Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:02457/14.3BELRS 0698/18
Data do Acordão:06/19/2019
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:FRANCISCO ROTHES
Descritores:OPOSIÇÃO À EXECUÇÃO FISCAL
PAGAMENTO
INUTILIDADE SUPERVENIENTE
Sumário:I - O pagamento da dívida exequenda e do acrescido por aquele que foi chamado à execução fiscal por reversão na qualidade de responsável subsidiário, mesmo que efectuado para além do prazo de dedução da oposição, com a consequente extinção da execução, não implica a extinção da instância de oposição, por inutilidade/impossibilidade superveniente, quando nesta se pretende discutir a responsabilidade pela dívida, fundamento subsumível à previsão da alínea b) do n.º 1 do art. 204.º do CPPT (ilegitimidade substantiva).
II - Com o aditamento do n.º 3 ao art. 176.º do CPPT, operado pela Lei n.º 66-B/2012, de 31 de Dezembro (Lei do Orçamento do Estado para 2013), a questão deixou de ser controversa na jurisprudência.
Nº Convencional:JSTA000P24694
Nº do Documento:SA22019061902457/14
Data de Entrada:07/11/2018
Recorrente:AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA
Recorrido 1:A............
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Recurso jurisdicional da sentença proferida no processo de oposição à execução fiscal com o n.º 2457/14.3BELRS
Recorrente: Fazenda Pública
Recorrida: A…………

1. RELATÓRIO

1.1 O Representante da Fazenda Pública junto do Tribunal Tributário de Lisboa recorreu para o Supremo Tribunal Administrativo da sentença por que o Juiz daquele Tribunal, julgou procedente a oposição deduzida pela acima identificada Recorrida a uma execução fiscal que, instaurada contra uma sociedade, reverteu contra ela por o órgão da execução fiscal a ter considerado responsável subsidiária pela dívida exequenda.

1.2 O recurso foi admitido, para subir imediatamente, nos próprios autos e com efeito meramente devolutivo e a Recorrente apresentou as alegações, que sintetizou em conclusões do seguinte teor:

«1. Visa o presente recurso reagir contra a decisão que julgou procedente a Oposição judicial, intentada, pela oponente, ora recorrida, contra a execução fiscal com o processo n.º 3336200701032658, e apensos, instaurado pelo Serviço de Finanças de Lisboa 6 por dívidas de IRC do ano de 20060 contra a sociedade comercial “B…………, Lda.”, dívidas estas posteriormente revertidas na oponente, ora recorrida, no montante total de 15.008,33 €.

2. Como fundamentos da oposição invocou a oponente no seu petitório inicial, em suma, a nulidade da citação, a falta de fundamentação do despacho de reversão, bem como a sua ilegitimidade para a execução, por não se encontrarem preenchidos os pressupostos de que depende a responsabilidade subsidiária, constantes do artigo 24.º da LGT, concluindo o seu articulado inicial peticionando a procedência da oposição, com a consequente extinção da execução fiscal em questão relativamente a ela.

Entretanto,
3. e durante a pendência em juízo da referida oposição, a oponente, ora recorrida, efectuou, voluntariamente, o pagamento integral da dívida tributária que se encontrava a ser-lhe coercivamente exigida nos autos de execução fiscal acima identificados, e nos quais foi deduzida a oposição na qual foi proferida a sentença ora em crise – Vd. ponto 11. da matéria de facto provada.

4. No seguimento do referido pagamento voluntário foi a execução fiscal em questão declarada extinta pelo órgão de execução fiscal.

5. Entretanto, comunicada a extinção da instância executiva aos autos de oposição pelo órgão de execução fiscal, as partes nesses autos foram notificadas pelo Ilustre Tribunal ora recorrido a fim de se pronunciarem acerca da (ir)relevância jurídica decorrente daquela extinção no que à oposição deduzida diz respeito, tendo a Fazenda Pública e a oponente pronunciado conforme requerimentos oportunamente apresentados e constantes dos autos de oposição.

6. O Ilustre Tribunal “a quo” julgou a oposição em questão procedente, considerando, em suma, ser a oponente parte ilegítima na supra citada execução fiscal, por não se encontrar demonstrado o preenchimento do pressuposto da responsabilidade subsidiária constante na al. a) do n.º 1 do artigo 24.º da LGT, ou seja, a demonstração da culpa da ora oponente pela insuficiência patrimonial da sociedade executada originária para a solvência da dívida tributária em questão.

7. No entanto, a decisão ora recorrida, não perfilhou, com o devido respeito, e salvo sempre melhor entendimento, a acertada solução jurídica no caso sub judice.

Senão vejamos:

I – Do pagamento da dívida exequenda e dos efeitos decorrentes da extinção da execução fiscal:

8. No que à questão relativa aos efeitos processuais produzidos pela extinção da execução fiscal em questão relativamente à oposição nela deduzida diz respeito, concluiu o Ilustre Tribunal a quo que “Assim, e por todo o exposto, não obstante a extinção dos autos principais, devem estes prosseguir, como pretende a Opoente, julgando-se improcedente a questão prévia da sua inutilidade superveniente,…”.

Ora,
9. É com este segmento decisório que a Fazenda Pública não se conforma, considerando que, in casu, o Ilustre Tribunal recorrido, com o devido respeito e salvo melhor entendimento, não andou bem ao concluir pela utilidade no prosseguimento da lide opositória.

