Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:01900/12.0BELRS 0383/17
Data do Acordão:11/07/2018
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:FRANCISCO ROTHES
Descritores:DERRAMA
APLICAÇÃO DA LEI NO TEMPO
TAXA DE JUSTIÇA
Sumário:I - Na ausência de norma de direito transitório e atento o disposto no n.º 2 do art. 12.º da LGT, a derrama estadual criada pela Lei n.º 12-A/2010, de 30 de Junho, apenas se pode aplicar à parte do lucro tributável correspondente ao período ocorrido a partir de 1 de Julho de 2010, data de entrada em vigor daquela Lei.
II - Ainda que a liquidação tenha sido efectuada com base na declaração apresentada pelo contribuinte, considera-se que o erro que determinou a sua anulação é imputável aos serviços se decorre da observância pelo contribuinte das instruções divulgadas pela AT (cfr. art. 43.º, n.ºs 1 e 2, da LGT).
III - Nos casos em que o valor da causa excede € 275.000,00, justifica-se a dispensa do remanescente da taxa de justiça devida em 1.ª instância, ainda que parcial, ao abrigo do disposto no n.º 7 do art. 6.º do RCP, se a conduta processual das partes não obstar a essa dispensa e se, não obstante a questão aí decidida se afigurar de complexidade superior à média, o montante resultante da aplicação da Tabela anexa ao RCP se afigurar manifestamente desproporcionado em face do concreto serviço prestado, pondo em causa a relação sinalagmática que a taxa pressupõe.
Nº Convencional:JSTA00070796
Nº do Documento:SA22018110701900/12
Data de Entrada:03/27/2017
Recorrente:AT - AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA
Recorrido 1:A... SA
Votação:UNANIMIDADE
Meio Processual:RECURSO JURISDICIONAL
Objecto:SENTENÇA DO TRIBUNAL TRIBUTÁRIO DE LISBOA
Decisão:NEGA PROVIMENTO
Área Temática 1:DERRAMA
Área Temática 2:AUTOLIQUIDAÇÃO
Legislação Nacional:LEI N.º 12-A/2010, DE 30/06, ARTIGO 12º, N.º 2 E 43º, N.ºS. 1 E 2 DA LGT
Aditamento:
Texto Integral: Recurso jurisdicional da sentença proferida no processo de impugnação judicial com o n.º 1900/12.0BELRS

1. RELATÓRIO

1.1 A Fazenda Pública recorre para o Supremo Tribunal Administrativo da sentença por que o Tribunal Tributário de Lisboa, julgando parcialmente procedente a impugnação judicial deduzida, após indeferimento da reclamação graciosa, pela sociedade acima identificada como Recorrida, anulou a autoliquidação da derrama estadual na parte em que se refere ao primeiro semestre de 2010 e condenou a AT no pagamento de juros indemnizatórios relativos a essa parte, fazendo recair as custas em partes iguais sobre ambas as partes, «com dispensa de pagamento do remanescente da taxa de justiça, na parte que exceda 5.000.000,00 Eur».

1.2 O recurso foi admitido, com subida imediata e nos próprios autos e a Recorrente apresentou a motivação do recurso, que resumiu em conclusões do seguinte teor:

«I- Visa o presente Recurso reagir contra a douta Sentença que julgou procedente a Impugnação deduzida por A………… SA Nif. ……….., contra o Despacho de Indeferimento da Reclamação Graciosa n.º 3255201104008081, que teve por objecto a autoliquidação da Derrama Estadual do exercício de 2010, no valor total de € 1.429.446,06, correspondente à liquidação de IRC n.º 2011 2310410343, na parte referente ao primeiro semestre.

II- Considera a Fazenda Pública que a Sentença ora recorrida deve ser reformada quanto a custas, devendo haver dispensa do pagamento do remanescente da taxa de Justiça na parte que exceda os € 275.000,00, nos termos do Art. 6.º, n.º 7 do RCP, enfermando esta decisão também de erro de julgamento da matéria de direito.

III- No que concerne às Custas, considerou a douta Sentença ser adequado e proporcional dispensar o pagamento da taxa de justiça na parte que exceda os € 500.000,00, sendo que Fazenda Pública, em sede de alegações, tinha solicitado a dispensa do pagamento do remanescente da taxa de Justiça na parte que exceda os € 275.000,00, nos termos do Art. 6.º, n.º 7 do RCP.

IV- Ora, dispõe o n.º 7 do Art. 6.º do RCP que nas causas de valor superior a € 275.000,00, o remanescente da taxa de justiça é considerada na conta a final, salvo se a especificidade da situação o justificar e o Juiz de forma fundamentada, atendendo designadamente à complexidade da causa e à conduta processual das partes, dispensar o seu pagamento, ou seja, são dois os requisitos para a dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça: a complexidade da causa e a conduta processual das partes.

V- Da mesma forma, pretende-se que a taxa de justiça corresponda ao valor que cada interveniente deve pagar como contrapartida do serviço prestado, devendo ser adequada ao tipo de processo em causa e aos custos concretos de cada processo para o sistema judicial (cfr. preâmbulo do D.L. n.º 34/2008, de 26/02, que aprovou o RCP).

VI- No que tange à complexidade, no processo em apreço, foi apresentada a Petição Inicial, seguindo-se a Contestação e posteriormente as Alegações escritas, sendo que, findos os articulados, foi proferida Sentença, não tendo havido qualquer incidente, nem produção de prova testemunhal ou pericial, apenas prova documental, pelo que ainda que o processo em apreço exija algum trabalho, não se pode dizer, em nossa opinião, que se esteja em presença de um processo elevada especialização jurídica ou especificidade técnica.

VII- No que toca à conduta processual das partes, sempre se dirá que durante a tramitação dos presentes Autos se verificou um comportamento normal de litigantes, sem qualquer conduta censurável.

VIII- Sendo que, se, apenas em primeira instância, for dispensado o pagamento do remanescente da taxa de Justiça na parte que exceda os € 500.000,00, o valor total a pagar de taxa de justiça pelas partes será quase o triplo do que seria pago se for dispensado o pagamento do remanescente da taxa de Justiça na parte que excedesse os € 275.000,00.

IX- De facto, a não ser o valor de € 275.000,00 a considerar como valor de processo para efeitos de custas, o montante exigível a título de taxa de justiça será muito superior aos serviços prestados pelo Tribunal, pecando por excessivo, desajustado e desproporcionado, sendo, por isso, as normas aqui chamadas à colação inconstitucionais, na medida em que envolvem uma violação do princípio constitucional da Proporcionalidade (Art. 18.º, n.º 2 da CRP) em sentido amplo, nas suas vertentes da adequação ou justa medida e da proibição do excesso, e também do Direito de acesso aos Tribunais (Art. 20.º da CRP), como já decidiu o Tribunal Constitucional no Acórdão n.º 421/2012, proc. 907/2012.

X- Pelo que deve a presente Sentença ser reformada no sentido de ser dispensado o pagamento do remanescente da Taxa de Justiça na parte que exceda o montante de € 275.000,00, nos termos do Art. 6.º, n.º 7 do RCP e do art. 616.º, n.ºs 1 e 3 do CPC, em conformidade com o requerido pela Fazenda Pública em sede de alegações.

XI- Por outro lado, a Sentença ora em recurso considerou parcialmente procedente a presente Impugnação, determinando a anulação da autoliquidação da Derrama Estadual na parte referente ao primeiro semestre de 2010, mantendo o restante, isto é, a Derrama Estadual do segundo semestre, entendendo, grosso modo, que a Lei n.º 12-A/2010, de 30/06, apenas é aplicável a partir de 01/07/2010 (data da sua entrada em vigor), de harmonia com o previsto no art. 12.º, n.º 2 da LGT, condenando ainda a AT no pagamento de Juros Indemnizatórios relativamente àquela parte anulada (primeiro semestre).

XII- Contudo, entendemos que não lhe assiste razão.

XIX- A Derrama Estadual é, pois, mais uma taxa, na multiplicidade de taxas do IRC (nomeadamente as previstas no Art. 87.º do CIRC), que, tal como as outras taxas, possui uma incidência real e pessoal próprias.

XX- E, como se referiu, a multiplicidade de sujeitos passivos incidências e taxas é uma característica intrínseca ao próprio IRC, como imposto plural que é, nos termos da Constituição.

XXI- Em sede de tributação das empresas, o comando constitucional é a tributação do seu rendimento real, sendo que a Derrama Estadual não deixa de ser imposto sobre rendimento das empresas, e como tal, taxa adicional ao IRC.

XXII- O actual n.º 4 do Art. 87.º-A do CIRC estabelece que a Derrama Estadual deve ser aplicada à parte do lucro tributável que exceda € 2.000.000,00, daqui resultando que o montante apurado em tal liquidação é, inquestionavelmente, parte integrante do montante apurado na declaração periódica de rendimentos.

XXIII- Assim, dado que estamos, inquestionavelmente, perante uma tributação (adicional), que nem materialmente nem formalmente difere do IRC, todas as regras de aplicação generalizada às várias tributações previstas no CIRC ser-lhe-ão também aplicáveis.

XXIV- O que significa que, consubstanciando a Derrama Estadual IRC, baseia-se, naturalmente, nas suas normas e regras, designadamente, as normas atinentes à liquidação (Art. 90.º do CIRC), bem como as que definem o período de tributação.

XXV- Com efeito, nos termos do n.º 1 do Art. 8.º do CIRC, o IRC, aqui se incluindo, naturalmente, Derrama Estadual, é devido por cada período de tributação, ou seja, é um imposto anual, que em regra coincide com o ano civil, como sucede no caso da Impugnante.

XXVI- Sendo que, nos termos do n.º 9 deste art. 8.º, o facto gerador do imposto considera-se verificado no último dia do período de tributação, no caso, 31/12/2010, sendo o lucro tributável uno e indivisível, não sendo tributável cada rendimento per se.

XXVII- Aliás as próprias normas relativas à contagem do prazo de caducidade do direito à liquidação e da prescrição apontam claramente no sentido da anualidade dos impostos periódicos, como sejam o IRS e o IRC, como bem entendeu o Tribunal Constitucional no Acórdão n.º 399/10 (Procs. 523/10 e 524/10), a propósito do IRS, mas que se aplica inteiramente ao IRC.

XXVIII- Deste modo, atendendo a que o facto tributário de formação do imposto é um facto complexo e de formação sucessiva, tal como o define a doutrina, iniciando-se a 1 de Janeiro, mas só se verificando, no rigor ou plenamente, a 31 de Dezembro, por força da lei, devendo, pois, ser nesta data (31 de Dezembro) que se produzem todos os efeitos que dependam da verificação do facto tributário.

