Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
4345/15.7T8LRS-A.L1-6
Relator: TERESA PARDAL
Descritores: ALIMENTOS A FILHO MAIOR
LEGITIMIDADE DA PROGENITORA
INCIDENTE DE INCUMPRIMENTO
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 09/20/2018
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PROCEDENTE
Sumário: A progenitora que provém ao sustento do filho maior, cujo direito a alimentos se mantém nos termos do artigo 1905º nº2 do CC, tem legitimidade para intentar contra o outro progenitor o incidente de incumprimento deduzido ao abrigo do artigo 41º do RGPTC e do artigo 989º nº3 do CPC.
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam na 6ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Lisboa:

RELATÓRIO.

Por apenso ao respectivo processo principal, veio M… intentar contra P… incidente de incumprimento das responsabilidades parentais referente ao filho de ambos PP…, alegando, em síntese, que, por acordo de 5 de Maio de 2006, homologado na Conservatória do Registo Civil da Amadora, foi acordado que o requerido contribuiria com uma pensão de alimentos mensal para o filho, anualmente actualizável e suportaria metade das suas despesas mediante apresentação de comprovativo, mas o requerido não actualizou a pensão de alimentos e a partir da conferência de pais de 23 de Março de 2017 não pagou a pensão de alimentos, nem contribuiu para as despesas, sendo devedor destas quantias apesar de o filho ter atingido os 18 anos de idade em 27 de Junho de 2016, uma vez que se encontra ainda a completar a sua formação profissional, mantendo-se a obrigação de alimentos fixada na menoridade até aos 25 anos de idade.
Concluiu pedindo que o requerido seja obrigado a pagar a pensão de alimentos actualizada e o valor em dívida acrescido de juros e que seja ordenado o desconto directo na retribuição salarial das pensões devidas e de quantia a imputar nos montantes em dívida, bem como outras diligências junto das entidades patronais do requerido. 
O requerimento inicial foi liminarmente indeferido nos seguintes termos:
(…) Sucede que o filho da requerente e requerido atingiu a maioridade a 27/6/2016 (cfr. assento de nascimento de fls 11), pelo que, no tocante às prestações alimentícias vencidas e às despesas efectuadas com o jovem em apreço após essa data, carece a requerente de legitimidade para as reclamar, o que se declara, visto que, ao adquirir o filho plena capacidade para o exercício de direitos e, por conseguinte, capacidade judiciária - cfr. art. 15º do CPC - é  este quem poderá e deverá exigir tais prestações e despesas, não se confundindo este direito do filho maior com o direito que  a progenitora tem de, ao abrigo do art. 989º, nº3 do CPC, exigir do requerido uma contribuição para o sustento e educação do mencionado filho: está aqui em causa uma relação de responsabilidade directa entre progenitores, a qual terá de correr de forma autónoma. Destarte e atenta a ilegitimidade da requerente, indefere-se liminarmente o requerimento inicial - cfr. art. 590º, nº1 do CPC(…).
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Inconformada, a requerente interpôs recurso e alegou, formulando conclusões, com os seguintes fundamentos:
- O despacho recorrido indeferiu liminarmente o requerimento de incidente de incumprimento das responsabilidades parentais e pedido de desconto directo na retribuição salarial do recorrido, ao abrigo dos artigos 1880º e 1905º nº2 do CC, por o tribunal ter entendido ser o filho maior quem tem legitimidade para formular o pedido, situação que não se confunde com a prevista no artigo 989º nº3 do CPC, que prevê o direito de a progenitora exigir do requerido uma contribuição para o sustento e educação do filho.
- Não se conforma a recorrente com tal decisão, fundando a sua pretensão na nova redacção do artigo 1905º nº2 do CC introduzida pela Lei 122/2015 de 1/9, por força da qual a pensão fixada na menoridade se mantém até aos 25 anos de idade, dispensando os filhos do constrangimento de terem de propor acção judicial contra os pais, o que consta na exposição de motivos do projecto lei que antecedeu a Lei 122/2015.
- Esta nova redacção apenas veio concretizar o já anteriormente estabelecido no artigo 1880º do CC e resolver a divergência que se verificava entre decisões que entendiam que a pensão de alimentos cessava com a maioridade necessitando o filho de intentar acção judicial e decisões que mantinham a pensão de alimentos até o filho completar os estudos.
- A lei 122/2015 estendeu assim ao período de maioridade a exequibilidade da decisão que fixou a pensão de alimentos na menoridade.
- O artigo 2013º do CC não contempla a “maioridade” como causa de cessão da obrigação de alimentos, pelo que a pensão só cessará mediante decisão judicial e após a apreciação dos requisitos legais do artigo 1905º nº2.
- Face à continuidade da pensão de alimentos fixada na menoridade, caberá à recorrente progenitora reclamar o seu cumprimento, nos termos do artigo 989º do CPC e do artigo 41º nº2 do RGPTC.
