Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
769/15.8T8LRS.1.L1-2
Relator: JORGE LEAL
Descritores: ALIMENTOS A FILHO MAIOR
LEGITIMIDADE DO PROGENITOR CONVIVENTE
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 04/04/2019
Votação: MAIORIA COM * DEC VOT E * VOT VENC
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PROCEDENTE
Sumário: (Elaborado pelo relator)
I. A Lei n.º 122/2015, de 01.9, alterou o art.º 989.º do CPC, de molde a conferir ao progenitor que assume a título principal o encargo de pagar as despesas dos filhos maiores que não podem sustentar-se a si mesmos, legitimidade para exigir ao outro, em juízo, o pagamento de uma contribuição para o sustento e educação dos filhos, em termos idênticos ao regime previsto para os menores (n.º 3 do art.º 989.º).

II. Existindo decisão judicial que confere ao ora jovem maior direito a prestação de alimentos, devidos pelo pai/executado, aí figurando a residência do então menor com a ora mãe/exequente e alegando a mãe que tem sido ela quem tem apoiado o jovem na continuação da sua formação, demonstrada está, à luz do requerimento executivo e do documento apresentado como título (a dita sentença), a legitimidade processual da apelante/exequente para a instauração da execução por alimentos.

III. Sendo certo que em sede de tutela do direito à prestação de alimentos a favor dos filhos, face à multiplicidade de meios processuais concebidos e proporcionados pelo legislador, cabe ao credor optar pelo meio adjetivo que melhor entender servir o interesse em presença, sem prejuízo do controle jurisdicional da adequação do meio utilizado.
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam os juízes no Tribunal da Relação de Lisboa

RELATÓRIO
Em 17.4.2017 Sandra intentou no Juízo de Família e Menores de Loures execução especial por alimentos contra Paulo
A exequente alegou, em síntese, que por sentença transitada em julgado o executado foi condenado a pagar de pensão de alimentos ao filho da exequente e do executado, Ricardo, € 510,00 mensais, atualizados automaticamente em janeiro de cada ano de acordo com índice de preços no consumidor. O executado pagou a última pensão em dezembro de 2014, mês em que o filho atingiu a maioridade, e nada mais pagou. Ora, o filho continua a estudar, completando a sua formação, situação de que o pai foi informado. O filho do casal vive com a exequente, e é esta que tem suportado todas as despesas de sustento e educação deste. A sentença supra referida é título executivo e a exequente pode subrogar-se nos direitos de crédito do filho. Atualmente está em dívida, desde janeiro de 2015 até abril de 2017, o total de € 18 111,52. A estes valores acrescem juros de mora, contados desde a data de vencimento de cada prestação até efetivo e integral pagamento, contando-se os juros, à data da instauração da execução, em € 827,27.
A exequente juntou cópia da referida sentença e outros documentos.
Em 02.5.2017 foi proferida a seguinte decisão:
Vem a exequente requerer o pagamento por parte do executado da prestação de alimentos a que o mesmo está vinculado a favor do filho de ambos, a qual foi fixada durante a menoridade deste, reclamando, em concreto, as prestações de alimentos vencidas desde janeiro de 2015 até abril de 2017, inclusive.
Sucede que o filho de exequente e executado - a saber: Ricardo (…), nascido a 17/12/1996 (cfr. certidão de nascimento de fls. 8 do processo principal) - atingiu a maioridade a 17/12/2014, pelo que, no tocante às prestações alimentícias vencidas após essa data, carece a exequente de legitimidade para as reclamar, o que se declara, visto que, ao adquirir o filho plena capacidade para o exercício de direitos e, por conseguinte, capacidade judiciária - cfr. art. 15º do CPC -, é este quem poderá e deverá exigir tais prestações, não se confundindo este direito do filho maior com o direito que a progenitora tem de, ao abrigo do art. 989º, nº 3, do CPC, exigir do executado uma contribuição para o sustento e educação do mencionado filho: está aqui em causa uma relação de responsabilidade direta entre progenitores, a qual terá de correr de forma autónoma.
Destarte, e atenta a ilegitimidade da exequente, indefere-se liminarmente o requerimento executivo.
Valor da causa: o constante do requerimento executivo.
A exequente apelou da sentença, tendo apresentado alegações em que formulou as seguintes conclusões:
A - A presente Execução é intentada pela mãe do Ricardo Emanuel contra o pai deste. O título executivo é a sentença que regulou o poder paternal relativamente ao Ricardo e que condenou o pai a entregar à mãe a pensão de alimentos devida ao filho até dia 8 de cada mês.
