Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
4910/08.9TDLSB.L1-3-1ªPARTE
Relator: MARIA MARGARIDA ALMEIDA
Descritores: CRIME DE FRAUDE FISCAL QUALIFICADA
CONSUMPÇÃO
PRINCÍPIO NEMO TENETUR SE IPSUM ACCISARE
PRINCÍPIO “NON BIS IN IDEM”
NORMAS ADMINISTRATIVAS E NORMAS PENAIS
ABUSO DE CONFIANÇA
BURLA QUALIFICADA
BRANQUEAMENTO DE CAPITAIS
BEM JURÍDICO PROTEGIDO
DEFESA TÉCNICA E AUTO DEFESA
PRESCRIÇÃO DO PROCEDIMENTO CRIMINAL
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 10/16/2019
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: N
Texto Parcial: S
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: PROVIDO EM PARTE
Sumário: O prazo para interposição de recurso não se suspende com a apresentação do pedido de aclaração do despacho recorrido.

É inaplicável ao crime de fraude fiscal qualificada, com recurso a facturas falsas e com reflexo na tributação do IVA, o disposto no artigo 45º da LGT e no artigo 21º, nº 3, do Regime Geral das Infracções Tributárias, uma vez que a verificação de tal crime não depende de liquidação administrativa do imposto.

Inexiste relação de consumpção entre o crime de abuso de confiança e o crime de burla qualificada pois, embora em ambos os crimes o bem jurídico protegido seja a defesa do património, a tutela legal diversa e autónoma é dirigida aos diferentes modos como se processa o alcançar de tal desígnio - o ataque aos bens de outrem.

Inexiste, igualmente, consumpção entre o crime de branqueamento de capitais e os crimes de burla e de abuso de confiança, pois o crime de branqueamento de capitais tutela a pretensão estadual ao confisco das vantagens do crime, concretamente, o interesse da justiça na detecção e perda das vantagens de certos crimes.

E, de igual modo, inexiste consumpção entre estes ilícitos e o crime de fraude fiscal, pois o bem jurídico aqui protegido é o regular funcionamento do sistema fiscal.

Preenche o elemento constitutivo do tipo de crime de burla a determinação dos accionistas de uma sociedade, a empossarem e a manterem os arguidos à frente dos destinos da mesma, durante um período de quase uma década, por força do erro em que os induziram, uma vez que lhes ocultaram, por meios enganosos, a verdadeira situação dessa entidade, apresentando-lhes uma falsa representação da realidade.

Deve ser considerada vítima, ou sujeito passivo, em tais casos, a pessoa que efectivamente suporta o prejuízo patrimonial, uma vez que este se consuma quando a posição económica do lesado fica reduzida, diminuída.

Considerando que o princípio nemo tenetur se ipsum accusare é acolhido em sede de processo contra-ordenacional em moldes semelhantes aos do processo penal, deverá concluir-se pela aplicabilidade do regime previsto no artigo 133º do Código de Processo Penal a alguém que, sendo arguido em processo contra-ordenacional conexo, se vê chamado a depor como testemunha em sede de um processo de natureza criminal.

O nº 1 do artigo 98º do C.P.Penal confere ao arguido a possibilidade de, pessoalmente e sem a intervenção do defensor, apresentar no processo elementos que entenda serem úteis à sua autodefesa, auto-representando-se.  Por seu turno, a defesa técnica do arguido é assegurada pelo seu defensor e está regulada noutros locais do C.P.Penal, sendo-lhe inaplicável o disposto no artigo 98º. Defesa técnica e autodefesa não se confundem.

A comunicação de alteração não substancial de factos, efectuada nos termos do artigo 358º, nº 1, do C.P.Penal, é realizada quando não há ainda decisão quanto aos factos, que permita considerar afastados uns e demonstrados outros. Tal comunicação não terá de enumerar, de forma expressa, os meios de prova de onde resultam as possíveis alterações.

Embora a acusação ou a pronúncia delimitem o objecto do processo, não circunscrevem o âmbito da discussão.

Se o tribunal “a quo” não aditou nenhum facto novo mas discordou da análise jurídica realizada naquela sede, procedendo a uma alteração da qualificação jurídica de uma parte dos factos que constavam na mesma, após cumprimento da comunicação prevista no artº 358 do C.P.Penal, manteve-se a vinculação temática ao objecto da pronúncia, pelo que tal operação se mostra válida e legal, mostrando-se salvaguardado o favor defensionis.

O princípio do “ne bis in idem” determina que ninguém pode ser julgado mais do que uma vez pela prática do mesmo crime. Tem de ser considerado sempre que se verifique a aptidão de várias normas para serem aplicadas ao mesmo facto, independentemente das mesmas se situarem no foro criminal ou no foro contra-ordenacional.

Não constitui violação do princípio “ne bis in idem”, a condenação dos arguidos pela prática de um crime de falsificação de documentos, p. e p. pelo artº 256 do C.Penal e pela prática de contra ordenações previstas e punidas pelo art. 211.º als. g) e r), do Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras (RGICSF), dada a diversidade dos bens jurídicos tutelados por tais normas.

A tutela contraordenacional, na parte relativa quer à prestação de informações falsas, quer à falsificação de elementos contabilísticos, relativamente ao Banco de Portugal (ou à CMVM, nos casos aplicáveis), recai sobre a protecção da segurança e da confiança dos elementos que têm de ser entregues pelo regulado, no que respeita às funções de entidade supervisora exercidas pelo BdP (ou pela CMVM).

Os bens jurídicos protegidos pelas normas administrativas e pelas normas penais são claramente distintos.

A reformatio in pejus directa é aplicável por via indirecta, isto é, quando se esteja não perante uma apreciação em sede de recurso, mas quando a questão surge por virtude da realização de novo julgamento após a anulação do primeiro, em sede de decisão a proferir pela 1ª instância.

O princípio in dubio pro reo verifica-se e impõe-se, não nos casos em que ocorre mera dúvida, mas isso sim nos casos de dúvida irresolúvel, insuperável, inultrapassável;

As infracções tributárias consideram-se praticadas no momento e no lugar em que, total ou parcialmente, e sob qualquer forma de comparticipação, o agente actuou, ou, no caso de omissão, devia ter actuado, ou naqueles em que o resultado típico se tiver produzido (nº1 art 5.º do RGIT).

A adulteração da contabilidade de uma sociedade anónima integra-se na forma qualificada do crime de falsificação de documento, previsto no artº 256 do C.Penal.

O regime de prescrição mais favorável ao arguido analisa-se após o apuramento da matéria factual descritiva da actuação do agente e o subsequente – e consequente - enquadramento jurídico da mesma. A prescrição do procedimento criminal implica que o Estado tenha conhecimento de que, efectivamente, um crime se verificou, pois é com a notícia do crime que se dá início ao procedimento criminal.
Decisão Texto Parcial:Acordam em conferência na 3ª secção do Tribunal da Relação de Lisboa[1]

(…..)

III – questões a decidir.
§. Dos recursos interlocutórios.
1º - Da intempestividade e da manifesta improcedência do recurso do despacho que designou dia para julgamento, “recebendo” a pronúncia e não se pronunciando sobre a nulidade suscitada pelo arguido RO… a fls. 9.660 a 9.665.

2º - Apreciação do despacho de fls. 18.875 a 18.893, proferido em 8.11.2010, que remeteu as partes para os tribunais civis relativamente aos pedidos de indemnização cíveis deduzidos nos autos (recurso interposto pelo arguido RC…).

3º - Apreciação do despacho de fls. 23.594 e 23.595, que julgou improcedente a questão prévia de prescrição do procedimento criminal suscitada em sede de contestação relativamente ao crime de fraude fiscal qualificada (recurso interposto pelo arguido RC…).

4º - Apreciação do despacho de fls. 41.633, que julgou não impedida de prestar depoimento a testemunha TP… (recursos interpostos pelos arguidos JO…, LC…, FC…, RM… e RJ…).

5º - Apreciação do despacho de fls. 46.868, que indeferiu a arguição de irregularidade processual suscitada a fls. 46.862, na sequência do despacho de fls. 46861 na parte em que decidiu determinar o desentranhamento do documento (mail) junto pelo arguido ao requerimento apresentado a fls. 46.848 a 46.858 (recurso interposto pelo arguido JO…).

6º - Apreciação do despacho de fls. 46.951 a 46.958, que indeferiu o requerimento de fls. 46.920 a 46.926, no qual era peticionada a incorporação nos autos da documentação constante do “apenso informático 33”, bem como a notificação da mesma ao arguido e ainda que fossem dadas sem efeito as datas designadas para inquirição das testemunhas por si arroladas, bem como a condenação em taxa sancionatória excepcional de 3 UC. (recurso interposto pelo arguido JO…).

7º a 11º (com excepção de parte do constante no recurso nº8, relativo à questão da junção de documentação pela Mazars que será, infra, tratado de forma autónoma)  - Apreciação do despacho de fls. 46.552 a 46.560, que determinou a alteração da ordem legal de produção de prova no sentido de se iniciar a inquirição das testemunhas de defesa sem que estivesse terminada a inquirição de todas as testemunhas de acusação; apreciação do despacho de fls. 46.734 vº a 46.736, que julgou não verificadas as irregularidades invocadas pelos arguidos, indeferiu os requerimentos nesse sentido apresentados e determinou a imediata inquirição de testemunha de defesa arrolada pelo primeiro daqueles arguidos; apreciação da decisão de fls. 46.770 vº, que julgou não verificada a irregularidade invocada pelo arguido FS… e indeferiu a sua pretensão (recursos interpostos pelos arguidos JO…, LC… e FC…).

8º. Apreciação do despacho de fls. 46.533 a 46.537, que indeferiu parcialmente o requerimento apresentado pelo arguido a fls. 46.367 vº para que fosse notificada a sociedade Mazars para juntar aos autos prova documental (recurso interposto pelo arguido JO…).

12º - Apreciação do despacho de fls. 46.962, que indeferiu a primeira parte do requerimento de fls. 46961, na qual o recorrente aderiu ao requerimento apresentado pelo co-arguido JO… e em que este peticionou a incorporação nos autos da documentação constante do “apenso informático 33”, bem como a notificação da mesma ao arguido e, ainda, que fossem dadas sem efeito as datas designadas para inquirição das testemunhas por si arroladas (recurso interposto pelo arguido FS…).

13º e 14º - Apreciação dos despachos de fls. 48843 a 48853 e de fls. 50973 a 50975, que indeferiram, respectivamente, os requerimentos de fls. 45644 a 45677 e de fls. 50168 a 50273, indeferindo o julgamento conjunto destes autos, com o processo nº …/…TELSB (Instância Local de Lisboa – Secção Criminal – J…) e o processo nº …/…TELSB (extinta …ª Vara Criminal de Lisboa), por entenderem inexistir competência por conexão deste Tribunal “a quo” (recurso interposto pelo arguido JO…).

15º - Apreciação do despacho de fls. 52.088 a 52.091, que julgou não impedida de prestar depoimento a testemunha AV… (recurso interposto pelo arguido JO…).

16º  e 17º - Apreciação do despacho de fls. 52226 a 52228 que indeferiu a arguição de irregularidade processual, quanto à alteração parcial da ordem legal de produção de prova no sentido de se ouvirem as testemunhas de defesa CA…, AG… e AI…, previamente à inquirição da testemunha de acusação IF… ou à apreciação do eventual impedimento desta e apreciação do despacho de fls. 53108 a 53131 que, considerando prejudicadas as requeridas diligências junto do processo …/…TELSB e indeferindo as inconstitucionalidades materiais invocadas pela arguida IC…, julgou IG… absolutamente impedida de depor nos presentes autos na qualidade de testemunha (recursos interpostos respectivamente pelos arguidos JO… e IC…).

18º - Apreciação do despacho de fls. 53.622 a fls. 53.650 que indeferiu:
a. requerimento do arguido de fls. 53.053 a 53.065 para que fosse ordenada a notificação do BIC, S.A., para juntar aos autos documentos comprovativos da evolução do crédito dos dois balcões do Banco Insular entre 31 de Dezembro de 2001 e 2008, especificando ainda o volume do crédito dos mesmos em 30.06.2008, por ser a data a que reporta o artigo 218.º   
b. o requerimento do arguido de fls. 53.066 a fls. 53.097 para que fosse ordenada a notificação do BIC, S.A., para juntar aos autos documentos comprovativos das sucessivas cessões de créditos concedidos pelos dois balcões do Banco Insular e ao pedido de junção de dois contratos de cessão de crédito oferecidos pelo Arguido, juntos a fls. 53.078 a fls. 53.097 e mandados desentranhar
c. (1.º) do requerimento da arguida IC… de fls. 52.559 a fls. 52.948, para junção aos autos dos suportes técnicos das conversações ou comunicações gravadas no inquérito n.º …/…TELSB, reiterado pelo arguido no seu requerimento de fls. 53.171 a fls. 53.186, (2.º) não conhecimento da irregularidade processual arguida no requerimento do recorrente de fls. 53.171 a fls. 53.186, decorrente da violação da igualdade de armas, e ao (3.º) do requerimento do arguido de fls. 53.238 a fls. 53.289, onde se requereu o reconhecimento do direito do arguido a utilizar as escutas telefónicas em causa para sua defesa nos presentes autos, e que fosse oficiado ao DCIAP a extracção de certidão das mesmas, para o arguido as poder transcrever nos segmentos que pretenda utilizar e, finalmente, que fosse ordenada a  telefónicas interceptadas naqueles autos relativas ao mútuo denominado como “A1” (recurso interposto pelo arguido JO…);

19º - Apreciação do recurso interposto do despacho de fls. 53.622 a fls. 53.650 (segmento decisório de fls. 53.636 a 53.648) que indeferiu o requerimento da arguida IC… de fls. 52.559 a fls. 52.948, para junção aos autos dos suportes técnicos de todas as conversações ou comunicações gravadas no inquérito n.º …/…TELSB, reiterado por este arguido no seu requerimento de fls. 53.376 e segs. (recurso interposto pelo arguido LC…).

20º Apreciação do recurso interposto do despacho de fls.. 54.713, datado de 26.04.2016, que indeferiu a reinquirição da testemunha MF… relativamente a duas conversas telefónicas interceptadas (recurso interposto pelo arguido JO…).

21º (No segmento relativo ao despacho de fls. 54.713 vº) Apreciação do recurso interposto do despacho de fls. 54.713vº, que, apreciando o teor do requerimento apresentado a fls. 54.636 a 54.640, que manteve o decidido a fls. 53.628 a 53.632 e a fls. 53.632 a 53.636 (recurso interposto pelo arguido LC…).

21º - A (no segmento relativo ao despacho de fls. 54.713: memoriais e exposições), 22º, 23º e 25º Apreciação dos despachos que indeferiram a junção de exposições/memoriais, a saber:
- decisão de fls. 54.713, que indeferiu a junção aos autos do memorial subscrito pelo mandatário do arguido de fls. 54085 e seguintes;
- decisão de fls. 55.881, que indeferiu a irregularidade processual e nulidade arguidas em 13-05-2016 da decisão colegial de fls. 55721vº a 55722vº, que por sua vez indeferiu a junção aos autos de três exposições/memoriais do arguido de fls. 55602 a 55606, 55618 a 55633 e 55583 a 55590;
- decisão de fls. 55.713, que indeferiu a junção aos autos do memorial subscrito pelo arguido de fls. 54753 e seguintes;
- decisão de fls. 56.721vº e segs., que indeferiu a junção aos autos das  exposições/memoriais do arguido de fls. 56659 e seguintes. (recursos interpostos pelos arguidos JO… e LC…).

24º Apreciação da decisão proferida pelo despacho de fls. 55721vº, datado de 13.05.2016, que apreciou o requerimento de fls. 55.573 a 55.577 e indeferiu o pedido de notificação da assistente BIC, S.A. para juntar aos autos cópias das cartas de “put option” e/ou cartas de conforto, alegadamente emitidas pelo BPN, S.A. a favor do Banco Insular relativamente às entidades indicadas a fls. 55.577. (recurso interposto pelo arguido JO…).

26º Apreciação da decisão proferida pelo despacho de fls. 56.778, datado de 15.11.2016, que apreciou e indeferiu o requerimento de arguição de irregularidade processual do despacho de comunicação de eventuais alterações não substanciais de factos de fls. 56772 e segs. (recurso interposto pelo arguido JO…).

27º Apreciação da decisão proferida pelo despacho de fls. 56.941 que, apreciando requerimento do arguido, indeferiu a requerida extinção do procedimento criminal por aplicação do princípio do “ne bis in idem” (fls. 56875 — ponto 1°), indeferiu a instrução dos autos com os elementos mencionados pelo arguido a fls. 56875, ponto 1.1., indeferiu a requerida nulidade da pronúncia (fls. 56875, ponto 2°) e, por fim, indeferiu, na íntegra, as diligências probatórias requeridas pelo arguido a fls. 56.876, ponto 1°, als. a) e b) e a fls. 56876, ponto 2°, als, a), b), c) e d) (recurso interposto pelo arguido JO…).
§§. Dos recursos interpostos da decisão final.
a. Da admissibilidade dos documentos juntos aos autos pelo arguido jo…, juntamente com o requerimento de recurso que interpôs do acórdão final proferido pelo tribunal “a quo”. Da admissibilidade dos documentos juntos pelo arguido tr…, no seu recurso.
b. Nulidades da sentença previstas no artº 379 do C.P.Penal (falta de fundamentação, omissão de pronúncia, excesso de pronúncia e condenação “por factos diversos dos descritos (…) na pronúncia (…) fora dos casos e das condições previstos nos artigos 358.º e 359 do C.P.Penal).
c. Violação do princípio ne bis in idem.
d. Questões relativas à validade da prova contida no apenso informático 33.
e. Da proibição da reformatio in pejus.

f. Critérios de apreciação dos recursos em sede de matéria de facto.
g. Recursos apresentados pelos arguidos relativos à apreciação da matéria de facto.
- Violação dos artºs 133, 343 e 345 do C.P.Penal (impossibilidade de valoração das declarações do arguido RO… quanto aos pontos 205 e 206 da matéria de facto provada - recorrente JO…);
 – Vícios previstos no artº 410 nº2 do C.P.Penal (insuficiência da matéria de facto; contradição insanável entre a fundamentação e a decisão e entre matéria factual; erro notório na apreciação da prova):
- Errada apreciação probatória
- Violação do princípio in dubio pro reo;
h. recursos apresentados pelo MºPº.
ha. Relativamente aos arguidos jo… e fb… – crimes de fraude fiscal qualificada (ambos) e de burla qualificada (o segundo isoladamente).
hb. Relativamente ao arguido lc… – crime de abuso de confiança.
hc. Relativamente ao arguido ro… – crime de burla qualificada.
hd – Relativamente à dosimetria das penas (no que concerne aos arguidos JO…, LC…, JV… e TR…).
I. Questões de direito no âmbito dos recursos interpostos pelos arguidos.
- Prescrição.
- Errado enquadramento jurídico (ausência de preenchimentos dos elementos constitutivos do crime);
- Crime de branqueamento de capitais e perdimento de valores a favor do Estado.
J. Questões relativas às penas (recursos interpostos pelos arguidos e pelo MºPº).
                                                    *
                                                    *
                                                    *
                                                    *
                                                    *
                                                    *
                                                    *
                                                    *
                                                    *
                                                    *
                                                    *
                                                    *
                                                    *
                                                    *
                                                    *
                                                    *

iv – fundamentação.
§. dos recursos interlocutórios.
1º - Da intempestividade e da manifesta improcedência do recurso do despacho que designou dia para julgamento e não se pronunciou sobre a nulidade suscitada pelo arguido RO… a fls. 9.660 a 9.665.

1. O arguido rm… interpõs recurso do despacho de fls. 15.124 a 15.136 (posteriormente alvo de aclaração, a seu pedido), proferido no âmbito do disposto no artº 311 do C.P.Penal, na parte em que se não pronunciou sobre a nulidade suscitada pelo arguido a fls. 9.660 a 9.665.

2. O recurso foi admitido (vide fls. 15.508) e determinada a sua subida diferida, com o recurso que pusesse termo à causa, nos próprios autos e com efeito meramente devolutivo.

3. O arguido extraiu da motivação as seguintes conclusões:
A. A decisão recorrida - despacho proferido nos termos do art.° 311° CPP — afirma que inexistem nulidades que caiba ao Tribunal de Julgamento apreciar, porquanto a arguição de nulidade constante de fls. 9.660 dos autos já havia sido conhecida pelo Mmo. JIC, termos em que fica ao Tribunal de Julgamento vedado, por força do art.º 311º nº 1 CPP, conhecer dessas mesmas nulidades assacadas pelo Arguido à Acusação;
B. Ora, nestes mesmos autos, o Mmo. JIC indeferiu o Recurso interposto pelo Arguido ora Recorrente com a afirmação de que a decisão instrutória que indefere arguições de nulidade é irrecorrível, posto que não forma caso julgado quanto ao conhecimento de nulidades, que serão apreciáveis pelo Tribunal de Julgamento ao abrigo do art.° 311° nº 1 CPP;
C. O Tribunal da Relação, em decisão proferida pelo respectivo Presidente sobre reclamação contra a não admissão de recurso lavrada pelo Mmo. JIC, confirma o entendimento do Mmo. JIC;
D. Recorrida a decisão do Presidente do Tribunal da Relação para o Tribunal Constitucional, veio tal recurso a ser objecto de Decisão Sumária (entretanto impugnada para a conferência desse Tribunal, é certo), na qual se afirma expressis verbis que o Tribunal de julgamento pode/deve conhecer, quando profere o despacho previsto no art.° 311º, nº 1 CPP, das nulidades que anteriormente foram assacadas pelo Arguido à Acusação, independentemente de ter tal arguição sido objecto de decisão pelo JIC em sede de decisão instrutória;
E. Não pode o mesmo conjunto normativo (art.°s 310° n.° 1 e 3110 n.° 1 CPP), nos mesmos autos ser objecto de interpretação e aplicação absolutamente opostas, contraditórias e incompatíveis entre si... (usando os diversos Tribunais que nestes autos intervêm uma cortina de fumo dogmático-jurisprudencial apenas para indeferir à tort et à détort todas as pretensões do Arguido:... se é para lhe indeferir o Recurso da decisão instrutória, o art.° 310º nº 1 CPP não faz caso julgado, porquanto o art.° 311º permite que a questão seja conhecida pelo Tribunal de Julgamento; se é para o Tribunal de Julgamento conhecer da nulidade nos termos do art.° 311º n.° 1 CPP, já o art.° 310º n.° 1 CPP faz caso julgado, vedando o art.° 311º nº 1 CPP que o Tribunal de julgamento conheça de tal arguição);
F. Termos em que:
a.  Tem a decisão recorrida de ser revogada pelo Tribunal da Relação de Lisboa e substituída por outra, que conheça da arguição de nulidade deduzida pelo Arguido contra a Acusação a fls. 9.660 e ss. dos autos; ou,
b.  Tem a decisão recorrida de ser revogada pelo Tribunal da Relação de Lisboa, sendo ordenado ao Tribunal de Julgamento que profira novo Despacho ao abrigo do art.° 311º CPP, que conheça dessa mesma arguição de nulidade. 

4. O MºPº apresentou a seguinte resposta:
- Sendo perfeitamente claro o sentido do despacho que declara que «Não existem neste momento para apreciação em primeira instância nulidades, irregularidades, excepções ou questões prévias» não há lugar a qualquer «aclaração»;
- Deste modo tendo sido o douto despacho notificado em 2010.05.27 o recurso interposto em 2010.07.09 é extemporâneo e não deve ser apreciado;
- No despacho previsto no artigo 311º do Código do Processo Penal o Juiz deve declarar se entende haver nulidades, irregularidades, ou outras questões prévias de que cumpra conhecer desde logo.
- Se entende não haver declará-lo-á;
- Foi esse o conteúdo do despacho recorrido;
- A nulidade invocada pelo arguido foi já apreciada no despacho de pronúncia e não há lugar à sua apreciação no despacho saneador;
Pelo que o douto despacho recorrido deve ser mantido nos seus termos, assim se fazendo Justiça.

5. O arguido RO…, na resposta que apresentou ao recurso interposto pelo MºPº, no que concerne à decisão proferida a seu respeito no acórdão prolatado pelo tribunal “a quo”, manifestou expressamente interesse na manutenção deste recurso interlocutório e na sua apreciação.

6. Apreciando.
Para mais fácil compreensão, façamos uma breve resenha dos autos, no que a esta questão se refere:

a. Findo o inquérito, o arguido RO… não requereu a abertura de instrução.

b. Não obstante, apresentou um requerimento (o de fls. 9.660 a 9.665), através do qual arguiu a nulidade da acusação contra si deduzida nos presentes autos, alegando que sendo possível dar cumprimento ao disposto nos artigos 196º e 272º, nº 1, in limine, do C.P.Penal, o MºPº optou por não o fazer, “assentando a qualidade de arguido do Sr. RO… num Despacho de exportação dessa mesma qualidade de outros autos criminais para os presentes autos”, tendo daqueles sido extraída certidão integrada no presente processo.
Argumenta que o incumprimento das referidas regras gera a nulidade prevista no artigo 119º al. d), do C.P.Penal, ou, pelo menos, a constante do artigo 120º, nº 1, e nº 2, al. d), desse mesmo diploma, nulidade essa que, nos termos do artigo 122º do mesmo código afeta a acusação e todos os actos a ela subsequentes.

c. Esse requerimento foi alvo de apreciação pelo Mº JIC, que entendeu não existir a invocada nulidade.

d. O arguido RO… interpôs então recurso da decisão instrutória, na parte em que indeferiu a arguição de nulidade por si deduzida, não tendo tal recurso sido admitido (despacho de 4 de Maio de 2010, a fls. 14.936 a 14.957) com fundamento na irrecorribilidade da decisão. Interposta reclamação da rejeição, veio esta a ser julgada improcedente.

e. Foram então os autos remetidos para julgamento, tendo sido distribuídos pelas ora extintas Varas Criminais de Lisboa.

f. No dia 21 de Maio de 2010, a fls. 15.124 e segs., foi proferido despacho, nos termos do disposto no artigo 311º do Código de Processo Penal que, no que aqui nos importa, continha o seguinte trecho:
Não existem neste momento, para apreciação em primeira instância, nulidades, irregularidades, excepções ou questões prévias.

g. Este despacho foi notificado ao arguido por carta expedida em 24 de Maio de 2010 (fls. 15.144).

h. Em 31 de Maio de 2010 (fls. 15.173 a 15.175), o arguido RO… requereu a aclaração do despacho mencionado em f., na parte respeitante ao segmento supra transcrito.

i. Sobre tal requerimento de aclaração, veio a recair o despacho proferido em 1 de Julho de 2010 (fls. 15.306 a 15.321), com o seguinte teor (no que aqui nos importa):
“(…) Distribuído o processo por esta …ª Vara Criminal de Lisboa, foi proferido o despacho de fls. 15.124 a 15.136, na sequência do qual foi realizada, em 31/05/2010, a diligência que consta da acta de fls. 15.165 a 15.168B.
Sucede que naquele mesmo dia, mas já após a realização da referida diligência, deu entrada nos autos um requerimento do arguido RM…, constante de fls. 15.173 a 15.175, pelo qual requer a aclaração do sobredito despacho de fls. 15.124 a 15.136. (…)
Ora, diz o arguido RO…, tais decisões não se lhe afiguram claras porquanto:
«A) Inexistência de nulidades para apreciação em primeira instância - a fls. 9.660 dos autos consta um requerimento de Arguição de Nulidade deduzido pelo ora Requerente (que não requereu instrução), o qual foi indeferido pelo Mmo. Juiz de Instrução Criminal, apesar das questões de inconstitucionalidade envolvidas.
Contra essa decisão foi interposto pelo ora Requerente o correspondente recurso (fls. 14.852) o qual foi indeferido pelo Mmo. Juiz de Instrução Criminal (fls.14.936 e ss.).
Inconformado com tal indeferimento, dele Reclamou o Arguido ora Requerente para o Presidente da Veneranda Relação de Lisboa (a 14/05/2010, fls. ...).
Ora, o Mmo. Juiz de Instrução Criminal, quer no Despacho de indeferimento do recurso (fls. 14.935 e ss.), quer no Despacho que mandou subir os autos ao Tribunal da Relação de Lisboa (fls. 24 e ss. do Apenso C), bem como o Ilmo. Senhor Procurador da República, na resposta a tal recurso (fls. 14.907 e ss.), ambos sustentaram que o recurso carecia de fundamento formal porquanto nenhuma inconstitucionalidade do art. 310º CPP existia, na medida em que cabia ao Juiz de Julgamento, nos termos do disposto no art. 311º CPP, conhecer das nulidades invocadas nos autos anteriormente, independentemente de sobre tais invocações ter ou não recaído qualquer decisão do Mmo. JIC (assim, v.g.: fls. 14.910-14.911, 14.950-14.951, 14.954-14.955 e fls. 28-29 e 37 do Apenso C).
I. e., defendendo MP e JIC que o Despacho do art. 310º CPP não faz caso julgado, afirmaram ser entendimento pacifico que o Tribunal de Julgamento, logo ao proferir o Despacho previsto no art. 311º CPP, podia conhecer da nulidade anteriormente arguida pelo arguido ora Requerente.
Nem sequer atentando no facto óbvio e claro de o Arguido que havia suscitado a nulidade não poder antecipar a data da prolação do despacho previsto no art. 311º CPP e, nessa medida, estando impedido de requerer ao Tribunal de Julgamento que tomasse posição sobre a verificação ou não de tal nulidade.
Em suma, o conhecimento, na tese vertida nos autos pelo MP e pelo Mmo. JIC, pelo Tribunal de Julgamento da arguição de nulidade de fls. 9.660 dos autos, terá de ser oficiosa!
Ora, considerando que a fls. 15.124 dos autos consta que "não existem neste momento, para apreciação em primeira instância, nulidades”, não se alcança se o Tribunal de Julgamento, com tal frase, está a indeferir a Arguição de nulidade constante de fls. 9.660 dos autos, ou se, ao invés, entende que tal questão já estava decidida pela decisão instrutória de fls. 13.881 e ss. dos autos, pelo que não lhe cabia decidi-la».
Nesta parte, requer o arguido RO… que seja aclarada tal dúvida, ou seja, se vale a decisão de fls. 15.124 dos autos como indeferimento do requerimento de arguição de nulidade de fls. 9.660 dos autos, ou tal decisão de fls. 15.124 dos autos consiste em mera decisão de inexistência de nulidades verificadas após a decisão instrutória, porquanto a arguição de nulidade de f1s. 9.660 dos autos já havia sido decidida pelo Mmo. JIC a fls. 13.881 e ss., não cabendo ao Tribunal de Julgamento conhecê-la. (…)
O relatório que antecede identifica as questões que importa decidir neste momento.
Assim:
1 -Do pedido de aclaração apresentado pelo arguido RM… a fls. 15.173-15.175, relativamente ao despacho de fls. 15.124-15.136, na parte em que dele consta que «não existem neste momento, para apreciação em primeira instância, nulidades, irregularidades, excepções ou questões prévias»:
Da decisão instrutória consta, além do mais, o seguinte (fls. 13.881 a 13.884):
«Mais veio o arguido RM…, arguir a nulidade da acusação, por requerimento que ora faz fls. 9660 e ss., que aqui dou por integralmente reproduzido, (…)
Do requerimento de arguição de nulidade da acusação apresentado pelo arguido RM…:
No tocante à nulidade da acusação suscitada pelo arguido RO…, veio o Mº Pº pronunciar-se aduzindo o seguinte:
"O arguido RO… invoca a nulidade da acusação pelo facto de não ter sido constituído arguido com referência ao presente Processo.
Já anteriormente nos pronunciámos sobre tal alegação, conforme folhas 9950, onde entendemos não corresponder sequer à verdade que o arguido tivesse tomado contacto com os presentes autos apenas após ter sido deduzida acusação.
Com efeito, o RO… foi constituído como arguido e interrogado, por duas vezes, nessa qualidade, no âmbito do Proc. …/…TELSB, onde veio a ser proferida decisão que autorizou a separação de processos, quanto aos factos que foram versados no segundo interrogatório, e que expressamente foram incorporados no objecto dos presentes autos- decisão certificada a folhas 8104.
O defensor do arguido RO… foi notificado expressamente desse despacho, onde claramente se afirma que o Sr. RO… mantinha a qualidade de arguido no Processo …/…TELSB, relativamente aos factos pelos quais já havia sido interrogado no Processo …/…- conforme folhas 2613, do Processo …/…TELSB.
A separação de processos significa a transferência de um objecto processual para apreciação numa nova unidade processual, com o aproveitamento dos actos praticados, importando apenas garantir que seja conferida ao arguido a possibilidade de se defender sobre os factos que lhe são imputados, o que inegavelmente aconteceu no caso concreto.
Foram conferidas todas os direitos de defesa ao arguido RO… relativamente aos factos de que aqui foi acusado, uma vez que foi expressamente ouvido sobre esses factos, sendo praticamente confrontado com um projecto de acusação especifico sobre tais factos e que lhe permitiu apresentar prova adicional que entendeu útil para a sua defesa.
Entendemos assim, que não se verificou uma omissão das formalidades necessárias no Inquérito, mas tão só um aproveitamento dos actos processuais praticados num outro processo, através da figura da separação processual, nos termos dos arts. 29° e 30° do Cod. Processo Penal, decidida por despacho judicial, de que o arguido foi expressamente notificado.
No caso de conexão de Processos, como foi o que se verificou nos presentes autos, é deduzida uma só acusação, no processo principal, o que significa que os arguidos constituídos nos processos apensados não têm que se constituídos formalmente como tal no Processo principal - art. 283°-4 do Cod. Processo Penal.
Tais questões encontram-se já discutidas, em sede do recurso interposto sobre a decisão de separação de processos proferida no Proc. …/…, cuja simples pendência aqui não produz efeitos, mas cuja decisão não deixará de se repercutir nos presentes autos.
Renovamos assim, o entendimento de que não se verifica a nulidade da acusação, por pretensa preterição da constituição como arguido do RO…, uma vez que estamos perante um caso de conexão de processos, promovendo se indefira a invocada nulidade. "
Cumpre apreciar e decidir.
Como bem salienta o Mº Pº, os autos já contêm pronúncia sobre a alegação do arguido de que só tomou conhecimento do teor dos presentes autos com a dedução da acusação.
O arguido Sr. RO… foi, aliás, interrogado duas vezes, na descrita qualidade, no âmbito do NUIPC …/…PELSB.
Quanto aos factos que ora foram objecto de despacho final no inquérito eles são os que já foram objecto do segundo daqueles interrogatórios.
Tais autos de interrogatório estão insertos na certidão que ora faz fls. 8104.
Damos aqui por reproduzidas as hialinas considerações do detentor da acção penal no que tange ao que significa a separação de processos operada no NUIPC …/…PELSB.
Em nosso entender, na nova unidade processual aproveitam-se os actos praticados.
E ao arguido estão garantidas todas as possibilidades de se defender sobre os factos que lhe foram imputados.
Não ocorreu, no caso sub júdice, pois, a nossos olhos, qualquer preterição ou omissão das formalidades necessárias ao inquérito.
Dando aqui por reproduzida a posição do MºPº nesta matéria, por nos parecer ser a correcta neste particular, indefiro a nulidade invocada – ex vi dos art.ºs 29º e 30º C.P.P.
Notifique».
Temos, assim, que o Exº JIC, na decisão instrutória, conheceu da questão da nulidade da acusação suscitada pelo arguido RO… no requerimento de fls. 9.660 e segs., entendendo não ocorrer, no caso "sub judice", qualquer preterição ou omissão das formalidades necessárias ao inquérito.
Por isso concluiu: «indefiro a nulidade invocada».
Sem prejuízo do respeito que é devido por quem sufraga diferente entendimento, consideramos que com a prolação de tal despacho pelo Exº JIC, em sede de decisão instrutória como se viu, ficou vedado ao juiz de julgamento, aquando da prolação do despacho a que alude o art. 311°, n° 1, do C.P.P., voltar a apreciar tal questão, qual seja a da nulidade da acusação, invocada pelo arguido RO… a fls. 9660 e segs..
Tal como refere Paulo Pinto de Albuquerque, in Comentário do Código de Processo Penal, 2ª edição actualizada, UCE, 2008, págs. 788 a 801. notas 1., 3. e 27. ao art. 311" do C.P.P., «o conteúdo do despacho de saneamento e recebimento dos autos é distinto consoante tenha havido instrução ou não, (…)
Caso tenha havido instrução, o despacho de saneamento do processo e de designação de data para julgamento tem a seguinte estrutura: (…)
c. Conhecimento das nulidades e irregularidades (…) excluindo os sobreditos vícios da acusação.
(…)
A decisão de pronúncia faz caso julgado sobre os pressupostos processuais, nulidades, irregularidades, questões prévias ou incidentais, que tenha apreciado "ex professu", não podendo o juiz de julgamento reapreciar estas questões e rever aquela decisão. Portanto, este despacho não é um despacho de mero expediente, livremente revogável pelo juiz (…)».
Por sua vez, refere-se no Código de Processo Penal, Comentários e Notas Práticas, da autoria dos Magistrados do Ministério Público do Distrito Judicial do Porto, Coimbra Editora, 2009, pág. 766, nota 3. ao art. 311° do C.P.P., que «tendo o processo sido remetido para julgamento, após despacho de julgamento, o juiz designa, sem mais, dia, hora e local para a audiência (art. 312º).
O poder-dever do juiz de conhecer das nulidades (insanáveis ou que entretanto foram arguidas) questões prévias e incidentais que obstem à apreciação do mérito da causa existe mesmo que tenha havido instrução, conquanto o JIC delas não tenha conhecido (…)».
Assim, entendeu (e entende) o Tribunal de julgamento, aquando da prolação do despacho a que alude o art. 311º do C.P.P., estar-lhe vedado pronunciar-se sobre a nulidade da acusação, suscitada pelo arguido RO… a fls. 9.660 e segs., uma vez que dela conheceu, "ex professu ",o Exº JIC, em sede de decisão instrutória.
Daí o ter-se feito constar no despacho de fls. 15.124 a 15.136, datado de 21.05.2010, não existirem, naquele momento, «para apreciação, em primeira instância, nulidades, irregularidades, excepções ou questões prévias» de que cumprisse conhecer.”

7. Prosseguindo.
Como resulta do relatório supra e como, aliás, o próprio recorrente afirma na primeira das suas conclusões, a decisão recorrida corresponde ao “despacho proferido nos termos do art.° 311° CPP”, ou seja, à decisão proferida a fls. 15.124 e segs., em 21 de Maio de 2010 e notificada ao arguido em 27 de Maio de 2010.
Tendo em consideração a data em que foi interposto o recurso (9 de Julho de 2010 – fls. 15.349) e a extemporaneidade invocada pelo Ministério Público na resposta que apresentou, impõe-se, antes de mais, apreciar da sua tempestividade.
                                         
8. O artigo 411º, nº 1, do C.P.Penal dispunha, na redacção vigente à data em que foi proferida a decisão recorrida:
“1. O prazo de interposição de recurso é de 20 dias e conta-se:
a) A partir da notificação da decisão;
b) Tratando-se de sentença, do respectivo depósito na secretaria; (…)”.

i. Por seu turno, o artigo 380º do mesmo código (já na redacção vigente à data em que foi proferida a decisão recorrida, tal como actualmente) estabelece:
1 - O tribunal procede, oficiosamente ou a requerimento, à correcção da sentença quando:
a) Fora dos casos previstos no artigo anterior, não tiver sido observado ou não tiver sido integralmente observado o disposto no artigo 374.º;
b) A sentença contiver erro, lapso, obscuridade ou ambiguidade cuja eliminação não importe modificação essencial.
2 - Se já tiver subido recurso da sentença, a correcção é feita, quando possível, pelo tribunal competente para conhecer do recurso.
3 - O disposto nos números anteriores é correspondentemente aplicável aos restantes actos decisórios previstos no artigo 97.º.

ii. No caso em apreço, o arguido não apresentou requerimento de correcção da decisão fundado no artigo 380º do Código de Processo Penal, antes sustentando o seu pedido de aclaração dessa decisão nos artigos 666º, nrs. 2 e 3, e 669º, nº 1, al. a), do Código de Processo Civil, ex vi do disposto no artigo 4º daquele código.

iii. Na redacção vigente à data em que foi proferida a decisão em apreço e em que foram invocados os artigos 666º e 669º do Código de Processo Civil, tinham os mesmos o seguinte teor:
Artigo 666º (Extinção do poder jurisdicional e suas limitações)
1 - Proferida a sentença, fica imediatamente esgotado o poder jurisdicional do juiz quanto à matéria da causa.
2 - É lícito, porém, ao juiz rectificar erros materiais, suprir nulidades, esclarecer dúvidas existentes na sentença e reformá-la, nos termos dos artigos seguintes.
3 - O disposto nos números anteriores, bem como nos artigos subsequentes, aplica-se, até onde seja possível, aos próprios despachos.
Artigo 669º (Esclarecimento ou reforma da sentença)
1 - Pode qualquer das partes requerer no tribunal que proferiu a sentença:
a) O esclarecimento de alguma obscuridade ou ambiguidade da decisão ou dos seus fundamentos;
b) A sua reforma quanto a custas e multa.
2 - Não cabendo recurso da decisão, é ainda lícito a qualquer das partes requerer a reforma da sentença quando, por manifesto lapso do juiz:
a) Tenha ocorrido erro na determinação da norma aplicável ou na qualificação jurídica dos factos;
b) Constem do processo documentos ou outro meio de prova plena que, só por si, impliquem necessariamente decisão diversa da proferida.
3 - Cabendo recurso da decisão, o requerimento previsto no n.º 1 é feito na alegação.

9. Atendendo ao que se acaba de expor, cumpre então apurar qual o momento a partir do qual deve ser contado o prazo de interposição de recurso, i.e., se o mesmo se inicia com a notificação do despacho proferido em 21 de Maio de 2010 ou com a notificação do despacho de aclaração proferido em 1 de Julho de 2010.

10. Para tanto, necessário se torna realizar uma breve resenha histórica das soluções legislativas e jurisprudenciais, a propósito de tal questão, ao longo de um período temporal específico.

i. Até à revisão do sistema de recursos em processo civil, operada pelo Dec. Lei n.º 303/2007, de 24 de Agosto e uma vez que o C.P.Penal não continha qualquer disposição que regulasse a interferência dos pedidos de correcção na tramitação dos recursos da decisão corrigenda, parte da jurisprudência entendia que se estava perante uma lacuna, que deveria ser suprida com recurso ao previsto no artº 4º do C.P.Penal, entendendo então ser aí aplicável o disposto no artigo 686.º, do C.P.Civil.
Ao abrigo desta disposição legal, o prazo para recorrer só se iniciava depois de notificada a decisão proferida sobre o pedido de correcção.

ii. O Decreto-Lei n.º 303/2007, de 24 de Agosto, veio, porém, revogar este último preceito e passou a exigir, no artigo 669.º, n.º 3, do C.P.Civil, que os pedidos de correcção, reforma ou aclaração das sentenças, fossem efectuados no próprio recurso que delas fosse interposto.

iii. Passou desde então a dispor o artigo 670º do Código de Processo Civil:
1 - Nos casos previstos no n.º 4 do artigo 668.º e no artigo 669.º, deve o juiz indeferir o requerimento ou emitir despacho a corrigir o vício, a aclarar ou a reformar a sentença considerando-se o referido despacho como complemento e parte integrante desta.
2 - Do despacho de indeferimento referido no número anterior não cabe recurso.
3 - O recurso que tenha sido interposto fica a ter por objecto a nova decisão, podendo o recorrente, no prazo de 10 dias, dele desistir, alargar ou restringir o respectivo âmbito, em conformidade com a alteração sofrida, e o recorrido responder a tal alteração, no mesmo prazo.
4 - O recorrido pode interpor recurso da sentença aclarada, corrigida ou reformada, no prazo de 15 dias a contar da notificação do despacho referido no n.º 1.
5 - O despacho previsto no n.º 1 é proferido com aquele que admite o recurso e ordena a respectiva subida, devendo o relator, se o juiz omitir aquele despacho, mandar baixar o processo para que seja proferido.

iv. Com tais alterações do regime processual dos recursos, visou-se pôr termo à utilização abusiva dos incidentes pós-decisórios, como forma de dilatar no tempo o desfecho dos processos em tribunal.

v. Com a revogação do disposto no artigo 686.º, do C.P.Civil, surgiu uma orientação jurisprudencial em sede criminal, que entendia que os pedidos de aclaração e/ou correcção da sentença penal, ainda que formulados nos termos do artº 380 do C.P.Penal, fossem apresentados no âmbito do recurso que fosse interposto da decisão.
Tal como no domínio processual civil, entendeu-se que o uso de incidentes de aclaração ou rectificação das decisões proferidas em processo penal não tinha por efeito suspender o prazo de recurso da decisão corrigenda, mantendo-se o prazo para recorrer com início nos momentos estipulados no artigo 411.º, n.º 1, do Código de Processo Penal.

vi. São exemplos dessa orientação jurisprudencial:
- A decisão sumária proferida em 20 de Fevereiro de 2009 no âmbito do recurso com o nº 428/08.8GBSXL-5 que correu termos no Tribunal da Relação de Lisboa, na qual se entendeu que “Nos termos do disposto no nº 1 do art. 411º do CPP, o prazo para interposição de recurso é de 20 dias, prazo este que se conta a partir do depósito da sentença na secretaria, (…) e não a partir da notificação do despacho que recaiu sobre a reclamação da sentença. Com efeito, o art. 686º do CPC (preceito que previa este critério na contagem do prazo) foi revogado pelo DL nº 303/07, de 24/08, sendo que hoje aclaração ou reclamação da sentença deve ser feita no recurso que dela se interpuser.”[2].
- O Acórdão de 15.12.2008 do Tribunal da Relação de Guimarães que, com fundamento na revogação do artigo 686º do Código de Processo Civil e considerando que as razões de celeridade processual se acentuavam no âmbito do processo criminal, manteve decisão sumária de rejeição de recurso por extemporaneidade.

vii. Deste Acórdão da Relação de Guimarães foi interposto recurso de constitucionalidade, que veio a ser decidido pelo Tribunal Constitucional através do Acórdão nº 16/2010, datado de 12 de Janeiro de 2010.
Neste Acórdão, que constitui o primeiro pronunciamento do Tribunal Constitucional sobre a questão em apreço, decidiu-se “Julgar inconstitucional, por violação do artigo 32.º, n.º 1, da Constituição, a interpretação do artigo 380.º, em conjugação com o artigo 411.º, n.º 1, ambos do Código de Processo Penal, segundo a qual o pedido de correcção de uma decisão, formulado pelo arguido, não suspende o prazo para este interpor recurso dessa mesma decisão[3].
Considerou o Tribunal Constitucional que a mencionada interpretação dos preceitos em causa contendia com o direito ao recurso que se inclui expressamente entre as garantias de defesa em matéria penal.
Escreveu-se no Acórdão nº 16/2010: “ A vertente do direito ao recurso que aqui importa convocar é a que exige que o processo esteja estruturado de modo a permitir o efectivo exercício desse direito, pois a sua proclamação constitucional implica que o Estado fique vinculado a emitir as normas organizatórias e procedimentais adequadas e necessárias ao seu cabal exercício por parte dos interessados.
A interpretação questionada é, prima facie, susceptível de contender com essa dimensão do direito ao recurso, na medida em que obriga o recorrente a formular um recurso e respectivas alegações sem poder aguardar o resultado de um pedido de esclarecimento ou correcção da sentença.”.

viii. Tal Acórdão do Tribunal Constitucional contou com um voto de vencido, subscrito pelo Conselheiro João Cura Mariano, que divergiu da amplitude do juízo de inconstitucionalidade, entendendo que se justificaria um maior rigor na distinção entre os dois grupos de situações reguladas na alínea b), do n.º 1, do artigo 380.º, do CPP - os casos de erro ou lapso material da decisão penal, por um lado, e os casos de obscuridade e ambiguidade dessa decisão, por outro – não se justificando relativamente aos primeiros o juízo de inconstitucionalidade, não envolvendo o ónus de interposição de recurso nos termos definidos no CPC uma dificuldade exces­siva, mas antes um esforço proporcional face ao objectivo constitucional perseguido de assegu­rar uma maior celeridade processual (artigo 20.º, n.º 5, da Constituição), com isso contribuindo para a boa administração da justiça.

ix. Demonstrando que a orientação do Tribunal Constitucional não era alvo de aceitação pacífica, tal voto de vencido veio a inspirar o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 19 de Janeiro de 2011 que, colocado perante  um caso de erro ou lapso material da decisão penal, afastou o entendimento que fez maioria no Acórdão do TC nº 16/2010, para considerar extemporânea a interposição de recurso para além do prazo iniciado após a notificação da decisão recorrida, prazo esse que não se suspende com o pedido de aclaração/correcção dos lapsos dessa decisão[4].

x. No entanto, em novo Acórdão do Tribunal Constitucional, desta feita com o nº 293/2012, foi em 6 de Junho de 2012, reafirmado aquele primeiro juízo de inconstitucionalidade. 
Neste segundo Acórdão do Tribunal Constitucional sobre a questão em apreço, decidiu-se “Julgar inconstitucional, por violação do direito ao recurso consagrado no artigo 32.º, n.º 1, da Constituição, a norma do artigo 411.º, n.º 1, do Código de Processo Penal, segundo a qual o pedido de correcção de uma decisão, formulado pelo arguido, não suspende o prazo para este interpor recurso dessa mesma decisão[5].
Considerou o Tribunal Constitucional que o juízo de inconstitucionalidade formulado no Acórdão nº 16/2010 era inteiramente transponível para o caso em apreço, não sendo infirmado pela circunstância de alegadamente o pedido de correcção em causa visar um “manifesto lapso de escrita”. Novamente decidiu o Tribunal Constitucional pela inconstitucionalidade da interpretação do artigo 380.º, em conjugação com o artigo 411.º, n.º 1, ambos do Código de Processo Penal, segundo a qual o pedido de correcção de uma decisão, formulado pelo arguido, não suspende o prazo para este interpor recurso dessa mesma decisão, por violação do direito ao recurso em processo penal, consagrado no artigo 32.º, n.º 1, da Constituição.

xi. A fundamentação destes dois Acórdãos do Tribunal Constitucional influenciou parte da jurisprudência dos Tribunais superiores, podendo apontar-se entre as decisões que perfilharam tal entendimento as seguintes:
- Decisão da Reclamação nº 41/08.0GACVD-A.E1 do Tribunal da Relação de Évora de 9 de Junho de 2011 – que entendeu deverem estender-se aos demais sujeitos processuais as razões invocadas pelo Tribunal Constitucional, concluindo que os princípios da segurança jurídica e do efectivo direito ao recurso impõem, em processo penal, que o prazo para a interposição do recurso se conte a partir da notificação da decisão consolidada (a que recaiu sobre o pedido de correcção);[6]
- Decisão da Reclamação nº 275/08.7PDVFX-A.L1-5 do Tribunal da Relação de Lisboa de 26 de Outubro de 2011 – que entendeu dever interpretar-se adequadamente os artigos 380º e 411º, nº 1, do CPP, harmonizando-os com o artigo 32º da Constituição, sendo que os princípios da segurança jurídica e do efectivo direito ao recurso impõem, em processo penal, que o prazo para a interposição do recurso se conte a partir da notificação da decisão consolidada (a que recaiu sobre o pedido de correcção);[7]
- Decisão da Reclamação nº 96/09.0TAFAL-A.E1 do Tribunal da Relação de Évora de 10 de Outubro de 2012 – que entendeu, na sequência dos Acórdãos do TC 16/2010 e 293/2012, dever entender-se que o pedido de rectificação e/ou aclaração de um despacho interlocutório suspende o prazo de interposição de recurso desse despacho[8].

xii. Não obstante, parte da jurisprudência desses mesmos Tribunais manteve entendimento diverso, em sentido divergente dessa orientação, sendo aqui particularmente relevante o Acórdão de 11.07.2012 do Tribunal da Relação do Porto que, com fundamento na revogação do artigo 686º do Código de Processo Civil, manteve decisão sumária de rejeição de recurso por extemporaneidade[9].

xiii. Deste Acórdão da Relação do Porto foi interposto recurso de constitucionalidade, que veio a ser decidido pelo Tribunal Constitucional através do Acórdão nº 403/2013, datado de 15 de Julho de 2013.
Neste Acórdão, em que se inflectiu a orientação do Tribunal Constitucional sobre a questão em apreço, decidiu-se: “não julgar inconstitucional a norma resultante da interpretação dos artigos 380.º e 411.º, nº 1, do Código do Processo Penal, com o sentido de que o prazo para interposição do recurso começa e continua a correr a partir do termo inicial previsto no referido artigo 411.º, n.º 1, mesmo quando o arguido, ao abrigo do disposto no artigo 380.º, n.º 1, b), tenha requerido a correcção da sentença”.[10]
Considerou o Tribunal Constitucional “A exigência que o recurso seja interposto nos prazos previstos no artigo 411.º, n.º 1, do Código de Processo Penal, independentemente de ser deduzido pedido de correcção, nos termos do artigo 380.º, n.º 1, alínea b), do mesmo diploma, que consta actualmente do regime do Código de Processo Civil, no artigo 669.º, n.º 3, em primeiro lugar, não pode ser acusada de não conter uma regra de fixação precisa do termo inicial do prazo de recurso, quando requerida uma correcção da sentença, uma vez que ela determina precisamente que, nesses casos, o prazo de recurso não sofre qualquer alteração, iniciando-se o mesmo nos momentos referidos no artigo 411.º, n.º 1, do Código de Processo Penal, colhendo essa regra apoio na configuração literal da lei, seja na redacção do próprio Código de Processo Penal, ao não estabelecer qualquer alteração dos prazos de recurso quando há um pedido de correcção, seja na actual redacção do artigo 669.º, n.º 3, do Código de Processo Civil, eventualmente aplicável, nos termos do artigo 4.º, do Código de Processo Penal, caso se entenda que se verifica uma lacuna na legislação processual penal.”
E prosseguiu: “Em segundo lugar, apesar de, nas hipóteses em que o pedido de correcção tem por fundamento a ambiguidade ou a obscuridade da decisão corrigenda, o cumprimento de tal exigência poder deparar com algumas dificuldades, a satisfação de um efectivo direito ao recurso não é por ela afectada, em termos que não permitam a sua admissão.
Na verdade, a efectividade deste direito exige que as normas processuais que o regulamentam assegurem que o arguido recor­rente tenha a possibilidade de analisar e avaliar criteriosamente os fundamentos da decisão recorrida, de forma a permitir-lhe um exercício consciente, fundado e eficaz deste seu direito de defesa.
O artigo 380.º, do Código de Processo Penal, regula os vícios da sentença que constituem meras irregularidades susceptíveis de correcção, não determinando a sua invalidade. Na alínea b), do n.º 1, prevêem-se as hipóteses de correcção de erro, lapso, obscuridade ou ambiguidade, cuja eliminação não importe uma modificação substancial da sentença.
Na presente questão de constitucionalidade apenas está em causa a conjugação do pedido de correcção deduzido pelo arguido e o direito ao recurso que a este assiste, designadamente se a exigência de que esse pedido seja efectuado aquando das apresentadas alegações de recurso põe em causa a garantia de um efectivo direito ao recurso.
Quando o arguido entende que está perante um mero erro ou lapso da decisão, cuja eliminação não importe a sua modificação substancial, a dedução do respectivo pedido de correcção não suscita dificuldades de maior à eventual intenção daquele recorrer. Nestas situações, o arguido conhece perfeitamente o conteúdo da decisão emitida, mas entende que ela enferma de um erro ou lapso, pelo que ele dispõe de todos os elementos indispensáveis para cumular o pedido de correcção com a elaboração das alegações de recurso. Estas poderão ser dirigidas à versão que o arguido entende necessitar de correcção, não vedando a interpretação sob fiscalização a faculdade do arguido alterar as alegações entretanto apresentadas, caso a decisão recorrida venha a ser corrigida, tal como actualmente se encontra previsto no artigo 670.º, n.º 3, do Código de Processo Civil. O arguido poderá ainda, se assim o entender, apresentar as alegações de recurso numa formulação condicional, cobrindo as hipóte­ses de correcção ou de não correcção do erro ou lapso, bastando para isso utilizar uma argumentação subsidiária.
Já quando o arguido entende que está perante uma obscuridade ou ambiguidade da decisão, ele defronta-se com uma opacidade, maior ou menor, do seu conteúdo que, na sua perspectiva, não lhe permite compreender, com certeza, todo o seu alcance, o que pode dificultar a definição pelo arguido do objecto da sua contra-argumenta­ção nas alegações de recurso.
Nestes casos, o arguido terá que efectuar um esforço interpretativo no sentido de determinar o sentido da decisão, cuja clarificação pretende, sendo certo que, no caso da decisão recorrida ser aclarada, como já acima referimos, a interpretação sindicada não veda a faculdade daquele poder alterar posteriormente as alegações apresentadas, tal como actualmente se encontra previsto no artigo 670.º, n.º 3, do Código de Processo Civil, pelo que não se pode afirmar que ela impede um exercício consciente e eficaz do direito ao recurso. Na hipótese do pedido de aclaração ser indeferido, não sendo reconhecida a existência da ambiguidade ou obscuridade apontada, a exigência do esforço interpretativo resultante da interpretação normativa sob fiscalização revela-se legítima, pelo que também nestas situações não se mostra violada a garantia de um efectivo direito ao recurso. Aliás, esse mesmo esforço interpretativo não deixa de ser exigido num regime em que o prazo de dedução do recurso só se inicia com o conhecimento da decisão que indefere o requerimento de correcção, uma vez que a decisão cuja aclaração se pretendia permanece inalterada, mantendo as dificuldades de percepção que motivaram o pedido de esclarecimento.
Desta análise das condições de dedução do recurso, segundo a interpretação sob fiscalização, resulta que a manutenção dos prazos de recurso definidos no artigo 411.º, n.º 1, do Código de Processo Penal, mesmo quando tenha sido requerida pelo arguido a correcção da decisão que se pretende impugnar, impõe um especial ónus de alegação cujo cumprimento não encerra uma dificuldade exces­siva e que se revela proporcional face ao objectivo constitucional perseguido de assegu­rar uma maior celeridade processual (artigo 20.º, n.º 5, da Constituição), com isso contribuindo para uma boa administração da justiça.
Assim, inflectindo a orientação seguida nos referidos Acórdãos n.º 16/2010 e 293/2012, em resultado de uma melhor leitura que reduz o alcance da interpretação normativa sob fiscalização, uma vez que ela não impede a possibilidade do recorrente, após deferimento do pedido de correcção, alargar ou restringir o âmbito do recurso, não deve tal interpretação ser julgada inconstitucional.

xiv. Esta nova orientação viria a ser confirmada em recurso para o Plenário do Tribunal Constitucional que, no Acórdão nº 253/2014, datado de 18 de Março de 2014[11], decidiu confirmar o juízo de não inconstitucionalidade formulado no Acórdão n.º 403/2013.
Reafirmou o Plenário do Tribunal Constitucional que: “Com efeito a norma sob fiscalização limita-se a exigir, nos casos em que se pretenda usar da faculdade prevista no artigo 380.º, n.º 1, b), do Código de Processo Penal, o respectivo requerimento seja apresentado com o recurso que se pretenda interpor da decisão corrigenda, não contendo qualquer tomada de posição sobre a possibilidade do recorrente, após deferimento daquele pedido, alargar ou restringir o âmbito do recurso, em conformidade com a alteração operada, sendo certo que está ao alcance do intérprete a aplicação subsidiária das atuais regras do Código de Processo Civil nesta matéria, nos termos do artigo 4.º, do Código de Processo Penal.”.
E acrescentou “Como o acórdão recorrido bem explica, relativamente às diferentes modalidades de correcção, essa exigência, embora imponha um especial ónus de alegação, a dificuldade do seu cumprimento é proporcional ao objectivo constitucional perseguido de assegu­rar uma maior celeridade processual, não afectando a garantia de um efectivo direito ao recurso.”.

xv. A jurisprudência do Tribunal Constitucional, assim reforçada pelo Acórdão do Plenário, tem sido mantida em posteriores decisões desse Tribunal – cfr. o Acórdão do Tribunal Constitucional nº 147/2016, de 9 de Março de 2016, no qual se decidiu: “indeferir a presente reclamação, mantendo o decidido na Decisão Sumária n.º 807/2015, quanto aos fundamentos da inadmissibilidade de parte do recurso e quanto ao juízo de não inconstitucionalidade da «dimensão normativa retirada dos artigos 411.º, n.º 1, alínea b) e 380.º, n.º 1, alínea b) do CPP, com o sentido de que o prazo de interposição de recurso se inicia e conta a partir do termo inicial fixado no n.º 1 do artigo 411.º (do depósito da sentença na secretaria, nos termos da alínea b) desse preceito legal), mesmo nos casos em que os arguidos, ao abrigo do disposto no artigo 380.º, n.º 1, alínea b) do CPP, tenham requerido a correcção da sentença para esclarecimento de obscuridade ou ambiguidade cuja eliminação não importe modificação essencial», nos seus exactos termos.”[12].

xvi. Tal jurisprudência do Tribunal Constitucional tem merecido acolhimento, disso sendo exemplos:
- a Decisão Sumária proferida no Recurso nº 955/02.0JFLSB-D.E1 do Tribunal da Relação de Évora de 11 de Março de 2014 – na qual se entendeu que o pedido de correcção ou esclarecimento da decisão proferida em processo penal não interfere no termo inicial do prazo de recurso previsto no artigo 411º, nº 1, al. a) do CPP, sendo a partir da notificação da decisão cuja correcção ou aclaração se pede que se inicia o prazo de recurso;[13]
- o Acórdão da Relação de Évora de 9 de Setembro de 2014, proferido no Recurso nº 5/02.7TBPSR-B.E1 – assim sumariado: “I - No regime legal introduzido pelo Dec. Lei n.º 303/2007 e mantido nos artigos 616.º, n.º 3, e 617.º do novo Cod. Proc. Civil, o pedido de aclaração deve ser deduzido na alegação de recurso, sendo acompanhada da faculdade de alteração das alegações entretanto apresentadas, caso a decisão recorrida venha a ser corrigida; II - A interpretação dos arts. 380.º e 411.º, n.º 1, do Cod. Proc. Penal, com o sentido de que o prazo para interposição do recurso começa e continua a correr a partir do termo inicial previsto no referido artigo 411.º, n.º 1, mesmo quando o arguido, ao abrigo do disposto no artigo 380.º, n.º 1, b), tenha requerido a correcção da sentença, não é inconstitucional, nomeadamente por violação do direito ao recurso (conforme se decidiu no Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 403/2013 de 15.07.)” [14].

