Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
582/18.0YRLSB.S1
Nº Convencional: 7ª SECÇÃO
Relator: NUNO PINTO OLIVEIRA
Descritores: PROPRIEDADE INDUSTRIAL
PATENTE
TRIBUNAL ARBITRAL
LEI INTERPRETATIVA
Data do Acordão: 03/14/2019
Votação: UNANIMIDADE
Referência de Publicação:
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA (PROPRIEDADE INTELECTUAL)
Decisão: NEGADA A REVISTA
Área Temática:
DIREITO PROCESSUAL CIVIL – PROCESSO DE DECLARAÇÃO / SENTENÇA / ELABORAÇÃO DA SENTENÇA / RECURSOS / JULGAMENTO DO RECURSO.
Doutrina:
- Evaristo Mendes, Recurso para o Supremo de decisões arbitrais proferidas ao abrigo da Lei 62/2011: Acórdãos do STJ de 23-06-2016 e de 02-02-2017, in http://www.evaristomendes.eu/ficheiros/Evaristo_Menses_Patentes_de_medicamentos-Instancias_de_recurso_na_arbirtragem_necessaria_ao_abrigo_da_Lei_62-2011.pdf ; Incompetência dos tribunais arbitrais necessários para apreciar a invalidade das patentes: Acórdãos do STJ de 14-12-2016 e do TRL de 16-11-2016, in http://www.evaristomendes.eu/ficheiros/Evaristo_Menses_Patentes_de_medicamentos-Incompetencia_dos_tribunais_arbitrais_necessarios_para_apreciar_a_invalidade_da_patente_(2017_04).pdf ; Patentes de medicamentos. Arbitragem necessária. Comentário de jurisprudência. Súmula da Lei nº 62/2011, Propriedades Intelectuais, n.º 4 — 2015, p. 26-40;
- João Baptista Machado, Introdução ao direito e ao discurso legitimador, Livraria Almedina, Coimbra, 1982, p. 247.
Legislação Nacional:
CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL (CPC): - ARTIGOS 608.º, N.º 2, 629.º, N.º 2, ALÍNEAS A) E D), 635.º, N.º 4, 639.º, N.º 1 E 663.º, N.º 2.
CÓDIGO DA PROPRIEDADE INDUSTRIAL (CPI), APROVADO PELO DL N.º 110/2018, DE 10 DE DEZEMBRO: - ARTIGO 4.º.
LITÍGIOS EMERGENTES DE DIREITOS DE PROPRIEDADE INDUSTRIAL - MEDICAMENTOS DE REFERÊNCIA/GENÉRICOS, APROVADO PELA LEI N.º 62/2011, DE 12 DE DEZEMBRO: - ARTIGO 3.º, N.º 3.
Jurisprudência Nacional:
ACÓRDÃOS DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA:

- DE 23-06-2016, PROCESSO N.º 1248/14.6YRLSB.S1;
- DE 25-05-2017, PROCESSO N.º 17/15.0YRLSB.S1;
- DE 15-03-2018, PROCESSO N.º 1503/16.0YRLSB.S1;
- DE 22-03-2018, PROCESSO N.º 1053/16.5YRLSB.S1.S1;
- DE 17-05-2018, PROCESSO N.º 889/17.4YRLSB.S1.


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ACÓRDÃO DO TRIBUNAL CONSTITUCIONAL:

- ACÓRDÃO N.º 251/2017, DE 24-05-2017.


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ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE LISBOA:

- DE 13-12-2017, PROCESSO N.º 751/17.0YRLSB.
Sumário :
O art. 4.º do Decreto-Lei n.º 110/2018, de 10 de Dezembro, na parte em que adita o novo n.º 3 ao art. 3.º da Lei n.º 62/2011, de 12 de Dezembro, tem natureza interpretativa.
Decisão Texto Integral:

ACORDAM NO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA

I. — RELATÓRIO

          

  1. AA. intentou acção arbitral necessária contra BB.

           

  2. A Demandante invocou ser titular da patente europeia n.° 720 599 (EP' 720 599) e do CCP 150 e do CCP 189, concedidos tendo por patente base a já referida EP 720599.

   Como titular desses direitos de propriedade industrial obteve autorização de introdução no mercado (AIM) do medicamento de referência CC, passando esse medicamento a ser comercializado em Portugal.

          A Demandante teve conhecimento que a Demandada requereu autorizações de introdução no mercado (AIMs) para medicamentos genéricos Ezetimiba + Sinvastatina e genéricos Ezetimiba, princípios activos protegidos pela patente de que a Autora é titular.

           Pediu, por isso, a condenação da Demandada a abster-se de, em território português, ou tendo em vista a comercialização nesse território, por si ou por terceiro, importar, fabricar, armazenar, introduzir no comércio, vender ou oferecer qualquer medicamento genérico contendo Ezetimiba e Ezetimiba + Sinvastatina.

    3. A Demandada apresentou contestação na qual requereu que a instância fosse suspensa, nos termos do disposto no art.° 272.° do Código de Processo Civil ou que a acção seja julgada improcedente e a Demandada absolvida de todos os pedidos.

        A Demandada fundamenta o seu pedido de suspensão em duas ordens de razões:

        Em primeiro lugar, no facto de, não obstante ter requerido o AIM, declarar que não irá iniciar a comercialização dos seus medicamentos genéricos antes da caducidade do CCP 150 (em 17/04/2018).

        Em segundo lugar, na circunstância de a invalidade do CCP 189, por falta de preenchimento das condições estabelecidas no art° 3.°, alíneas a) e c) do regulamento CCP ter sido invocada em duas acções que se encontram pendentes no Io Juízo do Tribunal da Propriedade Intelectual, a saber:

   (i) processo n.° 216/16.8YHLSB, intentado pela DD LDA e

   (ii) processo 281/17.0YHLSB, intentada pela DD e EE; LDA.

   Na perspectiva da Demandada, a pendência de uma acção declarativa de nulidade do CCP 189 constitui uma questão prejudicial relativamente àquela que é objecto do presente processo.

  4. Complementarmente, a Demandada coloca em causa o objecto da acção arbitral por considerar que o Tribunal apenas se pode pronunciar sobre pedidos que tenham relação com as AIMs em apreço nos presentes autos e não também com quaisquer medicamentos genéricos contendo os ingredientes activos ezetimiba + sinvastatina.