Isto porque,
10. é entendimento da Fazenda Pública que, encontrando-se extinta a execução fiscal, e no que à sorte da oposição judicial que nesta haja sido apresentada diz respeito, haverá que apreciar, apenas e tão só, a questão relativa aos efeitos que tal extinção possa produzir na referida oposição – independentemente de tudo quanto se tenha verificado na tramitação da execução fiscal em momento anterior à declaração da sua extinção.

10. Ou seja, firmada que esteja a extinção da acção executiva fiscal – como acontece na execução fiscal ora em questão –, para a devida e correcta apreciação da questão relativa à sorte da oposição que nesta haja sido deduzida, apenas interessa saber quais os efeitos jurídicos que tal extinção produz na tramitação processual da oposição que nela haja sido deduzida.

11. E este mesmo entendimento foi perfilhado por este Colendo Superior Tribunal, no seu Acórdão de 11-01-2005 [(Apesar de a Recorrente indicar que o acórdão foi proferido pelo Supremo Tribunal Administrativo, o mesmo foi proferido pelo Tribunal Central Administrativo Sul.)], proferido pelo 2.º Juízo do Contencioso Tributário, no âmbito do processo n.º 00295/04, que teve como relator o Excelentíssimo Conselheiro Francisco Rothes, e onde se pode ler, a propósito, no seu sumário:

V- A oposição à execução fiscal, por regra, visa apenas que a execução não prossiga contra o oponente (excepcionalmente, a execução pode visar a apreciação da legalidade da liquidação da dívida exequenda).
VI- O pagamento voluntário da dívida exequenda determina a extinção da execução fiscal, nos termos do disposto nos arts. 176.º, n.º 1, alínea a), 264.º, n.º 1, e 269.º, do CPPT.
VII- Quando o objectivo da oposição à execução fiscal é apenas o indicado em V, a extinção da execução pelo pagamento voluntário determina a extinção do processo de oposição por impossibilidade superveniente da lide (não havendo já execução, a oposição carece de objecto).
VIII- A argumentação de que o prosseguimento da oposição mantém interesse para o executado, com vista à eventual devolução do montante pago, não faz sentido quando não foi o oponente, mas outro executado, também chamado à execução fiscal por reversão na qualidade de responsável subsidiário, quem efectuou esse pagamento.
IX- Ainda que assim não fosse, isto é, ainda que tivesse sido o oponente a efectuar tal pagamento, nunca a oposição poderia prosseguir para apurar a sua responsabilidade pela dívida exequenda e, na negativa, ser-lhe restituído o pagamento, pois tal equivaleria ao "pagamento condicional", que a lei não prevê e, por certo, não deixaria de o prever, caso o entendesse admissível, atenta a forma exaustiva como regulou as formas de pagamento na execução fiscal.
X- Acresce que, a admitir-se esse “pagamento condicional”, estar-se-ia, por um lado, a criar um entorse no processo executivo, na medida em que este pressupõe uma dívida exigível, e que, por isso, vence juros de mora, e, por outro lado, a criar, à margem da lei, uma garantia inominada do pagamento, prestada para além dos prazos fixados e fora das condições requeridas pelos artigos 169.º, n.º 2, e 199.º, n.º 6, do CPPT.

12. Assim, é entendimento da representação da Fazenda Pública que, efectuado voluntariamente o pagamento da dívida exequenda pelo oponente, extinguiu-se a execução fiscal na qual se encontrava a ser coercivamente exigido o seu pagamento, almejando-se, assim, o fim da execução, extinguindo-se, por isso, o objecto da oposição que nela foi deduzido.

13. Pelo que, no modesto entendimento da Fazenda Pública, com o devido respeito e salvo sempre melhor entendimento, deveria o Ilustre Tribunal a quo ter julgado extinta a instância opositória, por inutilidade/impossibilidade superveniente da lide, conforme o disposto na al. e) do artigo 277.º do CPC, ora aplicável por força da remissão constante da al. e) do artigo 2.º do CPPT, por força da perda do seu objecto, atendendo ao pagamento voluntário da dívida exequenda efectuado pela oponente.

14. Ao assim não decidir, o Ilustre Tribunal recorrido, com o devido respeito e salvo sempre melhor entendimento, incorreu em erro de julgamento na matéria de direito, violando, assim, o disposto no artigo 277.º, al. e), do CPC, ora aplicável por força do disposto na al. e) do artigo 2.º do CPPT.

Razão pela qual,
15. com o devido respeito e salvo sempre melhor entendimento, deve também ser revogada a decisão ora recorrida, com as legais consequências daí decorrentes.

Pelo que se peticiona o provimento do presente recurso, revogando-se a decisão ora recorrida, assim se fazendo a devida e acostumada JUSTIÇA!».

