Acórdão do Tribunal da Relação de Évora | |||
Processo: |
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Relator: | CRISTINA CERDEIRA | ||
Descritores: | ALTERAÇÃO DAS RESPONSABILIDADES PARENTAIS ACORDO NÃO HOMOLOGADO INCUMPRIMENTO DAS RESPONSABILIDADES PARENTAIS INTERESSE DO MENOR | ||
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Data do Acordão: | 11/14/2013 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
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Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
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Sumário: | I - Qualquer alteração a uma regulação do exercício das responsabilidades parentais já fixada tem de, obrigatoriamente, ser objecto de apreciação e decisão pelo Tribunal, não bastando a simples vontade das partes (progenitores) para esse efeito, mesmo que ambos os progenitores estejam de acordo quanto a essa alteração, restando-lhes requerer a respectiva homologação, em relação à qual o Tribunal se pronunciará nos termos legais, passando o mesmo a ser vinculativo para os progenitores apenas após a respectiva sentença homologatória. II - A necessidade de homologação judicial do acordo de alteração da regulação do exercício das responsabilidade parentais, celebrado entre os progenitores, visa essencialmente salvaguardar a protecção dos interesses do menor, não obstando à homologação a inexistência de litígio, importando atender a que, sem tal homologação, não seria possível, em caso de incumprimento, possibilitar ao progenitor não faltoso reagir visto que relevaria apenas e tão somente a decisão judicial que homologara o acordo entretanto alterado de facto. III - Cabendo às partes requererem ao Tribunal a homologação de um acordo de alteração à regulação do exercício das responsabilidades parentais, impõe-se ao Tribunal verificar, aquando da homologação, se os interesses do menor estão ou não acautelados. Sumário da relatora | ||
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Decisão Texto Integral: | Acordam na Secção Cível do Tribunal da Relação de Évora I. RELATÓRIO Por apenso ao processo de regulação das responsabilidades parentais, que corre termos no Tribunal de Família e Menores da Comarca de Portimão com o nº. 1271/07.7TBPTM-B, A..., mãe da menor C..., em 27/04/2012, deduziu incidente de incumprimento contra o progenitor M..., alegando, em síntese, que o mesmo não pagou a pensão de alimentos devida à filha referente ao mês de Abril de 2012, nem tem intenção de o fazer, e requerendo que o Tribunal tome medidas para executar tal prestação. Notificado o requerido nos termos e para os efeitos do disposto no artº. 181º, nº. 2 da OTM, veio o mesmo, em 10/07/2012, alegar que, efectivamente, não procedera ao pagamento da pensão de alimentos à filha no referido mês de Abril de 2012, em virtude de ter feito um acordo com a mãe da menor C... no sentido de que, a título provisório, esta ficaria à guarda do progenitor desde Setembro de 2011 até final de Junho de 2012, invertendo-se durante tal período os papéis dos progenitores em tudo quanto foi fixado pelo Tribunal, nomeadamente no que toca ao pagamento da pensão de alimentos. Refere, ainda, que a menor C... passou a residir consigo até Março de 2012, altura em que a mesma foi passar as férias da Páscoa a Portalegre com a progenitora e ali ficou a residir, não voltando a Portimão. Por tal motivo, entende que as despesas inerentes à sua filha devem ser dadas como cumpridas até finais de Junho de 2012, data até quando se encontrava em vigor o acordo feito com a mãe da menor, tendo informado o Tribunal que só pode pagar mensalmente o montante de € 125,00 por estar com enormes dificuldades. Nesta mesma data, em 10/07/2012, o requerido juntou então aos autos uma cópia de um acordo subscrito por ele e pela progenitora da menor, nos termos do qual a menor ficaria à guarda do pai no período de Setembro de 2011 a Junho de 2012, invertendo-se durante tal período de tempo