma só vez liquidou o valor em divida.
85. Devendo para tanto o ser revogada e douta sentença proferida, condenando-se o recorrido no pagamento das despesas relativas ao ingresso do DD no ensino superior, no montante indicado nos pontos 7);8);e 9) no montante global de €728,80 (setecentos e vinte e oito euros e oitenta cêntimos) (€500,00 rendas+€20,00 seguro escolar +€278,8 propinas).
86. Deve igualmente ser revogada a Douta Sentença proferida que julgou improcedente quanto à condenação do requerido no pagamento de uma multa e indemnização, condenando-o nos montantes que se vierem a entender justos e equitativos.
Termos em que deve ser dado provimento ao recurso, revogando-se a douta sentença sob censura e decidindo-se nos moldes acima apontados, como é de inteira e liminar JUSTIÇA

O requerido contra-alegou, pugnando pela confirmação da sentença recorrida.
No mesmo sentido, respondeu o Ministério Público.
O recurso foi admitido como de apelação, a subir imediatamente, nos próprios autos e com efeito meramente devolutivo.
Foram colhidos os vistos legais.

As questões a resolver traduzem-se em saber se o requerido está obrigado ao pagamento das verbas relativas ao ingresso do filho no ensino superior e se deve ser condenado em multa e indemnização a favor dos menores e sua progenitora pelo incumprimento das responsabilidades parentais.

II. FUNDAMENTAÇÃO

Na sentença foram considerados os seguintes factos:

Factos Provados:
1. DD e CC, nascidos, respetivamente, a ../../2004 e ../../2008, são filhos da requerente AA e do requerido BB.
2. Por sentença proferida a 29.11.2017 no processo de alteração da regulação do exercício das responsabilidades parentais que correu termos como Apenso B, foi homologado acordo nessa data celebrado entre a requerente o requerido nos termos do qual estipularam, além do mais, o seguinte:
“1. Os menores residirão habitualmente com a mãe, que exercerá as responsabilidades parentais relativas aos atos da vida corrente dos filhos, sem prejuízo de o pai poder obter informações junto das escolas sobre o percurso escolar dos menores.
 2. As responsabilidades parentais relativas às questões de particular importância para a vida dos menores serão exercidas em comum por ambos os progenitores, salvo nos casos de manifesta urgência, em que qualquer dos progenitores pode agir sozinho, devendo prestar informações ao outro logo que possível.
 3. Quando as crianças se encontrem temporariamente com o progenitor, as responsabilidades parentais relativas aos atos da vida corrente serão exercidas pelo pai, não devendo este, porém, contrariar as orientações educativas definidas pela progenitora.
 4. O pai pagará a quantia de quantia de €150,00 mensais (cento e cinquenta euros), a título de pensão de alimentos para cada filho.
 5. O pai pagará a totalidade das despesas escolares, médicas e medicamentosas, desde que devidamente comprovadas com a apresentação do respetivo recibo.
 6. O pai pagará a totalidade das despesas em acompanhamento psicológico dos menores, bem como as despesas com atividades extracurriculares, designadamente: natação, ballet, despesas estas também devidamente comprovadas com a apresentação do respetivo recibo.
 7. A pensão alimentícia dos menores será paga até ao dia 8 do mês a que respeitar, devendo o pai liquidá-la através de transferência bancária, para a conta de que a mãe é titular, com o IBAN  ...43.
 8. As despesas supra citadas em 5 e 6 serão pagas pelo pai, no prazo máximo de 10 dias, após a apresentação do comprovativo pela mãe, ou diretamente para os prestadores de serviços. (…)”
3. Nos dias 10.12.2020 e 11.01.2021 a requerente despendeu as quantias de € 1.379,00 e de € 249,99 com a aquisição de um computador e de uma impressora destinados a serem utilizados pelo DD nas suas atividades escolares.
4. No dia 03.09.2021 a requerente despendeu a quantia de € 729,00 com a aquisição de um computador destinado a ser utilizado pela CC nas suas atividades escolares.
5. Nos dias 31.08.2022 e 10.10.2022, a requerente despendeu as quantias de € 268,65 e de € 57,34, com a aquisição de material escolar para os filhos.
6. Com data de 01.10.2022 foi celebrado pelo então menor DD um contrato mediante o qual tomou de arrendamento, pela renda mensal de € 100,00, um quarto situado na Rua ..., freguesia ..., do concelho ....
7. Esse contrato foi celebrado pelo prazo de 10 meses, com início em 01.10.2022 e termo em 31.07.2023.
8. No período compreendido entre os meses de outubro de 2022 e janeiro de 2023, a requerente despendeu a quantia global de € 500,00, com o pagamento de caução e das rendas respeitantes ao quarto tomado de arrendamento pelo DD em ..., localidade onde este esteve a frequentar o ensino superior até ../../2022, altura em que desistiu do curso.
9. A requerente despendeu a quantia de € 20,00 com o pagamento de seguro escolar, da matrícula e inscrição do DD no Curso de Licenciatura em Biotecnologia, ministrado pelo Instituto Politécnico ..., e despendeu ainda a quantia de € 278,80 com o pagamento das propinas vencidas até ao mês de ../../2022.
10. As despesas reclamadas pela requerente com a aquisição de computador, impressora e portátil foram por si efetuadas sem a prévia auscultação do pai, não tendo este consentido antecipadamente na realização de tais despesas.
11. O requerido apenas tomou conhecimento da realização das despesas com a aquisição de material escolar para os filhos e dos respetivos recibos através do incidente agora em apreço.
12. A requerente negociou e fez celebrar o contrato arrendamento a que se alude em 6. nas condições que lhe aprouve, sem que antecipadamente tivesse informado o requerido.
13. Nem a requerente, nem o filho DD comunicaram antecipadamente ao requerido que aquele havia ingressado na universidade ou no curso em que o fez, não tendo o progenitor participado na escolha do estabelecimento de ensino ou do alojamento para o filho.

