Acórdão do Tribunal da Relação do Porto | |||
Processo: |
| ||
Nº Convencional: | JTRP000 | ||
Relator: | VIEIRA E CUNHA | ||
Descritores: | ABUSO DO DIREITO NÃO EXIGÊNCIA DE UM DIREITO DE CRÉDITO POR MAIS DE 12 ANOS | ||
![]() | ![]() | ||
Nº do Documento: | RP2017053015612/15.0YIPRT.P1 | ||
Data do Acordão: | 05/30/2017 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
![]() | ![]() | ||
Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
Decisão: | REVOGADA EM PARTE | ||
Indicações Eventuais: | 2ª SECÇÃO, (LIVRO DE REGISTOS N.º 770, FLS.236-243) | ||
Área Temática: | . | ||
![]() | ![]() | ||
Sumário: | I – A doutrina tem sistematizado diversos tipos de manifestações do abuso de direito, entre elas o venire contra factum proprium e a supressio, sendo que em ambas se revela uma conduta que se contrapõe a outra conduta anterior geradora de confiança na contraparte, sendo a conduta anterior, na supressio, caracterizada também pela inacção em função do decurso do tempo. II – A não exigência de um direito de crédito (preço) por um prazo de mais de 12 anos pode vir a ser inesperado e é até susceptível de criar anteriormente a convicção (“confiança”) subjectiva de que o direito não será exercido, mas se os factos não revelam qualquer espécie de justificação objectiva para essa confiança, com desenvolvimento de tentativas de indagação razoáveis por parte do devedor confiante, e se não decorrem dos autos quaisquer factos dos quais se pudesse concluir que, para a Ré confiante, decorreu o prejuízo de um anterior “investimento de confiança”, resta a afirmação da jurisprudência de que “o simples decurso do tempo sem o exercício de um direito não é suficiente para se poder concluir pelo abuso do direito”. III – O D-L nº32/2003 de 17/2 e, depois dele, o D-L nº 62/2013 de 10/5, que alteraram a redacção do artº 102º CCom, norma que rege em matéria de juros devidos no caso de transacções comerciais, englobaram qualquer pessoa colectiva privada na previsão do conceito de “empresa” dos respectivos artºs 3º – logo, igualmente abrangendo na sua previsão qualquer entidade cooperativa. | ||
Reclamações: | |||
![]() | ![]() | ||
Decisão Texto Integral: | Rec. 15612/15.0YIPRT.P1. Relator – Vieira e Cunha. Adjuntos – Des. Maria Eiró e Des. João Proença Costa. Decisão de 1ª instância de 19/12/2016. Acórdão do Tribunal da Relação do Porto Recursos de apelação, independente e subordinado, interpostos na acção declarativa, com processo especial para cumprimento de obrigações pecuniárias, nº15612/15.0YIPRT, da Instância Central da Comarca do Porto (Póvoa de Varzim).Súmula do Processo Autor – B… Unipessoal, Ldª. Ré – C…, CRL. Pedido Que a Ré seja condenada a pagar à Autora a quantia de € 91 294,14, acrescida de juros vencidos no valor de €108.362,53.Tese da Autora No exercício da sua actividade de construção civil, prestou à Ré, a pedido desta, os serviços que constam das sete facturas que identifica no requerimento de injunção, emitidas entre o dia 30 de Abril de 2002 e o dia 3 de Junho do mesmo ano, as quais, por acordo das partes, se venciam nos trinta dias seguintes à da respectiva emissão. A Ré apenas pagou o valor de €70.000,00, relativo à primeira das mencionadas facturas, permanecendo em dívida de capital o montante peticionado. A invocação de defeitos efectuada pela Ré, a existirem tais defeitos, estaria afectada de caducidade, pois que inexistiu denúncia. Tese da Ré Celebrou com a ré contratos de empreitada que tiveram por objecto a construção de um empreendimento habitacional promovido pela ré, tendo sido acordado para a entrega da obra pela Ré o dia 31 de Dezembro de 2002, prazo esse fixado no segundo contrato. As obras foram executadas pela requerente com atrasos significativos e com defeitos relevantes, quer na execução, quer por incumprimento do caderno de encargos, com aplicação em obra de materiais diferentes dos previstos no contrato. Estas situações foram sucessivamente reclamadas pela Ré, sobretudo a partir de meados de 2002, dada a necessidade de cumprir os compromissos que possuía com os seus associados. Após, a Ré informou a autora que a iria accionar judicialmente e liquidou a multa contratualmente estipulada para os atrasos na obra em €200.517,60. Posteriormente, em reunião mantida entre os legais representantes das duas partes, foi acordado que se consideraria a empreitada terminada e as contas referentes aos dois contratos saldadas. Após tal acordo, a ré mandou efectuar, por terceiro, a reparação de parte dos defeitos da obra, tendo para tanto despendido o valor de €30.358,00. Exigir, passados mais de doze anos, o pagamento de trabalhos constitui um manifesto abuso de direito. As facturas identificadas no requerimento de injunção não correspondem a trabalhos efectivamente realizados e por isso não foram aceites pela requerida á data da respectiva emissão. Por outro lado, sendo a ré credora do valor correspondente às multas contratuais devidas pelo atraso da obra e do montante despendido com a reparação dos defeitos da responsabilidade da autora, num total de €200.517,60, mesmo que se viesse a reconhecer o crédito da autora, sempre o mesmo deverá ser considerado extinto por