as demais cláusulas do regime da regulação das responsabilidades parentais, nomeadamente quanto ao regime de visitas e à prestação de alimentos. Notificada a requerente para, em 10 dias, se pronunciar sobre esta nova factualidade, veio a mesma alegar que, efectivamente, celebrou com o requerido o referido acordo para assegurar a continuidade da escola da menor que terminava em Junho de 2012; contudo, na altura da Páscoa, houve uma discussão entre os progenitores e a menor não quis voltar para casa do pai, nem este quis que a filha continuasse a residir com ele, tendo esta ficado a residir novamente com a requerente a partir de Abril de 2012. Manifestou, ainda, a sua discordância quanto à alteração do montante da pensão de alimentos para € 125,00, alegando que o progenitor tem recursos financeiros, só que não os declara. Notificada para esclarecer qual o montante em dívida desde Abril de 2012, a requerente veio, em 19/12/2012, esclarecer que se encontravam em dívida as prestações de alimentos referentes aos meses de Abril a Dezembro de 2012, no montante global de € 2 016,00 (€ 224,00 x 9 meses), acrescido de metade das despesas escolares da menor, no valor de € 163,85. O Ministério Público promoveu se declarasse a situação de incumprimento suscitada pela requerente, porquanto o acordo celebrado entre os progenitores, invocado pelo requerido, nunca chegou a ser homologado pelo Tribunal e a menor encontra-se a viver com a mãe desde Abril de 2012 (em conformidade com o regime do exercício das responsabilidades parentais em vigor), sem que o pai tenha procedido ao pagamento da pensão de alimentos desde essa data. Por decisão de 23/01/2013, certificada a fls. 27 destes autos, o Tribunal “a quo”, considerando que o acordo sobre o exercício das responsabilidades parentais da menor C... celebrado entre os progenitores, cuja cópia apenas foi junta pelo requerido em 10/07/2012, não foi submetido a apreciação do Tribunal para homologação judicial, e que a menor se encontrava a viver com a mãe desde Abril de 2012, em conformidade com o regime vigente constante dos autos principais de Regulação das Responsabilidades Parentais, não tendo o requerido efectuado o pagamento da prestação de alimentos, julgou comprovada a situação de incumprimento alegada pela requerente, no que concerne ao montante global de € 2 179,85 (sendo € 2 016,00 relativo às prestações de alimentos em dívida desde Abril a Dezembro de 2012 e € 163,85 referente a metade das despesas escolares da menor). Inconformado com tal decisão, o requerido M... dela interpôs recurso, extraindo das respectivas alegações as seguintes conclusões [transcrição]: «I - VERIFICA-SE A NULIDADE DA SENTENÇA - POR AUSÊNCIA DE FUNDAMENTAÇÃO EXPRESSA, ACESSÍVEL E COMPREENSÍVEL - ARTIGO 659°, Nºs 2 E 3, E 668°, Nº. 1, ALÍNEA C) DO CPC, E ARTIGO 205°, Nº. 1 DA CRP 1976. II - Em 02 de Julho de 2007, nos Autos à margem epigrafados, entre o recorrente e a sua ex-esposa – A… - foi, relativamente à menor C..., efectuada a “Regulação do poder Paternal”, nos termos do doc. 1 que aqui se reproduz. III - Ambos os progenitores vieram, posteriormente, apresentar um requerimento, o doc. 2 que aqui se reproduz, no qual se podia ler, entre outro, que pretendem os requerentes fixar a Título Provisório, de Setembro de 2011 a final de Junho de 2012, que a menor C… ficará à guarda do progenitor, passando alternadamente os fins de semana com a progenitora, invertendo-se os papeis em tudo o que anteriormente fixado pelo Tribunal, nomeadamente no que ao pagamento da prestação de alimentos diz respeito. IV - Posteriormente, M..., em requerimento que já deu entrada em 10 de Julho de 2012 (doc. 3 que aqui se reproduz) entre outras coisas, veio, pertinentemente, expor que «os progenitores, na condição de Requerentes, fizeram constar e dar pleno conhecimento ao Tribunal de um Requerimento por ambos assinados, e, onde se comprometem de que a sua filha menor C..., a Título Provisório fícaria à guarda do