Factos Não Provados

Não se provaram outros quaisquer factos com relevo para a decisão a proferir além dos acima elencados e, designadamente, que:

a) A requerente despendeu no dia 19.09.2022 a quantia de € 56,29 com a aquisição de material escolar para os filhos.
b) A requerente despendeu a quantia de € 78,70 com o pagamento de inscrição e mensalidades da atividade de ginásio frequentada pela CC.
c) Em outubro de 2021, aquando da visita dos menores à família paterna, foi entregue em numerário, ao menor DD, a quantia de € 200,00, para que a progenitora agendasse e pagasse uma consulta de dermatologia, num médico escolhido por si.
d) O requerido foi informado antecipadamente pela requerente da entrada do DD no ensino superior, do curso e do estabelecimento de ensino que iria frequentar, assim como da necessidade de proceder ao arrendamento de um quarto em ... e das condições desse arrendamento.
e) O requerente foi informado da entrada do DD no ensino superior e foi-lhe pedida ajuda no sentido de custear as despesas, tendo prontamente declinado essa responsabilidade.

Na sentença sob recurso considerou-se que o valor peticionado pela requerente a título de gastos com alojamento, matrículas e propinas para que o menor DD ingressasse no ensino superior, não teria que ser suportado pelo requerido uma vez que, tratando-se de questão de particular importância para a vida do filho, teriam tais questões que ser discutidas entre ambos, não podendo a requerente decidir unilateralmente, sem sequer dar conhecimento ao requerido e, muito menos, colher o seu acordo e, depois, limitar-se a exigir do requerido o pagamento de todas as despesas e encargos.
Entende a recorrente que se trata, aqui, de um ato da vida corrente.
Vejamos.