XXIX- Como preconiza o Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 310/2012, proferido no processo 150/12, (referente a Tributação Autónoma), no caso do IRC – imposto em causa nos presentes autos uma vez que a Derrama Estadual configura verdadeiro IRC –, vigorando o princípio da anualidade do imposto, “não se tributa cada rendimento percebido de per si, mas sim o englobamento de todos os rendimentos obtidos num determinado ano, considerando a lei que o facto gerador do imposto se tem por verificado no último dia do período de tributação (cfr. artigo 8.º, n.º 9, do CIRC)”.

XXX- Sendo que, na situação “sub judice”, e como já vimos, o facto tributário só ocorreu, em rigor e plenamente, a 31/12/2010, ou seja, posteriormente à entrada em vigor da Lei aqui em causa.

XXXI- Deste modo, ainda que a Lei tenha entrado em vigor no dia 1 de Julho, ou seja, durante o período de formação do facto tributário, a verdade é que este efectivamente se verificou depois da entrada em vigor da mesma.

XXXII- Pelo que, na prática e no rigor dos conceitos, não há qualquer aplicação retroactiva da lei, estando a Lei n.º 12-A/2010 a aplicar-se única e exclusivamente para futuro, a factos ocorridos depois da sua entrada em vigor.

XXXIII- Não se verificando assim, ao contrário do considerado na douta Sentença, qualquer violação das normas que regulam a aplicação da lei no tempo, nomeadamente, o Art. 12.º, n.º 2 da LGT.

XXXIV- Por outro lado, como já referimos, a criação desta sobretaxa visou atingir objectivos perfeitamente identificados que se prendem com a consolidação orçamental e a absoluta necessidade de angariar receitas, pelo que foi clara a opção do legislador em aplicar tal imposto à totalidade do exercício de formação do lucro tributável, ou seja, à totalidade do exercício ou período de tributação iniciado em 1 de Janeiro de 2010.

XXXV- Aliás, face à excepcionalidade da conjuntura económica e financeira do país que está subjacente à criação da Derrama Estadual, à semelhança de outras medidas de “austeridade” implementadas, se fosse intenção do legislador apenas aplicar esta taxa ao segundo semestre de 2010 (a partir da sua entrada em vigor), parece-nos que no exercício de 2011 (anual), teria implementado uma taxa superior, e não a mesma – 2,5%.

XXXVI- Desta forma, dúvidas não subsistem que, face às normas que regulam a matéria da aplicação da lei no tempo e a própria mecânica do imposto, bem como a opção legislativa subjacente à Lei n.º 12-A/2010, não restava alternativa à AT que não aplicar a Derrama Estadual à totalidade do lucro tributável apurado no exercício de 2010.

XXXV- Tal entendimento foi superiormente sancionado e vertido na Informação Vinculativa proferida no Proc. 244112010 (com Despacho do SEAF n.º 564/2010.XVIII, de 19/07/2010), da qual resulta que a Derrama Estadual se aplica à totalidade do lucro tributável gerado no exercício da entrada em vigor da Lei n.º 12-A/2010, no caso, ao exercício de 2010, sendo este entendimento, sem dúvida, o mais compatível com as regras reguladoras da aplicação da lei no tempo e com o comando da própria Lei n.º 12-A/2010.

XXXVIII- Tanto mais que, face à excepcionalidade desta sobretaxa e às suas especificidades e finalidade, perfeitamente reconhecidas e assimiladas quer na P.I., quer na Sentença ora recorrida, a aplicação do imposto à totalidade do lucro tributável gerado no exercício de 2010 foi uma opção deliberada do legislador à qual a AT está estritamente vinculada.

XXXIX- Por outro lado, o Tribunal Constitucional, quando chamado a pronunciar-se sobre a temática da proibição da retroactividade da lei fiscal, tem entendido ser incompatível com a Constituição, apenas a retroactividade de 1.º grau, ou seja, a denominada inconstitucionalidade própria ou autêntica, que se verifica quando a lei fiscal nova é aplicada a factos tributários anteriores à sua entrada em vigor.

XL- Neste sentido, a Lei n.º 12-A/2010 seria inconstitucional se sujeitasse a tributação os lucros auferidos durante o exercício de 2009, o que manifestamente não acontece; todas as outras formas designadas de retroactividade imprópria, pois que na verdade estamos na presença de uma retrospectividade, têm sido admitidas pelo Tribunal Constitucional, tal como considerou o TC no Acórdão n.º 18/2011 (Proc. n.º 204/2010), entre outros.

XLI- Pelo que a referida Lei n.º 12-A/2010 será totalmente compatível com os preceitos constitucionais fiscais e legais actualmente em vigor, tal como os mesmos têm sido interpretados pelo Tribunal Constitucional, mesmo quando interpretada no sentido que a mesma se aplica à parte do lucro tributável apurado no período de tributação em curso anterior à sua entrada em vigor.

XLII- Por outra banda, as medidas de consolidação orçamental na qual se inclui a Derrama Estadual, também não constituiu uma medida de aumento de impostos com que os Contribuintes não pudessem contar, face a toda a discussão política que se gerou e durou meses e meses, conforme considerou o Acórdão do TC n.º 399/10, supra referido, que declarou não inconstitucionais as alterações efectuadas ao Art. 68.º da CIRS pela Lei n.º 1112010, de 15/06 e a Lei n.º 12-A/2010 (em causa nos Autos).

XLIII- Aliás, importa salientar que, à semelhança do que se prevê no Art. 20.º, n.º 1 da Lei n.º 12-A/2010 (em causa nos Autos), também aquela Lei n.º 11/2010, de 15/06, que procedeu à criação de um escalão adicional de IRS sujeito a taxa de 45%, referia no seu Art. 3.º “A presente lei entra em vigor no dia seguinte ao da sua publicação”.

XLIV- Sendo que dúvidas não houve em considerar que aquele novo escalão de IRS se aplicou desde 01/01/2010, tal como consta deste Acórdão n.º 399/10.

XLV- Deste modo, a Derrama Estadual, criada ao abrigo da Lei n.º 12-A/2010, deve incidir sobre todo o lucro tributável do exercício de 2010, não sofrendo a autoliquidação em apreço referente ao primeiro semestre de qualquer erro sobre os pressupostos de direito, ao invés do que considerou a douta Sentença.

XLVI- Em conformidade, para além da parte da autoliquidação da Derrama Estadual referente ao segundo semestre (mantida pela Sentença ora recorrida), também deve ser mantida a autoliquidação da Derrama Estadual correspondente ao primeiro semestre, já que não se verifica qualquer violação das normas que regulam a aplicação da Lei no tempo, nomeadamente, do Art. 12.º, n.º 2 da LGT.

XLVII- Não havendo, assim, lugar a qualquer pagamento de Juros indemnizatórios, por falta de cumprimentos de todos os requisitos enunciados no art. 43.º da LGT, desde logo, o erro imputável aos Serviços.

XLVIII- Face ao exposto, deve a douta Sentença ser revogada e substituída por outra que considere esta impugnação totalmente improcedente, devendo também ser reformada quanto a Custas.

XLIX- A manter-se na Ordem Jurídica, a douta Sentença, ora recorrida, revela uma inadequada interpretação e aplicação das normas legais supra mencionadas.

Termos em que deve o presente Recurso ser julgado procedente por provado e, em consequência, ser revogada a Sentença ora sindicada e substituída por outra, nos termos expostos, com as devidas e legais consequências. Mais se requer que, em virtude do valor da causa ser superior a € 275.000,00, seja determinada a dispensa do pagamento do remanescente da taxa de Justiça, nos termos do Art. 6.º, n.º 7 do Regulamento das Custas Processuais».

1.3 A Impugnante contra-alegou, pugnando pela manutenção da sentença, tendo formulado conclusões do seguinte teor:

«1.ª A douta sentença recorrida julgou parcialmente procedente a impugnação judicial deduzida contra a liquidação de IRC n.º 2011 2310410343, datada de 25.10.2011, relativa ao exercício de 2010;

2.ª O Tribunal recorrido considerou que a derrama estadual, criada pela Lei n.º 12-A/2010, de 30 de Junho, apenas incide sobre o lucro tributável apurado a partir de 01.07.2010;

3.ª Não se conformando com este entendimento, a Fazenda Pública interpôs recurso invocando, em suma, que a derrama estadual configura uma taxa adicional de IRC, pelo que a sua aplicação ao lucro tributável apurado desde 01.01.2010 não colide com as regras de aplicação da lei no tempo, nem com o princípio da não retroactividade da lei fiscal, na interpretação que vem sendo conferida pelo Tribunal Constitucional, porquanto o facto tributário apenas teve lugar em 31.12.2010, já na vigência da Lei n.º 12-A/2010;

4.ª Salvo o devido respeito, não assiste razão à Ilustre Representante da Fazenda Pública;

5.ª A derrama estadual, tal como desenhada pelo legislador, constitui uma tributação nova, e não uma mera taxa adicional ou sobretaxa de IRC;

6.ª Em primeiro lugar, a base de incidência do IRC e da derrama estadual é distinta, pois o IRC incide sobre a matéria colectável e a derrama estadual incide sobre a parte do lucro tributável superior a € 2.000.000,00;

7.ª Em segundo lugar, o regime da derrama estadual estipula regras próprias para a sua liquidação, tanto relativamente aos pagamentos por conta, como quanto ao apuramento do imposto devido a final;

8.ª Em terceiro lugar, caso a intenção do legislador não fosse criar um novo imposto, certamente ter-se-ia limitado a aumentar a taxa de IRC, o que, contudo, não fez, tendo criado um imposto novo com disciplina jurídica própria;

9.ª Em quarto lugar, a derrama estadual foi criada como um imposto transitório e extraordinário, num quadro de crise de financiamento público;

10.ª Quer o Tribunal Constitucional, quer a jurisprudência arbitral, consideraram já tratar-se a derrama estadual de um imposto novo (cf. acórdão do Tribunal Constitucional n.º 430/2016, de 13.07.2016, e decisão arbitral n.º 143/2012-T, de 30.04.2013);

11.ª A solução normativa adoptada para a derrama estadual é muito similar à solução anteriormente adoptada para a derrama municipal, embora com esta não se confunda;

12.ª Com a aprovação da Lei das Finanças Locais (cf. Lei n.º 2/2207, de 15 de Janeiro) a derrama municipal passou a incidir sobre o lucro tributável, tendo sido caracterizada, quer pela doutrina, quer pela jurisprudência, como um imposto autónomo face ao IRC;