compensação. Invoca a prescrição dos juros de mora peticionados pela autora. Finalmente, reclama a condenação da autora como litigante de má-fé. Sentença Na sentença proferida pelo Mmº Juiz “a quo”, a acção foi julgada parcialmente procedente, por provada e, em conformidade, foi condenada a Ré a pagar à Autora a quantia de €91.294,14, acrescida de juros de mora, à taxa legal de 4%, a contar de 10/3/2010, até integral e efectivo pagamento.Mais foi verificada a excepção de prescrição dos juros de mora vencidos anteriormente a 10/3/2010, nessa medida sendo a Ré absolvida do pedido. Conclusões do Recurso Independente de Apelação da Ré 1ª- Da conjugação dos factos dados como provados pela 1ª instância, resulta terem existido vários incumprimentos por parte da Apelada, enquanto empreiteira da obra, tendo esta recusado proceder à reparação dos defeitos reclamados pela Apelante, bem como indemnizar a mesma pelo atraso na conclusão da mesma.2ª- Perante estes incumprimentos e a alegada existência de um débito de parte do preço da empreitada, a actuação da empreiteira/apelada, durante os anos que se seguiram à reclamação dos defeitos e durante o período da garantia legal aplicável à construção de imóveis – pelo menos os cinco anos previstos no art. 1225º do CC - criou legitimamente a convicção na Apelante de que a empreiteira não iria mais reclamar o pagamento do preço alegadamente ainda em dívida. 3ª- Foi a confiança nesse comportamento futuro da Apelada, que determinou a Apelante a não reclamar a reparação dos defeitos da obra e as indemnizações a que tinha direito por força dos mesmos e do atraso na conclusão da obra. 4ª- A Apelada sabendo bem quais as reais intenções da Apelante no que diz respeito ao exercício daqueles direitos contratuais e legais, não praticou qualquer ato com vista à reclamação do pagamento do seu alegado crédito, o que só se percebe com o seu propósito de, na sua má-fé, fazer excutir os prazos da Apelante, para depois, vir reclamar o seu crédito. 5ª- O que se confirma com a expressa alegação no art. 3º do seu requerimento de injunção, de que o direito da requerida está caduco, alegação posteriormente reforçada com a resposta que apresentou à oposição deduzida pela aqui Apelante. 6ª- Contrapondo a essa sua actuação a prevalência, no que diz respeito ao seu crédito, do prazo de prescrição ordinário. 7ª- O facto de a Apelada não ter provado, nem sequer alegado, quais as razões que a determinaram a durante um período superior a 12 anos, não ter exigido da Apelante o pagamento de um crédito de um valor tão relevante como o destes autos, nem sequer a ter interpelado para tal, confirma a sua actuação em abuso de direito. 8ª- O ónus da prova de que a Apelada tinha praticado actos que contrariassem essa expectativa da Apelante, competia à Apelada, sendo certo que, como resulta dos factos provados, nenhuma prova foi feita quanto a essa matéria. 9ª- Esta omissão da Apelada traduz um sinal claro, uma circunstância, que reforça a sua actuação em abuso de direito, na medida em que legitimou/justificou a confiança da Apelante no não exercício do direito da Apelada. 10ª- A inacção, inércia ou omissão do exercício do direito por parte da Apelada, durante mais de doze anos, traduz uma actuação em abuso de direito, na vertente da proibição do ‘venire contra factum proprium’ ou de “supressio”. 11ª- O facto do prazo de prescrição para o exercício do direito da Apelada ser superior ao da sua inacção, não afasta o seu abuso de direito, porquanto o período de tempo em que perdurou a sua inacção determina, segundo o sentir comum prudentemente interpretado pelo julgador, que a Apelante confiasse que o exercício do direito em questão já não se verificaria. 12ª- E doze anos de inacção, sem que a Apelada tivesse justificado esse comportamento, justifica esse sentimento/expectativa da Apelante, comum a qualquer cidadão colocado numa situação idêntica. 13ª- A douta sentença, ao ter concluído que a Apelada não actuou em abuso de direito, não fez, com o devido respeito, uma correta interpretação e aplicação do disposto no art. 334º do CC. Conclusões do Recurso Subordinado de Apelação da Autora I - O presente recurso tem por base a sentença do Meritíssimo Juiz a quo que julgou parcialmente procedente, por provada, a presente acção e em consequência disso condenou a apelante a pagar à apelada a quantia de EUR. 91.294,14 (noventa e um mil, duzentos e noventa e quatro euros e catorze cêntimos) acrescida de juros de mora vencidos e vincendos, à taxa legal de 4%, contados desde 10 de Março de 2010, até efectivo e integral pagamento.II. Parece-nos, contudo, que andou bem o Tribunal a quo quando concluiu pela procedência do pedido por entender que, quanto a essa questão, a apelada ao exigir o pagamento do valor peticionado não dava cobertura a um abuso de direito da sua parte. III. A apelada discorda apenas da taxa aplicável aos juros de mora vencidos e vincendos a que a apelante foi condenada, a saber 4%, desde 10 de Março de 2010 até efectivo e integral pagamento. IV. A apelante baseia as suas alegações e conclusões de recurso no abuso de direito que considerou existir por parte da apelada por esta vir exigir