B - O executado deixou de pagar a pensão de alimentos devida quando o filho atingiu a maioridade.
C - De acordo com a sentença, a pensão deveria ser entregue à mãe, logo esta é a credora sendo, por isso, parte legítima à luz do disposto no artigo 53º CPC.
D - O dever de prestar alimentos ao filho até completar a sua formação profissional recai sobre ambos os progenitores mesmo após a maioridade daquele (artigos 1878º, 1879º e 1880º CC).
E - Tendo o pai deixado de cumprir a sua obrigação, é a exequente quem tem estado a cumprir pelos dois. Pode, assim, subrogar-se nos direitos do filho nos termos do artigo 592º/1 CC. É assim, também por este motivo, parte legítima nestes autos.
F - Até porque da leitura do artigo 989º/4 CPC resulta, a contrario, que, não havendo decisão do juiz ou acordo dos pais, é o progenitor convivente com o filho que deve receber a contribuição do outro!
G - De acordo com o artigo 989º/3 CPC o progenitor convivente com o filho e que assume sozinho todas as despesas com o seu sustento, pode exigir do outro o pagamento de uma contribuição para o sustento e educação do(s) filho(s) de ambos. E, se pode o mais (exigir o pagamento através de acção declarativa) ... pode o menos (isto é, executar a sentença que venha a se proferida naquela acção). Caso contrario esvaziar-se-ia tal direito!
H - In casu, já existe sentença condenatória (título executivo). Havendo incumprimento pode a mãe, aqui exequente, executar aquela sentença à luz do disposto no artigo 989º/3 CPC (contrariamente ao que, erradamente, defende o Tribunal a quo).
I - Deve, assim, a sentença de que se recorre ser revogada e substituída por decisão que reconheça a legitimidade da aqui recorrente, ordenando-se o imediato prosseguimento dos autos, assim se fazendo a costumada e tão aguardada Justiça. Normas jurídicas violadas: 53/1, 989CPC, 592/1, 1878, 1879, 1880 e 1905 do CCiv.
O executado contra-alegou, tendo rematado as suas alegações com as seguintes conclusões:
I – A Apelante veio reclamar na presente Acção Executiva, do seu ex-marido, prestações alimentares alegadamente devidas ao filho de ambos Ricardo (…), desde a data em que este atingiu a maioridade, ou seja, desde 17/02/2014, que valorizou num total, incluindo juros até Abril de 2017, de 18.938,79€.
II – No seu Requerimento Executivo não resulta claro se pretende que essas prestações lhe sejam pagas até à entrada do mesmo em juízo, ou, se as mesmas deverão ser consideradas devidas, nos termos do art.º 1880.º do C. Civil, até este haver completado a sua formação profissional.
III – No seu pedido, a Apelante não referenciou, e entendemos que seria seu dever - que o filho que tem em comum com o Apelado, titular das referidas pensões alimentares, havia já intentado uma Acção de Alimentos a Filhos maiores – Processo n.º (…)/15.0T8LRS, que correu os seus termos no do Tribunal da Comarca de Lisboa Norte – Loures – Instância Central de Família e Menores – J 1, por ter sido transferido da Conservatória de Registo Civil de Loures - Processo n.º (…)/2015.
IV- Acção essa, que foi decidida em 31/03/2017, e transitou em julgado por ter sido proferida pelo Meritíssimo Juíz sentença em julgou procedente a excepção dilatória de ilegitimidade passiva, pelo que absolveu o Requerido da instância, ficando prejudicada a apreciação do mérito da causa, tudo, porque o Requerente não intentou a acção contra ambos os progenitores. cfr (p.f. Doc.1)
V – Independentemente da irrazoabilidade e do absurdo do valor do pedido (2500,00€/2000,00€ mensais), o Apelado confessou as razões pelas quais as prestações foram suspensas, quer no seu desconhecimento da actualização da lei portuguesa por residir há muitos anos nos Estados Unidos da América, quer porque o Avó do requerente, pessoa idosa, também não estava ao corrente das mesmas alterações legais. Subsistia, também, todo um clima de conflito entre as partes, que não foi, todavia, impeditivo do pagamento pontual das prestações alimentares, suas actualizações, com excepção de um incidente relacionado com despesas, que foi, entretanto, resolvido.