13.ª Em face do exposto, resulta manifesta a improcedência do entendimento sufragado pela Ilustre Representante da Fazenda Pública, porquanto a derrama estadual não se subsume a uma taxa adicional ou sobretaxa de IRC, mas a um verdadeiro tributo, criado ex novo, cujas regras de incidência (objectiva e subjectiva) e liquidação foram delineadas pela própria Lei n.º 12-A/2010;

14.ª O artigo 20.º, n.º 1, Lei n.º 12-A/2010, de 30 de Junho, estabelece que “A presente lei entra em vigor no dia seguinte ao da sua publicação, salvo o disposto nos números seguintes”, i.e., em 1 de Julho de 2010;

15.ª O citado preceito não poderá ter outro alcance senão o de determinar a aplicação da derrama estadual a factos tributários ocorridos após 1 de Julho de 2010;

16.ª Pelo que em conformidade com o artigo 12.º, n.º 1, da LGT e com o princípio da irretroactividade da lei fiscal (cf. artigo 103.º, n.º 3, da CRP) não pode senão concluir-se pela aplicação da derrama estadual apenas ao lucro tributável gerado após 1 de Julho de 2010;

17.ª Caso se entenda que a derrama estadual configura uma taxa adicional ou sobretaxa de IRC, no que não se concede, sempre se dirá que não assiste razão à Ilustre Representante da Fazenda Pública, pois sendo o facto tributário de IRC um facto tributário complexo e de formação sucessiva, a derrama estadual só poderá incidir sobre a parte do facto tributário gerado após a sua entrada em vigor, como decidiu o Tribunal a quo;

18.ª Relativamente aos factos tributários complexos, estatui o artigo 12.º, n.º 2, da LGT que “Se o facto tributário for de formação sucessiva, a lei nova só se aplica ao período decorrido a partir da sua entrada em vigor”;

19.ª Este preceito legal contempla os casos da designada retroactividade de 3.º grau (retroactividade não autêntica ou retrospectividade), estabelecendo o critério “pro rata temporis” para aplicação da lei nova;

20.ª De acordo com este critério, perante factos tributários de formação sucessiva, como sucede no IRC, o facto tributário deverá ser fraccionado aplicando-se a lei antiga aos rendimentos gerados até à entrada em vigor da lei nova, e a lei nova aos rendimentos gerados após a sua entrada em vigor;

21.ª De facto, como vem defendendo a doutrina, o facto tributário em IRC é um facto tributário complexo, porque decorre de um conjunto de factos, e de formação sucessiva, porque se vai desenvolvendo ao longo do período de tributação;

22.ª Deste modo, a disciplina consagrada no artigo 12.º, n.º 2, do Código do IRC deve ser aplicada no caso sub judice;

23.ª Pelo que a derrama estadual só poderá incidir sobre o lucro tributável gerado após a sua entrada em vigor, i.e. entre 1 de Julho e 31 de Dezembro de 2010;

24.ª Defende, ainda, a Fazenda Pública que em causa nos presentes autos está uma situação de retroactividade de 3.º grau (retroactividade não autêntica ou retrospectividade) que não tem cabimento na solução consagrada no artigo 12.º, n.º 2, da LGT, nem é merecedora de protecção constitucional;

25.ª Todavia, não lhe assiste razão, uma vez que a aplicação da derrama estadual ao lucro tributável gerado entre 1 de Janeiro e 30 de Junho de 2010, incorre em violação do princípio da proibição da retroactividade da lei fiscal, isto quer se entenda que a derrama estadual configura um tributo autónomo, como defende a Recorrida, quer se entenda que a derrama estadual configura uma taxa adicional ou sobretaxa de IRC, como defende, erradamente, a Fazenda Pública;

26.ª O artigo 103.º, n.º 3, da CRP consagra, desde a revisão constitucional de 1997, o princípio da proibição da retroactividade da lei fiscal (cf. neste sentido, acórdão do Tribunal Constitucional 11.0 128/09, de 12.03.2009);

27.ª Quer isto dizer que, qualquer lei fiscal deve ser constitucionalmente censurada sempre que pretenda aplicar-se a factos ocorridos no âmbito da lei fiscal antiga;

28.ª A doutrina e a jurisprudência têm identificado três graus de retroactividade, a saber (cf. neste sentido, ALBERTO XAVIER, Manual de Direito Fiscal Almedina, 1981, página 196, e acórdãos do Tribunal Constitucional n.º 399/2010, 28/2009 e 85/2010):
• Retroactividade de 1.º grau ou retroactividade própria ou autêntica, que se traduz na aplicação directa da lei nova a factos tributários ocorridos anteriormente à data de entrada em vigor;
• Retroactividade de 2.º grau ou retroactividade não autêntica ou imprópria, que se traduz não na aplicação directa da lei nova a factos ocorridos anteriormente à data de entrada em vigor, mas aos efeitos daquele facto tributário que ainda não estão totalmente esgotados; e
• Retroactividade de 3.º grau designada, por retroactividade não autêntica ou imprópria, ou, ainda, por retrospectividade, e que se traduz na aplicação da lei nova a factos que não ocorreram totalmente ao abrigo da lei antiga, antes se continuando a formar na vigência da lei nova;

29.ª Tendo por base os trabalhos preparatórios da revisão constitucional de 1997, a jurisprudência do Tribunal Constitucional tem defendido que a retroactividade proibida pelo artigo 103.º, n.º 3, da CRP é a retroactividade própria ou autêntica não abrangendo os casos em que, não obstante o facto tributário ter ocorrido ao abrigo da lei antiga, ainda continua a produzir efeitos na vigência na lei nova – retroactividade de 2.º grau –, nem tão-pouco os casos em que o facto tributário ainda está em formação – retroactividade de 3.º grau;

30.ª No caso vertente, tendo presente que a derrama estadual consiste num tributo autónomo, criado ex novo, está em causa uma retroactividade de 1.º grau, pois a incidência desta sobre o lucro tributável gerado em momento anterior à sua entrada em vigor, i.e. entre 1 de Janeiro e 30 de Junho de 2010, configura a aplicação directa de uma lei nova a factos tributários ocorridos anteriormente à data de entrada em vigor;

31.ª Em abono do seu entendimento a Fazenda Pública invoca o acórdão do Tribunal Constitucional n.º 399/2010, no entanto, a questão sobre que se debruçou o Tribunal Constitucional não se confunde com a presente, pois aquele acórdão versa sobre o aumento da taxa de um imposto já existente (o IRS), enquanto a derrama estadual configura a introdução de um novo tributo;

32.ª Estando em causa a criação de um tributo novo, que se pretende aplicar desde 1 de Janeiro de 2010, não tem pois aplicação a jurisprudência constitucional invocada nas doutas alegações de recurso;

33.ª Acresce que, o escopo da norma do artigo 103.º, n.º 3, da CRP é impedir a criação de impostos extraordinários, como sucede in casu;

34.ª Pelo que se conclui que a aplicação da derrama estadual, aditada ao Código do IRC (cf. artigos 87.º-A, 104.º-A e 105.º-A) pela Lei n.º 12-A/2010, de 30 de Junho, ao lucro tributável gerado entre 1 de Janeiro e 30 de Junho de 2010, constitui uma retroactividade de 1.º grau e, nessa medida, uma violação do princípio da proibição da retroactividade da lei fiscal previsto no artigo 103.º, n.º 3 da CRP, o que, desde já expressamente se invoca para todos os efeitos legais;

35.ª Sem prejuízo do exposto, caso se entenda que a derrama estadual configura uma taxa adicional ou sobretaxa de IRC, no que não se concebe, sempre se dirá, que, também neste cenário, a aplicação da derrama estadual ao lucro tributável gerado entre 1 de Janeiro e 30 de Junho de 2010, incorre em violação do referido princípio;

36.ª A defender-se esta interpretação, estaremos perante uma situação que a doutrina e a jurisprudência identificam por retroactividade de 3.º grau, retroactividade não autêntica ou imprópria, ou, ainda, por retrospectividade, a qual, de acordo com a jurisprudência do Tribunal Constitucional estaria excluída do âmbito do princípio da proibição da retroactividade da lei fiscal;

37.ª Todavia, não é possível acolher esta posição, isto porque o reconhecimento de três graus de retroactividade, por parte da doutrina e da jurisprudência, não tem como escopo a exclusão de protecção de determinado grau ou graus de retroactividade;

38.ª O legislador constitucional previu a proibição da retroactividade da lei fiscal em termos absolutos, não se descortinando no artigo 103.º, n.º 3 da CRP a identificação de um só grau de retroactividade;

39.ª Não obstante os trabalhos preparatórios, a solução consagrada no aludido artigo 103.º, n.º 3 da CRP, não permite concluir que se pretendeu excluir de protecção os denominados 2.º e 3.º graus de retroactividade (cf., neste sentido, declaração de voto vencida emitida pela Juíza Conselheira Maria Lúcia Amaral e declaração de voto vencido emitido pelo Juiz Conselheiro João Cura Mariano, ambos no âmbito do acórdão n.º 399/2010 do Tribunal Constitucional);

40.ª A Fazenda Pública invoca, em abono do seu entendimento, o já referido acórdão n.º 399/2010, porém este acórdão não tem força obrigatória geral e, além disso, a decisão não, terá sido pacífica como resulta, desde logo, dos cinco votos vencidos;

41.ª Assim, não pode deixar de concluir-se que a aplicação do regime da derrama estadual, introduzido no Código do IRC (cf. artigos 87.º-A, 104.º-A e 105.º-A), pela Lei n.º 12-A/2010, de 30 de Junho, ao lucro tributável gerado entre 1 de Janeiro e 30 de Junho de 2010, é materialmente inconstitucional, por violação do princípio da proibição da retroactividade da lei fiscal previsto no artigo 103.º, n.º 3 da CRP, o que, desde já expressamente se invoca para todos os efeitos legais;

42.ª Sem prejuízo do exposto, a aplicação da derrama estadual ao período anterior à entrada em vigor da Lei n.º 12-A/2010, de 30 de Junho, conforme propugnado pela Ilustre Representante da Fazenda Pública, incorre em violação do princípio da protecção da confiança e da segurança jurídica, corolários do princípio do Estado de Direito Democrático, consagrado no artigo 2.º da CRP;

43.ª A jurisprudência do Tribunal Constitucional tem entendido que a tutela da protecção da confiança e da segurança jurídica obrigam a um juízo valorativo, o qual deve obedecer a quatro critérios (cf. acórdão do Tribunal Constitucional n.º 128/2009, de 12.03.2009), a saber:
• Em primeiro lugar, é necessário que o Estado tenha encetado comportamentos capazes de gerar tais expectativas de continuidade no contribuinte;
• Em segundo lugar, as expectativas geradas devem ser legítimas e justificadas;
• Em terceiro lugar, devem os contribuintes ter planeado a sua actividade e gerido o seu dia-a-dia tendo em conta a perspectiva de continuidade daquele comportamento do Estado; e, por último,
• Em quarto lugar, é necessário que não ocorram razões de interesse público que justifiquem a alteração do comportamento que vinha sendo mantido pelo Estado;