progenitor desde Setembro de 2011 afinal de Junho de 2012, invertendo-se os papeis em tudo quanto foi fixado pelo Tribunal, nomeadamente no que ao pagamento da prestação de alimentos diz respeito, bem como (…) Acontece, e, de acordo com este plano por nós formulado, envidei todos os esforços para dar o melhor, e, criar todas as condições indispensáveis ao crescimento harmonioso da nossa filha a começar pelo ninho sempre por meio reputado como essencial. (…) Assim, direi, que considero todas as despesas inerentes com a minha filha até finais de Junho dadas como cumpridas, na medida em que esse foi o nosso acordo e as despesas foram feitas nessa perspectiva. Como era minha intenção apresentar alteração aos autos constantes da Regulação do Poder Paternal, relativamente à mensalidade com a minha filha, pretendo informar o tribunal que só posso despender mensalmente o montante de 125,00 €, atendendo às circunstâncias presentes de enormes dificuldades». V - À luz destes factos, cabalmente comprovados e demonstrados, caberia ao Tribunal, neste tipo de jurisdição voluntária, convocar, para o efeito ambos os progenitores. O Mº Juiz a quo com uma decisão solitária incorreu em efectiva denegação de tutela jurisdicional efectiva, proporcional, justo e equitativa, tal qual o impunham os artigos 20°, nºs 1 e 4, e 202º, nºs 1 e 2. Ademais, VI - A presente decisão judicial fere, de modo insuportável, o “proteccionismo constitucional” votado ao artigo 67° da CRP 1976. VII - A decisão judicial é, por ausência total de fundamentação - juízo crítico de análise de prova à luz das regras da experiência e conhecimentos técnico-e-científicos, ex vi artigos 659°, nºs 2 e 3, e 668°, nº. 1, alínea c) do CPC, e artigo 205°, nº. 1 da CRP 1976. VIII - Havendo acordo de ambos os progenitores, no sentido da alteração de acordo de regulação de poder paternal ou “responsabilidades parentais”, e tendo o mesmo dado entrada no Tribunal, independentemente da sua homologação ou não, e a não ser que o mesmo coloque em causa o superior interesse da menor, ele deve ser integralmente aceite e, em conformidade, alterado. IX - Havendo factualidade que indicia, para além de dúvida razoável, existir, entre ambos os progenitores, relativamente à filha de ambos, uma vontade derrogatória do acordo inicial, em que, por um período de tempo determinado, os papéis (pai-pagador; pai-não-pagador) se invertem, tal significa uma total proibição do tribunal no sentido de, inexistindo homologação, não ser dada validade e pertinência ao acordo subscrito. NESTES TERMOS, E NOS DEMAIS QUE VOSSAS EXCELÊNCIAS, DOUTAMENTE SUPRIRÃO DEVERÃO: I - ADMITIR E CONSIDERAR PROCEDENTE O PRESENTE RECURSO DE APELAÇÃO; II - DECRETAR CUMPRIDA A OBRIGAÇÃO DE ENTREGA, POR PARTE DE M..., DA QUANTIA DE € 2 179,85 (DOIS MIL E CENTO E SETENTA E NOVE EURO E OITENTA E CINCO CÊNTIMOS). III - CONSIDERAR VIGENTE E ALTERADO, NOS TERMOS PRECONIZADOS POR AMBOS OS PROGENITORES DO ACORDO DE REGULAÇÃO DE PODER PATERNAL (OU “RESPONSABILIDADES PARENTAIS”). IV - ABSOLVER O RECORRENTE DA CONDENAÇÃO EM CUSTAS PROCESSUAIS, POR CARECEREM A MESMA DE “CAUSA” E SE AFIGURAR ILEGAL E DESPROPORCIONADO O VALOR APURADO. ASSIM DECIDINDO, V. EXAS. FARÃO JUSTIÇA!» O Ministério Público apresentou contra-alegações, concluindo que não existe nulidade da decisão recorrida por falta de fundamentação, que o novo acordo celebrado pelos progenitores não poderá ser considerado válido por não ter sido submetido a homologação judicial, pois só uma nova decisão judicial poderia alterar o conteúdo das responsabilidades parentais que se encontravam determinadas pelo Tribunal, e estando a menor a residir com a progenitora desde Abril de 2012 (o que estava em conformidade com o regime de responsabilidades parentais fixado judicialmente), a partir de tal data o pai estava obrigado a prestar alimentos à filha, e que o Tribunal “a quo” não estava obrigado a convocar uma conferência de pais para decidir o incidente de incumprimento suscitado, pelo que a preterição de tal diligência não seria nunca susceptível de por em crise a decisão recorrida. Termina, pugnando pela manutenção da decisão recorrida. O recurso foi admitido por despacho certificado a fls. 57 a 59, no qual o Tribunal “a quo” se pronunciou sobre a nulidade da decisão posta em crise suscitada pelo recorrente, concluindo pela inexistência de qualquer nulidade. Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir.II. FUNDAMENTAÇÃO O objecto do recurso é delimitado pelas conclusões das respectivas alegações, sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso, tendo por base as disposições conjugadas dos artºs 660º, nº. 2, 684º, nº. 3 e 685º-A, nº. 1 todos do Código de Processo Civil. Nos presentes autos, o objecto do recurso, delimitado pelo teor das suas conclusões, circunscreve-se à apreciação das seguintes questões: - nulidade da decisão recorrida por não se encontrar suficientemente fundamentada; - validade do acordo de regulação das responsabilidades parentais celebrado entre os progenitores da menor e não submetido a homologação judicial; - estava o Tribunal “a quo” obrigado a convocar uma conferência de pais para decidir o incidente de incumprimento? Com interesse para a decisão das questões suscitadas no presente recurso, importa considerar a seguinte factualidade: 1 - Por sentença homologatória do acordo de regulação do exercício do poder paternal da menor C..., datada de 2/07/2007 e proferida no processo acima identificado, ficou estabelecido o seguinte [transcrição]: 1. A menor fica entregue à guarda e cuidados da progenitora, a quem incumbirá o Exercício do Poder Paternal. 2. A menor passará fins de semana alternados com o progenitor; 3. O progenitor poderá ir buscar a menor dois dias por semana ao colégio, a combinar com a progenitora, pernoitando em casa do pai, que a leva no dia seguinte ao colégio; 4. A menor passará metade das férias com cada um dos progenitores; 5. Nas férias do Natal a menor passará alternadamente uma semana com cada um dos progenitores de modo a estar com cada um alternadamente no período do Natal e Ano Novo, sem prejuízo de poder estar com o outro progenitor nesses mesmos dias festivos; 6. No dia do aniversário da menor esta fará uma refeição com cada um dos progenitores, sem prejuízo das actividades e descanso da menor; 7. No aniversário do pai, dia do pai, aniversário da mãe, e dia da mãe a menor fará uma refeição com cada um dos progenitores, sem prejuízo das actividades e descanso da C… ; 8. O progenitor poderá estar com a menor sempre que quiser, sem prejuízo do descanso e actividades escolares; 9. O progenitor fica obrigado a pagar a título de prestação de alimentos a favor da menor, a quantia de € 200 (duzentos euros) acrescida de metade do valor da mensalidade do colégio (valor actual € 282) e pagará ainda metade de todos os extras relativos ao colégio, tais montantes serão depositados na conta da progenitora até ao dia 8 de cada mês; a quantia de € 200 será actualizada em 3% em Janeiro de cada ano, o pai pagará ainda o montante relativo ao seguro de saúde; 10. As despesas médicas e medicamentosas não cobertas pelo seguro de saúde serão suportadas a meias por ambos os progenitores mediante a apresentação do comprovativo. Cláusula Temporária do início de Julho a meados de Agosto: Por razões profissionais da mãe, a C... ficará à guarda e cuidados do progenitor, até meados de Agosto de 2007, e todos os fins de semana serão passados com a progenitora (fls. 3 a 5). 2 - Em 10/07/2012, o requerido veio juntar aos autos cópia de um requerimento subscrito por ambos os pregenitores, no qual acordavam fixar, a título provisório, que a menor C... ficaria à guarda do progenitor de Setembro de 2011 a final de Junho de 2012, passando alternadamente os fins de semana com a progenitora, invertendo-se os papéis em tudo o que anteriormente foi fixado pelo Tribunal, nomeadamente no que ao pagamento da prestação de alimentos diz respeito (fls. 9 a 11). 