  5. A Demandante apresentou resposta às excepções invocadas, considerando que devem ser apreciados na acção todos os pedidos por si formulados na petição inicial e defendendo a incompetência do Tribunal Arbitral para apreciar a alegada invalidade do CCP 189.

6. O Tribunal Arbitral proferiu despacho saneador no qual identificou os factos assentes e fixou a matéria de facto controvertida, considerando-se competente para apreciar a excepção da invalidade do Certificado Complementar de Protecção 189 suscitada pela Demandada.

7. Inconformada com esta decisão a Demandante interpôs recurso de apelação, formulando, no essencial, as seguintes conclusões:

1 - O presente recurso vem interposto pela Recorrente do Acórdão saneador proferido pelo Tribunal Arbitral de 9 de janeiro de 2018 por meio do qual este se declarou competente para apreciar e decidir da validade ou invalidade do CCP 189 com reflexo e valor inter partes, na sequência da invocação da excepção de invalidade invocada pela Recorrida Actavis.

2 - A questão sub judice no presente recurso reside em saber se, em geral, deve um tribunal arbitral ser considerado competente para poder apreciar e conhecer, em geral, da validade de uma patente ou, in casu, de um CCP.

3 - O CCP 189 foi concedido tendo por patente base a EP 720 599, do qual a Recorrente é também titular e por referência à primeira autorização de introdução no mercado europeu do medicamento contendo o produto que consiste na associação Ezetimiba+ Sinvastatina.

4 - Nos atermos do artigo 5.° do Regulamento CCP, este certificado confere os mesmos direitos que os conferidos pela patente de base e está sujeito às mesmas limitações e obrigações.

5 - Um CCP ( e, portanto, também o CCP 189) corresponde em suma a um direito fundamental de natureza análoga à dos direitos, liberdades e garantias, correspondendo a um direito de propriedade industrial absoluto e, como tal, oponível erga omnes.

6 - A equiparação entre uma patente e um CCP não se faz só quanto aos direitos conferidos, nos termos do art.° 5.° do Regulamento CCP; faz-se também quanto aos tribunais competentes para promover a sua anulação e ao processo que para tanto devem seguir.

7 - Um dos princípios basilares que preside à protecção da propriedade industrial encontra-se plasmado no artigo 4.°, n.°2 do CPI, que estabelece que a concessão de direitos de propriedade industrial implica a presunção jurídica (" iuris tantum") dos requisitos da sua concessão.

8 - O único meio facultado pelo CPI para a elisão da presunção de validade de um título de propriedade industrial é a acção de nulidade ou de anulação, a intentar pelo Ministério Público ou por qualquer interessado, junto de um tribunal judicial, conforme resulta claramente do artigo 35.° n.°l e 2 do CPI.

9 - Foi intenção do legislador estabelecer uma reserva de justiça estadual e a concentrar num único tribunal especializado o contencioso sobre a validade de direitos de propriedade industrial, tornando, deste modo, inarbitrável pelo Tribunal Arbitral qualquer pretensão atinente à apreciação e conhecimento dos fundamentos de invalidade de um direito de propriedade industrial, incluindo de um CCP.

10 - Em primeiro lugar, a inarbitrabilidade da invalidade dos direitos de propriedade industrial (onde se incluem os CCPs) por tribunais arbitrais prende-se, desde logo, com a natureza dos direitos em causa, pois a declaração de invalidade, com meros efeitos inter partes, redundaria, na prática, na invalidação subjectivamente parcial do mesmo CCP, a qual passaria assim a ser inválida apenas em relação à Recorrida, continuando a ser válida e oponível contra todos os outros interessados.

11 - A declaração de invalidade nestas circunstâncias destruiria a natureza de direito absoluto do direito do CCP, oponível erga omnes, sem que nada na lei autorize tal destruição.

12 - Em segundo lugar, a inarbitrabilidade da invalidade dos direitos de propriedade industrial por tribunais arbitrais prende-se com a solenidade associada ao procedimento administrativo de concessão de direitos de propriedade industrial, pois, considerando a natureza absoluta dos direitos privativos que resultam do CCP e da sua patente de base, encontram-se adstritos a averbamento e inscrição no título todos e quaisquer factos que limitem, modifiquem ou extingam esses direitos.

13 - Em terceiro lugar, a inarbitrabilidade da invalidade dos direitos de propriedade industrial por tribunais arbitrais prende-se com razões de lealdade da concorrência e transparência de mercado.

14- A aceitação da apreciação da excepção de invalidade do CCP 189 em acções arbitrais poderia levar à prolação de decisões contraditórias(…).

Assim, caso a acção de nulidade ou anulação junto do TPI que foi proposta nos termos do art.° 35.° do CPI seja julgada improcedente, julgando-se válido o CCP 189, tal decisão embora eficaz erga omnes, teria de conviver com eventuais decisões arbitrais individuais que teriam considerado o CCP 189 inválido, permitindo assim a sua infracção por agentes económicos que são parte nessas acções individuais.

15 - Deste modo se conclui que, em razão de todo o exposto, não é sindicável pelo Tribunal Arbitral, ainda que em sede de excepção, a matéria da alegada invalidade do CCP suscitada pela ACTAVIS, com fundamento na alegada inobservância do disposto no art.° 3.° do regulamento (CE) n.° 469/2009.

16 - A necessidade de celeridade na resolução deste tipo de litígios não pode sobrepor e justificar o desrespeito pelos preceitos legais aplicáveis, muito menos num domínio onde a segurança jurídica deve ser um dos princípios norteadores do sistema.

17 - A posição sufragada pelo tribunal Arbitral está em total e expressa contradição com o entendimento maioritário jurisprudencial, seguido em sede tanto arbitral como judicial, em concreto pelo tribunal ad quem, o Tribunal da Relação de Lisboa.

18 - Não se ignora, no entanto que o Tribunal Constitucional se pronunciou recentemente sobre a constitucionalidade da denegação da competência dos tribunais arbitrais para decidirem sobre a validade de uma patente, com efeito inter partes, muito embora tal Acórdão não tenha força obrigatória geral.