44.ª No que se refere ao primeiro critério, desde a aprovação do Código do IRC, o legislador sempre encetou comportamentos tendentes a gerar expectativas no contribuinte quanto ao não agravamento da tributação das empresas, quer seja através da criação de tributos autónomos, quer seja através da criação de taxas adicionais ou sobretaxas de IRC, no decurso do exercício fiscal;

45.ª No que se refere ao segundo critério, a expectativa da Recorrida, é legítima e justificada, porquanto deriva de actos expressos do legislador;

46.ª Relativamente ao terceiro critério, a Recorrida, tal como muitas outras empresas, delineou a sua actividade, desde 1 de Janeiro de 2010, tendo presente a tributação a que se encontraria sujeita;

47.ª Também o quarto critério se encontra verificado porquanto não se vislumbra qualquer razão de interesse público que legitime a frustração e se sobreponha às legítimas expectativas da Recorrida;

48.ª Ao exposto não se pode contrapor o Programa de Assistência Económica e Financeira a Portugal, na medida em que o Memorando de Entendimento sobre as Condicionalidades de Política Económica, que enuncia as condições gerais de concessão de assistência financeira a Portugal, foi assinado em 17.05.2011 na sequência do pedido de assistência financeira formalizado pelo Governo Português em 07.04.2011, i.e., em data posterior à entrada em vigor da Lei n.º 12-A/2010, de 30 de Junho;

49.ª Acresce que, os compromissos internacionais assumidos na mira de alcançar um equilíbrio orçamental não conferem liberdade ilimitada ao legislador;

50.ª Diga-se, ainda, que o objectivo do aumento da receita fiscal não pode fundamentar a violação pelo legislador dos princípios estruturantes do Estado de Direito, nomeadamente o princípio da protecção da confiança e da segurança, quando, na verdade, tais objectivos podem ser atingidos mediante recurso a soluções alternativas, como por exemplo, através de uma solução pro rata temporis;

51.ª Por fim, refira-se que no acórdão n.º 353/2012 do Tribunal Constitucional, de 05.07.2012, o qual, versou sobre a “suspensão do pagamento” de subsídios de férias e de Natal aos funcionários públicos, consagradas no artigo 21.º e 25.º do Orçamento do Estado para 2012, aprovado pela Lei n.º 64-B/2011, de 30 de Dezembro, se concluiu, em termos gerais, que a prossecução do objectivo da redução do défice público, conforme assumido no Memorando de Entendimento sobre as Condicionalidades de Política Económica, não pode justificar a violação dos princípios estruturantes do Estado de Direito;

52.ª Pelo que, estão pois verificados os requisitos descortinados pela jurisprudência do Tribunal Constitucional para protecção das expectativas dos contribuintes;

53.ª Assim, conclui-se que a aplicação da derrama estadual, aditada ao Código do IRC (cf. artigos 87.º-A, 104.º-A e 105.º-A) pela Lei n.º 12-A/2010, de 30 de Junho, ao lucro tributável gerado entre 1 de Janeiro e 30 de Junho de 2010, é materialmente inconstitucional, por violação do princípio da protecção da confiança e da segurança jurídica, corolários do princípio do Estado de Direito Democrático, consagrado no artigo 2.º da CRP, o que, desde já, expressamente se invoca para todos os efeitos legais;

54. Em face de todo o exposto, deve o presente recurso ser julgado improcedente, nesta parte».

1.4 Recebidos os autos neste Supremo Tribunal Administrativo, foi dada vista ao Ministério Público e o Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer no sentido de que seja negado provimento ao recurso e confirmada a sentença recorrida, com a seguinte fundamentação:

«[…]
A nosso ver, o recurso não merece provimento.
Comecemos pela dispensa de pagamento do remanescente da taxa de justiça.
Nos termos do disposto no artigo 6.º/7 do RCP “nas causas de valor superior a € 275.000,00, o remanescente da taxa de justiça é considerado na conta final, salvo se a especificidade da situação o justificar e o juiz de forma fundamentada, atendendo designadamente à complexidade da causa e à conduta processual das partes, dispensar o pagamento.
São, designadamente, dois os pressupostos de dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça:
-A menor complexidade ou simplicidade da causa;
-A positiva atitude de cooperação das partes.
Nos termos do disposto no artigo 530.º/7 do CPC “para efeitos de condenação no pagamento de taxa de justiça, consideram-se de especial complexidade as acções e os procedimentos cautelares que:
- Contenham articulados ou alegações prolixas;
- Digam respeito a questões de elevada especialização jurídica, especificidade técnica ou importem a análise combinada de questões jurídicas de âmbito muito diverso; e
- Impliquem a audição de um elevado número de testemunhas, a análise de meios de prova extremamente complexos ou a realização de várias diligências de produção de prova morosas.
Ora, no caso dos autos embora a acção pareça não ser de especial complexidade, nos termos enunciados, não deixa de ser complexa.
De facto, nos autos, está em causa uma questão de aplicação no tempo de normas tributárias.
Foi apresentada Petição de impugnação judicial.
A Fazenda Pública contestou.
As partes apresentaram alegações escritas.
O MP emitiu parecer.
Ora, do que se disse, ressalta, a nosso ver, que as partes tiveram um comportamento processual normal.
A acção tem algum um grau de complexidade, atenta a questão controvertida.
A sentença recorrida dispensou o pagamento do remanescente da taxa de justiça na parte em que o valor da acção excede os € 500.000,00.
Assim sendo, parece haver proporcionalidade/equilíbrio entre o serviço judiciário prestado e a taxa de justiça devida, com a dispensa do remanescente até aos € 500.000,00, tendo em conta a utilidade económica da acção e a tramitação processual, pelo que a pretensão da recorrente não merece provimento.
A questão de findo controvertida traduz-se em saber se a norma do artigo 87.º-A/1 do CIRC, aditada pela Lei 12-A/2010, que entrou em vigor em 01/07/2010, se aplica ao lucro tributável de todo o ano de 2010, ou apenas ao lucro calculado a partir de 01/07/2010, data da entrada em vigor da Lei 12-A/2010.
Vejamos.
Nos termos do disposto no artigo 12.º/1 da LGT “As normas tributárias aplicam-se aos factos posteriores à sua entrada em vigor, não podendo ser criados quaisquer impostos retroactivos”.
“Se o facto tributário for de formação sucessiva, a lei nova só se aplica ao período decorrido a partir da sua entrada em vigor” (artigo 12.º/2 da LGT).
O artigo 12.º da LGT vai de encontro ao princípio constitucional da proibição da retroactividade da lei fiscal consagrado no artigo 103.º da CRP.
É possível distinguir três graus de retroactividade.
- Retroactividade de 1.º grau, em que “o facto verificou-se por inteiro ao abrigo da lei antiga, tendo já produzido todos os seus efeitos no âmbito dessa lei. A lei nova pretende retirar dos mesmos factos efeitos jurídicos distintos”.
Trata-se de uma retroactividade patente;
- Retroactividade de 2.º grau, em que “o facto também se verificou ao abrigo da lei antiga, aproximando-se por isso da retroactividade de 1.º grau. Mas desta se distingue porque os seus efeitos não se esgotaram por inteiro à sombra da lei velha, antes continuam a produzir-se no domínio temporal da aplicação da lei nova”.
O que tem relevância para determinar a norma temporalmente aplicável é o momento da ocorrência do facto tributário e não aquele em que a norma é concretamente aplicada.
-Retroactividade de 3.º grau, em que “por o facto não se ter verificado por inteiro à sombra da lei antiga, antes se prolongar na sua produção concreta no domínio temporal da lei nova. A situação é particularmente relevante no campo dos impostos periódicos que pressupõem uma acção continuada ao longo do período a que respeitam” (Alberto Xavier, Manual de Direito Fiscal, I, página 192).
Sustenta o referido autor que a retroactividade de 3.º grau não consubstancia uma verdadeira retroactividade, devendo dividir-se os rendimentos, proporcionalmente ao tempo – «pro rata temporis», posição que parece partilhar o normativo do n.º 2 do artigo 12.º da LGT (LGT, anotada e comentada, 4.ª edição, 2012, página 130, Diogo Leite de Campos, Benjamim Rodrigues e Jorge Lopes de Sousa).
A Derrama Estadual, salvo melhor juízo, configura um imposto acessório e não um mero imposto dependente, devido mesmo que o imposto principal, do qual depende, não o seja, pois que, como decorre do respectivo regime jurídico, a Derrama Estadual incide sobre parte do lucro tributável do imposto principal.
Embora o normativo do artigo 87.º-A/1 do CIRC fale em taxa adicional, o mais adequado seria falar em adicionamento, uma vez que, em rigor, os adicionais pressupõem a incidência sobre a colecta dos impostos principais, enquanto que os adicionamentos a pressupõem sobre a respectiva matéria colectável/lucro tributável, como sucede com a Derrama Estadual.
Ou seja, a Derrama Estadual parece configurar um novo imposto e não uma mera taxa adicional ao IRC (Neste sentido decisão arbitral 143/2012-T, de 30/04/2013 e Acórdão do Tribunal Constitucional 430/2016, de 13/07/2016, disponíveis nos sítios da Internet www.caad.pt e www.tribunalconstitucional.pt).
O imposto principal, IRC, à semelhança da Derrama Estadual é um imposto anual, em que não se tributa cada rendimento percebido per si, mas sim o englobamento de todos os rendimentos obtidos num determinado ano, considerando a lei que o facto gerador do imposto se tem por verificado no último dia do período de tributação, nos termos do estatuído no artigo 8.º/9 do CIRC.
O facto tributário, quando duradouro, só se completa no termo do período de tributação. Mas essa natureza do facto tributário não prejudica que se possa fragmentar ou decompor, para efeitos de aplicação no tempo, das normas tributárias, à medida do seu desenvolvimento. Há então lugar a uma verdadeira tributação «pro rata temporis».
Assim, em caso de factos tributários de formação sucessiva como é o rendimento, aplica-se a lei antiga aos rendimentos gerados até à entrada em vigor da lei nova e a lei nova aos rendimentos posteriores. Não contende com os princípios da não retroactividade ou irretroactividade, pois, a aplicação da lei nova aos factos que, embora verificados no seu domínio temporal de aplicação, se iniciaram no domínio da lei antiga desde que nessa aplicação seja respeitado o princípio do fraccionamento, com a consequente tributação do rendimento «pro rata temporis», o que parece a solução mais adequada” (Lei Geral Tributária, anotada, página 91, António Lima Guerreiro).
Ora, o artigo 20.º/1 da Lei 12-A/2010 limita-se a estatuir que o diploma entra em vigor no dia seguinte ao da publicação, inexistindo norma transitória de aplicação da lei no tempo, pelo que, salvo melhor juízo, não se vê como pode ser desaplicado o normativo do artigo 12.º/2 da LGT.
E não se traga à colação o acórdão do TC 399/10, como faz a recorrente, pois que quanto ao IRS, estavam em causa alterações das taxas do imposto e havia norma própria de retroactividade».