1.3 A Recorrida não contra-alegou.

1.4 Recebidos os autos neste Supremo Tribunal Administrativo e dada vista ao Ministério Público, o Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer (de fls. 159 a 162 do processo físico) no sentido de que seja negado provimento ao recurso e mantida a sentença recorrida. Após uma exaustiva análise da sentença, concluiu pelo acerto da mesma na parte ora sindicada – que se limita ao julgamento de não extinção da instância de oposição por inutilidade superveniente em face da extinção da execução fiscal – com a seguinte fundamentação:

«[…], importa apenas considerar que foi a questão da ilegitimidade da oponente que o tribunal invocou como fundamento da utilidade no prosseguimento da lide, pelo que é com base neste pressuposto que interessa apreciar se a mesma padece ou não do erro de julgamento que lhe é assacado pela Recorrente.
Decorre da alínea a) do n.º 1 do artigo 175.º do CPPT que o processo de execução fiscal se extingue por pagamento da quantia exequenda e acrescido. Assim e em regra, extinta a execução fiscal, perde utilidade o prosseguimento da oposição, uma vez que esta tem por desiderato principal a extinção da execução ou pelo menos a modificação dos termos ou amplitude em que esta foi instaurada pelo exequente 3 [3 Neste sentido o acórdão do STA de 10/11/2010, proc. 0577/10].
Todavia essa regra sofre excepções, designadamente nos casos em que o oponente não é o executado originário, mas sim o responsável subsidiário, o qual é chamado ao processo para responder por dívida alheia e que não teve oportunidade de sindicar os termos de constituição dessa dívida, assim como lhe assiste o direito de impugnar o seu chamamento aos autos.
Nestes casos, a jurisprudência do STA tem vindo a entender, mesmo antes da introdução do n.º 3 ao artigo 176.º do CPPT, pela Lei nº 66-B/2012, de 31/12, que a causa de extinção da execução prevista na alínea a) não obsta a que o tribunal conheça de vícios de ilegalidade que afectem a dívida exequenda, invocando o disposto no n.º 3 do artigo 9.º da LGT 4 [4 Neste sentido e para além dos arestos citados na sentença, os acórdãos do STA de 19/11/2003, proc. 0788/03, e de 04/05/2011, proc. 0982/10].
E o entendimento dessa mesma jurisprudência foi sendo alargado a outros fundamentos, designadamente com a introdução do citado n.º 3 ao artigo 176.º do CPPT, incluindo-se na sua previsão o fundamento da ilegitimidade prevista na alínea b) do n.º 1 do artigo 204.º do CPPT, como decorre do citado acórdão de 09/09/2015, processo n.º 01198/13 5 [5 Que por sua vez cita o acórdão de 25/11/2009, proc. 0753/09], donde se extrai que «…a questão da (in)verificação dos pressupostos para a responsabilização subsidiária, contidos no acto de reversão (acto que é praticado exclusivamente em sede de processo executivo), não pode ser apreciada em nenhum outro meio judicial; e o pagamento da dívida não pode prejudicar o controlo jurisdicional desse acto executivo de responsabilização, até porque tal constituiria uma violação do direito fundamental de acesso aos tribunais previsto no art. 20.º, n.º 1, da Constituição da República Portuguesa». Acrescentando-se que: «…nem sempre ocorre a inutilidade/impossibilidade da lide de oposição na sequência do pagamento voluntário da dívida, como acontece, nomeadamente, quando se pretende discutir a legalidade da dívida ao abrigo das alíneas a), h), ou b), do n.º 1 do art. 204.º do CPPT, ou quando o pagamento da dívida é realizado pelo responsável subsidiário para poder aceder a determinado benefício» 6 [6 A referida jurisprudência tem sido confirmada por outros arestos, designadamente pelo acórdão de 21/06/2017, proc. n.º 01347/14].
Assim sendo e adoptando a referida jurisprudência, entendemos que ainda que o pagamento da dívida exequenda tenha sido efectuado para além do prazo da oposição, nada obsta ao prosseguimento da oposição, uma vez que se mantém o interesse na lide, já que à responsável subsidiária assiste o direito em contestar os pressupostos do seu chamamento aos autos e os termos da sua responsabilidade pela dívida exequenda».
O Procurador-Geral Adjunto concluiu o seu parecer nos seguintes termos:
«O pagamento da dívida exequenda pela responsável subsidiária contra a qual foi revertida a execução fiscal não obsta ao prosseguimento dos autos de oposição à execução, uma vez que esta mantém interesse válido em discutir os termos do seu chamamento aos autos e a sua responsabilidade pela dívida exequenda, motivo pelo qual não se verifica inutilidade ou impossibilidade superveniente da lide que seja causa da extinção da instância».

1.5 Colheram-se os vistos dos Conselheiros adjuntos.

1.6 Cumpre apreciar e decidir.


* * *

2. FUNDAMENTAÇÃO
2.1 DE FACTO

2.1.1 A sentença recorrida deu como provados os seguintes factos:

«1. Os autos principais, a execução fiscal n.º 3336200701032658, foram instaurados no Serviço de Finanças de Lisboa 6 a 7 de Agosto de 2007 e incidem sobre B…………, Lda., que figura no título executivo como devedora, visando a cobrança coerciva de uma dívida de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas de 2006, no valor de € 14.631,22, bem como juros de mora já liquidados, no valor de € 292,62, cujo prazo de pagamento voluntário havia terminado a 29 de Agosto de 2007.

2. A esse processo foram depois apensados vários outros, tendo aquela sociedade como devedora e executada.

3. Tendo-se no mencionado processo e seus apensos tentado a penhora de bens da sociedade livres e desembaraçados, tal revelou-se impossível, nomeadamente em 7 de Julho de 2011, porque nenhuns lhe foram encontrados.

4. Nessa circunstância, o Órgão de Execução Fiscal encetou então diligências no sentido de avaliar da possibilidade de a execução ser revertida.