o pagamento do seu crédito depois de decorridos mais de doze anos sobre o seu vencimento V. entendendo que os mais de doze anos impediram-na de reclamar da apelada os seus direitos, por caducidade dos mesmos e por ter sido ultrapassado o prazo de garantia nas empreitadas de imóveis. VI. Todavia, a posição da apelada, em momento algum, impediu o exercício desses direitos: a apelante, numa atitude totalmente passiva, tentou sim que o seu débito passasse despercebido e fosse esquecido. VII. A apelante invocou a celebração de um acordo com a apelada mediante o qual, e alegadamente, davam a empreitada por terminada e saldadas as contas referentes aos dois contratos que celebraram, prescindindo a apelada do montante que entendia estar em dívida, enquanto a apelante renunciava ao direito de exigir a reparação dos defeitos e de reclamar o pagamento da multa contratualmente prevista para os atrasos na entrega da obra. VIII. No entanto, e no seguimento do que foi entendido pelo Tribunal a quo, e a nosso ver bem, não logrou a apelante fazer prova da celebração de tal acordo, pelo que a sua pretensão tinha obrigatoriamente que improceder. Trata-se de um facto extintivo da obrigação da apelante pelo que lhe cabia a prova de tal factualidade. IX. A própria reconhece, nas suas alegações que “a apelante está consciente que, como bem refere a douta sentença, não fez prova da celebração do acordo que alegou na sua oposição, de que as partes tinham dado as contas como encerradas (…)” (destaque nosso). X. A apelante, em momento algum, logrou fazer prova do comportamento abusivo da apelada limitando-se a seleccionar alguns factos dados como provados (factos 2, 5, 6, 13, 14, 15, 16, 17 e 18) pelo douto Tribunal a quo para, a seu bel - prazer, os conjugar e tentar “extrair” uma conclusão a que os mesmos não levam. XI. Além disso, pretende a apelante fazer valer um direito que há muito tempo se encontra caducado!!! e perante esta caducidade vem a apelante alegar que a apelada criou nela a legítima convicção de que não iria reclamar o preço em dívida. XII. Por isso, importa concluir e extrair do comportamento da apelante – o que certamente será apreciado pelo Tribunal ad quem, retirando daí as devidas consequências – que a pretensão desta é só uma: furtar-se ao cumprimento da sua principal obrigação enquanto dona da obra: pagar o preço. XIII. A apelante nunca poderia sequer, ainda que por hipótese, firmar a sua confiança no tempo decorrido para que a apelada viesse cobrar da dívida. Tinha outrossim de formar a sua convicção num conjunto de actos que tendencialmente a levassem a essa conclusão, isto porque, objectivamente, e bastando-nos com o factor «prazo» importa referir que a lei – Código Civil – determina um prazo ainda maior do que o que apelada “usou” para cobrar o seu crédito. XIV. Acresce que a apelada nunca aceitou qualquer responsabilidade sobre os alegados defeitos na obra e, como tal, nunca aceitou ser devedora da apelante. XV. A apelante vem afirmar que a apelada não alegou nem provou as razões que a levaram a não ter exigido o pagamento do crédito durante um período superior a 12 anos, o que apesar de não ser verdade, a verdade é que a apelada nem precisava de o ter feito pois tem todas as razões que determinaram o legislador a determinar 20 anos como sendo o prazo de prescrição ordinária. XVI. A douta sentença refere que não se provou que “(…) entre o ano de 2013 e a data da propositura da acção nunca a Autora interpelou a Ré para pagar o que quer que fosse” e a apelante entende que está perante um facto negativo e que, como tal, não podia fazer prova do mesmo porquanto tal prova competia à apelada, o que a mesma não fez, consistindo, na sua opinião, a omissão da apelada um sinal claro da sua actuação em abuso de direito na medida em que legitimou a confiança da apelante no não exercício do direito por parte da apelada. XVII. Ora, mais uma vez somos a discordar em absoluto com a apelante e a concordar, in totum, com a justificação do Meritíssimo Juiz a quo visto ter entendido que inexistem “factos donde se possa concluir que houve, por parte da Autora, qualquer manifestação, sequer tácita, de renúncia aos direitos de crédito emergentes do contrato de empreitada que celebrou com a Ré, será irrelevante o convencimento da Ré, porventura mantido ao longo de mais de 12 anos, de que a inacção da Autora se ficou a dever à existência do contra-crédito que reclamou desta” (destaque nosso). XVIII. Mais, em abono da verdade, veja-se que, como refere e bem o Meritíssimo Juiz a quo a propósito do alegado acordo compensatório, somente o legal representante da apelada se referiu a ele e no mais “não decorre dos autos qualquer tipo de prova quanto efectiva celebração (sequer tácita) de tal acordo, sendo certo que a testemunha D…, associado da ré, tendo estado presente em reuniões da Direcção desta, onde se discutiu o litígio com a aqui autora, não fez alusão a qualquer acordo compensatório, dizendo apenas que, a partir de determinada altura, “nunca mais se falou no assunto” (destaque nosso). XIX. Para os devidos efeitos, a apelante entende que para estarmos perante a figura do abuso de direito é necessário