1.5 Colheram-se os vistos dos Conselheiros adjuntos.

1.6 Cumpre apreciar e decidir, sendo as questões a dirimir as de saber se a sentença fez correcto julgamento i) quando dispensou o pagamento do remanescente da taxa de justiça apenas relativamente ao valor em que a acção excede € 500.000 e ii) quando anulou a liquidação da derrama estadual do exercício de 2010 na parte respeitante ao período entre 1 de Janeiro de 30 de Junho.


* * *

2. FUNDAMENTAÇÃO

2.1 DE FACTO

A Juíza do Tribunal Tributário de Lisboa deu como provados os seguintes factos:

«1) A impugnante efectuou os seguintes pagamentos adicionais, por conta da derrama estadual relativa ao exercício de 2010, com base no lucro tributável apurado no exercício de 2009:
a) 204.110,55 Eur., a 30 de Julho de 2010;
b) 204.110,55 Eur., a 30 de Setembro de 2010;
c) 204.110,55 Eur., a 15 de Dezembro de 2010 (cfr. fls. 8, do processo administrativo – reclamação graciosa).

2) A impugnante, em 26.05.201; submeteu a Declaração Modelo 22 de IRC, relativa ao exercício de 2010, na qual apurou derrama estadual no valor de 1.429.446,06 Eur. (cfr. fls. 60 a 68, do processo administrativo – reclamação graciosa).

3) Foi pago o imposto apurado na declaração mencionada em 2), a 31.05.2011 (cfr. fls. 41 e 42, do processo administrativo e fls. 58 a 65, do processo administrativo — reclamação graciosa).

4) Na sequência do mencionado em 2), foi emitida, a 25.10.2011, pelos serviços da AT, a liquidação de IRC n.º 2011 2310410343 na qual se liquidou como valor de derrama estadual o referido em 2) (cfr. fls. 41 42, do processo administrativo, e fls. 70, do processo administrativo – reclamação graciosa).

5) A 07.12.2011, a impugnante remeteu, via correio postal registado, aos serviços da AT, reclamação graciosa, requerendo o reembolso do valor de 1.429.446,06 Eur. ou, subsidiariamente, o de 713.926,12 Eur. (correspondente ao primeiro semestre de 2010), relativo à derrama estadual mencionada em 2) e 4) (cfr. fls. 2 a 74, do processo administrativo – reclamação graciosa).

6) Na sequência do mencionado em 5), foi autuado, a 20.12.2011, o procedimento de reclamação graciosa n.º 325520114008081 (cfr. fls. 1, do processo administrativo – reclamação graciosa).

7) Na sequência de projecto de indeferimento da pretensão constante do documento mencionado em 5) e notificação para o exercício, por parte da impugnante, do direito de audição, foi elaborada informação, na Direcção de Finanças de Lisboa, datada de 25.05.2012, da qual consta designadamente o seguinte:
“…
Do Direito
Antes da mais, cumpre notar que não cabe aos órgãos AT pronunciarem-se sobre a eventual inconstitucionalidade de uma norma fiscal, a não ser que a mesma seja manifesta ou haja jurisprudência reiterada nesse sentido.
Com efeito, os órgãos da AT estão vinculados ao princípio da legalidade, tal como está configurado no art. 266.º, n.º 2, da CRP, no art. 3.º do Código do Procedimento Administrativo (CPA) e no art. 55.º da LGT, devendo, por isso, obediência à lei e ao direito presumindo-se que as normas emanadas pelos órgãos de soberania são conformes à Lei Fundamental do nosso país.
Posto isto, é sabido que, de acordo com o art. 87.º-A, n.º 1 do CIRC, introduzido neste diploma pela Lei n.º 12º-A/2010, de 30.06, sobre a parte do lucro tributável superior a (euro) 2.000.000 sujeito e não isento de imposto sobre o rendimento das pessoas colectivas apurado por sujeitos passivos residentes em território português que exerçam, a título principal, uma actividade de natureza comercial, industrial ou agrícola e pôr não residentes com estabelecimento estável em território português incide uma taxa adicional de 2,5%”.
Sobre esta norma, a al. 1) da Informação Vinculativa elaborada junto do processo n.º 2441/2010, com despacho concordante do Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais, identificado através do n.º 564/2010.XVIII, de 10 de Julho de 2010, refere que “[a] derrama estadual prevista no art. 87.º-A do CIRC (…) apenas poderá ser aplicada ao período fiscal da sua entrada em vigor, em conformidade com o disposto no art. 12.º da LGT, ou seja, a partir do exercício de 2010.
Pelo que, relativamente aos sujeitos passivos de IRC que, nos termos do n.º 2 do art. 8.º do CIRC, que tenham adoptado um período anual de imposto diferente do ano civil, que tenha tido início ainda durante o ano de 2009, não deverá ser aplicada a taxa de derrama estadual prevista no art. 87.º-A do CIRC”.
A informação, anteriormente identificada, constitui um regulamento interno com eficácia vinculativa para todos os serviços da AT, em conformidade com o art. 55.º, n.º 2 do CPPT e o art. 68.º-A da LGT, não se confundindo com o procedimento previsto no art. 68.º da LGT, sob a epígrafe «Informações Vinculativas», o qual é desencadeado pelo interessado e só produz efeitos para o caso em apreciação.
Com efeito, a referida informação não se atém a um caso concreto, visando antes esclarecer as dúvidas suscitadas pelos serviços quanto à aplicação da derrama estadual e divulgar orientações genéricas sobre a matéria.
Deste modo, não podem estes serviços, no âmbito do presente procedimento, estipular um entendimento diverso daquele que acima se transcreveu, não devendo, por isso, ser reconhecida qualquer razão à Reclamante.
...” (cfr. fls. 6 a 62, dos autos, e fls. 89 a 106 do processo administrativo – reclamação graciosa).

8) Na sequência da informação mencionada em 7) e de parecer de concordância, foi proferido, a 29.05.2012, despacho de indeferimento da reclamação graciosa mencionada em 5), pelo Director de Finanças adjunto da Direcção de Finanças de Lisboa, com o seguinte teor:
“…
Concordo, pelo que convolo em definitivo o projecto de decisão e, com os fundamentos constantes daquele, bem com a presente informação e respectivo parecer, indefiro o pedido.
Notifique-se.
….”
(cfr. fls. 56 a 62, dos autos, e fls. 89 a 106 do processo administrativo – reclamação graciosa)».


*

2.2 DE DIREITO

2.2.1 AS QUESTÕES A APRECIAR E DECIDIR

Em 1 de Julho de 2010 entrou em vigor a Lei n.º 12-A/2010, de 30 de Junho (ELI: https://data.dre.pt/eli/lei/12-a/2010/06/30/p/dre/pt/html.), de acordo com o disposto no n.º 1 do seu art. 20.º, que dispõe: «A presente lei entra em vigor no dia seguinte ao da sua publicação, salvo o disposto nos números seguintes».
Essa Lei, que aprovou «um conjunto de medidas adicionais de consolidação orçamental que visam reforçar e acelerar a redução de défice excessivo e o controlo do crescimento da dívida pública previstos no Programa de Estabilidade e Crescimento (PEC)», entre outras alterações e pelo seu art. 2.º, aditou ao Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas (CIRC) os arts. 87.º-A, 104.º-A e 105.º-A, com a seguinte redacção: «