VI – Não obstante a referida absolvição de instância, o Apelado ciente da necessidade de cumprir com os preceitos legais e deveres que desconhecia anteriormente ao processo, porque reside há muitos anos nos EUA, efectuou em 14 de Junho de 2017, um pagamento ao seu filho, e entregou ao Tribunal no Proc.º (…)/15.0T8LRS, os comprovativos do pagamento das prestações alimentares calculadas desde Dezembro de 2014 até à Sentença, no valor de 10.150,00€, e passou a pagar-lhe mensalmente 350,00€.( cfr. p.f. Docs 3 a 15)
VII – A razão de ser do cálculo efectuado pelo Apelado para chegar aos ditos 350,00€, foi o seu entendimento a partir leitura da douta sentença, que sendo ambos os progenitores os responsáveis pelos alimentos a partir da maioridade do filho, e que esse valor correspondia não só à divisão pelos mesmos, da prestação devida até Dezembro de 2014, e ser esse o valor que alegou e provou lhe ser possível pagar.
VIII – O Apelado não aceita, nem tem condições para aceitar o valor da execução nem os seus termos, dado que repôs, na medida das suas possibilidades, as prestações alimentares devidas desde a data da maioridade de seu filho, e sempre tem cumprido desde essa data, até agora, entendendo que a expressão “aos pais” inserta no artigo 1880.º do C. Civil lhe permite repartir os encargos com a formação do filho maior, com a progenitora, por um lado.
IX - Apesar disso, com muito esforço, o Apelado, no novo processo (…)/15.8T6LRS.1, disponibilizou-se a alterar o valor das prestações para 450,00€/mensais, até ao momento em que se verificarem as condições do seu termo, previstas no art.º 1880.º do C.Civil. (cfr. p. f. o Doc. 17.), assentando no pressuposto de que o Apelado é um milionário, quando, na realidade, é apenas um técnico informático que vive do seu trabalho, tem um conjunto de despesas e encargos muito significativo, nomeadamente com o pagamento elevado de impostos, estes, impensáveis de comparação com os vigentes em Portugal
X - Uma mera leitura do Requerimento Executivo, sem o conhecimento dos factos enumerados nas presentes Alegações, poderia levar à conclusão de que o Apelado foi ou é uma pessoa desprovida de sentimentos, ou que lhe falta a noção dos seus deveres como cidadão e Pai.
XI - Pelo contrário, desde a separação, e como se esclareceu com a junção do Doc. 17, o Apelado tem cumprido com os seus deveres de apoio. Só não pode aceitar pagar mais do que aquilo que é razoável e honesto pedir-lhe.
XII. – A execução é perfeitamente descabida quanto ao valor, dir-se-á chocante para o comum dos cidadãos, sendo que representa, como sempre representou, por parte da Apelante, um desejo de exploração do Apelado, pela exigência de cumprimento por parte deste das cláusulas k), l), e m) fixadas pelo Tribunal na Sentença que regulou as responsabilidades parentais em 2003, não tendo em conta, que ao longo dos anos, quem mais incumpriu foi a Apelante, por não respeitar as alíneas b) a j),por ter sempre impedido o acesso do Pai e dos Avós ao menor, desde a idade em que este se encontrava no infantário, mudando, inclusive, de instituição para que esse acesso não fosse possível, impediu visitas, telefonemas, desviou correspondência dirigida ao menor, nunca permitiu que este gozasse férias nos EUA ((cfr. p.f. doc. 1 anexo ao Requerimento Executivo),
XIII – A douta Sentença que indeferiu o pedido de execução, na nossa opinião, não violou quaisquer normas de direito substantivo, não contrariou o espírito do legislador, antes revelou que o Meritíssimo Juíz do Tribunal “a quo” procedeu ao enquadramento mais correcto da questão, face aos fundamentos jurídicos para não atribuir legitimidade à pretensão da Apelante para reclamar as ditas prestações alimentares, apoiando essa sua decisão na aquisição por parte do filho de ambos ter adquirido, pela maioridade, capacidade de exercício de direitos para estar por si só em juízo, de acordo com o art.º 15.º do CPC, e, art.º 130.º do C.C
XIV - E teve razão! E assim se espera também concluam Vossas Excelências, tanto mais que o titular das prestações alimentares, veio ao Tribunal, por duas vezes, como vimos, no exercício pleno da sua capacidade de exercício de direitos, reclamar de seu Pai prestações alimentares, sendo que já recebeu as que sua Mãe veio reclamar, conforme se comprovou. (cfr. p.f. Doc.3 a 15)
XV- Não sendo possível ao Apelado aceitar que a Apelante se arrogue, aqui, no direito de sub-rogar-se no crédito de seu filho XVI- Tanto mais que sabe que seu filho recebeu as prestações em atraso, e tem vido a receber mensalmente desde Junho de 2017 o pagamento de prestações alimentares na sua própria cona bancária, cujo NIB/IBAN forneceu ao Pai.