19 - A norma constitucional que se considera violada é o art.° 20.° n.°4 da CRP, em particular a específica dimensão do direito à tutela jurisdicional efectiva designada por "proibição da indefesa”.

20 - Não apenas as premissas que fundamentam o entendimento do Tribunal são erradas , o que comprometeu a exactidão do juízo de inconstitucionalidade que proferiu, como a ponderação exigida pelo artigo 18.° n.°2 da CRP só foi feita a metade.

21- A inviabilidade de alegar a invalidade da patente, em resultado das regras de competência material do TPI, não implica qualquer perda do direito de defesa da Demandada, apenas alterando os termos em que a satisfação de tal direito pode ocorrer.

22- Admitir-se a defesa por excepção em acções arbitrais comportará consequências negativas inadmissíveis para este direito fundamental dostitulares das patentes.

23 - Significa isto que a interpretação recorrida veio admitir uma solução que legitima a violação do conteúdo essencial de um direito enquadrável na categoria dos direitos liberdades e garantias, por força do art.° 42.° da CRP (ou, pelo menos, de um direito com natureza a eles análoga, por força do art.° 62.° da Constituição), sendo pois materialmente inconstitucional por colidir com o artigo 18.° n.°2 e 3 da CRP.

24 - Em suma, uma interpretação dos artigos 35.° n.°l do CPC e 2.° da Lei n.D62/2011 segundo a qual é admissível a declaração de nulidade de uma patente por um tribunal arbitral com efeitos inter partes importa a diminuição da extensão e do alcance do conteúdo essencial do direito fundamental de propriedade industrial das titulares de patentes de forma desproporcional, sendo materialmente inconstitucional por violação doa rtigos 42.°, 62.° e 18.° n.°2 e 3 da CRP e representando uma solução em violação do artigo 13.° da lei Fundamental.

25 - Termos em que deve ser concedido provimento ao presente recurso e por conseguinte, deve ser revogado o acórdão proferido pelo Tribunal Arbitral na parte em que se declara competente para conhecer da validade ou invalidade do CCP 189 com reflexo e valor inter partes, substituindo tal decisão por outra que julgue o tribunal, Arbitral incompetente para apreciar tal matéria.

    8. A Demandanda BB contra-alegou pugnando pela improcedência do recurso e confirmação da decisão recorrida.

     9. O Tribunal da Relação de Lisboa julgou improcedente o recurso, confirmando a decisão do Tribunal Arbitral.

     10. A Autora, agora Recorrente, AA. interpôs recurso de revista, tendo finalizado a sua alegação com as seguintes conclusões:

1. O presente recurso vem interposto pela Recorrente do Acórdão proferido pelo Tribunal da Relação de Lisboa, de 5 de julho de 2018, que confirmou o Acórdão Saneador proferido pelo Tribunal Arbitral, de 9 de janeiro de 2018, por meio do qual este se declarou competente para apreciar e decidir da validade ou invalidade do CCP 189 com reflexo e valor inter partes, na sequência da invocação da exceção de invalidade invocada pela Recorrida Actavis.

2. No que concerne as pressupostos de admissibilidade do presente recurso, não obstante uma interpretação restritiva do preceito constante do artigo 3.ª, n.ª 7 da Lei 62/2011, o próprio STJ já reconheceu a possibilidade de acesso a um terceiro grau de jurisdição nos casos em que o recurso e sempre admissível, isto é, estando verificada uma das alíneas do artigo 629.e, n.s 2 do CPC.

3. O presente recurso enquadra-se na alínea a) do n.º 2 do artigo 629.2 do CPC, visto que o que se pretende é saber se o tribunal arbitral tem ou não tem competência para apreciar e conhecer a questão da validade do CCP 189, o que significa que está em causa a delimitação da competência material do tribunal arbitral necessário constituído ao abrigo da Lei 62/2011.

4. Também é reconduzível à alínea d) do n.s 2 do artigo 629.S do CPC, visto que há uma contradição de julgados nas Relações. O Acórdão de que ora se recorre está em frontal consideração com Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, de 13 de dezembro de 2017 (processo n.s 751/17.0YRLSB) - acórdão fundamento.

5. Relativamente ao mérito do presente recurso, a questão sub judice reside em saber se, em geral, deve um tribunal arbitral ser considerado competente para poder apreciar e conhecer, em geral, da validade de uma patente ou, in casu, de um CCP.

6. O CCP 189 foi concedido tendo por patente base a EP 720 599, do qual a Recorrente é também titular, e por referência à primeira autorização de introdução no mercado europeu do medicamento contendo o produto que consiste na associação Ezetimiba + Sinvastatina.

7. Nos termos do artigo 5.5 do Regulamento CCP, este certificado confere os mesmos direitos que os conferidos pela patente de base e está sujeito às mesmas limitações e obrigações.

8. Um CCP (e, portanto, também o CCP 189) corresponde em suma a um direito fundamental de natureza análoga à dos direitos, liberdades e garantias, correspondendo a um direito de propriedade industrial absoluto e, como tal, oponível erga omnes.

9. A equiparação entre uma patente e um CCP não se faz só quanto aos direitos conferidos, nos termos do artigo 5.5 do Regulamento CCP; faz-se também quanto aos tribunais competentes para promover a sua anulação e ao processo que para tanto devem seguir.

10. Um dos princípios basilares que preside à proteção da propriedade industrial encontra-se plasmado no artigo 4.5, n.s 2 do CPI, que estabelece que a concessão de direitos de propriedade industrial implica a presunção jurídica {"júris tantum") dos requisitos da sua concessão.

11. O único meio facultado pelo CPI para a elisão da presunção de validade de um título de propriedade industrial é a ação de nulidade ou de anulação, a intentar pelo Ministério Público ou por qualquer interessado, junto de um tribunal judicial, conforme resulta claramente do artigo 35.^, n.ss 1 e 2 do CPI.

12. Foi intenção do legislador estabelecer uma reserva de justiça estadual e a concentrar num único tribunal especializado o contencioso sobre a validade de direitos de propriedade industrial, tornando, deste modo, inarbitrável pelo Tribunal Arbitral qualquer pretensão atinente à apreciação e conhecimento dos fundamentos de invalidade de um direito de propriedade industrial, incluindo de um CCP.