Não há dúvida que, nos termos do disposto no artigo 2003.º, n.º 2 do Código Civil, os alimentos compreendem a instrução e educação do alimentando no caso de este ser menor, mantendo-se depois da maioridade, até que o filho complete 25 anos de idade, no caso de prosseguir o respetivo processo de educação ou formação profissional – artigo 1905.º, n.º 2 do mesmo Código.
A questão que aqui se coloca é a de saber se, concluído o ensino secundário, o ingresso no ensino superior, com todas as cambiantes que o mesmo pode oferecer e os gastos inerentes, é uma questão de particular importância ou um ato da vida corrente.
No caso dos autos está provado – Acordo de Regulação das Responsabilidades Parentais homologado por sentença - que as responsabilidades parentais relativas às questões de particular importância para a vida dos menores serão exercidas em comum por ambos os progenitores, bem como que o pai pagará a totalidade das despesas escolares. Está provado também que nem a requerente, nem o menor comunicaram antecipadamente ao requerido que aquele havia ingressado na universidade ou no curso em que o fez, não tendo o progenitor participado na escolha do estabelecimento de ensino ou do alojamento para o filho, que a requerente negociou nas condições que lhe aprouve, sem que antecipadamente tivesse informado o requerido, questões das quais só tomou conhecimento através da instauração deste incidente de incumprimento – factos provados 12 e 13.
É conhecida alguma divergência jurisprudencial e doutrinal sobre o conceito de questão de particular importância, pese embora se venha entendendo que a questão relativa à educação e formação da criança deve considerar-se uma questão de particular importância da vida do filho e, por isso mesmo, exercida em comum por ambos os progenitores, nos termos do disposto no artigo 1906.º do Código Civil (apesar de alguma controvérsia quanto a saber se tal só deve assim ser qualificado quando está em causa a opção pelo ensino privado, versus ensino público – cfr Acórdão da Relação de Guimarães de 17/12/2019, processo n.º 271/15.8T8BRG-I.G1 (António Barroca Penha) e doutrina aí citada: Helena Bolieiro e Paulo Guerra, in A Criança e a Família – Uma Questão de Direito(s), Coimbra Editora, 2009, págs. 175-176).
“As denominadas questões de particular importância para a vida do filho, deverão estar relacionadas com questões existenciais graves, que pertençam ao núcleo essencial dos direitos do filho, as questões centrais e fundamentais para o seu desenvolvimento, segurança, saúde, educação e formação, todos os atos que se relacionem com o seu futuro, a avaliar em concreto e em função das suas circunstâncias” – Tomé d’Almeida Ramião, RGPTC Anotado e Comentado, 3.ª edição, pág. 186.
No caso dos autos, parece ser indiscutível que, terminado o ensino secundário e perante as várias opções possíveis para a prossecução dos estudos e/ou formação profissional, o assunto deveria ter sido discutido por ambos os progenitores, em conjugação com o filho e os seus interesses, tanto mais que qualquer opção implicaria a deslocação para fora da residência habitual. Estava aqui em causa o futuro do filho, saber se este deveria ou não prosseguir os estudos ou optar por uma via profissionalizante, ou mesmo arranjar um emprego (veja-se que o filho, pouco mais de dois meses depois da matrícula, desistiu do curso, o que indicia que a opção tomada não terá sido a melhor e que teria sido muito mais avisado ponderar com ambos os progenitores o caminho a seguir).
Não tendo tal sucedido, e assumindo a mãe sozinha as decisões de inscrição num Instituto Politécnico e arrendamento de quarto na cidade onde o filho iria frequentar as aulas, sem conversar ou incluir na decisão e, até, sem sequer dar conhecimento ao progenitor, que foi apanhado de surpresa no processo que conduziu a decisões tão importantes para o futuro do filho, necessariamente que, não tendo as responsabilidades parentais quanto a esta questão de particular importância, sido exercidas em comum, como determina o acordo de responsabilidades parentais homologado por sentença, não pode o progenitor ser responsabilizado pelos gastos que aquela teve de suportar (não estão aqui em causa meras despesas escolares), como bem se decidiu na sentença sob recurso.

A outra questão suscitada pela apelante prende-se com o pedido de condenação em multa e indemnização a favor da requerente e dos seus filhos.
Considerou a sentença recorrida não estarem reunidos os pressupostos para tal condenação.
Vejamos.