XVII- Sendo que o conhecimento dessa realidade equivale, no nosso entender, ao seu acordo tácito nos termos do previsto no n.º 4 do art.º 989 do CPC, o que leva directamente à extinção dos alegados direitos reclamados.
XVIII - A decisão recorrida não se subordinou unicamente aos critérios rígidos das normas gerais e abstractas em que assentou, as normas do art.º 15.º do CPC, e, art.º 130.º do C.C.. Estamos em crer que para a decisão concorreram outros elementos, com relevo para a experiência, bom senso e critérios de razoabilidade.
XIX -Já que, “Os Processo de Jurisdição voluntária, por oposição aos de jurisdição contenciosa, caracterizam-se por uma nota comum fundamental, que reside no facto de neles se tratar de matérias que necessitam de julgamento, mas de julgamento que não pode subordinar-se unicamente aos critérios rígidos de normas gerais e abstractas, fazendo-se apelo ao que comumente se domina de bom senso do julgador. Segundo Antunes Varela, ao bom senso e aos critérios de razoabilidade devem juntar-se a a capacidade inventiva ou o talento improvisador do homem, pois tratam-se de questões da lei cuja decisão não se adapta à mera rigidez da justiça, e à frieza “tout court”, mas antes à flexibilidade da própria equidade.
(excerto do Acórdão da Relação de Lisboa, Secção Cível, de 04/03/2010, Processo 20002-D1996)
XX - Consequentemente, não podemos deixar de acompanhar a Douta Sentença proferida na Execução.,
O executado terminou pedindo a manutenção da decisão recorrida.
Foram colhidos os vistos legais e, por vencimento do relator, foi lavrado o presente acórdão, pelo primitivo 1.º adjunto.

FUNDAMENTAÇÃO
Tal como emerge das conclusões do recurso, o objeto desta apelação cinge-se à apreciação da legitimidade da exequente para a instauração da presente execução especial por alimentos.
Para além do supra constante no Relatório, dos autos resultam os seguintes
Elementos de facto
1. Ricardo (…) nasceu a 17.12.1996 e foi registado como sendo filho de Paulo (…) e de Sandra (…).
2. O exercício das responsabilidades parentais referentes a Ricardo foi regulado por sentença proferida em 04.6.2003 no Tribunal de Família e Menores de Lisboa, 2.º juízo, 3.ª secção, com confiança do menor à mãe e alimentos a cargo do pai conforme fls. 5/7, 17/18, 139/139 v.º.
O Direito
Durante a menoridade dos filhos, “compete aos pais, no interesse dos filhos, velar pela segurança e saúde destes, prover ao seu sustento, dirigir a sua educação, representá-los, ainda que nascituros, e administrar os seus bens” (n.º 1 do art.º 1878.º do Código Civil, sob a epígrafe “Conteúdo das responsabilidades parentais”).
A obrigação de os pais proverem ao sustento dos filhos menores e de assumirem as despesas relativas à sua segurança, saúde e educação cessa “na medida em que os filhos estejam em condições de suportar, pelo produto do seu trabalho ou outros rendimentos, aqueles encargos” (art.º 1879.º do Código Civil).
Atingida a maioridade dos filhos, cessa a responsabilidade parental dos progenitores em relação àqueles.
A menos que se verifique a situação prevista no art.º 1880.º do Código Civil, que estipula, sob a epígrafe “Despesas com os filhos maiores ou emancipados”, o seguinte:
Se no momento em que atingir a maioridade ou for emancipado o filho não houver completado a sua formação profissional, manter-se-á a obrigação a que se refere o número anterior na medida em que seja razoável exigir aos pais o seu cumprimento e pelo tempo normalmente requerido para que aquela formação se complete.”
Este preceito, introduzido pelo diploma que reduziu a idade de obtenção da maioridade dos 21 para os 18 anos de idade (Dec.-Lei n.º 496/77, de 25.11, art.º 130.º do CC), teve em consideração que hoje em dia muitos jovens atingem a maioridade, ou seja, a plena capacidade legal para o exercício dos seus direitos e o cumprimento das suas obrigações, numa fase que é ainda de formação, isto é, de obtenção dos conhecimentos e competências, por via do ensino e aprendizagem, que lhes permitirão futuramente reunir condições pessoais e materiais para regerem com verdadeira autonomia a sua pessoa e os seus bens. Tal situação de formação profissional exige, as mais das vezes, disponibilidade que não é compatível com o ónus de percecionar rendimentos pelo trabalho, que por sua vez nem sempre – e hoje, cada vez menos – está acessível, pelo que, não dispondo o filho de outros rendimentos próprios que lhe permitam fazer face às suas despesas, justifica-se que se prolongue a responsabilidade parental dos pais a este nível. Porém, apenas “na medida em que seja razoável exigir aos pais o seu cumprimento e pelo tempo normalmente requerido para que aquela formação se complete.”