11. Terminada a resenha da evolução legislativa e jurisprudencial, desçamos ao caso concreto.

i. O arguido RM… requereu a aclaração do despacho de fls. 15.124 e segs., fundando a sua pretensão no artigo 669º, nº 1, al. a), do Código de Processo Civil, ex vi do disposto no artigo 4º daquele código.

ii. À data em que tais despachos foram proferidos e notificados ao arguido, mostravam-se já em vigor as alterações introduzidas em 2007, em sede processual civil.

iii. O recorrente não deu cumprimento ao nº 3 do preceito que invocou (“Cabendo recurso da decisão, o requerimento previsto no n.º 1 é feito na alegação”).

iv. Deverá concluir-se que não interpôs recurso no prazo de vinte dias iniciado com a notificação efectuada em 27 de Maio de 2010 porque isso correspondia a uma dificuldade excessiva, por desconhecimento dos contornos da decisão, que tornaria o ónus de interposição de recurso nos termos definidos no CPC incompatível com as garantias de defesa em processo penal?

v. A resposta, necessariamente negativa, pode ser colhida, desde logo, nos termos em que o próprio pedido de aclaração é formulado pelo arguido/recorrente.
Efectivamente, a dúvida que o arguido visava ver aclarada, perante o segmento da decisão "não existem neste momento, para apreciação em primeira instância, nulidades”, contemplava duas alternativas, que no seu requerimento de aclaração, expressamente invoca:
a) ou o Tribunal de Julgamento, com tal frase, estaria a indeferir a Arguição de nulidade constante de fls. 9.660 dos autos; ou
b) ao invés, o Tribunal de Julgamento estaria a entender que tal questão já estava decidida pela decisão instrutória de fls. 13.881 e ss. dos autos, pelo que não lhe cabia decidi-la.

vi. Temos franca dificuldade em entender sequer a ambiguidade que o recorrente invoca.
Na verdade, se há já decisão sobre o pedido de nulidade que o arguido formulou, prolatada pelo Mº JIC, que lhe foi tempestivamente notificada e na qual expressamente se refere que se indefere o por si invocado (depois de se enunciar a questão e de a debater), não se vislumbra, salvo o devido respeito, qual a dúvida que lhe possa subsistir sobre tal questão.
É isso que decorre, cremos que cristalinamente, do teor do dito despacho proferido pelo Mº JIC e já acima transcrito (sublinhados nossos):
«Mais veio o arguido RM…, arguir a nulidade da acusação, por requerimento que ora faz fls. 9660 e ss., que aqui dou por integralmente reproduzido, (…)
Do requerimento de arguição de nulidade da acusação apresentado pelo arguido RM…:
No tocante à nulidade da acusação suscitada pelo arguido RO…, veio o Mº Pº pronunciar-se aduzindo o seguinte:
"O arguido RO… invoca a nulidade da acusação pelo facto de não ter sido constituído arguido com referência ao presente Processo.
Já anteriormente nos pronunciámos sobre tal alegação, conforme folhas 9950, onde entendemos não corresponder sequer à verdade que o arguido tivesse tomado contacto com os presentes autos apenas após ter sido deduzida acusação.
Com efeito, o RO… foi constituído como arguido e interrogado, por duas vezes, nessa qualidade, no âmbito do Proc. …/…TELSB, onde veio a ser proferida decisão que autorizou a separação de processos, quanto aos factos que foram versados no segundo interrogatório, e que expressamente foram incorporados no objecto dos presentes autos- decisão certificada a folhas 8104.
O defensor do arguido RO… foi notificado expressamente desse despacho, onde claramente se afirma que o Sr. RO… mantinha a qualidade de arguido no Processo …/…TELSB, relativamente aos factos pelos quais já havia sido interrogado no Processo …/…- conforme folhas 2613, do Processo …/…TELSB.
A separação de processos significa a transferência de um objecto processual para apreciação numa nova unidade processual, com o aproveitamento dos actos praticados, importando apenas garantir que seja conferida ao arguido a possibilidade de se defender sobre os factos que lhe são imputados, o que inegavelmente aconteceu no caso concreto.
Foram conferidas todas os direitos de defesa ao arguido RO… relativamente aos factos de que aqui foi acusado, uma vez que foi expressamente ouvido sobre esses factos, sendo praticamente confrontado com um projecto de acusação especifico sobre tais factos e que lhe permitiu apresentar prova adicional que entendeu útil para a sua defesa.
Entendemos assim, que não se verificou uma omissão das formalidades necessárias no Inquérito, mas tão só um aproveitamento dos actos processuais praticados num outro processo, através da figura da separação processual, nos termos dos arts. 29° e 30° do Cod. Processo Penal, decidida por despacho judicial, de que o arguido foi expressamente notificado.
No caso de conexão de Processos, como foi o que se verificou nos presentes autos, é deduzida uma só acusação, no processo principal, o que significa que os arguidos constituídos nos processos apensados não têm que se constituídos formalmente como tal no Processo principal - art. 283°-4 do Cod. Processo Penal.
Tais questões encontram-se já discutidas, em sede do recurso interposto sobre a decisão de separação de processos proferida no Proc. …/…, cuja simples pendência aqui não produz efeitos, mas cuja decisão não deixará de se repercutir nos presentes autos.
Renovamos assim, o entendimento de que não se verifica a nulidade da acusação, por pretensa preterição da constituição como arguido do RO…, uma vez que estamos perante um caso de conexão de processos, promovendo se indefira a invocada nulidade. "
Cumpre apreciar e decidir.
Como bem salienta o Mº Pº, os autos já contêm pronúncia sobre a alegação do arguido de que só tomou conhecimento do teor dos presentes autos com a dedução da acusação.
O arguido Sr. RO… foi, aliás, interrogado duas vezes, na descrita qualidade, no âmbito do NUIPC …/…PELSB.
Quanto aos factos que ora foram objecto de despacho final no inquérito eles são os que já foram objecto do segundo daqueles interrogatórios.
Tais autos de interrogatório estão insertos na certidão que ora faz fls. 8104.
Damos aqui por reproduzidas as hialinas considerações do detentor da acção penal no que tange ao que significa a separação de processos operada no NUIPC …/…PELSB.
Em nosso entender, na nova unidade processual aproveitam-se os actos praticados.
E ao arguido estão garantidas todas as possibilidades de se defender sobre os factos que lhe foram imputados.
Não ocorreu, no caso sub júdice, pois, a nossos olhos, qualquer preterição ou omissão das formalidades necessárias ao inquérito.
Dando aqui por reproduzida a posição do MºPº nesta matéria, por nos parecer ser a correcta neste particular, indefiro a nulidade invocada – ex vi dos art.ºs 29º e 30º C.P.P.
Notifique».

vii. Não obstante e ainda que de outro modo se pudesse entender (ou seja, ainda que se pudesse considerar como minimamente fundamentada a dúvida existencial que expressa no seu requerimento aclarativo) teremos de dizer, como no Acórdão do TC nº 403/2013, que se com a notificação da decisão de fls. 15.124 e segs., o arguido entendeu que estava perante uma obscuridade ou ambiguidade da decisão, se se defrontou com uma opacidade do seu conteúdo que, na sua perspectiva, não lhe permitia compreender, com certeza, todo o seu alcance, a verdade é que embora essa sua dúvida lhe pudesse dificultar a definição do objecto da sua contra-argumenta­ção nas alegações de recurso, tais dificuldades não assumiriam proporções incompatíveis com o direito ao recurso.

viii. No caso, cabia ao arguido, como propugnado pelo Tribunal Constitucional, efectuar um esforço interpretativo no sentido de determinar o sentido da decisão cuja clarificação pretendia, sendo certo que, no caso da decisão recorrida ser aclarada, como já acima referimos, a interpretação sindicada não vedaria a faculdade daquele poder alterar posteriormente as alegações apresentadas, tudo como previsto no artigo 670.º, n.º 3, do Código de Processo Civil.
Não se pode assim afirmar que estaria impedido o exercício consciente e eficaz do direito ao recurso. Note-se aliás que, como pertinentemente se chamou a atenção no Acórdão do TC nº 403/2013, na hipótese do pedido de aclaração ser indeferido (i.e., não ser reconhecida a existência da ambiguidade ou obscuridade apontada), a exigência do esforço interpretativo resultante da interpretação normativa sob fiscalização ter-se-ia revelado legítima, já que também nestas situações não se mostra violada a garantia de um efectivo direito ao recurso.

12. Desta análise das condições de dedução do recurso no caso concreto, segundo a interpretação das normas legais que esteve subjacente ao Acórdão 403/2013, resulta que a manutenção do prazo de recurso definido no artigo 411.º, n.º 1, do Código de Processo Penal, mesmo perante o requerimento de aclaração da decisão que se pretende impugnar, “impõe um especial ónus de alegação cujo cumprimento não encerra uma dificuldade exces­siva e que se revela proporcional face ao objectivo constitucional perseguido de assegu­rar uma maior celeridade processual (artigo 20.º, n.º 5, da Constituição), com isso contribuindo para uma boa administração da justiça”.

13. Não se vislumbra, pois, qualquer fundamento para se divergir da jurisprudência do Tribunal Constitucional, mantida nos Acórdãos nrs. 403/2013, 253/2014 e 147/2016 (e a qual, aliás, já propugnávamos – a par de grande parte da jurisprudência, como acima se mostra referido - desde as alterações legislativas ao C.P.Civil de 2007).

14. E nessa conformidade, impõe-se concluir que o prazo para interposição de recurso - 20 dias, nos termos do nº 1 do artigo 411º do CPP - contado a partir da notificação efectuada em 27 de Maio de 2010, terminou sem que fosse interposto recurso (o dia 21 de Junho de 2010 correspondeu ao terceiro dia útil seguinte ao termo do prazo, sendo certo que o recurso foi apenas interposto no dia 9 de Julho de 2010), pois à data de tal notificação, já se mostrava revogado o artº 686º do C.P.Civil, pelo Dec. Lei nº 303/07, de 24/08, razão pela qual tal prazo não se suspendeu com a apresentação do pedido de aclaração do despacho recorrido.

15. Uma vez que a interposição de tal recurso se mostra extemporânea e não estando este tribunal vinculado à decisão que o admitiu, tudo como resulta do disposto no artº 414 nºs 2 e 3 do C.P.Penal, há que concluir que o mesmo terá de ser rejeitado, nos termos do artº 420 nº1 al. b) do mesmo diploma legal.

16. Não obstante, para “paz e descanso das consciências”, aditar-se-á o seguinte:

a. O recurso interposto pelo arguido reporta-se, como acima se referiu, ao despacho que designou dia para julgamento, residindo a crítica do recorrente na circunstância de, em tal despacho, não se ter o Mº juiz “a quo”  pronunciado sobre a questão da nulidade da acusação contra si deduzida nos presentes autos por, sendo possível dar cumprimento ao disposto nos artigos 196º e 272º, nº 1, do C.P.Penal, o MºPº ter optado por não o fazer, assentando a qualidade de arguido do Sr. RO… num despacho de exportação dessa mesma qualidade de outros autos criminais para os presentes autos.

b. Sucede, todavia, que tal omissão de pronúncia não ocorreu. Efectivamente, uma vez que, após a decisão a este respeito proferida pelo Mº JIC e antes da prolação do despacho previsto no artº 311 do C.P.Penal, o arguido não renovou, perante o juiz do julgamento, qualquer novo pedido de reapreciação dessa já anteriormente apreciada nulidade, entendendo o juiz do julgamento que se não verificava a existência de qualquer vício que lhe cumprisse oficiosamente conhecer, o despacho proferido, declarando a inexistência de nulidades de que cumpra conhecer, não configura qualquer omissão de pronúncia.

c. Na verdade, as nulidades processuais podem ser conhecidas por duas formas:
Oficiosamente – é o caso das nulidades insanáveis (artº 119 do C.P.Penal);
Por arguição dos interessados – as restantes (vide artº 120 e segs. do C.P.Penal).

d. No caso, tendo o arguido suscitado tal nulidade, invocando a “violação do diposto no artigo 119º al. d), do C.P.Penal ou, pelo menos, a constante do artigo 120º, nº 1, e nº 2, al. d), desse mesmo diploma”, tendo havido já decisão judicial sobre a mesma – em que se entendeu que não se verificava nenhum dos apontados vícios – seguindo os autos para proferimento do despacho previsto no artº 311 do C.P.Penal, apenas caberia ao juiz do julgamento proceder a uma reanálise de tal questão caso entendesse que se verificava uma nulidade insanável – pois aí a lei impõe-lhe o conhecimento oficioso - o que não foi o caso, pois que, ao inverso, declarou a sua inexistência.

e. Assim, cabia ao arguido renovar, agora perante o juiz do julgamento, a arguição da nulidade já anteriormente alvo de decisão judicial em fase de instrução, o que não fez.

f. Assim, ainda que o presente recurso tivesse sido tempestivamente apresentado, a verdade é que o mesmo se mostraria votado à manifesta improcedência, uma vez que, efectivamente, inexistem as nulidades que o arguido invocava (não só a de omissão de pronúncia, mas igualmente as relativas à violação de dispositivos legais concernentes à sua constituição como arguido), pelas razões que se mostram já consignadas na decisão proferida pelo Mº JIC a este respeito, às quais se dá o nosso acordo e que aqui damos por reproduzidas (artº 420 nº2 do C.P.Penal). Por tal razão, não caberia razão ao recorrente, no que respeita à ocorrência do vício que invoca, pelo que o despacho proferido ao abrigo do disposto no artº 311 do C.P.Penal seria mantido.

17. Encerrada a apreciação deste recurso, resta-nos apenas determinar o que segue:
Pelo exposto, decide-se rejeitar, por manifesta improcedência e por extemporaneidade, o recurso interlocutório interposto pelo arguido rm… do despacho de fls. 15.124 a 15.136, ao abrigo do disposto nos artºs 411 nº1, 414 nºs 2 e 3 e 420 nº1 als. a) e b), todos do C.P.Penal.

                                                    *
2º - Apreciação do despacho de fls. 18.875 a 18.893, proferido em 8.11.2010, que remeteu as partes para os tribunais civis relativamente aos pedidos de indemnização cíveis deduzidos nos autos (recurso interposto pelo arguido RC…).

1. Por despacho proferido em 8 de Novembro de 2010 (fls. 18.875 a 18.893), foi decidido remeter as partes para os tribunais civis, no que concerne aos oito pedidos de indemnização civil que nos autos foram deduzidos pelo Ministério Público, em representação do Estado Português, e pelas sociedades SLN – Sociedade Lusa de Negócios, SGPS, S.A. e BPN – SGPS, S.A., Banco Português de Negócios, S.A., Adicais – Investimentos Imobiliários, S.A., Partenon – Prestação de Serviços, S.A., Geslusa – Trading, Lda., Sogipart – Sociedade Imobiliária, SGPS, S.A. e Sociedade Agrícola Valle Flor, S.A..

2. Esse despacho tem o seguinte teor:
A) Do atraso considerável/significativo (intolerável) do processo penal:
Como é sabido os presentes autos são de excepcional complexidade.
Aliás, como bem o refere o arguido LC… em sede de contestação (fls. 17548) "a enorme complexidade técnica dos presentes autos, implica a necessidade de dominar um conjunto de conceitos, muito para além da singela aplicação do direito, nas mais diversas áreas designadamente contabilística e bancária."
A matéria criminal é, de facto, extensa, complexa ...
O próprio processo conta já com 155 apensos bancários, 30 apensos temáticos, alguns deles com 3, 4 ou 8 volumes, alguns com CD's, 41 apensos de busca com repositórios de caixa de correio com centenas de megabytes de informação e 19000 folhas de processado com 51 volumes até à presente fase).
O número de testemunhas a inquirir no âmbito da matéria crime é, igualmente, elevadíssimo (368 testemunhas).
Considerando todos estes factores, bem como o n.º de intervenientes processuais e os mandatários que os representam prevê-se, sem dúvida, um julgamento demorado.
Resulta da resenha "supra" efectuada que foram apresentados 41 articulados cíveis (pedidos cíveis e contestações cíveis).
As testemunhas a inquirir relativamente à matéria cível, sem contar com as da acusação que igualmente se pronunciariam sobre tal matéria são em número de 131.
A matéria cível, porque intimamente conexa com a criminal, também se apresenta extensa e complexa.
São também vastas e complexas as diligências probatórias requeridas em diversas contestações cíveis.
Por sua vez, a complexidade da matéria cível e as diligências probatórias requeridas, além dos incidentes já invocados, certamente que provocariam, ao longo do Julgamento, inúmeros incidentes que potenciariam, ainda mais, a longevidade do Julgamento.
Vale o exposto por dizer que o Julgamento, em bloco, de toda a matéria cível (referidos pedidos cíveis e contestações cíveis) iria protelar, inequivocamente, de forma inexorável e inadmissível o Julgamento da matéria crime.
Acresce que:
A acusação foi deduzida a 21 de Novembro de 2009.
A pronúncia foi proferida a 18 de Março de 2010.
Algumas vicissitudes processuais determinaram que o Julgamento fosse adiado e, finalmente, designado para o dia 15.12.2010, cerca de 1 ano depois da data em que foi deduzido o libelo acusatório.
O Julgamento da matéria cível implicaria, necessariamente, um novo adiamento, sem que se pudesse afirmar, com a devida certeza, que esse adiamento seria só de 1 ou 2 meses, não havendo, aliás, nessas circunstâncias, qualquer previsibilidade para o seu início.
Com efeito, além das inúmeras diligências probatórias que foram requeridas, algumas das excepções deduzidas imporiam, certamente, esse adiamento.
Não se olvide, neste âmbito, as excepções de litispendência, bem como os requerimentos de intervenção principal provocada de Companhias de Seguro.
As primeiras levariam a que o Tribunal averiguasse e solicitasse certidões de articulados das várias acções pendentes nas Varas Cíveis de Lisboa e que, posteriormente, juntas aos autos, permitisse o devido contraditório sobre as mesmas, após o que é que poderia proferir decisão sobre tais excepções.
As segundas imporiam, desde já, o exercício do contraditório, a citação das Companhias de Seguros para intervirem nos autos (situações expectável e plausível), a apresentação dos articulados pelos intervenientes e exercício posterior do contraditório bem como, por fim, a decisão sobre os incidentes que, eventualmente, se viessem a colocar.
Muitos dos factos constantes da pronúncia remontam às datas de 2000, 2001 e 2002.
O adiar do Julgamento nas condições referidas e o Julgamento da matéria cível conexa com a criminal, protelaria de forma intolerável o início do Julgamento bem como o seu decurso.
Nesta medida, considerando algumas das molduras gerais abstractas dos crimes de que os arguidos se encontram acusados, corria-se risco sério de prescrição do procedimento criminal em relação a alguns deles e, assim, concomitantemente, haveria um grave risco para a pretensão punitiva do Estado.
B) As questões suscitadas nos articulados cíveis inviabilizam uma decisão rigorosa das respectivas matérias:
Como vimos, vários dos pedidos cíveis são de valor elevadíssimo.
Foram inúmeras as excepções dilatórias suscitadas (ineptidões das petições iniciais; prescrição, ilegitimidade activa, ilegitimidade passiva, litispendência; incompetência em razão da matéria).
De fundo, também se vislumbra nas contestações cíveis matéria que consubstancia factos impeditivos, modificativos ou extintivos dos direitos alegados pelos demandantes cíveis- art. 342°, n.º 2 do C.C.).
Porém, ao contrário do que acontece nos tribunais civis onde são admissíveis vários articulados (petição inicial, contestação, réplica e tréplica), no pedido cível enxertado no processo-crime só são admitidos dois articulados (pedido de indemnização cível e contestação).
Ou seja, a natureza e amplitude da acção cível permite uma discussão muito mais vasta e alargada das excepções dilatórias, peremptórias ou de direito material invocadas pelas partes ao longo dos articulados cíveis.
Considerando o valor dos pedidos cíveis e o nível e complexidade das questões cíveis suscitadas nos respectivos articulados, é de concluir que a natureza do processo penal inviabilizaria uma decisão rigorosa sobre as mesmas, com prejuízo para as próprias partes).

3. Inconformado, o arguido/demandado rj… interpôs recurso desse despacho (vide fls. 19.137 e segs).

4. O recurso foi admitido (fls. 31.156) e determinada a sua subida diferida, com o recurso que pusesse termo à causa, nos próprios autos e com efeito meramente devolutivo.

5. O arguido extraiu da motivação as seguintes conclusões:
I - O despacho de que ora se recorre fundamenta a sua decisão de remessa da matéria cível dos presentes autos para os tribunais civis na verificação cumulativa das duas condições, ou excepções, previstas no artigo 82°, 3 do CPP: (i) atraso considerável/significativo do processo penal e (ii) as questões suscitadas nos articulados cíveis inviabilizam uma decisão rigorosa das respectivas matérias.
II - O Recorrente discorda totalmente da argumentação e decisão do Tribunal a quo uma vez que entende não se verificarem nenhuma das duas alegadas excepções ao princípio da adesão.
III - Por um lado, o princípio da adesão previsto no artigo 71 o do CPP consagra a regra geral de que a matéria cível e a matéria crime devem ser apreciadas em conjunto.
IV - A ratio legis do referido princípio prende-se maioritariamente com a função social do processo penal e com a necessária protecção do lesado. Mas não só.
V - De facto, inerente ao princípio da adesão estão também razões de economia processual, razões de economia de meios e razões de prestígio institucional, como bem explicam M. Simas Santos e M. Leal-Henriques em citação constante do artigo 9° das presentes alegações de recurso.
VI - ln casu, não se vislumbra em que medida é que a apreciação da matéria civil juntamente com a matéria criminal nos presentes autos implica o levantamento de incidentes que possam retardar "intoleravelmente o início do julgamento bem como o seu decurso".
VII - Bem pelo contrário: a decisão ab initio de algumas das excepções levantadas pelos Demandados, tais como a ineptidão da petição inicial por contradição entre a causa de pedir e o pedido, a ilegitimidade activa e passiva ou mesmo a prescrição poderiam, caso fossem consideradas procedentes, contribuir para uma maior celeridade no processo no seu todo.
VIII - O alegado atraso no processo-crime tem de configurar efectivamente um atraso intolerável, de natureza excepcional, e não um atraso baseado em meras expectativas potencialmente advenientes de incidentes levantados nos autos.
IX - Não pode a mera expectativa de retardamento do processo constituir fundamento para a decisão de que ora se recorre.
X - Não pode também ser ignorado o facto de o processo penal ser menos formalista do que o processo civil: enquanto no pedido civil enxertado no processo-crime são admitidos apenas dois articulados, na acção civil são admitidos quatro articulados, o que torna inevitavelmente mais morosa a apreciação da matéria civil, com inconvenientes não só para os Demandados mas também para os Demandantes.
XI - Acresce o facto de a remessa da matéria civil para os tribunais civis implicar dar sem efeito os articulados que já se encontram nos autos do processo-crime, isto é, tem como consequência deitar por terra todo o trabalho, custos e estratégia processual desenvolvidos pelos Demandantes e Demandados no âmbito do processo-crime.
XII - O que não vai ao encontro do espírito do legislador quando consagrou o princípio da adesão ou mesmo as excepções a esse princípio.
XIII- No que respeita ao número de testemunhas a ouvir sobre a matéria cível, estão não poderão causar um atraso intolerável do processo penal, pois a verdade é que a maioria dessas testemunhas - que são em número inferior às testemunhas crime - serão ouvidas também quanto à matéria crime, sendo do maior interesse que todas sejam ouvidas no mesmo processo, no mesmo momento e sob a égide do mesmo Tribunal.
XIV - Como também não pode ser ignorado que a separação dos processos implica, essa sim, a duplicação de inquirições, de tempo e de recursos, assim como o risco de contradições, correndo-se nomeadamente o risco final de obtenção de decisões finais contraditórias.
XV - Ou seja, entende o Recorrente que são maiores os danos resultantes da remessa da matéria civil para os tribunais civis do que a sua apreciação no âmbito do processo-crime.
XVI - Acresce que se ambas as matérias estão intimamente conexas, como refere o despacho recorrido, entende o Recorrente que as mesmas deveriam ser apreciadas em conjunto em prol de uma decisão consistente.
XVII - Pois o julgamento da matéria crime implicará sempre a produção de prova sobre factos coincidentes com os factos a averiguar em matéria cível.
XVIII - De facto, no caso do ora Recorrente, as testemunhas arroladas na contestação ao pedido cível são exactamente as mesmas testemunhas arroladas na contestação crime, com excepção de quatro testemunhas abonatórias, naturalmente, apenas indicadas para a matéria criminal, pelo que devem ser inquiridas num mesmo momento e pelo mesmo Tribunal.
XIX - No que respeita à segunda excepção ao principio da adesão, não se vê também neste segundo argumento constante do despacho de que ora se recorre qualquer fundamento.
XX - De facto, o Tribunal a quo socorre-se do "valor dos pedidos cíveis e do nível e da complexidade das questões suscitadas nos respectivos articulados" para justificar a inviabilidade de obtenção de uma decisão rigorosa sobre as mesmas ...
XXI - Ora, é precisamente pelo facto de a responsabilidade civil dever ser apreciada enquanto enquadrada na parte criminal, e em sintonia com esta, que o rigor da decisão será mais facilmente alcançado se ambas as matérias forem tratadas pelo mesmo Tribunal.
XXII - Pois se a matéria civil e a matéria criminal estão "intimamente conexa(s)", a decisão será tanto menos rigorosa quanta mais afastada a análise das respectivas matérias for.
XXIII - De facto, também a aplicação desta segunda excepção legal deve ser feita com ponderação, como bem refere Lopes do Rego, conforme citação consta do artigo 32° das presentes alegações de recurso.
XXIV - Também aqui a remessa da matéria civil para os tribunais civis implica inutilizar os articulados constantes do processo-crime, isto é, significa deitar por terra todo o trabalho, custos e estratégia processual desenvolvido pelas partes civis.
XXV - O rigor que se pretende alcançar na decisão da matéria civil só poderá ser garantido se efectivamente a respectiva apreciação e produção de prova andar a par e passo com a apreciação e produção de prova da matéria-crime.
XXVI- Finalmente, de referir que os argumentos expostos nos pontos III e IV, XII e XIV a XVIII quanto à primeira excepção ao princípio da adesão têm total aplicação também nesta segunda excepção. 

6. O MºPº apresentou a seguinte resposta:
1º - O processo evidencia os seguintes elementos: por um lado, na vertente penal, as acusações (2), a pronúncia, as contestações (16) e as muitas testemunhas; e, por outro lado, na vertente civil, os pedidos cíveis (8), as contestações (32), as excepções (33), os requerimentos de intervenção principal provocada (3) e, também, as muitas testemunhas.
2º - Acresce que os factos a julgar são do domínio do direito penal económico (crimes de burla, abuso de confiança, falsificações, branqueamento de capitais e fraudes fiscais), os quais, nos termos da pronúncia, foram praticados no seio dum grupo económico, a Sociedade Lusa de Negócios, dona do BPN – Banco Português de Negócios, com recurso, designadamente, a bancos instrumentais e a múltiplas sociedades offshores.
3º - Aqueles elementos elencados e a natureza dos factos a julgar, conferem ao processo uma enorme “complexidade fáctica e legal”.
4ª - Ora, é precisamente esta enorme complexidade fáctica e legal que dá segura sustentação ao núcleo essencial do juízo do despacho recorrido nos termos do qual as questões suscitadas pelos pedidos de indemnização civis são susceptíveis de gerar incidentes que retardem intoleravelmente o processo penal.
5ª - Em suma: o despacho recorrido fez correcta aplicação da lei ao caso e, assim, não incorreu em qualquer violação de lei, designadamente dos artigos 71º e 82º n.º 3, ambos do C.P.Penal.

7. O arguido RD…, no seu recurso, manifestou expressamente interesse na manutenção deste recurso interlocutório e na sua apreciação.

8. Ponto prévio.
Antes de mais, cumpre deixar claro que a decisão de remeter as partes para os tribunais civis transitou em julgado no que se reporta aos enxertos cíveis relativos aos pedidos deduzidos por Partenon – Prestação de Serviços, S.A., Geslusa – Trading, Lda. e Sociedade Agrícola Valle Flor, S.A., uma vez que o recorrente RJ… não foi demandado por tais sociedades, sendo certo que quer elas, quer as pessoas por elas demandadas, se conformaram com a decisão, não tendo dela interposto recurso.
9. Apreciando.
i. Tendo em atenção o conteúdo do recurso apresentado, constata-se que a questão aqui a apreciar se resume a saber se, no caso dos autos, ocorrem ou não as excepções invocadas ao princípio da adesão, constantes no despacho acima transcrito.

ii. Delimitando o alcance deste princípio, fazemos nossas as considerações que, a tal propósito, se mostram vertidas no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça nº 1/2013 (Acórdão de Fixação de Jurisprudência) que, nos trechos mais relevantes para o caso em apreço, passamos a citar[15]:
“O pedido de indemnização civil fundado na prática de um crime é deduzido no processo penal respectivo, só o podendo ser em separado, perante o tribunal civil, nos casos previstos na lei.(…)
Refere MAIA GONÇALVES:
A prática de uma infracção criminal é possível fundamento de duas pretensões dirigidas contra os seus agentes, uma acção penal, para julgamento, e, em caso de condenação, aplicação das reacções criminais adequadas, e uma acção cível, para ressarcimento dos danos patrimoniais e não patrimoniais a que a infracção tenha dado causa.
A unidade de causa impõe entre as duas acções uma estreita conexão. Mas é certo que se não confundem, e por isso mesmo se tem discutido se deverão ser objecto do mesmo processo, ou se deverão antes ser decididas em processos autónomos, e mesmo em jurisdições diferentes.        
Assim, apareceram os sistemas da identidade, o da absoluta independência e o da interdependência, também designado por sistema da adesão.
a) O sistema da identidade só pode ter hoje um interesse histórico. Apelidando-o de sistema da confusão total, Figueiredo Dias, Sobre a reparação de perdas e danos em processo penal, estudo in memoriam do Prof. Beleza dos Santos, Bol. da Fac. de Dir. de Coimbra, 1966, pág. 88 e separata, diz que corresponde a uma fase de evolução em que se confunde ainda o direito penal como o civil e a uma concepção do processo penal onde não está ainda presente o interesse da sociedade na punição do culpado, mas apenas o interesse da vítima em obter vingança e reparação, indicando um estádio primitivo das legislações.
b) O sistema da absoluta independência arranca das diferentes finalidades que as acções penal e cível se propõem realizar. É o sistema perfilhado pelas legislações inglesas, americana e brasileira. Vejam-se, entre nós, sobre este sistema, Cavaleiro de Ferreira, Curso, I págs. 16-17; Castanheira Neves, Sumários, pág. 74 e Figueiredo Dias, loc. cit. pág. 89 e Direito Processual Penal, I, 540 e segs.
c) O sistema da interdependência ou da adesão é perfilhado pela maioria das legislações e comporta um sem número de cambiantes que têm como denominador comum a possibilidade ou, obrigatoriedade de juntar a acção cível à penal, permitindo que o juiz penal decida também a acção cível."
(…)
No plano do direito adjectivo, o actual Código de Processo Penal (CPP), mantendo o sistema de adesão, veio conferir àquela acção de indemnização pela prática de um crime, formalmente enxertada no processo penal, a estrutura material de uma autêntica acção cível, acolhendo, inequivocamente, os princípios da disponibilidade e da necessidade do pedido (arts. 71º, 74. a 77. e 377, do CPP) e prescrevendo que a decisão final, ainda que absolutória, que conheça do pedido cível, constitui caso julgado nos termos em que a lei atribui eficácia de caso julgado às sentenças civis (art. 84. do CPP).
(…)
Como resulta claramente do disposto dos arts. 128º. e 129º. do actual CP, versões respectivamente de 1982 e 1995, a indemnização de perdas e danos, ainda que emergente de crime, deixou de constituir pois, um efeito penal da condenação (como sucedia no CP/1886 -art. 76., § 3.) para passar a ser regulada pela lei civil, assumindo, pois, a natureza de uma obrigação civil em sentido técnico, nos termos do art. 397º., do Código Civil, com o seu regime específico.
Seria legalmente inadmissível no processo penal e ao tribunal criminal faleceria competência, em razão da matéria, para dele conhecer, caso o pedido cível não se fundasse em indemnização por danos ocasionados pelo crime ou não se fundamentasse na responsabilidade civil do agente pelos danos que, com a prática do crime causou, pois que a acção cível que adere ao processo penal é a que tem por objecto a «indemnização por perdas e danos emergentes do crime», e só essa (arts. 128º do CP/82 e 129.º do CP/95.).
(…)
A dedução do pedido cível em processo penal é a regra e a dedução em separado a excepção (v. artºs 71º, 72 e 75 do C.P.P.), sem prejuízo de quando as questões suscitadas pelo pedido de indemnização inviabilizarem uma decisão rigorosa ou forem susceptíveis de gerar incidentes que retardem intoleravelmente o processo penal, o tribunal pode, oficiosamente ou a requerimento, remeter as partes para os tribunais civis.
(…)
Embora o processo civil defina vários aspectos do regime da acção enxertada, como da definição da legitimidade das partes, é a acção penal que verdadeiramente suporta, orienta e conforma todo o rito processual, marcando definitivamente a cadência de intervenção dos demandantes civis na causa e os principais aspectos de forma a observar no seu desenrolar, sem esquecer a diligência para que conflui todo o processo: a audiência de julgamento, como o indicam as circunstâncias: de ser a data da acusação o termo a quo da dedução do pedido cível - arts, 77º, n. 1 e 75º; da intervenção processual do lesado se restringir à sustentação e à prova do pedido de indemnização civil, competindo-lhe correspondentemente, os direitos que a lei confere aos assistentes - art. 74., n. 2; dos demandados e os intervenientes terem posição processual idêntica à do arguido quanto à sustentação e à prova das questões civis julgadas no processo - art. 74. n, 3; da falta de contestação não ter efeito cominatório - art. 78.º, n, 3; do tribunal poder, oficiosamente ou a requerimento dos interessados, remeter as partes para os tribunais civis quando as questões suscitadas pelo pedido de indemnização civil inviabilizarem uma decisão rigorosa ou forem susceptíveis de gerar incidentes que retardem intoleravelmente o processo penal - art. 82.º, n. 3; do art. 401.º, n, 1, c), conferir às partes civis legitimidade para recorrer "da parte das decisões contra cada um proferidas"; do art. 402., n, 2, b), estatuir que, em geral, o responsável civil, ainda que não seja recorrente, beneficia do recurso do arguido, sendo certo que a inversa também é verdadeira, como resulta da alínea seguinte - c) do mesmo artigo; do art. 403º nº 2, a), estabelecer, em matéria de limitação do recurso, a possibilidade de recurso autónomo da decisão penal relativamente à civil. (…).

10. Nos termos do art.º 71 do C.P.Penal, o pedido de indemnização civil fundado na prática de um crime é deduzido no processo penal respectivo, só o podendo ser em separado, perante o tribunal civil, nos casos previstos na lei, o que corresponde ao chamado princípio da adesão ou da interdependência.

i. Foi precisamente a tal princípio que os demandantes Estado Português (representado pelo Ministério Público) e sociedades SLN – Sociedade Lusa de Negócios, SGPS, S.A. e BPN – SGPS, S.A., Banco Português de Negócios, S.A., Adicais – Investimentos Imobiliários, S.A., Partenon – Prestação de Serviços, S.A., Geslusa – Trading, Lda., Sogipart – Sociedade Imobiliária, SGPS, S.A. e Sociedade Agrícola Valle Flor, S.A. visaram dar cumprimento ao deduzirem os respectivos pedidos de indemnização civil, que foram oportunamente admitidos.
Na sequência de tal admissão e do cumprimento do contraditório (cfr. artigo 78º do C.P.P.) foram apresentadas nos autos as 32 (trinta e duas) contestações aos pedidos cíveis a que se alude na decisão recorrida.

ii. Não obstante, o artº 82º nº 3 do C.P. Penal estabelece a possibilidade do tribunal remeter oficiosamente as partes para os tribunais civis – isto é, prevê mais uma excepção ao princípio da adesão, um princípio cautelar, para além das que se mostram vertidas no artº 72 do C.P. Penal – estipulando que “O tribunal pode, oficiosamente ou a requerimento, remeter as partes para os tribunais civis quando as questões suscitadas pelo pedido de indemnização civil inviabilizarem uma decisão rigorosa ou forem susceptíveis de gerar incidentes que retardem intoleravelmente o processo penal”.

iii. E é essa, precisamente, a questão que aqui está em causa, a de saber como entender e enquadrar a excepção prevista no nº 3 do citado artigo 82º do C.P. Penal e se o caso que ora apreciamos – dadas as suas particularidades – se deve considerar abrangido na mesma.

 iv. Nessa norma mostram-se consignadas duas situações que permitem tal quebra do princípio da adesão, a saber:
- Quando surjam questões relativas ao pedido cível que inviabilizem uma decisão rigorosa;
- Quando surjam questões relativas ao pedido cível, susceptíveis de gerar incidentes que levem ao retardamento intolerável do processo penal.

v. Entendeu-se na decisão recorrida que se verificavam cumulativamente as duas situações. Considera o recorrente que não ocorre nenhuma delas.
Vejamos então.

11. O tribunal “a quo” especificou os fundamentos em que se baseou para considerar intolerável o retardamento trazido para o processo penal pela adesão dos pedidos cíveis, indicando as delongas decorrentes das invocadas excepções de litispendência, bem como dos requerimentos de intervenção principal provocada de companhias de seguros.
Como se lê na decisão recorrida, “As primeiras levariam a que o Tribunal averiguasse e solicitasse certidões de articulados das várias acções pendentes nas Varas Cíveis de Lisboa e que, posteriormente, juntas aos autos, permitisse o devido contraditório sobre as mesmas, após o que é que poderia proferir decisão sobre tais excepções. As segundas imporiam, desde já, o exercício do contraditório, a citação das Companhias de Seguros para intervirem nos autos (situações expectável e plausível), a apresentação dos articulados pelos intervenientes e exercício posterior do contraditório bem como, por fim, a decisão sobre os incidentes que, eventualmente, se viessem a colocar”.

i.  É isento de qualquer dúvida que as muitas questões incidentais suscitadas no âmbito dos enxertos cíveis determinariam um inevitável retardamento do processo penal.
Para assim concluir, basta pensar que a recolha de elementos para apreciação das excepções invocadas – como a de litispendência, como bem se assinala na decisão recorrida – importaria segura demora.
Por outro lado, o cumprimento do contraditório relativamente às excepções (mesmo que exercido oralmente e apenas no início da audiência de julgamento, na falta de previsão legal de articulados subsequentes à contestação), importaria retardamento. Seguramente a tramitação dos incidentes de intervenção principal deduzidos, determinaria a demora a que se alude na decisão recorrida, implicando, inclusivamente, o adiamento da audiência de julgamento.  
Se é certo que dos enxertos cíveis decorreria retardamento, poderá concluir-se que se trataria de retardamento intolerável do processo penal?

ii.  A resposta passa, antes de mais, pela consideração de um outro princípio fundamental, com consagração constitucional (cfr. artigo 20º, nº 4, da Constituição da República Portuguesa) - o princípio da obtenção de uma decisão num prazo razoável e mediante processo equitativo.
Esse mesmo princípio tem também acolhimento no artigo 6º, nº 1, da Convenção Europeia dos Direitos do Homem, onde se estabelece que qualquer pessoa tem direito a que a sua causa seja examinada, equitativa e publicamente, num prazo razoável por um tribunal independente e imparcial, estabelecido pela lei, o qual decidirá, quer sobre a determinação dos seus direitos e obrigações de carácter civil, quer sobre o fundamento de qualquer acusação em matéria penal dirigida contra ela.

iii.  É à luz deste princípio que se deve interpretar o vocábulo “intolerável” – o retardamento que justifica a quebra do princípio da adesão será apenas aquele que se mostre insuportável, não aceitável, na justa medida em que se mostrem superadas as vantagens da apreciação conjunta das duas distintas acções pelos prejuízos decorrentes da demora na decisão da acção penal.
Quando a adesão determine o comprometimento das finalidades próprias do processo penal – sendo que o exame da causa penal visa a descoberta da verdade material através da sua representação histórica e o restabelecimento da paz jurídica do arguido e da comunidade – deverá entender-se que tal retardamento viola o princípio da obtenção de uma decisão num prazo razoável e, por isso, atinge o patamar da intolerabilidade. Neste sentido, com interesse, podem ver-se os Acórdãos da Relação do Porto de 15 de Junho de 2011[16] e de 31 de Janeiro de 2018[17].

iv.  Aqui chegados, torna-se inevitável concordar com o juízo subjacente à decisão recorrida sobre a intolerabilidade do retardamento que a manutenção da adesão importaria para a apreciação da acção penal.
No âmbito desta acção penal – de objecto muito vasto e complexo, em boa medida integrado por factos que remontam aos anos de 2000, 2001 e 2002 - a acusação foi deduzida em 21 de Novembro de 2009, a pronúncia foi proferida em 18 de Março de 2010, tendo o primeiro despacho judicial da fase de julgamento (cfr. fls. 15124 e segs.) sido proferido em 21 de Maio de 2010. Vicissitudes processuais determinaram que o julgamento fosse adiado, sendo designado para o seu início o dia 15.12.2010, mais de 1 ano depois da data em que foi deduzida a acusação. A manutenção da adesão dos enxertos cíveis – de objecto igualmente muito vasto e complexo – acrescentaria demora considerável ao processo e, implicaria, necessariamente, um novo adiamento da audiência de julgamento, para estabilização da instância cível.

v.  O novo adiamento do julgamento nas condições referidas, com vista a permitir o julgamento conjunto da matéria cível conexa com a criminal, protelaria de forma intolerável o início do julgamento. O acréscimo do objecto processual e do volume de diligências probatórias, por via dos pedidos de indemnização civil, implicaria, por outro lado, um imenso retardamento do decurso do julgamento, que tornaria inviável a obtenção de decisão da causa penal em prazo razoável, com manifesto prejuízo para as pretensões punitivas do Estado, mas também para a pacificação da comunidade e dos arguidos.
 
vi.  Só este entendimento respeita o equilíbrio dos princípios que regem (e devem reger) o nosso sistema processual penal – num Estado de Direito Democrático o princípio da obtenção de decisão em prazo razoável assume primordial importância em sede de procedimento criminal.
A decisão recorrida mostra-se, pois, bem fundada, traduzindo-se num uso criterioso da faculdade permitida ao tribunal pelo artigo 82º, nº 3, do C.P.Penal, orientado para a salvaguarda dos princípios fundamentais de celeridade na administração da justiça penal. Como afirma o Professor José Manuel Damião da Cunha, “Sistema processual penal, que se pretenda moderno, tem necessariamente por preocupação que a fase de julgamento, em particular o momento da audiência, decorra de forma mais rápida possível[18].   

vii. A este propósito de celeridade não poderia o tribunal de julgamento fechar os olhos no caso concreto, em que especiais razões de premência na obtenção da decisão eram impostas pelas necessidades de obtenção da paz dos arguidos acusados (num quadro de vigência de medidas de coacção gravosas) e da comunidade.
 
viii.  E não se diga que esta visão das circunstâncias colide com as razões de protecção do lesado, no âmbito da função social do processo penal (cfr. conclusão IV do Recorrente).
A ideia de “solidariedade” para com a vítima do crime como pano de fundo da consagração do sistema da adesão obrigatória, tem de merecer uma análise que não perca de vista, em determinados casos, a completa ausência de fundamento para se apelar a tal solidariedade – nem em todos os casos se justificará a manutenção da adesão com o propósito de permitir à vítima que “aproveite” para ressarcimento dos seus danos a máquina do Estado, para efeito de recolha e utilização dos meios de prova. E citamos, de novo, o Professor Damião da Cunha, para dizer: “(…) dificilmente se poderia pensar no Estado, em bancos (públicos ou privados), em empresas multinacionais p. ex., como entidades «carecidas deste favor»”[19].

ix. E também não se diga que tal entendimento colide de forma injustificável com as razões de economia processual e de prevenção de conflitos de julgados que surgem associadas ao princípio da adesão (cfr. conclusões V, VII e XIV do Recorrente). A ideia de maximização de juízos numa mesma decisão (a sentença que apreciaria da responsabilidade criminal e da responsabilidade civil conexa) não é um ditame absoluto – por isso mesmo a lei prevê excepções à adesão, quer nas situações elencadas no artigo 72º do Código de Processo Penal, quer naquelas a que se reporta o artigo 82º, nº 3, do mesmo código.
De resto, o nosso ordenamento contém regras consagradas no sentido de obviar aos referidos conflitos entre decisões (neste sentido, veja-se, na jurisprudência, o já citado Acórdão da Relação do Porto de 31 de Janeiro de 2018 e, na doutrina, o texto, também já citado, do Professor Damião da Cunha, a fls. 777, bem como Maria José Capelo/Nuno Brandão, in “A eficácia probatória das sentenças penais e das decisões finais contra-ordenacionais no âmbito do processo civil”, Revista de Legislação e de Jurisprudência, Ano 147º, Setembro/Outubro de 2017, nº 4006, p. 25).

x.  Carece de fundamento a argumentação do recorrente quando pretende colocar obstáculo à decisão recorrida argumentando com a maior morosidade do processo civil (cfr. conclusão X do Recorrente) ou com o princípio do aproveitamento dos actos praticados (cfr. conclusão XI).
Na apreciação da manutenção ou cessação da adesão nos termos do nº 3 do artigo 82º do Código de Processo Penal, apenas são invocáveis as razões que se prendam com a celeridade da acção penal – a norma vale para garantia da celeridade do processo penal, em caso de intolerável retardamento causado pela apreciação conjunta das duas acções, independentemente das previsões sobre a demora de uma acção civil autónoma e, por outro lado, o seu funcionamento (nos termos legalmente previstos) sempre implicará que percam efeito actos processuais praticados pelas partes (o que sucede, diga-se, em homenagem aos princípios da celeridade e da obtenção de decisão penal em prazo razoável).

12. Do que se deixa dito decorre que as questões suscitadas nos pedidos cíveis deduzidos são susceptíveis de gerar incidentes que retardem intoleravelmente o processo; isto é, de modo significativo e de forma a porem em causa os próprios interesses das partes.
Assim, o uso da disposição cautelar prevista no mencionado artº 82 nº3 do C.P. Penal, que permite a cessação do princípio da adesão, mostra-se aqui justificada, bem como a decisão de reenvio para os meios comuns.
Do dito decorre a improcedência do recurso interposto pelo arguido/demandante RC….
                                                    *
3º - Apreciação do despacho de fls. 23.594 e 23.595, que julgou improcedente a questão prévia de prescrição do procedimento criminal suscitada em sede de contestação relativamente ao crime de fraude fiscal qualificada (recurso interposto pelo arguido RC…).

1. Em sede de contestação (fls. 15.699 a 15.751), o arguido rj… suscitou a questão prévia de prescrição do procedimento criminal relativamente ao crime de fraude fiscal qualificada pelo qual foi pronunciado, argumentando que nos termos do artigo 21°, nº 3, do Regime Geral das Infracções Tributárias, o prazo de prescrição do procedimento criminal correspondente ficou reduzido ao prazo de caducidade do direito à liquidação da prestação tributária (quatro anos), por depender a infracção daquela liquidação, e, consequentemente, sendo os actos imputados reportados a 28 de Março e 8 de Maio de 2003, a prescrição do procedimento criminal ocorreu em 8 de Maio de 2007, ainda antes do início da investigação criminal efectuada nos autos.

2. Cumprido o contraditório, foram apresentadas as seguintes respostas:
a. Pelo MºPº (fls. 19.791):
À semelhança de idênticas posições assumidas pelos co-arguidos FL… e RJ…, o arguido LA… entende que o crime de fraude fiscal qualificada que lhe é imputado e ao qual respeitam os factos narrados sob os artigos 795° a 804° da pronúncia, está prescrito porque desde a sua consumação que ocorreu em 2003 decorreu, sem qualquer suspensão ou interrupção, o prazo de prescrição de 4 anos estabelecido pelas disposições combinadas dos artigos 21° n.0 3 do RGIT e 45° n° 1 da LGT.
O Ministério Público também já tomou posição sobre esta invocada prescrição que aqui se reitera, o que fez nos termos seguintes:
«Entendemos que não assiste razão ao arguido, porquanto o crime de fraude fiscal se apresenta construído não em função do prejuízo patrimonial que venha a resultar para o Estado, mas sim em tomo da distorção da realidade e da violação do direito ao Estado à verdade da relação tributária - por esses motivo se atribui ao crime de fraude fiscal a natureza de um crime de resultado cortado e se não previu qualquer fundamento da qualificação do crime apenas assente no valor dos impostos em dúvida.
Assim para cometimento do crime de fraude fiscal não é necessário que ocorra liquidação, tal como acontece no crime de abuso de confiança fiscal, razão pela qual não é aplicável o disposto no art. 21°- 3 do RGIT. Assim, estando perante um crime de fraude fiscal qualificada, pela utilização de facturas falsas, nos termos do art. 104° n° 2 do RGIT, a pena aplicável vai até cinco anos de prisão, pelo que, nos termos do art. 27°- 2 do mesmo RGIT, se torna aplicável o prazo de prescrição previsto no Cod. Penal, que no caso é o de dez anos, conforme art. 118°- 1 b) do Cod. Penal.
Pelo exposto, entendemos que não se verifica a prescrição de procedimento criminal pelo crime de fraude fiscal qualificada de que vem acusado o arguido RD….
b. Pela assistente galilei sgps, s.a.: 
Considera a Assistente, salvo o devido respeito por entendimento diverso, que não assiste qualquer razão ao Arguido, porquanto, acompanhando o entendimento do Meritíssimo Juiz de Instrução Criminal propugnado no Despacho de Pronúncia (…) o crime de fraude fiscal se apresenta construído não em função do prejuízo patrimonial que venha a resultar para o Estado, mas sim em torno da distorção da realidade e da violação do direito do Estado à verdade na realidade tributária (…). Assim, para o cometimento do crime de fraude fiscal não é necessário que ocorra liquidação, tal como no crime de abuso de confiança fiscal, razão pela qual não é aplicável o disposto no nº 3 do artº 21º do RGIT, outrossim, o crime de fraude fiscal qualificada, por via de utilização de facturas falsas, nos termos do nº 2 do art. 104º do RGIT, conjugado com o nº2 do artº 21º do mesmo diploma, torna aplicável o prazo de prescrição estatuído no Código Penal, i e, de 10 anos, nos termos do disposto na alínea b) do nº 1 do artº 118º do Código Penal. (…)

3. Por despacho proferido  na sessão de audiência de julgamento do dia 25 de Janeiro de 2011, após deliberação do Tribunal Colectivo (fls. 23.594 e 23.595), foi julgado improcedente o pedido de declaração de prescrição do procedimento criminal suscitado pelo arguido rj… em sede de contestação

4. Esse despacho tem o seguinte teor:
Igualmente sustenta o arguido, à semelhança de outros, a prescrição do procedimento criminal relativamente ao crime de que está pronunciado (fraude fiscal qualificada, p. e p. pelos arts. 103°, nº 1, als. a) e c) e 104°, nº 2 do RGIT).
O M.P. respondeu a fls. 19791.
Igualmente respondeu o assistente Galilei SGPS, S.A. a fls. 23128 a 23131.
Decidindo, dir-se-á:
A questão em apreço já foi abordada em sede de decisão instrutória, embora suscitada por outros arguidos. Por se concordar com a mesma, permitimo-nos repetir aqui os fundamentos então aduzidos:
O crime de fraude fiscal apresenta-se construído não em função do prejuízo patrimonial que venha a resultar para o Estado, mas sim em tomo da distorção da realidade e da violação do direito do Estado à verdade na realidade tributária, "pois não é necessário que o resultado seja alcançado, bastando que o agente tenha em mente consegui-lo. O tipo objectivo de tal crime fica consumado quando se atente contra a verdade e transparência traduzidas nas diversas modalidades previstas, para a sua execução, no nº 1 do art. 23° do RGIFNA, hoje, art. 104° do RGIT' (v. Ac. da R.P., de 19.11.2008, in www.dgsi.pt).
Nesta medida, para o cometimento do crime de fraude fiscal não é necessário que ocorra liquidação, tal como no crime de abuso de confiança fiscal, razão pela qual não é aplicável o disposto no nº 3 do art. 21° do RGIT, outrossim, o crime de fraude fiscal qualificada, por via de utilização de facturas falsas, nos termos do nº 2 do art. 104° do RGIT, conjugado com o nº 2 do art. 21° do mesmo diploma, torna aplicável o prazo de prescrição estatuído no C.P., i. e., de 10 anos, nos termos do disposto na al. b) do nº 1 do art. 118° do C.P., prazo esse que, face aos factos constantes da pronúncia ainda não decorreu.
Pelo exposto, decide-se:
I - Indeferir a prescrição do procedimento criminal suscitada pelo arguido em sede de contestação”.

5. Inconformado, o arguido rj… interpôs recurso desse despacho (vide fls. 30.431 e segs).

6. O recurso foi admitido (fls. 33.233) e determinada a sua subida diferida, com o recurso que pusesse termo à causa, nos próprios autos e com efeito meramente devolutivo.