13. Em primeiro lugar, a inarbitrabilidade da invalidade dos direitos de propriedade industrial (onde se incluem os CCPs) por tribunais arbitrais prende-se, desde logo, com a natureza dos direitos em causa, pois a declaração de invalidade, com meros efeitos inter partes, redundaria, na prática, na invalidação subjetivamente parcial do mesmo CCP, a qual passaria assim a ser inválida apenas em relação à Recorrida, continuando a ser válida e oponível contra todos os outros interessados.

14. A declaração de invalidade nestas circunstâncias destruiria a natureza de direito absoluto do direito do CCP, oponível erga omnes, sem que nada na lei autorize tal destruição.

15. Em segundo lugar, a inarbitrabilidade da invalidade dos direitos de propriedade industriai por tribunais arbitrais prende-se com a solenidade associada ao procedimento administrativo de concessão de direitos de propriedade industrial, pois, considerando a natureza absoluta dos direitos privativos que resultam do CCP e da sua patente de base, encontram-se adstritos a averbamento e inscrição no título todos e quaisquer factos que limitem, modifiquem ou extingam esses direitos.

16. Este procedimento assegura especiais cautelas e garantias de legalidade, sendo, pois, apenas natural que a certificação legal de um título pela entidade administrativa competente implique a presunção da respetiva validade ~ e que tal presunção apenas possa ser afastada por via de uma ação que ofereça iguais garantias de legalidade e especialidade.

17. Em terceiro lugar, a inarbitrabilidade da invalidade dos direitos de propriedade industrial por tribunais arbitrais prende-se com razões de lealdade da concorrência e transparência de mercado, visto que levaria à criação de distorções à igualdade concorrencial, beneficiando injustificadamente uns agentes económicos em detrimento de outros.

18. Resulta evidente da análise das circunstâncias do caso concreto que a ideia da Actavis com a dedução da exceção de invalidade do CCP 189 é tentar obter, de forma célere, uma decisão que lhes confira uma (injustificada) vantagem competitiva que só seria (e/ou deveria ser) possível alcançar através de uma ação de nulidade ou de anulação do CCP.

19. A aceitação da apreciação da exceção de invalidade do CCP 189 em ações arbitrais (ou só em algumas) poderia levar à prolação de decisões totalmente contraditórias relativamente ao mesmo, o que poderia, em teoria, conduzir ao cenário em que uma empresa de genéricos pudesse comercializar um genérico do medicamento contendo a associação Ezetimiba + Sinvastatina, enquanto outra estaria impedida de o fazer.

20. Assim, caso a ação de nulidade ou anulação junto do TPI que foi proposta nos termos do artigo 35.2 do CPI seja julgada improcedente, julgando-se válido o CCP 189, tal decisão, embora eficaz erga omnes, teria de conviver com eventuais decisões arbitrais individuais que teriam considerado o CCP 189 inválido, permitindo assim a sua infração por agentes económicos que são parte nessas ações individuais.

21. Desde modo se conclui que, em razão de todo o exposto, não é sindicável pelo Tribunal Arbitral, ainda que em sede de exceção, a matéria da alegada invalidade do CCP suscitada pela Actavis, com fundamento na alegada inobservância do disposto no artigo 3.5 do Regulamento (CE) n.^ 469/2009.

22. A necessidade de celeridade na resolução deste tipo de litígios não pode sobrepor e justificar o desrespeito pelos preceitos legais aplicáveis, muito menos num domínio onde a segurança jurídica deve ser um dos princípios norteadores do sistema.

23. Nada no elemento literal da Lei 62/2011 pode ser interpretado como suportando positivamente a competência do Tribunal Arbitral.

24. O artigo l.9 da LAV esclarece, aliás, que são inarbitráveis os litígios que, por lei especial, estejam submetidos exclusivamente à jurisdição dos tribunais do Estado, sendo naturalmente o artigo 35.9 um claro caso nesse sentido.

25. A posição sufragada pelo Tribunal da Relação de Lisboa está em total e expressa contradição com o entendimento maioritário jurisprudencial, seguido em sede tanto arbitral como judicial, em concreto pelo tribunal ad quem, o Supremo Tribunal de Justiça.

26. Não se ignora, no entanto, que o Tribunal Constitucional se pronunciou recentemente sobre a constitucionalidade da denegação da competência dos tribunais arbitrais para decidirem sobre a validade de uma patente, com efeitos inter partes, muito embora tal Acórdão não tenha força obrigatória geral.

27. A norma constitucional que se considerava violada era o artigo 20.^ n.s 4 da CRP, em particular, a específica dimensão do direito à tutela jurisdicional efetiva designada por "proibição da indefesa”.

28. Sucede que o TC só apreciou a problemática da violação do processo equitativo do ponto de vista do direito de defesa dos demandados nas ações arbitrais, centrada na questão da proporcionalidade da solução jurisprudencial em análise.

29. Porém, os efeitos - constitucionais - emergentes da solução encontrada pelo TC em resposta a essa problemática para os demandantes titulares de patentes foram totalmente desconsiderados.

30. Para fundamentar a conclusão de que "a norma objeto do presente julgamento [se] revela excessiva porquanto prejudica de modo desproporcionado o direito à defesa do requerente de AIM", o TC baseia-se nas seguintes premissas: (i) a instauração de uma ação de invalidação de uma patente dificilmente terá qualquer influência na resolução do litígio pendente na ação arbitral, considerando o artigo 36.2 d0 CPI e as normas processuais comuns relativas à suspensão da instância, previstas no artigo 272.2 e seguintes do Código de Processo Civil; e (ii) o requerente/titular de AIM pode não ter um interesse na declaração de invalidade da patente através de uma ação de anulação com efeitos erga omnes, visto que tal beneficiaria todos os terceiros concorrentes do titular da patente e não apenas o seu interesse económico.

31. Não apenas as premissas que fundamentaram o entendimento do Tribunal são erradas, o que comprometeu a exatidão do juízo de inconstitucionalidade que proferiu, como a ponderação exigida pelo artigo 18.2, n.2 2 da CRP só foi feita a metade.

32. Se um direito de patente for declarado nulo depois da decisão arbitral, é evidente que tal facto permite modificar ou inutilizar a força de caso julgado conferida à decisão arbitral condenatória da demandada a partir da data dessa declaração de nulidade.