5. Nesse contexto, notificou para audição prévia a Opoente, A…………, que figurava no Registo, com outra pessoa, como sócia que havia sido nomeada gerente da executada desde 18 de Março de 2004 e até 30 de Março de 2006, altura em que renunciou a tais funções [facto levado ao Registo a 20 de Outubro desse ano] – tal como o outro gerente, igualmente desde início co-gerente, faria depois, a 13 de Dezembro de 2007 [facto este levado ao Registo a 14 de Fevereiro de 2008].

6. Notificada para audição prévia – presuntivamente, pois nunca levantou a correspondência registada com aviso, seguindo-se a remessa via postal só com registo –, sobre a possibilidade de reversão da execução daquela dívida sobre si, a Opoente não se pronunciaria, sendo certo que a supra-identificada dívida ia na correspondência indicada como em execução num processo com o n.º 3336200701035479 e, ainda, lhe eram aí indicadas outras duas dívidas da sociedade, a reverter eventualmente:
a) uma dívida de juros de mora, liquidados, no montante de € 31,38, sob execução num tal processo com o n.º 3336200901061070, cuja data de pagamento voluntário tinha terminado a 22 de Abril de 2009, e
b) uma outra dívida de juros de mora, liquidados, no montante de € 53,01, sob execução num tal processo com o n.º 3336200901061089, cuja data de pagamento voluntário tinha terminado também a 22 de Abril de 2009, tudo perfazendo um total de € 15.008,33.

7. O Órgão de Execução Fiscal, por despacho de 8 de Agosto de 2011 reverteu a execução sobre a Opoente, invocando para tanto o disposto no «art. 24.º/ n.º 1/ b)» da Lei Geral Tributária, sob o fundamento de que exercia funções de gerente e não provara não lhe ser imputável a falta de pagamento da dívida, quando o prazo legal de pagamento ou entrega terminara no período desse exercício.

8. No teor da citação dirigida à Opoente mais se refere que a reversão ocorrera por não haver (ou serem insuficientes) bens da sociedade para as finalidades da execução, «art. 23.º n.º 2» da Lei Geral Tributária, reproduzindo depois o teor do despacho de reversão, sendo que os anexos contêm as mesma imprecisões já descritas no ponto 6.

9. A Opoente foi por fim citada presuntivamente, após as tentativas habituais de a citar pessoalmente, por meio do depósito, em 18 Outubro de 2013, no receptáculo postal da sua morada, da correspondência contendo a sua citação.

10. No dia 15 de Novembro de 2013 a Opoente apresentou a petição na origem destes autos.

11. No dia 27 de Junho de 2017 a Opoente procedeu ao pagamento das dívidas referidas nos pontos 1. e 6., para desse modo obter o levantamento da penhora que entretanto fora efectuada sobre a sua casa de morada, que entretanto se viu na necessidade de vender».

2.2.2 Com interesse para a decisão a proferir, há também que ter conta que a sentença, na parte em que apreciou, como questão prévia, o «pagamento pelo revertido e impossibilidade ou inutilidade da lide opositiva», deu como provado o seguinte:

Após o pagamento referido supra em 11., os «autos principais» foram «extintos» (cfr. fls. 133 do processo físico).


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2.2 DE FACTO E DE DIREITO

2.2.1 A QUESTÃO A APRECIAR E DECIDIR

A ora Recorrida apresentou oportunamente junto do Tribunal Tributário de Lisboa oposição a uma execução fiscal que, instaurada contra uma sociedade, prosseguia contra ela mediante reversão ordenada pelo órgão da execução fiscal, por ter sido considerada responsável subsidiária pelas dívidas exequendas.
Já depois de admitida a oposição, e findo o prazo para o pagamento ao abrigo do disposto no n.º 5 do art. 23.º da LGT, a ora Recorrida efectuou o pagamento, que determinou a extinção da execução fiscal (cfr. 2.1.2).
Em sede de oposição à execução fiscal, o Juiz do Tribunal Tributário de Lisboa, após ouvir as partes sobre os efeitos dos referidos pagamento e extinção da execução fiscal, entendeu não se verificar a inutilidade superveniente da lide invocada pela Fazenda Pública – questão que apreciou e decidiu na sentença, como «questão prévia» – e, ao invés e de acordo com o sustentado pela Oponente, entendeu prosseguir na apreciação da oposição quanto a um dos seus fundamentos, qual seja a ilegitimidade subsumível à alínea b) do n.º 1 do art. 204.º do CPPT.
Porque se nos figura relevante para a decisão a proferir, vamos aqui reproduzir o texto da sentença a esse propósito:
«[…] pagamento pelo revertido e impossibilidade ou inutilidade da lide opositiva