7. O arguido extraiu da motivação as seguintes conclusões:
I. A decisão ora recorrida indefere a excepção da prescrição do procedimento criminal por alegada prática do crime de fraude fiscal qualificada pelo qual o ora Recorrente se encontra pronunciado.
II. Entende o Recorrente, salvo melhor opinião, que o Meritíssimo Tribunal a quo interpretou incorrectamente a fundamentação legal em que se baseou para decidir pelo indeferimento da excepção da prescrição.
III. O Recorrente encontra-se pronunciado de conduta que alegadamente se enquadra nas alíneas a) e c) do artigo 103°, nº 1, do RGIT, bem como ainda da agravação prevista no nº 2 do artigo 104° do RGIT,
IV. Resulta da conjugação destes preceitos incriminatórios que os factos subsumidos na fraude fiscal se reconduzem à emissão de duas facturas falsas - referentes a serviços que. alegadamente. nunca terão sido prestados - e à sua contabilização e pagamento, com o objectivo de gerar vantagens em sede fiscal, designadamente pela dedução do correspondente IVA.
V. Nos termos da pronúncia, terão sido os arguidos OC…, FS… e TR… a conceber uma justificação para a LABICER realizar um pagamento que pudesse compensar o montante adiantado pela JARED, através da emissão, pelo BPN, de duas facturas, datadas de 28-3-2003 e dirigidas à LABICER.
VI. Facturas essas pagas pela LABICER ao BPN em 13 de Agosto de 2003, através de transferência para conta bancária do próprio banco.
VII. São duas as actuações em questão com relevância para a imputação penal aos arguidos supra referidos: a emissão das duas facturas e a dedução do respectivo IVA pela LABICER, reconduzindo-se, esta, para o Ministério Público e, na fase processual seguinte, para o Juiz de Instrução Criminal, à pretendida vantagem fiscal dos agentes.
VIII. A data das facturas, 28 de Março de 2003, assume, assim, particular relevância, assim como o assume a data da apresentação da declaração trimestral de IVA, com a correspondente dedução do imposto já pago, acto que ocorreu a 8 de Maio de 2003.
IX. De referir que o prazo de prescrição do crime de fraude fiscal começa a contar logo a partir da data da emissão das respectivas facturas, como se pode extrair do Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 05.01.2011 (citado supra).
X. Ora, por força do nº 1 do artigo 21° do RGIT, o procedimento criminal extingue-se, por efeito da prescrição, decorridos 5 anos desde a sua prática.
XI. Assim é também o entendimento do Tribunal da Relação do Porto em Acórdão datado de 05.01.2000 (citado supra) , no que respeita respeito ao prazo de prazo de prescrição de 5 anos, idêntico para o RJIFNA e para o RGIT.
XII. Apesar de o nº 2 do artigo 21º do RGIT estabelecer que tal prazo não prejudica os prazos de prescrição previstos no Código Penal, quando o limite máximo da pena aplicável seja igual ou superior a 5 anos,
XIII. O nº 3 do artigo 21° do mesmo diploma estabelece que o prazo de prescrição do procedimento criminal é reduzido ao prazo de caducidade do direito à liquidação da prestação tributária, quando a infracção dependa daquela liquidação.
XIV. Por sua vez, o artigo 45°, nº 1, da Lei Geral Tributária determina que "o direito de liquidar os tributos caduca se a liquidação não for validamente notificada ao contribuinte no prazo de quatro anos, quando a lei não fixar outro".
XV. Não houve, in casu, liquidação do tributo em causa, pelo que o respectivo prazo de prescrição reduz-se, obrigatoriamente, a um prazo de quatro anos.
XVI. Ou seja, o direito a liquidar o IVA eventualmente mal deduzido caducou ao fim de quatro anos, sendo certo que não foi efectuada qualquer liquidação desse imposto ao ora Recorrente, não tendo a administração fiscal afastado, no prazo do artº 45 nº 1 da LGT, a presunção de veracidade do artº 76 da LGT.
XVll. Assim também o entendeu o Tribunal da Relação do Porto em Acórdão datado de 17.09.2008 (citado supra).
XVIII. Mais, o prazo de quatro anos para a prescrição relativo aos factos imputados ao Recorrente não sofreu qualquer interrupção ou período de suspensão.
XIX. Posto isto, o prazo máximo de prescrição teve o seu termo antes da data da constituição do Recorrente como arguido, em 16.11.2009, pelo que deve ser declarado prescrito o procedimento criminal.
XX. De facto, o Banco emitiu as facturas em 28 de Março de 2003, apenas com o conhecimento dos Arguidos OC…, FS… e TR…, (conclusão dos artigos 794° e 795° da acusação), sem qualquer intervenção do ora Recorrente.
XXI. Acresce que, como referido, os factos subsumíveis ao Recorrente estão apenas ligados à dedução do IVA das facturas e se esta conduta foi idónea para causar prejuízo ao estado Português
XXII. Em bom rigor, só neste particular se poderia eventualmente imputar um facto, claramente involuntário do Recorrente, susceptível de provocar prejuízo por IVA deduzido indevidamente, sendo que aliás aqui apenas se admite tal hipótese para meros efeitos académicos, sem nada conceder, uma vez que conforme já se alegou em sede própria o Arguido e ora Recorrente nunca soube absolutamente nada com respeito a eventuais facturas falsas.
XXIII. No entanto, atenta a sua natureza pública fiscal, aplica-se-lhe um regime legal de natureza especial, apreciada por jurisdições demarcadas das comuns, os tribunais fiscais.
XXIV. Assim sendo, o legislador, ao instituir o RGIT, apenas defere aos tribunais comuns, tão só, competência em matéria criminal para apreciação dos crimes nesse diploma tipificados, ficando, no entanto, a cargo da administração fiscal o pagamento e liquidação das prestações tributárias, com as suas regras e prazos prescricionais próprios.
XXV. Ora, os actos praticados com relevância para a imputação penal reportam-se a 28 de Março e 8 de Maio de 2003, pelo que a prescrição do procedimento criminal ocorreu, no máximo, em 8 de Maio de 2007, ainda antes do início da presente investigação criminal.
XXVI. Ou Seja, à data da constituição de arguido do ora Recorrente, em 16 de Novembro de 2009, o procedimento criminal já se encontrava prescrito.
XXVII. Face ao exposto, entende o Recorrente, salvo melhor opinião, que o procedimento criminal relativamente ao crime de fraude fiscal qualificada - p. e p. pelos arts. 103, nº 1 als. a) e c) e 104°, nº 2 do RGIT- se encontra extinto, por prescrição.

8.  Não foram apresentadas respostas.

9. O arguido RD…, no seu recurso, manifestou expressamente interesse na manutenção deste recurso interlocutório e na sua apreciação.
10. Apreciando.
A questão posta neste recurso é a de saber se o procedimento criminal instaurado contra o arguido pelo crime de fraude fiscal qualificada, p. e p. pelos artigos 103°, nº 1, als. a) e c), e 104º, nº 2, do RGIT, se encontra extinto por prescrição, por via da aplicação do disposto no nº 3 do artigo 21° do mesmo diploma, norma que estabelece que o prazo de prescrição do procedimento criminal é reduzido ao prazo de caducidade do direito à liquidação da prestação tributária, quando a infracção dependa daquela liquidação.
Entende o recorrente que a resposta à questão enunciada deverá ser positiva e que o decurso do prazo de quatro anos sobre a data dos factos imputados determinou a ocorrência da prescrição do procedimento criminal.

11. Adianta-se desde já que não lhe assiste razão.
Vejamos porquê.

i. O recorrente assenta a sua tese em argumentação equívoca, confundindo os conceitos de acto tributário de liquidação do imposto e de quantificação ou apuramento da situação tributária, conceitos técnicos esses que são diversos e não correspondem à mesma realidade.

ii. A obrigação de imposto nasce com a ocorrência do facto tributário, previamente previsto e tipificado na lei, como determina o artº 36, nº 1, da Lei Geral Tributária (ou LGT, forma abreviada como doravante referiremos a regulamentação aprovada pelo Dec. Lei nº 398/98, de 17 de Dezembro e sujeita a sucessivas alterações que, no entanto, deixaram intocada esta norma).

iii. Constituída a obrigação de imposto, impõe a lei à Administração Fiscal que proceda ao cômputo necessário a determinar o quantitativo exacto de imposto devido pelo sujeito passivo da obrigação tributária – a este cômputo, corresponde o conceito de liquidação do imposto.
Como explicita Rui Marques[20], para conferir liquidez à obrigação de imposto “o legislador exige à Adminis­tração Fiscal a realização de um acto de procedimento: o acto tri­butário de liquidação. Com a liquidação, a obrigação torna-se certa, exigível e líquida, pela computação do imposto, conformando a relação jurídica nascida do facto tributável e fazendo operar os seus direitos e deveres.
Temos pois que a liquidação corresponde à operação aritmética de aplicação de uma taxa à matéria colectável apurada, para determinação do quantitativo exacto do imposto devido pelo sujeito passivo (colecta), nos termos estritos previstos nas leis tributárias”.
E acescenta o mesmo Autor: “A liquidação tem pois um mero efeito declarativo da existência da obrigação de imposto, como realidade pré-existente, nascida do facto tributário. Por isso, no procedimento tributário inscreve-se a liquidação (administrativa) dos tributos como acto dirigido à declaração do direito tributário pela Administração, conforme estatuem os artigos 54.°, n.° 1, alínea b), da LGT, e 44.0, n.° 1, alínea b), do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT)”[21].   

iv. A liquidação administrativa (aquela que é levada a efeito pela Administração Tributária) coexiste no ordenamento jurídico tributário com a autoliquidação (cômputo do imposto efectuado pelo próprio sujeito passivo) e com a liquidação em substituição (cômputo do imposto produzido por um terceiro), sendo todas formas de realizar a liquidação da obrigação de imposto, distintas segundo a qualidade do sujeito que realiza a operação.

v. Não obstante, é apenas à liquidação administrativa que se reporta o artigo 45º da LGT, preceito que no seu nº 1 estabelece: “O direito de liquidar os tributos caduca se a liquidação não for validamente notificada ao contribuinte no prazo de quatro anos, quando a lei não fixar outro”.

vi. Conexionada com esta norma, surge a do artigo 21º, nº 3, do Regime Geral das Infracções Tributárias (aprovado pela Lei nº 15/2001, de 5 de Junho, e a que, doravante, nos referiremos como RGIT), que estabelece: “O prazo de prescrição do procedimento criminal é reduzido ao prazo de caducidade do direito à liquidação da prestação tributária quando a infracção depender daquela liquidação.”.

vii. Juntando estas duas normas, conclui o recorrente que sobre os factos que lhe são imputados, datados de 28 de Março de 2003, decorreu integralmente o prazo de quatro anos sem notificação da liquidação do IVA e, com isso, completou-se o lapso temporal da prescrição do procedimento criminal.
Trata-se de conclusão precipitada e sem fundamento, pois o recorrente limitou-se a ignorar o segmento final do nº 3 daquele artigo 21º - “quando a infracção depender daquela liquidação”.
Na verdade, o que deste segmento decorre é que a redução do prazo de prescrição do procedimento criminal ali prevista apenas se verifica quando a infracção respectiva depender do acto tributário de liquidação administrativa.

viii. Ora tal não sucede, como é evidente, no caso concreto, em que a infracção em questão é a fraude fiscal qualificada, com recurso a facturas falsas e com reflexo na tributação do IVA.

ix. Efectivamente, a verificação do crime imputado ao arguido não depende de liquidação administrativa do imposto, pelo que o prazo de prescrição do procedimento criminal não é o do n.º 3 do artigo 21.º do RGIT.

x. O IVA visa tributar todo o consumo em bens materiais e serviços, abrangendo, na sua incidência, todas as fases do circuito económico, desde a produção ao retalho, tendo como base tributável o valor acrescentado em cada fase.
A dívida tributária de cada operador económico é calculada pelo método do crédito de imposto pois, aplicada a taxa ao valor global das transacções da empresa, em determinado período, deduz-se o imposto por ela suportado nas compras desse mesmo período, revelado nas respectivas facturas de aquisição.
O apuramento do imposto devido é feito pela dedução ao imposto liquidado, do imposto suportado nas aquisições; isto é, os sujeitos passivos de IVA suportam impostos nas aquisições de bens e serviços efectuados a outro sujeito passivo e, por sua vez, liquidam IVA nas transmissões por si efectuadas.
Do encontro desses dois valores apura-se o valor do IVA.
Como se decidiu no Acórdão da Relação do Porto de 22 de Novembro de 2006[22]: «A infracção consistente em não entregar o IVA, não depende de qualquer direito, da administração fiscal, à liquidação tributária. No que ao IVA diz respeito, é ao sujeito passivo que cabe liquidar o montante de imposto apurado nas transacções por si efectuadas, remeter as declarações periódicas e, posteriormente, entregar nos cofres do Estado o montante liquidado nas facturas e pela sociedade arguida recebido. (…) Salvo nos casos previstos nos artigos 82º, 83º e 83º-A do CIVA, o apuramento do IVA não depende de qualquer actividade, designadamente de qualquer liquidação, por parte da administração fiscal, sendo aquela primeira situação, a de rectificação por parte do chefe dos serviços de Finanças, das declarações apresentadas, liquidando-se a diferença, quando fundadamente aquele considere que nelas figura um imposto inferior ou uma dedução superior aos devidos, sendo a segunda situação, referente à liquidação oficiosa do imposto, por parte da Direcção dos Serviços de Cobrança do IVA, sempre que o sujeito passivo não tiver apresentado a declaração periódica e a última, refere-se à mesma prerrogativa, por parte do chefe do serviço de Finanças. No caso concreto do IVA, não entregue à administração fiscal, tal supõe, necessariamente, a inexistência de liquidação na data da consumação do crime, sendo, de resto, os factos ocultados à administração fiscal, precisamente aqueles que seriam usados para a liquidação, futura, por parte da administração fiscal. Ou seja, no caso em apreço, a verificação do crime não só não depende da liquidação como necessária e logicamente, a precede. Aliás, a admitir-se que a verificação do crime dependeria, no caso, da liquidação do imposto, levar-nos-ia à conclusão de que, na medida em que ainda não houve liquidação, o crime ainda se não teria consumado.”.
No sentido de que, no caso de fraude fiscal referente a IVA, a verificação do crime não depende de qualquer liquidação pela administração tributária, pode ver-se ainda o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 27 de Abril de 2011[23], onde se escreveu: “Daí que não tenha sentido a exigência duma prévia liquidação do tributo devido, por parte da Administração tributária, nomeadamente nos crimes de fraude fiscal (nos quais, precisamente, essa atempada liquidação foi inviabilizada pela actuação do próprio arguido).
Decerto que, na generalidade dos casos, nos quais a actuação ilícita e eventualmente criminosa do arguido seja detectada pela própria Administração tributária, através dos seus usuais processos de fiscalização, deverá ser esta a zelar por que as bases da responsabilização tributária e da responsabilização penal tributária sejam estabelecidas em simultâneo, através da liquidação tributária propriamente dita que se mostre ainda possível (nos termos das regras especificamente aplicáveis na matéria - Daí a previsão do nº 4 do art. 42º do RGIT, que não tem qualquer escopo de prejudicialidade em relação à normal tramitação do processo penal, visando apenas o funcionamento interno de serviços que serão, em princípio, simultaneamente responsáveis pela liquidação dos tributos e pela detecção e investigação de determinados crimes tributários).
Porém, tendo em conta a estruturação dos crimes previstos no RGIT (e em particular da fraude fiscal), daqui não resulta que uma liquidação feita nestes termos, com a constituição duma especifica obrigação tributária, seja essencial para efeitos de responsabilização criminal – sob pena de, assim não sendo, se revelar inviável a punição de todos os que conseguissem, através duma actuação particularmente gravosa, inviabilizar o normal funcionamento da Administração tributária, quanto à detecção e quantificação dos factos tributários por si praticados.”.

xi. Assim, deve desde já concluir-se que o prazo de prescrição do procedimento criminal não é o de 4 anos, previsto no n.º 3 do artigo 21.º do RGIT.

xii. E não se diga que assim não é, pela circunstância de no âmbito de processo penal referente a fraude fiscal, como aquela que está em apreciação, se dever proceder ao apuramento da situação tributária, designadamente para efeitos de prova do valor da vantagem patrimonial pretendida pelos agentes do crime (a vantagem fiscal dos agentes, a que o recorrente se refere na conclusão VII).
Por uma singela razão: esse apuramento não corresponde ao conceito de liquidação a que supra aludimos e a que faz referência o nº 3 do artigo 21.º do RGIT.
Mais uma vez, citando Rui Marques, diremos que o acto de apuramento da situação tributária no âmbito do procedimento penal “não é um acto tributário, por meio do qual seja conferida liquidez à obrigação gerada pela ocor­rência de um facto tributário. Donde que não equivale a uma liquida­ção de imposto. Trata-se antes de um parecer, informação ou relatório (por exemplo, o relatório de inspecção ou um relatório pericial) de natu­reza técnica, não vinculando, de per si, o contribuinte a qualquer dever ou obrigação tributários”[24].
Como se escreveu no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça que citámos supra “há uma total autonomia entre a obrigação tributária e a responsabilidade penal tributária, ainda quando fundadas na mesma situação de facto tributariamente relevante”. Sendo assim, dum ponto de vista penal, o apuramento da situação tributária apenas se mostrará necessário para efeitos de avaliação da relevância típica da conduta e de uma circunstância de fundamental importância para a determinação da medida concreta da pena aplicável), independentemente dos actos tributários de liquidação e de cobrança do imposto.”.

12. Aqui chegados, impõe-se concluir que o prazo de prescrição do procedimento criminal aplicável no caso é o de dez anos, como bem se afirmou na decisão recorrida.
Assim é em face do que estabelece o artigo 21º do RGIT:
1 - O procedimento criminal por crime tributário extingue-se, por efeito de prescrição, logo que sobre a sua prática sejam decorridos cinco anos.
2 - O disposto no número anterior não prejudica os prazos de prescrição estabelecidos no Código Penal quando o limite máximo da pena de prisão for igual ou superior a cinco anos”.

i. O crime de fraude fiscal qualificada é punível com prisão de 1 a 5 anos para as pessoas singulares e multa de 240 a 1200 dias para as pessoas colectivas (cfr. artigo 104º, nº 1, do RGIT).

ii. Estando em causa pena de prisão cujo limite máximo é igual a 5 anos, por força do disposto no nº 2 do supra citado artigo 21º do RGIT importa ter em consideração o prazo de prescrição de 10 anos estabelecido no Código Penal, mais concretamente no artigo 118º, nº 1, al. b) que dispõe: “o procedimento criminal extingue-se, por efeito de prescrição logo que sobre a prática do crime tiverem decorrido (…) b) dez anos, quando se tratar de crimes puníveis com pena de prisão cujo limite máximo for igual ou superior a cinco anos, mas que não exceda dez anos” [25].

iii. Tal prazo de dez anos sofreu as suspensões e interrupções previstas na lei penal (o arguido RC… foi constituído arguido em 16.11.2009, a acusação foi proferida em 21.11.2009, sendo que o último arguido acusado foi notificado em 31.12.2009, a pronúncia foi prolatada e notificada em 18.03.2010, o despacho que designou dia para julgamento foi proferido em 21.5.2010, o julgamento teve início, consigo devidamente notificado, em 15.12.2010, o acórdão que o condenou foi proferido, depositado e foi-lhe notificado no dia 24.5.2017, o arguido interpôs recurso do mesmo em 8.9.2017), designadamente nos artigos 120º, nº 1, al. b), e 121º, nº 1, als. a) e b), do Código Penal e, em virtude delas, ainda não ocorreu a extinção do procedimento criminal por prescrição[26].
                                       
13. Do que se deixa dito decorre a improcedência do recurso apresentado, por se mostrarem soçobrados os fundamentos em que se alicerçava.       

                                                    *
4º - Apreciação do despacho de fls. 41.633, que julgou não impedida de prestar depoimento a testemunha TP… (recurso interposto pelos arguidos JO…, LC…, FC…, RM… e RJ…).

1.  Pelos arguidos jo…, lc…, fc…, rm… e rj…, foi requerido que fosse declarado o impedimento da testemunha TP… para depor nos autos, por ser arguido em processo punitivo conexo, a saber, o processo de contra-ordenação do Banco de Portugal nº …/…/CO.

2. Por despacho proferido  na sessão da audiência de julgamento de 10 de Dezembro de 2013 (acta de fls. 41.631 e segs.), após deliberação do Tribunal Colectivo, foi indeferido tal requerimento, tendo sido julgado não impedida de prestar depoimento a testemunha TP….

3. Esse despacho tem o seguinte teor:
i. A questão agora em apreço é igual à que foi objecto de apreciação pelo despacho de fls. 41.599 a 41.627, concretamente fls. 41.622 a 41.627, despacho pelo qual se entendeu que não existe impedimento absoluto para depor ao abrigo do disposto no art. 133º, n. º 1 al. a) do CPP, nos casos em que determinada testemunha é arguida em processo contra-ordenacional eventualmente conexo com o presente processo sujeito a julgamento e isto independentemente da existência de eventual conexão material.
Ou seja, em resumo, esse impedimento somente se verificará nos casos de processos conexos de natureza criminal.
Assim sendo, valem aqui mutatis mutandis os argumentos aduzidos no referido despacho, os quais se consideram no presente integralmente reproduzidos.
Tendo presente a argumentação constante daquele despacho, por não se entender pela existência de qualquer impedimento absoluto para depor pelo facto da presente testemunha ser arguida em processo contra-ordenacional alegadamente conexo, indefere-se o requerido pelos arguidos.
Notifique-se.

ii. O despacho cuja fundamentação se considerou integralmente reproduzida, foi proferido a fls 41.622 a 41.627, com o seguinte teor (excertos relevantes):
Fls. 38269 e 38270 e 38933 a 38938 (requerimento da testemunha EP… - recusa a depor na medida em que da sua inquirição possa resultar a sua "auto-incriminação"; resposta do M.P.):
Notificada para comparecer em audiência de Julgamento para o dia 2.4.2013 a fim de prestar depoimento, a testemunha EP… no dia anterior apresentou o requerimento constante de fls. 38269 e 38270 em que, a final, invocou o art. 132º, n.º 2 do C.P.P. para efeitos de não prestar depoimento. (…)
Cumpre decidir. (…)
Em síntese invoca o art. 132º, n.º 2 do CPP para não prestar depoimento porque das respostas às perguntas que supostamente lhe serão feitas poderá resultar "a sua auto incriminação em termos de responsabilidade criminal'.
Dispõe esta norma: "A testemunha não é obrigada a responder a perguntas quando alegar que das respostas resulta a sua responsabilização penal'.
Esta disposição que comporta uma excepção ao dever da testemunha responder com verdade às perguntas que lhe forem dirigidas (art. 132º, n.º 1, al. d) do C.P.P.), consagra a proibição de auto incriminação ("nemo tenetur se ipsum accusare”) que tem garantia constitucional no art. 32º, n.º 5 da CRP.
Várias razões levam à conclusão de que não assiste razão à testemunha na sua pretensão. (…)
A invocação do disposto no art. 132º, n.º 2 do CPP não atribui à testemunha o direito de, sem mais, recusar-se a prestar declarações podendo, outrossim, eventualmente, recusar-se a responder a determinadas perguntas concretas relativamente às quais poderia resultar, em função da resposta, a sua responsabilidade criminal.
É que sem a formulação de perguntas não seria conhecida a abrangência dos factos sobre os quais a testemunha deporia, sendo que muitos deles ou, eventualmente, até de todos eles, poderia não resultar qualquer responsabilização criminal das respostas da testemunha.
Concorda-se, por isso, inteiramente com os fundamentos aduzidos pelo M.P. na sua resposta à pretensão da testemunha (fls. 38934) quando refere: "Desde logo, do teor literal daquele preceito parece decorrer que a alegação da testemunha segundo a qual a resposta a dar resulta a sua responsabilização penal, pressupõe a prévia formulação duma pergunta. Nesta perspectiva, a invocação da testemunha EP… feito pelo requerimento sob pronúncia revela-se prematura visto que o momento próprio para ela alegar que da(s) resposta(s) a dar resulta a sua incriminação, ocorre no decurso da audiência.
A este propósito, importa ainda considerar que a testemunha alega, também, que foi inquirida em sede de inquérito - fls. 925 e segs. - e que, por isso, tem conhecimento «dos factos que eventualmente lhe possam ser perguntados».
Ora, tendo por certo que assim é, não é menos certo que as respostas da testemunha dadas em depoimento prestado em sede de inquérito não resultaram na sua incriminação, isto é, a testemunha não se tomou arguido de qualquer acusação por efeito das respostas que, então, deu. (...)
Com efeito, não se me afigura que seja bastante a mera alegação da testemunha que da resposta a determinada pergunta ou das respostas a presumidas perguntas sobre certos factos ("temas") resulta a sua responsabilização penal porque, se assim fosse, o uso e o abuso dessa alegação configuraria um insindicável direito ao silêncio da testemunha susceptível de esvaziar o conteúdo da sua obrigação de responder com verdade às perguntas que lhe forem dirigidas com grave e injustificado prejuízo da aquisição da verdade em vista da administração da justiça”.
Aliás, no mesmo sentido aponta a doutrina, designadamente António Alberto Medina de Seiça (in "O CONHECIMENTO PROBATÓRIO DO CO-ARGUIDO”, Boletim da Faculdade de Direito, Stvdia lvridica 42, Coimbra Editora, pág. 29) quando refere que "ao invés do que sucede para o arguido - que, como referimos, goza de um direito ao silêncio total -, a garantia da testemunha contra a auto-incriminação, não permite, regra geral, recusar o depoimento na sua totalidade, mas tão só relativamente a perguntas particulares.".
Igualmente, na jurisprudência dos nossos tribunais superiores, importa referir que no Ac. do STJ, de 20.6.2012 (in CJ STJ, 2012, T2, pág. 206) entendeu-se que "a recusa da testemunha a responder, enquanto expressão e garantia do seu privilégio contra a sua auto-incriminação, não permite que ela se recuse a testemunhar na sua totalidade, mas apenas e tão só às perguntas de onde possa surgir o perigo da sua responsabilização penal”.
2) Quanto à eventual verificação de impedimento absoluto para depor de várias testemunhas arroladas pela acusação e por defesas de arguidos (EP…, JN…, FCo…, AP…, RP…, GR…, AC… e JR…) - art. 133º, n.º 1, al. a) do C.P.P.:
A questão em causa foi suscitada oficiosamente pelo Tribunal no já identificado despacho, a propósito do aludido requerimento do EP…, até porque, a nosso ver, verificando-se impedimento para depor, neste caso absoluto, o mesmo será, igualmente, do conhecimento oficioso do Tribunal.
Abordou-se a temática em referência porque a mesma será transversal às posições processuais da testemunha EP… e das demais identificadas.
Como bem refere o M.P. a fls. 38936 "EP… e todas as demais pessoas que atrás se identificam, são testemunhas arroladas neste processo-crime e, como é sabido, designadamente a partir do apenso temático R dos presentes autos que é constituído por cópia do processo nº …/… do BdP, são arguidos no processo de contra-ordenação nº …/…YUSTR do Tribunal da Concorrência, Regulação e Supervisão de Santarém cujos factos em apreciação poderão identificar-se ou estar conectados com os factos em apreciação neste processo.
Equaciona, aliás, bem a questão em análise, ao avançar que a mesma consiste em saber se à luz do artigo 133º, n.º 1 al. a) do C.P.P. "aquelas testemunhas porque são arguidas naquele processo de contra-ordenação, estão absolutamente impedidas de depor neste processo”.
Dispõe a norma em referência:
" 1 - Estão impedidos de depor como testemunhas:
a) O arguido e os co-arguidos no mesmo processo ou em processos conexos, enquanto mantiverem aquela qualidade."
Configure-se a possibilidade, em tese, de existir esse impedimento absoluto para depor, isto é, sendo o EP… e as demais pessoas identificadas arguidas no processo de contra-ordenação em que se discutem factos conexos com os dos presentes autos, as mesmas estariam automaticamente impedidas de depor nos presentes autos ...
Pressupondo esta configuração, não se vislumbraria, aqui, um contra-senso ou uma divergência no próprio sistema adjectivo penal?
Entendemos que sim ...
Com efeito, face ao disposto no art. 132º, n.º 2 do referido diploma, em caso de separação de processos (ou seja, processos que, na sua génese, eram o mesmo, isto é, um só, embora, posteriormente, por razões processuais tenham sido separados), os arguidos de um mesmo crime ou de um crime conexo podem depor como testemunhas se nisso expressamente consentirem, porque razão em processos conexos, um de natureza criminal e outro de natureza contra-ordenacional, uma pessoa que neste seja arguida, independentemente de dar ou não o seu consentimento não pode, sem mais, prestar depoimento naquele?
Mais:
No caso de separação de processos (ou seja, processos que, na sua génese, eram o mesmo, isto é, um só, embora, posteriormente, por razões processuais tenham sido separados), os arguidos de um mesmo crime ou de um crime conexo podem depor como testemunhas se nisso expressamente consentirem, porque razão em processos conexos, um de natureza criminal e outro de natureza contra-ordenacional, mas em que, obviamente, pela própria natureza das coisas, nem sequer se pode falar no "mesmo crime ou de um crime conexo”(no processo contra-ordenacional não se investiga qualquer responsabilidade de ordem criminal), mas tão só de uma realidade objecto de investigação próxima entre os dois (por isso é que se fala de "um processo conexo' e não do "mesmo crime ou de um crime conexo”), uma pessoa que naquele (processo de contra-ordenação) seja arguida, independentemente de dar ou não o seu consentimento não pode, sem mais, prestar depoimento no último (processo crime)?
É certo que o elemento literal do art. 133º, n.º 1, al. a) do C.P.P. admite uma interpretação no sentido de se concluir que pela circunstância de uma determinada pessoa ser arguida num processo contra-ordenacional conexo com o criminal fica automaticamente impedida de depor como testemunha neste último.
Todavia, a questão essencial passa por determinar o que se entende por "processo conexo”.
Definido que esteja o âmbito deste conceito encontrar-se-á, então, a resposta à questão que passa por determinar quais os concretos arguidos que poderão estar (absolutamente) impedidos de depor como testemunhas, designadamente nos presentes autos.
Ora, neste âmbito, não podemos estar mais de acordo com Medina Seiça (in op. cit., pág. 30, nota de rodapé 37) quando, a nível de "jure constituto”, sustenta que "a nossa lei refere somente a responsabilidade penal como fundamento de recusa”.
É certo que o mesmo autor, parece-nos, em termos de "jure constituindo”, defende que"(. . .) esta solução merece reparos. Existem outras situações em que a obrigatoriedade da resposta deve ceder: assim, a possibilidade de a responsabilidade ser de natureza contra-ordenacional (prevista expressamente na StPO germânica) e disciplinar (…)”.
Acresce que, o mesmo autor, na delimitação objectiva dos conceitos de "processo conexo” e/ou "crime conexo” parece apontar claramente para os casos de conexão a que alude o art. 24º do C.P.P., ou seja, conexão criminal e não qualquer outra de natureza contra-ordenacional ou disciplinar (v. op. cit, págs. 56 a 58).
Desenvolvendo o seu raciocínio, em comentário ao Ac. do STJ de 28.11.90 (in BMJ, n.º 401, 449-58) o citado autor (op. cit., págs. 61 e 62) pronuncia-se ainda no sentido de que "a decisão do Supremo Tribunal, ao não censurar o procedimento da primeira instância, parece perfilhar um entendimento similar ao acima apresentado sob a designação de conceito material de co-arguido. Isto é: o critério decisivo para determinar o âmbito objectivo do impedimento (e, consequentemente, para a delimitação da qualidade de co-arguido) não se encontra na estrita situação de comunhão processual (na circunstância de as duas arguidas se encontrarem envolvidas no mesmo processo ou em processo conexo), mas sim em função do crime gerador para ambas dessa situação de comunhão processual(.)”.
Aliás, em sede de "referência conclusiva" (op. cit., pág. 66) o mesmo autor conclui:
"(…). Assim, e em primeiro lugar o âmbito do impedimento deve determinar-se atendendo ao nexo existente entre as imputações dos vários arguidos (hoc sensu, conceito material de co-arguido). Nexo que pode afirmar-se quando as imputações digam respeito ao mesmo crime ou a crime conexo (cf. art. 133º, nº 2), independentemente de entre os processos dos arguidos existir ou ter existido comunhão processual. Para a determinação do critério delimitador do crime conexo, que deve perspectivar-se considerando a razão de ser do impedimento, é metodologicamente operatório o recurso aos casos de conexão de crimes previstos no art. 24º para a chamada conexão de processos e que constituem o elemento integrador normal do conceito de crime conexo para efeitos de impedimento. (...) Por último, nos casos em que existe comunhão processual entre os arguidos, estes não se encontram impedidos de testemunhar relativamente a factos autónomos de outro arguido, isto é, factos que não apresentem o nexo determinante do impedimento (o mesmo crime ou crime conexo)” (…).
Em suma, o impedimento absoluto para depor só se verificará em relação a processos conexos de natureza criminal e não em processos conexos de natureza criminal, de um lado e, do outro, de natureza contra-ordenacional, sendo que essa conexão, ainda que somente de âmbito criminal, terá que ser de ordem material.
 Por conseguinte, é de concluir pela inexistência de qualquer impedimento absoluta para depor da parte das identificadas testemunhas, em virtude de as mesmas serem arguidas em processo conexo de natureza contra-ordenacional e não de ordem criminal.
3) Quanto à necessidade (ou não) de haver consentimento expresso das identificadas testemunhas para deporem (art. 133º. n.º 2 do CPP):
Dispõe este preceito:
"Em caso de separação de processos, os arguidos de um mesmo crime ou de um crime conexo, mesmo que já condenados por sentença transitada em julgado, só podem depor como testemunhas se nisso expressamente consentirem”.
Porque têm inteira pertinência, valem neste caso, "mutatis mutandis”, as considerações supra expostas.
Ademais, como bem refere o M.P. - e nisso estamos inteiramente de acordo -, "o condicionamento da testemunha de depor sem que preste expresso consentimento previsto no art. 133º, nº 2 do C.P.P., o qual radica na protecção dos direitos e da posição processual de arguido chamado a prestar depoimento, aplica-se aos casos em que, por efeito de separação de processos, haja co-arguição do mesmo crime ou de crimes comuns em processos-crime que foram separados.
Assim sendo, parece evidente que este preceito só se aplica aos casos de separação de processos-crimes que não ao presente caso de processo criminal relativamente a processo contra-ordenacional que nunca estiveram juntos, nem podiam estar, e, por isso, nunca foram separados.
O processo de contra-ordenação foi instaurado e decidido pelo BdP no exercício duma competência própria, decisão que, agora, por efeito de recurso é objecto de apreciação judicial. (…).

4. Inconformados, os arguidos jo…, lc…, fc…, rm… e rj… interpuseram recurso desse despacho (vide fls. 44.273 e segs), pugnando pela revogação da decisão recorrida e concluindo que, consequentemente deverá ser:
a) Declarado o impedimento absoluto de TP… para depor como testemunha nos presentes autos nos termos do artigo 133.º, n.º 1, al. a), do C.P.P., e anulada a prova produzida com base no mesmo, declarando-se a proibição da respectiva valoração quanto ao julgamento da matéria de facto, com as legais consequências face à fase processual em que a questão venha a ser apreciada e, designadamente, a anulação de qualquer Acórdão que nela seja baseado;
Sem conceder, se assim não se entender:
b) Caso se venha a entender que o impedimento para depor como testemunha TP… é meramente relativo, dever-se-á declarar que o mesmo está dependente de consentimento expresso para o efeito da parte da identificada testemunha, a quem deverá necessariamente ser dado conhecimento de tal direito, para que eventualmente o exerça, anulando-se a prova produzida com base no mesmo, e declarando-se a proibição da respectiva valoração quanto ao julgamento da matéria de facto, com as legais consequências face à fase processual em que a questão venha a ser apreciada e, designadamente, a anulação de qualquer Acórdão que nela seja baseado.

5. O recurso foi admitido (fls. 44.582) e determinada a sua subida diferida, com o recurso que pusesse termo à causa, nos próprios autos e com efeito meramente devolutivo.

6. Os arguidos extrairam da motivação as seguintes conclusões:
1ª – A douta decisão recorrida considerou que o processo de contra-ordenação nunca poderá, ainda que materialmente conexo (ou seja, relativo aos mesmos factos ou a factos indissociáveis), ser considerado como (formalmente) “conexo” nos termos e para os efeitos do artigo 133.º, n.º 1, al. a), do C.P.P., e que a prestação de depoimento por arguido no mesmo não carece de consentimento por parte deste.
I - Quanto ao segmento decisório que julgou que o processo de contra-ordenação (e como tal o processo do BdP n.º …/…/CO e o da CMVM n.º …/…) não pode em abstracto ser um processo conexo nos termos e para os efeitos do artigo 133.º, n.º 1, al. a), do C.P.P.:
2ª - É verdade que a competência por conexão entre processos-crime se deve aferir nos termos do artigo 24.º do C.P.P., e daí que, em princípio, para efeitos do artigo 133.º, se devam considerar como processos conexos todos os casos determinantes de conexão nos termos do artigo 24.º.
3ª - Porém, se é certo que a eventual competência por conexão entre processos crimes se deve aferir à luz do preceituado no artigo 24.º do C.P.P. não é menos certo que esta norma não trata de per si da eventual competência por conexão entre processos-crime e de contra-ordenação.
4ª - A conexão a que se refere o artigo 24.º do C.P.P. visa apenas a atribuição, a título excepcional, de competência a um Tribunal para o julgamento de vários processos de natureza criminal, em detrimento das regras da competência territorial, material e funcional.
5ª - Mesmo no que diz respeito a processos-crime, uma questão é determinar, numa determinada fase do processo, se um Tribunal é competente por conexão, e outra, perfeitamente diferenciável, é a de aferir da existência de um impedimento para depor por parte de testemunha que seja arguido num processo atinente aos mesmos factos, ou indissociável destes.
6ª - Devido às especificidades de cada questão os critérios do artigo 24.º não são inteiramente transponíveis para o universo regulador do artigo 133.º, n.º 1, al. a), do C.P.P., como resulta, desde logo, do facto de, nos termos do n.º 2 do artigo 24.º, do C.P.P., “A conexão só opera[r] relativamente aos processos que se encontrarem simultaneamente na fase de inquérito, de instrução ou de julgamento.”.
     7ª - De facto, não será pela circunstância de uma testemunha ser arguido num processo-crime em fase de inquérito que se poderá deixar de considerar impedido para prestar depoimento em julgamento em processo relativo aos mesmos factos, ou indissociável destes, com base no artigo 133.º, n.º 1, al. a), do C.P.P..
8ª - Neste caso existe impedimento para depor mas não competência por conexão, assim se evidenciando que a preocupação que esteve no espírito do legislador foi, em sede de artigo 24.º do C.P.P., regular o quadro de situações em que se justifica, do ponto de vista material ou processual, objectivo ou subjectivo, atribuir a um determinado Tribunal uma competência por conexão, em detrimento das regras que normalmente regulam a atribuição de competência territorial, material e funcional aos Tribunais (artigo 27.º do C.P.P.).
Por outro lado:
9ª - Para efeitos de definição daquele que é um processo “conexo” no âmbito do artigo 133.º, n.º 1, al. a), do C.P.P., não são aplicáveis as alíneas a) e b) do artigo 24.º, do C.P.P., respectivamente, atinentes aos casos de “unidade de acção ou omissão criminosa do mesmo agente, ainda que com pluralidade de incriminações” e “pluralidade das acções ou omissões criminosas do mesmo arguido”, uma vez que nelas se prevê a competência por conexão de um Tribunal relativamente a causas subjectivamente conexas, em que o motivo justificativo de tal competência se centra na conduta de um só arguido visada em diferentes processos, e não na de um terceiro eventualmente impedido de depor, e que o artigo 133.º, n.º 1, al. a), do C.P.P., já afirma que o arguido não pode assumir no processo a qualidade simultânea de testemunha.  
10ª - Assim, para que se adoptem, de forma estanque, os critérios constantes do artigo 24.º, n.ºs c) e d), do C.P.P., no sentido de aferir da possibilidade de qualificação de um processo de contra-ordenação como “processo conexo” para efeitos do artigo 133.º, n.º 1, al. a), do C.P.P., haveria, antes de mais, que aferir se as razões que, em substância, podem justificar a atribuição de uma competência por conexão a um determinado Tribunal para julgar um conjunto de causas que têm entre elas um elo comum, são as mesmas que podem materialmente justificar o impedimento de uma determinada pessoa, in casu, arguido num processo materialmente conexo, vir a depor como testemunha.
     11ª - Porém, as razões que nortearam o legislador na definição dos processos que, por via da sua conexão, devem ser julgados pelo mesmo Tribunal não têm necessária sobreposição com as razões que podem estar subjacentes à previsão de um impedimento para um Arguido num processo materialmente conexo não poder depor como testemunha, e daí, desde logo, que um co-arguido num processo de inquérito deva ser julgado impedido de depor como testemunha num outro conexo que se encontre em fase de julgamento.
12ª - O arguido não pode depor como testemunha em processo conexo sobre factos que são imputados em exclusivo a terceiros pois a sua capacidade de avaliação fica prejudicada pela circunstância de os factos serem os mesmos ou indissociáveis com aqueles que lhe são imputados, perturbando assim seriamente a liberdade do depoimento.
13ª - Porém, a proibição não visa apenas proteger o arguido chamado a depor como testemunha do que, nessa qualidade, possa dizer em prejuízo da sua posição, mas também proteger o arguido do processo conexo.
14ª - O arguido no processo conexo tem o direito constitucional à descoberta da verdade material como decorrência do princípio da dignidade da pessoa humana (neste sentido, acórdãos do TC n.ºs 394/89, n.º 101/95, n.º 443/95, n.º 584/96, n.º 1165/96 e n.º 1183/96) e aquele direito ficaria gravemente comprometido no caso de se admitir uma prova testemunhal prestada sob o constrangimento de o co-arguido chamado a depor como testemunha se encontrar acusado de factos com uma relação de conexão com aqueles sobre os quais tem de depor.
15ª - Assim, a falta de liberdade do depoimento da testemunha contamina de tal modo a prova testemunhal produzida que as garantias de defesa do arguido no processo onde foi produzida a dita prova ficam irreversivelmente feridas (23).
16ª - Aliás, no sentido de que a razão subjacente ao impedimento absoluto do Arguido em processo-crime conexo é o seu envolvimento com os factos, que põe em causa a isenção, credibilidade e fidedignidade de um tal meio de prova, decidiu-se já no douto despacho datado de 5.12.13 proferido pelo Tribunal a quo, que aqui se dá como reproduzido (24).
17ª - Ou seja, mesmo para o Tribunal a quo a razão do impedimento de que se cuida, e que cumpre saber se abrange, ou não, o arguido em processo contra-ordenação que seja materialmente conexo, é ausência de “fidedignidade” do depoimento que por este viesse a ser prestado.
18ª - Salvo o devido respeito, no que à justificação do impedimento diz respeito, não faz sentido dizer que um arguido em processo-crime conexo está impedido de depor, por ausência de credibilidade, e reconhecer essa mesma credibilidade ao depoimento de um arguido em processo de contra-ordenação, ainda que materialmente sujeito a penas da mesma natureza pecuniária tão ou mais pesadas, como acontece no caso concreto da testemunha TP…, condenado que foi em coima de euros: 45.000,00 (quarenta e cinco mil euros), pela decisão administrativa punitiva proferida pelo Banco de Portugal no processo de contra-ordenação n.º …/…/CO (junta aos autos em 9.12.2013 como Doc. 3), de que a testemunha em causa (cujo impedimento não foi reconhecido) apresentou impugnação judicial, que será apreciada pelo Tribunal da Concorrência, Regulação e Supervisão.
     19ª - De um outro prisma, tal impedimento tutela ainda os direitos ao silêncio e à não auto-incriminação, desde logo porque, estando previsto um impedimento absoluto, o arguido em processo conexo, enquanto o for, não tem sequer que se recusar a depor, sendo claro que não pode sequer depor mesmo que nisso venha a consentir.
20ª - Dito isto, à luz das razões que materialmente podem justificar/impor a previsão de um impedimento para depor por banda do arguido em qualquer processo punitivo materialmente conexo (interpretação teleológica), não pode proceder o argumento de que, como o artigo 24.º, do C.P.P., apenas regula a competência por conexão do Tribunal para processos crime, se deverá concluir (como que a contrario sensu) que jamais um processo de contra-ordenação pode ser conexo para efeitos de 133.º, n.º 1, al. a), do C.P.P..
21ª - Sendo que, mesmo que fosse esse o critério (e parece-nos que o critério da aplicabilidade do artigo 24.º do C.P.P. não poderá ser aplicado de forma estanque) o mesmo ditaria a conexão entre o presente processo-crime e os processos de contra-ordenação do BdP n.º …/…/CO, em que a testemunha visada apresentou impugnação judicial, ainda não apreciada à data da decisão recorrida, e n.º …/… da CMVM, onde apenas foi proferida acusação (Doc. 3 junto com o requerimento de 9.12.13).
22ª - A possibilidade legal de conexão (formal) entre processos de contra-ordenação e processos-crime resulta expressamente da aplicação do Regime Geral das Contra-ordenações (previsto no D.L. n.º 433/82, de 27 de Outubro, doravante R.G.C.O.), cujo incontornável conteúdo não mereceu qualquer alusão por parte do douto despacho recorrido.
23ª - O processo de contra-ordenação n.º …/…/CO, em que a testemunha a que se refere o douto despacho recorrido é arguida/recorrente, rege-se pelo Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras (previsto no D.L. n.º 298/92, de 31 de Dezembro, sucessivamente alterado), onde no artigo 232.º se prevê, sobre a epígrafe “Aplicação do regime geral”, que “Às infracções previstas no presente capítulo é subsidiariamente aplicável, em tudo que não contrarie as disposições dele constantes, o regime geral dos ilícitos de mera ordenação social.”.
24ª - Por sua vez, o artigo 41.º, n.º 1, do R.G.C.O., prevê, sobre a epígrafe “Direito subsidiário”, que “Sempre que o contrário não resulte deste diploma, são aplicáveis, devidamente adaptados, os preceitos reguladores do processo criminal.”.
     25ª - Ou seja, através da dupla remissão operada pelos artigos 232.º do R.G.I.C.S.F. e 41.º, n.º 1, do R.G.C.O., o artigo 24.º, n.º 1, al.s. c) e d), do C.P.P., que o douto despacho recorrido julgou inaplicável aos processos de contra-ordenação no douto despacho recorrido, deverá efectivamente ser aplicado ao processo n.º …/…/CO, cumprindo apenas verificar se isso é, ou não, contrário à específica regulação constante daqueles Diplomas.
26ª - Ora, dispõe o artigo 20.º do R.G.C.O., cujo incontornável conteúdo não mereceu qualquer alusão no douto despacho recorrido, que “Se o mesmo facto constituir simultaneamente crime e contra-ordenação, será o agente sempre punido a título de crime, sem prejuízo da aplicação das sanções acessórias previstas para a contra-ordenação.”, e do artigo 38.º, n.º 1, do R.G.C.O., que “Quando se verifique concurso de crime e contra-ordenação, ou quando, pelo mesmo facto, uma pessoa deva responder a título de crime e outra a título de contra-ordenação, o processamento da contra-ordenação cabe às autoridades competentes para o processo criminal.”
27ª - Face ao teor do artigo 38.º, n.º 1, do R.G.C.O., dever-se-á entender que a competência contra-ordenacional das autoridades competentes para o processo criminal ocorrerá também nos casos de concurso real de contra-ordenações, em que um mesmo agente pratica mais que um facto susceptíveis de constituírem infracções de natureza criminal e contra-ordenacional. Para o efeito, deverão aplicar-se aqui as regras de conexão previstas no C.P.P., por força do preceituado no art.º 41.º, n.º 1, do R.G.C.O..
28ª - Assim, a competência das autoridades competentes para o conhecimento de crime só se estenderá a contra-ordenações cometidas pelo mesmo agente através da mesma acção ou omissão, ou na mesma ocasião ou lugar, havendo uma relação de causa efeito entre eles, ou um se destine a continuar outro [art. 24.º, n.º 1, alíneas a) e b), do C.P.P.] (25).
29ª - A competência das autoridades competentes para o processo criminal, ocorre também quando, pelo mesmo facto, uma pessoa deva responder a título de crime e outra de contra-ordenação. Neste caso, a competência exclusiva das autoridades competentes para o processo criminal justifica-se pela conveniência em evitar decisões contraditórias, quanto à materialidade do facto que é suporte, simultaneamente, de crime e contra-ordenação (26).
30ª - O mesmo é dizer que, em rigor, sendo a conduta contra-ordenacional imputada à testemunha TP…, e aos demais arguidos naquele processo, indissociável com os factos que aos arguidos nos presentes autos estão imputados como crimes (por os eventuais resultados negativos do produto fora do balanço denominado “contas investimento” serem, a final, suportados pela sociedade Jared Finance, com financiamento do Banco Insular, o que resulta expressamente referido nos artigos 17.º a 20.º da acusação da CMVM no âmbito do processo de contra-ordenação n.º …/…, em que aquela testemunha também é arguida, junta aos autos em 9.12.13 como Doc. 4), deveria nos presentes autos ter sido deduzida acusação pública pelo M.P. contra os mesmos pela prática da contra-ordenação que lhes está imputadas (ressalvando-se a hipótese de separação de processos, nos termos do artigo 30.º do CP, o que não ocorreu).
31ª – Efectivamente, de acordo com o regime previsto no artigo 38.º, n.º 1, do R.G.C.O., se houver concurso de crime e contra-ordenação, quer seja concurso ideal quer seja concurso real, a autoridade judiciária competente para conhecer o crime é também competente para conhecer da contra-ordenação (acórdão do TRP, de 19.12.2007, in CJ, XXXII, 5, 218, e na, doutrina portuguesa, SIMAS SANTOS e LOPES DE SOUSA, 2001:255, e SÉRGIO PASSOS, 2009: 282, e, na doutrina alemã, GÖHLER, anotação 2ª  ao § 40º, e anotação 3ª  ao § 41º).
32ª - Mas no caso de concurso real prevalecem as regras de conexão do C.P.P., de modo a não prejudicar o regular andamento do processo criminal. Portanto, o M.P. só pode conhecer conjuntamente com o crime das contra-ordenações cometidas pelo mesmo agente através da mesma acção ou omissão, ou na mesma ocasião ou lugar, ou havendo uma relação causa e efeito entre eles ou ainda quando um se destine a continuar o outro (neste sentido também, SIMAS SANTOS e LOPES DE SOUSA; distinta sendo a solução mais ampla do § 42º II do OWIG).
33ª - Dito de outro modo, vale o critério de limitação da competência do artigo 24º, n.º 1, do C.P.P., na falta de uma norma específica como a que tem o § 42º II do OWIG. A razão é esta: as garantias conferidas no processo contra-ordenacional cedem em relação às do processo criminal (acórdão do TC nº 31/00, sobre os artigos 38º, nº 1, 46º e 57º do Decreto-Lei nº 433/82, de 27.10, que concluiu que, no processo criminal em que se persigam contra-ordenações, a regra do artigo 46º do R.G.C.O. “é consumida pelas regras mais exigentes consagradas no Código Processo Penal”, uma vez que “em tais processos, aos arguidos são assegurados todos os meios de defesa previstos no processo criminal, necessariamente mais amplos e solenes que no processo de contra-ordenação”).
34ª - Quando se verificar o concurso de crime e contra-ordenação em inquérito pendente no MP, o MP tem competência originária para conhecer da contra-ordenação. Se o MP deduzir acusação criminal, deve incluir nela a matéria da contra-ordenação (artigo 57.º do R.G.C.O.).
35ª - Quando se verificar o concurso de crime e contra-ordenação em processo pendente na autoridade administrativa, a autoridade administrativa deve remeter o processo contra-ordenacional ao MP, que adquire uma competência secundária sobre a contra-ordenação.
36ª - A omissão do dever de remessa pela autoridade administrativa é passível de responsabilidade criminal (artigo 369º do C.P.).
37ª - Face ao regime referido nos artigos acima enunciados, torna-se evidente que o regime previsto no artigo 24.º, n.º 1, do C.P.P., que a douta decisão recorrida julgou exclusivamente aplicável à competência por conexão entre diferentes processos crimes, é igualmente aplicável para atribuir competência por conexão à autoridade judiciária para conhecer de crimes e contra-ordenações, por força do preceituado no art.º 41.º, n.º 1, do R.G.C.O., neste caso ex vi artigo 232.º do R.G.I.C.S.F. 
38ª - Uma outra evidência da
conexão formal entre o processo de contra-ordenação e o processo crime materialmente conexo é, desde logo, o teor dos artigos 76.º a 78.º do Capítulo V do R.G.C.O., que se dedica à regulação das interdependências entre “Processo de contra-ordenação e processo criminal”.
39ª - De facto, a conversão de processo por contra-ordenação em processo criminal está regulada no artigo 76.º do R.G.C.O.. A disposição só trata o caso da decisão de conversão tomada pelo tribunal, na pendência da impugnação judicial, isto é, desde que os autos de processo contra-ordenacional tenham sido enviados ao tribunal de primeira instância e recebidos pelo juiz.
     40ª - Assim, o tribunal (in casu, o Tribunal da Concorrência, Regulação e Supervisão no âmbito da apreciação apresentada por TP… no processo n.º .../.../CO) pode, oficiosamente ou a requerimento do M.P., converter um processo de impugnação judicial da decisão da autoridade administrativa em processo criminal.
41ª - A decisão de conversão só pode ser tomada até à prolação da sentença pelo Tribunal de primeira instância. Depois da sentença condenatória em coima ou de absolvição da contra-ordenação, não é admissível a conversão em processo criminal (27).
     42ª - Acresce que, conforme resulta do artigo 77.º do R.G.C.O. na audiência de julgamento criminal, o tribunal pode apreciar como contra-ordenação o facto imputado como crime depois de dar cumprimento ao disposto no artigo 358.º, n.º 3, do C.P.P. (se se tratar de mera alteração de qualificação do facto da acusação). Nesse caso, o julgamento segue as normas do processo criminal até ao final, devendo ser proferida sentença absolutória do crime e condenatória da contra-ordenação no caso de se provarem os factos contra-ordenacionais (GÖHLER, anotação 10ª ao § 82.º, e FERREIRA ANTUNES, 2005: 510, anotação 5.ª ao artigo 77.º) (28).
43ª - Outra evidência de que o R.G.I.C.S.F. não afasta a regra da competência por conexão entre os processo de contra-ordenação que prevê e o processo-crime materialmente conexo é a previsão do artigo 208.º do R.G.I.C.I.F., relativa ao “Concurso de infracções”, que dispõe que “Se, pelo mesmo facto, uma pessoa responder simultaneamente a título de crime e a título de ilícito de mera ordenação social, seguir-se-á o regime geral, mas instaurar-se-ão processos distintos respectivamente perante o juiz penal e no Banco de Portugal, cabendo a este último a aplicação, se for caso disso, das sanções acessórias previstas no presente diploma.”
44ª - De facto, esta norma não pode deixar de ser interpretada no sentido de seguindo-se o regime geral das contra-ordenações (acima analisado), ou seja, sendo a autoridade judiciária competente por conexão para o julgamento simultâneo da contra-ordenação e do crime, existirá um segundo processo junto do Banco de Portugal “cabendo a este último a aplicação, se for caso disso, das sanções acessórias previstas no presente diploma.” (29).
45ª - Perante uma tal regulação da tramitação dos processos de contra-ordenação, nas suas interligações com o processo criminal, onde se prevê quer a conversão do primeiro no segundo quer a do segundo no primeiro, e a consequente mutação da qualidade de arguido em processo de contra-ordenação em arguido em processo-crime, e vice-versa, não se pode deixar de considerar que entre os dois tipos de processo existe conexão formal, nos termos e para os efeitos do artigo 133.º, n. 1, al. a), do C.P.P. 
46ª - Por outro lado, a conexão entre processos de contra-ordenação e processos crime é uma imposição do princípio do ne bis in idem, cuja aplicabilidade directa resulta do artigo 29.º, n.º 5, ex vi artigo 18.º, n.º 1, ambos da C.R.P., e do artigo 4.º do Protocolo n.º 7 à C.E.D.H..
47ª - O ne bis in idem configura uma injunção dirigida ao Estado para organizar um só processo punitivo (seja por crime, seja por contra-ordenação, seja por ambos em concurso real) contra uma pessoa pelos mesmos factos/crime, devendo toda a ordem jurídica punitiva configurar-se de forma a realizar esta ideia.
48ª - Como tal, o ne bis in idem é, na designação utilizada por Alexy, uma “exigência de optimização” (Optimierungsgebot), que impõe que aquela unicidade seja realizada no maior grau possível, dentro das possibilidades jurídicas e fácticas.
49ª - Como regra, o ne bis in idem processual dita o que fazer no caso em que uma decisão punitiva tenha sido proferida contra um indivíduo – não iniciar um novo processo sobre os mesmos factos – ou em que estejam pendentes duas acções sobre os mesmos factos – terminar uma dessas acções.
50ª - O Tribunal Europeu dos Direitos do Homem tem entendido que o artigo 4.º do Protocolo n.º 7 à C.E.D.H. deve ser interpretado como “proibindo a perseguição ou o julgamento de uma pessoa por uma segunda «infracção» se esta tem na sua origem facto idênticos ou factos que são substancialmente os mesmos”. E concretiza esta identidade numa fórmula muito semelhante à preconizada pelo Tribunal de Justiça, a saber: “factos que constituam um conjunto de circunstâncias factuais concretas que impliquem o mesmo infractor e que se encontrem indissociavelmente ligados entre eles no tempo e no espaço, tratando-se das circunstâncias que devem ser demonstradas para que uma condenação possa ser proferida ou para que possa lançar-se mão da prossecução penal.” [Acórdão do Plenário, de 10.02.2009, proferido no caso  Zolotoukhine c Russia, queixa n.º 14939/03] (30).
51ª - Ou seja, o T.E.D.H. parte de um conceito de base ontológico, de um conjunto de circunstâncias factuais que têm de ser as mesmas, ou substancialmente idênticas, mas que devem analisar-se face ao referente normativo da infracção em causa: são o conjunto de factos cuja prova é exigida para que um tribunal possa concluir pela prática da infracção, ou uma autoridade de investigação possa deduzir acusação.
52ª - Se a resposta for positiva (à luz dos concretos factos imputados ao arguido nos sucessivos processos punitivos), como terá necessariamente de ser – até porque a alegada “estratégia” de ocultação da detenção e instrumentalização do Banco Insular é objecto dos presentes autos, e foi esta que alegadamente permitiu operacionalizar o produto “contas de investimento” sempre que as mesmas apresentavam prejuízo face à remuneração fixa prometida aos clientes do BPN -, opera o princípio ne bis in idem, que proíbe que contra os arguidos sejam instaurados novos processos, “proibindo a perseguição ou o julgamento de uma pessoa por uma segunda «infracção» se esta tem na sua origem facto idênticos ou factos que são substancialmente os mesmos”, e exige que o Estado organize um só processo punitivo quanto aos mesmos, ou seja, que estruture o regime legal no sentido de reconhecer a existência de competência por conexão quanto a todos os processos punitivos (sejam criminais sejam contra-ordenacionais) que reportem aos mesmos factos. 
53ª - Numa primeira concretização, a doutrina penalista costuma assinalar que o princípio tem uma vertente substantiva e outra processual. Sempre de um modo geral, designadamente sem entrar na consideração da pluralidade de ramos do direito sancionatório, pode dizer-se que, do ponto de vista substantivo, o princípio proíbe a plural imposição de consequências jurídicas sancionatórias sobre a mesma infracção; do ponto de vista processual, o ne bis in idem determina a impossibilidade de reiterar, contra o mesmo sujeito, um novo julgamento (ou processo) por uma infracção sobre a qual se tenha firmado decisão de absolvição ou condenação.
54ª - O ne bis in idem processual – a proibição de sujeição a julgamento pelo “mesmo crime” em processos sucessivos – encontra o seu fundamento próximo na tutela da segurança ou da paz jurídica, inerente ao princípio do Estado de Direito que não permite, mesmo com eventual sacrifício da justiça material, que o indivíduo, já condenado ou absolvido, possa viver permanentemente sob a espada de Damocles de uma nova perseguição penal e de uma eventual imposição de pena.
55ª - Verifica-se, assim, salvo o devido respeito e melhor opinião, que a interpretação normativa adoptada na douta decisão recorrida, não teve em conta o princípio ne bis in idem, previsto nos artigos 29.º, n.º 5 da C.R.P., e 4.º do Protocolo n.º 7 à C.E.D.H., na interpretação que lhe atribui o T.E.D.H. expressa no douto Acórdão do Plenário daquele Tribunal tirado no caso Zolotoukhine c. Russia.
56ª - É uma lógica de ne bis in idem processual que explica (e necessariamente impõe) que no âmbito do Direito de Mera Ordenação Social se preveja que, se um facto é punido simultaneamente como crime e contra-ordenação, tal facto seja julgado num único processo (artigo 38.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 433/82, de 27 de Outubro).
57ª - De facto, se este princípio constitui uma injunção dirigida ao Estado para organizar um único processo punitivo contra o arguido, onde se lhe imputem todas as infracções criminais ou contra-ordenacionais emergentes dos factos, então não pode deixar de se reconhecer que para todos os processos punitivos de natureza contra-ordenacional ou criminal que sejam materialmente conexos tem, necessariamente, que existir competência por conexão para o respectivo julgamento, nos termos do artigo 24.º, n.º 1, do C.P.P., e, consequentemente, conexão formal para os efeitos do artigo 133.º, n.º 1, al. a), do C.P.P..
58ª - Literalmente, o artigo 29.º, n.º 5, da C.R.P. apenas se refere ao duplo julgamento do mesmo facto, mas entende-se, mais amplamente, que também proíbe a dupla punição. Pelo que, tem pertinência, ainda no âmbito do Direito Constitucional Penal, saber até que ponto as sanções penais podem ser acompanhadas de outras sanções, disciplinares ou administrativas, sem que o mesmo facto seja duplamente punido no sentido da Constituição.
59ª - Pese embora não seja esse o objecto do presente recurso, tem ainda pleno sentido no mesmo, perguntar se, pela via da punição cumulativa através do Direito Penal e de outro ramo do Direito sancionatório público, não se contraria o princípio da necessidade da pena e não se viola a proibição constitucional do excesso, sobretudo no caso de a sanção disciplinar ou administrativa cumprir uma função preventiva e protectora semelhante à da sanção penal.
60ª - Assim, é uma lógica de ne bis in idem (na vertente material) que explica (e eventualmente impõe) que no âmbito do Direito de Mera Ordenação Social se preveja que, se um facto é punido simultaneamente com uma pena e uma coima, só se deve (necessariamente num único processo) aplicar a pena, sendo todavia, aplicáveis as sanções acessórias cominadas para a contra-ordenação (artigo 20.º do Decreto-Lei n.º 433/82, de 27 de Outubro).
61ª - Questionável é, ainda, se certas sanções contra-ordenacionais ou disciplinares não atingem, pela sua gravidade, uma verdadeira natureza penal. A transfiguração formal de sanções muito graves em sanções não penais não pode ser tolerada pela Constituição Penal, sendo essa uma das mais importantes consequências de um conceito material de pena no âmbito constitucional.
62ª - Esta questão é da maior complexidade, tanto mais que há sanções materialmente idênticas no Direito Penal, no Direito Disciplinar e no Direito de Mera Ordenação Social – pense-se, por exemplo, nas sanções pecuniárias e de demissão, independentemente do nome jurídico que se lhes atribua. Verdadeiramente, só a pena de prisão, para as pessoas singulares, e a pena de dissolução, verdadeira “pena de morte” para as pessoas colectivas, não proibida pela Constituição, são sanções penais específicas (31).
63ª - Porém, em casos como o do processo do BdP n.º …/…/CO, torna-se evidente que sanções aplicadas pelo BdP, e designadamente aquele que o foi à referida “testemunha” TP… [coima fixada em euros: 45.000,00 (quarenta e cinco mil euros)], assumem um valor que é materialmente idêntico, senão superior, a tantas outras aplicáveis no âmbito do Direito Penal formal, sendo um exemplo acabado de transfiguração formal de sanções muito graves em sanções não penais que não pode ser tolerada pela Constituição Penal. Por outro lado, no processo …/…, da CMVM, as coimas aplicáveis variam entre 25.000,00 a 5.000.000,00 de euros.
64ª - Assim, estando em causa a aplicação de verdadeiras penas e, assim, verdeiros processos criminais, não existirá nenhuma razão de índole substancial para se deixar de considerar impedido um arguido num processo contra-ordenacional, nos termos e para os efeitos do artigo 133.º, n.º 1, al. a), do C.P.P..
65ª - Do exposto, afigura-se para efeitos do disposto no artigo 133.º, n.º 1, al. a), do C.P.P., ex vi artigos 41.º do R.G.C.O. e 208.º e 232.º do R.G.I.C.S.F., que um processo contra-ordenacional (mormente com as características punitivas materialmente penais apresentadas pelo processo do BdP n.º …/…/CO) e um processo-crime devem, do ponto de vista substancial, ser qualificados como processos formalmente “conexos” desde que materialmente o sejam.
II - Quanto ao segmento decisório que julgou que o arguido em processo de contra-ordenação não tinha de consentir na prestação de depoimento enquanto testemunha em processo crime materialmente conexo:
66ª - O processo penal está subordinado às garantias do artigo 32.º da C.R.P. e do artigo 6.º da C.E.D.H., sendo que este último se aplica independentemente da qualificação jurídica dos factos pela lei nacional.
67ª - Com efeito, o T.E.D.H. definiu, no acórdão Engel e outros v. Países Baixos, de 8.6.1976, os critérios de delimitação da imputação criminal, isto é, do conceito de “matéria criminal”, para os efeitos do artigo 6.º da C.E.D.H.. Neste acórdão, proferido sobre uma sanção disciplinar, estabeleceu-se que os critérios determinantes para saber se a imputação feita a uma pessoa tem natureza criminal são a qualificação jurídica da lei nacional, a própria natureza da infracção e a gravidade das sanções cominadas pela lei nacional. No acórdão Campbell e Fell v. Reino Unido, de 28.6.1984, esclareceu-se que os segundo e terceiro critérios são alternativos e não cumulativos.
68ª - Assim, constituem “matéria criminal” para os efeitos do artigo 6.º da C.E.D.H. e, por isso, estão, designadamente, subordinados às garantias deste artigo as seguintes acções, condutas e decisões: as contra-ordenações (acórdão Öztürk v. Alemanha (plenário), de 21.2.1984); as transgressões (acórdão Gradinger v. Austrália, de 23.10.1995, sobre o Verwaltungsstrafrechtverfahren); e a decisão final do inquérito, em que o MP decide substituir responsabilidade criminal por responsabilidade administrativa e aplicar multa (acórdão Greu v. Roménia, de 30.11.2006) (32).
 69ª - Ora, face à directa aplicabilidade do artigo 6.º da C.E.D.H., e aos critérios reiteradamente aceites pelo Tribunal Europeu dos Direitos do Homem para a definição daquela que deve ser considerada “matéria criminal”, independentemente da qualificação que o direito nacional atribui, parece manifesto que também à luz do artigo 6.º da C.E.D.H. se deverá atribuir ao arguido em processo de contra-ordenação o mesmo tratamento, pautado por um due process of law que igualmente se reconhece vigorar no processo contra-ordenacional.
70ª - Donde, para tutela dos direitos de defesa do arguido e da dignidade da pessoa humana, não poderá deixar de se considerar que a prestação de depoimento em processo criminal, a ser permitida, carece de autorização expressa do arguido no processo de contra-ordenação que seja considerado materialmente conexo, direito que não foi facultado nem reconhecido à testemunha TP… no douto despacho recorrido.
71ª - Ao julgar em sentido contrário – na parte em que considerou que o arguido em processo de contra-ordenação não tinha de autorizar a prestação de depoimento em processo crime mesmo que materialmente conexo - violou a douta Decisão recorrida o artigo 6.º da C.E.D.H. e a jurisprudência do T.E.D.H. expressa no douto acórdão do plenário daquele Tribunal, de 21.2.1984, no caso Öztürk v. Alemanha.
72ª – Mas, o reconhecimento da conexão entre os três processos sempre em referência, para os efeitos do artigo 133.º, n.º 1, al. a), do C.P.P., é também exigência do artigo 32.º, n.ºs 1, 8 e 10, da C.R.P. e dos direitos do arguido ao silêncio e à não auto-incriminação (nemo tenetur se ipsem accusare).
73ª - De facto, como é sabido o reconhecimento dos direitos do arguido ao silêncio e à não auto-incriminação emana da tutela jurídica de direitos fundamentais como a dignidade humana, a liberdade individual e a presunção de inocência.
74ª - Tais direitos não são absolutos verificando-se no ordenamento jurídico português, que expressamente reconhece o direito ao silêncio no artigo 61.º, n.º 1, al. d), do C.P.P., algumas limitações (impostas em nome da protecção e salvaguarda de interesses constitucionalmente protegidos e em obediência ao princípio da proporcionalidade), mesmo em matéria criminal (cfr. art. 61, n.º 3, al. b), do C.P.P., bem como a obrigatoriedade de realizar determinados exames, como os de alcoolemia e os previstos na Lei n.º 45/2004, de 29 de Agosto, e ainda os deveres de cooperação perante a administração tributária previstos no R.G.I.T.).
75ª - No âmbito das contra-ordenações encontram-se limitações a esses mesmos direitos, nomeadamente, em relação aos deveres de cooperação perante a C.M.V.M., previstos no CdVM, e perante a Autoridade de Concorrência, previstos na Lei n.º 18/2003, sendo que tais limitações têm vindo a ser aceites, em determinados casos, pelo Tribunal Constitucional (v.d. Ac. do TC n.º 461/11).
76ª - Contudo, o arguido, seja ele pessoa singular ou pessoa colectiva, tem o direito ao silêncio no processo contra-ordenacional, quer na fase administrativa, quer na fase judicial, nos termos do artigo 61.º, n.º 1, al.ª c), do C.P.P., conjugado com o artigo 41.º do R.G.C.O. (neste sentido, FIGUEIREDO DIAS e COSTA ANDRADE, 2009: 49: “A obrigação legal de prestar informações no âmbito de um processo de fiscalização e supervisão não se confunde com – nem prejudica – o direito ao silêncio que assiste ao arguido no âmbito de um eventual processo sancionatório posterior (criminal ou contra-ordenacional), designadamente no âmbito de interrogatórios perante as autoridades competentes. Aí valem, em toda a sua plenitude, as regras processuais que prevêem o direito ao silêncio do arguido”, bem como LOPES DE SOUSA e SIMAS SANTOS, 2001: 402, anotação 3.ª ao artigo 71.º, PAULO MARQUES, 2007: 47, SOUSA MENDES, 2009: 71 3 a 716, e LUÍS CATARINO; 2010: 522, mas contra, FERREIRA ANTUNES, 2005: 475, anotação 15.ª ao artigo 72.º, que contudo, admite que o arguido não presta juramento nem responde criminalmente se recusar responder, mas aplica analogicamente o disposto no artigo 68.º, considerando que neste caso o arguido “ausente”) (33).
77ª - Atendendo ao acima exposto, o artigo 133.º, n.º 1, al. a), do C.P.P., isoladamente ou quando aplicado ex vi artigos 41.º do R.G.C.O., 208.º e 232.º do R.G.I.C.S.F., quando interpretado no sentido de afastar os processos de contra-ordenação daqueles que, em abstracto, podem ser considerados como “processos conexos” com o processo criminal, por forma a impor o dever de prestação de depoimento ao arguido no mesmo, independentemente de consentimento deste, é materialmente inconstitucional por violação dos artigos 2.º, 18.º, n.º 2, 20.º, 31.º, n.º 1, 8 e 10, da C.R.P..
     78ª - É materialmente inconstitucional - por violação dos artigos 2.º, 18.º, n.º 2, 20.º, 31.º, n.º 1, 8 e 10, da C.R.P. - o artigo 61.°, n.° 1, al. c), do Código de Processo Penal [que dispõe que o arguido goza do direito de não responder a perguntas feitas, por qualquer entidade, sobre os factos que lhe são imputados], isoladamente ou quando aplicado ex vi artigos 41.º do R.G.C.O., 208.º e 232.º do RGICSF, quando interpretado no sentido de o direito por ele previsto não conceder ao arguido em processo de contra-ordenação, que se ache em fase de recurso judicial, o direito a não prestar declarações como testemunha em processo crime que potencialmente se refira aos mesmos factos que lhe são imputados, e sem que haja necessidade de aferir da identidade destes.
79ª - Efectivamente, pelo menos a partir do momento em que se verifica a imputação de uma infracção, o já arguido tem, de acordo com o disposto no n.º 10 do art.º 32.º da Lei Fundamental, assegurados os direitos de audiência e de defesa, onde se inclui o direito ao silêncio contemplado no direito infraconstitucional no artigo 60.º, n.º 1, al. c), do C.P.P., devendo um outro Tribunal responsável pelo julgamento de um processo crime materialmente conexo (ou potencialmente conexo, uma vez que o Tribunal a quo dispensou a aferição de uma concreta conexão material) ser considerado como estando incluída na expressão legal “qualquer entidade”.
80ª - Assim, se a testemunha arguido no processo de contra-ordenação que potencialmente se refira aos mesmos factos já foi objecto de acusação, e até de condenação administrativa, e o processo se encontra em fase de recurso judicial, é exactamente aí que o seu direito ao silêncio se torna indiscutível ainda que perante “qualquer entidade” e, assim, mesmo perante um Tribunal diferente daqueloutro que o está a julgar.
81ª - Ao julgar em sentido contrário violou a douta Decisão recorrida o disposto nos artigos 2.º, 18.º, n.º 2, 20.º, 31.º, n.º 1, 8 e 10, da C.R.P., 6.º da C.E.D.H., bem como os artigos 24.º, n.º 1, al. d), 61.°, n.° 1, al. c), 133.º, n.º 1, al. a), do Código de Processo Penal, ex vi artigos 41.º do R.G.C.O., 208.º e 232.º do R.G.I.C.S.F., que aplicou com um sentido interpretativo materialmente inconstitucional.  
III – Quanto à conexão material entre os processos n.º …/…TDLSB, o n.º …/…/… do BdP e o n.º …/… da CMVM:
82ª - Respondida afirmativamente à primeira questão de se saber se, para efeitos do disposto no artigo 133.º, n.º 1, al. a), do C.P.P., um processo contra-ordenacional e um processo-crime podem, em abstracto, ser qualificados como processos formalmente conexos, resta saber se o processo n.º …/…/… do BdP, o processo n.º …/… da CMVM, e o presente processo podem, em concreto, ser qualificados como tal.
     83ª - Na perspectiva dos recorrentes podem, e devem, uma vez que o processo de contra-ordenação do BdP tem como objecto a alegada violação das regras “contabilísticas aplicáveis, determinadas por lei ou pelo Banco de Portugal, quando essa inobservância prejudique gravemente o conhecimento da situação patrimonial e financeira da entidade em causa;”, baseada na ocultação nas contas do BPN, BPN SGPS, e, consequentemente, nas contas da SLN SGPS da realidade das “contas de investimento”, e o processo da CMVM n.º …/…, essa mesma realidade das “contas investimento”, na vertente da ausência do registo devido junto da CMVM para o exercício da actividade de intermediação por parte do BPN SA (por infracção ao artigo 397.º, n.º 1, do CdVM), matéria de facto esta que é indissociável daquela outra que se encontra incluída no objecto dos presentes autos, designadamente, nos artigos 75.º, 216.º, 217.º, 218.º, 514.º e 515.º e 999.º da pronúncia.
     84ª - Tal conexão material foi expressamente alegada no requerimento formulado pelo arguido JO…, a que aderiram os demais recorrentes, que a douta decisão recorrida veio a indeferir, sem que dela se tivesse tomado conhecimento, por considerar desde logo prejudicada a possibilidade de um processo de contra-ordenação configurar um processo conexo nos termos e para os efeito do artigo 133.º, n.º 1, al. a) do CPP.
     85ª - Porém, uma leitura perfunctória e comparatística da acusação e decisão condenatória proferidas naqueles processos de contra-ordenação e da decisão de pronúncia deste processo, evidencia, no imediato, uma sinonímia sobre os factos em que são objecto dos três processos, que passam pela alegada utilização das “contas de investimento”, produto alegadamente “fora do balanço” das contas do BPN e BPN SGPS, como forma de alavancar o grupo SLN, contas estas que, quando não apresentavam a rendibilidade suficiente, eram depois suportadas pela sociedade Jared Finance, a qual, por sua vez, se fazia financiar no Banco Insular, instituição financeira que não consolidava nas contas do Grupo, como alegada forma de contornar o cumprimento das regras contabilísticas e prudenciais impostas pelo Banco de Portugal.
86ª - Evidência da conexão material entre os três processos sempre em referência são, aliás, os artigos 17.º a 20.º da acusação da CMVM no âmbito do processo n.º …/…, que referem expressamente que seria a sociedade Jared Finance que suportava os prejuízos das contas de investimento – v.d. Doc. 4, junto aos autos em 9.12.13.
87ª - Dito isto, considerando que a testemunha TP… é arguido no processo do BdP n.º …/…/CO e no processo da CMVM n.º …/…, processos que, salvo melhor opinião, nos termos e para os efeitos do artigo 133.º, n.º 1, al. a), do C.P.P., devem ser tidos como formal e materialmente conexos aos presentes autos, verifica-se a situação de impedimento absoluto para o mesmo depor como testemunha, o que deverá ser declarado, decidindo-se que, uma vez que se está perante um proibição de aquisição de um meio de prova ilícito (o que já não se consegue evitar uma vez que a testemunha prestou já depoimento), o Tribunal “a quo” não poderá fundar a decisão relativa à matéria de facto no seu depoimento, anulando-se a decisão relativa à matéria de facto que nele se venha a basear.
NOTAS:
(23) Seguimos de perto, nas últimas conclusões, a posição de Paulo Pinto de Albuquerque, em anotação ao artigo 24.º do C.P.P., ob. cit. pág. 355.
(24) Despacho que é parte integrante da acta da Audiência de Julgamento de dia 5.12.13.
(25) Sima   s Santos e Lopes de Sousa, in “Contra Ordenações Anotações ao Regime Geral”, 2.ª Edição, 2002, pág. 263.
(26) Simas Santos e Lopes de Sousa, ob. e loc. cit..
(27) Seguindo de perto Paulo Pinto de Albuquerque, in Comentário do Regime Geral das Contra-Ordenações à luz da Constituição da República e da Convenção Europeia dos Direitos do Homem, Universidade Católica Editora, pág. 315 e 316.
(28) Paulo Pinto de Albuquerque, ob. e loc. cit.
(29) Pese embora as dúvidas quanto à constitucionalidade normativa deste artigo que resultam da cisão da competência para a aplicação da sanção principal e da sanção acessória pela mesma infracção, por a mesma implicar um verdadeiro duplo julgamento da mesma infracção e uma injustificada excepção ao princípio da suficiência do processo penal, neste caso, deverá, pelo menos, o BdP aguardar pelo trânsito em julgado da decisão penal que seja condenatória para, com base na respectiva matéria de facto, aplicar a sanção acessória, sob pena de violação do princípio da presunção da inocência.
(30) Seguimos de perto nas últimas conclusões Vânia Costa Ramos, in “Ne bis in Idem e Espaço de Liberdade Segurança e Justiça um Princípio Fundamental de Direito da União Europeia?” pág. 41 e 42.
(31) Seguimos de perto, nas últimas conclusões, Maria Fernanda Palma, “Direito Constitucional Penal, Almedina, pág. 133 e 134.
(32) Paulo Pinto de Albuquerque, Comentário do Código de Processo Penal à luz da Constituição da República e da Convenção Europeia dos Direitos Humanos, Universidade Católica Editora, 3.ª Edição actualizada, pág. 67. 
(33) Seguimos de perto, Paulo Pinto de Albuquerque, in “Comentário ao Regime Geral das Contra-Ordenações à luz da Constituição da República e da Convenção Europeia dos Direitos do Homem”, Universidade Católica Editora, pág. 276.