verificarem-se 3 requisitos: 1) criação de uma situação objectiva de confiança, 2) com base nessa confiança se adopte um comportamento que saíra gorado se essa confiança vier a ser frustrada e 3) boa fé de quem confiou. XX. Ora, s.m.o. nenhuma das modalidades se verifica no caso dos presentes autos conforme já se deixou demonstrado supra e foi considerado pelo Meritíssimo Juiz a quo. XXI. Ora, no contexto dos presentes autos, e perante tudo o que ficou demonstrado era perfeitamente legítimo à apelada cobrar o seu crédito volvidos mais de doze anos podendo, inclusive cobrá-lo até ao fim do prazo de prescrição visto que, em momento algum, se verificou a existência de qualquer facto complementar que lhe permitisse deduzir que tal direito não mais seria exercido pela apelada. Acresce: XXII. A caracterização da supressio “demanda a verificação de outros elementos complementares, que, para além do não-exercício prolongado do direito, melhor alicercem a confiança do beneficiário, a saber: uma situação de confiança; uma justificação para essa confiança (baseada na conduta circunstancial do titular do direito, a contraparte convence-se, justificadamente, que o direito já não será exercido); um investimento de confiança e a imputação da confiança ao não exercente (a contraparte, convicta e movida por essa confiança, tomou medidas ou passou a actuar em conformidade, causando-lhe ora o exercício tardio do direito maiores desvantagens do que o seu exercício atempado. A omissão do titular do direito, por via desse nexo de imputação da confiança, constituiu-se assim numa situação que torna, ética e socialmente aceitável/ajustado, o seu sacrifício”. XXIII. A apelante não alegou, em momento algum, da sua contestação, nem mesmo agora nas doutas alegações e conclusões a verificação desses “elementos complementares”, sendo verdade que não houve nenhuma situação que motivasse a existência de confiança, por parte da apelante, de que a apelada não iria cobrar o seu crédito pelo que, da mesma forma, não poderia haver uma justificação dessa confiança e muito menos poderia haver um investimento dessa confiança pois, conforme concluiu e bem o Meritíssimo Juiz a quo, as relações pessoais entre os legais representantes atingiram um ponto de ruptura, o que torna menos verosímil a tese da apelante. XXIV. Desta feita, não existe qualquer factualidade que sustente o abuso de direito alegado pela apelante. XXV. A imaculada sentença proferida pelo Tribunal a quo pecou apenas na parte em que condenou a apelante ao pagamento de juros de mora vencidos e vincendos à taxa legal de 4%, ou seja condenou a apelante no pagamento de juros civis! XXVI. Os factos constantes dos presentes autos reportam-se a uma transacção comercial entre a apelante e a apelada pois conforme foi dado como assente, por provado, a apelada é uma sociedade comercial que se dedica à actividade de construção civil (facto 1 dos factos dados como provados) e no âmbito da mesma celebrou, em 9 de Junho de 1999 e em 1 de Março, com a apelante contratos designados «contrato de empreitada pelo valor global» (facto 2 dos factos dados como provados). XXVII. Mais se provou que a apelada, em execução do contrato, levou a cabo os trabalhos mencionados nas facturas descritas (facto 10 dos factos dados como provados). XXVIII. O Código Comercial contempla, no seu art. 2.º os actos comerciais. Assim, são objectivamente actos comerciais “(…) todos aqueles qu se acharem especialmente regulados neste código [código comercial]”. São subjectivamente actos comerciais os que, em princípio, têm conexão com o comércio dos seus agentes ou seja são todos os actos dos comerciais (contratos e obrigações) que não tenham natureza exclusivamente civil, se o contrário não decorrer do próprio acto. XXIX. A dívida em causa resulta dos contratos de empreitada celebrados entre a apelante como dona da obra e a apelada como empreiteiro em que aquela se constituiu devedora em relação a esta, pelo que existe uma relação de conexão com a actividade comercial que leva à qualificação de comercial da dívida. XXX. Tanto assim é que a apelada lançou mão do procedimento de injunção para cobrar o seu crédito, de acordo com o Decreto-Lei n.º 269/98 de 1 de Setembro, porque está em causa uma transacção comercial, tendo sido válida a forma de processo escolhida, o que nunca foi sequer posto em causa. XXXI. A apelante é uma cooperativa e o seu objecto é “aquisição de terrenos próprios para construção e edificação neles de casas para os seus associados, especialmente em aglomerados de bairros”. XXXII. Como ensina Paulo Olavo Cunha “as cooperativas definem-se, por natureza, por falta de escopo lucrativo, finalidade essa geralmente reconhecida como essencial para a qualificação do comerciante, em função da regular prática de actos de comércio ou de natural predisposição para o efeito. Não obstante, as cooperativas que tenham um objecto comercial, que tenham de estar inscritas no registo comercial, e que fazem do comércio profissão poderão ser qualificadas como comerciantes; justifica-o a prática seguida na sua actuação normal, que é comum à de outras empresas com fim lucrativo” (Lições de Direito Comercial, Almedina, 2010, pág. 108) (destaque nosso), o que é precisamente este o caso da apelante. XXXIII. Por último e absolutamente decisivo está o preconizado no art. 7.