A Lei n.º 122/2015, de 01.9, aplanou o caminho do jovem para auferir deste apoio na sua formação. Com efeito, este diploma alterou o n.º 2 do art.º 1905.º do Código Civil, aí consignando que “Para efeitos do disposto no artigo 1880.º, entende-se que se mantém para depois da maioridade, e até que o filho complete 25 anos de idade, a pensão fixada em seu benefício durante a menoridade, salvo se o respetivo processo de educação ou formação profissional estiver concluído antes daquela data, se tiver sido livremente interrompido ou ainda se, em qualquer caso, o obrigado à prestação de alimentos fizer prova da irrazoabilidade da sua exigência.”
Conforme se exarou na exposição de motivos do Projeto de Lei n.º 975/XII/4.ª, do grupo parlamentar do Partido Socialista, que esteve na origem deste preceito, “É hoje comum que, mesmo depois de perfazerem 18 anos, os filhos continuem a residir em casa do progenitor com quem viveram toda a sua infância e adolescência e que, na esmagadora maioria dos casos, é a mãe.
Tem vindo a verificar-se, com especial incidência, que a obrigação de alimentos aos filhos menores cessa, na prática, com a sua maioridade e que cabe a estes, para obviar a tal, intentar contra o pai uma ação especial. Esse procedimento especial deve provar que não foi ainda completada a educação e formação profissional e que é razoável exigir o cumprimento daquela obrigação pelo tempo normalmente requerido para que essa formação se complete.
Como os filhos residem com as mães, de facto são elas que assumem os encargos do sustento e da formação requerida.
A experiência demonstra uma realidade à qual não podemos virar as costas: o temor fundado dos filhos maiores, sobretudo quando ocorreu ou ocorre violência doméstica, leva a que estes não intentem a ação de alimentos. Mesmo quando o fazem, a decretação dos processos implica, por força da demora da justiça, a privação do direito à educação e à formação profissional. Há, também, por consequência do descrito, uma desigualdade evidente entre filhos de pais casados ou unidos de facto e os filhos de casais divorciados ou separados.
A alteração legislativa proposta vai ao encontro da solução acolhida em França, confrontada, exatamente, com a mesma situação, salvaguardando no âmbito do regime do acordo dos pais relativo a alimentos em caso de divórcio, separação ou anulação do casamento, a situação dos filhos maiores ou emancipados que continuam a prosseguir os seus estudos e formação profissional e, por outro lado, conferindo legitimidade processual ativa ao progenitor a quem cabe o encargo de pagar as principais despesas de filho maior para promover judicialmente a partilha dessas mesmas despesas com o outro progenitor.
Na mesma linha, a Lei n.º 122/2015 alterou o art.º 989.º do CPC, de molde a conferir ao progenitor que assume a título principal o encargo de pagar as despesas dos filhos maiores que não podem sustentar-se a si mesmos, legitimidade para exigir ao outro, em juízo, o pagamento de uma contribuição para o sustento e educação dos filhos, em termos idênticos ao regime previsto para os menores (n.º 3 do art.º 989.º).
Consignou-se, assim, expressamente, que a obrigação de apoio ao filho maior se mantém após este atingir a maioridade, cabendo ao progenitor ou aos progenitores sujeitos a tal encargo o ónus de, se for o caso, demonstrar(em) judicialmente a inexistência dos pressupostos da manutenção de tal dever. Por outro lado, o legislador, pela referida inovação legislativa em sede processual, reconhece ao progenitor convivente com o filho maior legitimidade para, em substituição do credor, exigir do outro progenitor o cumprimento da correspondente obrigação alimentar. O que o investe, como refere a apelante, numa posição equiparável à de sub-rogação legal (art.º 592.º do Código Civil) (no mesmo sentido, cfr. acórdão da Rel. de Guimarães, de 11.10.2018, processo 2343/15.2T8BCL-B.G1).