7.  O MºPº apresentou resposta com o seguinte teor (pugnando pela improcedência do recurso e, consequentemente, pela manutenção da decisão recorrida, ainda que, parcialmente, por fundamentos diversos daqueles que a sustentaram):
1ª – O depoimento como testemunha em audiência de julgamento de processo de quem não é nele arguido nem em qualquer outro processo apensado, sendo apenas arguido em processo de natureza contra-ordenacional que corre em separado sem que, para o efeito, tenha manifestado expresso consentimento, não viola o disposto no n.º 2 do artigo 133º do CPP;
2ª – E esse mesmo depoimento também não viola o disposto na alínea a) do n.º 1 do mesmo artigo 133º;
3ª – Por isso, as disposições dos artigo 133º n.º 1, alínea a) e n.º 2 do CPP são inaplicáveis ao depoimento prestado pela testemunha TC… em audiência de julgamento, uma vez que ela apenas é arguida no processo de contra-ordenação n.º …/…/CO do BdP, e arguida também no processo de contra-ordenação n.º …/… da CMVM;
4ª – De resto, à luz do artigo 24º do CPP os crimes destes autos não são conexos com a contra-ordenação do processo n.º …/…/CO do BdP nem com as contra-ordenações do processo n.º …/… da CMVM que respeitam, todas, às designadas contas de investimento; 
5ª – Assim, improcedem as conclusões formuladas na motivação do recurso, não se verificando qualquer violação dos preceitos legais e constitucionais invocados ex adverso ou de quaisquer outros.

8. Os arguidos, nos seus recursos, manifestaram expressamente interesse na manutenção deste recurso interlocutório e na sua apreciação.

9. Apreciando.
A questão que aqui cumpre apreciar resume-se a saber se o processo de contra-ordenação nº …/…/CO deve ser considerado um “processo conexo” nos termos e para os efeitos do artigo 133º, nº 1, al. a), do Código de Processo Penal.
Entendem os recorrentes que a resposta à questão enunciada deverá ser positiva e que, por isso, ocorria no presente processo impedimento da inquirição de TP… como testemunha.
Vejamos então.

10. Sob a epígrafe Impedimentos, dispõe o artigo 133º do C.P.Penal (na redacção introduzida pela Lei nº 48/2007, de 29 de Agosto, que já vigorava à data em que foi proferida a decisão recorrida e continua, actualmente, em vigor):
“1 - Estão impedidos de depor como testemunhas:
a) O arguido e os co-arguidos no mesmo processo ou em processos conexos, enquanto mantiverem aquela qualidade;
(…)
2 - Em caso de separação de processos, os arguidos de um mesmo crime ou de um crime conexo, mesmo que já condenados por sentença transitada em julgado, só podem depor como testemunhas se nisso expressamente consentirem.”.

i. A ratio de tal preceito prende-se com a necessidade de estender o direito ao silêncio ao co-arguido e aos que ocupem a posição de arguido em processo conexo, permitindo-se que estes se defendam não revelando, através de testemunho sobre facto de outro, qualquer circunstância que possa comprometer a sua posição.
Movemo-nos, pois, no âmbito das garantias constitucionais relativas à proibição da indefesa, inerente ao processo equitativo imposto pelo artigo 20.º, n.º 4, da Constituição e, muito particularmente, no âmbito do direito à não auto-incriminação.

ii. O Tribunal Constitucional tem, em diversos Acórdãos, explicitado o alcance e conteúdo do direito à não incriminação. Como exemplo desse esforço de explicitação, veja-se o Acórdão nº 340/2013, onde se pode ler[27]:
O direito ao silêncio tem vindo a ser reconhecido pela legislação processual penal da maioria dos ordenamentos jurídicos dos Estados de Direito modernos, encontrando também consagração expressa em instrumentos jurídicos internacionais (cfr. art. 6.º da Convenção Europeia dos Direitos do Homem e artigo 14.º do Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos, da ONU).
Intimamente ligado ao direito ao silêncio está o direito do arguido à não auto-incriminação, entendido como o direito de não contribuir para a sua própria incriminação, conhecido pelo brocardo latino nemo tenetur se ipsum accusare. É facilmente explicável a relação deste direito com o direito ao silêncio, uma vez que, não sendo reconhecido ao arguido o direito a manter-se em silêncio, este seria obrigado a pronunciar-se e a revelar informações que poderiam contribuir para a sua condenação.
A Constituição da República Portuguesa não consagra expressis verbis este princípio, mas, não obstante essa não consagração expressa, tanto a doutrina como a jurisprudência têm defendido que o nemo tenetur se ipsum accusare tem assento constitucional, sendo considerado um direito constitucional do processo penal não escrito (cfr., neste sentido, Manuel da Costa Andrade, em “Sobre as proibições de prova em processo penal”, pág. 120 e seg., Jorge de Figueiredo Dias e Manuel da Costa Andrade, em “Poderes de supervisão, direito ao silêncio e provas proibidas (Parecer)”, in Supervisão, Direito ao Silêncio e Legalidade da Prova, Almedina, 2009, págs. 38-39 e Augusto Silva Dias e Vânia Costa Ramos, “O direito à não auto-inculpação (nemo tenetur se ipsum accusare) no processo penal e contra-ordenacional português”, Coimbra Editora, 2009, págs. 14-15, e os Acórdão do Tribunal Constitucional n.ºs 695/95, 304/2004, 181/2005, 155/2007 e 461/11, acessíveis na Internet em www.tribunalconstitucional.pt).
Os direitos ao silêncio e à não auto-incriminação devem considerar-se incluídos nas garantias de defesa que o processo penal deve assegurar (artigo 32.º, n.º 1, da Constituição), não deixando estes direitos processuais de proteger mediata ou reflexamente a dignidade da pessoa humana e outros direitos fundamentais com ela conexos, como sejam os direitos à integridade pessoal, ao livre desenvolvimento da personalidade e à privacidade, não se revelando necessário, para sustentar o acolhimento constitucional, o recurso a parâmetros mais genéricos ou distantes como o direito ao processo equitativo (artigo 20.º, n.º 4, da Constituição) ou à presunção de inocência (artigo 32.º, n.º 2, da Constituição).
O princípio nemo tenetur se ipsum accusare, é uma marca irrenunciável do processo penal de estrutura acusatória, visando garantir que o arguido não seja reduzido a mero objecto da actividade estadual de repressão do crime, devendo antes ser-lhe atribuído o papel de verdadeiro sujeito processual, armado com os direitos de defesa e tratado como presumivelmente inocente. Daí que para protecção da autodeterminação do arguido, este deva ter a possibilidade de decidir, no exercício de uma plena liberdade de vontade, qual a posição a tomar perante a matéria que constitui objecto do processo.
Este princípio, além de abranger o direito ao silêncio propriamente dito, desdobra-se em diversos corolários, designadamente nas situações em que estejam em causa a prestação de informações ou a entrega de documentos auto-incriminatórios, no âmbito de um processo penal.
Tal princípio intervém no processo penal sob duas formas distintas: preventivamente, impedindo soluções que façam recair sobre o arguido a obrigatoriedade de fornecer meios de prova que possam contribuir para a sua condenação e repressivamente, obrigando à desconsideração de meios de prova recolhidos com aproveitamento duma colaboração imposta ao arguido.
Mas tem sido também reconhecido que o direito à não auto-incriminação não têm um carácter absoluto, podendo ser legalmente restringido em determinadas circunstâncias (v.g. a obrigatoriedade de realização de determinados exames ou diligências que exijam a colaboração do arguido, mesmo contra a sua vontade).

iii. Como uma das vertentes de consagração do princípio nemo tenetur no plano infraconstitucional, o sentido e alcance do regime estabelecido no artigo 133º do C.P.Penal torna-se mais claro se tivermos em atenção os deveres associados ao estatuto processual de testemunha, por confronto com as prerrogativas inerentes ao estatuto de arguido.
Como se escreveu no Acórdão do Tribunal Constitucional nº 108/2014, em explicitação do regime previsto no artigo 133º do Código de Processo Penal[28]:
A testemunha tem, desde logo, o dever de “prestar juramento, quando ouvida por autoridade judiciária” (cfr. artigo 132.º, n.º 1, al. b) do Código de Processo Penal), sendo a recusa em depor sancionada nos termos do artigo 360.º, n.º 2, do Código Penal, e o dever de “responder com verdade às perguntas que lhe forem dirigidas” (cfr. artigo 132.º, n.º 1, al. d), do Código de Processo Penal), incorrendo, no caso de faltar à verdade, na prática de um crime de falsidade de testemunho, previsto no artigo 360.º, n.º 1, do Código Penal. A testemunha pode, no entanto, escusar-se a responder “quando alegar que das respostas resulta a sua responsabilização penal” (cfr. artigo 132.º, n.º 2, do Código de Processo Penal).
O arguido, por outro lado, para além de gozar do direito de “não responder a perguntas feitas sobre os factos que lhe forem imputados” (cfr. artigo 61.º, n.º 1, al d), do Código de Processo Penal), “não presta juramento em caso algum” (cfr. artigo 140.º, n.º 3, do Código de Processo Penal) e tem “direito a prestar declarações em qualquer momento da audiência (…) sem que no entanto a tal seja obrigado e sem que o seu silêncio possa desfavorecê-lo” (cfr. artigo 343.º, n.º 1, do Código de Processo Penal).
Assim, tendo em atenção os constrangimentos a que está sujeita a testemunha, que contrastam com os que, neste âmbito, são impostos ao arguido, o legislador estabeleceu, no artigo 133.º, n.º 1, al. a), do Código de Processo Penal, que estão impedidos de depor como testemunhas «o arguido e os co-arguidos no mesmo processo ou em processos conexos, enquanto mantiverem essa qualidade».
Com este impedimento afastou-se liminarmente a possibilidade de um arguido, a pretexto de depor sobre factos que respeitam a outro co-arguido, ser obrigado a tomar posição sobre factos que lhe são imputados no mesmo processo ou em processos conexos, sujeitos a um mesmo julgamento, revelando-se uma medida eficaz de garantia da possibilidade de, no exercício de uma plena liberdade de vontade, o arguido decidir qual a posição a tomar perante a matéria que constitui objecto do processo.
Mas o Código de Processo Penal não teve em consideração apenas uma perspectiva formal do conceito de co-arguido. Antes teve presente que aquela protecção não podia ficar na dependência de uma configuração processual mutável e permeável à acção da administração da justiça, pelo que estabeleceu no n.º 2, do mesmo artigo, que, no caso de separação de processos, «os arguidos de um mesmo crime ou de um crime conexo, mesmo que já condenados por sentença transitada em julgado, só podem depor como testemunhas se nisso expressamente consentirem». Ou seja, nos casos em que alguém assuma a dupla qualidade, de testemunha num processo e de arguido “de um mesmo crime ou de crime conexo” em “processo separado”, só poderá depor no primeiro processo como testemunha, com o seu assentimento expresso. Nestes casos, o depoente, para além de beneficiar da protecção concedida, em geral, às testemunhas, de se recusarem a responder a perguntas de cuja resposta possa resultar a sua responsabilização penal (artigo 132.º, n.º 2, do Código de Processo Penal), goza ainda da protecção concedida aos arguidos de se recusarem a prestar quaisquer declarações, mantendo-se em silêncio.
Nestas situações em que processos, relativos à prática do mesmo crime ou de crimes conexos, são julgados separadamente, o legislador, liberto da incompatibilidade de alguém ter a dupla qualidade de arguido e testemunha no mesmo processo, adoptou uma específica medida de conciliação do interesse no máximo aproveitamento possível de todo o material probatório, com vista à descoberta da verdade, com a manutenção da garantia da liberdade de declaração do “arguido” chamado a testemunhar no processo contra outro arguido. Reportando-se a esta solução, Medina de Seiça (em “O conhecimento probatório do arguido”, pág. 122, da ed. de 1999, da Coimbra Editora), refere que «[o] modelo do testemunho consentido plasmado no art. 133.º, n.º 2, pretende satisfazer a exigência de trazer o conhecimento probatório do co-arguido a um processo em que não se encontra a responder sem eliminar a primacial garantia do impedimento: a não sujeição dos arguidos do mesmo crime (ou crime conexo) ao constrangimento característico da prova testemunhal».
Em vez do recurso a um impedimento absoluto, foi suficiente a consagração de um impedimento relativo.
Contudo, não deixou de entender-se que, para garantia da observância do direito à não auto-incriminação, não era suficiente agir-se repressivamente proibindo a valoração da prova produzida pelo “co-arguido”, enquanto testemunha no “processo separado”, sendo antes necessário uma medida preventiva que garantisse ao co-arguido a liberdade de, desde logo, este prestar ou não depoimento no processo em que, sendo aí testemunha, eram objecto de prova factos que também o incriminavam.
Na verdade, o simples facto do co-arguido ser obrigado a tomar posição sobre factos que o incriminam, constitui um meio compulsório deste fornecer dados que podem vir a ser utilizados contra a sua defesa no processo onde irá ser julgado pela prática desses factos. Daí que a proibição deva incidir desde logo sobre a obrigação do arguido prestar depoimento.
Conforme tem sido afirmado, as exigências impostas pelo artigo 133.º, n.º 2, do Código de Processo Penal, no que respeita à admissibilidade do depoimento dos arguidos de um mesmo crime ou de um crime conexo em caso de separação de processos, têm como finalidade a protecção dos direitos e da posição processual do arguido chamado a prestar tal depoimento, tendo em vista garantir o seu direito de se não auto-incriminar (vide, neste sentido, os Acórdãos deste Tribunal n.º 304/2004 e 181/2005, acessíveis, em www.tribunalconstitucional.pt, Paulo Dá Mesquita, em “A prova do crime e o que se disse antes do julgamento”, pág. 487, ed. de 2011, da Coimbra Editora, e Medina de Seiça, ob. cit., pág. 33-34; contudo, no sentido de que esta proibição não visa apenas proteger o arguido chamado a depor como testemunha do que, nessa qualidade, possa dizer em prejuízo da sua posição, mas também proteger o arguido do processo conexo, cfr. Paulo Pinto de Albuquerque, em “Comentário do Código de Processo Penal à luz da Constituição da República e da Convenção Europeia dos Direitos do Homem”, 2.ª Edição, Universidade Católica Editora, págs. 355-356).
Daí que este impedimento apenas valha, em regra, enquanto o arguido mantiver essa qualidade no processo. Cessando essa qualidade, por extinção do procedimento criminal ou por absolvição, deixa de estar em jogo a aplicação de uma pena ao depoente (vide, neste sentido, Medina de Seiça, ob. cit., pág. 92, e Paulo Pinto de Albuquerque, ob. cit., pág. 372), pelo que nada impede que o ex-arguido deponha como testemunha, não tendo o direito ao bom nome e à reputação uma valia suficiente para se sobrepor ao interesse do máximo aproveitamento possível de todo o material probatório em processo penal (assim ajuizou o Acórdão n.º 181/2005 deste Tribunal, acessível em www.tribunalconstitucional.pt).
O mesmo não sucede quando a cessação da qualidade de arguido resulte da sua condenação por decisão transitada em julgado. Nestas situações, o legislador, ponderando a possibilidade que o condenado ainda dispõe de pedir a revisão da decisão condenatória, através do recurso extraordinário previsto e regulado nos artigos 449.º e seg. do Código de Processo Penal, entendeu estender-lhe a faculdade de recusar-se a depor em processo penal separado em que esteja em apreciação o mesmo crime ou crime conexo.

11. Feito este enquadramento do regime previsto no artigo 133º, nº 1, al. a), e nº 2, do C.P.Penal, considerado como expressão do princípio nemo tenetur se ipsum accusare[29] cumpre, em face dos contornos do objecto do recurso em apreciação, sair do âmbito mais estrito das conexões entre vários processos de natureza criminal e indagar da aplicabilidade deste regime a alguém que, sendo arguido em processo contra-ordenacional, se vê chamado a depor como testemunha em sede de um processo de natureza criminal.

i. Cabe começar por assinalar que as garantias próprias do processo penal têm vindo a ser paulatinamente adquiridas pelo processo contra-ordenacional e pelo direito sancionatório em geral.
Assim sucede, desde logo, por imperativo constitucional – o artigo 32º da Constituição da República Portuguesa (com a epígrafe garantias de processo criminal) estabelece no seu nº 10: Nos processos de contra-ordenação, bem como em quaisquer processos sancionatórios, são assegurados ao arguido os direitos de audiência e defesa. A norma constitucional visa assegurar que os propósitos de celeridade e eficácia dos processos sancionatórios de índole administrativa serão conciliados com as garantias próprias de um processo justo e equitativo. Como referem Gomes Canotilho e Vital Moreira, acerca do nº 10 do artigo 32° da Constituição, “trata-se de uma simples irradiação para esse domínio sancionatório de requisitos constitutivos do Estado de direito democrático”[30].
A redacção do preceito constitucional, com a utilização das expressões "direitos de audiência e de defesa" espelha que na sua génese esteve o encontro de duas influências: quer do direito administrativo, ramo onde se fala em "direito de audiência", quer do direito processual penal, onde constitui preocupação a garantia dos "direitos de defesa". Esta última influência tem decisiva relevância para a compreensão do âmbito garantístico que que o legislador constitucional pretendeu ver atribuído ao estatuto do arguido em processo contra-ordenacional.

ii. A norma constitucional em apreço já fundamentou pronunciamento do Tribunal Constitucional no sentido de que o princípio fundamental da não auto-incriminação (nemo tenetur) tem também aplicação no âmbito dos processos de contra-ordenação, como refracção da garantia dos direitos de audiência e de defesa do arguido, que é tornada extensiva a essa forma de processo pelo artigo 32º, n.º 10, da Constituição. Nesse sentido poderá ver-se o Acórdão do Tribunal Constitucional nº 129/2009[31].

iii. A aproximação do processo contra-­ordenacional ao processo penal, designadamente no que se reporta às garantias de defesa dos arguidos, tem, aliás, marcado a jurisprudência do S.T.J – nesse sentido deverá ver-se o conteúdo do Assento 1/2003, publicado no D. R., I-A Série de 25-01-2003[32], bem como dos Acórdãos do STJ de 21 de Dezembro de 2006[33], de 10 de Janeiro de 2007[34] e de 8 de Março de 2018[35].

iv. E na jurisprudência deste Tribunal da Relação de Lisboa podemos, igualmente, encontrar decisões fundadas na garantia constitucional dos direitos de defesa do arguido em processo contra-ordenacional. Com interesse para a decisão ora em apreço, veja-se o Acórdão da Relação de Lisboa de 17 de Abril de 2012, no qual se esclareceu que em processo contra-ordenacional os arguidos gozam de estatuto próprio no âmbito do qual se encontram os direitos constitucionalmente consagrados ao silêncio e à não auto-incriminação. O princípio da não auto-incriminação surge como uma emanação do catálogo dos direitos de defesa consagrados para os ilícitos contra-ordenacionais no (…) artigo 32º, n.º 10 da C.R.P. (…). E acrescentou-se nessa decisão: Importa, portanto, determinar em que medida poderá o direito à não auto-incriminação valer em processo contra-ordenacional e, ainda, com que extensão e limites. Desconsiderando aqui a realidade da regulação e se nos ativermos apenas aos fins e efeitos do processo contra-ordenacional, por um lado, e ao regime do Regime Geral das Contra-Ordenações, por outro, notamos que inexistem razões para excluir, à partida, o direito à não auto­-incriminação (e, bem assim, os direitos ao silêncio e à presunção da inocência dos arguidos) do catálogo de garantias dos arguidos em processo contra-ordenacional. Se o artigo 41°, n.º 1 do supra mencionado Regime manda aplicar subsidiariamente as normas do processo penal ao processo contra-ordenacional e se uma análise, mesmo que perfunctória, demonstra que aquele diploma legal não regula a questão, não se nos afigura existir motivo para excluir a vigência do direito ao silêncio e do direito à não auto­-incriminação deste domínio. (…) Por conseguinte, não se vislumbra qualquer impedimento à concessão aos arguidos em processo contra-ordenacional daqueles direitos surgidos primeiramente no foro da jurisdição penal[36].

v. Na doutrina igualmente se colhe o entendimento pacífico de que o direito à não auto-incriminação se estende ao domínio das contra-ordenações.
Assim entende Augusto Silva Dias, que considera que o referido princípio é transponível para o direito de mera ordenação social, com base nos direitos de audiência e defesa consagrados no artigo 32º, nº 10, da Constituição[37].
Do mesmo modo, Paulo de Sousa Mendes explica que em processo de mera ordenação social, o direito ao silêncio não tem consagração expressa, mas o art. 41.º, n.º 1, Regime Geral das Contra-Ordenações determina a aplicação subsidiária das normas do processo penal, donde resulta que o direito ao silêncio também aqui se aplica. Considerando que a prerrogativa de não auto-incriminação é iniludível nos processos penal e contra-ordenacional, referindo-se ao âmbito dos processos sancionatórios da competência da AdC, conclui que o regime legal do processo sancionatório especial por práticas restritivas da concorrência se afasta, em muitos aspectos, das garantias de defesa do processo penal e do processo de mera ordenação social, mas fica salvaguardado um aspecto essencial da prerrogativa de não auto-incriminação, a saber: a empresa, ou pessoa, sob investigação tem o direito de não fornecer respostas através das quais seja levada a admitir a existência da infracção em causa, cuja prova cabe à AdC[38].
Num estudo muito recente, especialmente incidente sobre o domínio das contra-ordenações tributárias, também Joana Polónia-Gomes partilha o entendimento de que, à semelhança do que acontece no processo penal, é reconhecido ao infractor, em sede contra-ordenacional tributária, o direito ao silêncio, por via da aplicação do artigo 61º, nº 1, al. c), e do nº 1 do artigo 343º do CPP, conjugados com os artigos 3º, al. b) do RGIT e 41º, nº 1, do RGCO[39].

12. Aqui chegados, cumpre afirmar que, embora se entenda que a decisão proferida se mostra correcta e deve ser mantida, as razões para tal são diversas das que constam da fundamentação realizada pelo tribunal “a quo” a este respeito.
Senão, vejamos.

i. Considerando que o princípio nemo tenetur se ipsum accusare é acolhido em sede de processo contra-ordenacional em moldes semelhantes aos do processo penal, deverá concluir-se pela aplicabilidade do regime previsto no artigo 133º do Código de Processo Penal a alguém que, sendo arguido em processo contra-ordenacional conexo, se vê chamado a depor como testemunha em sede de um processo de natureza criminal.

ii. Neste sentido não pode deixar de referir-se o pronunciamento do Tribunal Constitucional no já mencionado Acórdão nº 108/2014, que, muito embora proferido em situação distinta, relacionada com processo tutelar educativo, permite estabelecer critérios de decisão utilizáveis em processos de natureza não criminal.
Nessa decisão estava em causa o depoimento, como testemunha, em processo penal, de menor de 16 anos (à data dos factos) a quem fora instaurado processo tutelar educativo pela prática dos factos que ali eram criminalmente imputados ao arguido. Muito embora excluísse o cariz sancionatório do processo tutelar educativo, tendo em atenção a afectação de direitos fundamentais do menor visado em tal procedimento, o Tribunal Constitucional concluiu pela necessária aplicabilidade do regime de impedimentos previsto no artigo 133º do C.P.P.
Ali podemos ler:
Todavia, não pode esquecer-se que a aplicação de certas medidas tutelares, maxime a de internamento, constitui uma severa restrição de direitos fundamentais, que tem por fundamento a prática de um facto qualificado pela lei penal como crime, o que coloca o menor numa posição que, nesta perspectiva, não deixa de ter semelhanças com a do arguido no processo penal, o que, aliás se reflecte, com evidência, no modelo processual adoptado pela Lei Tutelar Educativa. Daí que no ponto 11. da exposição de motivos da referida proposta de Lei n.º 266/VII, se tenha assumido o seguinte:
«[…]
Genericamente, pode dizer-se que o processo penal serve de fonte ao processo tutelar por constituir um ordenamento que realiza de forma particularmente activa as garantias constitucionais da pessoa em face de pretensões de intervenção do Estado na esfera dos direitos fundamentais.
Considerando que a intervenção tutelar pode ocasionar uma limitação de direitos, liberdades e garantias - ainda que ordenada a promover outros direitos fundamentais do menor -, dota-se o processo de garantias que realizam o conteúdo essencial de princípios consagrados na Constituição. […]»
Referindo-se também a estas semelhanças, Anabela Miranda Rodrigues e António Carlos Duarte-Fonseca (cfr. Comentário da Lei Tutelar Educativa, Coimbra Editora, 2000, pág. 22) dizem o seguinte:
«Uma nota saliente do modelo processual adoptado é a sua semelhança com o processo penal. E, com efeito, nada obsta a que este processo sirva de fonte ao processo educativo, já que constitui um ordenamento que realiza de forma particularmente activa as garantias constitucionais da pessoa em face de pretensões de intervenção do Estado na esfera dos direitos fundamentais.
Considerando que a intervenção educativa pode ocasionar uma limitação de direitos, liberdades e garantias – ainda que ordenada a promover outros direis fundamentais do menor – dota-se, pois, o processo de garantias que realizam o conteúdo essencial de princípios consagrados na Constituição.
Assim, o processo educativo aproxima-se do processo penal em matérias tão importantes como são as que se referem ao princípio da legalidade processual, ao direito de audição, ao princípio do contraditório ou ao direito a constituir advogado.»
Estas semelhanças encontram tradução concreta no regime legal do processo tutelar educativo (cfr. Título IV, art. 41.º e segs. da Lei Tutelar Educativa), sendo de realçar, no que ora releva, o artigo 45.º, no qual se consagra o estatuto processual do menor, titular de um conjunto de direitos e garantias processuais (em termos semelhantes ao que acontece com o arguido, nos termos do artigo 61.º do Código de Processo Penal). Entre estes direitos, as alíneas b) e c), do n.º 2, do referido artigo 45.º, consagram o direito ao silêncio do menor, quer “sobre os factos que lhe forem imputados ou sobre o conteúdo das declarações que acerca deles prestar” (al. b)), quer “sobre a sua conduta, o seu carácter ou a sua personalidade” (al. c)).
Por outro lado, são também estas semelhanças que fazem com que, no artigo 128.º da Lei Tutelar Educativa, se determine a aplicação subsidiária do Código de Processo Penal às disposições do título IV (relativas à tramitação do processo tutelar educativo).
E, como se escreveu no Relatório Final apresentado pela Comissão para a Reforma do Sistema de Execução de Penas e Medidas, “no essencial, pode afirmar-se que os aspectos em que o processo tutelar se aproxima de forma mais nítida das características do processo penal são reflexos de realidades normativas mais fundas, nomeadamente de índole constitucional, das quais o processo tutelar participa ao mesmo título e em pé de igualdade com o processo penal.” (o relatório encontra-se publicado por Anabela Miranda Rodrigues e António Carlos Duarte-Fonseca, na ob. cit., pág. 419 e seg.).
Daí que, apesar da intervenção tutelar não ter uma finalidade punitiva, as limitações aos direitos fundamentais que integra não podem deixar de exigir do legislador ordinário uma garantia dos direitos de audiência e defesa, nos termos do n.º 10, do artigo 32.º, da Constituição ou, por força da proibição da indefesa, inerente ao processo equitativo imposto pelo artigo 20.º, n.º 4, da Constituição.
E nesses direitos de defesa está necessariamente presente o direito à não auto-incriminação, visando garantir que o menor sujeito a um processo tutelar pela prática de um facto que a lei tipifica como crime não seja reduzido a mero objecto da actividade estadual, devendo antes ser-lhe atribuído o papel de verdadeiro sujeito processual, armado com os direitos de defesa. Na verdade, tendo em consideração, por um lado, os valores tutelados pelo princípio nemo tenetur se ipsum accusare, e por outro lado, a dimensão das limitações aos direitos fundamentais que podem resultar da intervenção tutelar, aquele princípio não pode deixar de acolher sob o seu manto protector a posição do menor que é sujeito a um processo tutelar.
É essa também a orientaç  ão da Convenção sobre os Direitos da Criança, adoptada pela Assembleia Geral das Nações Unidas, em 20 de Novembro de 1989 e ratificada por Portugal em 21 de Setembro de 1990, quando no artigo 40, n.º 2, b), iv, dispõe que “a criança suspeita ou acusada de ter infringido a lei penal, tenha, no mínimo direito…a não ser obrigada a testemunhar ou a confessar-se culpada…”.
Daí que, para protecção da autodeterminação do menor, este deva também ter a possibilidade de decidir, no exercício de uma plena liberdade de vontade, qual a posição a tomar perante a matéria que constitui objecto simultâneo do processo penal e do processo tutelar, nos quais é chamado a depor, como testemunha e como menor a quem pode ser imposta medida tutelar, respectivamente.
É certo que os menores de 16 anos não prestam juramento (artigo 91.º, n.º 6, a), do Código de Processo Penal), nem podem ser sancionados penalmente pela recusa em depor ou por prestarem depoimento falso (artigo 19.º, do Código Penal), mas não deixam de ter a obrigação de prestar de depoimento e de dizer a verdade, nos termos do artigo 132.º, d), do Código de Processo Penal.
Sendo necessário, relativamente ao menor sujeito a um processo tutelar, garantir que qualquer contributo, que resulte em desfavor da sua posição, seja uma afirmação esclarecida e livre de auto-responsabilidade, a simples obrigação deste prestar depoimento como testemunha, em processo penal, cujo objecto integre os mesmos factos que estão em jogo em processo tutelar, pode constituir uma violação do princípio nemo tenetur se ipsum accusare.
Todavia, restringindo-se a interpretação normativa sob análise à hipótese em que, no momento em que o menor depõe como testemunha no processo penal, o processo tutelar já terminou, tendo o mesmo já sido objecto de decisão de arquivamento, as razões que presidem à invocação daquele princípio deixam de se justificar, pois, o depoimento que o menor venha a efectuar já não é susceptível de contribuir para a aplicação de uma medida violadora dos seus direitos fundamentais.
Na verdade, arquivado o processo tutelar educativo não prevê a lei a possibilidade do mesmo ser reaberto com fundamento no depoimento prestado pelo menor em processo penal ou por terem sido descobertas novas provas em resultado desse depoimento.
Assim sendo, a obrigatoriedade do menor prestar depoimento no processo penal nestas circunstâncias deixa de constituir uma violação do princípio nemo tenetur se ipsum accusare, ficando por isso prejudicada a apreciação da questão, suscitada pelo Ministério Público nas suas contra-alegações, na senda do Acórdão n.º 304/2004, deste Tribunal (acessível em www.tribunalconstitucional.pt), relativa à possibilidade de um terceiro, para cuja condenação contribuiu um depoimento testemunhal prestado em violação daquele princípio, obter um juízo de inconstitucionalidade do critério normativo que validou esse depoimento.
Por estas razões não deve julgar-se inconstitucional a norma constante do artigo 133.º, n.º 2, do Código de Processo Penal, interpretado no sentido de não exigir consentimento para o depoimento, como testemunha, de menor de 16 anos, à data dos factos, a quem tenha sido instaurado processo tutelar educativo pela prática dos factos criminalmente imputados ao arguido, tendo esse processo já terminado com o seu arquivamento, julgando-se improcedente o recurso interposto.

13. Encontrada que está a ratio da consagração do impedimento tipificado no artigo 133º, nº 1, al. a), e nº 2, do Código de Processo Penal, e adquirida a conclusão de que a mesma se deverá respeitar como elemento essencial do estatuto do arguido em processo contra-ordenacional, quando chamado a depor na qualidade de testemunha (designadamente no âmbito de um processo criminal), importa, porém, determinar o âmbito do impedimento.

i. Essa tarefa far-se-á através da descoberta do critério determinante do âmbito do impedimento que é, na verdade, o da ligação entre as imputações ou, usando as palavras da lei, a circunstância de estarmos perante “arguidos do mesmo crime ou de um crime conexo” (sublinhados nossos).

ii. Não é a simples circunstância de a testemunha ser arguido num qualquer processo em que lhe é imputada uma qualquer infracção, que lhe garantirá o benefício do impedimento para não se ver sujeito às apertadas obrigações do estatuto de testemunha.
Apenas beneficiará do impedimento a testemunha que for arguido do mesmo crime que se aprecia no processo em que foi chamado a depor ou de um crime conexo com esse. Como vimos, porque a garantia do impedimento se estende para lá do universo estritamente penal, cobrindo também o universo do direito contra-ordenacional, importará, na realidade, apreciar se ocorre identidade das infracções imputadas ou uma conexão entre elas.

iii. Para o nosso caso, importará, pois, aferir se a imputação contra-ordenacional feita a TP… e invocada como fundamento do impedimento, constitui infracção idêntica ou conexa perante os crimes imputados nos autos aos arguidos.
Trata-se de descortinar se existe nexo entre as imputações e qual a natureza do mesmo.
Esse nexo relevará como motivo de impedimento se entre as imputações ocorrer identidade de objecto processual (ou, nos termos da lei, quando se trate do mesmo crime), mas também quando perante diversidade do objecto processual, ocorrer conexão entre as imputações (no dizer da lei, crimes conexos).

iv. O facto de a imputação feita a TP… ser de infracção qualificada como contra-ordenacional, não nos dispensa de aferir se ocorre identidade de objecto processual. Assim é, desde logo, tendo em consideração a jurisprudência do TEDH sobre a aplicação do princípio ne bis in idem, designadamente naquilo que se reporta à condição de aplicação desse princípio consubstanciada pela identidade dos factos em juízo (idem). A circunstância de se organizarem vários processos (eventualmente a justificar que se fale de repetição de processos), não exclui que em todos eles se aprecie a mesma conduta (idem factum), mesmo que nem sempre sob a mesma qualificação jurídica (idem crimen) – vide, infra, o que se diz a este propósito, na apreciação das questões relacionadas com o tema “ne bis in idem” que os arguidos suscitaram em sede de recurso da decisão final.

14. Importa, pois, saber se o objecto do processo contra-ordenacional invocado como fundamento de impedimento, nos coloca perante a imputação a TP… da mesma conduta (idem factum) que aos arguidos destes autos é imputada ou, perante a imputação de uma conduta com esta conexa.

i. Para tanto, impõe-se, desde logo, delimitar o conceito de imputação conexa ou, na terminologia do Código de Processo Penal, “crime conexo”.
Nesta tarefa, encontramos confortável apoio na lição de António Medina de Seiça sobre os casos de conexão relevantes[40]. Fazendo apelo a uma correcta compreensão da terminologia conceptual utilizada pelo legislador processual penal, o autor, ultrapassando a questão da conexão processual (efeito disciplinado pelo artigo 24º), propõe que nos concentremos na conexão de crimes (causa por trás daquele efeito disciplinado).

ii. Os casos de conexão previstos no artigo 24º do C.P.Penal manifestam a ratio do impedimento e, não constituindo um catálogo fechado das situações atendíveis, constituem um quadro orientador na definição de “crime conexo”, densificando o conceito legal cujo preenchimento, no fundo, deverá depender da existência entre as imputações dos vários arguidos de um nexo que justifique o direito a não ser constrangido a prestar declarações na forma de testemunho.
Deste modo, e excluindo, naturalmente a hipótese prevista na alínea a), enquanto referida a uma situação de arguição singular, o fundamento do impedimento verifica-se nos casos em que o mesmo crime foi cometido por vários agentes em comparticipação, podendo dizer-se ser este o seu campo de eleição. Incluem-se aqui todos os casos de comparticipação definidos na lei substantiva (cf. Arts. 26º e 27º do CP) e as situações de participação necessária. O mesmo vale para a hipótese de vários crimes serem cometidos por vários agentes em comparticipação. Também a circunstância de as imputações dos arguidos respeitarem a crimes que sejam causa e efeito dos outros ou se destinem a continuar ou ocultar outros (como o favorecimento pessoal, o auxílio material ao criminoso e a receptação), cai dentro do âmbito da proibição do testemunho”[41].

iii. Cremos, de facto que (excluindo a situação prevista no nº1 al. a) do artº 133, que se reporta a uma conexão muito específica, em que uma mesma acção - sem qualquer colaboração exterior - determina a prática de vários crimes) o fundamento do impedimento, logo o critério norteador para o esclarecimento do conteúdo da expressão crime conexo, reside nos casos em que o mesmo crime foi cometido por vários agentes em comparticipação (seja sob que forma for), sendo este o seu campo de eleição. 
Dentro deste âmbito, estamos igualmente de acordo com a possibilidade de haver fundamento para o funcionamento do impedimento quanto à situação de “vários arguidos terem cometido uma pluralidade de crimes na mesma ocasião ou lugar”, tudo dependendo da verificação de uma ligação que torne necessária a concessão aos diversos arguidos da tutela do impedimento (“assim quando o testemunho de um arguido sobre um crime de outro arguido possa contribuir para a recolha de elementos sobre o seu próprio crime”[42]).  
Dentro ainda desta relação de comparticipação, nos casos, como o presente, em que estamos perante processos que correm termos em jurisdições diversas e em que a pessoa cuja audição se pretende não é arguida nestes autos, mas antes em processo de contra-ordenação, necessário se mostra averiguar se existe matéria que constitua objecto simultâneo de ambos os processos, designadamente se será chamada a depor, como testemunha, pessoa a quem possa ser imposta sanção contra-ordenacional, por virtude do relato que prestará em sede criminal.

15. Aqui chegados, desçamos ao caso concreto.
Para averiguarmos da ocorrência de fundamento de impedimento torna-se necessário determo-nos sobre as imputações feitas a TP….

i. O Banco de Portugal (BdP) instaurou o processo de contra-ordenação nº …/…/CO contra os arguidos BPN — Banco Português de Negócios, S.A., BPN-SGPS, S.A., SLN — Sociedade de Negócios, SGPS, S.A., AM…, ACo…, AMA…, AJ…, FC…, JA…, JO…, LC… e TP….
Nesse processo nº …/…/CO do BdP, a decisão condenatória concluiu pela prática pelos arguidos de uma contra-ordenação prevista e punida pela segunda parte da alínea g) do artigo 211.° do Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras (RGICSF), consubstanciada nos factos atinentes à existência, operacionalização e ocultação de um produto chamado "contas investimento", "aplicações financeiras", "contas 12", com a consequente inobservância de regras contabilísticas, determinadas por lei ou pelo Banco de Portugal, prejudicando essa inobservância gravemente o conhecimento da situação patrimonial e financeira da sociedade arguida, tendo aplicado coimas a todos os arguidos e, especificamente, a coima no montante de € 45.000,00 (quarenta e cinco mil euros) ao ali arguido TP….

ii. Especificamente quanto ao arguido TP…, a imputação ali feita integrava, além do mais, as seguintes circunstâncias pertinentes:
- foi, desde Setembro de 1998 e até à sua nomeação como administrador do BPN, Director da Direcção Coordenadora de Leiria do BPN e, nessa qualidade, cabia-lhe o exercício de funções de cariz comercial consubstanciadas na abertura de agências na região de Leiria, na contratação dos trabalhadores que iriam exercer funções nas mesmas, na definição de objectivos e controlo no que respeita ao acompanhamento da rede que tinha como missão a angariação de clientes, comercialização e promoção de todos os produtos existentes no Banco, quer de captação, quer de crédito, entre os quais se encontravam as "contas investimento";
- na qualidade de Director, em 2003, sabia que as "contas investimento" eram um produto que configurava, na sua operacionalização, uma conduta que importava manter oculta do Banco de Portugal.
- foi registado como Vogal do Conselho de Administração do BPN com início de funções a partir de 30-03-2006, as quais desempenhou até 24-06-2008;
- A partir do momento em que iniciou funções como administrador, passou a exercer as funções supra referidas (…) a nível nacional, reportando a si todos os responsáveis de zona e directores;
- Também a partir do momento em que iniciou funções como administrador, foi TC… quem passou a deter o controlo das "contas investimento", cabendo a este administrador o pelouro comercial e, por essa razão, a aprovação das taxas de remuneração a atribuir às "contas investimento", conforme referido supra, no ponto 160.81.

iii. À data da prática dos factos em causa no processo nº …/…/CO, o RGICSF continha as seguintes normas que têm interesse para a decisão da questão ora em apreciação:
Artigo 1.º (Objecto do diploma)
1 - O presente diploma regula o processo de estabelecimento e o exercício da actividade das instituições de crédito e das sociedades financeiras.
Artigo 93.º (Supervisão)
1 - A supervisão das instituições de crédito, e em especial a sua supervisão prudencial, incluindo a da actividade que exerçam no estrangeiro, incumbe ao Banco de Portugal, de acordo com a sua Lei Orgânica e o presente diploma.
2 - O disposto no número anterior não prejudica os poderes de supervisão atribuídos à Comissão do Mercado de Valores Mobiliários pelo Código do Mercado de Valores Mobiliários.
Artigo 94.º (Princípio geral)
As instituições de crédito devem aplicar os fundos de que dispõem de modo a assegurar a todo o tempo níveis adequados de liquidez e solvabilidade.
Artigo 116.º (Procedimentos de supervisão)
1 - No desempenho das suas funções de supervisão, compete em especial ao Banco de Portugal:
a) Acompanhar a actividade das instituições de crédito;
b) Vigiar pela observância das normas que disciplinam a actividade das instituições de crédito;
c) Emitir recomendações para que sejam sanadas as irregularidades detectadas;
d) Tomar providências extraordinárias de saneamento;
e) Sancionar as infracções.
2 - O Banco de Portugal pode exigir a realização de auditorias especiais por entidade independente, por si designada, a expensas da instituição auditada.

iv. Por seu turno, o artigo 211º, al. g), do RGICSF, tinha a seguinte redacção:
São puníveis com coima de (…), as infracções adiante referidas: (…)
g) A falsificação da contabilidade e a inexistência de contabilidade organizada, bem como a inobservância de outras regras contabilísticas aplicáveis, determinadas por lei ou pelo Banco de Portugal, quando essa inobservância prejudique gravemente o conhecimento da situação patrimonial e financeira da entidade em causa; (…).

v. Com esta conformação, o que se imputa e censura ao arguido TC… no processo nº …/…/CO do BdP é estritamente não ter reflectido adequadamente na contabilidade o produto "contas investimento", assim perturbando - de modo grave - o exercício da função de supervisão por parte do Banco de Portugal, na medida em que tal impediu o conhecimento da situação financeira e patrimonial das instituições envolvidas (BPN, BPN-SGPS e SLN). A isso se restringe o que está em causa em tal processo de contra-ordenação.