º, n.º 3 do Código Cooperativo “são aplicáveis às cooperativas, com as adaptações inerentes às especificidades resultantes do disposto neste Código e legislação complementar, as normas que regulam e garantem o exercício de quaisquer actividades desenvolvidas por empresas privadas ou por outras entidades da mesma natureza, bem como por quaisquer entidades da Economia Social”. XXXIV. Foi assim violado o art. 102.º do Código Comercial. XXXV. Assim, deverá ser revogada a douta sentença na parte em que condenou a apelante a suportar juros à taxa de 4%, substituindo-se tal pela taxa de juros à taxa comercial, legalmente em vigor durante o período de mora da apelante e ate efectivo e integral pagamento. XXXVI. Perante todas estas incongruências e pelas relevantes lacunas na prova produzida por parte da apelante, não há fundamentação que sustente todo este processo, tendo, consequentemente, que improceder o recurso apresentado pela apelante, mantendo-se, na íntegra, a douta decisão recorrida à excepção da taxa de juro aplicável sobre os juros moratórios que deverá ser substituída nos termos referidos. XXXVII. Foi assim violado o art. 102.º do Código Comercial. A Ré apresentou as respectivas contra-alegações, nas quais sustenta a confirmação da sentença recorrida, na parte em que não a impugna por recurso subordinado. Factos Apurados 1. A Autora é uma sociedade comercial que se dedica à actividade de construção civil;2. Em 9 de Junho de 1999 e em 1 de Março de 2000, Autora e Ré celebraram os contratos designados «contrato de empreitada pelo valor global», cujas cópias estão juntas, respectivamente, a fls. 27 e segs. e 31 e segs. 3. Pelo primeiro contrato, a autora obrigou-se a executar a empreitada de pedreiros, alvenarias e toscos do edifício que a dona da obra, aqui ré, pretendia levar a cabo no terreno sito na Urbanização da Cooperativa Construtora «C…», com o alvará de loteamento nº 12/84, lote 73, na freguesia …, concelho da Maia; 4. Pelo segundo contrato, a Autora obrigou-se a autora a realizar parte dos acabamentos, com aplicação de materiais, do mesmo edifício; 5. Nos termos da cláusula 3ª do contrato de 1 de Março de 2000, com a epígrafe «Prazo de Execução», “o Construtor inicia a empreitada no dia 1 de Março de 2001 e terminará com o auto de recepção provisório, que se fixa no dia 31 de Dezembro de 2001, perfazendo assim 22 meses. O prazo de execução referido comporta 10 (dez) meses de tolerância concedidos pelo dono da obra, não sendo tolerados quaisquer atrasos seja a que título for; 6. De acordo com a Cláusula 4ª do mesmo contrato: “O incumprimento dos prazos de execução do presente contrato implica para o Empreiteiro uma multa diária de Esc: 100.000$00 (cem mil escudos), com início no dia seguinte ao fixado na cláusula 3ª, para conclusão dos trabalhos, e termo no dia anterior ao da data de assinatura do Auto de Entrega e recepção Provisória da obra pelo Contratante. O valor da multa diária definida na presente cláusula é igual a duas vezes o valor da multa constante do caderno de encargos, sendo aceite pelas partes; 7. A cláusula 5º, com a epígrafe “Preço”, estipula: O construtor executará a totalidade dos trabalhos adjudicados pelo valor de esc: 214.820.931$00 (duzentos milhões, oitocentos e vinte mil, novecentos e trinta e um escudos), incluindo o IVA à taxa legal em vigor, sendo o valor da empreitada de e183.607.63300 e o valor de IVA de €1.213,298. O preço é firme e a sua proposta de valor global não sofrerá qualquer revisão ou alteração do preço, dentro do prazo para a execução da obra, ocorram ou não alterações sem custos de materiais ou de mão-de-obra, sendo a adjudicação feita pelo regime de empreitada por série de preços, com base na proposta apresentada e que faz parte deste contrato; 8. De acordo com a cláusula 6ª, com a epígrafe, «Pagamento e Garantia», “Será feito mediante auto de medição a efectuar conjuntamente com o dono da obra ou com quem este designar em sua representação, aos 20 dias de cada mês, conforme alínea 10.1 do caderno de encargos e mediante a factura que o construtor junta ao auto de medição. Será da responsabilidade do construtor, pelo prazo de 1 ano após a recepção provisória para garantia dos trabalhos respeitantes á empreitada adjudicada ou por um período superior se consagrado na legislação em vigor. O prazo indicado será contado após a recepção da obra adjudicada e prevista na cláusula nº 3; 9. Nos termos da cláusula 7ª do referido contrato, com a epígrafe Trabalhos Extra, “Na eventualidade de surgirem trabalhos extras mandados executar pelo dono da obra, o empreiteiro obriga-se a apresentar os respectivos preços com base nos preços unitários contratados na respectiva empreitada. 