O incidente de incumprimento de decisão judicial ou acordo de regulação do exercício das responsabilidades parentais está previsto no artigo 41º e ss do Regime Geral do Processo Tutelar Cível (RGPTC).
Aí se prevê a possibilidade de condenação em multa e indemnização a favor da criança e do progenitor.
Conforme vem sendo decidido pela jurisprudência – veja-se Acórdão da Relação de Coimbra de 20/04/2021, processo nº 873/16.5T8CTB-B.C1 - “Resulta desta norma que a imposição de multa não é automática, ou seja, não se segue obrigatoriamente à constatação da infração” - e Acórdãos desta Relação de Guimarães de 05/05/2022, processo n.º 499/10.7TMBRG-N.G2 e de 26/10/2017, processo n.º 2416/15.9T8BCL-C.G1 - “À luz do disposto no artigo 41.º, n.º 1 do Regime Geral do Processo Tutelar Cível mantém-se válido o entendimento de que só o incumprimento grave e reiterado do progenitor remisso justifica a sua condenação em multa” - exige-se que a situação assuma suficiente gravidade no caso concreto que justifique a aplicação de uma multa.
A aplicação de sanções pelo incumprimento do que tiver sido acordado quanto à regulação das responsabilidades parentais dependerá sempre da ponderação e análise dos factos provados em cada caso concreto, pois perfilhamos o entendimento de que só a análise das circunstâncias concretas em que incorreu esse incumprimento permite verificar se existe culpa e ilicitude por parte do progenitor incumpridor e se revestem de gravidade que justifique a condenação.
No caso dos autos não há indícios dessa gravidade.
O pai reside no ... e a mãe não facilita os contactos entre este e os seus filhos. Relativamente a algumas das despesas peticionadas, o requerido apenas tomou conhecimento das mesmas com a interposição deste incidente, quanto a outras, não foi envolvido nos processos de onde as mesmas resultaram e, quanto às demais, não lhe foram apresentados, em devido tempo, os recibos correspondentes.
É certo que apenas após a instauração deste incidente pagou as mensalidades em dívida e despesas instruídas com o correspondente recibo (tendo o dano sido já ressarcido), contudo, não só o fez imediatamente, como, atendendo ao comportamento da progenitora em decidir tudo unilateralmente e apenas pedir o pagamento, como se o progenitor fosse tão-somente uma máquina de pagamentos quando, como se verifica do acordo estabelecido entre ambos, tudo fez para se envolver na vida dos filhos, assumindo todas as despesas e tentando garantir que privem com a família paterna alargada, face ao facto de se encontrar a viver no ... e tentando contactar os filhos por meios de contacto à distância, o que só não consegue face à intransigência da progenitora, fazem com que não se justifique a sanção pretendida, face ao seu caráter de reiteração e gravidade que, de forma alguma se encontram presentes nos factos e comportamentos descritos nos autos.
Podemos, assim, concluir que não foi criado, pelo progenitor, uma situação grave e culposa que permita assacar-lhe um efetivo juízo de censura.
Como se diz no acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 29/05/2012, proc.º 2518/08.8TMLSB-B.L1-7, (Luís Espírito Santo) quando refere que «Trata-se aqui de uma sanção específica prevista na lei para o incumprimento do regime estabelecido em matéria de regulação do exercício do poder paternal, pressupondo sempre a ilicitude e a culpa inscritas no comportamento - relevantemente censurável - assumido pelo incumpridor”.
Não podem ser abrangidos por esta penalização situações em que os motivos do incumprimento do acordado não têm uma gravidade que, designadamente, ponha em causa o superior interesse do menor e as suas relações afetivas com ambos os progenitores.
Do incumprimento em análise não resultam graves danos emocionais para os menores, nem há um corte irreversível nos laços entre pai e filhos, que poderiam ser mantidos, não fosse o comportamento que a progenitora tem vindo a adotar.
Entendemos, assim, que o incumprimento do progenitor não assume a gravidade suficiente que justifique o seu condenamento em multa, não se verificando, aliás qualquer prejuízo grave decorrente desse incumprimento para o superior interesse dos menores, nem se vislumbrando que a multa seja necessária para impedir futuros incumprimentos.
Como resulta do que também vimos salientando, não vemos que ocorram factos constitutivos dos pressupostos de responsabilidade civil, conducentes a uma indemnização, sobretudo e também, considerando a atitude da progenitora de que demos conta.
Improcede, assim, a apelação, sendo de confirmar a sentença recorrida.

III. DECISÃO

Em face do exposto, decide-se julgar improcedente a apelação, confirmando-se a sentença recorrida.
Custas pela apelante.
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Guimarães, 6 de junho de 2024

Ana Cristina Duarte
Alexandra Rolim Mendes
José Carlos Dias Cravo