Ora, existindo decisão judicial que confere ao jovem Ricardo direito a prestação de alimentos, devidos pelo pai, aí figurando a residência do então menor com a ora exequente e alegando a mãe que tem sido ela quem tem apoiado o jovem na continuação da sua formação, demonstrada está, à luz do requerimento executivo e do documento apresentado como título, a legitimidade processual da apelante para a instauração da execução por alimentos (artigos 53.º n.º 1 e 54.º n.º 1, 703.º n.º 1 al. a) do CPC). Sendo certo que em sede de tutela do direito à prestação de alimentos a favor dos filhos, face à multiplicidade de meios processuais concebidos e proporcionados pelo legislador (cfr. artigos 3.º, al. d), 44.º a 48.º da Lei n.º 141/2015, de 08.9, que aprovou o Regime Geral do Processo Tutelar Cível – RGPTC –, 989.º, 933.º e seguintes do CPC, além do art.º 5.º, n.º 1, al. a) do Dec.-Lei n.º 272/2001, de 13.10), cabe ao credor optar pelo meio adjetivo que melhor entender servir o interesse em presença (cfr., neste sentido, acórdão do STJ, de 08.10.2009, processo 305-H/2000.P1.S1; acórdão da Relação de Guimarães, de 08.6.2017, processo 991/14.4T8GMR-F.G1; acórdão da Relação de Guimarães, de 21.6.2018, processo 458/18.1T8BCL.G1 – todos consultáveis na base de dados do ITIJ), sem prejuízo, obviamente, do controle jurisdicional da adequação do meio utilizado.
Não cabendo no âmbito deste recurso, que incide sobre decisão liminar, apreciar as decorrências do alegado pelo apelado quanto a pagamentos e outras vicissitudes litigiosas.
A apelação é, pois, procedente.
DECISÃO
Pelo exposto, julga-se a apelação procedente e, consequentemente, revoga-se a decisão recorrida e, em sua substituição, determina-se o prosseguimento da ação.
As custas da apelação são a cargo do apelante, que nela decaiu (art.º 527.º n.ºs 1 e 2 do CPC).

Lisboa, 04.4.2019

Jorge Leal (por vencimento do relator)

Pedro Martins (com declaração de voto em anexo) (1)

João Miguel Mourão Vaz Gomes (vencido, conforme declaração de voto em anexo) (2)


(1)
Voto o acórdão – reconhecendo também legitimidade à requerente - pelo seguinte:
A partir da maioridade do filho, a pensão é dele e só ele deveria poder dispor dela e, por isso, compreende-se a decisão recorrida.

No entanto, se tiver sido o progenitor convivente a pagar a educação do filho durante a maioridade, é ele o materialmente prejudicado com o facto de o progenitor não convivente não ter pago a pensão, compreendendo-se, por isso, que, verificando-se os pressupostos da sub-rogação, se lhe reconheça o direito de exigir esse pagamento (art. 589 e 593, ambos do CC).

Outra hipótese, que é a seguida pela jurisprudência francesa [o que não quer dizer que seja aplicável em Portugal], é a de considerar que a obrigação dos pais é única em relação aos filhos e que, deixando um de pagar, terá o outro de a pagar, pelo que, fazendo-o, fica com o direito de regresso contra o outro (art. 524 do CC).
[Si chacun des père et mère, naturels comme légitimes, est tenu pour le tout de l’obligation de nourrir, entretenir et élever les enfants communs, cette obligation, unique au regard des enfants, qui en sont les créanciers en dehors de toute décision judiciaire consacrant leurs droits, ne s’en divise pas moins entre les parents, qui, dans leurs rapports entre eux, doivent en supporter le poids proportionnellement à leurs ressources; il suit de là que si l’un d’eux s’est soustrait à l’exécution de ce devoir, à la fois légal et moral, vis-à-vis des enfants hors d’état de se protéger eux-mêmes, celui qui en a forcément assumé la charge a un recours contre le défaillant […]  Civ. 27 nov. 1935, Épx Gibeaux: GAJC, 12e éd., nº 56-57 (II); DP 1936. 25, note Rouast; Paris, 3 nov. 1960: D. 1961. 32. La personne tenue en vertu de l’art. 203 à une obligation alimentaire dispose d’un recours contre son coobligé pour les sommes qu’elle a payées excédant sa part contributive, compte tenu des facultés respectives des débiteurs. Civ. 2e, 28 avr. 1980, nº 78-15.716; 6 mars 2003, nº 01-14.664 […]) (acórdãos retirados do Code Civil anotado pela Dalloz (2019, 118e édition): Se cada um dos pais, naturais como legítimos, está obrigado pela totalidade da obrigação de alimentar, manter e educar os filhos comuns, esta obrigação, única em relação às crianças, que são os credores, independentemente de qualquer decisão judicial consagrando os seus direitos, divide-se pelos pais que, nas suas relações entre si, a devem suportar em proporção aos seus recursos; segue-se daqui que, se um deles se subtraiu à execução deste dever, legal e moral, perante crianças incapazes de se proteger a si próprias, aquele que necessariamente assumiu as despesas, tem regresso contra o inadimplente [...] A pessoa obrigada em virtude do art. 203 a uma obrigação alimentar tem regresso contra o seu co-devedor pelas somas que ela pagou excedendo a sua parte, tida em conta as possibilidades respectivas dos devedores).