10. Em execução do contrato referido em 4), a Autora levou a cabo os trabalhos mencionados nas seguintes facturas, pelos preços ali indicados: - ….., emitida em 30.04.2002, no valor total de €96.704,58; - ….. emitida em 30.04.2002, no valor global de €19.001,46; - ….., emitid em 30.06.2002, no valor total de €6.212,76; - ….., emitida em 3.06.2002, no valor de 3.131,27; - ….., emitida em 31.07.2001, no valor total de €5.252,35; - ….., emitida em 3.06.2002, no valor total de €2.168,68; -….., emitida em 3.06.2002, pelo valor total de €28.823,04 – tudo conforme documentos juntos a fls. 129 a 135, com o teor que aqui se dá por integralmente reproduzido; 11. Tais facturas foram remetidas à Ré, que as recebeu; 12. A Ré pagou à autora a quantia de €70.000,00 (setenta mil euros), referente à factura ….., no valor de €96.704,58; 13. Pelo menos parte dos trabalhos realizados pela Autora a que se referem as facturas acima mencionadas foram realizados após 31 de Dezembro de 2001; 14. A Ré reclamou perante a autora a existência de defeitos nos trabalhos de construção por esta realizados, solicitando a respectiva reparação; 15. A Autora não aceitou a responsabilidade de reparação de pelo menos parte dos defeitos reclamados; 16. A autora aplicou na obra um pavimento em material diferente do que estava previsto no caderno de encargos, sem para tal solicitar a autorização da Ré; 17. A Ré exigiu da Autora o pagamento da multa acordada para os atrasos na obra; 18. Posteriormente, a ré mandou reparar parte dos defeitos de construção verificados no edifício, incluindo nas respectivas fracções autónomas, suportando os custos respectivos; Factos Não Provados A) A requerida enviou à requerente, que recebeu, a carta datada de 20 de Janeiro de 2013 – cuja cópia está junta a fls. 35 – através da qual liquidava em €200.517,60 a multa devida pelo atraso na conclusão da obra da responsabilidade da autora;B) Autora e Ré acordaram, através dos seus representantes legais, acordaram em considerar a empreitada terminada e as saldadas as contas referentes aos dois contratos de empreitada, prescindindo a primeira de reclamar o montante do preço que entendia ainda estar em dívida e renunciando a segunda ao direito de exigir a multa contratual referente aos atrasos na obra e a reparação dos defeitos da obra por si reclamados; C) Só após a realização desta acordo a Autora mandou proceder às reparações referidas em 18); Tais reparações orçaram em €30.358,42; Desde 2003 que a autora não mais contactou a ré para pagamento do valor constante das supra mencionadas facturas; Foi acordado entre Autora e Ré que o preço dos trabalhos constantes das facturas seria pago no prazo de 30 (trinta) dias após a data de emissão das mesmas. Fundamentos As questões colocadas pelos recursos em análise podem ser resumidas nos seguintes tópicos:- Saber se resulta dos factos e do sentir comum que a inacção, inércia ou omissão do exercício do direito por parte da Apelada, durante mais de doze anos, traduz uma actuação em abuso de direito, na vertente da proibição do ‘venire contra factum proprium’ ou de “supressio”. - Saber se, ao invés dos invocados juros civis, cabia antes ter antes condenado a Ré a suportar juros à taxa comercial em vigor durante o período de mora da mesma Ré. Vejamos então. I A primeira matéria a analisar, de acordo com as doutas alegações de recurso independente, prende-se com o facto de a Autora ter deixado decorrer mais de doze anos desde o momento em que poderia ter exigido o montante das facturas dos autos, para as vir agora exigir através da presente acção judicial.O artº 334º CCiv prescreve que é abusivo o exercício de um direito, quando o titular exceda manifestamente os limites impostos pela boa fé, pelos bons costumes ou pelo fim social ou económico desse direito. Nas elucidativas palavras do Consº João Camilo, relator do Ac.R.L. 25/11/99 Col.V/107, existe abuso de direito quando um comportamento, aparentando ser exercício de um direito, se traduz na não realização dos interesses pessoais de que esse direito é instrumento e na negação de interesses sensíveis de outrem. O abuso de direito, vistas as circunstâncias do caso, traduz-se em manifesta violação do dever de proceder com lisura e correcção, ou na violação do conjunto de regras morais aceites seja pela consciência social, seja pela finalidade social ou económica do direito. Como é bem sabido, a doutrina tem sistematizado diversos tipos de manifestações do abuso, entre elas (e para adoptarmos expressões latinas, mais próximas da língua portuguesa) o chamado venire contra factum proprium e a chamada supressio. Em ambas as manifestações se revela uma conduta que se contrapõe a outra conduta anterior geradora de confiança na contraparte, sendo a conduta anterior, na supressio, caracterizada também pela inacção em função do decurso do tempo. Como salientou o Prof. Menezes Cordeiro (O Direito 126º/pg. 701 e 141º/pg. 79 ou R.O.A 58º/pg. 964), são os seguintes, os quatro pressupostos de protecção da confiança através do venire contra factum proprium: 1º - uma situação de confiança, traduzida na boa fé própria da pessoa que acredita numa conduta alheia (no factum proprium); 2º - uma justificação para essa confiança, ou seja, que essa confiança na estabilidade do factum proprium seja plausível e, portanto, sem desacerto dos deveres de indagação razoáveis; 3º - um investimento de confiança, traduzido no facto de ter havido, por parte do confiante, o desenvolvimento