Artigo 87.º-A
Derrama estadual
1- Sobre a parte do lucro tributável superior a (euro) 2 000 000 sujeito e não isento de imposto sobre o rendimento das pessoas colectivas apurado por sujeitos passivos residentes em território português que exerçam, a título principal, uma actividade de natureza comercial, industrial ou agrícola e por não residentes com estabelecimento estável em território português, incide uma taxa adicional de 2,5 %.
2- Quando seja aplicável o regime especial de tributação dos grupos de sociedades, a taxa a que se refere o número anterior incide sobre o lucro tributável apurado na declaração periódica individual de cada uma das sociedades do grupo, incluindo a da sociedade dominante.
3- Os sujeitos passivos referidos nos números anteriores devem proceder à liquidação da derrama adicional na declaração periódica de rendimentos a que se refere o artigo 120.º
Artigo 104.º-A
Pagamento da derrama estadual
1- As entidades que exerçam, a título principal, uma actividade de natureza comercial, industrial ou agrícola e os não residentes com estabelecimento estável devem proceder ao pagamento da derrama estadual nos termos seguintes:
a) Em três pagamentos adicionais por conta, de acordo com as regras estabelecidas na alínea a) do n.º 1 do artigo 104.º;
b) Até ao último dia do prazo fixado para o envio da declaração periódica de rendimentos a que se refere o artigo 120.º, pela diferença que existir entre o valor total da derrama estadual aí calculado e as importâncias entregues por conta nos termos do artigo 105.º-A;
c) Até ao dia do envio da declaração de substituição a que se refere o artigo 122.º, pela diferença que existir entre o valor total da derrama estadual aí calculado e as importâncias já pagas.
2- Há lugar a reembolso ao sujeito passivo, pela respectiva diferença, quando o valor da derrama estadual apurado na declaração for inferior ao valor dos pagamentos adicionais por conta.
3- São aplicáveis às regras de pagamento da derrama estadual não referidas no presente artigo as regras de pagamento de imposto sobre o rendimento das pessoas colectivas, com as necessárias adaptações.
Artigo 105.º-A
Cálculo do pagamento adicional por conta
1- As entidades obrigadas a efectuar pagamentos por conta e pagamentos especiais por conta devem efectuar o pagamento adicional por conta nos casos em que no período de tributação anterior fosse devida derrama estadual nos termos referidos no artigo 87.º-A.
2- O valor dos pagamentos adicionais por conta devidos nos termos da alínea a) do n.º 1 do artigo 104.º-A é igual a 2 % da parte do lucro tributável superior a (euro) 2 000 000 relativo ao período de tributação anterior.
3- Quando seja aplicável o regime especial de tributação dos grupos de sociedades, é devido pagamento adicional por conta por cada uma das sociedades do grupo, incluindo a sociedade dominante».
Visando dar cumprimento a estas novas regras, a sociedade recorrida efectuou em Julho, em Setembro e em Dezembro de 2010 pagamentos por conta (no montante total de € 204.110,55 cada um) da derrama estadual relativa ao ano de 2010, com base no lucro tributável apurado no ano anterior e, quando da apresentação da declaração modelo 22, em Maio de 2011, apurou o valor da derrama estadual (€ 1.429.446,06), tendo pago a diferença no último dia desse mês e ano. Em Outubro de 2011, a AT procedeu à liquidação da derrama em valor igual ao apurado pela ora Recorrida.
Em Dezembro de 2012, esta apresentou reclamação graciosa pedindo o reembolso do valor da derrama liquidada com referência ao exercício de 2010 (€ 1.429.446,06) ou, subsidiariamente o valor da mesma derrama correspondente ao 1.ª semestre desse ano (€ 713.926,12), pedidos que foram indeferidos.
Na sequência desse indeferimento, a ora Recorrida deduziu impugnação judicial e a sentença deu-lhe razão em parte, pois considerou que a derrama estadual criada pela Lei n.º 12-A/2010, de 30 de Junho, pode aplicar-se ao ano de 2010, mas apenas ao segundo semestre desse ano. Resumidamente:
Depois de referir que aquela Lei não estabeleceu norma alguma que determine a aplicação da derrama a todo o exercício de 2010, a Juíza do Tribunal Tributário de Lisboa entendeu que, para a sua aplicação no tempo, há que convocar a regra do art. 12.º da LGT.
Assim – continuou a sentença –, quanto à derrama estadual, «quer se configure como uma sobretaxa do imposto sobre o rendimento das pessoas colectivas, quer como um imposto distinto […], o facto tributário é de formação sucessiva, só se determinando no final do exercício (cfr. art. 8.º, n.º 9, do CIRC)»; o que significa que o facto tributário ocorre, em parte, em momento ulterior ao da entrada em vigor da lei em causa (1 de Julho de 2010), motivo por que esta sempre deverá aplicar-se ao segundo semestre do ano de 2010.
Depois de estabelecer o âmbito da aplicação temporal da derrama, a sentença passou a averiguar da verificação dos vícios de inconstitucionalidade e de ilegalidade assacados ao acto impugnado na petição inicial. Começou por estes últimos, porque a Juíza do Tribunal a quo considerou serem os que garantem maior tutela à Impugnante, na medida em que aqueles, a procederem, não lhe concederiam o direito a juros indemnizatórios, de acordo com a jurisprudência do Supremo Tribunal Administrativo, que citou (No sentido de que a inconstitucionalidade da norma ao abrigo da qual foi efectuada a liquidação não comporta para a AT a obrigação de pagar juros indemnizatórios, a Juíza do Tribunal a quo citou os seguintes acórdãos da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:
- de 21 de Janeiro de 2015, proferido no processo n.º 470/14, disponível em
http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/2a7eb76387e5463080257dd900387fa6;
- de 21 de Janeiro de 2015, proferido no processo n.º 703/14, disponível em
http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/b852d90b97f399b180257dd6004f2c15;
- de 4 de Março de 2015, proferido no processo n.º 1529/14, disponível em
http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/34af21b03b79ed3380257e03003b403a.).
Assim, começou por averiguar da invocada violação do n.º 2 do art. 12.º da LGT pela AT, que, como resulta da decisão da reclamação graciosa, seguiu a interpretação veiculada na informação n.º 2441/2010, com despacho do Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais n.º 564/2010.XVIII, de 19 de Julho de 2010 (Disponível em
http://info.portaldasfinancas.gov.pt/pt/informacao_fiscal/informacoes_vinculativas/rendimento/circ/Documents/inf-vinc_Derrama_Estadual.pdf.).
Interpretando esta norma à luz do art. 103.º da Constituição da República Portuguesa (CRP), a Juíza do Tribunal Tributário de Lisboa começou por salientar a vigência na nossa ordem jurídica do princípio da não retroactividade da lei fiscal, para, logo de seguida, referir a posição assumida pelo Tribunal Constitucional a esse respeito, de que a CRP apenas veda a retroactividade autêntica. Isto com base na distinção entre «retroactividade autêntica ou de primeiro grau, que se verifica quando os efeitos da lei nova se pretendem projectar sobre factos que se verificaram integralmente antes da sua entrada em vigor, e a inautêntica, que abrange, designadamente, situações de rendimento ainda em formação».
Depois de um excurso sobre a jurisprudência constitucional em torno do princípio da não retroactividade da lei fiscal (Foram citados os seguintes acórdãos do Tribunal Constitucional:
- n.º 128/2009, de 12 de Março de 2009, proferido no processo n.º 772/07, disponível em
http://www.tribunalconstitucional.pt/tc/acordaos/20090128.html;
- n.º 399/2010, de 27 de Outubro de 2010, proferido nos processos n.ºs 523 e 524/10, disponível em
http://www.tribunalconstitucional.pt/tc/acordaos/20100399.html.), concluiu que a situação dos autos não se configura como de retroactividade autêntica, uma vez que, qualquer que seja a natureza da derrama, o facto tributário é de formação sucessiva e só se determina no final do exercício, como decorre do n.º 9 do art. 8.º do CIRC.
No entanto, prosseguiu a sentença, porque a Lei n.º 12-A/2010, de 30 de Junho, entrou em vigor no dia seguinte ao da sua publicação e «não estando prevista na mesma qualquer aplicação do seu art. 2.º ao exercício de 2010 na sua totalidade» (Estabeleceu ainda uma comparação com as introduções introduzidas pela mesma Lei n.º 12-A/2010 para o IRS.), nem qualquer outra regra de aplicação no tempo, há que aplicar o n.º 2 do art. 12.º da LGT, norma onde estão contemplados os casos de retroactividade inautêntica. Conclui, assim, que, perante um facto tributário de formação sucessiva, a lei nova só pode aplicar-se ao período decorrido após a sua entrada em vigor, ou seja, aos factos ocorridos após essa data, devendo utilizar-se um critério pro rata temporis nos casos, como o sub judice, de o facto tributário ser de formação sucessiva. Em abono desta tese, invocou jurisprudência deste Supremo Tribunal (Acórdão da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo de 4 de Dezembro de 2013, proferido no processo n.º 1582/13, disponível em
http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/eb432a58340b5d5780257c3f00443349.) e doutrina (Citou:
JOSÉ MARIA FERNANDES PIRES, GONÇALO BULCÃO, JOSÉ RAMOS VIDAL e MARIA JOÃO MENEZES, Lei Geral Tributária Comentada e Anotada, Almedina, Coimbra, 2010, pág. 105;
ANTÓNIO LIMA GUERREIRO, Lei Geral Tributária, Rei dos Livros, Lisboa, anotação 3 ao art. 12.º, págs. 90/91;
DIOGO LEITE DE CAMPOS, BENJAMIM SILVA RODRIGUES e JORGE LOPES DE SOUSA, Lei Geral Tributária Anotada e Comentada, Encontro da Escrita, 4.ª edição, Lisboa, 2012, anotação 6 ao art. 12.º, págs. 129/131;
DIOGO ORTIGÃO RAMOS e FERNANDO LANÇA MARTINS, A proibição da retroactividade da lei fiscal no âmbito do estado de direito, Revista de Finanças Públicas e Direito Fiscal, Coimbra, ano IV, n.º 3, págs. 219/244, maxime 242.).
Deu, pois, como certo que a derrama estadual só poderia ter incidido sobre o lucro tributável calculado entre 1 de Julho de 2010 e 31 de Dezembro de 2010, no pressuposto de que o exercício é coincidente com o ano civil e, porque incidiu sobre todo o ano de 2010, a respectiva liquidação padece de erro sobre os pressupostos de direito, a determinar a anulação da autoliquidação da derrama na parte relativa ao primeiro semestre de 2010.
Mais considerou, também fazendo apelo à jurisprudência (Citou os seguintes acórdãos da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:
- de 20 de Novembro de 2004, proferido no processo n.º 1052/04, disponível em
http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/17181249d8189fce80256f77004d55f8;
- de 12 de Novembro de 2009, proferido no processo n.º 681/09, disponível em
http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/a11b09f59a0bdb3f8025767700526be2;
- de 14 de Setembro de 2011, proferido no processo n.º 433/11, disponível em
http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/ed43df1142218f4d80257913004cccad.) e à doutrina (Citou JORGE LOPES DE SOUSA, Código de Procedimento e de Processo Tributário anotado e comentado, Áreas Editora, 6.ª edição, I volume, anotações a2) e b) ao art. 61.º, págs. 537/540.), serem devidos juros indemnizatórios, nos termos do disposto no art. 43.º, n.º 1, da LGT, relativamente ao pagamento efectuado em excesso e desde a data em que este foi efectuado até à emissão da nota de crédito, uma vez que é de considerar que, na parte anulada, a liquidação enferma de erro-vício imputável aos serviços.
Relativamente à dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça, pedida pela Fazenda Pública, a sentença entendeu que a «complexidade das questões envolvidas» não permitia a dispensa total do pagamento do remanescente da taxa de justiça, motivo por que, de acordo com os critérios jurisprudencialmente fixados (Citou o acórdão da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo de 7 de Maio de 2014, proferido no processo n.º 1953/13, disponível em
http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/08669054164750cc80257cd600455a0e.), entendeu adequado e proporcional «dispensar o pagamento de taxa de justiça na parte que exceda os 500.000,00 Eur».
A Fazenda Pública discorda da sentença nos termos constantes das conclusões acima transcritas.
Assim, as questões que cumpre apreciar e decidir são as de saber se a sentença recorrida fez correcto julgamento
i) quando dispensou o pagamento do remanescente da taxa de justiça apenas na parte em que o valor da acção excede os € 500.000, ao invés de conceder a requerida dispensa total (cfr. conclusões I a X);
ii) quando anulou a liquidação da derrama no período respeitante a primeiro semestre do no de 2010 por considerar que a tributação nesse período seria violadora dos princípios que norteiam a aplicação da lei fiscal no tempo, designadamente o n.º 2 do art. 12.º da LGT (cfr. conclusões I e XI a XLVI);
iii) quando condenou a AT a pagar juros indemnizatórios (cfr. conclusão XLVII).