3 - Tal acordo celebrado entre os progenitores não foi submetido a apreciação do Tribunal para homologação judicial. 4 - A menor C... passou a residir com o requerido até Março de 2012, altura em que foi passar as férias da Páscoa a Portalegre com a progenitora e ali ficou a residir a partir de Abril de 2012, não voltando a Portimão (fls. 9 e 15 a 18). 5 - O requerido não pagou as prestações de alimentos referentes aos meses de Abril a Dezembro de 2012, no montante global de € 2 016,00 (€ 224,00 x 9 meses), acrescido de metade das despesas escolares da menor, no valor de € 163,85 (fls. 21 a 26). 6 - Em 23/01/2013 foi proferido o despacho ora recorrido com o seguinte teor [transcrição]: «É certo que os progenitores podem - e devem - acordar sobre questões respeitantes à vida dos filhos. Porém, se tais questões forem relevantes, como parece ser o caso, e dado que ambos acordaram num novo regime sobre o exercício das responsabilidades parentais, então deveriam tê-lo submetido à apreciação do Tribunal para homologação. Sucede, porém, que assim não sucedeu. Por conseguinte, o regime vigente é o que consta dos autos de RPP, em apenso, a fls. 20 e 21. Assim, e estando a menor a viver desde Abril de 2012 com a mãe, o que está de acordo com o regime fixado nos referidos autos, e não tendo o progenitor efectuado o pagamento da prestação de alimentos, terá de se concluir pelo incumprimento desde a referida data. Pelo exposto, decido julgar comprovada a situação de incumprimento alegada no referido requerimento, no que concerne ao montante global de 2.179,85 € (sendo 2.016,00 € relativo às prestações de alimentos não pagas desde Abril de 2012 a Dezembro de 2012 e 163,85 € de despesas escolares). Custas a cargo do requerido, no mínimo legal. Registe e notifique». * Apreciando e decidindo.I) - Nulidade da decisão recorrida por não se encontrar suficientemente fundamentada: De um modo algo confuso, argui o recorrente a nulidade da decisão recorrida por ausência de fundamentação expressa, acessível e compreensível, invocando, para tanto, o artº. 668º, nº. 1, al. c) do CPC. As nulidades da sentença/decisão dizem directamente respeito a um vício da própria decisão e a sua verificação acarreta a nulidade da mesma (cfr. artº. 668º do CPC). Ora, tais causas de nulidade da sentença abrangem os despachos, sendo aplicável o disposto no artº. 668° por força do artº. 666°, nº. 3 ambos do CPC. Constam do artº. 668° do CPC as causas de nulidade da sentença/despachos, e entre elas a da alínea c) do nº. 1, nos termos da qual é nula a sentença quando os fundamentos estejam em oposição com a decisão. Acompanhamos a posição defendida pela Mª Juíza “a quo” ao referir que “a decisão judicial deve constituir a consequência lógica dos fundamentos invocados pelo julgador, verificando-se a nulidade prevista nesta alínea se, na fundamentação da sentença, o julgador seguir determinada linha de raciocínio, apontando para determinada conclusão, e, em vez de a tirar, decidir noutro sentido, oposto ou divergente. Verifica-se esta nulidade quando existe um vício no raciocínio do julgador consistente numa contradição intrínseca entre os fundamentos por ele invocados e a decisão tomada. Esta oposição não se confunde com o erro na subsunção dos factos à norma jurídica ou, muito menos com o erro de interpretação desta. Na al. c) do n°. 1 do artº. 668° a lei refere-se à contradição real entre os fundamentos e a decisão e não às hipóteses de contradição aparente, resultantes de simples erro material, seja na fundamentação, seja na decisão. Quanto à outra nulidade, da oposição entre os fundamentos e a decisão (al. c) do nº. 1 do artº. 668°) reconduz-se a um vício lógico no raciocínio do julgador, em que as premissas de facto e de direito apontam num sentido e a decisão noutro, oposto ou diverso. O que aí sucede, no dizer de A. dos Reis é que a construção da sentença é viciosa, pois os fundamentos invocados pelo juiz conduziriam logicamente não ao resultado