Posto é que estes factos sejam, de algum modo, alegados ou, no caso de alimentos de filhos maiores, decorram do processado.
E a necessidade de prova destes factos é já garantia suficiente de que o filho não é ultrapassado pela situação, ou seja, que o progenitor convivente não actua como se fosse ele o titular da pensão e como se pudesse dispor dela, contra a vontade daquele e em benefício próprio.
Sendo que a presença do filho no processo melhor acautela ainda esse fim (como ele também seria acautelado, quando se admitir a figura da substituição processual invocada por alguns acórdãos, com a citação do filho: veja-se a anotação 9 ao art. 12 do CPC anotado de Lebre de Freitas e Isabel Alexandre, Vol. 1.º, 3.ª edição, Coimbra Editra, 2014, págs. 43/44).
Ora, no caso dos autos, os factos indiciam que o filho, desde a maioridade, teve mesmo uma educação paga pelo progenitor convivente, em substituição do progenitor não convivente; e o filho intervém no processo, embora num dos seus apensos, tendo já manifestado (num outro) a vontade de que o progenitor não convivente tenha de pagar a pensão, por não o ter feito durante toda a sua formação universitária.
Assim sendo, no caso dos autos, considero que o progenitor convivente tem legitimidade substantiva e processual para demandar o progenitor não convivente pelas pensões de alimentos não pagas desde a maioridade do filho (tendo em consideração as circunstâncias concretas do caso, considero que a situação é diferente daquela a que respeita o meu voto de vencido no acórdão do TRP de 16/06/2016, proc. 422/03.5TMMTS-E.P1).
Mas isto não se retira directamente do art. 989/3 do CPC que, apesar de constar do CPC é, manifestamente, uma norma substantiva, que atribui um direito substantivo ao progenitor convivente que suporta a educação do filho e não um direito do filho maior que pudesse ser discutido e definido pelos progenitores entre si (neste sentido, já aquele meu voto).
Aliás, é isso que resulta claramente do facto de o art. 989/3 do CPC ser uma cópia do art. 373-2-5 do Code Civil (CC francês; veja-se: Le parent qui assume à titre principal la charge d’un enfant majeur qui ne peut lui-même subvenir à ses besoins peut demander à l’autre parent de lui verser une contribution à son entretien et à son éducation. Le juge peut décider ou les parents convenir que cette contribution sera versée en tout ou partie entre les mains de l’enfant.), norma substantiva e não processual.
É certo, entretanto, que o legislador português, da Lei 122/2015, ao alterar a redacção dos arts. 1905 do CC e 989 do CPC, copiou integralmente o regime jurídico francês (o resultante da lei e da jurisprudência, sendo que os acórdãos franceses citados acima não se reportavam ao art. 373-2-5, mas sim ao art. 371-2) no que a estas questões se refere e com isso quis atribuir legitimidade processual ao progenitor convivente para exigir as pensões do progenitor não convivente, mesmo no que se refere às vencidas na maioridade do filho e terá tentado fazê-lo com a colocação da norma correspondente ao art. 373-2-5 do CC no art. 989 do CPC. Mas isso não poderá dispensar nunca que o progenitor convivente demonstre, nomeadamente através da sub-rogação (Paulo Olavo Cunha reconduz “ao cumprimento por sub-rogação, o caso em que o devedor solidário satisfaz o credor, pagando a totalidade da dívida e ficando sub-rogado nos seus direitos, assumindo o direito de regresso contra os demais devedores, pela parte proporcional deles na importância despendidas para a remissão” – pág. 640 do Comentário ao CC, Dtº das obrigações, UCP/FD, Dez2018), que adquiriu o direito a elas.
Ao aditar o art. 989/3 do CPC e ao associá-lo à legitimidade processual do progenitor convivente na exposição de motivos do projecto de lei, o legislador veio criar uma confusão, prejudicando a leitura do art. 989/3 do CPC no que ele tem de relevante – que é atribuir ao progenitor convivente um direito próprio contra o não convivente – e fazendo esquecer que a legitimidade processual do progenitor convivente que tivesse pago a educação do filho já resultava da sub-rogação, pois que, tendo legitimidade material para o efeito, desta derivava aquela.
