Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
07B1678
Nº Convencional: JSTJ000
Relator: SALVADOR DA COSTA
Descritores: OBRIGAÇÃO ALIMENTAR
CESSAÇÃO
ALIMENTOS DEVIDOS A FILHOS MAIORES
FORMAÇÃO PROFISSIONAL
TÍTULO EXECUTIVO
Nº do Documento: SJ200705310016787
Data do Acordão: 05/31/2007
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: AGRAVO
Decisão: PROVIDO
Sumário : 1. A manutenção da obrigação alimentar dos pais em relação aos filhos depois de atingirem a maioridade ou emancipação depende, na falta de acordo, da alegação e prova, a título de causa de pedir, dos factos relativos ao seu não completamento da formação profissional e à razoabilidade dessa manutenção.
2. A sentença condenatória do obrigado a prestar alimentos aos filhos enquanto menores é insusceptível de constituir de título executivo para além da quantia exequenda devida até eles atingiram a maioridade.
Decisão Texto Integral:
Acordam no Supremo Tribunal de Justiça

I

AA, em representação dos filhos menores BB, CC e DD, intentou, em 1992, contra EE, nos termos do artigo 186º da Organização Tutelar de Menores, acção de alimentos, pedindo a sua condenação a prestar-lhes alimentos no montante de 105 000$.
Por sentença proferida no dia 9 de Janeiro de 1994 foi a referida acção tutelar de alimentos julgada parcialmente procedente e condenado o réu a pagar à requerente, desde Junho de 1992, a prestação mensal de 85 972$
O Ministério Público, em representação dos referidos menores, instaurou, no dia 21 de Fevereiro de 1994, contra EE, acção executiva de alimentos com processo especial, com base na referida sentença, indicando a quantia exequenda de 1 675 412$.
Os exequentes atingiram entretanto a maioridade, e o tribunal da 1ª instância, por despacho proferido no dia 12 de Maio de 2006, considerou apenas a quantia exequenda de € 25 738,67 até à maioridade dos exequentes e declarou a cessação da execução no que concerne ao excedente.
Os exequentes interpuseram recurso de agravo do referido despacho, e a Relação, por acórdão proferido no dia 16 de Janeiro de 2007, dando provimento ao recurso, ordenou que a execução prosseguisse sem a limitação decidida pelo tribunal da primeira instância, sob o fundamento de a obrigação do executado se prolongar para alem da menoridade dos exequentes e de a sentença valer como título executivo em relação à totalidade da quantia exequenda.

Interpôs EE recurso de agravo para este Tribunal, formulando, em síntese, as seguintes conclusões de alegação:
- é excepcional a obrigação dos pais de continuarem a promover o sustento dos filhos maiores e tal depende da prova por eles dos pressupostos previstos no artigo 1880º do Código Civil;
- a sentença que serve de título executivo à execução não abrange alimentos
devidos aos exequentes na sua maioridade;
- o artigo 1412º, nº 2, do Código de Processo Civil não prevê o aproveitamento como título executivo da sentença condenatória no pagamento de alimentos devidos a menores nem o ónus de o obrigado fazer cessar essa obrigação;
- o acórdão recorrido violou os artigos 1880º do Código Civil e 1412º , nº 2, do Código de Processo Civil.

Responderam os recorridos, em síntese de alegação;
- não deve ser admitido o recurso, dado o disposto no artigo 754º, nº 2, do Código de Processo Civil;
- o artigo 1880º do Código Civil concede-lhes o direito continuar a perceber alimentos até completarem a sua formação profissional;
- face ao disposto no artigo 1412º do Código de Processo Civil, têm direito a continuarem a receber os alimentos no mesmo processo e com base mesma sentença até que em incidente se decida a sua cessação.

II
É a seguinte a dinâmica processual que releva no recurso:
1. Os exequentes BB, CCe DD nasceram, respectivamente, nos dias 9 de Novembro de 1979, 29 de Outubro de 1980 e 5 de Junho de 1983.
2. Por sentença proferida no dia 9 de Janeiro de 1994, em processo de menores, foi o recorrente, pai dos recorridos, estes então com menos de dezoito anos de idade, condenado a pagar à mãe daqueles, em sua representação, desde Junho de 1992, a prestação mensal de 85 972$.
3. O Ministério Público, em representação dos referidos menores, instaurou, no dia 21 de Fevereiro de 1994, contra EE, acção executiva de alimentos com processo especial, com base na referida sentença, indicando a quantia exequenda de 1 675 412$.
4. Foi apurado na acção executiva que o débito do executado em relação aos exequentes era, aquando atingiram a maioridade, no montante global de € 25 738,67,

III
A questão essencial decidenda é a de saber se a acção executiva em causa deve ou não prosseguir com a quantia exequenda que os recorrentes consideraram.
Tendo em conta o conteúdo do acórdão recorrido e das conclusões de alegação do recorrido, a resposta à referida questão pressupõe a análise da seguinte problemática:
- alimentos a filhos maiores ou emancipados;
- o processo de jurisdição voluntária relativo aos alimentos a filhos maiores ou emancipados;
- estrutura dos títulos executivos em geral;
- âmbito quantitativo da sentença que à execução serve de título executivo.
- síntese da solução para o caso espécie decorrente da dinâmica processual envolvente e da lei.