expresso na decisão, mas a resultado oposto. (...) Uma coisa é a subsunção dos factos ao direito, ou uma errónea interpretação da lei, situação geradora de erro de julgamento, outra, distinta, é o raciocínio da sentença apontar num sentido, mas esta concluir num outro, situação em que haverá contradição lógica, e, consequentemente, nulidade”. Estamos no âmbito de um processo de jurisdição voluntária, como de forma expressa se consagra no artº. 150° da OTM, onde a solução mais adequada ao caso concreto se deve impor a critérios de legalidade estrita (cfr. artº. 1409° do CPC), a que acresce o facto de estarmos perante uma decisão proferida no âmbito de um incidente de incumprimento da regulação das responsabilidades parentais. Neste tipo de incidentes, as exigências de fundamentação não poderão seguir os mesmos critérios de fundamentação de uma sentença final que regulamentasse tais responsabilidades parentais. A questão a dirimir reveste alguma simplicidade e a respectiva decisão foi proferida após alegações de ambos os progenitores e de terem sido efectuadas as diligências que o Tribunal considerou pertinentes e necessárias para ficar habilitado a decidir a mesma. Com efeito, a Mª Juíza “a quo” ponderou todos os elementos de prova constantes dos autos e oferecidos por ambas as partes, e após exame crítico dos mesmos, mediante a confissão parcial do requerido, afastando a relevância do acordo extrajudicial celebrado pelos progenitores e fazendo referência ao regime de regulação das responsabilidades parentais vigente, proferiu decisão a dar provimento ao incidente de incumprimento. E tal decisão, ao contrário do que pretende o recorrente, encontra-se em nosso entender suficientemente fundamentada, fundamentação essa que está de acordo com a respectiva decisão, pelo que não existe qualquer oposição entre a mesma e os seus fundamentos. Pelo exposto, entendemos que a decisão recorrida não padece da nulidade prevista na alínea c) do nº. 1 do artº. 668º do CPC, arguida pelo recorrente, nem da prevista na alínea b) do mesmo dispositivo legal. * II) - Validade do acordo de regulação das responsabilidades parentais celebrado entre os progenitores da menor e não submetido a homologação judicial:Relativamente a esta questão, bem refere o Dº Magistrado do Ministério Público na sua resposta, que tal acordo, ao contrário do que se infere das alegações do recorrente, não era do conhecimento do Tribunal até 10/07/2012, data em que o mesmo foi junto aos autos pelo requerido quando apresentou as suas alegações no incidente de incumprimento, e numa altura em que a situação de facto da menor já se encontrava em conformidade com o acordo de regulação do exercício das responsabilidades parentais fixado nos autos e ainda vigente, ou seja, já se encontrava a residir com a progenitora desde Abril de 2012, facto este que, aliás, foi confirmado pelo próprio requerido nas suas alegações. De qualquer forma, tal como foi decidido pelo Tribunal “a quo”, com o qual concordamos, não tendo tal acordo celebrado entre os progenitores sido submetido a homologação judicial, o regime válido só poderia ser aquele que se encontrava fixado por sentença nos autos de regulação do exercício do poder paternal. Com efeito, mesmo que ambos os progenitores estejam de acordo quanto à alteração da regulação das responsabilidades parentais, designadamente no que concerne aos alimentos devidos ao filho, só uma nova decisão judicial poderia alterar o conteúdo das responsabilidades parentais que se encontravam determinadas por decisão judicial anteriormente proferida (cfr. artº. 1905º do Código Civil). Na verdade, o conteúdo do regime de exercício das responsabilidades parentais em relação à filha menor não está na livre disponibilidade dos progenitores. Sem dúvida que é importante - desde logo como garantia prévia do seu cumprimento - a adesão destes a uma solução tida por eficaz, mas esta só é homologada pelo Tribunal desde que salvaguarde os interesses