Pedro Martins
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Voto vencido a decisão e mantenho a mesma posição já expressa enquanto primitivo relator no projecto de acórdão que não fez vencimento e que é conforme ao sufragado enquanto 1.º adjunto da Ex.mª Juiza Desembargadora Teresa Albuquerque no processos 7868

A partir da maioridade do filho, a pensão é dele e só ele deveria poder dispor dela e, por isso, compreendo a decisão recorrida. O art 1880º CC não estabelece um direito a alimentos diferente daquele que resulta dos arts 1874º/2 e 1878º/1 como, aparentemente, parece incutir o nº 2, do art 2003º, do mesmo Código. O direito a alimentos devido a filho maior é o mesmo direito, em termos de amplitude e natureza, que é reconhecido a filhos menores. Por isso que o art 1880º CC prevê a continuação do direito a alimentos fixados para a menoridade e da correlativa obrigação dos pais para além da maioridade do filho. É esta concepção de direito a alimentos que está presente no regime processual consagrado no nº 1 e 2, do art 989º, NCPC e que obsta à inutilidade superveniente da lide nos processos pendentes à data da maioridade. Deverá, pois, entender-se que o pedido de alimentos devido a filhos maiores que constitua incidente ou dependência de acção pendente se refere à mesma causa de pedir desta acção e que as partes também são as mesmas; o filho durante a menoridade já é titular desse crédito. Uma importante consequência prática, em termos processuais, desta proposição é a exequibilidade da decisão que fixou os alimentos ou do acordo dos progenitores sobre o regime de alimentos  - tanto aquela decisão como este acordo eram título executivo para o filho maior exigir alimentos do progenitor  não convivente, e continuam a constituir titulo executivo para o filho exigir esse direito no quadro legal do art 1880º CC. Quer o regime processual, quer os aspectos substantivos criados pela Lei n.º 122/2015 entram em vigor no dia 1/10/2015. Não tendo os progenitores salvaguardado, no âmbito desse acordo, a situação do filho maior que continua a prosseguir os estudos e formação profissional, há que entender que o filho, que atingiu, entretanto, a maioridade, dispõe de título executivo contra o progenitor obrigado a alimentos, com vista a obter o pagamento das prestações vencidas e não pagas desde o dia 1/10/2015, dando à execução a decisão que fixou judicialmente em seu benefício a prestação alimentícia durante a menoridade ou o acordo dos progenitores homologado. Em matéria de títulos executivos, vale o princípio da aplicação imediata e para o futuro do novo elenco (art. 12.º, n.º 1, do CCiv), sobretudo quando a lei nova cria novos títulos - e, por conseguinte, os títulos formados ao abrigo da lei antiga podem ser dados à execução depois da entrada em vigor da lei nova. A justificação reside na circunstância de a exequibilidade de um documento (lato sensu) se definir pela lei em vigor à data da instauração da execução; a lei que atribui força executiva a um título não atinge os efeitos jurídicos do acto jurídico nele documentado, apenas consagra uma opção do legislador de, ao reconhecer idoneidade, suficiência e credibilidade ao documento, permitir ao credor o acesso imediato à execução. A Lei 122/2015 dá ao progenitor que assume a título principal o encargo de pagar as despesas de sustento e de educação do filho maior de exigir do outro progenitor a comparticipação daquelas despesas - nº 3 aditado ao art 989º do NCPC. Perante a inércia do filho, depois de fazer 18 anos, reconhece-se legitimidade processual ao progenitor a quem cabe o encargo de pagar as principais despesas do filho maior, concitando à repartição dessas mesmas despesas pelo outro progenitor. O que terá de fazer é interpor contra o Requerido a acima referida acção para a contribuição do progenitor não convivente nas despesas com filho maior ou emancipado, fazendo-o através da forma de processo, prevista e regulada nos arts 45º a 47º do RGPT, nela pedindo a comparticipação nas despesas com o sustento e a educação do Rafael– apenas desde o momento da instauração dessa acção (por aplicação analógica do art 2006º CC), como o opina J. H. Delgado de Carvalho. Apenas depois de obter título executivo nessa acção poderá, utilizando a forma processual advinda da execução especial por alimentos, nos termos dos arts 933º e ss do NCPC, obter o cumprimento do que aí ficar estabelecido, correndo tal execução por apenso à acção em que essa contribuição foi estabelecida.
Essa legitimidade apenas pode ser exercida no âmbito da acção prevista no nº 3 aditado ao art 989º NCPC, que de forma apropriada, podemos designar como acção para a contribuição do progenitor não convivente nas despesas com a educação e formação profissional do filho maior ou emancipado.
                                                                                           Vaz Gomes