[…], a questão prévia que cumpre apreciar e decidir é, em suma, a de saber se, com o pagamento da quantia exequenda pela Opoente, em 27 de Junho último, quando antes suscitara a 15 de Novembro de 2013 esta oposição aos autos principais, sobre si revertidos, em consequência disso tendo sido extintos, envolve perda de objecto opositivo, ou bem se se mantém o seu interesse e o sentido da sua oposição, devendo neste caso prosseguir.
Em tese geral, enquanto incidente declarativo da execução, a oposição a ela perde logicamente objecto, tornando-se por isso mesmo impossível e, de resto, inútil a discussão e pretensão que veicula, atenta a sua natureza e o carácter instrumental que assume, pois que funcionalmente simétrica e inversa à acção executiva de que é dependência. Na verdade, intendendo o reconhecimento de um óbice à execução, senão intrínseco à dívida, seguramente a ela paralelo, ou superveniente, ou situado só na própria execução em si mesma considerada, ela visa sempre a extinção da execução (8) [(8) No mínimo, pretender-se-á a suspensão, ou então a extinção, ainda que parcelar ou só relativamente a um dos executados, como é o caso aliás, desta oposição apresentada na sequência de reversão].
Assim, extinguindo-se a execução, a impossibilidade superveniente da oposição segue-se-lhe qua tale, por regra como que cogente. Essa é a regra que se extrai em abstracto do art. 277.º corpo e alínea e) do Código de Processo Civil, aqui subsidiariamente aplicável ex vi do art. 2.º corpo e alínea e) do Código de Procedimento e de Processo Tributário, em cotejo com os seus art.s 204.º n.º 1, a contrario, 176.º n.º 1 corpo e alínea a), 264.º n.º 1, I parte e 269.º.
Contudo, essa regra admite excepções quanto à impossibilidade ou à inutilidade do prosseguimento da oposição, por causa da extinção da execução pelo pagamento da dívida. In casu, s.m.o. a objecção ao prosseguimento não colhe na íntegra porque o pagamento não gera total inutilidade do objecto opositivo. É que com ou sem pagamento o que a oposição invoca de útil, a este propósito, é que a Opoente não deveria ter sido considerada responsável subsidiária da sociedade executada. Pelo que tal questão se mantém pertinente, uma vez que não devendo ter sido assim, a Opoente terá direito a reaver o que prestou numa qualidade que, afinal, se revele putativa ou aparente. Outros casos que não obstam ao prosseguimento são, v.g., aqueles em que o objecto da pretensão opositiva é o reconhecimento da ilegalidade da própria execução em si mesma considerada, ou quando da determinação da dívida não caiba outra via reactiva, de que são exemplo os casos acolhidos sob o disposto no citado art. 204.º n.º 1 corpo e alíneas a) e h), a que se juntarão certos óbices não especificados à execução, acolhidos sob a alínea i). Em suma, nestes casos a oposição ganha autonomia em relação à execução de que processualmente é dependência, porquanto só a verificação da legalidade da execução ou da dívida, numa dessas facetas – e não já o pagamento da dívida –, poderá determinar a inutilidade superveniente da pretensão opositiva sob esses fundamentos, isto porque não obstante a extinção dos autos principais, o opoente manterá ainda assim o seu interesse em demandar, em [re]agir [à execução], cfr. neste sentido Acs. STA de 7X2009, proferido no processo n.º 0532/09, 10III2010, proferido no processo n.º 01134/09, e de 26V2010, tirado no processo n.º 024/10, todos in www.dgsi.pt.
Se esse era já o pensamento jurisprudencial que cremos correcto, a Lei 66-B/2012 de 31 de Dezembro transpô-lo positivando-o, ao alterar o art. 176.º n.º 3 do Código de Procedimento e de Processo Tributário por forma a prover para os casos em que o pagamento e consequente extinção da execução todavia não obstam ao controlo judicial da actuação do Órgão de Execução Fiscal, cingido embora à utilidade nessa apreciação. É o que sucede in casu, embora restringido ao fundamento da ilegitimidade. Com efeito, neste específico âmbito temático a oposição transporta em si questões a que não se oferece via de reacção diversa, em similitude com o acolhido sob o citado art. 204.º n.º 1 corpo e alíneas h) e i), pois que simultaneamente não houve nem podia ter havido um outro meio de reagir contra a decisão de efectivação da responsabilidade subsidiária, independentemente de ter ou deixado de ter ocorrido pagamento pela revertida Opoente, cfr. tocando a questão, Jorge Lopes de Sousa in Código de Procedimento e de Processo Tributário Anotado e Comentado, Áreas Editores, 5.ª Edição, nota 10 ao art. 160.º.
Assim e por todo o exposto, não obstante a extinção dos autos principais, devem estes prosseguir, como pretende a Opoente, julgando-se improcedente a questão prévia da sua inutilidade superveniente, restringindo-se embora o âmbito desse prosseguimento à ilegitimidade passiva que invoca, pois quanto às demais questões que sustentavam a oposição, de cariz processual, relativamente a elas há efectiva perda de interesse com a extinção dos autos principais, que não impossibilidade, porque respeitantes ao iter processual ali percorrido e ora exaurido».
Depois, se bem interpretamos a sentença, julgou a oposição procedente com fundamento na falta de fundamentação do despacho de reversão, a determinar a anulação do mesmo.
A Fazenda Pública discorda da sentença na parte em que esta julgou não verificada a inutilidade superveniente da lide. A seu ver, e louvando-se em jurisprudência do Tribunal Central Administrativo Sul de 2005 (Ver nota anterior. A Recorrente refere-se ao acórdão da Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Sul de 11 de Janeiro de 2005, proferido no processo n.º 295/04, disponível em
http://www.dgsi.pt/jtca.nsf/170589492546a7fb802575c3004c6d7d/5754233c049ba64e80256f9300517925.), a oposição deduzida pelo revertido em ordem a que a execução não prossiga contra ele, deve ser julgada extinta por inutilidade superveniente quando esse revertido procede ao pagamento voluntário da dívida exequenda e do acrescido e, em consequência, a execução fiscal é julgada extinta. Isto porque a oposição perde o seu objecto e a prossecução da mesma só poderia visar a recuperação do montante já pago, finalidade que não se coaduna com aquela forma processual e que tornaria o pagamento efectuado num “pagamento condicional”, que a lei não prevê e que constituiria, afinal, uma garantia inominada de pagamento, prestada para além dos prazos legais fixados para o efeito e fora das condições requeridas pela lei.
Assim, a questão que cumpre apreciar e decidir é a de saber se a sentença fez correcto julgamento quando considerou que o pagamento da dívida exequenda e do acrescido por aquele que foi chamado à execução fiscal por reversão na qualidade de responsável subsidiário, mesmo que efectuado para além do prazo de dedução da oposição, com a consequente extinção da execução, não implicava a extinção da instância da oposição, por inutilidade/impossibilidade superveniente desta lide, quando nesta se pretendia discutir a responsabilidade subsidiária, fundamento subsumível à ilegitimidade prevista na alínea b) do n.º 1 do art. 204.º do CPPT.