33. A inviabilidade de alegar a invalidade da patente, em resultado das regras de competência material do TPI, não implica qualquer perda do direito de defesa da Demandada, apenas alterando os termos em que a satisfação de tal direito pode ocorrer.

34. Quanto à suspensão da instância, a circunstância de a demandada numa ação de infração de patente possa ver o seu pedido de suspensão da instância recusado ao abrigo do artigo 272.2, n.2 2 do Código de Processo Civil não pode fundamentar sem mais o juízo de inconstitucionalidade oferecido, até porque o próprio decretamento da suspensão da instância tem necessariamente de obedecer a certos requisitos positivos e negativos. 0 artigo 272.2, n.2 2 do CPC é, ele mesmo, uma manifestação adjetiva do princípio da proporcionalidade.

35. Ao contrário do sindicado pelo TC, o direito de defesa das sociedades demandadas nas ações arbitrais não fica em nada limitada, nem tão-pouco aniquilado, pelo facto de a ação de nulidade que têm de propor (caso queiram ver anulado o direito de patente contra si invocado) ter efeitos erga omnes.

36. Esse seu potencial interesse - que não passa disso mesmo, ou seja, de um interesse e que não é constitucionalmente protegido - nada tem que ver com o direito de defesa cuja eventual restrição estava sob escrutínio.

37. E ainda que esse interesse pudesse pesar na ponderação de interesses que cabia ao TC fazer nos termos do artigo I8.2, n.s 2 da CRP, ele jamais poderia prevalecer sobre o direito de patente das sociedades demandantes, esse sim, um direito fundamenta! constitucionalmente protegido.

38. O interesse constitucionalmente protegido que estaria em confronto com o direito de defesa do demandado seria, nas palavras do TC, a proteção da "natureza do direito de patente, enquanto oponível erga omnes" e o "interesse de assegurar a competência exclusiva de determinado tribunal para apreciar a matéria", mas escapou ao TC a circunstância de que o que esses interesses visam proteger é o próprio direito de patente.

39. O direito constitucionalmente protegido que a solução em análise visa salvaguardar é o conteúdo essencial do direito de patente, diretamente protegido pela CRP por força do artigo 42.5 ou do artigo 62.2.

40. O TC, no seu Acórdão, não cuidou de ver o que acontece ao direito de patente (ou de CCP) da ora Recorrente caso se admita a defesa por exceção baseada da nulidade da patente.

41. E ponto de partida essencial desta análise que não foi feita é a de que o direito de patente (ou de CCP) é um direito temporário ou efémero.

42. Admitir-se a defesa por exceção em ações arbitrais comportará consequências negativas inadmissíveis para este direito fundamental dos titulares de patentes - inadmissíveis porque verdadeiramente irreversíveis.

43. Significa isto que a interpretação recorrida veio admitir um solução que legitima a violação do conteúdo essencial de um direito enquadrável na categoria dos direitos, liberdades e garantias, por força do artigo 42.ª da CRP (ou, pelo menos, de um direito com natureza a eles análoga, por força do artigo 62.9 da Constituição), sendo pois materialmente inconstitucional por colidir com o artigo 18.9, n.°s 2 e 3 da CRP.

44. Uma empresa que pretenda colocar o seu medicamento genérico no mercado já soube, em momento muito anterior à propositura da ação arbitral, que o medicamento em causa está protegido por uma patente ou por um CCP, qual o seu escopo de proteção e quem é o seu titular e, caso tenha um interesse sério e efetivo em comercializar o produto em causa e pretendendo obter a invalidação da patente (ou do CCP) que o protege, têm à sua disposição variados meios de a impugnar, alguns dos quais inclusivamente preventivos.

45. Nada justifica - muito menos um interesse de um requerente da AIM - que, tendo o titular da patente logrado ultrapassar de forma triunfante esses obstáculos, veja o seu direito fundamental aniquilado para salvaguarda de uma mera restrição do direito de defesa dos demandados.

46. Em suma, uma interpretação dos artigos 35.e, n.s 1 do CPC e 2.9 da Lei n.9 62/2011 segundo a qual é admissível a declaração de nulidade de uma patente por um tribunal arbitral com efeitos inter partes importa a diminuição da extensão e do alcance do conteúdo essencial do direito fundamental de propriedade industrial das titulares de patentes de forma desproporcional, sendo materialmente inconstitucional por violação dos artigos 42.º, 62.º e 18.º, n.ºs 2 e 3 da CRP, e representando uma solução, em violação do artigo 13.º da Lei Fundamental.

Termos em que, e com o douto suprimento de V. Exas., deve ser o presente recurso ser admitido e considerado procedente, e, por conseguinte, deve ser revogado o Acórdão proferido pelo Tribunal da Relação de Lisboa, que confirma o acórdão do Tribunal Arbitral na parte em que este se declara competente para conhecer da validade ou invalidade do CCP 189 com reflexo e valor inter partes, substituindo tal decisão por outra que julgue o Tribunal Arbitral incompetente para apreciar tal matéria, com o que farão a costumada JUSTIÇA!

       11. A Ré, agora Recorrida, BB contra-alegoui, pugnando pela confirmação do acórdão recorrido.

       12. Corridos os vistos, cumpre apreciar e decidir.

       13. Sendo o objecto do recurso delimitado pelas conclusões do recorrente (cf. arts. 635.º, n.º 4, e 639.º, n.º 1, do Código de Processo Civil), sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso (cf. art. 608.º, n.º 2, por remissão do art. 663.º, n.º 2, do Código de processo Civil), as questões a decidir, in casu, são as seguintes:

       1.º — se o recurso de revista é admissível, atendendo ao disposto no art. 3.º, n.º 7, da Lei n.º 62/2011, de 12 de Dezembro; desde que o recurso seja admissível,

    2.º — se o Tribunal Arbitral é competente para conhecer, por via de excepção, da invalidade (do facto constitutivo) da patente.

II. — FUNDAMENTAÇÃO

            OS FACTOS

           O acórdão recorrido, constatando que a questão a decidir é exclusivamente de direito, considerou suficientes para a decisão os elementos constantes do relatório.

            O DIREITO

      1. A questão da admissibilidade do recurso é uma questão prévia; deverá, por consequência, averiguar-se se a disposição do n.º 7 do art. 3.º da Lei n.º 62/2011, de 12 de Dezembro [1], impedirá o Supremo Tribunal de Justiça de conhecer da presente revista.