16. Sendo estes os contornos da imputação feita ao a TC… no processo nº …/…/CO do BdP (e sendo certo que no proc. nº …/… da CMVM a factualidade se reportava a questões concernentes ao exercício de actividade de intermediação financeira sem registo prévio na CMVM - celebração de contratos de "Aplicação Financeira" com os clientes), impõe-se concluir pela inexistência de nexo relevante como motivo de impedimento para depor como testemunha nos presentes autos, uma vez que relativamente às imputações feitas aos arguidos deste processo nº …/…TDLSB não ocorre identidade de objecto processual ou, sequer, conexão entre as imputações.

i. Efectivamente, e desde logo, constata-se serem completamente distintos os objectos processuais – debalde se procurará na pronúncia destes autos uma referência às “contas investimento”, universo de que se preenche o objecto do processo nº …/…/CO do BdP. Não são as pontualíssimas referências genéricas que na pronúncia se fazem à sociedade Jared Finance que, por si, conduzem à sobreposição dos objectos processuais em apreço.
De igual modo, não há qualquer afloramento, no presente processo, de questões relacionadas com contratos de "Aplicação Financeira", sendo certo que essa é matéria (exercício de actividade de intermediação financeira sem registo prévio, ou seja, fora do conhecimento da entidade supervisora) de que se ocupa, em exclusivo, o proc. nº …/… da CMVM. É esse o objecto desse processo.

ii. Nos presentes autos, as imputações feitas aos arguidos traduzem-se na comissão dos seguintes crimes:
- Abuso de confiança (retirada e apropriação, para si e para terceiros, de fundos do Grupo BPN/SLN), p. p. pelo art°. 205°, n°1, n° 4 al. b) e n° 5 do Código Penal;
- Burla qualificada (indução em erro ou engano das entidades cujo património lhes competia administrar, directa ou indirectamente), p. p. pelo art°. 217°, 218°, n°1 e n°2 al. a) do Código Penal;
- Falsificação de documento (forjar de documentos e de registo de movimentos bancários e contabilísticos), p. p. pelo art° 256°, n°1 al. a) e e) e n°3 do Código Penal;
- Infidelidade (violação das normas de gestão, com a consequente lesão dos interesses patrimoniais das entidades administradas), p. p. no art. 224° do Cod. Penal;
- Branqueamento de capitais, p. p. no art. 368°A, nrs. 1 e 2 do Código Penal;
- Fraude fiscal qualificada, p. p. nos arts. 103° e 104º do RGIT ;
- Aquisição ilícita de acções, p. e p. no art. 510°, nº 1, por referência aos arts. 317°, nº 2, e 325°, nº 1, do Código das Sociedades Comerciais.

iii. Assim e desde logo, confrontados os objectos dos processos de contra-ordenação (onde a testemunha foi arguido) e os presentes autos, constata-se serem os mesmos independentes entre si.
Nem mesmo no que se refere às infrações que se reportam à falsificação de documentos, ocorre identidade de objecto nas imputações. Tratam-se, no plano contra-ordenacional e no plano criminal, de realidades distintas, “pedaços de vida” distintos, incidentes sobre bens jurídicos autónomos e diferenciados, com propósitos de tutela que não se confundem (como infra, mais aprofundadamente, em sede de apreciação da questão relativa ao tema do “ne bis in idem” melhor se explicará).

iv. Assim,  nas infracções contra-ordenacionais como as que conformam o objecto do processo nº …/…/CO do BdP (e, bem assim, do proc. nº …/… da CMVM), apenas se atende à relação específica entre instituição financeira e autoridade supervisora, no sentido de se pretender que haja transparência e verdade nos elementos que a primeira fornece à segunda, de modo a habilitar esta última a ajuizar se as regras de carácter administrativo que impõe para o exercício da actividade daquelas instituições e sociedades, estão a ser cumpridos - a finalidade da norma sancionatória é a de fiscalização do cumprimento pelas sociedades bancárias e financeiras das regras de conduta que lhes são administrativamente impostas.

v. Diferentemente, no crime de falsificação de documento, o bem jurídico tutelado é outro, nomeadamente a protecção da confiança e segurança, em sede de tráfico probatório, no que respeita a determinados tipos de documentos, de modo a que qualquer pessoa (ou mesmo o Estado), possa confiar na sua veracidade, em sede de relações jurídicas nos quais os mesmos se mostrem relevantes. 

17. Sendo o objecto das imputações feitas a TP… dissemelhante das imputações feitas aos arguidos destes autos, não se vislumbra, por outro lado, qualquer relevante conexão entre essas imputações. Não se encontra nexo que permita afirmar qualquer dos casos de conexão de infracções a que alude o artigo 24º do Código de Processo Penal.
Mais - não se encontra nexo entre as infracções que justifique o direito de TC… a não ser constrangido a prestar declarações na forma de testemunho relativamente ao conhecimento que possa ter da factualidade que é imputada aos arguidos deste processo, uma vez que a mesma não pertence ao universo factual que constitui o objecto dos processos contra-ordenacionais nos quais o depoente tem a posição de arguido.

18. Em sede final e encerrando a apreciação das questões aqui propostas, cabe-nos apenas referir que se mostra prejudicada a necessidade deste Tribunal ad quem tomar posição quanto às questões de inconstitucionalidade suscitadas pelos arguidos nesta sede, uma vez que nem este Tribunal (nem o tribunal “a quo”) perfilharam os entendimentos que os recorrente consideram ter estado subjacentes à decisão recorrida ou à presente, não subsistindo, pois, para este tribunal de recurso, a necessidade de se pronunciar sobre sentidos normativos que não têm aplicação no caso.

19. Assim sendo, muito embora com fundamentos diversos dos constantes na decisão recorrida, impõe-se concluir pela improcedência do recurso interposto, na justa medida em que inexistia ligação que tornasse necessária a concessão a TP… da tutela do impedimento.

                                                    *
5º - Apreciação do despacho de fls. 46.868, que indeferiu a arguição de irregularidade processual suscitada a fls. 46.862, na sequência do despacho de fls. 46861 na parte em que decidiu determinar o desentranhamento do documento (mail) junto pelo arguido ao requerimento apresentado a fls. 46.848 a 46.858 (recurso interposto pelo arguido JO…).

1.  Pelo arguido jo…, foi requerido a fls. 46.848 a 46.858, para além do mais[43], a junção aos autos de um documento (mensagem de correio electrónico) cujo teor consta a fls. 46.859.
Esse requerimento tinha o seguinte teor, na parte que nos importa (uma vez que aí se manifestava igualmente a sua discordância com a decisão de inverter a ordem legal da prova, com antecipação da prova arrolada pela defesa, quando ainda não findara a produção da prova da acusação):
Por outo lado, ainda no prisma de se tentar demonstrar a desnecessidade da decisão tomada e ainda mais a cadência imprimida aos trabalhos, informa-se o Tribunal que o recurso relativo ao sigilo profissional foi distribuído no dia 30 de Junho de 2014 à 3ª Secção do STJ e que, ontem, dia 2 de Julho de 2014 o escritório do Advogado signatário foi telefonicamente contactado pela Exmª Senhora FF…, funcionária do STJ, que deixou recado no sentido de solicitar ao signatário o envio através de correio electrónico de cópia em «word» das alegações dos dois recursos interpostos no que ao incidente de quebra do sigilo profissional diz respeito. Na sequência de tal solicitação, o signatário disponibilizou hoje, dia 3 de Julho de 2014, por correio electrónico, as alegações dos dois recursos interpostos no que ao incidente de quebra do sigilo profissional diz respeito, conforme documento que se junta (Doc. 1).

2. Por despacho proferido  na sessão da audiência de julgamento de 4 de Julho de 2014 (acta de fls. 46.860 e segs.), após deliberação do Tribunal Colectivo, foi indeferido tal requerimento, tendo sido determinado o desentranhamento do documento (mail), junto pelo arguido ao seu requerimento, na medida em que o mesmo não tem qualquer relevância ou interesse para a questão que agora foi objecto de apreciação.

3. Esse despacho tem o seguinte teor:
Pelo requerimento que antecede e pela fundamentação que adianta o arguido em 1º lugar requer a desconvocação das testemunhas PM… e Ico… aceitando-as como testemunhas abonatórias e requerendo a sua inquirição no final de toda a demais prova testemunhal.
É certo que o tribunal já referiu em sede de julgamento – aliás é isso que resulta da Lei – que as testemunhas indicadas nos róis como sendo abonatórias serão inquiridas no final do Julgamento após terem sido inquiridas as testemunhas de defesa que deporão sobre os factos.
Porém, cabe referir que o arguido a fls. 9 do seu requerimento refere que "as testemunhas PA… e ID… são essencialmente abonatórias".
O ser essencialmente abonatória e não, exclusivamente abonatória, significa que, ainda que residualmente, as testemunhas em causa irão depor sobre factos objecto da contestação e/ou pronúncia.
Quanto ao requerido em b) pelo arguido, cabe referir que o Tribunal não toma qualquer posição processual, condicionado a um eventual e potencial procedimento que o arguido possa adoptar, designadamente o por si proposto a fls. 10 do seu requerimento.
O arguido não prescindiu das testemunhas de defesa por si arroladas, posição que reitera pelo requerimento que antecede.
Não tendo prescindido das mesmas o Tribunal tem a obrigação legal de as convocar em ordem a que possam ser inquiridas.
Se o arguido pretende (ou não) colocar quaisquer perguntas às testemunhas é uma opção que única e exclusivamente ao mesmo diz respeito.
A circunstância de, em abstracto, não querer colocar quaisquer perguntas às testemunhas não exonera o Tribunal da obrigação legal de as convocar para serem inquiridas e isto pela simples razão de que não foram prescindidas.
Cabe referir ainda que o que o arguido sugere ao tribunal é que se traduziria em actos inúteis pelo facto de, neste momento, não haver qualquer outra prova da acusação a produzir.
Ademais, o arguido OC…, salvo o devido respeito por outra opinião, labora actualmente num equívoco. É que, neste momento, nem sequer ocorre uma alteração da ordem legal de produção de prova pela simples razão de que, actualmente, já não há qualquer testemunha de acusação que possa ser inquirida.
Todas as testemunhas de acusação cuja inquirição estivesse dependente de convocação da parte do Tribunal já foram ouvidas.
As restantes, como resulta dos despachos anteriores proferidos nos autos, a sua audição não está dependente de qualquer acto processual do tribunal mas apenas de decisões dos tribunais superiores, sendo certo que, a este propósito, refira-se, não há qualquer certeza se poderão ou não ser inquiridas, pois isso está única e exclusivamente dependente daquelas decisões, impondo-se por isso, o cumprimento do princípio legal da continuidade da audiência (art. 328º, n.º 1 do CPP).
Por conseguinte, reitera-se, nesta fase processual do julgamento já não se verifica qualquer alteração da ordem legal de produção de prova, mas simplesmente uma sequência normal da produção de prova em que, terminada a inquirição das testemunhas de acusação e dos assistentes se passou, face aos ditames legais que regem a produção de prova, à inquirição das testemunhas de defesa de todos os arguidos.
Pelo exposto e razões aduzidas, decide-se:
1) Indeferir a requerida desconvocação das testemunhas PM… e Ico… e indeferir a sua inquirição no final de toda a demais prova testemunhal;
2) Não tomar posição sobre o requerido pelo arguido na al. b) a fls. 11 do seu requerimento, na medida em que qualquer posição que possa ser tomada está dependente do procedimento que possa ser adoptado pelo arguido, procedimento esse que ainda não adoptou quanto às testemunhas de defesa por si arroladas já convocadas e que venham a ser convocadas;
3) Determinar o desentranhamento do documento (mail) junto pelo arguido ao seu requerimento na medida em que o mesmo não tem qualquer relevância ou interesse para a questão que agora foi objecto de apreciação;
Notifique-se.”

4. Ainda no decurso da sessão da audiência de julgamento de 4 de Julho de 2014 (cfr. acta a fls. 46862 e segs.), veio o arguido JO… arguir a irregularidade do despacho supra transcrito, na parte em que ordenou o desentranhamento do documento apresentado, argumentando nos seguintes termos:
No que concerne ao ordenado desentranhamento do documento junto pelo arguido no seu requerimento de ontem requer a V.ª Ex.ª que se digne, nos termos do disposto no art. 123º do CPP, declarar a irregularidade processual decorrente do douto despacho proferido na medida em que, admitindo-se que o documento oferecido não tem em tese relevância para as questões apreciadas no douto despacho antecedente, tal documento é sem dúvida relevante para a boa apreciação da causa e informar a tramitação dos autos por representar a materialização intra-processual de um acto de colaboração com o Tribunal, atinente ao exercício legítimo do direito ao recurso já antes sugerido como sendo abusivo (pois que o "venire" é uma modalidade do abuso de direito, sendo tal documento ainda relevante para que, face à concreta e superveniente documentação da célere tramitação imprimida ao recurso pendente junto do STJ ao qual o documento se reporta, o tribunal (ou os tribunais superiores) possa(m) ajuizar - à luz de todas as teses e mesmo que discordando com os meios da defesa - sobre a necessidade actual e futura da manutenção da cadência dos trabalhos, face à já alegada desnecessidade da mesma, em sede de compressão adequada dos interesses constitucionalmente consagrados, já defendida pelo arguido.
Em consequência da declaração de tal irregularidade requer a V.ª Ex.ª que, para sanação da mesma se digne ordenar a junção daquele documento aos autos.

5. Na mesma sessão da audiência de julgamento, já na tarde de 4 de Julho de 2014 (cfr. acta de fls. 46.866 e segs.), após contraditório e nova deliberação do Tribunal Colectivo, foi proferido o despacho recorrido que, indeferiu tal arguição.
Esse despacho, na parte que aqui tem relevância, tem o seguinte teor:
Pelo requerimento apresentado hoje em juízo via fax e junto aos autos (fls. 46847 a 46859), o arguido pretendia que o Tribunal se pronunciasse sobre o requerido em a) e b) do seu requerimento (desconvocação de testemunhas e decisão se um determinado acto processual é ou não inútil);
Determinou-se o desentranhamento do mail junto com esse requerimento por se ter entendido que o mesmo não "tinha qualquer relevância ou interesse para a questão que agora foi objecto de apreciação".
Mantém-se o afirmado.
Aliás, o próprio arguido no requerimento que antecede em que invoca a irregularidade processual do desentranhamento a dada altura afirma "admitindo-se que o documento oferecido não tem em tese relevância para as questões apreciadas no douto despacho antecedente".
Se o próprio arguido admite que o documento oferecido não tem relevância para as questões objecto de apreciação no despacho antecedente, não se vislumbra como possa vir invocar a irregularidade processual decorrente do seu desentranhamento, irregularidade processual que, aliás, não justifica, na medida em que não indica qualquer norma adjectiva que possa ter sido violada.
Se o arguido entende que o documento poderá ter importância para efeitos de recursos que irá interpor nos autos, sempre o poderá juntar na altura processual própria em ordem a que possa sustentar as suas motivações de recurso e o mesmo possa ser levado em consideração para as decisões futuras a proferir pelos Tribunais Superiores em sede de recursos que possam vir a ser interpostos.
Pelo exposto e razões aduzidas, decide-se:
1) Julgar não verificada a irregularidade invocada pelo arguido OC… e, consequentemente, indeferi-la;
2) Manter a decisão de desentranhamento do documento;
Notifique-se.

6. Inconformado, o arguido jo… interpôs recurso desse despacho (vide fls. 47.557 e segs), pugnando pela sua revogação e pela sua substituição por outra que, declarando a irregularidade processual arguida, determine a junção aos autos daquele documento.

7. O recurso foi admitido (fls. 47.688) e determinada a sua subida diferida, com o recurso que pusesse termo à causa, nos próprios autos e com efeito meramente devolutivo.

8. O arguido extraiu da motivação as seguintes conclusões:
1.º - O presente recurso incide apenas e só sobre a parte da decisão recorrida que indeferiu a irregularidade processual arguida pelo ora Recorrente na sequência da determinação, por despacho antecedente, do “desentranhamento do mail junto com esse requerimento por se ter entendido que o mesmo não "tinha qualquer relevância ou interesse para a questão que agora foi objecto de apreciação”.
2.º - São as seguintes as razões da douta decisão recorrida:
a) o “mail junto com esse requerimento [de 3.07.14] não tem “qualquer relevância ou interesse para a questão que agora foi objecto de apreciação”;
b) “o próprio arguido admite que o documento oferecido não tem relevância para as questões objecto de apreciação no despacho antecedente,” e
c)  “não se vislumbra como possa vir invocar a irregularidade processual decorrente do seu desentranhamento, irregularidade processual que, aliás, não justifica, na medida em que não indica qualquer norma adjectiva que possa ter sido violada.”
3.º - No entendimento do Arguido, ora Recorrente, quanto ao argumento segundo o qual o “mail junto com esse requerimento [de 3.07.14] por se ter entendido que o mesmo não "tinha qualquer relevância ou interesse para a questão que agora foi objecto de apreciação”, dever-se-á considerar que, se o mail junto não releva directamente para a apreciação do requerido nas alíneas a) e b) do requerimento do Arguido de 3.07.14, o que é certo é que o requerido em c) – a junção do próprio mail – consubstancia em si um requerimento autónomo dos demais, cuja oportunidade e relevância não depende do requerido em a) e b).
     4.º - Ou seja, ao contrário do que se entendeu na douta decisão recorrida o requerimento para a junção de tal documento não é instrumental relativamente ao requerido em a) e b), nem nunca o Arguido o afirmou.
5.º - Quanto ao argumento segundo o qual “o próprio arguido admite que o documento oferecido não tem relevância para as questões objecto de apreciação no despacho antecedente”, dever-se-á interpretar a declaração do Arguido no requerimento de arguição de irregularidade na parte em que no mesmo se pode ler “admitindo-se que o documento oferecido não tem em tese relevância para as questões apreciadas no douto despacho antecedente” no sentido de o mesmo não ter relevância para as questões apreciadas pelo despacho antecedente à arguição da irregularidade no que concerne às alíneas a) e b) do requerimento de 3.07.14, uma vez que, no sentido de tal documento ter uma relevância autónoma, se afirmou logo de seguida que “tal documento é sem dúvida relevante para a boa apreciação da causa e [para] informar a tramitação dos autos por representar a materialização intra-processual de um acto de colaboração com o Tribunal, atinente ao exercício legítimo do direito ao recurso já antes sugerido como sendo abusivo (pois que o "venire" é uma modalidade do abuso de direito[)], sendo tal documento ainda relevante para que, face à concreta e superveniente documentação da célere tramitação imprimida ao recurso pendente junto do STJ ao qual o documento se reporta, o tribunal (ou os tribunais superiores) possa(m) ajuizar - à luz de todas as teses e mesmo que discordando com os meios da defesa - sobre a necessidade actual e futura da manutenção da cadência dos trabalhos, face à já alegada desnecessidade da mesma, em sede de compressão adequada dos interesses constitucionalmente consagrados, já defendida pelo arguido.”.
6.º - Salvo o devido respeito a douta decisão recorrida descontextualizou a declaração do Arguido descurando a parte do requerimento do Arguido, ora Recorrente, em que o mesmo justificou a relevância autónoma do documento cuja junção foi requerida, indeferida e cujo desentranhamento a mesma veio a reiterar.
7.º - Quanto ao argumento segundo o qual o “não se vislumbra como possa vir [o Arguido] invocar a irregularidade processual decorrente do seu desentranhamento, irregularidade processual que, aliás, não justifica, na medida em que não indica qualquer norma adjectiva que possa ter sido violada.”, na óptica do Recorrente dever-se-á considerar que a justificação da relevância material da junção do documento cujo desentranhamento foi ordenado e que a douta decisão recorrida manteve consta sobejamente explicitada na parte do requerimento de arguição de irregularidade onde se pode ler “tal documento é sem dúvida relevante para a boa apreciação da causa e [para] informar a tramitação dos autos por representar a materialização intra-processual de um acto de colaboração com o Tribunal, atinente ao exercício legítimo do direito ao recurso já antes sugerido como sendo abusivo (pois que o "venire" é uma modalidade do abuso de direito[)], sendo tal documento ainda relevante para que, face à concreta e superveniente documentação da célere tramitação imprimida ao recurso pendente junto do STJ ao qual o documento se reporta, o tribunal (ou os tribunais superiores) possa(m) ajuizar - à luz de todas as teses e mesmo que discordando com os meios da defesa - sobre a necessidade actual e futura da manutenção da cadência dos trabalhos, face à já alegada desnecessidade da mesma, em sede de compressão adequada dos interesses constitucionalmente consagrados, já defendida pelo arguido.”.
8.º - Perante tal justificação o Tribunal “a quo”, ao invés de reconhecer que o documento em causa tem (ou poderá vir a ter) relevância para os aspectos sublinhados pelo Arguido, refutou tal relevância considerando que: “Se o arguido entende que o documento poderá ter importância para efeitos de recursos que irá interpor nos autos, sempre o poderá juntar na altura processual própria em ordem a que possa sustentar as suas motivações de recurso e o mesmo possa ser levado em consideração para as decisões futuras a proferir pelos Tribunais Superiores em sede de recursos que possam vir a ser interpostos.”.
9.º - Com tal argumentação esqueceu a douta decisão recorrida que a tomada pelo Tribunal “a quo” de quaisquer decisões futuras que envolvam a determinação da cadência dos trabalhos ou a apreciação de qualquer alegado abuso de direito ao nível do exercício do direito ao recurso por parte do Arguido, apenas poderá tomar em linha de conta a informação e documentação constante do processo à data dessas futuras decisões (“Quod non est in actis non est in mundo”[5]), pois só essa é do conhecimento do Tribunal de primeira instância e poderá, em princípio, relevar para a reapreciação que sobre as mesmas possa vir a ser requerida às instâncias superiores.
10.º - Por outro lado, o Tribunal “a quo” não analisou (e por isso não refutou) a relevância autónoma do documento oferecido para:
a) “informar a tramitação dos autos (…) sendo tal documento ainda relevante para que, face à concreta e superveniente documentação da célere tramitação imprimida ao recurso pendente junto do STJ ao qual o documento se reporta, o tribunal (ou os tribunais superiores) possa(m) ajuizar - à luz de todas as teses e mesmo que discordando com os meios da defesa - sobre a necessidade actual e futura da manutenção da cadência dos trabalhos, face à já alegada desnecessidade da mesma, em sede de compressão adequada dos interesses constitucionalmente consagrados, já defendida pelo arguido.”; e
b) “por representar a materialização intra-processual de um acto de colaboração com o Tribunal, atinente ao exercício legítimo do direito ao recurso já antes sugerido como sendo abusivo (pois que o "venire" é uma modalidade do abuso de direito[)],”, conforme consta do douto despacho datado de 1.07.14, constante da acta de julgamento realizada na sessão da manhã daquele dia.
11.º - Assim, o documento em causa é relevante não só para a reapreciação das decisões já tomadas (apenas no que se refere à verificação de eventual erro acerca dos pressupostos de facto subjacentes ao douto despacho de 26.06.14 no que diz respeito ao prazo de decisão dos recursos pendentes na parte em que se afirmou “é igualmente de prever que as decisões definitivas, com trânsito, não venham a ocorrer sem que esteja decorrido, pelo menos, o prazo de 6 meses a 1 ano.”), mas essencialmente para documentar os autos e informar as decisões futuras quanto à “célere tramitação imprimida ao recurso pendente junto do STJ ao qual o documento se reporta, o tribunal (ou os tribunais superiores) possa(m) ajuizar - à luz de todas as teses e mesmo que discordando com os meios da defesa - sobre a necessidade actual e futura da manutenção da cadência dos trabalhos, face à já alegada desnecessidade da mesma, em sede de compressão adequada dos interesses constitucionalmente consagrados, já defendida pelo arguido.” e o exercício de forma (i)legítima “do direito ao recurso já antes sugerido como sendo abusivo”, uma vez que no douto despacho de 1.07.14 se afirmou, relativamente aos Arguidos Recorrentes, que “virem invocar a [im]possibilidade de produção de prova da acusação quando por motivos processuais, que lhes são imputados, as mesmas testemunhas não puderam ser ouvidas e, não poderem mesmo, na sua perspectiva, serem inquiridas, assume-se, processualmente, seja-nos permitido dizer como um "venire contra factum proprium".”), pelo que se justifica, do ponto de vista material, a requerida junção do mesmo aos autos.
12.º - Evidência da relevância para os autos principais da informação sobre a concreta tramitação dos recursos ordinários interpostos pelo Arguido, ora Recorrente, para o STJ dos doutos Acórdãos do TRL relativos ao incidente da quebra do sigilo profissional, é que o próprio Tribunal “a quo” teve necessidade de solicitar esclarecimentos sobre a mesma àquele Supremo Tribunal, o que fez por douto despacho de 28.7.2014 [6].
13.º - Por outro lado, quanto à justificação “de iure” da requerida junção daquele documento, se é certo que o Arguido, ora Recorrente, não indica qual a norma violada pelo despacho que ordenou o desentranhamento do documento [“na medida em que não indica qualquer norma adjectiva que possa ter sido violada”], não deixou o mesmo de invocar e justificar a relevância material do mesmo “para a boa apreciação da causa e [para] informar a tramitação dos autos”.
     14.º - Ou seja, o Arguido ora Recorrente justificou a relevância da requerida junção à luz do principal poder-dever do Tribunal “a quo”, o princípio da boa administração da justiça (ínsito nos artigos 2.º, 202.º e 203.º da CRP), o qual está expresso no artigo 340.º do CPP, norma que o Tribunal “a quo” tem em repetidos despachos dos autos invocado para fundamentar as diligências por si ordenadas.
15.º - Assim, independentemente de o Arguido não ter especificado a norma adjectiva que considerava ter sido violada não restam dúvidas que o Tribunal “a quo” sabia (por não poder desconhecer) que o invocado interesse para a “boa decisão da causa” está expresso nos artigos 2.º, 202.º e 203.º da CRP e 340.º, do CPP, normas que o despacho que ordenou o desentranhamento consequentemente violou, o que o despacho ora recorrido podia e devia ter declarado, mesmo oficiosamente, nos termos dos artigos 2.º e 123.º, n.º 2, do CPP (sendo que tal dever oficioso resultava já dos velhos borcados latinos “da mihi facta dabo tibi jus” ou “jura novit curia”).
16.º - De facto, estando em causa um requerimento reputado pelo Arguido como relevante para “a boa decisão da causa” e [para] “informar a tramitação dos autos”, a aplicação das regras que regem tal decisão [artigos 2.º, 202.º e 203.º da CRP e 340.º, n.ºs 1 e 4 do CPP] é oficiosa, não podendo o Tribunal “a quo” escusar-se a deferir tal requerimento, ou a irregularidade decorrente do seu indeferimento, com base na falta de invocação da respectiva base legal.
17.º - Aliás, para indeferir a requerida junção o Tribunal “a quo” não teve sequer necessidade de a fundamentar “de iure” invocando o artigo 340.º, n.º 4, al. a), do CPP que dispõe que os requerimentos de provas são indeferidas “se for notório que: a) As provas requeridas são irrelevantes ou supérfluas”, critério legal que o Tribunal “a quo” aplicou mas, erradamente, indexando a necessária utilidade do documento oferecido pelo Recorrente à decisão das questões expressas nas alíneas a) e b) do requerimento do Arguido apresentado por fax no dia 3.07.14 [o que fez quando afirmou que o mesmo “não tem qualquer relevância ou interesse para a questão que agora foi objecto de apreciação;”], esquecendo porém que o mesmo – tal como foi evidenciado pelo Arguido no requerimento de arguição de irregularidade que o douto despacho recorrido indeferiu – tem relevância autónoma para a boa decisão da causa e para a informada tramitação actual e futura dos autos.
18.º - O indeferimento da arguida irregularidade processual com base no argumento de que o Arguido, ora Recorrente, não procedeu à invocação de uma norma violada pelo despacho que ordenou o desentranhamento do documento oferecido, quando a sua utilidade para se mostra expressamente fundamentada “para a boa decisão da causa” e [para] “informar a tramitação dos autos”, viola o direito a um processo equitativo e à tutela jurisdicional efectiva.
19.º - O princípio do processo equitativo (artigos 20.º, n.º 4, da CRP e 6.º da CEDH) tem implícito o “direito a um processo orientado para a justiça material sem demasiadas peias formalísticas”, e o direito à tutela jurisdicional efectiva (artigo 20.º, n.º 5, da CRP) veda ao legislador, no recorte dos instrumentos processuais, “a criação de dificuldades excessivas e materialmente injustificadas no direito de acesso aos tribunais” [7], e, assim, aos Tribunais enquanto aplicadores do direito a adopção de interpretações normativas que não se adequem à tutela efectiva dos direitos constitucionalmente consagrados (artigo 204.º da CRP), sobretudo quando estejam em causa não apenas direitos constitucionalmente consagrados, mas direitos, liberdades e garantias, sujeitos ao regime expresso no artigo 18.º da CRP.
20.º - Ao julgar como julgou, mantendo o despacho que ordenou o desentranhamento do documento cuja junção requerida pelo Arguido, ora Recorrente, no seu requerimento de 3.07.14, e cuja relevância foi justificada no requerimento de arguição de irregularidade efectuado em 4.07.14, violou a decisão recorrida o princípio da boa administração da justiça e os artigos 2.º, 123.º, n.ºs 1 e 2, 340.º, n.ºs 1 e 4 do CPP e 18.º, 20.º, n.ºs 4 e 5, 202, 203.º e 204.º da CRP e 6.º da CEDH.
21.º - Pelo exposto, deveria a douta decisão recorrida ter declarado a irregularidade processual arguida pelo Arguido, ora Recorrente, através de requerimento de 4.07.2014, ordenando a anulação do despacho de 4.07.2014 que o antecedeu, sanando tal irregularidade através do deferimento da junção aos autos do documento junto pelo Arguido ao seu requerimento de 3.07.14 (via fax).
NOTAS:
[5] Exemplificando a aplicação jurisprudencial de tal princípio decidiu-se no douto Acórdão do Tribunal da Relação de Évora datado de 18.01.13 “Não consta da acta que o intérprete nomeado tenha estado presente e feito a tradução oral do acórdão. Por conseguinte e porque “quod non est in actis non est in mundo”, impõe-se a conclusão de que a leitura do acórdão foi efectuada sem a presença do intérprete e, por consequência, sem a sua tradução oral.”, disponível em: http://www.dgsi.pt/JTRE.NSF/134973db04f39bf2802579bf005f080b/7040d38fe62507d980257b35005fa8e6?OpenDocument
[6] “2) Com urgência, remeta-se certidão de fls. 44561 a 44575, 44832 a 44837, 44926 a 44944, 45433 a 45526, 45717 a 45719, 45931, 45939 a 45945, 46219 a 46221, 46330 a 46331, 46529 a 46539 e do presente despacho ao processo n.º 4910/08.9TDLSB-E.L1.S1, pendente actualmente no STJ;
 3) A fim de se aferir da possibilidade de inquirição das 4 testemunhas, advogados, que invocaram o sigilo profissional, oficie-se ainda ao identificado processo pendente no STJ, solicitando-se informação se foram admitidos os recursos interpostos pela testemunha e pelos arguidos do Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa que determinou a quebra do sigilo profissional e, sendo esse o caso, se os mesmos foram admitidos com efeito meramente devolutivo ou com efeito suspensivo da decisão recorrida;”
[7] Vide J.J. GOMES CANOTILHO / VITAL MOREIRA, Constituição da República Portuguesa Anotada, Volume I, 4.ª Edição Revista, Coimbra Editora, 2007, página 416.

9. O MºPº apresentou resposta, entendendo ser manifesta a improcedência do recurso, tendo a mesma o seguinte teor:
“1ª – Do segmento de texto do requerimento que se refere ao documento cujo desentranhamento se questiona, assim como do contexto em que essa referência se insere, resulta claro que a junção do documento se liga directamente à exposição de razões que conduziram aos pedidos formulados sob as alíneas a) e b) do requerimento do arguido JO… junto a fls. 46848 a 46859;
2ª – Porém, como bem afirma a decisão que integra o despacho exarado na acta de audiência de discussão e julgamento de 04.07.2014 (sessão da manhã, fls. 46860 a 46863), o documento “não tem qualquer relevância ou interesse para a questão que agora foi objecto de decisão”;
3ª – Como, de resto, o arguido recorrente JO… veio, depois, a reconhecer no seu requerimento exarado na mesma acta de audiência de discussão e julgamento de 04.07.2014 (sessão de manhã, fls. 46860 a 46863): “(…) admitindo-se que o documento oferecido não tem em tese relevância para as questões apreciadas no douto despacho antecedente (…);
4ª – O pedido de junção do documento, não é, pois, autónomo no sentido de que vale por si mesmo independentemente dos demais pedidos conjuntamente formulados;
Por outro lado,
5ª – Como é manifestamente evidente, enfatiza-se, o documento cujo desentranhamento foi determinado, cópia de mensagem electrónica que expressa o envio pelo distinto patrono do arguido JO… ao STJ de alegações de recurso em ficheiro de formato word, não constitui meio de prova cujo conhecimento seja necessário para a descoberta da verdade e a boa decisão da causa;
6ª – E, como também é por demais patente, a matéria informativa que se contém nessa mensagem é totalmente irrelevante para o Tribunal a quo.
7ª – Nesta conformidade, improcedem as conclusões formuladas na motivação de recurso que aqui se responde.
Sendo certo que,
8ª – Nem a decisão que ordenou a manutenção do desentranhamento do documento violou qualquer preceito legal (como a decisão que, a montante, ordenara o seu desentranhamento também não violara) designadamente o invocado ex adverso artigo 340º do CPP
9ª – Nem ela violou o artigo 204º da CRP ou o artigo 6º da CEDH, preceitos que o arguido recorrente invocou descabidamente!
10ª – Mais: das conclusões precedentes decorre a manifesta improcedência do recurso que, por isso, deve ser rejeitado – ut artigo 420º n.º 2 do CPP..

10. O arguido, no seu recurso, manifestou expressamente interesse na manutenção deste recurso interlocutório e na sua apreciação.
11. Apreciando.
A questão a apreciar reconduz-se a saber se o decidido desentranhamento do documento apresentado é violador de norma(s) processual(ais), consubstanciando irregularidade a suprir, sendo certo que tal apreciação terá de ser
avaliada tendo em atenção os elementos que, naquele momento temporal, o Tribunal “a quo” dispunha para proferir a sua decisão.

i. Ora, esse momento temporal é o que é definido pelo requerimento em que é pedida a junção aos autos do documento (mail) acima referido. E nesse dito requerimento, o arguido, além de renovar a sua discordância com a decisão que determinara o início da produção da prova arrolada pela defesa, com o argumento de que ainda não findara a produção da prova da acusação, ainda apresentou as seguintes pretensões:
a) Que se ordenasse a desconvocação das testemunhas PA… e ID…, aceitando-as como testemunhas abonatórias e determinando a sua inquirição no final de toda a demais prova testemunhal;
b) Que se decidisse se a efectiva vinda de todas as testemunhas de defesa do arguido (à excepção das duas abonatórias e da testemunha ML… cuja inquirição deveria prosseguir com a contra-instância do MP), sem que o arguido delas prescinda, mas manifestando que naquele “momento da produção de prova” não deve formular-lhes qualquer pergunta sobre o objecto dos autos, configura ou não um acto inútil;
c) Que se ordenasse a junção aos autos do comprovativo de o mandatário do arguido ter remetido ao Supremo Tribunal de Justiça, por correio electrónico, cópia em “word” das alegações dos dois recursos interpostos no que ao incidente de quebra de sigilo profissional diz respeito.

ii. Em fundamentação das suas pretensões e reportando-se à oportunidade de junção do documento em apreço, acrescentou o arguido naquele requerimento: Por outo lado, ainda no prisma de se tentar demonstrar a desnecessidade da decisão tomada e ainda mais da cadência imprimida aos trabalhos, informa-se o Tribunal que o recurso relativo ao sigilo profissional foi distribuído no dia 30 de Junho de 2014 à 3ª Secção do STJ e que, ontem, dia 2 de Julho de 2014 o escritório do Advogado signatário foi telefonicamente contactado pela Exmª Senhora FF…, funcionária do STJ, que deixou recado no sentido de solicitar ao signatário o envio através de correio electrónico de cópia em «word» das alegações dos dois recursos interpostos no que ao incidente de quebra do sigilo profissional diz respeito. Na sequência de tal solicitação, o signatário disponibilizou hoje, dia 3 de Julho de 2014, por correio electrónico, as alegações dos dois recursos interpostos no que ao incidente de quebra do sigilo profissional diz respeito, conforme documento que se junta (Doc. 1).

iii. Sendo este o contexto em que o requerimento de junção do documento foi apresentado, não se pode deixar de afastar a invocada autonomia das pretensões deduzidas no mesmo requerimento e, por outro lado, torna-se forçoso aderir à conclusão expressa na sua resposta pelo MºPº, uma vez que resulta claro que a junção do documento se liga directamente à exposição de razões que conduziram aos pedidos formulados sob as alíneas a) e b) do requerimento do arguido JO… junto a fls. 46.848 a 46.859.
De facto, a leitura do requerimento na sua integralidade, forçosamente nos impõe o entendimento de que tudo o que aí se pede se enquadra no contexto da alegada desnecessidade da decisão tomada de imediata produção da prova testemunhal arrolada pela defesa e ainda mais da cadência imprimida aos trabalhos no que se refere à produção dessa prova testemunhal.

iv. E assim sendo, como é, bem andou o Tribunal a quo ao considerar que o pedido de junção do documento em apreço se prendia com os demais pedidos formulados (alíneas a e b) do mesmo requerimento.

v. Assim, dentro deste enquadramento, o Tribunal não admitiu a junção do documento por concluir pela irrelevância do mesmo para a questão em apreciação.

vi. O recorrente, ao arguir subsequentemente a irregularidade de tal decisão, nos termos do artigo 123º do C.P.Penal, altera as razões que havia expresso no requerimento em que pediu tal junção e passa a fundar a mesma advogando que deveria ser declarada “a irregularidade processual decorrente do douto despacho proferido na medida em que, admitindo-se que o documento oferecido não tem em tese relevância para as questões apreciadas no douto despacho antecedente, tal documento é sem dúvida relevante para a boa apreciação da causa e informar a tramitação dos autos por representar a materialização intra-processual de um acto de colaboração com o Tribunal, atinente ao exercício legítimo do direito ao recurso já antes sugerido como sendo abusivo (pois que o "venire" é uma modalidade do abuso de direito, sendo tal documento ainda relevante para que, face à concreta e superveniente documentação da célere tramitação imprimida ao recurso pendente junto do STJ ao qual o documento se reporta, o tribunal (ou os tribunais superiores) possa(m) ajuizar - à luz de todas as teses e mesmo que discordando com os meios da defesa - sobre a necessidade actual e futura da manutenção da cadência dos trabalhos, face à já alegada desnecessidade da mesma, em sede de compressão adequada dos interesses constitucionalmente consagrados, já defendida pelo arguido.”.

vii. Neste segundo requerimento, pese embora invoque a existência de uma irregularidade processual, o arguido não indica qual o preceito da lei processual penal que considerava incumprido pela decisão proferida.
Já em sede de recurso, designadamente nas suas conclusões 14ª e 15ª, afirmou que a norma processual violada foi a do artigo 340.º do C.P.Penal, argumentando que a indicação do preceito violado não constituía ónus a seu cargo, sendo que ao Tribunal cabe conhecer do direito e podia e devia ter declarado a irregularidade, mesmo oficiosamente, nos termos dos artigos 2.º e 123.º, n.º 2, do C.P.Penal.

12. Sobre a junção de documentos em processo criminal devem ter-se presentes os artigos 164º, 165º e 340º do Código de Processo Penal.

i. O primeiro desses preceitos, no seu nº 1, estabelece que é admissível prova por documento, entendendo-se por tal a declaração, sinal ou notação corporizada em escrito ou qualquer outro meio técnico, nos termos da lei penal. O nº 2 desse artigo 164º prevê que a junção da prova documental é feita oficiosamente ou a requerimento, não podendo juntar-se documento que contiver declaração anónima, salvo se for, ele mesmo, objecto ou elemento do crime. Correspondendo a este preceito a epígrafe “Admissibilidade”, certo é que, como refere Paulo Pinto de Albuquerque, o “artigo não fixa directamente o critério da admissibilidade dos documentos. Esse critério é o da regra geral fixada nos artigos 267º e 340º, nº 1. É admissível o documento cuja junção seja «necessária» para a descoberta da verdade ou para a boa decisão da causa, a verificação dos pressupostos das medidas de coacção e de garantia patrimonial e a determinação da competência do tribunal e da legitimidade dos sujeitos processuais”[44].

ii. Por seu turno, o artigo 165º do Código de Processo Penal estipula que o documento deve ser junto no decurso do inquérito ou da instrução e, não sendo isso possível, deve sê-lo até ao encerramento da audiência (nº 1).

iii. Por fim, o artigo 340º, na redacção introduzida pela Lei nº 20/2013, de 21 de Fevereiro, há longos meses vigente à data em que foi apresentado o requerimento e apreciada a junção do documento, regia e rege do seguinte modo:
 “1. O Tribunal ordena, oficiosamente ou a requerimento, a produção de todos os meios de prova cujo conhecimento se lhe afigure necessário à descoberta da verdade e à boa decisão da causa.
2. Se o tribunal considerar necessária a produção de meios de prova não constantes da acusação, da pronúncia ou da contestação, dá disso conhecimento, com a antecedência possível, aos sujeitos processuais e fá-lo constar da acta.
3. Sem prejuízo do disposto no nº 3 do artigo 328º, os requerimentos de prova são indeferidos por despacho quando a prova ou o respectivo meio forem legalmente inadmissíveis.
4. Os requerimentos de prova são ainda indeferidos se for notório que:
a) As provas requeridas já podiam ter sido juntas ou arroladas com a acusação ou a contestação, excepto se o tribunal entender que são indispensáveis à descoberta da verdade e boa decisão da causa; 
b) As provas requeridas são irrelevantes ou supérfluas;
c) O meio de prova é inadequado, de obtenção impossível ou muito duvidosa; ou
d) O requerimento tem finalidade meramente dilatória”.

iv. Debruçando-se sobre este artigo 340º do Código de Processo Penal, o Tribunal Constitucional tem sublinhado a circunstância de ali se consagrar um verdadeiro poder-dever do Tribunal, orientado para a descoberta da verdade e para a boa decisão da causa.
Nesse sentido, pode ler-se no acórdão do Tribunal Constitucional nº 137/2002[45] o seguinte:
(…) o artigo 340º, nº 1 do Código de Processo Penal é o lugar de afirmação paradigmática do princípio da investigação ou da verdade material. Este princípio significa, mesmo no quadro de um processo penal orientado pelo princípio acusatório (artigo 32º, nº 5 da Constituição), que o tribunal de julgamento tem o poder-dever de investigar por si o facto, isto é, de fazer a sua própria "instrução" sobre o facto, em audiência, atendendo a todos os meios de prova não irrelevantes para a descoberta da verdade, sem estar em absoluto vinculado pelos requerimentos e declarações das partes, com o fim de determinar a verdade material (cfr. Cavaleiro de Ferreira, Curso de Processo Penal, I, 1955, p. 49; Figueiredo Dias, Direito Processual Penal, I, 1974, p.72; Roxin, Strafverfahrensrecht, 20ª edição, 1987, p. 76). É isto mesmo que diz, por outras palavras, o nº 1 do artigo 340º, atrás transcrito.
Ora não há dúvida de que o princípio da investigação ou da verdade material, sem prejuízo da estrutura acusatória do processo penal português, tem valor constitucional. Quer os fins do direito penal, quer os do processo penal, que são instrumentais daqueles, implicam que as sanções penais, as penas e as medidas de segurança, apenas sejam aplicadas aos verdadeiros agentes de crimes, pelo que a prossecução desses fins, isto é, a realização do direito penal e a própria existência do processo penal só são constitucionalmente legítimas se aquele princípio for respeitado. Desde logo o princípio de culpa, que deriva da própria dignidade da pessoa humana (artigo 1º da Constituição) e é implicado ou pressuposto por outros princípios constitucionais (com o do Estado de direito democrático – artigo 2º -, o direito à integridade moral – artigo 25º, nº 1 ou o direito à liberdade – artigo 27º) tem uma base ontológica: só quem verdadeiramente é culpado pode ser punido e nunca para lá da medida da sua verdadeira culpa. Também o princípio da necessidade das penas e das medidas de segurança (artigo 18º, nº 2) implica que só são necessárias tais sanções quando aplicadas aos verdadeiros agentes de crimes, sendo contraproducentes se aplicadas a outras pessoas, por poderem motivar então à revolta, ao desespero, à vingança ou ao desprezo do direito e não contribuírem para a interiorização dos valores jurídicos que é o principal esteio da prevenção geral positiva (e igualmente da prevenção especial). Por outro lado, o princípio da jurisdicionalidade da aplicação do direito penal (artigos 27º, nº 2, 32º, nº 4) justifica-se certamente de um modo essencial pelo fim da descoberta da verdade material, sem prejuízo de visar igualmente o respeito das garantias de defesa (artigo 32º). Finalmente, quando o artigo 202º, nº 1 atribui aos tribunais competência para administrar a justiça, esta referência em matéria penal tem que entender-se como significando a justiça material baseada na verdade dos factos, que é indisponível, não se admitindo a condenação do arguido perante provas que possam conduzir à sua inocência. (…)
O Código de Processo não admite – com ressalva dos direitos de defesa do arguido e dos preceitos legais imperativos sobre a admissibilidade de certas provas - qualquer restrição ao poder - dever do juiz de ordenar ou autorizar a produção de prova que considere indispensável para a boa decisão de causa – isto é, para a instrução de facto ou para a descoberta da verdade material acerca dele – como se vê quando prevê expressamente o seu exercício já depois de passado o período normal de produção de prova em audiência, durante as alegações orais, que terão de ser suspensas para o efeito (artigo 360º, nº 4). O Código de Processo Penal harmoniza assim o princípio da investigação ou da verdade material, o princípio do contraditório e as garantias de defesa, de tal forma que nem o primeiro princípio nem as garantias sofrem restrição durante a audiência, mas o segundo princípio não deixa de ser aplicado a qualquer prova que o juiz considere necessária para boa decisão de causa, apesar da posição de relativa desvantagem da acusação, que dessa prova tem posterior conhecimento.

v. E, note-se, o princípio da investigação ou da verdade material não se restringe apenas ao núcleo constitutivo do objecto do processo. Por isso, o funcionamento do artigo 340º, nº 1, do C.P.Penal não se restringe à admissibilidade de meios probatórios dos factos que integrem o objecto da causa penal.
Como escreve Paulo Pinto de Albuquerque[46], “O preceito vale não apenas para decisão sobre a admissão da prova relativa ao objecto do processo, isto é, a prova para «a descoberta da verdade», mas também para a decisão sobre a prova relativa às questões e incidentes que se suscitam na pendência do processo, isto é, a prova para a «boa decisão da causa». Destarte, o preceito estabelece os critérios respeitantes à admissão da prova relativa à imputação dos factos da acusação pública ou particular e da contestação, à determinação das incriminações e das sanções e à fixação da responsabilidade civil (…). Mas também abrange a admissão da prova dos factos relevantes para a verificação dos pressupostos processuais, das nulidades, das irregularidades e das proibições de prova. Como abrange ainda a admissão da prova dos factos relevantes para a decisão sobre as questões prévias, interlocutórias ou incidentais verificadas na pendência do processo, incluindo a determinação dos factos relevantes para a verificação dos pressupostos das medidas de coacção e de garantia patrimonial e da credibilidade das testemunhas, peritos e consultores técnicos (…)”.

13. É pois com toda esta amplitude que importa averiguar da regularidade ou irregularidade da decisão de desentranhamento do documento apresentado.
Vejamos então.

i. Deverá, em primeiro lugar, atentar-se no conteúdo do documento apresentado. Trata-se de mensagem de correio electrónico, expedida no dia 3 de Julho de 2014, pelo Mandatário do arguido recorrente, Dr. FCB… (através do endereço …@adv.oa.pt), para FF…, funcionária do Supremo Tribunal de Justiça (endereçada para f@stj.pt), com o seguinte assunto: Envio de alegação de recurso em word – processo nº …/…TDLSB.E.L1 – quebra de sigilo.
O exacto conteúdo da mensagem é o que segue: Exm.ª Senhora FF…, Na sequência da chamada telefónica que efectuou ontem para o meu escritório, que muito agradeço, sou a remeter-lhe cópias em formato «word» das alegações correspondentes aos recursos que tramitam por apenso junto desse Supremo Tribunal de Justiça com o nº em epígrafe, solicitando-lhe o favor de as transmitir logo que possível ao Exm.º Senhor Juiz Conselheiro Relator a quem foram distribuídos os autos. Com os melhores cumprimentos, FCB… – Advogado.
Como resulta do teor do documento, a mensagem de correio electrónico terá seguido com dois anexos, ambos ficheiros word com a extensão “docx”.

ii. Com esta natureza e conteúdo, o documento apresentado não visou fazer “prova relativa ao objecto do processo”.
A sua apresentação não foi dessa forma entendida pelo Tribunal “a quo”, nem tal propósito foi alguma vez afirmado pelo arguido recorrente.
Na verdade, a decisão recorrida, que indeferiu a arguição de irregularidade oposta ao despacho que não admitiu nos autos o documento em apreço e determinou o seu desentranhamento, partiu do pressuposto que o documento apresentado visava fazer prova de circunstâncias atinentes aos requerimentos formulados sob as alíneas a) e b) no petitório do requerimento de fls. 46848 a 46858, como resultava do teor do requerimento que o próprio arguido, ora recorrente, formulou.

iii. Como supra dissemos logo no início desta apreciação, bem andou o Tribunal a quo ao considerar que o pedido de junção do documento em apreço se prendia com os demais pedidos formulados (alíneas a e b) no mesmo requerimento.
Sucede que o Tribunal considerou que o documento não deveria ser admitido, por irrelevância, tendo mantido esse entendimento quando arguida a irregularidade da decisão.

iv. A irrelevância constitui um dos fundamentos previstos na al. b) do nº 4 do artigo 340º do Código de Processo Penal para o indeferimento dos requerimentos de prova apresentados ao abrigo do nº 1 do mesmo preceito legal.
Uma vez mais citando Paulo Pinto de Albuquerque[47], diremos que “a prova é irrelevante quando respeita a factos estranhos ao objecto do processo ou a factos que, mesmo se provados, não teriam qualquer influência na decisão”.

v. Tendo em consideração o conteúdo do documento apresentado, mostra-se efectivamente correcto o entendimento de que o mesmo é irrelevante para a apreciação das pretensões apresentadas em a) e b) no requerimento de fls. 46.848 a 46.858.
E nem mesmo o recorrente afirma o contrário – tal como se fez na decisão recorrida, sublinha-se também aqui que, no requerimento em que arguiu a irregularidade do despacho de desentranhamento, mencionou admitindo-se que o documento oferecido não tem em tese relevância para as questões apreciadas no douto despacho antecedente”, para depois, nas suas conclusões deste recurso afirmar dever-se-á considerar que, se o mail junto não releva directamente para a apreciação do requerido nas alíneas a) e b) do requerimento do Arguido de 3.07.14, o que é certo é que o requerido em c) – a junção do próprio mail – consubstancia em si um requerimento autónomo dos demais, cuja oportunidade e relevância não depende do requerido em a) e b” (conclusão 3ª) e ao contrário do que se entendeu na douta decisão recorrida o requerimento para a junção de tal documento não é instrumental relativamente ao requerido em a) e b), nem nunca o Arguido o afirmou (conclusão 4ª).

vi. O que o arguido afirma, e por isso se insurge contra a decisão recorrida, é que o documento tem uma relevância autónoma - “tal documento é sem dúvida relevante para a boa apreciação da causa e [para] informar a tramitação dos autos por representar a materialização intra-processual de um acto de colaboração com o Tribunal, atinente ao exercício legítimo do direito ao recurso já antes sugerido como sendo abusivo (pois que o "venire" é uma modalidade do abuso de direito[)], sendo tal documento ainda relevante para que, face à concreta e superveniente documentação da célere tramitação imprimida ao recurso pendente junto do STJ ao qual o documento se reporta, o tribunal (ou os tribunais superiores) possa(m) ajuizar - à luz de todas as teses e mesmo que discordando com os meios da defesa - sobre a necessidade actual e futura da manutenção da cadência dos trabalhos, face à já alegada desnecessidade da mesma, em sede de compressão adequada dos interesses constitucionalmente consagrados, já defendida pelo arguido.”.

vii. Também nesta alegada perspectiva de relevância autónoma, entendeu o Tribunal a quo que o documento era irrelevante – note-se que a decisão recorrida não indeferiu a irregularidade por falta de indicação do preceito processual penal alegadamente violado, mas sim por irrelevância do meio de prova apresentado, afirmando-se a sua falta de importância.

viii. Mais uma vez consideramos que bem andou o Tribunal a quo.
É de irrelevância o conteúdo do documento apresentado, mesmo quando se faça o mais amplo esforço de aceitação dos propósitos probatórios afirmados pelo arguido recorrente.
Na verdade, com o conteúdo da mensagem de correio electrónico em apreço, sempre se deverá concluir que ali apenas são referidos factos que, mesmo se provados, não teriam qualquer influência na decisão de uma qualquer questão incidental a apreciar nos autos.

ix. Efectivamente, o documento apenas permite demonstrar o cumprimento do dever de diligência por parte do Mandatário do arguido recorrente, atestando que prontamente forneceu ao Supremo Tribunal de Justiça os ficheiros “word” das alegações de recurso, o que, como bem assinalou o Ministério Público na sua resposta, se deve reconduzir à observância do disposto no artigo 103º do Estatuto da Ordem dos Advogados vigente à data.

x. Ao contrário do sugerido pelo recorrente, o documento não permite ir mais além, não se podendo dele extrair, relativamente ao arguido, um acto de colaboração com o Tribunal, tal como não se poderá dele extrair qualquer inferência quanto à célere tramitação imprimida ao recurso pendente junto do STJ com relevância para se apreciar da necessidade actual e futura da manutenção da cadência dos trabalhos, face à já alegada desnecessidade da mesma.

14. Aqui chegados, impõe-se concluir pela notória irrelevância do documento para a boa decisão da causa e, consequentemente, pela necessidade de se manter inalterada a decisão recorrida, uma vez que a decisão de desentranhamento não violou qualquer preceito processual penal, antes correspondendo ao adequado cumprimento do disposto no artigo 340º, nº 4, al. b), do Código de Processo Penal.

                                                    *
6º - Apreciação do despacho de fls. 46.951 a 46.958, que indeferiu o requerimento de fls. 46.920 a 46.926, no qual era peticionada a incorporação nos autos da documentação constante do “apenso informático 33”, bem como a notificação da mesma ao arguido e ainda que fossem dadas sem efeito as datas designadas para inquirição das testemunhas por si arroladas, bem como a condenação em taxa sancionatória excepcional de 3 UC. (recurso interposto pelo arguido JO…).

1.  Pelo arguido jo…, foi requerido a fls. 46.920 a 46.926, o seguinte:
Nestes termos, e nos melhores de direito aplicáveis, deverá ser ordenada a imediata execução do douto Despacho de 13.12.2012, de fls. 36258 e seguintes e, por conseguinte, deverá a documentação referida nesse Despacho ser incorporada nos autos principais e notificada aos sujeitos processuais, entre os quais o Arguido ora Requerente, em ordem a que estes possam exercer cabalmente o contraditório e a sua defesa, documentação constante do “apenso informático 33” que tem vindo a ser produzida ao longo do julgamento e que, a final, poderá (ou não) servir de prova dos factos constantes da pronúncia e das contestações, em sede de fundamentação de acórdão, com a indicação dos “caminhos” para a localização da documentação no apenso informático 33 e da factualidade e da pronúncia ou contestações em relação à qual essa mesma documentação poderá relevar ou ter importância.
Mais requer que até que tal documentação seja notificada ao Arguido sejam dadas sem efeito as datas designadas para a inquirição das Testemunhas por si arroladas de forma a que, com a inquirição das testemunhas de defesa e através da mesma, o Arguido possa exercer o contraditório quanto a tal documentação.