2.2.2 DA INUTILIDADE SUPERVENIENTE DA LIDE

Quanto às consequências do pagamento voluntário da quantia exequenda e do acrescido efectuado pela ora Recorrida sobre a oposição à execução fiscal por ela deduzida, há que ter em conta o seguinte:
Inicialmente, a jurisprudência adoptou a posição de que, efectuado o pagamento voluntário da quantia exequenda e do acrescido por quem quer que fosse, a oposição devia ser julgada extinta por impossibilidade superveniente da lide, uma vez que a oposição fica sem objecto, que era a execução fiscal (A impossibilidade superveniente da lide ocorre ou porque se extinguiu o sujeito, ou porque se extinguiu o objecto, ou porque se extinguiu a causa – cfr. ALBERTO DOS REIS, Comentário ao Código de Processo Civil, III volume, pág. 368.). O entendimento que lhe subjazia era o de que, porque esse pagamento, nos termos do disposto nos arts. 176.º, n.º 1, alínea a), 264.º, n.º 1, e 269.º do CPPT, leva à extinção da execução fiscal, a oposição (cuja finalidade é a extinção ou a suspensão da execução fiscal) ficava sem objecto. Aliás, é por isso que no n.º 5 do art. 203.º do CPPT (O art. 203.º, n.º 5, do CPPT, dispõe: «O órgão da execução fiscal comunicará o pagamento da dívida exequenda ao tribunal tributário de 1.ª instância onde pender a oposição, para efeitos da sua extinção».) se impõe ao órgão de execução fiscal a comunicação da extinção da execução fiscal (Embora a lei fale do pagamento da dívida exequenda, quer-se referir à extinção decorrente do pagamento da dívida exequenda e do acrescido, sendo que até seria mais curial que falasse da extinção da execução, independentemente do motivo que lhe esteja subjacente.) ao tribunal onde a oposição estiver pendente.
Mas, desde sempre, a jurisprudência admitiu uma excepção nos casos em que na oposição à execução fiscal estava em discussão a legalidade da liquidação subjacente à dívida exequenda (Cfr., entre outros, os seguintes acórdãos da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:
- de 7 de Outubro de 2009, proferido no processo n.º 532/09, disponível em
http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/09526f36ecbf31a78025764e0039531f;
- de 10 de Março de 2010, proferido no processo n.º 1134/09; disponível em
http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/a53363586ae79f0c802576e70050519c;
- de 26 de Maio de 2010, proferido no processo n.º 24/10, disponível em
http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/ad10ff1afd8ea2be80257735003bd1b0;
- de 20 de Junho de 2012, proferido no processo n.º 537/12, disponível em
http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/dd9d35d1ba559eb780257a2c003c3c0a.). Na verdade, embora por regra a execução fiscal tenha como única finalidade a extinção ou a suspensão da execução fiscal, há situações em que a oposição à execução fiscal tem por objecto a impugnação judicial do acto de liquidação, como, designadamente, aquela a que se refere a alínea h) do art. 204.º, n.º 1, do CPPT, quando «a lei não assegure meio judicial de impugnação ou recurso contra o acto de liquidação» (ou seja, quando a dívida exequenda não tem origem em acto administrativo ou tributário prévio que defina a obrigação). É que, nestes casos, a oposição à execução fiscal assume uma verdadeira natureza de impugnação judicial (Neste caso, sob as vestes da oposição à execução fiscal o que está em causa é «uma forma processual de impugnação do acto tributário» (CASALTA NABAIS, Direito Fiscal, 5.ª edição, Almedina, 2009, p. 343).), sendo até que o n.º 2 do art. 204.º do CPPT prescreve que a oposição passe a seguir as regras processuais da impugnação judicial, a menos que a questão seja exclusivamente de direito.
Será, em regra, o caso em que estejam em cobrança dívidas à segurança social. Na verdade, por via de regra, as contribuições para a Segurança Social resultam da apresentação das declarações de remunerações pelo contribuinte, a quem compete também proceder à liquidação dos montantes a entregar (mediante aplicação das percentagens fixadas na lei sobre as remunerações), numa figura próxima da autoliquidação (Como refere JORGE LOPES DE SOUSA, Código de Procedimento e de Processo Tributário anotado e comentado, Áreas Editora, 6.ª edição, III volume, anotação 37 c) ao art. 204.º, págs. 496/497após a entrada em vigor do Decreto-Lei n.º 511/76, de 3 de Julho, cumpre às entidades patronais que sejam contribuintes do regime geral as obrigações de entrega das folhas de ordenados ou salários e de pagamento das contribuições correspondentes, determinadas pela incidência das percentagens fixadas na lei sobre as remunerações, dentro dos prazo legais, sendo que na falta de pagamento, é extraída certidão das folhas de ordenados ou salários para execução (arts. 2.º, n.º 1, e 9.º). «Era assim, o próprio contribuinte que tinha de calcular as contribuições devidas, aplicando as percentagens legais às remunerações, não havendo qualquer acto praticado por uma autoridade pública declarativo de uma obrigação de pagamento da quantia referente às contribuições, pelo que não pode falar-se, nos casos em que não há cobrança coerciva, da existência de um acto de liquidação». Nessas situações, com carácter de autoliquidação, apenas poderá configurar-se o acto de extracção da certidão confirmativa da existência da dívida como «acto de liquidação» para os efeitos previstos na alínea h) do art. 204.º, n.º 1, do CPPT. Na verdade, nesses casos, não pode o contribuinte reclamar graciosamente nem impugnar judicialmente, sendo que apenas poderá questionar a legalidade do acto tributário em sede de oposição à execução fiscal.).
Será também o caso em que as dívidas exequendas tenham origem em coimas aplicadas por decisão administrativa e, por isso, a oposição seria o único meio ao dispor do revertido para discutir a legalidade daquela decisão, uma vez que não interviera no respectivo processo (Cfr. os seguintes acórdãos da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:
- de 14 de Abril de 2010, proferido no processo n.º 64/10, disponível em
http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/46d3dc0d43a922878025770a005609da;
- de 8 de Setembro de 2010, proferido no processo com o n.º 186/10, disponível em
http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/0867f0e42db864b4802577a00033b4dc;
- de 19 de Janeiro de 2011, proferido no processo com o n.º 775/10, disponível em
http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/0b76436fa5fcddba80257824003a2e81;
- de 13 de Abril de 2011, proferido no processo n.º 87/11, disponível em
http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/7d2623f91cd3fb9380257872004b2bf3.).