       Entre os pontos controversos está a questão de saber se do art. 3.º, n.º 7, decorre que não é admissível recurso de revista, nos termos gerais [2]. Entre os pontos consensuais, incontroversos ou quase incontroversos, está a questão de saber se do art. 3.º, n.º 7, decorre que não é nunca admissível recurso de revista. O Supremo Tribunal de Justiça tem entendido que “a norma constante do n.º 7 do art. 3.º da Lei 62/11, ao estabelecer que das decisões do tribunal arbitral necessário, ali previsto, cabe recurso para a Relação, não deve interpretar-se no sentido de estabelecer uma absoluta exclusão da recorribilidade para o STJ do acórdão proferido em 2ª instância – devendo, ao menos, admitir-se a revista […] quando a questão suscitada seja atinente à definição da competência material do tribunal arbitral e sobre a mesma exista um conflito jurisprudencial sedimentado ao nível da Relação” [3]. Ou seja: ainda que houvesse uma regra de irrecorribilidade, sempre a regra teria sido temperada “com a admissibilidade de recurso nos casos de verificação de alguma das situações previstas no art. 629.º, n.º 2, do Código de Processo Civil, entre as quais se conta a contradição do acórdão da Relação com outro, dessa ou de diferente Relação, no domínio da mesma legislação, sobre a mesma questão fundamental de direito” [4] [5].

     2. A Recorrente alega que o recurso é admissível nos termos das alíneas a) e d) do n.º 2 do art. 629.º do Código de Processo Civil: — nos termos da alínea a), por se tratar de recurso com fundamento na violação nas regras de competência em razão da matéria; — nos termos da alínea d), por se tratar de recurso de acórdão da Relação “que esteja em contradição com outro, dessa ou de diferente Relação, no domínio da mesma legislação e sobre a mesma questão fundamental de direito, e do qual não caiba recurso ordinário por motivo estranho à alçada do tribunal […]”.

           Conformando-se com o ónus previsto no art. 637.º, n.º 2, do Código de Processo, a Recorrente juntou cópia do acórdão fundamento — in casu, do acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, de 13 de Dezembro de 2017 (processo n.º 751/17.0YRLSB).

A alegação de que o recurso será admissível, pelo menos, com fundamento na alínea a) do n.º 2 do art. 629.º corresponde à doutrina do acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 23 de Junho de 2016, no processo n.º 1248/14.6YRLSB.S1, e a alegação de que o recurso será admissível, pelo menos, com fundamento na alínea d), desde que haja contradição de julgados, corresponde à doutrina dos acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de Justiça de 23 de Junho de 2016, de 2 de Fevereiro de 2017, no processo n.º 393/15.5YRLSB.S1, de de 25 de Maio de 2017, no processo n.º 17/15.0YRLSB.S1, de de 15 de Março de 2018, no processo n.º 1503/16.0YRLSB.S1, e de de 17 de Maio de 2018, no processo n.º 889/17.4YRLSB.S1 [6]. Entre o acórdão fundamento — acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 13 de Dezembro de 2017, no processo n.º 751/17.0YRLSB —  e o acórdão recorrido há uma contradição evidente: no domínio da mesma legislação — no domínio da Lei n.º 62/2011, de 12 de Dezembro — e na mesma questão fundamental de direito — na questão da competência do Tribunal Arbitral para conhecer da invalidade (do facto constitutivo) da patente —, o acórdão fundamento pronuncia-se no sentido de “[negar] competência ao Tribunal Arbitral em razão da matéria para apreciar a questão da validade [da patente]”  e o acórdão recorrido, no sentido de lhe atribuir competência para apreciar a questão da validade da patente, desde que os efeitos da decisão fiquem circunscritos ao processo.

  3. Esclarecida a questão prévia da admissibilidade do recurso, considerar-se-á a questão principal da competência do Tribunal Arbitral para conhecer, por via de excepção, da invalidade (do facto constitutivo) da patente.

I. — O Supremo Tribunal de Justiça considerou o tema nos acórdãos de 14 de Dezembro de 2016, no processo n.º 1248/14.6YRLSB.S1, e de de 22 de Março de 2018, no processo n.º 1053/16.5YRLSB.S1.S1, tendo-se pronunciado no sentido da incompetência do Tribunal Arbitral.  

 O sumário do acórdão de 14 de Dezembro de 2016 é do seguinte teor: 

I. — O tribunal arbitral necessário previsto na Lei 62/2011 é incompetente para apreciar, ainda que por via da dedução de mera excepção peremptória, cujos efeitos ficariam circunscritos ao processo, a questão da nulidade da patente do medicamento em causa, por tal matéria estar reservada à competência exclusiva do TPI.

 II. — A inviabilidade de o R. suscitar incidentalmente, naquele processo, a excepção peremptória de nulidade do direito patenteado configura-se como proporcional e adequada, radicando, em última análise, na natureza da relação controvertida, no carácter constitutivo do acto de reconhecimento dos direitos de propriedade industrial e nas razões de interesse público e de congruência do sistema que levaram a reservar o conhecimento de tais vícios apenas ao TPI – não implicando, consequentemente, neste caso, o desvio à regra constante do nº 1 do art. 91º do CPC qualquer violação do direito de defesa, da regra do contraditório ou do princípio do processo equitativo.

 III. — A necessidade de desencadear, pelo interessado que despoletou o pedido de AIM do medicamento genérico e pretenda questionar a validade da patente, há muito registada, que obsta à pretendida introdução no mercado, da pertinente acção de nulidade da patente, conjugada com a possibilidade de requerer e obter a suspensão da instância arbitral até que tal acção seja julgada, constituem meios procedimentais – alternativos à dedução perante o tribunal arbitral da excepção de nulidade da dita patente – que não envolvem onerosidade excessiva para o interessado e permitem satisfazer, em termos adequados, o seu direito a questionar a validade da patente que obsta à comercialização por ele pretendida – o que naturalmente afasta a violação do preceituado no art. 20º da Lei Fundamental [7].