2. Por despacho proferido  a fls. 46.951 e seguintes, foi indeferido o requerido.

3. Esse despacho tem o seguinte teor:
Fls. 46920 a 4926 (requerimento do arguido OC… – interrupção da inquirição das suas testemunhas de defesa), fls. 46943 a 46946 (resposta do M.P.) e fls. 46947 a 46950 (resposta dos assistentes):
Requer o arguido: (…)
Pelo despacho de fls. 46928 determinou-se a notificação do M.P. e dos assistentes para, querendo, no prazo de 24 horas se pronunciarem quanto ao requerido.
O M.P. respondeu a fls. 46943 a 46946, concluindo que “por demais descabido, o requerimento do arguido OC… aqui respondido deve ser totalmente indeferido com a devida consequência legal”.
Responderam igualmente os assistentes a fls. 46947 a 46950, pronunciando-se também no sentido de ser indeferido o requerido.
Cumpre decidir:
Em primeiro lugar:
Ainda que fosse de deferir o requerido pelo arguido, o que não é o caso, a indicação dos “caminhos” para a localização da documentação do apenso informático 33 que tem vindo a ser produzida/mostrada ao longo do julgamento, a sua junção aos autos em suporte físico/papel e notificação aos sujeitos processuais, não teria quaisquer consequências a nível do prosseguimento da inquirição das testemunhas de defesa determinada por despachos anteriores, ou seja, não seria por causa disso que, como pretende o arguido, seriam “dadas sem efeito as datas designadas para a inquirição das testemunhas por si arroladas”.
O Julgamento seguiria o seu modo normal e, após terem sido indicados os “caminhos” dos documentos, estes incorporados nos autos principais e notificados que fossem os sujeitos processuais dos mesmos, o arguido sempre poderia, querendo, requerer o que tivesse por conveniente para o exercício cabal da sua defesa, incluindo a reinquirição de alguma testemunha em ordem a confrontá-la com um ou vários documentos e inquiri-la nesse âmbito.
Segundo:
Quanto ao despacho de fls. 36258 e segs. invocado pelo arguido, o mesmo retira do mesmo ilações que não resultam do seu teor.
O mesmo foi proferido ao abrigo do princípio da colaboração do Tribunal com todos os sujeitos processuais, enunciando o desiderato pretendido, mas ao qual, legalmente, não está vinculado, porque vai muito além do mínimo exigido no âmbito daquele princípio e, adjectivamente, não há nada na lei que o imponha.
Porventura olvidará o arguido alguns trechos do despacho em causa, a saber:
“(…) ser entendimento do Tribunal que o exercício do contraditório e do direito de defesa em relação à documentação constante do apenso informático 33 se bastaria com a disponibilização de cópia do mesmo a qualquer sujeito processual que o requeresse (…).”
(…) é firme propósito do Tribunal (…)”, o que não significa, necessariamente, que possa e tenha que fazer.
Acresce que, o que no despacho em causa se diz é que a incorporação física (suporte papel) de documentos informáticos do apenso 33 era feita em ordem a que os sujeitos processuais pudessem exercer cabalmente o contraditório e o direito de defesa.
Ora, o exercício destes direitos não está dependente da junção aos autos, de “atacado”, de todos os documentos do apenso 33 que possam servir de fundamentação no Acórdão, valendo aqui o sobredito no ponto primeiro, isto é, à medida que fossem juntos, os sujeitos processuais sempre poderiam requerer o que tivessem por conveniente para a sua defesa, incluindo a reinquirição de testemunhas em ordem a confrontá-las com um ou vários documentos e inquiri-las nesse âmbito.
De modo algum teria a virtualidade, como pretende o arguido, de suspender/interromper a inquirição das testemunhas de defesa e que as datas para a sua inquirição ficassem sem efeito.
Por outro lado, como decorre do exposto, o despacho em causa é processualmente orientador e proferido no âmbito do princípio da colaboração.
Aliás, no âmbito deste tão “invocado” princípio de colaboração, neste momento, impõe-se dizer o seguinte:
Atento o volume (GB) do apenso informático 33 o Tribunal não pode, actualmente, de modo algum garantir que todos, alguns, ou muitos dos documentos daquele apenso em que se estribará para fundamentar o Acórdão irão ser incorporados nos autos em suporte físico (papel) e notificados aos sujeitos processuais.
Nem a tal está legalmente vinculado.
Aliás, em tese, o Tribunal até poderá não fundamentar o Acórdão com quaisquer documentos do apenso informático 33.
O que, para demonstrar a natureza irrazoável do pretendido pelo arguido, nos leva a um ponto:
Terceiro:
É que, como resulta do próprio Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 110/2011 – posição à qual aderimos integralmente -, disponível em www.tribunalconstitucional.pt, citado pelo próprio arguido:
«O artigo 355.º do CPP contém a regra geral da proibição de valoração de prova não produzida ou examinada em audiência. Na interpretação deste preceito, em conjugação com a alínea b) do n.º 1 do artigo 356.º, levantaram-se dúvidas na prática judiciária sobre se os documentos constantes do processo têm de ser expressamente examinados em audiência para poderem ser valorados na fixação da matéria de facto. O acórdão recorrido seguiu o entendimento jurisprudencialmente firmado a este propósito (cfr. Simas Santos e Leal Henriques, Código de Processo Penal Anotado, II Vol., anot. ao artigo 355.º). Segundo este entendimento quase unânime, não se tratando de autos de inquérito ou de instrução cuja leitura seja proibida, como sucede com aqueles que contenham declarações do arguido, do assistente, das partes civis ou de testemunhas e na medida em que os contenham [alínea b) do n.º 1 do artigo 356.º do CPP], os documentos constantes do processo podem e devem ser valorados pelo tribunal, independentemente da sua leitura em audiência.
Ora, o Tribunal já apreciou esta vertente ou este aspecto geral da questão agora sujeita no Acórdão n.º 87/99, disponível em www.tribunalconstitucional.pt.
Como aí se disse, este entendimento não obsta a que as partes participem na produção da prova em audiência, contribuindo para iluminar todos os aspectos relevantes para descoberta da verdade. Tratando-se de documentos que foram juntos com a acusação, o arguido teve todas as possibilidades de os questionar, podendo ainda, na própria audiência, provocar a sua reapreciação individualizada para esclarecer qualquer ponto da sua defesa relativamente à qual entenda que isso seria necessário. Não é, porém, indispensável à satisfação da exigência de que processo assegure todas as garantias de defesa a leitura de toda a prova documental pré-constituída e junta ao processo. Quanto a este tipo de prova, o princípio do contraditório há-de traduzir-se em ter necessariamente de facultar-se à parte não apresentante a impugnação, quer da respectiva admissão, quer da sua força probatória.
Com efeito, a consagração constitucional do princípio do contraditório significa, no que à fase de julgamento respeita, que nenhuma prova deve ser aceite em audiência, nem alguma decisão deve aí ser tomada pelo juiz, sem que previamente tenha sido dada uma ampla e efectiva possibilidade ao sujeito processual contra o qual ela é dirigida de contestar a sua admissibilidade, de a discutir e de a valorar. Ora, relativamente a documentos que constem do processo e que tiverem sido indicados na acusação como meio de prova, a respectiva leitura ou exibição pública ritualística, embora se reconheça que poderia servir para realizar de modo mais intenso os objectivos do princípio da publicidade da audiência, nada acrescentaria no capítulo das oportunidades de defesa do arguido. Seria, “um verdadeiro “simulacro” de “constituição” no decurso daquele acto processual de uma prova que, afinal, já existia, de modo anterior e autónomo relativamente ao processo penal em questão». (sublinhado nosso)
Quarto:
E não se diga que o apenso informático 33 não é um documento para, com base nisso, se exigir a indicação dos “caminhos” dos vários ficheiros/documentos de que é composto e a sua incorporação nos autos, em suporte físico (papel).
Na verdade, o “apenso informático 33” é, efectivamente, um documento.
Com efeito, como resulta do mesmo Acórdão do Tribunal Constitucional já citado:
«(…) a lei processual penal adopta uma noção ampla de documento, considerando como tal toda a declaração, sinal ou notação corporizada em escrito ou qualquer outro meio técnico nos termos da lei penal (artigo 164.º do CPP). Esta remissão integrativa para a lei penal significa que se considera documento qualquer “declaração corporizada em escrito, ou registada em disco, fita gravada ou qualquer outro meio técnico, inteligível para a generalidade das pessoas ou para um certo círculo de pessoas, que, permitindo conhecer o emitente, é idónea para provar facto juridicamente relevante, quer tal destino lhe seja dado no momento da sua emissão quer posteriormente; e bem assim o sinal materialmente feito, ou posto numa coisa para provar facto juridicamente relevante e que permite reconhecer à generalidade das pessoas ou a um certo círculo de pessoas o seu destino e a prova que dele resulta” [artigo 255.º, alínea a), do CP].» (sublinhado nosso)
Em resumo, legalmente:
O tribunal não tem, agora, de indicar os “caminhos” dos documentos constantes do apenso informático 33 que foram analisados em sede de audiência de julgamento.
Configurando este apenso informático 33 um documento, muito menos tem a obrigação de incorporar nos autos principais os vários documentos que foram analisados em audiência de julgamento.
O exercício do contraditório e da defesa dos arguidos, como resulta do mencionado Acórdão do Tribunal Constitucional basta-se com o facultar-se à parte não apresentante a impugnação, quer da respectiva admissão, quer da sua força probatória.
Para tanto, não é necessário a indicação dos “caminhos” nem a incorporação dos documentos em papel nos autos principais.
O arguido tem acesso integral ao apenso informático 33 e, deste modo, querendo, poderá impugnar como entender, quer a admissão dos documentos, quer a sua força probatória.
Quinto:
Atente-se que o que o arguido pretende é a indicação dos “caminhos”, a incorporação nos autos principais e a notificação aos sujeitos processuais a “documentação constante do apenso informático 33 que tem vindo a ser produzida ao longo do julgamento”. (sublinhado nosso)
Entendendo-se este “produzida” como “mostrada” em audiência ou o confronto das testemunhas com o seu teor ou a sua inquirição sobre o seu teor (atente-se que em todas as actas das sessões de julgamento, sempre que tal ocorreu, consignou-se que foram “exibidos à testemunha documentos do apenso informático 33” ou “a testemunha foi confrontada com os documentos que foram sendo exibidos e que se encontram juntos aos autos (…) do apenso informático 33”), mostra-se manifesto que o arguido teve oportunidade de exercer plenamente, em audiência, a sua defesa no que concerne a esses documentos e o contraditório quanto aos mesmos documentos, aliás, desiderato que continua a estar inteiramente ao seu alcance com a inquirição das testemunhas por si arroladas.
Porém, mesmo que assim não se entenda (pontos 4º e 5º supra), o pretendido pelo arguido é completamente redundante porque já foi plenamente alcançado e cumprido.
Com efeito:
Sexto:
O apenso informático 33 e os documentos (informáticos) de que é composto constam dos autos desde a fase de inquérito.
O arguido em 24.3.2011 requereu que lhe fosse facultada cópia digital do apenso informático 33 para preparar a sua defesa (v. requerimento de fls. 30688).
A cópia do apenso informático 33 foi determinada pelo despacho de fls. 30771 e 30772 e a sua entrega pelo despacho de fls. 31180 a 31182, entrega que se concretizou em 18.7.2011 (v. cota de fls. 31728), ou seja, sensivelmente há 3 anos, na pessoa do Dr. FBa…, um dos ilustres mandatários subscritores do requerimento em apreço e mandatário do arguido OC….
O tribunal disponibilizou a todos os sujeitos processuais informações sobre dois programas informáticos que permitem, em segundos, por “palavras-chave”, de forma simples e intuitiva, pesquisar centenas de milhares de documentos que constam daquele apenso informático (v. despachos de fls. 35052 e segs. e 35429 e segs.), pesquisa que, com o uso daqueles programas, mostra-se muito mais rápida, simples e agregada do que aquela que seria conseguida através da consulta física dos documentos, caso os mesmos fossem integrados nos autos principais.
Todos os documentos do apenso informático 33 que foram analisados e mostrados em sede de audiência, foram projectados numa tela, de forma a que a sua visualização pudesse ser feita em simultâneo por todos os sujeitos processuais, sendo que, o arguido tinha na sua posse uma cópia integral daquele apenso, seguindo ou podendo seguir e também visualizar no seu próprio computador pessoal esses mesmos documentos.
Em relação a todos os documentos que constam do apenso informático 33 exibidos, deste modo, em sede de julgamento, pelo Tribunal, acusação e até pela própria defesa, como resulta inequivocamente da gravação das sessões de julgamento, sempre o Tribunal indicou os respectivos “caminhos”/localização, aliás, exibindo-os em documentos word, dando tempo e permitindo que cada um dos sujeitos processuais transcrevesse a respectiva localização.
O próprio arguido, nas suas instâncias e contra instâncias, através deste procedimento, exibiu dezenas de documentos do apenso informático 33, indicando sempre, porque isso sempre foi exigido a todos os sujeitos processuais, os “caminhos” desses documentos.
Vale o exposto por dizer que o Tribunal assegurou integralmente o contraditório e a defesa do arguido em relação aos documentos do apenso informático 33 que foram exibidos em sede de audiência de Julgamento.
Como bem refere o M.P. a fls. 46944 e 46945 “nestas circunstâncias, o pedido do arguido OC… para que agora, precisamente agora, lhe seja facultada, supõe-se que seja em suporte de papel, toda a documentação do denominado apenso informático 33 junto aos autos que foi exibida em audiência de julgamento, configura uma (…) pretensão que, para mais não dizer, não tem qualquer sustentação lógica e legal”.
Sétimo:
Face ao exposto, resta tão só concluir que o desiderato pretendido pelo arguido com o que agora coloca à apreciação do tribunal, como bem refere o M.P. (fls. 46943) consiste em repetir “argumentos que já usou e vem repetidamente usando, os quais se reconduzem à posição de discordância do despacho atinente ao prosseguimento da produção da prova com inquirição das testemunhas oferecidas pelos arguidos, o que desde logo evidencia que aquele arguido intenta agir, por outro modo, o mesmo efeito que buscou quando arguiu a irregularidade daquele despacho”.
Ou seja, pretende, neste momento, simplesmente que a sua prova (inquirição das testemunhas por si arroladas) não seja produzida, com propósitos manifestamente dilatórios e com riscos para a perda da eficácia da prova já produzida ao longo de um julgamento que dura há mais de três anos e meio, sendo, por isso, a sua pretensão/requerimento – o que ocorre pela primeira vez nos presentes autos – merecedor da cominação de uma taxa sancionatória excepcional (arts. 521º, n.º 1 do C.P.P., 447º-B, al. a) do C.P.C. e 10º do RCP).
Pelo exposto e razões aduzidas, e por se apresentar manifestamente dilatório e sem fundamento legal, decide-se:
1) Indeferir integralmente o requerido pelo arguido OC… a fls. 46920 a 46926;
2) Condenar o arguido OC… numa taxa sancionatória excepcional de 3 (três) UC´s;

4. Inconformado, o arguido jo… interpôs recurso desse despacho (vide fls. fls. 47.635 e segs), pedindo que seja:
a) Revogado o douto despacho datado de 11.07.14, no qual se decidiu indeferir integralmente o requerido pelo Arguido, ora Recorrente, a fls. 46.9120 a 46.916 e condenar o mesmo numa taxa sancionatória excepcional de 3 (três) UC´s, bem como toda a tramitação posterior à decisão de 11.07.14 cuja manutenção seja incompatível com a revogação daquela;
b) Deverá a decisão ora recorrida ser substituída por outra que defira na íntegra o requerido pelo Arguido a fls. 46.9120 a 46.916 e, assim, ordene:
b.1) a execução do douto Despacho de 13.12.2012, constante de fls. 36258 e seguintes e, por conseguinte, que seja incorporada nos autos principais e notificada aos sujeitos processuais, entre os quais o Arguido, ora Recorrente, em ordem a que estes possam exercer cabalmente o contraditório e os Arguidos a sua defesa, relativamente à documentação constante do “apenso informático 33” que foi produzida ao longo do julgamento e que, a final, poderá (ou não) vir a servir de prova dos factos constantes da pronúncia e/ou das contestações, em sede de fundamentação de acórdão, com a indicação dos “caminhos” para a localização da documentação no apenso informático 33 e da factualidade da pronúncia ou contestações em relação à qual essa mesma documentação poderá relevar ou ter importância.
b.2) Mais requer que seja anulada a tramitação posterior à prolação do douto despacho recorrido de forma e que tudo se possa vir a passar/reconstituir como se tivessem sido dadas sem efeito as datas designadas para a inquirição das Testemunhas arroladas pelo Arguido, ora Recorrente, e marcadas novas datas para esse efeito, de forma a que este, com a inquirição das suas Testemunhas de defesa e através da mesma, possa desde logo e de forma cabal exercer o contraditório quanto à documentação exibida em Audiência de julgamento até 11.07.14, ou pelo menos àquela que, dentro a mesma, seja julgada como potencialmente relevante para a decisão final;
b.3) Sendo anulada toda a tramitação processual posterior ao douto despacho recorrido datado de 11.07.14, deverá ser anulada toda a produção de prova que haja posteriormente ocorrido sem que fosse dado cumprimento ao procedimento anunciado oficiosamente e iniciado em 13.12.12, reiterado e implementado em 26.03.13 e novamente garantido em 9.12.13 relativamente à documentação exibida em Audiência de julgamento até 11.07.14, ou pelo menos àquela que, dentro da mesma, seja considerada como potencialmente relevante para a decisão final, anulando-se ainda o Acórdão que venha a ser proferido baseado nessa mesma prova;
Se assim não se entender, sem que se conceda e de forma subsidiária ao peticionado em b):
c)  Caso se venha a entender que é manter o indeferimento do adiamento da inquirição das Testemunhas de defesa marcadas à data do despacho recorrido, deverá ser no mínimo assegurado ao Arguido, ora Recorrente, o cumprimento pelo Tribunal “a quo” até ao final do julgamento do procedimento anunciado oficiosamente e iniciado em 13.12.12, reiterado e reimplementado em 26.03.13 e novamente garantido em 9.12.13., determinando-se que o Tribunal “a quo” se encontra obrigado perante todos os sujeitos processuais, e em concreto perante o Arguido, ora Recorrente, a proceder à implementação do procedimento pré-estabelecido pelo douto despacho de 13.12.12, sob pena de não poder valorar qualquer prova contida no apenso informático 33 que não tenha sido sujeita a tal procedimento, ou seja, a proceder “à incorporação dessa documentação nos autos principais e à sua notificação aos sujeitos processuais, sem prejuízo de, sempre que tal ocorra, concomitantemente se comunicar aos mesmos os “caminhos” para a localização da documentação no apenso informático 33 e se informar a factualidade da pronúncia ou contestações em relação à qual essa mesma documentação poderá relevar ou ter importância”, de forma a permitir aos mesmos o exercício do direito ao contraditório e aos Arguidos o exercício cabal dos seus direitos de defesa relativamente à documentação do apenso informático 33 que o Tribunal “a quo” pretenda vir a utilizar na fundamentação do Acórdão, anulando-se ainda o Acórdão que venha a ser proferido sem que tal aconteça;
d) Mesmo que assim não se entenda, sempre sem conceder, deve em qualquer caso ser revogada a douta decisão recorrida quanto ao segmento decisório em que se condenou o Arguido, ora Recorrente, no pagamento de uma taxa sancionatória excepcional de 3 (três) UC´s por não se verificar nenhum dos requisitos legais cumulativos para o efeito.

5. O recurso foi admitido (fls. 47688) e determinada a sua subida diferida, com o recurso que pusesse termo à causa, nos próprios autos e com efeito meramente devolutivo.

6. O arguido extraiu da motivação as seguintes conclusões:
1.º - O douto despacho recorrido fundamentou o indeferimento do requerimento do arguido, a fls. 46.920 a 46.926, em diversos argumentos aos quais, com a devida vénia, não pode o Recorrente aderir.
2.º - Como consta dos autos a fls. 46.527 a 46.560 o Tribunal ordenou, por despacho datado de 26.06.14, a inversão da ordem legal da produção de prova, expressa no artigo 341.º do CPP, determinando o início da inquirição das Testemunhas arroladas pela defesa do Arguido, ora Recorrente, antes de ouvidas as Testemunhas arroladas pela acusação e as ordenadas por aditamento às mesmas, o que fez por douto despacho de 26.06.2014, através do segmento decisório relativo à questão apreciada de fls. 46.552 a fls. 46.560.
3.º - Pese embora a prova da acusação ainda não tivesse terminado, se foi este o momento em que o Tribunal “a quo” entendeu que a defesa do Arguido deveria antecipadamente produzir a sua defesa e, sem qualquer prejuízo, “contrariar as provas produzidas em seu desfavor”, então, será esta a ocasião processual adequada para o Tribunal dar cumprimento ao douto despacho de 13.12.12, sendo certo que já o tinha feito por duas vezes, uma primeira através do próprio despacho de 13.12.12 e uma segunda através do douto despacho de 26.03.13, a fls. 38.182/3, que deu como integralmente reproduzido o primeiro.
4.º - E daí que, o Arguido, atenta a enorme complexidade dos autos, pese embora discordando do decidido em 26.06.14 e reservando-se ao direito de fazer reapreciar tal decisão, tenha requerido através de requerimento de fls. 46.920 a 46.926 que, em cumprimento do douto despacho de 13.12.12, que se dá como integralmente reproduzido, lhe fosse notificada a documentação constante no apenso informático 33 exibida (até àquela data) em audiência de julgamento, com a indicação dos respectivos caminhos e da factualidade para a qual o Tribunal “a quo” a reputa como potencialmente relevante.
5.º - À data do requerimento do Arguido o Tribunal “a quo” deixara, sem qualquer pré-aviso ou indício de que o iria fazer, de dar cumprimento ao despacho de 13.12.12 há mais de um ano e quatro meses, e isto sem prejuízo de se ter convictamente reiterado no douto despacho de 9.12.13 a intenção de continuar a implementar o prometido procedimento, ou seja, cerca de sete meses antes do douto despacho recorrido, datado de 11.07.14.
6.º - No elevado número de sessões de julgamento entretanto realizadas foi exibida inúmera documentação constante do apenso informático 33 sem que quanto a ela, pese embora o tempo entretanto decorrido, tivesse sido implementado o procedimento em referência.
7.º - Ora, atento o teor do douto despacho de 13.12.12, que a douta decisão ora recorrida qualifica como “processualmente orientador”, o Arguido manteve intocável até 11.07.14 a titularidade do direito ou, “ad minimo”, a expectativa legítima, a que fosse levado a cabo o prometido procedimento e só por isso requereu em 8.07.2014 - face à marcação de dia e hora para a inquirição de várias das suas Testemunhas de defesa - que o Tribunal desse cumprimento ao seu despacho de 13.12.12.
8.º - Por o Tribunal ter tido tempo suficiente para implementar o procedimento prometido (ao menos quanto à documentação já exibida) e por o mesmo se mostrar adequado ao momento processual a que se chegara - de produção da prova pela defesa -, discorda o Arguido, ora Recorrente, do entendimento vertido no douto despacho recorrido de que, mesmo que fosse de implementar o anunciado e já iniciado procedimento de notificação, tal não deveria ter quaisquer consequência a nível do prosseguimento da inquirição das Testemunhas de defesa.
9.º - É exactamente antes de o Arguido inquirir as suas Testemunhas de defesa que existindo a estipulação de regras e procedimentos anteriormente fixadas por decisão transitada para cumprimento do contraditório sobre documentação não incorporada nos autos principais e potencialmente relevante para os mesmos que tais regras e procedimentos deverão ser cumpridos;
10.º - Sob pena de se forçar o Arguido, nas vésperas de ter de inquirir as suas Testemunhas, a proceder a uma inesperada, gigantesca, inexigível e inevitavelmente errática busca e análise de todos os documentos potencialmente relevantes para a decisão final, e na sequência de tal hercúlea tarefa, à tentativa necessariamente incompleta e eventualmente inútil de formulação de perguntas sobre todos eles, quando não se sabe (pese embora o tempo decorrido desde a sua exibição) se o Tribunal entendeu não os incorporar nos autos principais até àquela data (i) por não os considerar potencialmente relevantes ou importantes para a factualidade da pronúncia ou das contestações, ou (ii) se pura e simplesmente não o fez ainda e pretende fazê-lo em data posterior, sem esquecer que o Tribunal “a quo” se auto-vinculou a “só levará[ar] em consideração a [documentação] que seja incorporada nos autos principais e notificada aos sujeitos processuais, em ordem a que estes possam exercer cabalmente o contraditório e a sua defesa”.
11.º - Se pese embora o tempo decorrido o Tribunal “a quo” considerasse que não tinha ainda condições para implementar a totalidade da solicitada notificação deveria reconhecê-lo, ao invés de negar de forma inaceitável o procedimento a que se obrigou. Deveria esforçar-se por dar célere cumprimento ao procedimento prometido e proceder à desmarcando as Testemunhas de defesa marcadas, assegurando até lá a validade da prova através da reinquirição oficiosa de uma ou mais Testemunhas de acusação, solução que o Tribunal “a quo” veio implicitamente a implementar com as Testemunhas SN… e PS…, respectivamente, nas sessões de julgamento realizadas nos dias 15.07.14 e 11.08.14, face à recusa do Arguido, ora Recorrente, em inquirir as Testemunhas por si arroladas, por não se conformar quer com a alteração da ordem legal da produção de prova, quer com o ostensivo não cumprimento do douto despacho de 13.12.12;
12.º - E, nesse mesmo caso, sem conceder e por mera cautela de patrocínio, dever-se-ia a limite e caso se prosseguisse com a inquirição das Testemunhas de defesa, relegar para momento posterior a implementação do procedimento em falta, garantindo ao Arguido o direito de reinquirição das suas Testemunhas em ordem a confrontá-las com um ou vários documentos e inquiri-las nesse âmbito.
13.º - Ao contrário do que se entendeu ser o caso, face ao concreto conteúdo do douto despacho de 13.12.12, o Tribunal “a quo” encontra-se legalmente vinculado ao cumprimento do mesmo, desde logo em obediência ao velho brocado latino “pacta sunt servanda” e ao princípio da lealdade processual e das exigências de um “due process of law” (artigo 20.º, n. 4, da CRP e 6.º da CEDH).
14.º - Os principais corolários do princípio geral da segurança jurídica são a proibição de normas retroactivas restritivas de direitos ou interesses juridicamente protegidos, a inalterabilidade do caso julgado e a tendencial estabilidade dos casos decididos através de actos administrativos constitutivos de direitos.
15.º - Como frisa a Exm.ª Senhora Juíza Conselheira Maria Lúcia Amaral “para os cidadãos, a actuação dos poderes públicos deve ser sempre uma actuação antevisível, calculável e mensurável”, pelo que “num Estado de Direito, as pessoas devem poder saber com o que contam” (19) e “as relações entre o poder e os seus destinatários têm por isso que ser fundadas a partir da ideia segundo a qual o comportamento dos poderes públicos deve ser um comportamento confiável” (20).
16.º - Conforme se decidiu no douto acórdão do TRP, datado de 21.06.2013, “Da ideia do Estado de Direito, que a Constituição consagra logo no art.º 2º, decorre o princípio da lealdade processual, com assento também no art.º 10º da DUDH e 6ª da CEDH, vigentes em Portugal, art.º 8º da Constituição. Lealdade que se traduz sinteticamente em que o tribunal não pode entrar em contradição com posições por si anteriormente assumidas no processo e nas quais qualquer um dos restantes sujeitos processuais confiou: a situação de confiança que o tribunal criou proíbe-lhe afastar-se das posições que tomou[11].” (21)
17.º - Desde o douto despacho de 13.12.12 até à data do douto despacho recorrido (11.07.14), o Tribunal “a quo” deu cumprimento parcial ao prometido procedimento e às regras que pré-estabeleceu por duas vezes, sem nunca ter sequer dado a entender que algo havia ocorrido que dificultasse ou tornasse, a seu ver, supervenientemente dispensável o cumprimento integral daquelas regras e procedimento (implementado em 13.12.12 e prosseguido em 9.12.13).
18.º - Assim, ao longo da produção de prova ocorrida desde 13.12.12 e até 11.07.14, ou seja, durante mais de um ano e meio de prova, essencialmente produzida pela acusação, o Arguido, ora Recorrente, confiou sempre que fossem quais fossem os documentos exibidos (ou não) em audiência de julgamento em audiência de julgamento arquivados no apenso informático 33, os mesmos só seriam valoráveis como prova após terem sido incorporados nos autos principais e sujeitos ao procedimento de contraditório pré-definido.
19.º - E foi com tal garantia incondicional que a defesa, de boa fé e acreditando que nada negligenciava no patrocínio que lhe foi confiado, definiu quanto à documentação entretanto exibida pela acusação, pelos Assistentes e por co-Arguidos, mas não incorporada nos autos principais, o nível dos cuidados a ter na análise, na referenciação da exacta localização, na determinação da concreta relevância da mesma para a factualidade da pronúncia e/ou das contestações, bem como as necessidades de imediato contraditório da mesma e, assim, as contra-instâncias que desde logo decidiu (ou não) efectuar.
20.º - Conforme se afirmou nos doutos Acórdãos do Tribunal Constitucional n.ºs 678/98, 485/00 e 260/02: “O princípio do acesso ao direito e a garantia do processo equitativo comportam uma dimensão de segurança e previsibilidade dos comportamentos processuais, tutelando adequadamente as legítimas expectativas em que a parte fez assentar a sua estratégia processual, face à “consolidação” de fases processuais precedentes ou à utilização de determinados meios impugnatórios”.
21.º - Ora, como é evidente, tal tutela da confiança surge reforçada quando os direitos adquiridos e/ou as “expectativas” do Arguido em processo penal aparecem associadas à anterior prolação de uma decisão susceptível de constituir (como constituiu) caso julgado formal, porque não impugnada por nenhum sujeito do processo, delineando e construindo naturalmente o Arguido a sua estratégia processual ulterior à luz de uma decisão e da subsequente actuação de uma Tribunal que - justificadamente - teve por imutável.
22.º - E tais expectativas colhem particular relevo no domínio das garantias de exercício do contraditório (artigo 32.º, n.º 5, da CRP), não sendo compaginável com as exigências do “processo equitativo” a “revisibilidade” em prejuízo do Arguido da decisão que conferiu aos sujeitos processuais o direito a serem notificados de documentação que apenas se encontra em suporte digital em enorme quantidade, de forma não seleccionada ou organizada, com referência à sua localização informática e à factualidade para a qual possam relevar, para se poderem pronunciar sobre mesma e sobre as suas virtualidades probatórias quanto a determinada matéria de facto.
23.º - Sendo que, as exigências de certeza e segurança ganham ainda maior relevo quando a implementação ou não do contraditório prometido tem reflexos numa pré-anunciada (im)possibilidade de valoração de prova.
24.º - Conforme se decidiu no douto Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 44/04: “O princípio do Estado de direito impõe uma vinculação do Estado em todas as suas manifestações, e portanto também dos tribunais, ao Direito criado ou determinado anteriormente, de modo definitivo. Assim, não é legítimo que uma decisão ao abrigo da qual se constitua um direito de intervenção processual, ainda que baseada numa eventual interpretação errónea do direito, mas não arbitrária ou ela mesma flagrantemente violadora de direitos (o que, de resto, aqui não se poderá analisar nem está em causa como problema de constitucionalidade), venha a ser destruída pondo em causa o prosseguimento com boa fé da actividade processual do arguido, nomeadamente o exercício normal do seu direito de defesa.”
25.º - Assim, salvo o devido respeito, incorreu o douto despacho recorrido, através das interpretações normativas a que aderiu, na manifesta violação do princípio do Estado de Direito Democrático (artigo 2.º da CRP), do processo justo e equitativo (artigos 6.º da CEDH e 20.º, n.º 4, da CRP), bem como do princípio da tutela da segurança (artigo 8.º da CRP), encontrando-se o Tribunal de Julgamento (rectius, o Estado Português através dos seus Tribunais) obrigado a implementar o procedimento a que se auto-vinculou e, assim, a efectuar a notificação prometida da documentação constante do apenso informático 33, sob pena de definitiva e desnecessária violação dos direitos de defesa do Arguido (artigos 18.º, n.º 2 e  32.º, n.ºs 1 e 5, da CRP) que legitimamente confiou e adequou a sua defesa contando com o cumprimento de tal notificação, acreditando que se encontrava protegido contra a verificação de qualquer ““surpresa” no uso de documentação do “apenso informático 33” para a fundamentação do Acórdão”.
26.º - Acresce que, a jurisprudência constante do douto Ac. do TC n.º 110/2011 na parte citada pela douta decisão recorrida apenas é aplicável a processos de normal volume e complexidade, mas não, que conforme aí se referiu, a “processos complexos, muito volumosos ou em que a relevância do documento não seja evidente”, como é manifestamente o caso dos presentes autos, há muito declarados de especial complexidade.
27.º - No denominado apenso informático 33 encontram-se reunidos mais de um milhão de documentos e ou ficheiros informáticos, com origem em diversas buscas efectuadas a diversos locais/computadores, entre os quais documentos em formato excell (bases de dados), PDF, word, mail´s, e outros, com uma dimensão astronómica de 248 GB, alguns a que o mandatário do Arguido não consegue aceder, desconhecendo-se o seu conteúdo (por exemplo: documentos em formato Lotus Notes, e com terminação “.ost” e “.pst”), alguns que se encontram aparentemente corrompidos, desconhecendo-se o seu conteúdo (por exemplo: muitos ficheiros do Outlook, formato “.msg”), relativamente a uns e outros desconhece o Arguido se o Ministério Público, os Assistentes ou o Tribunal “a quo” conseguiu (ou conseguirá vir a) aceder ao seu teor, regenerando tais documentos, ou pela mera circunstância de terem instalados e disponíveis quaisquer programas informáticos próprios para esse efeito (ainda que comuns, mas de versões mais avançadas do que os utilizados pela defesa), alguns documentos consubstanciam uma digitalização de documentos manuscritos (em formato “pdf”) nos quais é de todo impossível efectuar busca por palavras, sendo que a maioria ou grande parte dos documentos agregados no apenso informático 33 são absolutamente inúteis ao objecto dos autos ou de difícil conexão com o mesmo.
28.º - A ausência de uma selecção e junção aos autos principais dos documentos relevantes para a eventual (des)responsabilização penal do Arguido, associada à possibilidade de o Tribunal “a quo” (ao contrário do que havia sido decidido) neles se poder fundamentar, dificulta de forma desnecessária e retroactivamente a defesa do Arguido, agigantando-a para além de limites aceitáveis, impossibilitando o Arguido de, em termos efectivos, se poder defender relativamente a centenas de milhares de documentos que comportam o que potencialmente pode interessar e aquilo que nada interessa aos autos, numa nítida violação do direito a um processo equitativo e justo (artigo 20.º, n.º 4, do CRP e 6.º da CEDH).
29.º - Conforme anota Irineu Cabral Barreto, in “Convenção Europeia dos Direitos do Homem”, Coimbra Editora, 2010, 4.ª Edição, pág. 165, “O princípio do contraditório implica que cada uma das partes seja chamada a deduzir as suas razões (de facto e de direito), a oferecer as suas provas, a controlar as provas do adversário e a discutir sobre o valor e resultados umas das outras.”
30.º - Ora, face à dimensão gigante da vertente informática dos presentes autos – via apenso informático 33 – o Arguido não consegue, com base na mesma, controlar as eventuais provas da acusação sendo que, no meio de “mais de um milhão de documentos”, alguma poderá existir que, em abstracto, contribua para a eventual responsabilização penal do Arguido, para demonstrar a sua inocência ou, por mera hipótese, o carácter diminuto ou mais intenso da sua culpa.  
31.º - Tal impossibilidade, ou extrema dificuldade, torna-se ainda mais evidente quando se constata que o Arguido tem 79 anos de idade e poucos ou nenhuns conhecimentos de informática, e isto independentemente dos esforços que o signatário possa efectuar.
32.º - Aliás, especificamente quanto à dimensão dos autos escreveu-se no douto despacho de 13.12.2012 que “não se poderá olvidar a quantidade “anormal” de informação constante do mesmo (mais de 1 milhão de documentos) o que acarretará, reconhece-se, um elevado grau de dificuldade no exercício daqueles direitos”,
33.º - Mais a mais quando - nenhum dos sujeitos processuais deste processo o poderá negar - a documentação constante do apenso 33 é exibida em audiência na maioria das sessões de julgamento.
34.º - É, por isso, de elementar justiça que o Tribunal “a quo” dê cumprimento à obrigação a que se vinculou no sentido de assegurar que a documentação relevante constante do apenso informático 33 “seja incorporada nos autos principais e notificada aos sujeitos processuais, em ordem a que estes possam exercer cabalmente o contraditório e a sua defesa”, com a indicação dos artigos da pronúncia e das contestações para os quais relevam ou podem relevar.
35.º - O que significa, por lógica evidente e coerência de raciocínio com aquilo que se afirmou em 13.12.12, que aí se reconheceu que o Arguido só poderá “exercer cabalmente o contraditório e a sua defesa” na posse dessa mesma documentação, dos respectivos caminhos e da indicação dos artigos da pronúncia e/ou das contestações para os quais relevam ou podem relevar.
36.º - Por outro lado, ao contrário do que se entendeu ser o caso, o que está essencialmente em causa (quer na decisão recorrida, quer no presente pedido de reapreciação da mesma) não é apurar se a decisão que o Tribunal “a quo” proferiu em 13.12.12 foi “baseada numa eventual interpretação errónea do direito, mas não arbitrária ou ela mesma flagrantemente violadora de direitos” (22) ou se, antes do despacho de 13.12.12, a implementação do procedimento aí prometido e o cumprimento das regras aí definidas quanto (i) ao exercício cabal do contraditório e dos direitos de defesa e (ii) à consequente (im)possibilidade de valoração da prova arquivada no apenso informático 33, era ou não legalmente devida(o).
37.º - De facto, perante o inequívoco trânsito do douto despacho de 13.12.12, o que agora está sobretudo em causa é a violação da segurança jurídica e da tutela da confiança legítima que o Tribunal “a quo” criou no Arguido, ora Recorrente, alicerçada e cimentada com os subsequentes despachos em que se deu cumprimento parcial àquela decisão ou reiterou a intenção de o continuar a fazer.
38.º - Assim, aplicando “mutatis mutandis” ao caso em apreço a jurisprudência expressa no douto Ac. do TC n.º 722/04 (23), dir-se-á que, para concluir pela improcedência do argumento de que o contraditório se cumpriria com a mera disponibilidade do documento em formato digital não há sequer que equacionar se a interpretação da lei aplicada pelo douto despacho de 13.12.12 é, ou não, a solução correcta do ponto de vista infraconstitucional ou até constitucional, tal interpretação traduzida numa decisão transitada em julgado impõe-se ao Tribunal “a quo” e aos seus destinatários como um dado adquirido a coberto da segurança e da tendencial imutabilidade que lhe é conferida pelo caso julgado, confirmada pela posterior execução parcial do mesmo efectuada através do despacho de 26.03.13 e subsequente na garantia expressa no despacho de 9.12.13 de que “outros se seguirão do mesmo teor”.
39.º - Daí que, na óptica do ora Recorrente, a incorporação dos documentos em referência e a realização da respectiva notificação da forma prometida é devida não só à luz da interpretação “conforme à Constituição” a que aderiu o douto despacho de 13.12.12 (atenta a especial complexidade dos autos e para evitar qualquer “efeito surpresa” decorrente da utilização de tal documentação ou a atribuição a um determinado documento de uma virtualidade ou abrangência probatória inesperada, assim se eliminando “uma maior dificuldade em descortinar e encontrar aquela [documentação] em que o Tribunal, em abstracto, se poderá basear para concluir pela prova (ou falta dela) da materialidade da pronúncia e contestações”), como o é sobretudo à luz do princípio da lealdade processual, da segurança jurídica, da tutela constitucional do caso julgado, dos direitos adquiridos e das expectativas legítimas.
40.º - Nem se defenda, como se faz no douto despacho recorrido, que sendo o apenso informático 33 um documento (já constante dos autos) muito menos tem o Tribunal “a quo” de incorporar nos autos principais em papel os vários documentos nele constantes que foram analisados em audiência de julgamento ou de indicar os respectivos “caminhos” uma vez que o Arguido tem acesso ao apenso informático 33, ou que se mostra manifesto que o Arguido teve oportunidade de exercer plenamente, em audiência, a sua defesa no que concerne a esses documentos, o que continua a estar à sua disposição.
41.º - Tal argumentação não pode proceder ou obstar ao cumprimento das regras e procedimento assegurados no douto despacho de 13.12.12, cuja implementação se afirmou que iria ser feita ao longo do julgamento, o que só agora se veio desdizer através do douto despacho datado de 11.07.14, justamente no momento processual subsequente ao despacho de 26.06.14 em que se entendeu que os Arguidos podiam e deviam iniciar (de forma antecipada) a sua prova e poderiam, sem prejuízo, “contrariar as provas produzidas em seu desfavor”.
42.º - A reversão de forma desfavorável aos Arguidos da decisão de 13.12.12 é implícita mas inequivocamente assumida na douta decisão recorrida aquando da utilização do advérbio “actualmente”, na qual se surpreende “a contrario sensu” o reconhecimento de que no passado, leia-se, no despacho de 13.12.12, se garantiu aos arguidos o cumprimento do procedimento e das regras antes pré-estabelecidas quanto ao contraditório e à (im)possibilidade de valoração da prova constante no apenso informático 33 aí enunciadas.
43.º - Acresce que, ainda que tal fosse legalmente permitido (e não é), não se compreende, nem se pode aceitar, o motivo avançado pelo Tribunal “a quo” para se ter passado a considerar que “Atento o volume (GB) do apenso informático 33 o Tribunal não pode, actualmente, de modo algum garantir que todos, alguns, ou muitos dos documentos daquele apenso em que se estribará para fundamentar o Acórdão irão ser incorporados nos autos em suporte físico (papel) e notificados aos sujeitos processuais.”
44.º - De facto, se a circunstância que fundamentou o despacho de 13.12.12 foi exactamente a dimensão e especial complexidade do processo (recorde-se, foi invocada a existência de mais de um milhão de documentos) não se percebe como poderá o Tribunal “a quo” agora fundamentar a decisão inversa nessa mesma inalterada circunstância (o volume de “gigabites” daquele apenso, há muito conhecido de todos), ou no facto de sempre ter diligenciado por assegurar que os sujeitos processuais tiveram a hipótese de anotar os “caminhos” de toda a documentação exibida, circunstâncias que, não sendo nem objectiva nem subjectivamente supervenientes, nada trazem de novo aos factos conhecidos em 13.12.12.
45.º - Assim, torna-se manifesto que a incorporação e notificação da documentação potencialmente relevante nos autos principais e a referência à factualidade para a qual poderá relevar é, em si, um procedimento muitíssimo facilitador do exercício do contraditório e dos direitos de defesa, cuja relevância a douta decisão recorrida descurou contrariando frontalmente posições anteriores do próprio Tribunal “a quo”.
46.º - De facto, conforme afirmou, e muitíssimo bem, o Tribunal “a quo” no douto despacho a fls. 41.608, datado de 9.12.13: “O que se declarou a fls. 36259 do despacho de fls. 36258 a 36260 e que igualmente se deixou por reproduzido no despacho de fls. 38182/3 – e reafirma – é que a documentação extraída do apenso informático 33 “poderá ter interesse” para efeitos da matéria da pronúncia elencada naqueles despachos. O desiderato último e primordial dos despachos – e outros se seguirão do mesmo teor – está devidamente explicitado nas suas fundamentações e resulta, desde logo, das epígrafes que lhe dão início: “contraditório e exercício do direito de defesa”, sendo certo que a referência nos despachos a determinada factualidade da pronúncia, visa tão só “balizar” de alguma forma a factualidade em relação à qual os documentos extraídos do apenso informático 33 poderão ter importância, ao contrário do que foi feito na acusação e pronúncia em que simplesmente se remete para o extenso acervo documental probatório constante dos autos (mais de 2 milhões de documentos) sem se cuidar, minimamente, de balizar a factualidade daquelas peças processuais a que se poderão reportar cada um ou um lote de documentos, deixando-se, assim, pela sua extensão, quase ao critério da “adivinhação” dos sujeitos processuais e do próprio Tribunal o “penoso” caminho da recíproca correspondência.”
47.º - Acresce que, se é verdade que o mandatário do Arguido, como o Tribunal “a quo”, possuem ferramentas para tentar mitigar as enormes dificuldades que decorrem da existência de um apenso digital onde está armazenada documentação em formato digital apreendida em diversas buscas, sem qualquer sistematização, selecção e ou organização, não é menos correcto que tais ferramentas não são minimamente suficientes ou infalíveis para a execução de todas as tarefas necessárias à detecção, análise e selecção de documentos, conforme aliás resulta de forma inequívoca do douto despacho datado de 5.05.13, a fls. 39.366 dos autos.
48.º - De facto, em 5.05.13, o Tribunal “a quo” pese embora:
a) na posse dos programas de busca de documentos por palavra que agora invoca;
b) dos documentos em papel cuja certificação lhe era solicitada por um outro Tribunal;
c) com referência expressa a que os mesmos foram exibidos na sessão de julgamento de 23.10.13 pela Assistente Galilei,
afirmou de forma categórica ser “quase impossível encontrá-los face à extensão da documentação constante deste apenso”, pelo que ordenou, a fls. 39.366 dos autos, a solicitação ao “Tribunal/Processo” que havia requerido a sua certificação “a indicação dos “caminhos informáticos” do “apenso 33” onde se encontram os documentos relativamente aos quais se pretende a referida certidão.”
49.º - Por outro lado, se é certo que os Advogados constituídos pelo Arguido têm o dever de, em sua representação, proceder de forma diligente, tentando anotar quer as declarações das Testemunhas, quer os caminhos dos documentos exibidos sucessivamente, por vezes às dezenas em algumas sessões de julgamento e de, simultaneamente, ponderarem e prepararem as contra-instâncias pertinentes considerando a demais prova já produzida ao longo de vários anos, ninguém desmentirá que desde 13.12.12 até 11.07.14 tais tarefas e apontamentos passaram a ser feitos à luz de uma tranquilizante garantia, caso o mandatário não apontasse por um qualquer motivo ou errasse no apontamento de um concreto “caminho” necessário para localizar no apenso informático 33 um determinado documento exibido em audiência de julgamento, na impossibilidade de o poder retirar, confirmar ou corrigir através da acta da respectiva sessão, ou de o poder encontrar nos autos físicos, caso o Tribunal “a quo” pretendesse usar tal documento na fundamentação do Acórdão, o Arguido seria sempre notificado do teor mesmo, com a indicação da respectiva localização e da potencial relevância com referência à factualidade da pronúncia e/ou das contestações, para exercer o seu contraditório relativamente ao mesmo, assim se evitando qualquer “efeito surpresa” decorrente da sua utilização.
50.º - De facto, no despacho de 13.12.12 o Tribunal “a quo” não excepcionou da submissão ao procedimento que aí pré-estabeleceu e ao qual se auto-vinculou qualquer documento que admitisse vir a valorar como prova a extrair do apenso informático 33! Nem se limitou, por exemplo, a afirmar que apenas incorporaria e notificaria aos sujeitos processuais os documentos (com a indicação dos caminhos e referência à respectiva relevância temática) que não tivessem sido exibidos em audiência de julgamento, mas todos aqueles que, não estando nos autos principais, estivessem naquele concreto suporte digital e que pudesse vir a valorar como prova.
51.º - Aliás, no prosseguimento do cumprimento parcial do despacho de 13.12.12 que o Tribunal “a quo” fez através do douto despacho datado de 26.03.2013, a fls. 38.182/3, notificou-se ao Arguido uma diversidade de documentos onde se incluem também documentos que foram exibidos em audiência de julgamento, onde se fez constar: “Prosseguindo-se o procedimento aí iniciado [leia-se, com o despacho de 13.12.12] junta-se aos autos principais a seguinte documentação, indicando-se igualmente os respectivos caminhos: (…)”.
52.º - Destarte, face à reiterada garantia efectuada oficiosamente pelo Tribunal “a quo” através de três sucessivos despachos, todos transitados em julgado, nada de estranho ou de dilatório comporta o requerimento do Arguido de fls. 46.9120 a 46.916 que se limita a peticionar que lhe seja notificada em papel a documentação exibida em audiência, com a indicação dos caminhos e da matéria para a qual no entender do Tribunal relevam, ou podem relevar, por se assumir que tendo tal documentação sido exibida no decurso do julgamento tal significa, mesmo à luz do artigo 323.º, al. f), do CPP, que “poderá ter interesse” para a descoberta da verdade material sobre matéria de facto objecto dos autos, pretendendo o Arguido, nas palavras do Tribunal “a quo” no despacho de 9.12.13, “tão só “balizar” [leia-se, que lhe seja balizada] de alguma forma a factualidade em relação à qual os documentos extraídos do apenso informático 33 poderão ter importância, ao contrário do que foi feito na acusação e pronúncia em que simplesmente se remete para o extenso acervo documental probatório constante dos autos (mais de 2 milhões de documentos) sem se cuidar, minimamente, de balizar a factualidade daquelas peças processuais a que se poderão reportar cada um ou um lote de documentos, deixando-se, assim, pela sua extensão, quase ao critério da “adivinhação” dos sujeitos processuais e do próprio Tribunal o “penoso” caminho da recíproca correspondência.” (sublinhado nosso)
54.º - Não concedendo, caso o Tribunal “a quo” considerasse que o requerido pelo Arguido aí além do estrito e rigoroso procedimento e regras pré-estabelecidas para o futuro no despacho de 13.12.12, por apenas se ter obrigado a implementar o procedimento em causa quanto à documentação por si julgada como potencialmente “relevante”, então deveria ter procedido ao indeferimento parcial do requerido deferindo a notificação da documentação já exibida que, até à data, julgasse potencialmente relevante para a decisão.
55.º - Refira-se ainda que, apesar de o Tribunal “a quo” ter diligenciado por assegurar em relação aos documentos do apenso informático 33 que foram exibidos em julgamento quer pela acusação quer pelas defesas a indicação dos respectivos “caminhos” dispensou, presume-se, por motivos de celeridade dos trabalhos, a especificação dos mesmos em acta, indicação que apenas passou a ser feita na sequência de requerimento de 11.07.14 efectuado pelo Arguido FS… na mesma sessão de julgamento em que aos Arguidos foram notificados do despacho ora recorrido, o que levou a que, nos casos em que o Tribunal “a quo” (como terá depreende-se ocorrido na sessão de julgamento de 23.10.13) ou os sujeitos processuais não conseguiram apontar de forma suficiente ou correcta os “caminhos” se tenha tornado “quase impossível encontra-los face à extensão da documentação constante deste apenso”, conforme afirmado no douto despacho de 5.05.13, a fls. 39.366.
56.º - E é nesse concreto contexto que o despacho de 13.12.12, o despacho de 26.03.13 e o despacho de 9.12.13 constituem uma inequívoca, reiterada e indispensável garantia, por todos conhecida e aceite até 11.07.14, destinada a facilitar e assegurar “cabalmente” o contraditório e a defesa, pois garantiram ao Arguido, sob pena daquela prova não ser sequer valorável, que tais direitos poderiam ser exercidos na sequência da notificação e incorporação nos autos principais daquela documentação, com referência aos respectivos “caminhos” e à matéria de facto para a qual podem relevar, garantia essa que agora foi ilegal, desnecessária e retroactivamente destruída e retirada ao Arguido, ora Recorrente, através da adopção pelo douto despacho recorrido de uma interpretação normativa manifestamente inconstitucional.
57.º - Não implementar o procedimento determinado a fls. 36.258 pressupõe não só uma gravíssima violação da tutela da confiança legítima conferida à palavra do Tribunal como “elevar os deveres de diligência da defesa a um tal patamar [que se] traduzir-se-ia na imposição de um ónus a cargo do arguido que pode gerar [como “in casu” gera] compromisso para as garantias do processo penal, com risco de um inocente poder vir a ser condenado por causa de não ter apresentado a sua versão quanto ao significado desse documento ou de lhe não ter oposto contraprova” (24).
58.º - Assim, face à assumida gigantesca dimensão e complexidade dos autos, é falso que o intuito do Arguido seja que a sua prova (inquirição das Testemunhas por si arroladas) não seja produzida com propósitos manifestamente dilatórios e com riscos para a perda da eficácia da prova já produzida, ou que o requerimento de fls. 46.920 a 46.926 seja merecedor da cominação de uma taxa sancionatória excepcional com base nos artigos 521.º, n.º 1, do CPP, 447.º-B, al. a) do CPC antigo, o qual não seria nunca aplicável em detrimento do artigo 531.º do NCPC, em vigor à data da decisão recorrida e desde 1.09.13, e 10º do RCP, artigos estes que, por não estar preenchido nenhum dos requisitos cumulativos do artigo 531.º do NCPC da manifesta improcedência e da falta de prudência da parte, se acham claramente violados.
59.º - A desautorização, através do despacho recorrido, do compromisso anteriormente assumido perante todos os sujeitos processuais configura, salvo o devido respeito, não uma “colaboração” com a defesa mas a violação flagrante do princípio “pacta sunt servanda” por parte do Tribunal “a quo”, garantia com o qual o Arguido sempre contou para a estruturação e implementação da sua defesa globalmente considerada e, de forma específica, quanto ao tratamento a dar à documentação constante no apenso informático 33.
60.º - Tal violação é ainda mais inaceitável quanto ocorre imediatamente após o momento (26.06.14) em que o Tribunal “a quo” entendeu ser de inverter a ordem legal da produção da prova, quando é aquele mesmo órgão a afirmar, e bem (cerca de sete meses antes), que “na acusação e pronúncia (…) simplesmente se remete para o extenso acervo documental probatório constante dos autos (mais de 2 milhões de documentos) sem se cuidar, minimamente, de balizar a factualidade daquelas peças processuais a que se poderão reportar cada um ou um lote de documentos, deixando-se, assim, pela sua extensão, quase ao critério da “adivinhação” dos sujeitos processuais e do próprio Tribunal o “penoso” caminho da recíproca correspondência.” (cfr. no douto despacho a fls. 41.608, datado de 9.12.13, sendo o “negrito” nosso)
61.º - Pelo exposto, até porque o signatário não tem dotes de “adivinhação”, deveria a decisão ora recorrida ter deferido o requerido pelo Arguido ou, no derradeiro limite e sem que se conceda, indeferir o adiamento da inquirição das Testemunhas de defesa já marcadas, assegurando ao Arguido, ora Recorrente, que iria proceder ao cumprimento tão rápido quanto possível da notificação prometida no despacho de 13.12.12 (considerando que o último cumprimento parcial se efectuara através da notificação do despacho de 26.03.13), comprometendo-se o Tribunal “a quo” a permitir ao Arguido após tal notificação um futuro contraditório sobre a documentação do apenso informático 33 que pretendesse vir a utilizar na fundamentação do Acórdão.
62.º - Ao decidir como decidiu, a douta decisão recorrida interpretou e aplicou os artigos 323.º, al. f) e 327.º, n.º 2 do CPP, 620.º, n.º 1 e n.º 2 e 630.º, n.ºs 1 e 2, ambos do NCPC, aplicáveis “ex vi” artigo 4.º da CPP, singularmente considerados ou conjugados entre si, no sentido de, em processos de elevada complexidade e volume, não vincular o Tribunal e ser revisível de forma desfavorável ao Arguido, o despacho transitado que instituir oficiosamente um procedimento destinado a assegurar durante o julgamento o exercício cabal do contraditório e dos direitos de defesa relativamente a documentos apenas constantes de suporte digital e que anunciar a intenção de não valoração de tal prova sem cumprimento do mesmo.
63.º - Tal interpretação normativa é material inconstitucional por violação dos artigos 2.º, 18.º, 20.º, n.º 4, 32.º, n.ºs 1 e 5, 205.º, n.ºs 1 e 2, todos da CRP, bem como do princípio do Estado de Direito Democrático, do princípio da confiança, da tutela dos direitos adquiridos e das expectativas legítimas, do direito à segurança jurídica, do princípio da tutela do caso julgado e tendencial intangibilidade do mesmo, do princípio da justiça, do direito ao processo equitativo e do princípio da lealdade processual, aos quais o Tribunal de julgamento se encontra directamente obrigado nos termos do artigo 2.º, 9.º, al. b), 18.º, n.º 1 e 204.º da CRP, que se acham violados.
De um outro prisma, o da existência de caso julgado:
64.º - Como resulta da sucessão de despachos proferidos nos autos sobre a questão de o Tribunal dever, ou não, implementar o procedimento anunciado e iniciado em 13.12.12 para assegurar o exercício cabal do contraditório e o exercício dos direitos de defesa, passaram a existir nos presentes autos decisões contraditórias, sendo inconciliáveis as decisões tomadas pelo Tribunal “a quo” “sobre a mesma questão concreta da relação processual” nos despachos transitados em julgamento datados de 13.12.12, 26.3.13 e 9.12.13 com aquela outra que consta do douto despacho ora recorrido, datado de 11.07.14, que portanto não transitou sequer em julgado.
65.º - Regulando as situações limite da existência de casos julgados contraditórios (que “in casu” não se chega sequer a verificar mas releva recordar para justificar um argumento de maioria de razão) dispõe o artigo 625.º, por conjugação dos seus n.ºs 1 e 2, do Novo Código de Processo Civil, aplicável “ex vi” artigo 4.º do Código de Processo Penal, que havendo duas decisões contraditórias dentro do processo “sobre a mesma questão concreta da relação processual” cumprir-se-á a que passou em julgado em primeiro lugar.
66.º - Pelo que, por argumento de maioria de razão a extrair da previsão normativa do artigo 625.º, n.º 2, do NCPC, “ex vi” artigo 4.º do CPP, haverá de concluir que não tendo sequer a decisão ora recorrida transitado em julgado a mesma deverá ser revogada por ofender o caso julgado contido no despacho datado de 13.12.12. 
67.º - A interpretação normativa aplicada na douta decisão recorrida não atribui o valor de caso julgado à decisão de 13.12.12 que oficiosamente versou “sobre a mesma questão concreta da relação processual” reapreciada no douto despacho recorrido, a saber: a necessidade de, para assegurar cabalmente o exercício do contraditório e dos direitos de defesa, implementar o procedimento aí enunciado como regra para o futuro a todos os sujeitos processuais, a cumprir até ao final do julgamento.
68.º - Assim, a interpretação normativa aplicada no douto despacho ora recorrido pressupõe que a questão jurídica (da existência, ou não, da necessidade e correspondente poder-dever de implementação por parte do Tribunal do procedimento/notificação sempre em referência) apreciada no douto despacho de 13.12.12 poderá vir a ser reapreciada pelo Tribunal “a quo”, após o trânsito deste despacho, por se tratar de uma apreciação tida como não vinculativa.
69.º - Ou seja, a norma aplicada nega (“rectius”, destrói restritiva e retroactivamente em violação dos artigos 2.º, 18.º, n.º 3, 20.º, n.º 4 e 205.º, n.ºs 1 e 2 da CRP) quaisquer efeitos jurídicos decorrentes daquele despacho e, concretamente, que dele possa resultar qualquer direito adquirido ou expectativa legítima do Arguido a que deva corresponder uma qualquer obrigação ou ónus do Tribunal “a quo” de cumprir a palavra dada.
70.º - Pelo que, interpretou o Tribunal “a quo” os artigos 620.º, n.º 1 e n.º 2 e 630.º, n.ºs 1 e 2, ambos do NCPC, aplicáveis “ex vi” artigo 4.º da CPP, singularmente considerados ou em conjugação com os artigos 323.º, al. f) e 327.º, n.º 2 do CPP, no sentido de, em processos de elevada complexidade e volume, não formar caso julgado formal e ser revisível de forma desfavorável ao Arguido, o despacho transitado que instituir oficiosamente um procedimento destinado a assegurar durante o julgamento o exercício cabal do contraditório e direitos de defesa relativamente a documentos apenas constantes de suporte digital e anunciar a intenção de não valoração dos mesmos como prova sem cumprimento do mesmo.
71.º - Tal interpretação normativa é material inconstitucional, por restringir de direitos, liberdades e garantias de forma retroactiva, coarctando desnecessariamente o direito ao exercício cabal do contraditório e dos direitos de defesa à luz de regras pré-estabelecidas, em violação do padrão constitucional de caso julgado e da sua tendencial intangibilidade, bem como, dos artigos 210.º, n.º 1, segunda parte, 208.º, n.ºs 2 e 3 e 18.º, n.ºs 1, 2 e 3, todos da CRP, do princípio da tutela segurança jurídica (artigo 1.º, 2.º e 9.º, al. b), da CRP), do princípio da obrigatoriedade das sentenças judiciais para quaisquer autoridades (incluindo judiciais – artigo 205.º, n.º 2, da CRP) e da tutela particular conferida pela Constituição ao caso julgado (artigos 2.º, 111.º, n.º 1, 205.º, n.º 2, e 282.º, n.º 3, primeira parte, da Constituição), como aliás resulta da jurisprudência do douto Ac. do TC n.º 520/2011.
72.º - Salvo o devido respeito, jamais uma decisão atinente à definição/regulação intra-processual da forma de exercício cabal do contraditório e dos direitos de defesa do Arguido poderá ser qualificada, ou equiparada em termos de tratamento ou dignidade vinculística, a uma decisão de mero expediente ou proferida no uso legal de um poder discricionário.
73.º - Aliás, até no âmbito do processo civil, onde o princípio do processo equitativo previsto no artigo 6.º da CEDH tem sido considerado aplicável pelo TEDH, as decisões de “simplificação” ou “de agilização processual” e “de adequação formal” que contendam com o princípio da igualdade ou do “contraditório”, com a aquisição processual de factos ou com “a admissibilidade de meios de prova” são expressamente afastadas do rol das decisões irrecorríveis pelo artigo 630.º, n.º 2, do NCPC. Donde, em processo penal, tais decisões deverão, por isso, ser afastadas daquelas que, nos termos de uma interpretação “conforme à Constituição” do artigo 630.º, n.º 1, do NCPC, poderão ser qualificadas ou equiparadas a uma decisão de mero expediente ou proferida no uso legal de um poder discricionário e, consequentemente, por via da remissão restritiva operada pelo artigo 620.º, n.º 2, do NCPC para o artigo 630.º do NCPC, a uma decisão “sobre a relação processual” que não assume “força obrigatória dentro do processo”, excluída da previsão do artigo 620.º, n.º 1, do NCPC, “ex vi”, artigo 4.º do CPP e, assim, incapaz de formar caso julgado no processo.
74.º - Salvo o devido respeito, que é muito, a decisão datada de 13.12.12 formou caso julgado formal sobre a questão jurídica que aí consta expressamente apreciada e decidida na parte em que o Tribunal se comprometeu oficiosamente e de forma inequívoca a “(…) doravante e até ao fim do Julgamento, proceder-se-á paulatinamente à incorporação dessa documentação nos autos principais e à sua notificação aos sujeitos processuais, sem prejuízo de, sempre que tal ocorra, concomitantemente se comunicar aos mesmos os “caminhos” para a localização da documentação no apenso informático 33 e se informar a factualidade da pronúncia ou contestações em relação à qual essa mesma documentação poderá relevar ou ter importância”.
75.º - Assim, transitado em julgado o douto despacho de 13.12.12, não poderá tal decisão ser intra-processualmente revertida em momento posterior em desfavor do Arguido sob pena de violação da tutela constitucional do caso julgado e dos artigos 9.º, n.º 1, al. b), 13.º, 18.º, n.ºs 1, 2 e 3, 20.º, n.ºs 4 e 5, 27.º, n.ºs 1 e 2, 29.º, n.º 6, 32.º, n.ºs 1 e 2 e 282.º, n.ºs 3 e 4, todos da Constituição da República Portuguesa.
76.º - Destarte, também os artigos 580.º, n.ºs 1 e 2, 581.º, 619.º, n.º 1, 620.º, n.º 1 e n.º 2, 621.º e 625.º, n.ºs 1 e 2, 630.º, n.ºs 1 e 2 do Novo Código de Processo Civil, aplicáveis “ex vi” artigo 4.º, do Código de Processo Penal, singularmente considerados ou conjugados entre si, são materialmente inconstitucionais por violação da tutela constitucional do caso julgado e dos direitos de defesa do Arguido, bem como dos artigos 9.º, n.º 1, al. b), 13.º, 18.º, n.ºs 1, 2 e 3, 20.º, n.ºs 4 e 5, 27.º, n.ºs 1 e 2, 29.º, n.º 6, 32.º, n.ºs 1 e 2 e 282.º, n.ºs 3 e 4, todos da Constituição da República Portuguesa, se interpretados, como o foram na decisão recorrida, no sentido de, em processos de elevada complexidade e volume, não formar caso julgado formal e de ser revisível de forma desfavorável ao Arguido o despacho transitado que instituir oficiosamente um procedimento destinado a assegurar durante o julgamento o exercício cabal do contraditório e direitos de defesa relativamente a documentos apenas constantes de suporte digital e anunciar a intenção de não valoração dos mesmos como prova sem cumprimento do mesmo.
Notas:
(19) Obra supra citada.
(20)Obra supra citada.
(21) [11] FIGUEIREDO DIAS, RLJ 128º p. 344
(22) Cfr. douto Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 44/04, acima citado.
(23) Em que se decidiu que não havia que: “equacionar se a interpretação do n.º 3 do artigo 414.º do Código de Processo Penal aplicada pela decisão recorrida é ou não a solução correcta do ponto de vista infraconstitucional. Tal interpretação impõe-se como um dado ou pressuposto (enquanto corporizando o objecto do recurso de fiscalização concreta de constitucionalidade) ao Tribunal Constitucional, apenas lhe competindo confrontá-la com os parâmetros constitucionais.
O que está em causa não é, aliás, qualquer questão de disponibilidade dos prazos processuais mas antes a confiança legítima que o tribunal criou com a sua decisão transitada em julgado”.
(24) Cfr. Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 110/2011, disponível em www.tribunalconstitucional.pt.