2.2.2 DA DISPENSA DO PAGAMENTO DO REMANESCENTE DA TAXA DE JUSTIÇA

A Impugnante pediu a dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça.
A Juíza do Tribunal Tributário de Lisboa deferiu esse pedido apenas na parte em que o valor da acção excede os € 500.000,00. Ou seja, admitindo que o valor do remanescente da taxa de justiça a pagar em face do valor da acção – € 1.429.446,06 – seria excessivo, em face dos factores de ponderação que enumerou, considerou, no entanto, que a «complexidade das questões envolvidas» não permitia a dispensa total do pagamento do remanescente da taxa de justiça, motivo por que, de acordo com aqueles critérios, entendeu adequado e proporcional «dispensar o pagamento de taxa de justiça na parte que exceda os 500.000,00 Eur».
A Fazenda Pública discorda e alega que o valor a pagar de remanescente – que calculou em € 3.947,40 para cada uma das partes – é «muito superior aos serviços prestados pelo Tribunal, pecando por excessivo, desajustado e desproporcionado».
A nosso ver, o julgamento efectuado quanto à dispensa do remanescente da taxa de justiça não enferma de erro algum. Vejamos:
Nos termos do n.º 7 do art. 6.º do RCP, «[n]as causas de valor superior a (euro) 275.000, o remanescente da taxa de justiça é considerado na conta a final, salvo se a especificidade da situação o justificar e o juiz de forma fundamentada, atendendo designadamente à complexidade da causa e à conduta processual das partes, dispensar o pagamento».
Como este Supremo Tribunal Administrativo tem vindo a afirmar, a dispensa do remanescente da taxa de justiça tem natureza excepcional, pressupõe uma menor complexidade da causa e uma simplificação da tramitação processual aferida pela especificidade da situação processual e pela conduta das partes.
No que respeita à simplificação da tramitação processual, seja em razão da específica situação processual, seja pela conduta processual das partes, que se limitou ao que lhes é exigível e legalmente devido, não descortinamos motivo para a requerida dispensa
Por outro lado, também se nos afigura insustentável a defesa da menor complexidade da causa. A presente impugnação judicial, pelas questões jurídicas nela suscitadas – que se referem à aplicação da lei no tempo sob a perspectiva da aplicação da lei nova aos factos tributários de formação sucessiva – deve até considerar-se de complexidade superior à média.
No entanto, há que ter em conta que o valor do remanescente da taxa de justiça em 1.ª instância ascenderia a € 12.688,04 (€ 1.429.446,06 – € 275.000 = € 1.154.446,06; € 1.154.446,06 / 25.000 = 46,177; 46 x (3 x € 102) = € 14.076; € 14.076 x 90% = € 12.688,04).
Foi por ter considerado esse valor excessivo, que a Juíza do Tribunal Tributário de Lisboa decidiu dispensar o pagamento do remanescente da taxa de justiça na parte em que o valor da acção excede os € 500.000, de que resulta o valor a pagar de € 2.478,60 (€ 500.000 – € 275.000 = € 225.000; € 225.000 / 25.000 = 9; 9 x (3 x € 102) = € 2.754; € 2.754 x 90% = € 2.478,60)
A Fazenda Pública considera que, ainda assim, esse valor será «muito superior aos serviços prestados pelo Tribunal, pecando por excessivo, desajustado e desproporcionado».
É certo que a taxa de justiça, como todas as taxas, assume natureza bilateral ou correspectiva (cfr. arts. 3.º, n.º 2, e 4.º, n.º 2, da Lei Geral Tributária), constituindo a contrapartida devida pela utilização do serviço público da justiça por parte do sujeito passivo.
Porém, como este Supremo Tribunal tem vindo a afirmar (Nesse sentido, a título exemplificativo e com citação de numerosa jurisprudência, o seguinte acórdão da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:
- de 8 de Outubro de 2014, proferido no processo n.º 221/12, disponível em
http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/251bdf3381d62ed580257d730037ac0d.), não se exige uma equivalência rigorosa entre o valor da taxa e o custo do serviço, que, as mais das vezes, nem seria viável apurar com rigor. Assim, como afirmou já o Tribunal Constitucional, o legislador dispõe de uma «larga margem de liberdade de conformação em matéria de definição do montante das taxas»; mas, como logo advertiu o mesmo Tribunal, é necessário que «a causa e justificação do tributo possa ainda encontrar-se, materialmente, no serviço recebido pelo utente, pelo que uma desproporção manifesta ou flagrante com o custo do serviço e com a sua utilidade para tal utente afecta claramente uma tal relação sinalagmática que a taxa pressupõe» (Cfr. os seguintes acórdãos do Tribunal Constitucional:
- n.º 227/2007, de 28 de Março de 2007, proferido no processo n.º 946/05, disponível em
http://www.tribunalconstitucional.pt/tc/acordaos/20070227.html;
- n.º 421/2013, de 15 de Julho de 2013, proferido no processo n.º 907/12, disponível em
http://www.tribunalconstitucional.pt/tc/acordaos/20130421.html.).
Mais tem vindo a considerar a jurisprudência constitucional que «os critérios de cálculo da taxa de justiça, integrando normação que condiciona o exercício do direito fundamental de acesso à justiça (art. 20.º da Constituição), constituem, pois, a essa luz, zona constitucionalmente sensível, sujeita, por isso, a parâmetros de conformação material que garantam um mínimo de proporcionalidade entre o valor cobrado ao cidadão que recorre ao sistema público de administração da justiça e o custo/utilidade do serviço que efectivamente lhe foi prestado (artigos 2.º e 18.º, n.º 2, da mesma Lei Fundamental), de modo a impedir a adopção de soluções de tal modo onerosas que se convertam em obstáculos práticos ao efectivo exercício de um tal direito».
Note-se, aliás, que foi para obviar à violação desses princípios constitucionais que o art. 2.º da Lei n.º 7/2012, de 13 de Fevereiro, aditou ao art. 6.º do RCP o n.º 7, que veio permitir (poder-dever) que se atenda ao referido limite máximo de € 275.000,00 e a dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça nas situações também já referidas (Para maior desenvolvimento, vide o acórdão da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo de 9 de Julho de 2014, proferido no processo n.º 1319/13, disponível em
http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/b9dbbe59c0cd923880257d16002f0290.
Como nesse aresto ficou dito, «No acórdão n.º 421/2013, de 15/7/2013, processo n.º 907/2012, in DR, 2.ª série - n.º 200, de 16/10/2013, pp. 31096 a 31098, o Tribunal Constitucional havia julgado inconstitucionais, por violação do direito de acesso aos tribunais, consagrado no art. 20.º da CRP, conjugado com o princípio da proporcionalidade, decorrente dos arts. 2.º e 18.º, n.º 2, segunda parte, da CRP, as normas contidas nos arts. 6.º e 11.º, conjugadas com a tabela I-A anexa, do Regulamento das Custas Processuais, na redacção introduzida pelo DL n.º 52/2011, de 13/4, (anteriormente, portanto, à alteração introduzida pela Lei n.º 7/2012, de 13/2) quando interpretadas no sentido de que o montante da taxa de justiça é definido em função do valor da acção sem qualquer limite máximo, não se permitindo ao tribunal que reduza o montante da taxa de justiça devida no caso concreto, tendo em conta, designadamente, a complexidade do processo e o carácter manifestamente desproporcional do montante exigido a esse título.
Neste mesmo sentido se decidira já nos acs. desta Secção do STA, de 31/10/12 e de 26/4/2012, nos procs. n.ºs 0819/12 e 0768/11, respectivamente».).
É certo que o juízo de proporcionalidade entre a taxa cobrada e o valor do serviço prestado se apresenta como problemático, pois envolve a ponderação de diversas variáveis, nem todas objectivas. Mas nem por isso o tribunal se pode eximir do mesmo.
Assim, aplicando a referida interpretação normativa ao caso dos autos, ponderada a simplicidade formal da tramitação dos autos (A tramitação da impugnação judicial seguiu a seguinte marcha: petição inicial, contestação, produção da prova documental, alegações escritas, parecer do Ministério Público, sentença, requerimento de interposição do recurso dessa decisão, admissão do recurso e sua remessa ao tribunal ad quem.) e o comportamento processual da partes, mas também o elevado valor da causa (quase um milhão e meio de euros de imposto em discussão) e a utilidade económica dos interesses a ela associados, a complexidade da relação material controvertida – que, vimos já, se situa acima da média, e se traduz também na extensão das peças processuais apresentadas quer pela Impugnante quer pelo Representante da Fazenda Pública (A petição inicial tem 240 artigos, a contestação tem 61 artigos e as alegações apresentadas pela Impugnante previamente à sentença ocupam 12 folhas.) –, considera-se adequado o juízo formulado pela 1.ª instância, que dispensou o pagamento do remanescente da taxa de justiça na parte que corresponderia ao excesso sobre o valor tributário de € 500.000.
Note-se, finalmente e justificando a dispensa parcial, que a norma do citado n.º 7 do art. 6.º do RCP, referindo apenas a dispensa, deve ser interpretada no sentido de ao juiz ser lícito dispensar o pagamento, quer da totalidade, quer de uma fracção ou percentagem do remanescente da taxa de justiça devida pelo facto de o valor da causa exceder o patamar de € 275.000, consoante o resultado da ponderação das especificidades da situação, feita à luz dos princípios da proporcionalidade e da igualdade (Admitindo a dispensa parcial do pagamento do remanescente da taxa de justiça e também decidindo nesse sentido, respectivamente, os seguintes acórdãos da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:
- de 7 de Maio de 2014, proferido no processo n.º 1953/13 disponível em
http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/08669054164750cc80257cd600455a0e;
- de 3 de Dezembro de 2014, proferido no processo n.º 1351/14, disponível em
http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/928de9796124623280257dc8004e1289;
- de 23 de Novembro de 2016, proferido no processo n.º 923/16, disponível em
http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/4512fb7b603617a5802580760051cb4e.).
Tendo presente o que deixámos dito, entendemos que o julgamento efectuado pelo Tribunal Tributário de Lisboa relativamente à dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça não merece censura alguma.