de uma actividade na base do factum proprium, de tal modo que a destruição dessa actividade, pelo venire, e o regresso à situação anterior se traduzam numa injustiça clara; 4º - uma imputação da confiança à pessoa atingida pela protecção dada ao confiante, ou seja, que essa confiança, no factum proprium, lhe seja de algum modo recondutível. Na supressio, tais características vêm a assumir as seguintes configurações características: - um não-exercício prolongado do direito; - uma situação de confiança, daí derivada; - uma justificação para essa confiança; - um investimento de confiança; - a imputação da confiança ao não-exercente. (Consultámos o Prof. Menezes Cordeiro, no artigo publicado em http://www.oa.pt/Conteudos/Artigos/detalhe_artigo.aspx?idsc=45582&ida=%2045614 – igualmente, em sentido idêntico, o Prof. Baptista Machado, Obra Dispersa, I, pgs. 345ss., que adopta a designação alemã verwirkung para esta modalidade de exercício abusivo do direito). A situação dos autos melhor se enquadraria, pois, em verdadeira supressio (está em causa o decurso de mais de doze anos sem exercício do direito de crédito relativo à exigência do preço em contrato de empreitada). Concedemos, no caso concreto, que o não exercício do direito por um prazo tão longo é inesperado, inabitual, e é até susceptível de criar uma convicção (“confiança”) subjectiva de que o direito não será exercido. Todavia, o que já não podemos afirmar, porque os factos o não corroboram, é que tenha existido qualquer espécie de justificação objectiva para essa confiança, com desenvolvimento de tentativas de indagação razoáveis por parte do devedor confiante, posto que outros factos, expressos, não decorriam aparentemente da actividade da credora. Factos que o tendiam a demonstrar (designadamente um acordo posterior entre as partes) não resultaram demonstrados. Também não decorrem dos autos quaisquer factos, mesmo que meramente instrumentais, dos quais se pudesse concluir que, para a Ré confiante, decorreu o prejuízo de um anterior “investimento de confiança”. Resta assim a afirmação da jurisprudência de que “o simples decurso do tempo sem o exercício de um direito não é suficiente para se poder concluir pelo abuso do direito” (cf. Ac.R.G. 5/2/2013, pº 4838/09.5TBBRG.G1, relatado pela Desª Ana Cristina Duarte). É claro que, em termos gerais, não deixa de surpreender, como já afirmámos atrás, que, para um montante de capital tão elevado como o discutido nos presentes autos, se tivesse deixado decorrer mais de 12 anos antes de o exigir judicialmente. É claro que à Ré se mostrava vedada a invocação pura e simples do instituto da prescrição do direito. Nesse sentido, e como puro obiter dictum, não podemos deixar de corroborar a afirmação do Prof. Menezes Cordeiro, Tratado – Parte Geral, IV, 2005, pg. 173, no sentido de que uma prescrição ordinária de 20 anos retira sentido ao instituto, tratando-se de um período muito longo, “irrealista”, entre o mais superior ao constante da legislação comparada – p.e, na Alemanha, após 2002, o prazo geral de prescrição é de 3 anos. Trata-se porém de matéria a apreciar apenas de jure condendo. Também não poderá colher uma pura e simples comparação entre a exiguidade do prazo de caducidade do direito à denúncia e exigência de reparação de defeitos no contrato de empreitada, com o prazo longo da prescrição (ambos os prazos, na sua duração, beneficiando, em tese, a posição do empreiteiro, credor do preço). Um direito de crédito já constituído, de fonte obrigacional, não se pode comparar a um direito por constituir (típico das situações abrangidas pela caducidade) – daí que sempre os prazos de caducidade, sempre concretos e casuísticos, se mostrem mais curtos que os prazos de prescrição, usualmente genéricos e mais longos. E, nessa matéria, a Ré bem se pode queixar de si própria, com o devido respeito, pois que, se existiam outros defeitos em obra, para lá daqueles que a Autora reconheceu e reparou, caberia à Ré ter lançado mão dos direitos que lhe eram conferidos pelo disposto nos artºs 1221º a 1223º e 1225º CCiv. E não existe notícia de que alguma vez o tenha feito. II Vejamos agora a matéria dos juros, abordada nas doutas alegações de recurso subordinado.Sobre a matéria dos créditos de que sejam titulares empresas comerciais rege, no período posterior a 2010, a que se reporta a parte transitada da douta sentença recorrida, a redacção do artº 102º CCom, decorrente do disposto nos D-L nº 32/2003, de 17/2 e nº62/2013 de 10/5. Aquele D-L nº32/2003 excluiu expressamente do seu âmbito os contratos celebrados com consumidores (artº 2º nº2 al.a), e definiu “transacção comercial” (artº 3º al.a) como “qualquer transacção entre empresas ou entre empresas e entidades públicas, qualquer que seja a respectiva natureza, forma ou designação, que dê origem ao fornecimento de mercadorias ou à prestação de serviços contra uma remuneração”. Por sua vez, também definiu “empresa” (artº 3º al.b) como “qualquer organização que desenvolva uma actividade económica ou profissional autónoma, mesmo que exercida por pessoa singular”. Quanto ao artº 102º CCom já citado, passou a referir nos seus §§ 3º e 4º: “3º - Os juros moratórios legais e os estabelecidos sem determinação de taxa ou quantitativo, relativamente aos créditos de que sejam titulares empresas comerciais, singulares ou colectivas, são os fixados em portaria conjunta dos Ministros das Finanças e da Justiça.” “4º - A taxa de juro referida no parágrafo anterior não poderá ser inferior ao valor da taxa de juro aplicada pelo Banco Central Europeu à sua mais recente operação principal de refinanciamento efectuada antes do 1.