A jurisprudência também admitiu que, na sequência da extinção da execução fiscal pelo pagamento efectuado pelo responsável subsidiário, não houvesse declaração de inutilidade ou impossibilidade, se o pagamento foi efectuado dentro do prazo de oposição, para beneficiar da isenção de juros de mora e custas nos termos do art. 23.º, n.º 5 da LGT (Diz o art. 23.º, n.º 5, da LGT, na redacção que lhe foi dada pela Lei n.º 55-A/2010, de 31 de Dezembro (Orçamento do Estado para 2011): «O responsável subsidiário fica isento de juros de mora e de custas se, citado para cumprir a dívida constante do título executivo, efectuar o respectivo pagamento no prazo de oposição». Com esta nova redacção, a isenção foi reduzida aos juros de mora liquidados no processo de execução fiscal, pelo que o responsável subsidiário não fica isento do pagamento dos juros de mora que forem liquidados no título executivo, ou seja, o alcance perceptível da alteração «é o de reduzir a isenção de juros de mora, limitando-a aos juros de mora vencidos na pendência do processo de execução fiscal, no pressuposto de que é incluída na certidão de dívida que serve de título executivo a liquidação dos juros de mora vencidos até ao momento da extracção dessa certidão» (cfr. DIOGO LEITE DE CAMPOS, BENJAMIM SILVA RODRIGUES e JORGE LOPES DE SOUSA, Lei Geral Tributária Anotada e Comentada, Encontro da Escrita, 4.ª edição, anotação 9 ao art. 23.º, pág. 225).).
Nessas situações, o Supremo Tribunal Administrativo entendeu (Vide os seguintes acórdãos da Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:
- de 26 de Maio de 2010, proferido no processo com o n.º 24/10, disponível em
http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/ad10ff1afd8ea2be80257735003bd1b0;
- de 4 de Maio 2011, proferido no processo com o n.º 982/10, disponível em
http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/c2059f3e527bc5648025788b0034b443;
- de 7 de Setembro de 2011, proferido no processo com o n.º 421/11, disponível em
http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/c5168e1dda2b68a780257911003a1c6e;
- de 21 de Setembro de 2011, proferido no processo com o n.º 560/11, disponível em
http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/d618591fa2f21fb28025791900546620.), na sequência da posição defendida por JORGE LOPES DE SOUSA (Ob. cit., III volume, anotação 11 ao art. 160.º, págs. 114 a 116.), que a inutilidade/impossibilidade da lide faz sentido nas situações em que seja o devedor originário a pagar a dívida, mas não já naquelas em que o processo de oposição é o único meio processual que os oponentes/revertidos dispõem para atacar a legalidade do despacho de reversão, por violação do disposto nos arts. 23.º e 24.º da LGT e 153.º do CPPT, devendo o art. 9.º, n.º 3, da LGT (Diz o art. 9.º, n.º 3, da LGT: «O pagamento do imposto nos termos de lei que atribua benefícios ou vantagens no conjunto de certos encargos ou condições não preclude o direito de reclamação, impugnação ou recurso, não obstante a possibilidade de renúncia expressa, nos termos da lei».), ser interpretado no sentido de incluir a própria oposição à execução como forma de atacar a ilegalidade do acto que ordenou a reversão contra os legais representantes da sociedade executada a título principal.
Pelo que, sendo o pagamento da dívida efectuado pelo responsável subsidiário para beneficiar da isenção de juros moratórios e custas nos termos do art. 23.º, n.º 5, da LGT (ou seja, dentro do prazo da oposição), esse pagamento não implica a preclusão do seu direito de impugnar o despacho de reversão, não podendo extinguir-se a instância de oposição com fundamento em inutilidade ou impossibilidade superveniente da lide.
Havia também alguma jurisprudência deste Supremo Tribunal, se bem que não unânime, no sentido da admissão do prosseguimento da lide de oposição quando o responsável subsidiário/revertido invoca o fundamento previsto na alínea b) do n.º 1 do art. 204.º do CPPT, ou seja, invoca a inexistência de responsabilidade sua pelo pagamento da obrigação tributária em cobrança, porquanto o processo de oposição constitui o único e irrepetível meio processual de que ele dispõe para ver reconhecido que não é responsável subsidiário (Cfr. os seguintes acórdãos da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:
- de 25 de Março de 2009, proferido no processo n.º 985/08, disponível em
http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/daf480dd8ec60a5c8025758b004dcf67;
- de 7 de Outubro de 2009, proferido no processo n.º 714/09, disponível em
http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/43ed49e95bdcc2b88025764e004a3618;
- de 25 de Novembro de 2009, proferido no processo n.º 753/09, disponível em
http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/159db76d2379204e802576810054265f.).
Como ficou dito no acórdão desta Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo de 9 de Setembro de 2015, proferido no processo n.º 1198/13 (Disponível em
http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/b1630130ce6a22d880257ec4004c3eb5.), «a questão da (in)verificação dos pressupostos para a responsabilização subsidiária, contidos no acto de reversão (acto que é praticado exclusivamente em sede de processo executivo), não pode ser apreciada em nenhum outro meio judicial; e o pagamento da dívida não pode prejudicar o controlo jurisdicional desse acto executivo de responsabilização, até porque tal constituiria uma violação do direito fundamental de acesso aos tribunais previsto no art. 20.º, n.º 1, da Constituição da República Portuguesa.
E a Lei do Orçamento de Estado para 2013 (Lei n.º 66-B/2012, de 31/12), ao aditar ao artigo 176.º do CPPT a norma que passou a constar do seu nº 3, evidencia bem a vontade expressa pelo legislador de acolher esta posição jurisprudencial, no sentido de que o pagamento da dívida nem sempre tem por consequência a inutilidade da lide da oposição à execução. Com efeito, segundo o aditado n.º 3, «O disposto na alínea a) do n.º 1 não prejudica o controlo jurisdicional da actividade do órgão de execução fiscal, nos termos legais, caso se mantenha a utilidade da apreciação da lide», sendo que da referida alínea a) do n.º 1 consta que a execução se extingue por «pagamento da quantia exequenda e do acrescido».
Na sequência dessa alteração legislativa, é hoje pacífico que não ocorre a inutilidade/impossibilidade da lide de oposição na sequência do pagamento voluntário da dívida pelo revertido/oponente, quando este pretende discutir a responsabilidade pela dívida, fundamento subsumível à previsão da alínea b) do n.º 1 do art. 204.º do CPPT (ilegitimidade substantiva) (Vide os seguintes acórdãos da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:
- de 9 de Setembro de 2015, proferido no processo n.º 1198/13, disponível em
http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/b1630130ce6a22d880257ec4004c3eb5;
- de 2 de Junho de 2017, proferido no processo n.º 1347/14, disponível em
http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/8750246948fbf3918025814d002f5dba;
- de 9 de Maio de 2018, proferido no processo n.º 827/17, disponível em
http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/7e70c54f58b772058025828f004c85a2.).
A sentença recorrida, que decidiu a questão em conformidade com o entendimento exposto, não merece censura.