  II. — Entre os acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de de 14 de Dezembro de 2016 e de de 22 de Março de 2018 foi proferido o acórdão do Tribunal Constitucional n.º 251/2017, de 24 de Maio de 2017, por que se julgou inconstitucional

“a norma interpretativamente extraível do artigo 2.º da Lei n.º 62/2011, de 12 de dezembro e artigos 35.º, n.º 1, e 101.º, n.º 2, do Código da Propriedade Industrial, ao estabelecer que, em sede de arbitragem necessária instaurada ao abrigo da Lei n.º 62/2011, de 12 de dezembro, a parte não se pode defender, por exceção, mediante invocação da invalidade de patente, com meros efeitos inter partes[8].

  III. — O acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 22 de Março de 2018 retomou o critério enunciado no acórdão de 14 de Dezembro de 2016, sustentando que 

 “… a tese que melhor se adequa aos fins e aos interesses em confronto, segundo os elementos de interpretação da lei que devem prevalecer (art. 9.º do CC), será a que sustenta a inadmissibilidade do conhecimento pelo tribunal arbitral necessário da validade da patente em termos meramente incidentais, por via de excepção, ainda que com efeitos inter partes”.

  Explicando as razões da preferência pela tese restritiva, escreve-se:

 “VI. — […] mantêm-se válidas as razões pelas quais o Supremo Tribunal sustentou que, havendo unanimidade no sentido do art. 35.º, n.º 1, do CPI atribuir uma reserva de competência material exclusiva ao Tribunal da Propriedade Intelectual (TPI) relativamente à declaração de nulidade ou de anulação da patente, com eficácia erga omnes, a melhor solução será a de negar a competência do tribunal arbitral necessário para formular esse juízo de validade ou de invalidade, ainda que invocada como mera excepção peremptória e com efeitos limitados ao processo.

 VII. — Sem embargo da valia da argumentação constante do Acórdão do Tribunal Constitucional proferido em 24-05-2017 – que concluiu pela inconstitucionalidade da interpretação normativa que impede o conhecimento, por via incidental, da validade ou invalidade da patente pelo tribunal arbitral, até agora a única decisão proferida sobre tal matéria –, entendemos que a solução preconizada, como decorre da fundamentação expressa no Acórdão do STJ referido em IV, que acolhemos, não restringe de forma desproporcionada o direito de defesa do titular de AIM, porquanto, a possibilidade de interposição de uma acção de declaração de nulidade ou anulação se apresenta como um meio alternativo eficaz para suprir a necessidade de defesa do requerente de AIM”.

    4. Os critérios enunciados devem hoje reapreciar-se ou reponderar-se, atendendo à alteração à Lei n.º 62/2011, de 12 de Dezembro, pelo art. 4.º do Decreto-Lei n.º 110/2018, de 10 de Dezembro [9].

           O novo n.º 3 do art. 3.º da Lei n.º 62/2011 tem a seguinte redacção:

“No processo arbitral pode ser invocada e reconhecida a invalidade da patente com meros efeitos inter partes[10].

    Ora o art. 4.º do Decreto-Lei n.º 110/2018, na parte em que adita o novo n.º 3 ao art. 3.º da Lei n.º 62/2011, deve qualificar-se como lei ou como norma interpretativa [11].

      O Supremo Tribunal de Justiça tem consistentemente declarado que o critério determinante da qualificação de uma lei como interpretativa depende do preenchimento cumulativo de dois requisitos: o primeiro consiste em “a lei [nova] regular um ponto de direito acerca do qual se levantam dúvidas e controvérsias na doutrina e jurisprudência” e o segundo, em “a lei [nova] consagrar uma solução que a jurisprudência pudesse tirar do texto da lei anterior, sem intervenção do legislador” [12]. Convocando a formulação do Professor Baptista Machado, dir-se-á que o primeiro requisito está em que a solução do direito anterior, da lei antiga, “seja controvertida ou, pelo menos, incerta” [13] e que o segundo requisito está em que a solução da lei nova se situe dentro dos quadros da controvérsia ou da incerteza, de forma a que “o julgador ou o intérprete a ela poderiam chegar sem ultrapassar os limites normalmente impostos à interpretação e aplicação da lei” [14] [15].

    Ora a solução para a solução da lei antiga para o problema da competência do Tribunal Arbitral para conhecer da invalidade (do facto constitutivo) da patente era controvertida [16].

     Como se diz, designadamente, no acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 22 de Março de 2018, no proceso n.º 1053/16.5YRLSB.S1.S1, desenharam-se duas correntes na doutrina e na jurisprudência: a corrente ampliativa, no sentido da competência, e a corrente restritiva, no sentido da incompetência do Tribunal Arbitral para conhecer da invalidade (do facto constitutivo) da patente.

      A solução da lei nova — competência do Tribunal Arbitral para conhecer a invalidade (do facto constitutivo) da patente, como meros efeitos inter partes — situa-se dentro dos quadros da controvérsia ou da incerteza. Corresponde à corrente ampliativa; consagra uma solução a que o intérprete poderia chegar, sem ultrapassar os limites impostos à interpretação — sem ultrapassar, designadamente, os limites impostos a uma interpretação conforme à constituição [17].

 O raciocínio poderá ser reforçado pela circunstância de a competência do tribunal arbitral para conhecer a questão da invalidade ser mais justificada em face da lei antiga que em face da lei nova — ser mais justificada em face da lei antiga, em que a arbitragem era necessária, que em face da lei nova, em que a arbitragem deixa de ser necessária e passa a ser (só) voluntária.  

   Face à natureza interpretativa do art. 4.º do Decreto-Lei n.º 110/2018, de 10 de Dezembro, na parte em que adita o novo n.º 3 ao art. 3.º da Lei n.º 62/2011, de 12 de Dezembro, deverá concluir-se que o Tribunal Arbitral é competente para conhecer, por via de excepção, da invalidade (do facto constitutivo) da patente, “com meros efeitos inter partes”.

III. — DECISÃO

Pelo exposto, nega-se provimento ao recurso, confirmando-se o acórdão recorrido.

Custas pela Recorrentes AA..

Lisboa, 14 de Março de 2019

Nuno Manuel Pinto Oliveira (Relator)

Maria dos Prazeres Beleza

Olindo Geraldes

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[1] Cujo texto é o seguinte: “Da decisão arbitral cabe recurso para o Tribunal da Relação competente, com efeito meramente devolutivo”.