º dia de Janeiro ou Julho, consoante se esteja, respectivamente, no 1.º ou no 2.º semestre do ano civil, acrescida de 7 pontos percentuais.” Estas noções são basicamente idênticas às actualmente constantes do D-L nº 62/2013 de 10/5, que entretanto entrou de vigorar, introduzindo um novo §5º, na redacção do artº 102º CCom. Do disposto no Código Cooperativo (Lei nº51/96 de 7/9), designadamente no seu artº 2º nº1, tem alguma jurisprudência extraído a conclusão de que as cooperativas não são “empresas”: as cooperativas não possuem fins lucrativos; intervêm na estrita prossecução do interesse comum dos cooperadores, os quais são, em bom rigor, os verdadeiros interessados na aquisição dos bens imóveis da dita urbanização, destinados que são à respectiva habitação. Assim se pronunciaram os Ac.R.C. 9/1/2012, pº 902/10.6TBCBR.C1, relatado pelo Des. Fonte Ramos (na base de dados dgsi.pt), ou o Ac.R.C. 6/7/2016, pº 209/14.0T8LRA.C1, relatado pelo Des. Carvalho Martins (este consultado em trc.pt). Com o devido respeito, dissentimos de tal entendimento. O D-L nº32/2003 de 17/2 e, depois dele, o D-L nº 62/2013 de 10/5 são claros quanto ao conceito de empresa que deles decorre (artº 3º nº2 al.b) do primeiro diploma – al.d) do segundo citado diploma) - qualquer organização ou uma entidade que desenvolva uma actividade económica ou profissional autónoma, mesmo que exercida por pessoa singular, não sendo entidade pública. Qualquer pessoa colectiva privada está abrangida pela previsão do artº 3º e pelo conceito de “empresa” adoptado pelo diploma legal – logo, igualmente se encontra abrangida qualquer entidade cooperativa. Note-se que as definições dos diplomas nacionais são quase transcritas das directivas da União Europeia que impuseram a alteração da legislação nacional – Directiva nº2000/35/CE, do Parlamento e do Conselho, e directiva nº2011/7/EU, do Parlamento e do Conselho. A transacção de que emana o crédito da Autora, sendo uma transacção entre “empresas”, conceito este tomado na acepção do artº 102º CCom, nas redacções de 2003 e de 2013, esta última redacção a actualmente vigente, estava sujeita aos juros relativos a transacções comerciais. E apesar da taxa de juros relativa a transacções comerciais não ter sido objecto de qualquer alusão no pedido formulado e nem sequer no requerimento de injunção, era essa taxa de juros que deveria ter sido considerada supletivamente pelo tribunal, nos termos dos artºs 4º nº1 D-L nº32/2003 e do D-L nº62/2013. Nessa parte cabe a alteração da douta sentença recorrida. Resumindo a fundamentação: I – A doutrina tem sistematizado diversos tipos de manifestações do abuso de direito, entre elas o venire contra factum proprium e a supressio, sendo que em ambas se revela uma conduta que se contrapõe a outra conduta anterior geradora de confiança na contraparte, sendo a conduta anterior, na supressio, caracterizada também pela inacção em função do decurso do tempo.II – A não exigência de um direito de crédito (preço) por um prazo de mais de 12 anos pode vir a ser inesperado e é até susceptível de criar anteriormente a convicção (“confiança”) subjectiva de que o direito não será exercido, mas se os factos não revelam qualquer espécie de justificação objectiva para essa confiança, com desenvolvimento de tentativas de indagação razoáveis por parte do devedor confiante, e se não decorrem dos autos quaisquer factos dos quais se pudesse concluir que, para a Ré confiante, decorreu o prejuízo de um anterior “investimento de confiança”, resta a afirmação da jurisprudência de que “o simples decurso do tempo sem o exercício de um direito não é suficiente para se poder concluir pelo abuso do direito”. III – O D-L nº32/2003 de 17/2 e, depois dele, o D-L nº 62/2013 de 10/5, que alteraram a redacção do artº 102º CCom, norma que rege em matéria de juros devidos no caso de transacções comerciais, englobaram qualquer pessoa colectiva privada na previsão do conceito de “empresa” dos respectivos artºs 3º – logo, igualmente abrangendo na sua previsão qualquer entidade cooperativa. Dispositivo (artº 202º nº1 CRP): Julga-se improcedente, por não provado, o recurso de apelação independente, e procedente, por provado, o recurso de apelação subordinado e, em consequência, revoga-se em parte a douta sentença recorrida, determinando-se agora que a quantia relativa à condenação da Ré seja acrescida de juros de mora, às taxas previstas para transacções comerciais, tal como decorrentes do disposto no artº 102º CCom, nas redacções dos D-L nºs 32/2003 de 17/2 e 62/2013 de 10/5, respectivamente aplicáveis nos respectivos períodos de vigência.Custas pela Apelante do recurso independente. Porto, 30/V/2017 Vieira e Cunha Maria Eiró João Proença |