2.2.3 DA APLICAÇÃO DA LEI NO TEMPO

A Recorrente entende que a sentença fez errado julgamento quando considerou que a derrama estadual criada pela Lei n.º 12-A/2010, de 30 de Junho, e que entrou em vigor em 1 de Julho de 2010, só pode incidir sobre a parte do lucro tributável correspondente ao segundo semestre do ano de 2010, defendendo que a mesma deve aplicar-se a todo o lucro tributável desse ano. Ou seja, a divergência reside no modo como a Recorrente entende que a lei nova se projecta no tempo: a derrama estadual deve abranger apenas os factos ocorridos após a sua entrada em vigor ou também aqueles ocorridos ou iniciados antes da sua entrada em vigor?
Antes do mais, cumpre ter presente – como a sentença bem salientou – que a Lei n.º 12-A/2012 não contém disposição alguma que responda a essa questão (Na verdade, a Lei n.º 12-A/2010, de 30 de Junho, não contém norma nenhuma que dê resposta à questão. Apesar de no art. 20.º, que tem como epígrafe “Entrada em vigor”, ter introduzido algumas regras de direito transitório, designadamente nos seus n.ºs 3 e 4, o legislador entendeu não regular a questão no que respeita à derrama estadual por ela criada.). Assim, a resposta há-de encontrar-se nas regras que regulam a aplicação da lei fiscal no tempo, designadamente o disposto no n.º 2 do art. 12.º da LGT (Neste sentido, por todos, os seguintes acórdãos do Pleno da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:
- de 16 de Setembro de 2015, proferido no processo n.º 1292/14, disponível em
http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/098569d74503fa6280257ec9004ce088;
- de 16 de Setembro de 2015, proferido no processo n.º 1504/14, disponível em
http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/957cf37c72de300a80257ec7003ce043;
- de 2 de Dezembro de 2015, proferido no processo n.º 734/15, disponível em
http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/65f001c7c16265c980257f17005816df.), que deve ser interpretado de acordo com o art. 103.º da CRP. Estabelece o art. 12.º da LGT, que tem aplicação nos casos, como o sub judice, em que o legislador não regule expressamente a questão da aplicação no tempo de uma nova lei: «
1- As normas tributárias aplicam-se aos factos posteriores à sua entrada em vigor, não podendo ser criados quaisquer impostos retroactivos.
2- Se o facto tributário for de formação sucessiva, a lei nova só se aplica ao período decorrido a partir da sua entrada em vigor».
Como bem salientou a sentença recorrida, o art. 12.º da LGT contém no seu n.º 1 uma regra de âmbito geral no sentido de que as normas se aplicam aos factos tributários ocorridos depois da sua entrada em vigor e, no seu n.º 2, uma norma especial, que regula o âmbito de aplicação das normas tributárias no caso de factos tributários de formação sucessiva, sendo esta última que há que convocar para decidir a impugnação judicial, uma vez que, qualquer que seja a natureza da derrama estadual – como um novo imposto ou como taxa adicional de IRC (Subscrevemos a posição de que se trata de um imposto, aderindo à fundamentação a esse propósito expendida pelo Tribunal Constitucional no acórdão n.º 430/2016, de 13 de Julho de 2016, proferido no processo n.º 367/13, disponível em
http://www.tribunalconstitucional.pt/tc/acordaos/20160430.html.
Aí, depois de se dizer que «do contexto (legislativo, económico e financeiro) do imposto em causa enunciado pelo legislador pode retirar-se a conclusão de se tratar, em grande medida, de um imposto contingente, procurando o Estado encontrar nesta «medida adicional» uma fonte de receitas destinada à necessária consolidação orçamental com vista à redução do défice excessivo e ao controlo do crescimento da dívida pública (indicando a derrama estadual como exemplo de uma medida de agravamento fiscal, vd. SUSANA TAVARES DA SILVA, «Sustentabilidade e solidariedade em tempos de crise» in JOSÉ CASALTA NABAIS e SUSANA TAVARES DA SILVA (org.), Sustentabilidade Fiscal em Tempos de Crise, Coimbra, Almedina, 2011, pp. 61-91, p. 78, em especial, nota 36)», conclui-se:
«No plano da análise jurídica, retira-se dos ensinamentos da doutrina fiscalista tratar-se de um imposto acessório (relativamente ao IRC, imposto principal) que reveste a modalidade de adicionamento (e não de adicional), por incidir sobre a matéria colectável do imposto principal e não sobre a sua colecta. Não obstante o legislador se lhe referir como taxa adicional, a derrama prevista no artigo 87.º-A do Código do IRC é considerada um «adicionamento» e não um «adicional» ao IRC – JOSÉ CASALTA NABAIS indica expressamente, como exemplo de adicionamento, «a derrama estadual que, prevista no artigo 87.º-A do Código do IRC, incide sobre o lucro tributável à taxa progressiva em três escalões (de 3%, 5% e 7%) sobre o lucro tributável superior a € 1.5000.000)» (cfr. Manual de Direito Fiscal, 8.ª edição, Coimbra, Almedina, 2015, p. 81), apesar de, como também assinala o Autor, a lei lhe reservar a designação de “adicional” (cfr. idem, nota 11)») –, o facto de esta se apurar com base no lucro tributável para efeitos de IRC, significa que o facto tributário é complexo e de formação sucessiva (Cfr. SÉRGIO VASQUES, Manual de Direito Fiscal, 2.ª edição, Almedina, 2014, págs. 229/232.), sendo que o lucro tributável só se determina no final do exercício (cfr. art. 8.º, n.º 9, do CIRC).
Nos termos do n.º 2 do art. 12.º da LGT, nos casos, como o sub judice, em que a lei nova entra em vigor a meio do ano, quando já está em curso o facto tributário de formação sucessiva, a tributação só deve incidir sobre o período ulterior à entrada em vigor dessa lei (Cfr. SÉRGIO VASQUES, ibidem, pág. 232.). Ou seja, o facto tributário deverá ser fraccionado, aplicando-se a lei antiga aos rendimentos gerados até à entrada em vigor da lei nova e aplicando-se a lei nova aos rendimentos gerados após a sua entrada em vigor. É nisto que reside o critério pro rata temporis que o legislador consagrou naquela disposição legal.
Esse critério legal visa, como também salientou a sentença com recurso à indicação de numerosa doutrina, obviar à aplicação retroactiva da lei fiscal, que, no caso, se verificaria caso a Lei n.º 12-A/2010 pretendesse, designadamente através de uma disposição de direito transitório nela integrada, ser também aplicável ao período do ano de 2010 já decorrido à data da sua entrada em vigor.
Na verdade, a posição sustentada pela Recorrente, pretendendo que a derrama estadual criada por aquela Lei, que entrou em vigor em 1 de Julho de 2010, fosse também aplicada ao primeiro semestre desse ano, ou seja, a uma parte do lucro tributável gerado antes da data da sua entrada em vigor – o que vimos não acontecer por ser aplicável o critério pro rata temporis consagrado no n.º 2 do art. 12.º da LGT – levaria a uma situação de aplicação retroactiva da lei fiscal, que temos por constitucionalmente vedada (cfr. art. 103.º, n.º 3, da CRP).
Pese embora o esforço argumentativo desenvolvido nas alegações de recurso, a Recorrente, salvo o devido respeito, não ensaiou qualquer tentativa de afastar a aplicação do n.º 2 do art. 12.º da LGT à situação dos autos.
A aplicação do critério proposto pela Recorrente, fazendo incidir a taxa estadual sobre o lucro tributável gerado ao longo de todo o ano de 2010, tendo em conta que a Lei n.º 12-A/2010 entrou em vigor em 1 de Julho de 2010, configuraria, na parte respeitante ao primeiro semestre do ano, um caso de retroactividade (de primeiro grau ou autêntica, na classificação proposta pela doutrina e subscrita pelo Tribunal Constitucional), que a CRP não admite.
Na verdade, em 1997 foi introduzida na CRP a proibição da retroactividade das normas fiscais em 1997 (art. 103.º, n.º 3) e, em 1998, essas regras foram acolhidas na LGT, impondo-se o respeito pelas mesmas na aplicação da lei fiscal no tempo.
No caso impõe-se observar o n.º 2 do art. 12.º da LGT pois, como vimos, a Lei n.º 12-A/2010 não contém norma alguma em sentido diverso.
Em conclusão, como bem decidiu a sentença recorrida, é ilegal a aplicação de derrama estadual sobre a parte do lucro tributável correspondente ao período ocorrido antes da sua entrada em vigor por violação do disposto no n.º 2 do art. 12.º da LGT, ilegalidade que determina a anulação da liquidação na parte correspondente a esse período.

2.2.4 DOS JUROS INDEMNIZATÓRIOS

Finalmente, a Recorrente discorda da sua condenação ao pagamento de juros indemnizatórios. Considera que se não verifica um dos requisitos enumerados no art. 43.º da LGT para que tal condenação fosse possível, qual seja o erro imputável aos serviços.
Aparentemente, parece entender que não há direito a juros indemnizatórios porque a liquidação impugnada não enferma de ilegalidade alguma. Mas, a sua alegação também pode ser encarada sob a óptica de que, porque estamos perante autoliquidação, não pode imputar-se aos serviços da AT o erro que determinou a anulação parcial do acto tributário impugnado.
Acontece, porém, que a ora Recorrida, quando da apresentação da declaração, em Maio de 2011, se limitou a seguir o entendimento da AT sobre a questão e por ela veiculado, designadamente na já referida informação n.º 2441/2010, com despacho do Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais n.º 564/2010.XVIII, de 19 de Julho de 2010.
Considera-se por isso verificado um erro imputável aos serviços, com a consequente obrigação de pagamento de juros indemnizatórios, nos termos do art. 43.º, n.ºs 1 e 2, da LGT, na parte em que a impugnação judicial logrou procedência.

2.2.5 CONCLUSÕES

Preparando a decisão, formulamos as seguintes conclusões:

I - Na ausência de norma de direito transitório e atento o disposto no n.º 2 do art. 12.º da LGT, a derrama estadual criada pela Lei n.º 12-A/2010, de 30 de Junho, apenas se pode aplicar à parte do lucro tributável correspondente ao período ocorrido a partir de 1 de Julho de 2010, data de entrada em vigor daquela Lei.

II - Ainda que a liquidação tenha sido efectuada com base na declaração apresentada pelo contribuinte, considera-se que o erro que determinou a sua anulação é imputável aos serviços se decorre da observância pelo contribuinte das instruções divulgadas pela AT (cfr. art. 43.º, n.ºs 1 e 2, da LGT).

III - Nos casos em que o valor da causa excede € 275.000,00, justifica-se a dispensa do remanescente da taxa de justiça devida em 1.ª instância, ainda que parcial, ao abrigo do disposto no n.º 7 do art. 6.º do RCP, se a conduta processual das partes não obstar a essa dispensa e se, não obstante a questão aí decidida se afigurar de complexidade superior à média, o montante resultante da aplicação da Tabela anexa ao RCP se afigurar manifestamente desproporcionado em face do concreto serviço prestado, pondo em causa a relação sinalagmática que a taxa pressupõe.


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3. DECISÃO

Em face do exposto, os juízes da Secção do Contencioso Tributário deste Supremo Tribunal Administrativo, em conferência, acordam em negar provimento ao recurso.

Custas pela Recorrente, dispensando-se o pagamento do remanescente da taxa de justiça na parte em que a impugnação judicial excede o valor de € 500.000, pelos motivos expostos em 2.2.2 e que aqui são replicáveis.


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Lisboa, 7 de Novembro de 2018. – Francisco Rothes (relator) – Aragão Seia – Dulce Neto.