[2] No sentido de que do acórdão da Relação proferido sobre decisão arbitral não cabe em regra recurso de revista, vide os acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 2 de Fevereiro de 2017, no processo n.º 393/15.5YRLSB.S1, de 25 de Maio de 2017, no processo n.º 17/15.0YRLSB.S1, de 15 de Março de 2018, no processo n.º 1503/16.0YRLSB.S1, de 17 de Maio de 2018, no processo n.º 889/17.4YRLSB.S1, e de 31 de Janeiro de 2019, no processo n.º 777/18.7YRLSB-A.S1; no sentido de do acórdão da Relação cabe recurso de revista, nos termos gerais, vide as declarações de voto da Exma. Senhora Juíza Conselheira Maria dos Prazeres Beleza nos acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 2 de Fevereiro de 2017, no processo n.º 393/15.5YRLSB.S1, de 15 de Março de 2018, no processo n.º 1503/16.0YRLSB.S1, e de 31 de Janeiro de 2019, no processo n.º 777/18.7YRLSB-A.S1.

[3] Cf. sumário do acórdão do STJ de 23 de Junho de 2016 — processo n.º 1248/14.6YRLSB.S1.

[4] Cf. sumário do acórdão do STJ de 17 de Maio de 2018 — processo n.º 889/17.4YRLSB.S1.

[5] Em termos em tudo semelhantes, vide os acórdão do STJ de de 2 de Fevereiro de 2017, no processo n.º 393/15.5YRLSB.S1, 25 de Maio de 2017, no processo n.º 17/15.0YRLSB.S1, ou de 15 de Março de 2018, no processo n.º 1503/16.0YRLSB.S1.

[6] Sobre o tema, vide a anotação de Evaristo Mendes, “Recurso para o Supremo de decisões arbitrais proferidas ao abrigo da Lei 62/2011: Acórdãos do STJ de 23.06.2016 e de 2.02.2017”, in: WWW: < http://www.evaristomendes.eu/ficheiros/Evaristo_Menses_Patentes_de_medicamentos-Instancias_de_recurso_na_arbirtragem_necessaria_ao_abrigo_da_Lei_62-2011.pdf >.

[7] Sobre o tema, vide a anotação de Evaristo Mendes, “Incompetência dos tribunais arbitrais necessários para apreciar a invalidade das patentes: Acórdãos do STJ de 14.12.2016 e do TRL de 16.11.2016”, in: WWW: < http://www.evaristomendes.eu/ficheiros/Evaristo_Menses_Patentes_de_medicamentos-Incompetencia_dos_tribunais_arbitrais_necessarios_para_apreciar_a_invalidade_da_patente_(2017_04).pdf >

[8] Sobre o acórdão do Tribunal Constitucional n.º 251/2017, de 24 de Maio de 2017, vide Evaristo Mendes, “Incompetência dos tribunais arbitrais necessários para apreciar a invalidade das patentes: Acórdão do Tribunal Constitucional n.p 251/2017. Breve nota”, in: WWW: < http://www.evaristomendes.eu/ficheiros/Evaristo_Mendes_Incompetencia_dos_tribunais_arbitrais_necessarios_para_apreciar_a_invalidade_da_patente%20_Nota_ao_Acordao_do_TC_n_251-2017.pdf >.

[9] Entrada em vigor 30 dias após a sua publicação, ou seja, em Janeiro de 2019 — cf. art. 16.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 110/2018, de 10 de Dezembro.

[10] O actual n.º 3 do art. 3.º constava do anteprojecto de decreto-lei; não constava da proposta de lei, com o n.º 132/XIII, submetida pelo Governo à Assembleia da República. A autorização legislativa, pedida pelo Governo, para alterar a Lei n.º 62/2011 destinava-se, tão-só, a “[r]evogar o regime da arbitragem necessária instituído no art. 2.º […] e estabelecer a possibilidade de recurso à arbitragem voluntária”. O tema da competência do tribunal arbitral foi, em todo o caso, retomado em sede de audições, tendo sido tratado, designadamente, nos pareceres da Associação Portuguesa de Direito Intelectural e da APOGEN — Associação Portuguesa de Medicamentos Genéricos e Similares. A proposta de alteração por que se previa a alteração da Lei n.º 62/2011 no sentido de aditar o actual n.º 3 ao art. 3.º foi apresentada pelo Grupo Parlamentar do Partido Socialista em 16 de Outubro de 2018 e aprovada em 17 de Outubro de 2018.

[11] Como que a confirmá-lo está a circunstância de o parecer da Associação Portuguesa de Direito Intelectual referido na nota anterior se pronunciar no sentido de que o projecto de lei fosse alterado “[e]m conformidade com a jurisprudência do Tribunal Constitucional firmada no acórdão n.º 251/2017, de 24 de Maio de 2017”.

[12] Cf. acórdão do STJ de 9 de Setembro de 2008, no processo n.º 08P1856.

[13] Cf. João Baptista Machado, Introdução ao direito e ao discurso legitimador, Livraria Almedina, Coimbra, 1982, pág. 247.

[14] Cf. João Baptista Machado, Introdução ao direito e ao discurso legitimador, cit., pág. 247.

[15] O critério é adoptado, p. ex., nos acórdãos do STJ de 2 de Novembro de 2010, no processo n.º 7366/03.9TBSTB.E1.S1, de de 24 de Fevereiro de 2011, no processo n.º 7116/06.8TBMAI.P1.SI, de 15 de Novembro de 2011, no processo n.º 1633/05.4TBALQ.L1.S1, de de 24 de Janeiro de 2012, no processo n.º 466/06.5TBCBT.G1.S1, de 8 de Março de 2012, no processo n.º 26/09.9PTEVR.E1.S1, ou de 8 de Fevereiro de 2018, no processo n.º 1092/16.6T8LMG.C1.S1.

[16] Confirmando-o, vide Evaristo Mendes, “Patentes de medicamentos. Arbitragem necessária. Comentário de jurisprudência. Súmula da Lei nº 62/2011”, in: Propriedades Intelectuais, n.º 4 — 2015, págs. 26-40.

[17] Como sugere, p. ex., o acórdão do Tribunal Constitucional n.º 251/2017, de 24 de Maio de 2017.