Vejamos, de per se, cada uma das referidas sub-questões.

1.
Comecemos pela análise do normativo relativo às despesas com os filhos maiores ou emancipados.
Aos recorridos foi judicialmente fixada, enquanto menores, uma pensão de alimentos lato sensu.

Incumbe aos pais, no interesse dos filhos, além do mais, velar pela sua segurança e saúde e prover ao seu sustento (artigo 1878º, n.º 1, do Código Civil).
Mas os pais ficam, em regra, desobrigados de prover ao sustento dos filhos e de assumir as despesas relativas à sua segurança, saúde e educação logo que eles atinjam a maioridade (artigos 1877º e 1878º, nº 1, do Código Civil).
Excepcionalmente, porém, se, no momento em que atingir a maioridade, o filho não houver completado a sua formação profissional, manter-se-á a obrigação a que se refere o artigo anterior na medida em que seja razoável exigir aos pais o seu cumprimento e pelo tempo normalmente requerido para que aquela formação profissional se complete (artigo 1880º do Código Civil).
Os pressupostos de aplicação deste último artigo, conexionado o disposto no artigo anterior, são a maioridade do filho e a sua necessidade de auxílio e assistência dos pais até completar a sua formação profissional.
Todavia, para o efeito, no caso de litígio entre os filhos que carecem do referido auxílio dos pais e estes que têm a obrigação legal de o prestar, importa que o requeiram judicialmente, naturalmente justificando a sua necessidade e a possibilidade dos progenitores.
Dir-se-á, assim, ser a regra no sentido de que o direito a alimentos do filho menor no confronto dos respectivos progenitores cessa com a respectiva maioridade.
Ele tem, porém, direito à manutenção da referida, obrigação alimentar, no memo ou em diferente montante, conforme as circunstâncias, para completar a sua formação profissional.
Mas para tanto importa que o peça em juízo, articulando e provando os factos integrantes da causa de pedir concernente ao direito substantivo previsto no artigo 1880º do Código Civil, isto é, demonstrando que o seu direito a alimentos se mantém (artigos 3º, 264º, nº 1 e 467º, nº 1, alínea d), do Código de Processo Civil).

2.
Atentemos agora na dinâmica do processo de jurisdição voluntária relativo aos alimentos a filhos maiores ou emancipados.
Quando surja a necessidade de se providenciar sobre alimentos a filhos maiores ou emancipados, nos termos do artigo 1880º do Código Civil, seguir-se-á, com as necessárias adaptações, o regime previsto para os menores (artigo 1412º, nº 1, do Código de Processo Civil).
Tendo havido decisão sobre alimentos a menores ou estando a correr o respectivo processo, a maioridade ou emancipação não impede que o mesmo se conclua e que os incidentes de alteração ou de cessação dos alimentos corram por apenso (artigo 1412º, nº 2, do Código de Processo Civil).
Assim, por um lado, o procedimento destinado a realizar o direito de alimentos dos filhos que atinjam a maioridade e careçam de alimentos lato sensu para completarem a sua formação profissional segue, sob adaptação, tenha ou não havido sentença a fixar alimentos em razão da sua menoridade, o regime processual relativo aos menores.
E, por outro, tendo havido decisão sobre alimentos a menores, a sua maioridade não impede que os incidentes de alteração ou de cessação dos alimentos corram por apenso.