2.2.3 CONCLUSÕES

Preparando a decisão, formulamos as seguintes conclusões:

I - O pagamento da dívida exequenda e do acrescido por aquele que foi chamado à execução fiscal por reversão na qualidade de responsável subsidiário, mesmo que efectuado para além do prazo de dedução da oposição, com a consequente extinção da execução, não implica a extinção da instância de oposição, por inutilidade/impossibilidade superveniente, quando nesta se pretende discutir a responsabilidade pela dívida, fundamento subsumível à previsão da alínea b) do n.º 1 do art. 204.º do CPPT (ilegitimidade substantiva).

II - Com o aditamento do n.º 3 ao art. 176.º do CPPT, operado pela Lei n.º 66-B/2012, de 31 de Dezembro (Lei do Orçamento do Estado para 2013), a questão deixou de ser controversa na jurisprudência.


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3. DECISÃO

Em face do exposto, os juízes da Secção do Contencioso Tributário deste Supremo Tribunal Administrativo acordam, em conferência, em negar provimento ao recurso.

Custas pela Recorrente [cfr. art. 527.º, n.º 1, do Código de Processo Civil, aplicável ex vi da alínea e) do art. 2.º do CPPT].


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Lisboa, 19 de Junho de 2019. – Francisco Rothes (relator) – Aragão Seia – Ascensão Lopes.