7. O MºPº apresentou resposta, entendendo ser manifesta a improcedência do recurso, tendo a mesma o seguinte teor:
 1ª - O despacho de fls. 36258 a 36260, tendo em conta as doutas razões expressas na decisão recorrida, tem natureza orientadora do processo e, por isso, não vincula o Tribunal;
2ª - Mas, ainda que, por força deste despacho, se devesse incorporar nos autos principais em suporte de papel a documentação do apenso informático 33 que tem vindo a ser exibida ao longo do julgamento, daí não decorreria que tivessem que ser dadas sem efeito as datas designadas para a inquirição das testemunhas arroladas pelo arguido recorrente JO…;
3ª – Com efeito, a ser incorporada essa documentação nos autos principais, qualquer dos sujeitos processuais, uma vez notificados dessa incorporação, sempre poderia, querendo, proceder à reinquirição de testemunhas se tal se revelasse necessário ao exercício cabal da sua defesa.
4ª - A produção de prova feita no julgamento dos presentes autos ao longo de mais de três anos e meio, entretanto transcorridos, tem passado pela exibição de documentação projectada em tela, sendo que parte dela tem origem no apenso informático 33.
5ª – A exibição e confronto desta documentação da iniciativa do Tribunal, do MP, dos Assistentes e dos arguidos, tem sido feita com recurso a projecção em tela acompanhada da indicação pelo apresentante da respectiva localização mediante a indicação dos respectivos caminhos de modo a permitir que sejam tomadas nota desses caminhos e, deste modo, todos passem a dispor do acesso imediato à documentação exibida.
6ª - Como se pode verificar das gravações das sessões de julgamento, este procedimento implementado desde o início pelo Tribunal e aceite por todos os sujeitos processuais que não o questionaram, implicou o gasto de muito tempo necessário à tomada de notas dos caminhos.
7ª - Nestas circunstâncias, o pedido do arguido recorrente para que seja incorporada nos autos principais em suporte de papel, toda a documentação do denominado “apenso informático 33” que foi exibida em audiência de julgamento, configura uma absurda pretensão que, não tem qualquer sustentação lógica e legal,
8ª – Porque, obviamente, ele dispõe de todos os elementos necessários para aceder aos documentos do apenso informático 33 que foram exibidos ao longo de três anos e meio de julgamento.
9ª – Improcedem, pois, as conclusões da motivação de recurso que aqui se responde.
E, por isso,
10ª – A decisão recorrida não violou os preceitos legais que são invocados ex adverso;
11ª – Nem violou os preceitos constitucionais que, como não podia deixar de ser, foram, também invocados ex adverso.”

8. Apreciando.
Cumpre então indagar se a decisão recorrida constitui violação de caso julgado formal e/ou violação do princípio da confiança e se, por alguma dessas vias, deverá ser revogada.
Adiantamos desde já que inexistem as apontadas violações.
Vejamos porquê.

9. O recorrente argumenta que a decisão recorrida não respeitou o caso julgado formal decorrente da consolidação (por ausência da interposição de qualquer recurso) do despacho proferido em 13.12.2012, constante de fls. 36258 e seguintes. Aliás, o recorrente entende que a decisão recorrida viola o caso julgado formado pelos sucessivos despachos datados de 13.12.12, 26.3.13 e 9.12.13, relativamente aos quais não ocorreu impugnação por via de recurso.

10. Convirá começar por se enunciar as diferenças entre um despacho decisório e um despacho de mero expediente.
Pese embora o C.P.Penal não se debruce sobre tal questão, tal omissão mostra-se suprida por recurso ao C.P.Civil, nos termos previstos no artº 4º do primeiro dos diplomas citados.

i. O artº 152.º desta última lei, sob a epígrafe “Dever de administrar justiça - Conceito de sentença” especifica (sublinhados nossos):
1 - Os juízes têm o dever de administrar justiça, proferindo despacho ou sentença sobre as matérias pendentes e cumprindo, nos termos da lei, as decisões dos tribunais superiores.
2 - Diz-se «sentença» o acto pelo qual o juiz decide a causa principal ou algum incidente que apresente a estrutura de uma causa.
3 - As decisões dos tribunais colegiais têm a denominação de acórdãos.
4 - Os despachos de mero expediente destinam-se a prover ao andamento regular do processo, sem interferir no conflito de interesses entre as partes; consideram-se proferidos no uso legal de um poder discricionário os despachos que decidam matérias confiadas ao prudente arbítrio do julgador.

ii. Assim e antes de mais, haverá que situar em que sede se insere o despacho proferido pelo tribunal “a quo”, relativamente ao qual este recorrente invoca a violação de caso julgado.
 
iii. Seguindo entendimento jurisprudencial e doutrinal pacífico, terá tal natureza o despacho que, cumulativamente, não decidindo qualquer questão de forma ou de fundo, tem a finalidade de determinar o regular andamento do processo, fundando-se no pressuposto de que do seu conteúdo não surge qualquer interferência no conflito de interesses entre as partes ou, no caso do processo-crime, qualquer alteração ou diminuição de garantias de defesa.

iv. Trata-se assim de um despacho interlocutório, de mero ordenamento processual; isto é, não tem qualquer finalidade decisória imediata em si ínsita, não determina a negação ou a concessão de uma qualquer pretensão apresentada perante um juiz.
É um mero instrumento de trabalho, através do qual o julgador regula uma determinada actividade processual, no sentido de melhor se poder pronunciar sobre uma determinada questão que lhe é apresentada.
Com a sua prolação, o juiz não esgota o seu poder jurisdicional, não ocorrendo qualquer caso julgado relativamente ao mesmo.

11. Como se explicitou no Acórdão do STJ de 24 de Maio de 2006[48], “…O caso julgado formal constitui noção separada do caso julgado que, como categoria geral (caso julgado material) está construída para a decisão definitiva do direito do caso, nas condições da sua existência, conteúdo e modalidades de exercício; no processo penal respeita à declaração sobre a culpabilidade e determinação da sanção, bem como da não culpabilidade (seja por não pronúncia ou por absolvição).
O caso julgado que fixa, no processo e fora dele, a vinculação de efeitos materiais quanto à definição e concretização judicial da relação controvertida ou objecto material do processo, é o caso julgado material - fixado e estável com fundamento na vinculação às decisões e na realização dos valores da justiça, certeza e segurança, também no âmbito do exercício do direito de punir do Estado em relação ao cidadão arguido da prática de uma infracção penal.
Em processo penal, pode dizer-se que existe caso julgado material quando a decisão se torna firme, impedindo a renovação da instância em qualquer processo que tenha por objecto a apreciação do mesmo ou dos mesmos factos ilícitos.
O caso julgado formal não assume semelhante função, nem contém, no essencial, dimensão substancial.
O caso julgado formal traduz-se em mera irrevogabilidade de acto ou decisão judicial que serve de continente a uma afirmação jurídica ou conteúdo e pensamento, isto é, em inalterabilidade da sentença por acto posterior no mesmo processo (cfr. Castro Mendes, "Limites Objectivos do Caso Julgado em Processo Civil", pág. 16).
No caso julgado formal (art. 672° do Cód. Proc. Civil), a decisão recai unicamente sobre a relação jurídica processual, sendo, por isso, a ideia de inalterabilidade relativa, devendo falar-se antes em estabilidade, coincidindo com o fenómeno de simples preclusão (cfr. Alberto dos Reis, "Código de Processo Civil, Anotado", vol. V, pág. 156).
Há, pois, caso julgado formal quando a decisão se torna insusceptível de alteração por meio de qualquer recurso como efeito da decisão no próprio processo em que é proferida, conduzindo ao esgotamento do poder jurisdicional do juiz e permitindo a sua imediata execução (actio judicatï) - cfr. Acs. do Supremo Tribunal de 23 de Janeiro de 2002, Proc. 3924/01, e de 3 de Março de 2004, Proc. 215/04.
O caso julgado formal respeita, assim, a decisões proferidas no processo, no sentido de determinação da estabilidade instrumental do processo em relação à finalidade a que está adstrito.
Em processo penal atinge, pois, no essencial, as decisões que visam a prossecução de uma finalidade instrumental que pressupõe estabilidade - a inalterabilidade dos efeitos de uma decisão de conformação processual ou que defina nos termos da lei o objecto do processo, ou, no plano material, a produção de efeitos que ainda se contenham na dinâmica da não retracção processual, supondo a inalterabilidade sic stantibus aos pressupostos de conformação material da decisão.
No rigor das coisas, o caso julgado formal constitui apenas um efeito de vinculação intra-processual e de preclusão, pressupondo a imutabilidade dos pressupostos em que assenta a relação processual.”.

ii. Por via do caso julgado formal, as decisões que recaiam unicamente sobre a relação processual têm força obrigatória dentro do processo. Assim não acontece, porém, se pela sua natureza não admitirem recurso.

iii. Do dito decorre:
a) por um lado que, pressuposto essencial da formação de caso julgado é o trânsito em julgado da decisão, isto é, que da mesma já não seja possível a interposição de recurso ordinário;
b) por outro, que relativamente à decisão em questão, a mesma fosse ab initio recorrível, isto é, que fosse passível de recurso (cfr. o disposto no artigo 400º, nº 1, als. a e b, do C.P.Penal e o regime que vigora no processo civil por força do disposto nos artigos 615º, 616º e 630º do Código de Processo Civil).

12. Os despachos de mero expediente, destinando-se a prover ao andamento regular do processo, sem interferir no conflito de interesses entre as partes (cfr. artigo 152º, nº 4, do C.P.Civil [e, anteriormente, 156º, nº 4, do C.P.Civil de 1961]), não podem constituir caso julgado anterior. Com efeito, só as decisões susceptíveis de trânsito em julgado podem adquirir o valor de caso julgado.

13. A decisão recorrida, muito embora sem utilizar essa terminologia, considerou que o anterior despacho proferido em 13 de Dezembro de 2012 era um despacho de mero expediente, afirmando-o como apenas “processualmente orientador” e, por isso, de cariz não vinculativo.

14. O C.P.Penal expressamente refere que não é admissível recurso dos “despachos de mero expediente” [cfr. artigo 400º, nº 1, al a)].

i. Como acima se mencionou, debalde se procurará nesse Código o conceito de “mero expediente”.
Como se referiu em decisão de 21 de Janeiro de 2013 do Tribunal da Relação do Porto[49], “Para integrarmos esse conceito de "mero expediente", teremos de nos socorrer do que a tal propósito é referido no Código de Processo Civil, atento o disposto no art.° 4.°, do Código de Processo Penal.
Ora, nos termos do artigo 156.°, n.° 4, do Código de Processo Civil[50], despachos de mero expediente são aqueles que se destinam "a prover ao andamento regular do processo, sem interferir no conflito de interesses entre as partes".
Na definição de Alberto dos Reis (C.P.C. Anotado, vol. V, 240), despachos de mero expediente são "aqueles que se destinam a regular, de harmonia com a lei, os termos do processo, e que assim não são susceptíveis de ofender direitos processuais das partes ou de terceiros". São os que "dizem respeito apenas à tramitação do processo, sem tocarem nos direitos ou deveres das partes".

ii. Na decisão recorrida afirma-se que o despacho proferido em 13 de Dezembro de 2012 assumiu cariz “processualmente orientador” - o mesmo é dizer que se destinou a prover ao andamento regular do processo, sem interferir no conflito de interesses entre as partes ou, como se refere na citada decisão do Tribunal da Relação do Porto, “não decidindo qualquer questão de forma ou de fundo”, destinando-se “principalmente a regular o andamento do processo”.

iii. E assim é, tendo em consideração que a decisão tomada em 13 de Dezembro de 2012 determinou que se passasse a proceder paulatinamente à “incorporação” nos autos principais dos documentos contidos no “apenso informático 33” (estando este já previamente junto aos autos e não obstante se disponibilizar aos sujeitos processuais cópia integral do mesmo) e à sua notificação aos sujeitos processuais, sem prejuízo de, sempre que tal ocorra, concomitantemente se comunicar aos mesmos os “caminhos” para a localização da documentação no apenso informático 33 e se informar a factualidade da pronúncia ou contestações em relação à qual essa mesma documentação poderá relevar ou ter importância.

iv. Tal decisão foi proferida com a finalidade de prover ao andamento regular do processo (determinando que se implementasse um procedimento que o Tribunal entendeu, à data da sua prolação, ser conveniente para assegurar a possibilidade de efectivo acesso dos sujeitos processuais aos documentos incluídos no “Apenso Informático 33”) e, por outro lado, foi proferida com um claríssimo pressuposto – a decisão não interferia no conflito de interesses entre as partes, não assumindo o carácter de tomada de posição definitiva sobre a valia probatória de qualquer documento (jamais o Tribunal se propôs antecipar o momento da deliberação sobre a prova documental incluída no apenso informático).

15. Nesta conformidade, torna-se forçoso concluir que estamos perante um despacho de mero expediente, um despacho meramente ordenador do regular andamento do processo.
Tal despacho, nada tendo de irregular ou desconforme com o cumprimento das regras processuais, não era susceptível de impugnação por via recursiva.

i. Diferente seria o regime se, a pretexto de dar andamento ao processo, o despacho o fizesse de forma não regular ou desconforme com os ditames da lei, designadamente processual. Com essa desconformidade não se trataria de um despacho de mero expediente.

ii. Não curando aqui de aprofundar a discussão sobre a recorribilidade dos despachos que sob a aparência de ordenação do andamento do processo, se desviam do cumprimento da actuação vinculada do juiz, consistente no cumprimento da obrigação de dar andamento ao processo com estrita observância das regras processuais[51], cumpre apenas assinalar que a prolação do despacho de 13 de Dezembro de 2012 não motivou a arguição de qualquer irregularidade na sequência da sua notificação aos sujeitos processuais, tal como continua a não suscitar ao arguido recorrente quaisquer dúvidas sobre a sua conformidade com as “regras” a observar.

16. Aqui chegados impõe-se assim a conclusão de que o despacho proferido em 13 de Dezembro de 2012 é um despacho de mero expediente, como tal insusceptível de recurso e, nessa medida, insusceptível de constituir caso julgado anterior. E, tal como se concluiu na decisão recorrida, tal despacho não era vinculativo para o Tribunal.

17. Perante a ausência de violação de caso julgado, impõe-se analisar se a decisão recorrida enferma dos demais gravosos defeitos que lhe são imputados no recurso interposto.

i. O recorrente considera que “o que agora está sobretudo em causa é a violação da segurança jurídica e da tutela da confiança legítima que o Tribunal “a quo” criou no Arguido”. Afirma que no elevado número de sessões de audiência de julgamento que se seguiram ao despacho de 13.12.2012 foi exibida inúmera documentação constante do apenso informático, sem que tivesse sido implementado o procedimento referido naquele despacho, mas mantendo o arguido o direito ou, ao menos, a expectativa legítima, de que o viesse a ser.
Considera o arguido que a decisão recorrida tem consequências ao nível do prosseguimento da inquirição das testemunhas de defesa, pois o incumprimento do despacho de 13.12.2012 importa, para a defesa do arguido, nas vésperas de ter de inquirir as suas testemunhas, a necessidade de proceder a uma “inesperada, gigantesca, inexigível e inevitavelmente errática busca e análise de todos os documentos potencialmente relevantes para a decisão final, e na sequência de tal hercúlea tarefa, à tentativa necessariamente incompleta e eventualmente inútil de formulação de perguntas sobre todos eles, quando não se sabe (pese embora o tempo decorrido desde a sua exibição) se o Tribunal entendeu não os incorporar nos autos principais até àquela data (i) por não os considerar potencialmente relevantes ou importantes para a factualidade da pronúncia ou das contestações, ou (ii) se pura e simplesmente não o fez ainda e pretende fazê-lo em data posterior (…)”.

ii. Não lhe assiste razão.
A decisão recorrida não importou a compressão de quaisquer direitos, ou sequer expectativas legítimas, do arguido recorrente e/ou dos demais sujeitos processuais, sendo certo, por seu turno, que o despacho de 13 de Dezembro de 2012 não eximiu a defesa, através dos seus advogados, de quaisquer deveres deontológicos e dos correspondentes padrões de diligência (isto é, de procederem ao exame dos autos e da prova no mesmo constante, de modo a estarem habilitados a defenderem os seus constituintes).
Limitou-se tal despacho a ordenar o andamento regular do processo, ensaiando uma das (certamente múltiplas) formas possíveis de assegurar plenamente o princípio do contraditório.

iii. Depois, e ao longo das várias sessões da audiência de julgamento, o procedimento a que o referido despacho aludia foi abandonado, optando-se pela satisfação das exigências impostas pelo contraditório mediante a indicação dos caminhos necessários ao acesso aos documentos contidos no “apenso informático 33” aliada à exibição desses documentos em sede de audiência. Esta prática de indicação dos caminhos e exibição dos documentos decorreu, no próprio dizer do arguido recorrente, ao longo de meses, em numerosas sessões, tendo sido desse modo examinados os mais diversos documentos (sendo que não se implementou o procedimento do ultrapassado despacho de 13 de Dezembro de 2012).

iv. Como bem salienta o MºPº na sua resposta ao recurso, o procedimento desse modo levado à prática não causou qualquer engulho à defesa, mesmo quando inquiriu as testemunhas que eram simultaneamente “de acusação e de defesa” – “teve oportunidade não só de as contra-instar como também de as instar, oportunidade que usou, confrontando-as com a documentação exibida por iniciativa do Tribunal, do MºPº ou por sua própria iniciativa, documentação esta constante dos autos principais ou de apensos, incluindo-se nestes o apenso informático 33”.

v. De novo importa sublinhar que o despacho proferido em 13 de Dezembro de 2012 não constitui base para que o arguido criasse a expectativa (a todos os títulos ilegítima) de que o Tribunal antecipasse o momento da deliberação sobre a prova documental incluída no apenso informático, expondo aos sujeitos processuais se a considerava relevante ou importante para o apuramento da factualidade da pronúncia ou das contestações.
E, porque a base para alimentar essa expectativa nunca existiu, não faz qualquer sentido afirmar que a decisão recorrida é violadora da confiança depositada no Tribunal.

vi. Sendo plenamente aplicável no caso dos autos a Jurisprudência do Tribunal Constitucional, afirmada no Acórdão nº 87/99 e reafirmada no Acórdão nº 110/2011[52], posto que o “apenso informático 33” foi incluído ab initio entre as provas indicadas na acusação – cfr. fls. 9.241 – e o Tribunal adoptou o procedimento de exibir documentação em sede de audiência de julgamento, não se vislumbra como pode o recorrente invocar a violação da segurança jurídica e da tutela da confiança legítima, uma vez que a decisão recorrida não abre a porta à possibilidade de consideração de elementos de prova com os quais os sujeitos processuais – e desde logo o recorrente – não tenham sido confrontados.

vii. Como se refere no citado Acórdão do Tribunal Constitucional nº 110/2011, só a rigorosa observância da contraditoriedade da produção de prova em audiência pode garantir que o arguido teve oportunidade de defender-se adequadamente. Mas ao contrário do que afirma o recorrente, a decisão recorrida não comprometeu essa rigorosa observância.

viii. Como acertadamente se assinala na decisão recorrida, o “apenso informático 33” e os documentos (informáticos) de que é composto constam dos autos desde a fase de inquérito. Tais meios de prova foram indicados na acusação.

ix. Por outro lado, tendo o arguido requerido que lhe fosse facultada cópia digital do “apenso informático 33” para preparar a sua defesa (cfr. requerimento de fls. 30688), tal cópia foi efectivamente entregue em 18.7.2011 (mais de um ano antes do despacho proferido em 13.12.2012, e quase três anos antes da apresentação do requerimento indeferido pela decisão recorrida).

x. Durante tão largo período de tempo, o recorrente teve a possibilidade de lançar mão, designadamente dos programas informáticos sobre os quais o tribunal disponibilizou informações (programas informáticos que permitem, por palavras “chave”, pesquisar os documentos que constam do apenso informático), sendo certo que ao longo desse período temporal não fez qualquer menção ou requerimento em que expusesse a existência de dificuldades ou obstáculos na prossecução da procura dos documentos que entendesse, inseridos em tal apenso.

xi. Acresce, como se assinala na decisão recorrida que “Todos os documentos do apenso informático 33 que foram analisados e mostrados em sede de audiência, foram projectados numa tela, de forma a que a sua visualização pudesse ser feita em simultâneo por todos os sujeitos processuais, sendo que, o arguido tinha na sua posse uma cópia integral daquele apenso, seguindo ou podendo seguir e também visualizar no seu próprio computador pessoal esses mesmos documentos”.

xii. Não pode o recorrente afirmar que a decisão recorrida constituiu violação da segurança jurídica e da tutela da confiança legítima, quando é a sua própria actuação que o desmente, designadamente através do procedimento adoptado pela defesa do próprio arguido em audiência de julgamento - em relação aos documentos que constam do apenso informático 33 e que foram exibidos em sede de julgamento por iniciativa da própria defesa (em paralelo com as iniciativas do Tribunal e da “acusação”), tendo sido por si indicados os respectivos “caminhos”/localização, possibilitando-se aos demais sujeitos processuais que transcrevessem a respectiva localização.

18. Tanto basta para que se arrede, em definitivo, a alegada quebra de expectativas e frustração da confiança depositada no Tribunal.
Como se afirma na decisão recorrida, o “Tribunal assegurou integralmente o contraditório e a defesa do arguido em relação aos documentos do apenso informático 33 que foram exibidos em sede de audiência de Julgamento”, sendo que o “pedido do arguido OC… para que (…) lhe seja facultada (…) em suporte de papel, toda a documentação do denominado apenso informático 33 junto aos autos que foi exibida em audiência de julgamento, configura uma (…) pretensão que (…) não tem qualquer sustentação lógica e legal”, antes se afigurando como movida por fins exclusivamente dilatórios, amplamente justificativos da aplicada taxa sancionatória excepcional.

19. Convenhamos (em síntese):
a. À data em que o arguido apresentou o requerimento acima mencionado, tinha já em seu poder, há cerca de 3 anos, cópia integral do apenso 33 (sendo certo que à data da prolação da acusação – isto é, cerca de 2 anos antes – teve perfeito conhecimento da sua existência, por se tratar de meio de prova aí indicado e do qual foi notificado).
b. Tinha, por isso, perfeito conhecimento de que continha cerca de dois milhões de documentos, bem como quais os mecanismos que permitiam informaticamente proceder à consulta dos elementos de prova que entendesse relevantes, através de programas que permitem aceder (em muito facilitando tal tarefa de procura), por inserção das palavras-chave, apenas àqueles que têm relevo para a factualidade que pretendesse demonstrar.
c. Demonstrativo de não ter tido qualquer dificuldade na procura dos mesmos é a circunstância de, ao longo do julgamento, ter extraído desse apenso, por sua própria iniciativa, uma série de documentos que em tal apenso se continham.
d. O número de documentos que tal apenso contém tornaria – caso se determinasse a sua impressão integral – virtualmente humanamente impossível, num espaço temporal razoável e sem aporte de meios humanos extraordinários de reforço, a sua consulta e a localização daqueles que efectivamente teriam relevância para a decisão da causa (para além de se tornar num verdadeiro pesadelo logístico, em termos de extracção de cópias, entrega aos intervenientes processuais, armazenamento e consulta, quer para o tribunal, quer para os recorrentes).
e. Assim, a decisão do tribunal “a quo” de, a partir de dado momento, não proceder à sua integral impressão, antes optando por apresentar em audiência (por projecção) cada um dos documentos que foi entendendo como relevantes – e dando igual oportunidade a todos os intervenientes processuais para do mesmo modo procederem, relativamente aos concretos documentos que entendessem serem relevantes segundo o seu prisma defesa/acusação – indicando os respectivos caminhos de busca para consulta informática relativamente a cada um desses documentos, corresponde seguramente a uma decisão que apenas teve por fim promover o andamento regular do processo, assegurando plenamente o princípio do contraditório.

20. Do dito decorre que todo este enquadramento era do pleno conhecimento do arguido, há já longos anos (não dias, nem semanas, nem sequer meses…).

21. Assim sendo, o suscitar desta questão, no momento temporal em que ocorreu, bem como o conteúdo do pedido que formula (Mais requer que até que tal documentação seja notificada ao Arguido sejam dadas sem efeito as datas designadas para a inquirição das testemunhas por si arroladas de forma a que, com a inquirição das testemunhas de defesa e através da mesma, o Arguido possa exercer o contraditório quanto a tal documentação - sublinhados nossos) bem demonstra assistir plena razão ao tribunal “a quo” quando entende que a razão que funda o peticionado se resume a uma intenção manifestamente dilatória (Ou seja, pretende, neste momento, simplesmente que a sua prova (inquirição das testemunhas por si arroladas) não seja produzida, com propósitos manifestamente dilatórios e com riscos para a perda da eficácia da prova já produzida ao longo de um julgamento que dura há mais de três anos e meio).

22. E se são razões de natureza meramente dilatória que fundam tal requerimento, bem andou o tribunal “a quo” em condenar o arguido na taxa sancionatória excepcional, como previsto nos artºs 521 nº1 do C.P.Penal, artº 531 (anterior artº 447-B al. a)) do C.P.Civil e artº 10º do RCP.

23. Em sede final e encerrando a apreciação das questões aqui propostas, cabe-nos apenas referir que se mostra prejudicada a necessidade deste Tribunal ad quem tomar posição quanto às questões de inconstitucionalidade suscitadas pelo arguido nesta sede, uma vez que nem este Tribunal (nem o tribunal “a quo”) perfilharam os entendimentos que o recorrente considera terem estado subjacentes à decisão recorrida ou à presente, não subsistindo, pois, para este tribunal de recurso, a necessidade de se pronunciar sobre sentidos normativos que não têm aplicação no caso.

24. Conclui-se, pois, pela improcedência do presente recurso interlocutório.

                                                     *
7º a 11º (com excepção de parte do constante no recurso nº 8, relativo à questão da junção de documentação pela Mazars que será, infra, tratado de forma autónoma)  - Apreciação do despacho de fls. 46.552 a 46.560, que determinou a alteração da ordem legal de produção de prova no sentido de se iniciar a inquirição das testemunhas de defesa sem que estivesse terminada a inquirição de todas as testemunhas de acusação; apreciação do despacho de fls. 46.734 vº a 46.736, que julgou não verificadas as irregularidades invocadas pelos arguidos, indeferiu os requerimentos nesse sentido apresentados e determinou a imediata inquirição de testemunha de defesa arrolada pelo primeiro daqueles arguidos; apreciação da decisão de fls. 46.770 vº, que julgou não verificada a irregularidade invocada pelo arguido FS… e indeferiu a sua pretensão (recursos interpostos pelos arguidos JO…, LC… e FC…).

I.

1.  Por despacho proferido em 26 de Junho de 2014, a fls. 46.552 a 46.560, foi decidido:
Da alteração da ordem de produção de prova:
Pelas razões constantes do despacho de fls. 45690 a 45694 e que aqui se dão integralmente por reproduzidas, determinou-se a notificação de “todos os sujeitos processuais para, querendo (…) se pronunciarem sobre a eventual alteração da ordem legal de produção de prova, no sentido de terminada a inquirição das testemunhas de defesa do arguido RO… e não sendo viável, então, prosseguir com a inquirição das restantes testemunhas de acusação ainda não inquiridas, o Julgamento prosseguir com a inquirição das testemunhas de defesa arroladas pelos restantes arguidos”.
Refira-se, tão só, que a nível de desenvolvimento processual subsequente a esse despacho, procedeu-se à inquirição de todas as testemunhas de acusação arroladas pelos assistentes.
Esgotada a inquirição destas e mantendo-se as vicissitudes processuais a que alude o referido despacho coloca-se agora, com maior premência, a questão da alteração da ordem legal de produção de prova.
Passamos a sintetizar os vários argumentos esgrimidos sobre esta questão pelos diversos sujeitos processuais.
Síntese da fundamentação do M.P. e assistentes (fls. 46099 a 46103 e 46085 e 46086):
A ordenação da prova estabelecida pelo art. 341º do C.P.P. não tem carácter absoluto, não é imutável, sendo susceptível de ser alterada (arts. 343º, n.º 1; 323º, n.º 1, al. a); 331º, n.º 2 e 348º, n.º 2, todos do C.P.P.).
Sendo alterável a ordem legal da produção da prova, esse poder é atribuído ao juiz presidente que deverá fundamentar a alteração sob pena de irregularidade.
A continuidade da audiência passa necessariamente pela alteração da ordem legal da produção da prova a menos que o Tribunal fique a aguardar indefinidamente que se torne possível, ou definitivamente impossível, inquirir as testemunhas de acusação que restam para, só depois, se ouvirem as testemunhas arroladas pelas defesas dos arguidos.
As actuais circunstâncias da produção da prova à luz do preceituado no art. 328º do C.P.P. exigem que a ordem legal da produção da prova seja alterada porque esse é o meio adequado ao cumprimento deste dispositivo, evitando-se a perda da eficácia da prova produzida ao longo de mais de três anos de julgamento.
Esta decisão deverá acautelar os legítimos direitos de defesa dos arguidos mediante a reinquirição das suas testemunhas de defesa se a eventual inquirição das testemunhas de acusação que restam, tal justificar.
Arguidos:
- JRo… (fls. 46080 a 46082 e 46107 a 46109);
- RJ… (fls. 46114 a 46118);
- OC… (fls. 46119 a 46128);
- JV… (fls. 46131);
- FS… (fls. 46134);
- FB… (fls. 46153 a 46156);
- LA… (fls. 46158 a 46161);
Em resumo, sustentaram:
O art. 341º do C.P.P. estabelece a ordem legal de produção da prova de natureza imperativa a qual determina que os meios de prova da acusação são produzidos em momento anterior à produção dos meios de prova da defesa, salvaguardando, assim, o direito de defesa do arguido e o princípio do contraditório.
Exigir à defesa que antecipe a sua produção de prova quando o Ministério Público ainda não terminou a sua, poderia equivaler, no limite, a impor ao arguido que promovesse a sua auto-incriminação.
Só após o término da produção da prova da acusação poderá o arguido exercer convenientemente o contraditório e só assim se permitirá à defesa construir a sua estratégia em face da prova carreada pela acusação.
Tal como o Tribunal só determina o sentido da sua decisão após a produção de toda a prova, também o arguido só poderá vir a decidir de forma esclarecida contraditar ou não e com que provas a prova contra si requerido pelo Ministério Público, se a conhecer já e a puder avaliar de forma integral.
Só deste modo verá o arguido tutelados todos os direitos de defesa que lhe são garantidos pela lei e pelos artigos 20º e 32º da CRP, nomeadamente o direito à presunção de inocência, e também só assim poderá beneficiar do princípio in dúbio pro reo.
O art. 348º, n.º 2 não preclude, nem perverte, a disciplina prevista no art. 341º, mas antes permite que, em cada perímetro de prova, seja da acusação, ou seja da defesa, se possa nele proceder oficiosamente à alteração fundamentada da ordem pela qual as testemunhas devem prestar o seu depoimento, mas tal não perpassa para a alteração da própria ordem da produção de prova, da acusação e defesa, que é injuntiva.
Decidindo-se, dir-se-á:
À data da prolação do presente despacho mostram-se pendentes, relativamente à prova testemunhal arrolada na acusação, as inquirições das seguintes testemunhas:
1) NL…:
A audição está pendente de decisão – v. despacho supra - sobre a eventual verificação de impedimento para depor (art. 133º do C.P.P.), a qual, face aos antecedentes nesta matéria, quer seja num sentido ou noutro será, muito provavelmente, impugnada por recurso (considere-se que em momento anterior, em situação similar, em que se concluiu pela não existência de impedimento, foi interposto recurso, ao qual foi atribuído efeito suspensivo da decisão recorrida, após reclamação dos arguidos para o Tribunal da Relação de Lisboa e decisão do Exm.º Sr.º Vice-Presidente deste Venerando Tribunal).
2) MN…:
Inquirição designada para o dia 12.9.2014 (videoconferência, mediante carta rogatória remetida à Justiça do Brasil, país onde actualmente reside) – v. despacho supra.
3) JL…:
Temporariamente impossibilitado de depor (até finais do próximo mês de Agosto) por motivos de saúde devidamente comprovados nos autos;
4) MS…:
Ainda não foi designada data para a sua inquirição.
Por despacho proferido nos autos, considerou-se que estava absolutamente impedido de depor pela circunstância de ser arguido em processo criminal conexo com o presente.
Porém, como resulta do despacho supra, quanto ao mesmo, nesse processo conexo, foi proferido despacho de arquivamento, não tendo ainda decorrido o prazo de abertura de instrução.
Ou seja, face a esse arquivamento, poderá ser inquirida como testemunha nos presentes autos, mas só após ter decorrido o prazo de abertura de instrução, o que ainda não sucedeu.
5) AA…, CA…, IG… e AG…:
Recusaram-se a depor por invocação de segredo profissional (advogados), o que deu lugar ao incidente de quebra de sigilo profissional que, apesar de decidido no sentido de ser quebrado, ainda não transitou em julgado, porque foi interposto recurso do Acórdão da Relação que determinou a quebra, bem como recursos de um outro Acórdão da Relação que indeferiu irregularidades arguidas pela defesa.
Cumpre ainda realçar, neste âmbito, que ainda está pendente na 1ª instância um outro recurso de um despacho que julgou não verificadas outras irregularidades invocadas pelas defesas também relacionadas com a quebra do sigilo profissional, aguardando, por ora, este recurso, o trânsito em julgado daqueles dois Acórdãos, na medida em que aquele recurso poderá ficar prejudicado caso transitem em julgado estes dois Acórdãos.
6) EP…, AP…, JR…, AR…, GR…, FCo… e JN…:
Testemunhas em relação às quais se considerou não existir impedimento absoluto para deporem pelo facto de serem arguidos em processo de natureza contra-ordenacional conexo com o presente.
Ainda não se procedeu às suas inquirições em virtude de terem sido interpostos recursos pela testemunha EP… e por alguns arguidos, recursos que, em resultado de várias vicissitudes que os autos evidenciam, só agora subiram conjuntamente ao Tribunal da Relação de Lisboa.
Dos Acórdãos do Tribunal da Relação mencionados no ponto 5º) foram interpostos recursos para o Supremo Tribunal de Justiça e, sendo aqueles confirmados por este Tribunal, é previsível que sejam interpostos recursos para o Tribunal Constitucional.
Os recursos mencionados no ponto 6º) só recentemente subiram ao Tribunal da Relação não havendo, ainda, qualquer decisão.
Mantendo-se a decisão desfavorável à testemunha e arguidos é previsível que sejam interpostos recursos para o STJ e Tribunal Constitucional.
Sendo percorrido todo este caminho de “recurso em recurso” para as mais altas instâncias judiciais nacionais (pontos 5º e 6º) é igualmente de prever que as decisões definitivas, com trânsito, não venham a ocorrer sem que esteja decorrido, pelo menos, o prazo de 6 meses a 1 ano.
O presente julgamento já dura há cerca de 3 anos.
A pretensão dos arguidos de que as suas testemunhas de defesa somente sejam inquiridas esgotadas que esteja a inquirição de todas as testemunhas de acusação, face ao sobredito e às vicissitudes processuais aludidas supra nos pontos 5º) e 6º), teria por consequência:
1) A perda de toda a prova produzida até ao presente (art. 328º, n.º 6 do C.P.P.) ou,
2) Em ordem a que esse resultado, certamente não desejado por todos os sujeitos processuais, não seja alcançado, a produção de sessões intermitentes de prova, de 30 em 30 dias, com a reinquirição de testemunhas de acusação, até porque não haveria outras que pudessem ser inquiridas;
Vale o exposto por dizer – isso seria inevitável – que se colocaria em crise o princípio da continuidade da audiência de julgamento (art. 326º, n.º 1 do C.P.P.).
Esclareça-se ainda:
É certo que a ordem legal da produção de prova passa primeiro pela apresentação dos meios de prova da acusação e só após estes pela apresentação dos meios de prova da defesa.
Aliás, é este o regime normal/regra que resulta claramente do disposto no art. 341º do C.P.P..
Tendo isto presente, bem como a perfeita noção de que seria aconselhável inquirir todas as testemunhas de acusação e, após estas, as da defesa, e prevendo-se a possibilidade de as questões processuais mencionadas supra nos pontos 5º) e 6º) puderem ficar resolvidas a breve trecho ou num “tempo aceitável”, o Tribunal tomou todas as providências ainda processualmente admissíveis em ordem que fosse alcançado aquele desiderato.
Com efeito:
Nos últimos meses não manteve a mesma cadência de Julgamento.
Deu sem efeito as sessões de Julgamento das últimas duas semanas (v. “cotas” do expediente que antecede).
Atrasou até ao limite a prolação deste despacho.
Porém, o que é facto é que, processualmente, chegou-se ao limite do admissível face ao referido princípio da continuidade da audiência.
Acresce que, de forma alguma segura se descortina que aqueles incidentes e recursos processuais referidos possam ficar decididos a curto prazo, admitindo-se – e estamos a falar de uma probabilidade séria – que ainda será necessário aguardar, pelo menos, 6 meses a 1 ano até que os mesmos fiquem definitivamente resolvidos.
A questão que se coloca, neste momento, é pois, decidir se a prossecução do julgamento, com o início da inquirição das testemunhas de defesa, deverá aguardar a inquirição de todas as testemunhas arroladas na acusação ou se deverá o julgamento prosseguir com a produção da prova testemunhal da defesa (ou eventualmente com as declarações dos arguidos caso estes as pretendam prestar) antes de produzida toda a prova testemunhal arrolada pela acusação.
Tal questão prende-se necessariamente com a garantia de defesa dos direitos dos arguidos, tendo por base o respeito pela legalidade processual em termos de poderes deste Tribunal para alterar a ordem de produção de prova.
Não se põe em causa que a ordem natural da produção de prova passa por um primeiro momento em que o arguido presta as suas declarações, seguindo-se os depoimentos das testemunhas de acusação e, só depois, os depoimentos das testemunhas de defesa (artº 341º do C. P. Penal).
Porém, a lei admite derrogações a esta ordem natural que passam, desde logo, pelo direito do arguido de prestar declarações quando entender que esse é o momento adequado à sua defesa.
Também são admitidas alterações do depoimento de testemunhas pela ordem que foram indicadas, se o presidente, por fundado motivo, dispuser de outra maneira (artº 348º, nº2 do C. P. Penal) assim como se incluem dentro dos poderes de disciplina e direcção do presidente proceder a interrogatórios, inquirições, exames e quaisquer outros actos de produção de prova, mesmo que com prejuízo da ordem legalmente fixada para eles, sempre que o entender necessário à descoberta da verdade (artº 323º, a) do C. P. Penal).
São igualmente admitidas alterações à ordem de produção de prova nos casos previstos no artºs 328º, nº3, a) e 331º, nº2 do C. P. Penal (em que se consignam expressamente duas situações de alteração da ordem de produção de prova prevista no artº 341º do C. P. Penal).
Ou seja, a lei não é “fundamentalista” no que respeita à alteração da produção da prova – seja a ordem pela qual se encontram arroladas as testemunhas em cada rol, seja da sua ordem sequencial, declarações dos arguidos, depoimentos das testemunhas de acusação e depoimentos das testemunhas de defesa - e a questão apenas se prende com o princípio reconhecido da defesa dos direitos e garantias do arguido e o principio da paridade de armas entre acusação e defesa, o que existe quando se constata que “a defesa teve chances – fácticas – de contrariar as provas produzidas em seu desfavor” (embora não directamente sobre esta questão, v.d. com interesse para a análise das defesas e garantias do arguido, o artigo da autoria de Renato Stanziola Vieira, publicado na Revista Portuguesa de Ciência Criminal, ano 20, nº3, Julho-Setembro de 2010, pag. 445).
No caso concreto, não se descortina em que medida o início da produção da prova testemunhal apresentada pela defesa dos arguidos pode diminuir ou pôr em risco as suas garantias de defesa.
A garantia formal de que os direitos de defesa do arguido não sejam afectados com decisões e opções que manifestamente constituam uma violação de tais direitos não pode nem deve ser confundida com a estratégia de defesa que cada arguido individualmente gere, a qual deve adequar-se às necessidades e exigências legais em termos de princípios de celeridade processual para mais num processo com a elevadíssima complexidade que este apresenta e com as repercussões públicas que evidencia.
Aliás, neste campo, atente-se no teor do Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 28.1.1999 (in www.dgsi.pt; processo n.º 98P1296; também acessível no BMJ, n.º 483, ano 1999, pág. 146) que, pese embora datado daquela data mantém total actualidade e do qual consta: “Nenhuma violação ao artº 348º do Código de Processo Penal pode advir do facto de terem sido ouvidas testemunhas de acusação depois da audição das testemunhas de defesa, porquanto o nº 2 do citado preceito, estabelecendo embora uma certa ordem para a inquirição das testemunhas que, em princípio, deve ser respeitada, como que, igualmente confere ao Presidente do Tribunal um poder discricionário nessa matéria, como decorre da expressão salvo se o Presidente, por fundado motivo, dispuser de outra maneira”.
No caso presente esse fundado motivo parece-nos resultar claro, manifesto e evidente do supra exposto, mais a mais quando se trata de um processo de elevadíssima complexidade e já por si extremamente demorado.
Em síntese conclui-se que:
A defesa dos arguidos encontra-se salvaguardada, não obstante se decidir pelo inicio da inquirição das testemunhas de defesa antes de terminada a produção de prova testemunhal da acusação.
Nenhuma violação dos direitos dos arguidos advém da circunstância de se iniciar a produção da prova testemunhal arrolada pela defesa, mostrando-se ainda pendente a inquirição das identificadas testemunhas de acusação, porquanto, se concederá a possibilidade de requererem a reinquirição das testemunhas de defesa, conforme entenderem por relevantes, em data posterior à inquirição das identificadas testemunhas de acusação.
Agindo-se deste modo, dar-se-á cumprimento aos princípios fundamentais do direito processual penal assegurando-se as garantias de defesa dos arguidos (no seu expoente máximo do princípio da presunção da inocência do arguido consagrado no artº 32º, nº2 da C.R.P.) e no respeito pelos princípios da celeridade processual e continuidade da audiência.
A referida alteração da ordem de produção da prova é permitida, como se disse, pela nossa lei adjectiva penal.
Face ao exposto e razões aduzidas, decide-se:
1) Determinar a alteração da ordem legal de produção de prova no sentido de se iniciar a inquirição das testemunhas de defesa sem que esteja terminada a inquirição de todas as testemunhas de acusação (art. 348º, n.º 2 do C.P.P.), sem prejuízo do direito dos arguidos de, após inquirição das testemunhas de acusação ainda em falta, requererem a reinquirição de alguma(s) testemunha(s) de defesa se assim o entenderam como útil e necessário à sua defesa;
Em tal decisão, para além do conteúdo transcrito, procedeu-se ao agendamento da inquirição das testemunhas de defesa do arguido JO…, determinaram-se diligências para convocação das mesmas e introduziram-se ajustamentos na calendarização das sessões de julgamento.

2. Notificados de tal decisão, os arguidos jo… e lc… vieram, respectivamente a fls. 46673 a 46695 e 46697 a 46711, arguir irregularidades, tendo deduzido as seguintes pretensões:
a. O arguido JO…:
Pelo exposto, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 123.º, do CPP, requer a V.ª Ex.ª que se digne declarar que ao ordenar a inversão da ordem da produção de prova de forma a que Arguido, pese embora a oposição fundamentada do mesmo expressamente constante dos autos, tenha de iniciar a produção da prova da sua defesa antes de finda a prova requerida pelo MP ou ordenada oficiosamente por aditamento à mesma, incorreu o douto despacho datado de 26.06.2014 na irregularidade processual decorrente da violação dos artigos 341.º, n.º 1 e 348.º, n.º 2, in fine, do CPP, na sua interpretação “conforme à Constituição” e à CEDH, artigos que por isso foram aplicados em sentido materialmente inconstitucional, por violação dos artigos 18.º, n.º 1 e 32.º, n.os 1 e 5, da Constituição da República Portuguesa, razão pela qual deveria o Tribunal ter recusado a aplicação de tais normas, nos termos do artigo 204.º da CRP, irregularidade processual que, por ter manifesta influência na boa decisão da causa, deverá ser declarada, anulando-se toda a tramitação posterior à mesma.
Se assim não se entender, sem que se conceda:
Nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 123.º, do CPP, requer a V.ª Ex.ª que se digne declarar que, ao determinar o prosseguimento do julgamento mediante a inversão coerciva da ordem da produção da prova mantendo a cadência dos trabalhos de forma a impor a realização de três sessões por semana de manhã e tarde, violou o douto despacho reclamado o princípio da necessidade expresso no artigo 18.º, n.º 2, da CRP, na sua vertente da proporcionalidade e adequação, aplicável ex vi artigos 18.º, n.º 1 e 204.º ambos da CRP, irregularidade processual que se deixa arguida e se requer que seja declarada, ordenando-se para a sua sanação que o julgamento prossiga de ora avante e até que se possa prosseguir com a prova da acusação com a realização de 1 (uma) só sessão de 30 (trinta) em 30 (trinta) dias, se assim não se entender, de 1 (uma) só sessão de 15 (quinze) em 15 (quinze) dias ou, a limite e sempre sem conceder, 1 (uma) só sessão por semana de manhã ou de tarde, de forma a que apenas seja ouvida uma Testemunha por semana.
Por outro lado, sem que se conceda:
Nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 123.º, do CPP, requer a V.ª Ex.ª que se digne declarar que, ao determinar o prosseguimento do julgamento mediante a inversão coerciva da ordem da produção da prova com a inquirição das Testemunhas do Arguido, ora Arguente, e assim, sem conceder aos Arguidos um tratamento igualitário face à compressão dos seus direitos de defesa, violou o douto despacho reclamado o artigo 13.º da CRP, aplicável ex vi artigos 18.º, n.º 1 e 204.º ambos da CRP, requerendo-se que tal irregularidade seja sanada de forma a que o Tribunal ordene que a inversão da ordem da produção da prova deverá, por motivos de tratamento igualitário do Arguido, ora Arguente, relativamente aos demais Arguidos nos autos (à excepção do Arguido RO… que antecipou voluntariamente a produção da respectiva prova), ocorrer de forma a que, considerando a ordem pela qual estão indicados na pronúncia, cada um dos Arguidos que não produziram a sua prova inquira uma Testemunha por si arrolada, se necessário for alterando a ordem do respectivo rol, repetindo-se tal procedimento no futuro, se necessário for para manutenção da validade da prova, até que o julgamento possa continuar com a prova da acusação e ou ordenada por adimento à mesma.
b. O arguido LC…:
1) Deverá o Tribunal, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 123.º, do CPP, reconhecer a irregularidade processual decorrente da violação/alteração da ordem legal de produção de prova fixada nos termos do artigo 341.º, do CPP, por não se mostrarem reunidos os pressupostos de que a Constituição e a lei fazem depender a admissibilidade da sua alteração, revogando o Despacho que determinou a referida alteração;
2) Consequentemente, deverá o Tribunal, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 123.º, do CPP, reconhecer a irregularidade processual decorrente do agendamento da inquirição de testemunhas arroladas pela defesa do Arguido JO…, por não ter decorrido o prazo legal de recurso em relação ao douto Despacho que determinou a alteração da ordem legal de produção de prova, uma vez que essa mesma decisão é constitucional, legal e necessariamente recorrível, sendo sustentável que o eventual recurso dessa decisão suba imediatamente, em separado e com efeito suspensivo da decisão recorrida, nos termos da aplicação conjugada dos artigos 399.º, 401.º, n.º 1, alínea b), 406.º, n.º 2, 407.º, n.º 1, 408.º, n.º 3 e 427.º, todos do CPP, devendo, por isso, ser desmarcado o agendamento referenciado a fls. 46.559 dos presentes autos;
3) Deverá o Tribunal notificar o Ministério Público, Assistentes e Arguidos para, querendo, no prazo de 10 dias, virem aos autos indicar quais as testemunhas da Acusação já inquiridas que devem ser reinquiridas, sem prejuízo do tribunal determinar, oficiosamente, a reinquirição daquelas que julgar imprescindíveis para a descoberta da verdade material;
4) Consequentemente, corrido o prazo supra referido, deverá ser determinado o agendamento das testemunhas cuja reinquirição seja eventualmente requerida, ou ordenada, com um intermeio temporal de 30 dias entre cada sessão/reinquirição, pelo menos enquanto as questões/incidentes/recursos identificados a fls. 46.554 e seguintes não se encontrem definitivamente resolvidas.
Por último, e no sentido de evitar os eventuais riscos de “perda de toda a prova produzida até ao presente” desde já se disponibilizam os Arguidos para, em conjunto com o tribunal, encontrar qualquer solução que permita o cumprimento dos respectivos preceitos legais.

3. Cumprido o contraditório, na sessão de audiência de julgamento de 1 de Julho de 2014 e após deliberação do Tribunal Colectivo, foi proferida a decisão de fls. 46.734 vº e seguintes, na qual foram indeferidas as pretensões dos arguidos, com a seguinte fundamentação:
Quanto a uma questão de ordem processual:
No requerimento dos arguidos LC…, LM…, IC… e LAl… é referido a fls. 46707, ponto 25º, pelo menos implicitamente, uma alegada irregularidade pela circunstância do despacho de fls. 46527 a 46560 ter sido notificado aos mesmos via fax, sem prejuízo de posterior notificação por escrito, isto é, por carta, sem que tenham sido remetidos todos os elementos. Põe-se mesmo em causa este modo de notificação.
Refira-se a este propósito que a notificação via telecópia aos mandatários ou defensores está prevista legalmente como resulta do art. 113º, nº 11 do CPP.
Acresce que na parte que aqui releva, isto é, para a questão da alteração da ordem de produção de prova, em ordem a que os arguidos se pudessem pronunciar e reagir contra a mesma, a notificação não carecia do envio de qualquer outro elemento que não o próprio despacho, sendo certo que, neste âmbito, pelo mesmo despacho quanto à questão em apreço não é determinado o envio de qualquer outro elemento documental.
Vale o exposto por dizer que os arguidos dispunham de todos os elementos necessários para reagir como bem entendessem. Aliás como fazem do despacho de fls. 46527 a 46560.
Quanto ao demais impõe-se estabelecer a devida ordem processual:  
Em abstracto, antes dos requerimentos apresentados hoje pelo MP seria ainda possível nos tempos relativamente próximos proceder à inquirição das testemunhas de acusação MSa…, NL… e JL….
Porém, quanto às mesmas cumpre referir que o MP prescindiu da sua inquirição.
Restava, por fim, em abstracto, a possibilidade de inquirição da testemunha MS…, relativamente ao qual por despacho anterior proferido no processo foi declarado o impedimento absoluto para depor nos presentes autos por ser arguido em processo criminal conexo.
No processo respectivo, foi proferido despacho de arquivamento quanto à mesma, o qual terá força decisória, isto é, depois de decorrido o prazo de abertura de instrução.
Todavia igualmente no que concerne a esta testemunha, pelo requerimento que antecede, o Digno Magistrado do MP declara que mesmo que venha a cessar esse impedimento como consequência lógica do trânsito do despacho de arquivamento, desde já, prescinde da sua inquirição.
Impõe-se portanto aferir o que resta quanto à inquirição das testemunhas de acusação:
Dois grupos:
O primeiro composto pelas testemunhas AA…, CB…, IF… e AG…, advogados e que invocaram o sigilo profissional e relativamente às quais por este Tribunal foi suscitada, perante tribunal superior, a quebra de sigilo profissional, quebra essa que, como documentam os autos, já foi determinada pelo Venerando Tribunal da Relação de Lisboa, embora por Acórdão ainda não transitado em julgado.
O segundo grupo é composto pelas testemunhas EP…, AP…, JR…, AC…, GR…, FCo… e JN….
No que concerne a estas, o Tribunal, por despacho proferido nos autos, entendeu que pelo facto de as mesmas serem arguidas num processo de contra-ordenação conexo não havia impedimento nenhum absoluto para que as mesmas pudessem depor.
Porém, o despacho em causa foi objecto de recurso, ao qual, após reclamação quanto ao seu efeito foi atribuído efeito suspensivo da decisão recorrida.
Por conseguinte, cabe dizer que neste momento não é possível proceder à inquirição de qualquer outra testemunha de acusação arrolada por motivos única e exclusivamente imputáveis aos arguidos.
Com efeito, por um lado, após o Tribunal da Relação ter determinado a quebra do sigilo profissional daquelas 4 testemunhas que invocaram sigilo profissional foram os arguidos e não o MP ou assistentes a recorrerem do Acórdão do Tribunal da Relação que determinou essa quebra.
No que se refere ao outro grupo de testemunhas não é possível proceder também à sua inquirição por motivos imputados aos arguidos.
Por um lado, porque recorreram do despacho que determinou a sua inquirição mas também porque reclamaram do despacho que atribui efeito meramente devoluto e subida a final ao recurso pelos mesmos interposto.
Atenta esta postura processual dos arguidos é manifesto, claro, evidente e inequívoco que os arguidos entendem que aqueles dois grupos de testemunhas, na óptica dos mesmos, não devem ou podem ser inquiridos.
Não devem porque não se justifica a quebra e não podem porque também na sua perspectiva estão impedidas absolutamente de depor.
Nesta perspectiva, salvaguardada obviamente a situação das testemunhas MSa…, NA…, JP… e MS… que foram prescindidas, é por demais evidente que só se pode entender que na própria perspectiva dos arguidos a prova da acusação terminou.
Mais, virem invocar a possibilidade de produção de prova da acusação quando por motivos processuais, que lhes são imputados, as mesmas testemunhas não puderam ser ouvidas e, não poderem mesmo, na sua perspectiva, serem inquiridas, assume-se, processualmente, seja-nos permitido dizer como um "venire contra factum proprium".
Importa ainda referir que as alternativas processuais apresentadas pelos arguidos (reinquirição de uma testemunha de 30 em 30 dias, inquirição de uma testemunha de defesa de 15 em 15 ou de 30 em 30 dias, inquirição de uma testemunha de defesa de um rol e depois outra de um outro rol, igualmente de 15 em 15 ou de 30 em 30 dias) são soluções que não têm qualquer suporte legal face ao princípio da continuidade da audiência, esse sim plasmado no art. 328º, n.º 1 do CPP.
Cabe ainda referir que esta solução apontada ainda poderia ter, em abstracto, algum tipo de viabilidade se fosse previsível um evento futuro, certo e determinado.
Ora, neste caso, tal não se verifica.
É que subsiste sempre a possibilidade, possibilidade essa que tem suporte legal, de as decisões dos tribunais superiores na sequência de recursos interpostos pelos arguidos para o Tribunal da Relação, também já para o Supremo Tribunal de Justiça e acreditamos também, no futuro, para o Tribunal Constitucional, os dois grupos de testemunhas não poderem efectivamente vir a ser inquiridas por determinação dos tribunais superiores.
Nesta perspectiva proceder à inquirição de 30 em 30 dias de testemunhas quando nem sequer é certo que as restantes testemunhas de acusação possam vir a ser inquiridas, é que se nos afigura uma solução manifestamente desproporcional e desadequada e violadora do referido princípio.
Será também, e isso sim, manifestamente desproporcionado e desadequado inquirir testemunhas de 30 em 30 dias aguardando até que os tribunais superiores decidam aqueles recursos quando, são os próprios arguidos que não querem nem pretendem que aqueles dois grupos de testemunhas sejam inquiridas, mais a mais, quando e essencialmente porque, nunca se sabe ao certo qual o tempo previsível que os tribunais superiores possam demorar para se pronunciarem sobre questões que são sujeitas à sua apreciação.
Ainda a propósito da posição manifestada pelos arguidos LC…, LM…, IC… e LAl…, é certo que os mesmos terão razão ao afirmar que o despacho que determinou a alteração legal da ordem de produção da prova será recorrível.
Porém, ao contrário do que parecem afirmar, ainda que interponham recurso desse despacho e mesmo que reclamem do efeito atribuído, tal não terá a virtualidade de impedir que se inicie a inquirição das testemunhas de defesa tal como determinado no despacho em causa.
É que, tal como refere Paulo Pinto de Albuquerque (Comentário do Código Processo Penal, 3ª Edição, páginas 858 e 1037) e também Simas Santos e Leal Henriques (CPP anotado, 2º volume, 1996, página 497) o eventual recurso desse despacho sobe nos próprios autos com o recurso que vier a ser interposto da decisão que puser termo ao processo e a haver reclamação do despacho que retenha o recurso, esta reclamação não tem efeitos sobre o andamento do processo.
Resta, finalmente, só referir:
Os demais argumentos invocados pelos arguidos e em que se arvoram para invocar as irregularidades arguidas são os mesmos por si invocados nos seus requerimentos quando lhes foi facultado o contraditório sobre esta questão designadamente os de fls. 46114 a 46118, 46153 a 46156, 46119 a 46128 e 46167 a 46175.
Ora, esses argumentos já foram devidamente sopesados no despacho de fls. 46527 a 46560, despacho esse para o qual se remete e que aqui se dá integralmente por reproduzido.
Por outro lado, reitera-se que não há qualquer compressão dos direitos dos arguidos.
Com efeito, aliás como resulta do despacho em causa, caso venham a ser inquiridas algumas testemunhas de acusação posteriores assiste sempre aos arguidos, o direito, querendo, na medida em que o entendam por necessário, requerer a reinquirição de testemunhas de defesa que entendam pertinentes em ordem a contraditar a prova apresentada por essas testemunhas de acusação ainda não inquiridas e que possam vir a sê-lo.
Por fim resta referir que a decisão que determinou a alteração da ordem da produção de prova não tem qualquer influência na boa decisão da causa na medida em que o Tribunal não deixa de ouvir qualquer testemunha que tenha sido arrolada e que possa inquirir sendo certo que, a final, será em função dos vários depoimentos da acusação e defesa conjugados com a demais prova constante dos autos que o tribunal, apreciando criticamente esses elementos, proferirá a sua decisão.
Termos em que, em face do exposto, e fundamentos aduzidos decide-se:
1) Julgar não verificadas as irregularidades invocadas pelos arguidos e, consequentemente, indeferi-las;
2) Indeferir o demais requerido pelos arguidos nos requerimentos em apreço;
3) Face ao ora decidido determina-se dar início, de imediato, à inquirição das testemunhas de defesa arroladas pelo arguido JO…, designadamente a testemunha que está presente TCa….
Notifique-se.