Assim, na hipótese de instauração do procedimento constante no nº 1 deste artigo e de já haver sentença que tenha fixado alimentos aos requerentes enquanto menores, a este processo podem continuar a apensar-se os incidentes de alteração ou de cessação da prestação alimentar.
Da letra e do escopo finalístico do nº 2 deste artigo não resulta, porém, que enquanto os progenitores não requererem a cessação da obrigação alimentar fixada judicialmente aos filhos ela se mantém.
Ademais, o correr por apenso ao processo onde a obrigação alimentar dos pais em relação aos filhos menores não significa que se os primeiros não requererem a respectiva cessação continua a mencionada vinculação.
A expressão da lei no que concerne à manutenção da pensão alimentar não significa que o interessado não deva provar os respectivos pressupostos e antes deva ser o obrigado a requerer a sua cessação.
O que resulta da lei é que a obrigação alimentar dos pais em relação aos filhos menores cessa quando eles atinjam a maioridade legal, salvo se eles requererem a sua manutenção.
A circunstância da multiplicação dos casos em que os filhos não completaram a formação profissional aquando da maioridade legal não justifica, como é natural, presunção dos pressupostos de facto integrantes da causa de pedir relativa ao direito a que se reporta o artigo 1880º do Código Civil.
Ademais, o artigo 1879º do Código Civil não contém qualquer subsídio tendente à resolução desta problemática, visto que se reporta a uma situação de desobrigação dos pais de prover ao sustento dos filhos menores, ou seja, a momento anterior à sua maioridade legal.

3.
Vejamos agora a síntese da estrutura e do fim dos títulos executivos em geral.
A acção executiva visa a implementação das providências adequadas à efectiva reparação do direito violado, e tem por base um título pelo qual se determinam o seu fim e limites (artigos 4º, n.º 3, e 45º, n.º 1, do Código de Processo Civil).
A relevância especial do título executivo que resulta da lei deriva da segurança tida por suficiente da existência do direito substantivo cuja reparação se pretende efectivar por via da acção executiva.
O fundamento substantivo da acção executiva é, pois, a própria obrigação exequenda, constituindo o título executivo o seu instrumento documental legal de demonstração.
Ele constitui, para fins executivos, condição da acção executiva e a prova legal da existência do direito de crédito nas suas vertentes fáctico-jurídicas, assumindo, por isso, autonomia em relação à realidade que prova.

4.
Atentemos agora a questão fulcral do recurso de saber qual é o âmbito quantitativo da sentença dada à execução pelos recorridos.
No quadro das várias espécies de títulos executivos que podem servir de base à execução contam-se, por exemplo, as sentenças condenatórias (artigo 46º, nº 1, alínea a), do Código de Processo Civil).

Recorde-se que no acórdão recorrido se concluiu, por um lado, no sentido de que a obrigação alimentar fixada na sentença continuava não obstante a maioridade dos recorridos e que valia como título executivo.
Na realidade, a sentença que à execução serve de título executivo incidiu sobre a obrigação do recorrente de prestar alimentos aos recorridos no âmbito da menoridade destes, no quadro do exercício do poder paternal.
A excepcional manutenção da mencionada obrigação de alimentos do recorrente em relação aos recorridos dependia de decisão judicial que julgasse verificados os pressupostos a que se reporta o artigo 1880º do Código Civil.
Os factos provados não revelam que os recorridos tenham a existência de alguma decisão judicial no sentido da manutenção da mencionada obrigação alimentar.
Em consequência, a conclusão é no sentido de que os recorridos não dispõem de título executivo no que concerne ao valor excedente ao débito do recorrente àqueles para além do termo da sua menoridade legal.

5.
Vejamos, finalmente, a síntese da solução para o caso decorrente da dinâmica processual envolvente e da lei.
A obrigação alimentar dos pais em relação aos filhos menores cessa, em regra quando eles atingem a maioridade ou a emancipação.
A referida obrigação só se mantém a partir da maioridade dos interessados se o requerem judicialmente e aleguem e provem, a título de causa de pedir, os factos relativos ao não completamento da respectiva formação profissional e à razoabilidade dessa manutenção.
O disposto no artigo 1412º, nº 2, do Código de Processo Civil não permite a conclusão jurídica da presunção da verificação dos pressupostos a que se reporta o artigo 1880º do Código Civil nem de que enquanto os pais não requererem a cessão da obrigação alimentar fixada por sentença ela se mantém.
A sentença que condenou o recorrente a prestar alimentos aos filhos enquanto menores é insusceptível de servir de título executivo para além da quantia exequenda devida até aqueles atingiram a maioridade.

Procede, por isso, o recurso, com a consequência de se dever revogar o acórdão recorrido de prevalecer o despacho proferido no tribunal da primeira instância.
Vencidos, são os recorrentes responsáveis pelo pagamento das custas respectivas (artigo 446º, nºs 1 e 2, do Código de Processo Civil).


IV
Pelo exposto, dá-se provimento ao recurso, revoga-se o acórdão recorrido, para ficar a subsistir o despacho proferido no tribunal da primeira instância, e condenam-se os recorridos no pagamento das custas respectivas.

Supremo Tribunalç de Justiça, 31 de Maio de 2007.

Salvador da Costa (relator)
Ferreira de Sousa
Armindo Luís