da menor (artº. 177°, nº. 1 da OTM). Ora, é este interesse que se sobrepõe na definição do regime das responsabilidades parentais, se necessário com postergação de uma vontade comum dos seus progenitores. A necessidade de homologação judicial do acordo celebrado entre os progenitores visa essencialmente salvaguardar a protecção dos interesses do menor, não obstando à homologação a inexistência de litígio, importando atender a que, sem tal homologação, não seria possível, em caso de incumprimento, possibilitar ao progenitor não faltoso reagir visto que relevaria apenas e tão somente a decisão judicial que homologara o acordo entretanto alterado de facto. Neste sentido se pronunciou o acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 3/12/2012, proferido no proc. nº. 92/10.4TBBBR-B, que remeteu para o acórdão daquele mesmo Tribunal de 27/03/2007, proferido no proc. nº. 2170/2007-7 (ambos acessíveis em www.dgsi.pt), aos quais aderimos, no qual, a dada altura se refere o seguinte: «Sendo a regulação do exercício do poder paternal uma decisão sujeita a registo, como o é, qualquer alteração ao seu conteúdo está também sujeita a um novo registo – art. 1º, al. f) e nº. 2º do CRC. Assim, desde logo, há que concluir que qualquer alteração a uma regulação do exercício do poder paternal já fixada tem de, obrigatoriamente, ser objecto de apreciação e decisão, não bastando a simples vontade das partes (progenitores) para esse efeito. Tinham, pois, os Requerentes de recorrer a Tribunal para que tal alteração fosse juridicamente relevante e produzisse os respectivos efeitos. (…) Na verdade, estando ambos os progenitores de acordo quanto à alteração da regulação, restava-lhes requerer a respectiva homologação, em relação à qual o Tribunal se pronunciaria nos termos legais, sendo certo que o mesmo apenas passaria a ser vinculativo para os Requerentes após a respectiva sentença homologatória. (…) Sendo a jurisdição de menores, como o é, uma área em que o acordo das partes quanto às questões de particular relevância da vida dos menores, um dos objectivos primordiais a atingir – e sendo do conhecimento comum que as probabilidades de cumprimento de um acordo são maiores do que os de uma decisão imposta pelo Tribunal – é de privilegiar a sua obtenção», cabendo às partes requererem ao Tribunal a homologação de um acordo de alteração à regulação do exercício das responsabilidades parentais, impondo-se ao Tribunal verificar, aquando da homologação, se os interesses do menor estão ou não acautelados. Teremos, pois, de concluir que o mencionado acordo extrajudicial celebrado pelos progenitores, posterior a um acordo homologado judicialmente, não é válido por violação de procedimento formal necessário (artºs 1905º, 219º e 220º todos do Código Civil) – cfr. acórdão da RC de 17/05/2011, proc. nº. 76/10.2T6AVR-A, acessível em www.dgsi.pt. Acresce referir que, para além da irrelevância e invalidade de tal acordo, encontrando-se a menor a residir com a progenitora desde Abril de 2012 - e sendo só a partir desta data que o requerido foi condenado no incidente de incumprimento - entendemos que a partir de tal data o pai estava obrigado a prestar alimentos à filha (e isto quer a progenitora tivesse ou não pago alimentos no período em que a menor C... residiu com o pai), pois os alimentos não podem sequer ser objecto de compensação entre os progenitores (cfr. artº. 2008°, nº. 2 do Código Civil). Assim, encontrando-se em vigor o regime de regulação das responsabilidades parentais fixado nos autos em 2/07/2007, nos termos do qual o pai estava obrigado a pagar mensalmente a prestação de alimentos ali fixada a favor da sua filha, e resultando dos autos, nomeadamente das próprias alegações do requerido, que este vinha incumprindo tal obrigação desde Abril de 2012, bem andou a Mª Juíza “a quo” ao julgar comprovada a situação de incumprimento por parte do requerido, no que concerne ao montante global de € 2 179,85 (sendo € 2 016,00 relativo