- Os requisitos de aplicação do artigo 1905º nº2 verificam-se, tendo o filho da recorrente atingido a maioridade em Junho de 2016, depois da entrada em vigor da Lei 122/2015, encontrando-se o mesmo a completar a sua formação académica com sucesso, não podendo prover aos seu sustento próprio e sendo a recorrente que provém a tal sustento sozinha, pelo que tem legitimidade activa nos presentes autos, sendo certo que apenas peticionou os valores relativos aos meses posteriores á sentença homologatória de 23/03/2017 e relativos à pensão fixada na menoridade.
- O recorrido tem condições para cumprir a obrigação de alimentos, cabendo-lhe o ónus de alegar e provar que os requisitos legais para a manutenção da pensão de alimentos não se verificam.
- Decidir contrário, conforme decisão ora recorrida, é admitir a violação do princípio da segurança jurídica e da confiança, previstos no artigo 2º da CRP.  
- Deverá o recurso proceder e ser considerada legítima a intervenção da recorrente, satisfazendo-se o peticionado no requerimento inicial.
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Foi citado o requerido, que contestou, mas não apresentou contra-alegações no recurso.
A questão a decidir é a de saber se a progenitora ora apelante tem legitimidade para intentar o presente incidente de incumprimento.
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FACTOS.
Os factos a atender são os que constam no relatório do presente acórdão.
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ENQUADRAMENTO JURÍDICO.
A progenitora apelante intentou um incidente de incumprimento da prestação de alimentos devida pelo progenitor ao filho de ambos e fixada na sua menoridade, apesar de este já ter atingido a maioridade, tendo a decisão recorrida considerado que a intervenção da progenitora carece de legitimidade, por ser ao filho maior que cabe agora a legitimidade para o efeito.
O artigo 1880º do CC estabelece que, se no momento em que atingir a maioridade o filho não tiver completado a sua formação profissional mantém-se a obrigação de alimentos dos progenitores prevista no artigo 1879º, na medida do que for razoável exigir dos pais o seu cumprimento e pelo tempo normalmente requerido para que aquela formação se complete.
Por seu lado, o artigo 1905º nº2 do mesmo código, na redacção introduzida pela Lei 122/2015 de 1/9 veio concretizar o conteúdo do artigo 1880º, estatuindo que, para efeitos desta disposição legal, se mantém na maioridade do filho a pensão fixada na sua menoridade e até este perfazer 25 anos de idade, salvo se o seu processo de educação ou formação profissional estiver concluído antes dessa data, for livremente interrompido ou se, em qualquer caso, o obrigado à prestação de alimentos fizer prova de que a exigência não é razoável.
Deste modo, havendo pensão fixada na menoridade, a sua manutenção na maioridade e até aos 25 anos de idade do beneficiário é automática, se a sua formação académica ou profissional não estiver completada, cabendo ao obrigado à prestação alegar e provar que não se verificam os requisitos da exigência ou que esta não é razoável.
Por seu lado, o artigo 989º do CPC dispõe, nos seus nº1 e 2, que, nos casos dos artigos 1880º e 1905º do CC, é aplicável, com as necessárias aplicações, o regime previsto para os menores e que, tendo sido fixada pensão ou estando o respectivo processo a decorrer, a maioridade não impede que o processo se conclua e que os incidentes de incumprimento sejam intentados por apenso.
Dispõe depois o nº3 do referido artigo 989º que, no caso dos números anteriores, o progenitor que assume a título principal o encargo de suportar as despesas de filhos maiores, pode exigir do outro a contribuição para o sustento e educação dos filhos (sublinhado nosso).
Sendo assim, não há dúvida de que o artigo 989º nº3 do CPC atribui legitimidade para um dos progenitores intentar contra o outro incidente de incumprimento ao abrigo do artigo 41º do RGPTC, sendo certo que, provendo ao sustento do filho maior, o progenitor tem interesse directo em demandar e, consequentemente, legitimidade, nos termos do artigo 30º do CPC, para demandar o outro progenitor a contribuir para o mesmo sustento.
Tal solução surge também como adequada para evitar as situações de constrangimento para os filhos que, acabando de atingir a maioridade e reunindo os requisitos legais, se vejam forçados a intentar acção judicial contra o progenitor obrigado à prestação de alimentos (cfr. no sentido de que o progenitor tem legitimidade para deduzir o incidente de incumprimento nestas situações ac. RL de 29/01/2015, p. 1717/14, em www.dgsi.pt).
No presente caso, estão alegados no requerimento inicial os pressupostos da legitimidade da requerente, pelo que a mesma tem legitimidade para intentar o incidente, sem prejuízo da oportuna apreciação da sua procedência ou improcedência, devendo os autos prosseguir os seus termos. 
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DECISÃO.
Pelo exposto, acorda-se em julgar procedente a apelação julgando-se a progenitora parte legítima e revoga-se o despacho recorrido, que deve ser substituído por outro que determine o prosseguimento dos autos, pronunciando-se sobre o peticionado, respectiva oposição e questões que excedam a questão da legitimidade.
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Sem custas.
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2018-09-20
                                                        
Maria Teresa Pardal

Carlos Marinho

Anabela Calafate