às prestações de alimentos em dívida desde Abril a Dezembro de 2012 e € 163,85 referente a metade das despesas escolares da menor). * III) - Estava o Tribunal “a quo” obrigado a convocar uma conferência de pais para decidir o incidente de incumprimento?Como o próprio recorrente refere nas suas alegações, no caso em apreço estamos no âmbito de um processo de jurisdição voluntária, mais propriamente perante um incidente de incumprimento de uma regulação do exercício das responsabilidades parentais (artº. 181° da OTM), cujas regras, em matéria de tramitação e julgamento, estão definidas nos artºs 1409° a 1411° do CPC e se caracterizam, em termos genéricos, pela sua celeridade, investigação oficiosa dos factos e das provas na medida do estritamente necessário à decisão, não sujeição a critérios de legalidade estrita, devendo o julgador “adoptar em cada caso a solução que julgue mais conveniente e oportuna”, em face dos interesses a regular no caso concreto (artº. 1410° do CPC), livre modificabilidade das decisões ou providências (artº. 1411°, nº. 1 do CPC) e inadmissibilidade de recurso para o STJ (artº. 1411°, nº. 2 do CPC). Na sequência do que tem sido defendido na Doutrina, designadamente pelo Prof. José Alberto dos Reis (in “Processos Especiais”, Vol. II, Coimbra Editora, 1982, pág. 399 a 401), nos processos de jurisdição voluntária, dado o predomínio do princípio do inquisitório sobre o dispositivo, o Tribunal fica mais liberto da exigência contida na parte final do art°. 664º do CPC, segundo a qual o juiz só pode servir-se dos factos articulados pelas partes, o que lhe permite investigar e levar em consideração factos que julgue relevantes, independentemente de terem ou não sido alegados. Vigora, assim, no que respeita à forma, o princípio da adequação formal consagrado no no artº. 265º-A do CPC. Reportando-nos ao caso em apreço, não estava o Tribunal “a quo” obrigado a convocar qualquer conferência de pais para decidir o incidente de incumprimento suscitado, não fazendo, pois, sentido, salvo o devido respeito, pretender a anulação ou revogação do decidido por ausência de uma decisão motivada, em razão de não ter sido convocada nem realizada tal conferência. Com efeito, o processo de jurisdição voluntária em causa não exige a realização de tal conferência de pais para que seja proferida decisão, sendo esse o regime que decorre do n°. 4 do artº. 181º da OTM, pelo que não será a omissão de tal diligência que poderá por em crise a decisão recorrida. Na verdade, é inequívoco que desde Abril de 2012 - data a partir da qual é consensual que a menor C... passou a residir com a mãe - o requerido não cumpre a sua obrigação de prestação de alimentos à filha. Por isso, sendo incontrovertido que o requerido deixou de pagar desde aquela data e até Dezembro de 2012 os alimentos à sua filha, tal como lhe era imposto pelo acordo do exercício das responsabilidades parentais homologado judicialmente e ainda vigente, entende-se que bem andou o Tribunal “a quo” ao proferir a decisão recorrida nos termos em que o fez e sem necessidade de realização de qualquer conferência de pais. Com efeito, face à confissão do requerido relativamente a tal incumprimento a partir de Abril de 2012, torna-se evidente que o Tribunal não sentiu necessidade de produção de quaisquer outras provas ou de realização de qualquer conferência de pais para considerar procedente o incidente de incumprimento deduzido pela progenitora. Nestes termos, improcede o presente recurso de apelação. * III. DECISÃOEm face do exposto e concluindo, acordam os Juízes da Secção Cível do Tribunal da Relação de Évora em julgar improcedente o recurso de apelação interposto pelo requerido M... e, em consequência, confirmar a decisão recorrida. Custas a cargo do recorrente. Évora, 14 de Novembro de 2013 (processado em computador e revisto, antes de assinado, pela relatora) (Maria Cristina Cerdeira) (Maria Alexandra Afonso de Moura Ramos) (Eduardo José Caetano Tenazinha) |