4. Ainda no dia 1 de Julho de 2014, depois de terminada a sessão de julgamento, por fax remetido às 20H23, veio o arguido FC… apresentar o requerimento de fls. 46.761 a 46.763 no qual, ao abrigo do disposto nos artigos 118º e 123º do Código de Processo Penal, veio arguir a irregularidade processual do despacho proferido a fls. 46.552 a 46.560, no que respeita à alteração da ordem legal de produção de prova, requerendo a revogação desse despacho.

5. Cumprido o contraditório, na sessão de audiência de julgamento de 2 de Julho de 2014 e após deliberação do Tribunal Colectivo, foi proferida a decisão de fls. 46.770 vº, na qual foi indeferida a pretensão do arguido FC…, com a seguinte fundamentação:
O requerimento do arguido FS… que antecede, no fundo, trata-se de uma súmula do requerimento do arguido OC… constante de fls. 46119 a 46128 ao qual o arguido FS… havia aderido na íntegra, como resulta do seu requerimento de fls. 46134.
Por conseguinte, nada de novo adianta relativamente àquilo que já foi objecto de apreciação e decisão pelo despacho de fls. 46552 a 46560.
Termos em que, dando-se por integralmente reproduzidos os despachos de fls. 46552 a 46560 e o despacho proferido na sessão de julgamento de ontem constante de fls. 46734 verso a 46736 julga-se não verificada a arguida irregularidade pelo que se indefere a mesma.
Notifique-se.

6. Inconformados com o teor da decisão de indeferimento das irregularidades proferida em 1 de Julho de 2014, a fls. 46.734vº e seguintes, os arguidos jo… e lc… interpuseram recurso, pugnando:
O recorrente JO…, que seja:
a) Revogado o douto despacho datado de 1.07.14, que consta da acta da sessão de julgamento realizada da parte da tarde daquele dia, no qual se decidiu (i) indeferir as irregularidades processuais arguidas pelo ora Recorrente em 30.06.14 na sequência do douto despacho de 26.06.14, a fls. 46.552/60, (ii) indeferir o demais requerido pelo Recorrente e (iii) determinar o início imediato da inquirição das Testemunhas arroladas pelo mesmo;
b) Declaradas as três irregularidades processuais arguidas pelo Arguido, ora Recorrente, através de requerimento de 30.06.14, anulando-se o douto despacho recorrido, o douto despacho datado de 26.06.14, que consta de fls. 46.527 a 46.560 dos autos, no que concerne ao segmento decisório de fls. 46.552 a fls. 46.560, bem como toda a tramitação e produção de prova posterior à decisão de 26.06.14 cuja manutenção seja incompatível com a respectiva revogação;
Se assim não se entender, sem que se conceda e de forma subsidiária ao peticionado em a) e b):
c) Mesmo que se venha a considerar que a inversão normativa da ordem da produção de prova é legal e constitucionalmente aceite, deve ser parcialmente revogado o douto despacho datado de 1.07.14, que consta da acta da sessão de Julgamento realizada da parte da tarde daquele dia, declarando-se a irregularidade processual em que incorreu o douto despacho de 26.06.14 decorrente da violação da interpretação “conforme à Constituição” do artigo 328.º do CPP, singularmente considerado ou conjugado com os artigos 341.º, n.º 1 e 348.º, n.º 2, do CPP, e da impossibilidade de, face ao prosseguimento do Julgamento mediante a inversão coerciva da ordem da produção da prova através da inquirição de Testemunhas de defesa, se impor a realização de três sessões de julgamento por semana de manhã e tarde, decidindo-se que, por imposição da interpretação “conforme à Constituição” daquele normativo, o Julgamento apenas poderia ter prosseguido após a concretização da inversão da ordem da prova e até ao seu restabelecimento, através da inquirição de Testemunhas arroladas pelos Arguidos com a realização de 1 (uma) só sessão de 30 (trinta) em 30 (trinta) dias, se assim não se entender, de 1 (uma) só sessão de 15 (quinze) em 15 (quinze) dias ou, a limite e sempre sem conceder, 1 (uma) só sessão por semana de manhã ou de tarde, de forma a que apenas seja ouvida uma Testemunha por semana, anulando-se a parte do douto despacho de 26.06.14 que excedeu tais limites, bem como toda a tramitação e produção de prova posterior ao mesmo cuja manutenção seja incompatível com a respectiva revogação parcial;
Se assim não se entender, sem que se conceda e de forma subsidiária ao peticionado em a) e b) e de forma cumulativa com o peticionado em c):
d) Mesmo que se venha a considerar que a inversão normativa da ordem da produção de prova é legal e constitucionalmente aceite, deve ser parcialmente revogado o douto despacho datado de 26.06.14, que consta de fls. 46.527 a 46.560 dos autos, no que concerne ao segmento decisório relativo à questão apreciada de fls. 46.552 a fls. 46.560, declarando-se a irregularidade processual em que incorreu o douto despacho de 26.06.14 por violação da  interpretação “conforme à Constituição” a atribuir aos artigos 341.º, n.º 1 e 348.º, n.º 2, in fine, do CPP, e declarando-se que, nos termos da mesma, a inversão da ordem da produção de prova apenas poderia ter sido implementada de forma a que, considerando a ordem pela qual estão indicados na pronúncia, cada um dos Arguidos que não produziram voluntária e antecipadamente a sua prova inquirisse uma Testemunha por si arrolada, se necessário fosse alterando a ordem do respectivo rol, repetindo-se tal procedimento no futuro, se indispensável para a manutenção da validade da prova, até que o Julgamento pudesse continuar com a produção da prova da pronúncia e da demais requerida pelo MP e já ordenada por aditamento àquela, anulando-se ainda toda a tramitação e produção de prova posterior ao douto despacho de 26.06.14 cuja manutenção seja incompatível com tal procedimento e com a revogação parcial do mesmo.;
O recorrente LC…, que seja revogada a Decisão Recorrida, reconhecendo-se as irregularidades suscitadas e declarando-se a impossibilidade de inversão da ordem da produção de prova de forma a que Arguido tenha de iniciar a produção da prova da sua defesa antes de finda a prova da Acusação, consequentemente anulando-se toda a tramitação posterior à Decisão recorrida cuja manutenção seja incompatível com a revogação da mesma                 

7. O Recorrente JO… extraiu da sua motivação (cf. fls. 47691 e segs.) as seguintes conclusões (encontrando-se reproduzidas, no final do bloco de conclusões, as respectivas notas de rodapé, cuja numeração originária se manteve):
A.1 – Da impossibilidade legal de inversão coerciva da ordem da prova entre a acusação e a defesa / Do prejuízo para os direitos de defesa do Arguido:
1.º - O artigo 341.º, n.º 1, do Código de Processo Penal (CPP) estipula a ordem de produção de prova a que deve obedecer a audiência de discussão e julgamento e o artigo 348.º, n.º 2, “in fine”, do mesmo diploma legal, prevê uma excepção, permitindo a alteração da ordem de prestação de depoimento das Testemunhas, considerando aquela por que foram indicadas, sempre que, por fundado motivo, o Presidente do coletivo dispuser de maneira diferente.
2º - Todavia, na óptica do ora Recorrente, à luz da interpretação “conforme à Constituição” a faculdade prevista 348.º, n.º 2, “in fine”, do CPP, não preclude, nem pode perverter, a disciplina prevista no mencionado artigo 341.º, n.º 1, apenas permitindo que, em cada perímetro de prova, seja da acusação, seja da defesa, se possa nele proceder à alteração fundamentada da ordem pela qual as Testemunhas devem prestar o seu depoimento, mas tal não perpassa para a alteração da própria ordem da produção de prova, da acusação e da defesa, que é injuntiva.
3.º - Se não se permitir ao Arguido avaliar, numa visão integral, toda a prova que pretende sustentar a acusação e só nesse momento tomar posição quanto à prova que pretende produzir - até para determinar se a mesma se torna efetivamente necessária ou, pelo contrário, claramente desnecessária ou contrária ao sentido da defesa – é notório que se obriga o Arguido à produção de uma prova que, do prisma da estratégia da defesa, terá tão de precipitado como de conteúdo eventualmente desfavorável à mesma.
4.º - Considerando a prova ainda a produzir, cujo conteúdo se desconhece, o Arguido é incapaz de antecipar com o mínimo de segurança, face à dimensão e complexidade dos autos, ao número de Testemunhas a inquirir e ao potencial de conhecimento que algumas delas parecem assumir no contexto dos factos, qual o concreto objecto temático dos depoimentos e o conteúdo dos mesmos, sendo que algumas das Testemunhas em causa parecem, em abstracto, poder depor sobre quase toda a pronúncia, relevando destacar ao nível dos Advogados, o Dr. AG…, a Dr.ª IF… (ex co-arguida nos autos) [24] e o Dr. AP… (ex-administrador do BPN), e ao nível do Departamento de Operações do BPN a testemunha EP…, o qual chegou a assumir o cargo de Director Adjunto da DOP que processava, todos ou grande parte, dos movimentos subjacentes às operações e fluxos a que alude a pronúncia, inclusive do balcão 2 (v.d. artigos 150.º e 195.º da pronúncia).
5.º - A este propósito, cumpre salientar que, por douto despacho proferido a fls. 44573 a 44575, o Tribunal “a quo” considerou, relativamente às testemunhas AI…, IA…, CA… e Ama…, Advogados ainda não inquiridos, mas cujo depoimento foi já determinado por douto Ac. do TRL de 26.02.2014 (não transitado em julgado), que “Será justificada a quebra porque não se vislumbram meios alternativos à quebra do segredo profissional que permitam apurar a verdade no que concerne aos factos supra descritos e à intervenção das sociedades Planfin e Cardoso, Ferreira, Guimarães e Associados nos factos mencionados na pronúncia” [25].
6.º - Pelo exposto, num caso como o dos autos (atenta a fase da prova reportada à data do douto despacho recorrido datado de 26.06.14 e da douta decisão recorrida, datada de 1.07.14 que o reiterou), ao forçar-se o Arguido ao exercício antecipado da sua defesa, num momento em que se reconhece que, face à prova produzida pela acusação, “não se vislumbram meios alternativos à quebra do segredo profissional que permitam apurar a verdade no que concerne aos factos supra descritos e à intervenção das sociedades Planfin e Cardoso, Ferreira, Guimarães e Associados nos factos mencionados na pronúncia”, assume-se, por via da interpretação normativa aplicada, a hipótese de se vir a comprometer de forma intolerável o exercício livre e informado (face ao conhecimento efectivo das provas do MP e àquelas que foram já ordenadas a requerimento do MP) de todos os direitos de defesa a que alude o artigo 32.º, n.º 1, da CRP, violando-se a estrutura acusatória do processo penal, maxime, na fase de julgamento (artigo 32.º, n.º 5, do CRP);
7.º - Evidência de que o Tribunal “a quo” sabe que existe prejuízo ao menos potencial para os direitos de defesa dos Arguidos é o facto de (refira-se a bem da verdade) ter tentado atrasar a verificação de tal prejuízo, o que fez através de algum espaçamento da marcação das sessões de julgamento e da desmarcação das sessões das últimas duas semanas anteriores à prolação do despacho de 26.06.14, que o douto despacho recorrido reiterou. Ora, só o faria o Tribunal se percepcionasse (como percepcionou) que a inversão da ordem da prova ora ordenada é prejudicial (pelo menos de forma potencial) ao cabal exercício dos direitos de defesa dos Arguidos.
8.º - Assim, na óptica do ora Recorrente não tem razão a douta decisão ora recorrida quando afirma “reitera-se que não há qualquer compressão dos direitos dos arguidos. Com efeito, aliás como resulta do despacho em causa, caso venham a ser inquiridas algumas testemunhas de acusação posteriores assiste sempre aos arguidos, o direito, requerendo, na medida em que o entendam por necessário, requerer a reinquirição de testemunhas de defesa que entendam pertinentes em ordem a contraditar a prova apresentada por essas testemunhas de acusação ainda não inquiridas e que possam vir a sê-lo.”
9.º - Tal prejuízo poder-se-á em abstracto materializar face à quantidade e qualidade da prova a produzir que se desconhece e se é incapaz de antecipar face à dimensão e complexidade dos autos:
a) ou porque o Arguido vem a decidir não efectuar quaisquer perguntas às Testemunhas por si arroladas por acreditar que, face à prova até à data produzida, virão a ser desnecessárias ou desfavoráveis à defesa, e a final se vem a concluir  que as perguntas que se omitiram eram pertinentes e/ou favoráveis à sua defesa, quer para a eventual absolvição do Arguido, quer num prisma subsidiário de contextualização e atenuação dos factos;
b) ou porque se obriga o Arguido a predeterminar as Testemunhas que faz ouvir e de que prescinde, a efectuar perguntas e a antecipar a sua defesa, forçando-o a assumir o indesejado risco inerente a tal conduta e, a final, se vem a concluir que, face à concreta prova produzida (ou não) e ao princípio do direito probatório em processo penal “in dubio pro reo”, aquelas Testemunhas/perguntas foram não só desnecessárias como redundaram na produção de um meio de prova que, de outra forma, se teria legitimamente evitado ou utilizado quanto a um tema ou numa abordagem estratégica diferente, e que o mesmo se revelou manifestamente desfavorável à defesa, contribuindo (por desinformada e extemporânea iniciativa do Arguido) de forma significativa para uma putativa condenação, para uma pena mais grave, ou para a sua não suspensão.
10.º - Não faz sentido, nem salvaguarda as garantias de defesa constitucionalmente consagradas ao Arguido, obrigar o Arguido a antecipar a sua prova e a pré-definir a sua estratégia de defesa, as perguntas que faz, ou deixa de fazer, sobre os factos, num momento em que não sabe (nem pode saber) que concreta prova virá ainda o MP a produzir.
11.º - Se se reconhece ao Arguido o direito ao silêncio, direito que o ora Recorrente decidiu até à data exercer, ao mesmo não poderá deixar de se reconhecer o direito a estruturar livre e esclarecidamente a prova que pretende fazer produzir face a um conhecimento prévio da prova do autor (o detentor da acção penal), de forma a que o Arguido possa defender-se evitando legitimamente que, de uma sua iniciativa probatória potenciada pela (in)oportunidade da respectiva produção, resulte numa eventual “auto-incriminação” [26], ou no agravamento da sua responsabilidade, reconhecendo-se ao Arguido o tríptico garantístico constituído pela presunção de inocência, pelo “in dubio pro reo” e pelo “nemo tenetur se ipsum accusare” direitos dos quais o Arguido é direito beneficiário.
12.º - As respostas das Testemunhas às perguntas feitas antes ou depois serão necessariamente as mesmas, porém, a escolha das concretas perguntas que o Arguido dirige às Testemunhas por si arroladas (mormente num processo de elevadíssima complexidade), à luz de um livre e esclarecido exercício dos seus direitos de defesa face ao conhecimento prévio da prova da acusação, é um direito inalienável do Arguido.
13.º - É verdade que, como se salienta no despacho de 26.06.14, que o douto despacho ora recorrido reiterou, que se concederá ao Arguido o direito a reinquirir “alguma(s)” Testemunha(s) por si arroladas se face à prova que se vier a produzir tal se justificar [27]. Porém, como é bom de ver, o Arguido não tem sequer nesta data a certeza de que alguma ou toda a prova “pendente”, ou em falta, venha efectivamente a ser produzida e, se não vier (total ou parcialmente) ou se o seu conteúdo for considerado irrelevante (rectius, incapaz de justificar a reinquirição de uma Testemunha de defesa já ouvida), nada mais poderá o Arguido fazer para colmatar eventuais áreas ou temas da sua forçada e extemporânea defesa que, por cautela de patrocínio, não quis legitimamente abordar na inquirição às Testemunhas por si arroladas sem sobre eles conhecer toda a prova contra si requerida e já ordenada.
14.º - Ora, quanto a isto nada diz o douto despacho de 26.06.14 ou o despacho recorrido, que o dá como integralmente reproduzido, sendo que se se garantisse ao Arguido que poderia não apenas requerer mas reinquirir todas as suas Testemunhas a toda a matéria estar-se-ia a reconhecer/instituir (e não foi isso que foi decidido) que passavam a existir quatro rondas de prova, uma do MP incompleta, outra do Arguido, por cautela de patrocínio, necessariamente incompleta, porventura inócua ou até prescindida, outra do MP para completar a primeira e uma final do Arguido para contraditar todo e qualquer aspecto que (bem ou mal) julgasse pertinente à luz dos seus direitos de defesa.
15.º - Se assim fosse a inversão da ordem da prova ordenada redundaria num acto apenas destinado a assegurar a validade da prova, objectivo esse que se lograria desde logo com a mera inquirição de uma Testemunha de acusação em falta uma vez por mês ou, se necessário fosse, com a reinquirição de uma já inquirida para esclarecimento de uma qualquer questão apreciada, sendo que temas não faltarão num processo de tamanha dimensão e complexidade, procedimento que tendo sido rejeitado pela decisão recorrida o Tribunal “a quo” acabou por implementar na Audiência de Julgamento ocorrida em 15 de Julho e 11 de Agosto de 2014, sessões em que, tendo o Arguido recusado inquirir as Testemunhas de defesa comuns à acusação [28], o Tribunal “a quo” entendeu (com o evidente objectivo de assegurar a validade da prova) efectuar oficiosamente perguntas à Testemunha de acusação já inquirida SN…, ficando a constar da acta tal iniciativa, o que foi depois repetido no dia 11 de Agosto de 2014 com a Testemunha PS… [29].     
16.º - Assim, na óptica do Recorrente, ao contrário do que se decidiu no douto despacho recorrido e no douto despacho de 26.06.14 que o antecedeu, o princípio constitucional do contraditório (artigo 32.º, n.º 5, da CRP) impõe de forma vinculativa o cumprimento da ordem de produção da prova prevista no artigo 341.º, n.º 1, do CPP e não se basta nem esgota com a mera afirmação do “princípio da paridade de armas entre acusação e defesa, o que existe quando se constata que “a defesa teve chances – fácticas – de contrariar as provas produzidas em seu desfavor””.
17.º - Ao invés, “Dada a radical desigualdade material de partida entre a acusação (normalmente apoiada no poder institucional do Estado) e a defesa, só a compensação desta, mediante específicas garantias, pode atenuar essa desigualdade de armas”   [30], o respeito pela ordem da produção de prova configura uma das específicas garantias de defesa a que alude o artigo 32.º, n.º 1 e 5, da CRP.
18.º - Por outro lado, conforme se explicitou na motivação “supra” o Tribunal “a quo” antes de em 26.06.14 determinar a inversão da ordem da produção da prova não cuidou sequer de confirmar a (im)possibilidade de fazer ouvir as Testemunhas EN…, NL…, MS….
19.º - Quanto a estas Testemunhas de acusação, o Ministério Público, ciente de que a inversão da ordem da produção da prova sem ao menos se aferir da impossibilidade de inquirição das Testemunhas de acusação remanescentes seria totalmente indefensável, apressou-se a prescindir das mesmas, o que fez através de requerimento constante de fls. 46.660 dos autos [31].
20.º - Por outro lado, considera o Arguido que a marcação das Testemunhas arroladas pela Assistente BPN SA e daquelas que foram aditadas nos termos do artigo 340.º do CPP na sequência do requerimento apresentado pelo Arguido RO..., deveria ter sido, e não foi, efectuada pelo Tribunal “a quo” com o espaçamento necessário a salvaguardar a validade da prova e a evitar que se tivesse de equacionar (na pendência dos recursos a que alude o despacho datado de 22.04.14) a hipótese de “forçar” os Arguidos a produzir a prova da defesa antes de finda a prova da acusação, da Assistente, ou daquela que já foi ordenada por aditamento às mesmas.
21.º - Assim, em 26.06.2014 (data do douto despacho que ordenou a inversão da ordem da prova) e em 1.07.14 (data do douto despacho recorrido), face ao momento da prova e à impossibilidade e desnecessidade (tanto mais que poderia e deveria anteriormente ter espaçado a marcação das Testemunhas da Assistente BPN e do Arguido RO… de forma a evitar a situação) de coercivamente inverter a ordem da produção da mesma de forma a forçar o Arguido a produzir a sua prova antes de conhecer a prova da acusação, restava ao Tribunal “a quo” (no momento da prolação do despacho recorrido) assegurar a validade da prova através da reinquirição de uma Testemunha da acusação já ouvida de forma a esclarecer alguma da imensa matéria de facto que é objecto dos autos ou, alternativamente, ordenar a produção oficiosa de prova testemunhal adicional à já requerida pelos sujeitos processuais, nos termos e para os efeitos do artigo 340.º, n.º 2, do CPP. 
22.º - Pelo que, o Tribunal “a quo” não tinha fundamento para afirmar, como afirmou no douto despacho de 26.06.14 que a douta decisão recorrida secundou e deu como reproduzido, que com as alternativas apresentadas pelos Arguidos “se colocaria em crise o princípio da continuidade da audiência de julgamento” e que “chegou-se ao limite do admissível face ao referido princípio da continuidade da audiência”, pois que existiam meios processuais, a que posteriormente o Tribunal lançou mão, para assegurar a continuidade dos trabalhos e a validade da prova.
23.º - A douta decisão ora recorrida, ao reiterar e manter o douto despacho datado de 26.06.14, aplicou os artigos 341.º, n.º 1 e 348.º, n.º 2, do CPP, interpretados no sentido de, em processo de declarada complexidade processual e grande volume, permitirem que, sem o consentimento do Arguido, seja determinado o início da produção da prova testemunhal arrolada pela defesa antes de finda a prova testemunhal da acusação [32] já ordenada por decisão(ões) pendente(s) de recurso(s) com efeito suspensivo, os quais, assim interpretados, são materialmente inconstitucionais, por violação dos artigos 18.º, n.ºs 1 e 2 e 32.º, n.os 1 e 5, da Constituição da República Portuguesa.
24.º - A norma aplicada, considerando o processo penal em que a mesma se insere, além de obrigar - de forma inaceitável - o Arguido à produção antecipada da sua prova sem conhecer e controlar as provas da acusação, não concede ao mesmo a titularidade de um verdadeiro direito à defesa, uma vez que tendo a prova da defesa sido previamente produzida, deixa à consideração do Tribunal de julgamento a decisão de deferir ou indeferir (parcial ou totalmente) o eventual requerimento para produção de prova adicional, assim transformando aquele que é um direito potestativo de defesa constitucionalmente reconhecido ao Arguido no artigo 32.º, n.ºs 1 e 5, da CRP (o direito à defesa e ao contraditório após a prova do MP) numa mera expectativa jurídica.
25.º - Porém, sem conceder, se (discordando-se do Recorrente) se considerar que o “recorte” da interpretação normativa aplicada na decisão recorrida não dispensa, no respectivo enunciado, da referência à possibilidade conferida aos Arguidos de requererem a reinquirição de algumas das suas Testemunhas após a prova remanescente da acusação, desde já se deixa arguida a inconstitucionalidade material dos artigos 341.º, n.º 1 e 348.º, n.º 2, do CPP, interpretados no sentido de, em processo de declarada complexidade processual e grande volume, permitirem que, sem o consentimento do Arguido, seja ordenado o início da produção da prova testemunhal arrolada pela defesa antes de finda a prova testemunhal da acusação já ordenada por decisão(ões) pendente(s) de recurso(s) com efeito suspensivo, sem prejuízo do direito dos Arguidos de, após inquirição das Testemunhas de acusação que ainda sejam ouvidas, requererem a reinquirição de alguma(s) Testemunha(s) de defesa, por violação dos artigos 18.º, n.º 1 e 32.º, n.os 1 e 5, da Constituição da República Portuguesa.
26.º - Como efeito, o douto despacho recorrido apenas reconhece ao Arguido o direito a requerer a reinquirição de alguma(s) Testemunha(s), o que não se confunde com o direito do Arguido a reinquirir de forma incondicional todas as Testemunhas por si arroladas.
27.º - Assim, a única solução normativa admissível à luz da Constituição de República Portuguesa que permitirá atenuar a desigualdade entre a defesa e a acusação, materializando as garantias de defesa que a Constituição da República Portuguesa confere ao Arguido em processo penal, será aquela que estatua que a produção da prova pelo Arguido não pode de forma coerciva – leia-se, na ausência de acordo - preceder a da acusação.
28.º - A especial dimensão e complexidade dos autos justifica uma inequívoca preocupação adicional com o contraditório e com os direitos de defesa, já reconhecida no douto Ac. do Tribunal Constitucional n.º 110/2011 e nos doutos despachos datados de 13 de Dezembro de 2012, a fls. 36258 e seguintes, 26.03.13, constante de fls. 38.182/3 e de 9.12.13, a fls. 41.608, cujos teores se dão como reproduzidos.
29.º - Acresce que, conforme resulta dos autos, raras são as sessões de Julgamento em que as Testemunhas de acusação não foram inquiridas e confrontadas com documentos do denominado “apenso 33” (que contém mais de um milhão de documentos), sendo por isso previsível que continuem em sê-lo até final, sendo que, na presente fase processual, o Tribunal “a quo” ainda não deu cumprimento integral ao seu despacho de 13 de Dezembro de 2014, o que o Arguido requereu a fls. 46920 a 46926 e foi indeferido por douto despacho datado de 11.07.2014, circunstância que obsta igualmente a que o Arguido possa, na presente fase processual, exercer de forma plena o contraditório não só relativamente à prova testemunhal da acusação, que desconhece, mas relativamente à prova documental que com base na infindável prova digital constante do “apenso 33” possa vir a ser exibida às Testemunhas remanescentes da acusação.
30.º - Por outro lado, a decisão recorrida interpretou o artigo 328.º, n.ºs 1 e 3, al. c), isoladamente ou conjugado com os artigo 341.º, n.º 1, e 348.º, n.º 2, do CPP, no sentido de, em processos de declarada complexidade processual e grande volume, a quebra do sigilo na pendência do incidente previsto no artigo 135.º do CPP onde tenha sido ordenada por decisão não transitada a inquirição, como Testemunhas de acusação, de Advogados sujeitos ao sigilo profissional, não constituir uma “questão prejudicial, prévia ou incidental, cuja resolução seja essencial para a boa decisão da causa e que torne altamente inconveniente a continuação da audiência” e de, nessas circunstâncias, se poder ordenar a inversão da ordem legal da produção de prova e impor a antecipação da prova pela defesa.
31.º - Tal interpretação normativa é flagrantemente inconstitucional por violação do artigo 18.º, n.º 2, 32.º, n.ºs 1 e 5, da CRP, por o incidente para a quebra de sigilo que haja sido ordenada pressupor a “imprescindibilidade” do meio de prova aí ordenado para a descoberta da verdade material face aos demais meios de prova existentes e até à data produzidos em Julgamento, o que torna (por exigência constitucional) obrigatório para tutela dos direitos de defesa do Arguido, subsumir tal incidente e questão àquelas que tornam “altamente inconveniente a continuação da audiência” através da inversão da ordem da prova e da da exigência de produção de prova antecipada pelas defesas.
32.º - Nem se diga, como no douto despacho recorrido, que o Arguido, ora Recorrente, age em “venire contra factum proprium”, ou seja, em abuso de direito (artigo 334.º do Código Civil).
33.º - É certo que o Arguido, ora Recorrente, recorreu das decisões que determinaram a inquirição das testemunhas remanescentes da acusação (Advogados e co-Arguidos em processos punitivos conexos) e que subsequentemente, na pendência de tais recursos, tem defendido a impossibilidade de se avançar para a produção da sua prova testemunhal.
34.º - Quanto ao primeiro momento da actuação do Arguido, o dos recursos onde se discute apenas e só a admissibilidade legal de um meio de prova cuja produção é ordenada contra o mesmo, não se vislumbra como poderá ser ilegítimo o exercício de um direito constitucionalmente consagrado no artigo 32.º, n.º 1, “in fine”, da CRP, uma vez que o mesmo exercício se cingiu àquele que é o seu normal fim social e dentro dos limites legalmente consagrados [33].
35.º - Por outro lado, se foram os Tribunais, em estrito cumprimento da lei, que fixaram aos recursos interpostos pelo Arguido o efeito e regime de subida que reconhecem que são os legais, não podem o Tribunal “a quo” agora invocar que tais efeitos obstam ilegitimamente – “rectius”, “por motivos única e exclusivamente imputáveis aos Arguidos” - ao prosseguimento da inquirição das Testemunhas da acusação.
36.º - Não há por isso, no primeiro momento da actuação do Arguido – o da interposição de recursos onde se discute apenas e só a admissibilidade legal de um meio de prova cuja produção é ordenada contra o Arguido - qualquer abuso de direito.
37.º - Quanto ao segundo momento, em que o Arguido entende não poder/dever iniciar a sua produção de prova por desconhecer ainda a totalidade da prova da acusação, a posição do Arguido, concorde-se ou não com a mesma, parte da certeza de que existe um prejuízo efectivo para a defesa decorrente da inversão da ordem legal da prova, mormente num processo de elevadíssima complexidade e grande dimensão como o presente.
38.º - Pelo exposto, num caso como o dos autos (atenta a actual fase da prova e a sua especial complexidade), a invocação pelo Arguido, ora Recorrente, da impossibilidade legal de inversão da ordem da prova não consubstancia certamente qualquer abuso de direito.
39.º - Dizer o contrário é afirmar que, para evitar tal alegado abuso de direito, ou (i) o Arguido tem o direito legítimo a impugnar decisões que ordenem a produção de meios de prova contra si ordenados, mas se o fizer (caso a lei determine, como determina, que tais recursos têm efeito suspensivo) tem obrigatoriamente de aceitar avançar para a produção das suas Testemunhas de defesa ainda que considere que tal é legalmente inamissível e lhe é prejudicial, ou (ii) terá alternativamente de se conformar com as decisões que ordenem a produção de meios de prova contra si ordenados, deixando de delas recorrer.
40.º - Dito isto, se algum atraso advém para o julgamento em curso de tais recursos o mesmo é, em si, um atraso natural e inerente ao normal funcionamento do sistema judicial existente e da lei vigente no que concerne aos efeitos dos recursos, que pressupõem não só a existência do direito ao recurso mas a utilidade de tal direito para tutela efectiva dos direitos subjacentes, o que, em casos restritos, leva (como levou “in casu”) a que tais recursos sejam dotados de efeito suspensivo.
41.º - Perante a oposição fundamentada do Arguido expressamente constante dos autos (v.d. requerimento do Arguido a fls. 46.119 a 46.128) ao ordenar a inversão da ordem da produção de prova de forma a que Arguido, ora Recorrente, tivesse de iniciar a produção da prova da sua defesa antes de finda a prova requerida pelo MP, incorreu o douto despacho datado de 26.06.2014 e subsequentemente o douto despacho de 1.07.14, ora recorrido, na violação dos artigos 328.º,  n.ºs 1 e 3, al. c), 341.º, n.º 1 e 348.º, n.º 2, do CPP, na sua interpretação “conforme à Constituição” e ao artigo da 6.º da CEDH, artigos que, por isso, foram aplicados em sentido materialmente inconstitucional, por violação dos artigos 18.º, n.º 2 e 32.º, n.os 1 e 5, da Constituição da República Portuguesa, razão pela qual deveria o Tribunal “a quo”, em ambas as decisões, ter recusado a aplicação de tais normas, nos termos do artigo 204.º da CRP, devendo ser anulado o douto despacho recorrido, o douto despacho datado de 26.07.14, que consta de fls. 46.527 a 46.560 dos autos, no que concerne ao segmento decisório de fls. 46.552 a fls. 46.560 (que o despacho recorrido manteve), bem como toda a tramitação e produção de prova posterior à decisão de 26.06.14 cuja manutenção seja incompatível com a revogação daquela.
A.2 – Da forma de implementação da inversão da ordem legal de produção de prova:
42.º - Sem que se conceda quanto ao que acima se deixou alegado no que concerne à (im)possibilidade de inversão coerciva da ordem da produção da prova, verifica-se que para acautelar a continuidade da Audiência e a validade da prova produzida ao longo de 3 (três) anos bastaria ao Tribunal “a quo” ordenar a inquirição de uma Testemunha de defesa de 30 (trinta) em 30 (trinta) dias, solução que o Tribunal “a quo” face à recusa de inquirição de Testemunhas pelo Arguido ora Recorrente acabou por oficiosamente implementar (com recurso à inquirição de Testemunhas comuns à acusação) nas sessões de Julgamento de 15 de Julho e 12 de Agosto de 2014, razão pela qual a compressão para além disso dos direitos de defesa do Arguido é, para esse concreto efeito, desproporcional e desadequada, e assim desnecessária (artigo 18.º, n.º 2, da CRP).
43.º - A marcação, efectuada pelo douto despacho datado de 26.06.14 e reiterada pela douta decisão recorrida, da inquirição de Testemunhas de defesa à mesma cadência com que foram outrora marcadas Testemunhas de acusação de forma a ocupar 3 (três) dias de julgamento de manhã e tarde por semana pressupõe que existe uma situação de normalidade processual que manifestamente não ocorre, pois que a prova cuja produção se ordenou será produzida à revelia da estrutura acusatória do processo penal português (artigo 32.º, n.º 5, do CRP).
44.º - Por outro lado, nunca o interesse constitucional na celeridade processual (artigo 20.º, n.º 4, da CRP) se poderá ser equiparado ao exercício livre e esclarecido dos direitos de defesa por parte do Arguido (artigo 32.º, n.º 1, da CRP).
45.º - Mas, mesmo para quem sustente o contrário, haverá que compatibilizar o interesse na celeridade processual com o interesse em restringir o mínimo possível os direitos de defesa do Arguido, o que a manutenção da cadência do julgamento ao ritmo anterior de três sessões de julgamento de manhã e tarde por semana com recurso à inquirição antecipada de Testemunhas de defesa não assegura certamente.
46.º - De facto, se se reconhecer ao menos que a situação é potencialmente desfavorável ao cabal exercício de todos os direitos de defesa por parte do Arguido a que alude o artigo 32.º, n.º 1, da CRP – e se assim não fosse não se teria atrasado a decisão da inversão da ordem da produção da prova – ter-se-á, no mínimo, que reduzir a cadência das marcações efectuando uma só sessão de 30 (trinta) em 30 (trinta) dias, se assim não se entender, de 15 (quinze) em 15 (quinze) dias ou, a limite, 1 (uma) sessão por semana de manhã ou de tarde, de forma a se ouvir uma só Testemunha de defesa.
47.º - Assim, considera o Arguido, ora Recorrente, que não tem qualquer razão a douta decisão recorrida quando afirma “Importa ainda referir que as alternativas processuais apresentadas pelos arguidos (reinquirição de uma testemunha de 30 em 30 dias, inquirição de uma testemunha de defesa de 15 em 15 ou de 30 em 30 dias, inquirição de uma testemunha de defesa de um rol e depois outra de um outro rol, igualmente de 15 em 15 ou de 30 em 30 dias) são soluções que não têm qualquer suporte legal face ao princípio da continuidade da audiência, esse sim plasmado no art. 328º, n.º 1 do CPP.”
48.º - De facto, o invocado princípio da continuidade da audiência plasmado no artigo 328.º, n.º 1 do CPP, não afasta o princípio do contraditório (núcleo essencial dos direitos de defesa expresso no artigo 32.º, n.º 1 e 5, da CRP) e mesmo para quem entenda que o primeiro obriga à flexibilização do segundo (o que não se concede) tal compatibilização (nos termos do artigo 18.º, n.º 2, da CRP) não foi sequer tentada pelo despacho de 26.06.14 ou pelo despacho recorrido, pela simples razão de que ambas as decisões nem sequer reconhecem que a ordenada inversão da prova importa uma “compressão” daí decorrente para os direitos do Arguido.
49.º - Assim, sem conceder, na óptica do ora Recorrente toda a interpretação normativa que ultrapasse a compressão dos direitos de defesa dos Arguidos (artigo 32.º, n.ºs 1 e 5, da CRP) de forma a autorizar a implementação de uma ordem de trabalhos que obrigue os mesmos a inquirirem por antecipação mais de uma Testemunha de 30 (trinta) em 30 (trinta) dias, solução normativa que salvaguarda inequivocamente o princípio da continuidade da audiência e à validade da prova já produzida até que possa ser decidido por decisão transitada o recurso ou incidente que obste à imediata produção da prova remanescente da acusação, é desnecessária à luz da regra da compatibilização dos bens jurídicos constitucionais conflituantes expressa nos artigo 18.º, n.º 2, da CRP, por restringir de forma desnecessária e intolerável os direitos de defesa dos Arguidos e o princípio da estrutura acusatória do processo penal.
50.º - Para fundamentar a recusa da primeira solução normativa subsidiária sugerida pelo Arguido, ora Recorrente, aplicou a douta decisão recorrida o artigo 328.º, do CPP, singularmente considerado ou conjugado com os 341.º, n.º 1 e 348.º, n.º 2, do CPP, interpretado no sentido de, em processo de declarada complexidade processual e grande volume, permitir que, em caso de alteração da ordem da prova entre a acusação e a defesa e até que a mesma seja restabelecida, seja agendada sem consentimento do Arguido a produção da prova testemunhal da defesa mais do que uma vez de 30 em 30 dias, artigo que, assim interpretado, é materialmente inconstitucional por violação dos artigos 18.º, n.º 2 e 32.º, n.os 1 e 5, da Constituição da República Portuguesa.
51.º - Para fundamentar a recusa da segunda solução normativa subsidiária sugerida pelo Arguido, ora Recorrente, aplicou a douta decisão recorrida o artigo 328.º, do CPP, singularmente considerado ou conjugado com os 341.º, n.º 1 e 348.º, n.º 2, do CPP, interpretado no sentido de, em processo de declarada complexidade processual e grande volume, permitir que, em caso de alteração da ordem da prova entre a acusação e a defesa e até que a mesma seja restabelecida, seja agendada sem consentimento do Arguido a produção da prova testemunhal da defesa mais do que uma vez de 15 em 15 dias, artigo que, assim interpretado, é materialmente inconstitucional por violação dos artigos 18.º, n.º 2 e 32.º, n.os 1 e 5, da Constituição da República Portuguesa.
52.º - Para fundamentar a recusa da terceira solução normativa subsidiária sugerida pelo Arguido, ora Recorrente, aplicou a douta decisão recorrida o artigo 328.º, do CPP, singularmente considerado ou conjugado com os 341.º, n.º 1 e 348.º, n.º 2, do CPP, interpretado no sentido de, em processo de declarada complexidade processual e grande volume, permitir que, em caso de alteração da ordem da prova entre a acusação e a defesa e até que a mesma seja restabelecida, seja agendada sem consentimento do Arguido a produção da prova testemunhal da defesa mais do que uma vez de por semana, artigo que, assim interpretado, é materialmente inconstitucional por violação dos artigos 18.º, n.º 2 e 32.º, n.os 1 e 5, da Constituição da República Portuguesa.
53.º Assim, ao invés de - face a inversão coerciva da ordem da produção da prova -  ordenar a realização dos trabalhos de forma a impor a realização de três sessões por semana de manhã e tarde (equivalente àquela que anteriormente praticara em condições de normalidade processual), deveria a douta decisão recorrida ter recusado, nos termos do artigo 204.º da CRP, a aplicação das interpretações normativas que extraiu do artigo 328.º, do CPP, singularmente considerado ou conjugado com os artigos 341.º, n.º 1 e 348.º, n.º 2, do CPP, para fundamentar a decisão que recusou as diversas soluções sucessiva e subsidiariamente requeridas pelo Arguido, ora Recorrente.
54.º - Pelo exposto, deveria, no mínimo, a decisão recorrida ter anulado o despacho datado de 26.06.14 declarando a irregularidade processual arguida pelo ora Recorrente relativa à cadência da marcação dos trabalhos implantada com base naquelas nas interpretações normativas.
Por outro lado;
55.º - À luz da norma concretamente aplicada pela douta decisão recorrida (e anteriormente pelo despacho de 26.06.14) uma parte individualizável e distinta do universo dos Arguidos visados pela inversão da ordem legal da prova (leia-se, no caso concreto, aqueles que não produziram ainda a sua prova, ou seja, todos menos o Arguido RO…) é afectada em maior medida por essa inversão.
56.º - De facto, o primeiro Arguido a ser identificado na pronúncia (no caso concreto, o ora Recorrente) é imediatamente afectado pela restrição normativa, votando-se os demais (e muito em particular os últimos, considerando a ordem pela qual estão indicados na pronúncia) a um tratamento arbitrário e diferenciado que não se funda em quaisquer razões “objetivamente justificadas por valores constitucionalmente relevantes, [que] se revelem racional e razoavelmente fundadas.”.
57.º - O mero facto de o Arguido, ora Recorrente, ser o primeiro a ser elencado na pronúncia não justifica, em termos materiais, que sejam os seus direitos de defesa a ser sacrificados/comprimidos e não os de todos de igual forma, face ao concreto circunstancialismo processual em que o Tribunal “a quo” estriba a alegada necessidade de inversão da ordem da produção de prova.
58.º - Para respeitar o princípio da igualdade – que impõe que o que é materialmente igual seja tratado de igual forma – teria a norma aplicada de proceder a uma compressão adequada e igualitária dos direitos de defesa dos diversos Arguidos, ao invés de determinar a imediata e arbitrária penalização dos direitos de defesa do primeiro Arguido a ser identificado na pronúncia em benefício dos demais.
59.º - Assim, a douta decisão recorrida (e anteriormente o despacho de 26.06.14) aplicou os artigos 341.º, n.º 1 e 348.º, n.º 2, in fine, do CPP, interpretados no sentido de, em processo de declarada complexidade processual e grande volume, o início da produção da prova testemunhal arrolada pela defesa, antes de finda a prova testemunhal da pronúncia e da demais requerida pelo MP, se dever iniciar pela inquirição de todas as Testemunhas do primeiro Arguido indicado na pronúncia e sucessivamente das Testemunhas dos demais Arguidos, pela ordem indicada na mesma.
60.º - Tal interpretação normativa é, no entender do Arguido, materialmente inconstitucional por violação dos artigos 13.º, 18.º, n.º 2 e 32.º, n.os 1 e 5, da Constituição da República Portuguesa.
61.º - Caso se mantenha o entendimento de que a ordem da produção da prova pode, de facto, ser invertida (o que não se concede e apenas se concebe por mera cautela de patrocínio), à luz da directa aplicabilidade do artigo 13.º da CRP “ex vi” artigo 18.º, n.º 1, da CRP, a concreta interpretação “conforme à Constituição” a atribuir aos artigos 341.º, n.º 1 e 348.º, n.º 2, in fine, do CPP, será a de que tal inversão, sendo restritiva dos direitos de defesa ou ao menos desvantajosa para o Arguido, por motivos de tratamento igualitário dos Arguidos afectados pela mesma (“in casu” todos à excepção do Arguido RO… que aceitou antecipar voluntariamente a produção da respectiva prova) apenas poderá(ia) ocorrer de forma a que, considerando a ordem pela qual estão indicados na pronúncia, cada um dos Arguidos que não produziram a sua prova inquira 1 (uma) Testemunha por si arrolada, se necessário for(sse) alterando a ordem do respectivo rol, repetindo-se tal procedimento no futuro, se indispensável à manutenção da validade da prova, até que o julgamento possa(pudesse) continuar com a produção da prova da acusação e da demais ordenada por adimento à mesma. 
62.º - Ao determinar o prosseguimento do julgamento mediante a inversão coerciva da ordem da produção da prova sem conceder aos Arguidos um tratamento igualitário face à compressão dos seus direitos de defesa, violou o douto despacho recorrido (e anteriormente o despacho de 26.06.14) o artigo 13.º da CRP, directamente aplicável “ex vi” artigos 18.º, n.º 1 e 204.º ambos da CRP, bem como a concreta interpretação “conforme à Constituição” a atribuir aos artigos 341.º, n.º 1 e 348.º, n.º 2, “in fine”, do CPP, pelo que deveria o Tribunal ter recusado a aplicação da interpretação normativa aplicada na douta decisão recorrida.
63.º - Pelo exposto, deveria a decisão ora recorrida ter declarado as três irregularidades processuais arguidas pelo Arguido, ora Recorrente, através de requerimento de 30.06.2014, ordenando a anulação do despacho de 26.06.2014 e de toda a tramitação subsequente incompatível com o mesmo, deferindo o mais o requerido pelo Arguido.
Notas:
[24] Ambos sócios da sociedade de advogados “Cardoso Ferreira, Guimarães e Associados” a que alude a pronúncia no seu artigo 51.º e 53.º. Sendo que, segundo o artigo 54.º “A arguida Dra. IC… e a Dra. IF… actuavam paralelamente como colaboradoras da SLN, como advogadas mandatadas pela mesma e como responsáveis da PLANFIN, intervindo na concepção e execução de uma estratégia de ocultação anteriormente definida, para a constituição de sociedades, prática de actos e contratos, conforme adiante se irá narrar.”
[25] Mais se considerou nesse douto Despacho que, “Será justificada a quebra porque os arguidos estão pronunciados pela prática de crimes puníveis com penas superiores a três anos de prisão, cujas circunstâncias concretas descritas na pronúncia revelam um ilícito e culpa graves”. Assim, decidiu-se “Suscitar perante o Venerando Tribunal da Relação de Lisboa o incidente de justificação de quebra de sigilo profissional das testemunhas AI…, IA…, CA… e Ama… em ordem a que, caso assim seja entendido, se determine a sua inquirição na qualidade de testemunhas”.
[26] Dispensado que seja o rigor terminológico por aqueles que votam tal expressão à confissão obtida por declarações do próprio arguido, e não por meios de prova por este accionados, sendo este o sentido em que aqui se emprega a expressão.
[27] Pode ler-se no douto despacho de 26.06.14, que a douta decisão recorrida reiterou, “(…) sem prejuízo do direito dos arguidos de, após inquirição das testemunhas de acusação ainda em falta, requererem a reinquirição de alguma(s) testemunha(s) de defesa se assim o entenderam como útil e necessário à sua defesa”.
[28] Ficando a constar da respectiva acta que:
«Concedida a instância e a palavra ao ilustre mandatário do arguido OC… que arrolou a testemunha em sede de contestação, designadamente o Sr. Dr. Fba…, o mesmo declarou que "não pretendia fazer nenhuma pergunta à testemunha, por motivos de patrocínio que entendo não poder nem dever justificar e atenta a especial complexidade do processo, considero que no actual momento da produção de prova (no qual o Tribunal não deu ainda, no entender do arguido, execução ao douto despacho de 13.12.2012, de fls. 36258 e seguintes) não posso, à luz de um livre e esclarecido exercício dos direitos de defesa do arguido, nem prescindir da testemunha nem devo formular-lhe qualquer pergunta sobre o objecto dos autos uma vez que desconheço ainda a prova da acusação e aquela que foi já ordenada em aditamento à mesma. Agradeço à testemunha a sua deslocação ao Tribunal e desejo-lhe um bom dia".»
[29] Ficando a constar da acta da sessão realizada no dia 11 de Agosto de 2014 que:
“Depois da posição assumida pelo ilustre mandatário do arguido OC…, o Sr. Juiz Presidente colocou perguntas à testemunha presente a qual prestou depoimento.  Foram exibidos à testemunha documentos juntos aos autos, sob a forma digitalizada nomeadamente os constantes no apenso Busca 7, doc. 26.7, memorando operativa; Apenso informático 33 com o seguinte caminho: E:\4910\9\Trt\EP…\MAIL2\EP…\C\W_BPN\1a_eJpeix_20040416.nsf\NucleoAM-Contab\0132\Re-Transferência de localização da máquina..msg.”
[30] Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 326/2012, Processo n.º 80/12, 3.ª Secção, citando J.J. Gomes Canotilho e Vital Moreira, in Constituição da República Portuguesa Anotada, Vol. I, 4ª ed., 2007.
[31]E daí que na acta correspondente à sessão de Julgamento realizada no dia 1 de Julho de 2014, da parte da manhã tenha ficado a constar que:
“Lido que foi o requerimento em causa, o Mmº Juiz Presidente proferiu o seguinte:
DESPACHO
Considerando o teor do requerimento em causa consigna-se que o Ministério Público prescindiu da inquirição das testemunhas MN…, NL… e JL….
Considerando que foi prescindida a inquirição da testemunha MN… determina-se a sustação da expedição da carta rogatória à Justiça do Brasil a que alude o despacho de fls. 46558 a 46559.
Fica sem efeito a inquirição desta testemunha que havia sido designada para o dia 12 de Setembro de 2014.”
[32] Entendida como a prova testemunhal da pronúncia e a demais também testemunhal entretanto requerida pelo MP e já ordenada.
[33] E só “É ilegítimo o exercício de um direito, quando o titular exceda manifestamente os limites impostos pela boa fé, pelos bons costumes ou pelo fim social ou económico desse direito.” – artigo 334.º do Código Civil

8. O Recorrente LC… extraiu da sua motivação (cf. fls. 48.109 e segs.) as seguintes conclusões:
A. O objecto do presente Recurso diz respeito ao douto Despacho proferido na Sessão da Audiência de discussão e julgamento realizada no dia 1 de Julho de 2014, e constante da respectiva Acta, na parte em que, nomeadamente, decide “1) Julgar não verificadas as irregularidades invocadas pelos arguidos e, consequentemente, indeferi-las; 2) Indeferir o demais requerido pelos arguidos nos requerimentos em apreço”.
B. De forma a justificar, e reiterar, a Decisão de inversão da ordem legal de produção de prova, o Tribunal a quo partiu de pressupostos manifestamente errados.
C. Não pode aceitar o Recorrente que se afirme – como se afirma na Decisão recorrida – que é por “motivos única e exclusivamente imputáveis aos arguidos” que um conjunto de testemunhas arroladas pelo Ministério Público não é inquirido, e que “não querem nem pretendem que aqueles dois grupos de testemunhas sejam inquiridas”.
D. Não aceita o Recorrente que o Tribunal a quo qualifique a posição processual que os Arguidos assumem nos presentes autos como uma modalidade do abuso de direito.
E. É manifesto, claro, evidente e inequívoco que, na sua própria perspectiva, a prova da acusação não terminou – ao contrário das palavras que a Decisão recorrida lhes imputa.
F. Teria terminado, com certeza, se os Recursos referenciados na Decisão recorrida tivessem já sido julgados, em sentido procedente, por Decisões transitadas em julgado, o que não ocorreu, pelo menos à data da Decisão recorrida e da interposição do presente Recurso.
G. Salvo melhor opinião, não nos parece correcto que a Decisão recorrida se debruce, na medida em que o faz, sobre questões pendentes de apreciação nos Tribunais Superiores, sobretudo quando os argumentos que sobre as mesmas possam relevar já foram, ou estão a ser, devidamente esgrimidos, no tempo e locais próprios.
H. Fulcral é decidir se é admissível e legal, ou não, a determinada inversão da ordem legal de produção, e, porque o Recorrente entende que não – tendo, por isso, arguido a irregularidade daí decorrente –, relevará sim decidir de que modo se acautelam e conformam os interesses constitucionais em presença.
I.  Não podia a Decisão recorrida afirmar – como afirmou – que as soluções apresentadas pelos Arguidos não têm suporte legal, colidindo com o princípio da continuidade da audiência.
J.  Tanto têm que, conforme se constata pela leitura da Acta da Sessão da Audiência de Discussão e Julgamento dos dias 15.07.2014 e 11.08.2014, o Tribunal a quo decidiu formular, oficiosamente, perguntas a duas Testemunhas que já haviam sido ouvidas no âmbito da produção da prova testemunhal arrolada pelo Ministério Público.
K. Com efeito, a conjugação dos artigos 323.º, al. a), 331.º, n.º 2, 341.º e 348.º, n.º 2, todos do CPP, permite ao Tribunal chamar a depor Testemunha que já haja deposto.
L.  A decisão do Tribunal a quo de inquirir a 15.07.2014 e a 11.08.2014, oficiosamente, uma Testemunha que já havia deposto, é contraditória com o afirmado na Decisão recorrida de que as soluções apresentadas pelos Arguidos não têm suporte legal.
M. Se assim fosse, então não teria sido possível ao Tribunal a quo, a 15.07.2014 e 11.08.2014, formular, por sua única iniciativa, perguntas a duas Testemunhas que já haviam sido inquiridas.
N. Essa decisão de formular perguntas a uma Testemunha que já havia sido inquirida corresponde, efectivamente, a uma das alternativas que os Arguidos aventaram ab initio, ainda antes da determinação da inversão da ordem legal de produção de prova.
O. Só o aclamado “princípio da continuidade da audiência” determinou a inversão da ordem legal de produção de prova bem como a Decisão de indeferimento da irregularidade que daquela decorre, constante da Decisão sob recurso.
P. O princípio da continuidade da audiência não é, obviamente, absoluto.
Q. Não sendo absoluto, tem de, forçosamente, compatibilizar-se com outros interesses igualmente relevantes: sobretudo os que são afectados pela decisão de inversão da ordem legal de produção de prova – no caso, com especial enfoque para os direitos de defesa e contraditório dos Arguidos.
R. Considerando a prova da acusação ainda por produzir à data da interposição do presente recurso, aos Arguidos não é possível antecipar com um mínimo de segurança qual o concreto objecto temático dos depoimentos e o conteúdo dos mesmos.
S.  Na concreta situação dos presentes autos, ao impor-se aos Arguidos o exercício antecipado da sua defesa, assume-se, deliberada e conscientemente, o atentado intolerável ao exercício livre e informado dos direitos de defesa a que alude o artigo 32.º, n.º 1, da CRP, violando-se a estrutura acusatória do processo penal, maxime, na fase de julgamento (artigo 32.º, n.º 5, do CRP).
T.  O aclamado princípio da continuidade da audiência, só por si, não constitui fundamento constitucional ou legalmente admitido para a determinação da inversão da ordem legal de produção de prova, nunca podendo – sob pena de afronta directa do núcleo essencial dos direitos de defesa e contraditório dos Arguidos – ser dissociado da necessidade para a descoberta da verdade material.
U. Os direitos constitucionalmente protegidos dos Arguidos, de defesa e contraditório, sobretudo em processos de declarada complexidade processual como o presente, exigem – porventura até mais que nos processos ditos “normais” – que, no julgamento, os Arguidos possam produzir (ou não) a sua prova apenas depois de conhecer toda a prova da acusação.
V. Reiterou a Decisão recorrida que “não há qualquer compressão dos direitos dos arguidos.
Com efeito, aliás como resulta do despacho em causa, caso venham a ser inquiridas algumas testemunhas de acusação posteriores assiste sempre aos arguidos, o direito de, querendo, na medida em que o entendam por necessário, requerer a reinquirição de testemunhas de defesa que entendam pertinentes em ordem a contraditar a prova apresentada por essas testemunhas de acusação ainda não inquiridas e que possam vir a sê-lo” [destaque e sublinhado nossos].
W. Com isso, e ao contrário do que sustentou o Tribunal a quo na sua Decisão de 26.06.2014, NÃO SE DEU “cumprimento aos princípios fundamentais do direito processual penal assegurando-se as garantias de defesa dos arguidos (no seu expoente máximo do princípio da presunção da inocência do arguido consagrado no artº 32º, nº2, da C.R.P.) e no respeito pelos princípios da celeridade processual e continuidade da audiência”.
X. A Decisão de 26.06.2014 e a Decisão recorrida não asseguram aos Arguidos o direito de produzirem a sua prova suplementar em razão da (putativa) necessidade superveniente que advirá (ou não) da produção de prova da Acusação que resta cumprir.
Y.  O que asseguram é o direito de requerer a reinquirição de testemunhas de defesa, sendo assim clara, manifesta, evidente e incontestável a desvantajosa situação processual em que a Decisão recorrida coloca os Arguidos, na comparação com aquela em que se encontravam antes da determinada inversão da ordem de prova, razão pela qual, forçosamente, se não poderá afirmar que os seus direitos estão assegurados.
Z.  Com efeito, aquando da apresentação do rol de testemunhas em momento anterior ao início do julgamento, o Arguido está totalmente desonerado ou desobrigado de qualquer indicação de factos sobre os quais se propõe a audição daquelas pessoas.
AA. Porém, ao contrário do que acontecia antes de determinada a inversão da ordem de prova, os Arguidos terão de justificar a razão de quererem ouvir a Testemunha X e/ou Y – no sentido de afirmarem a utilidade e necessidade para a defesa – e, pior do que isso, nem lhes é garantido que, efectivamente, as venham ouvir.
BB. Com isso, atribui-se aos Arguidos um mero direito de requerer aquela reinquirição, substituindo a Decisão recorrida – reiterando o afirmado pelo Tribunal a quo na Decisão de 26.06.2014 - aquilo que foi um direito potestativo dos Arguidos, por uma mera expectativa, absolutamente incerta na sua execução.
CC. O Arguido só pode ajuizar de forma esclarecida como contraditar, ou não, a prova contra si requerida pelo Ministério Público se a conhecer e a puder avaliar de forma integral face a todas as suas deficiências e virtualidades, inclusivamente e se necessário, à luz dos princípios da presunção da inocência e do “in dubio pro reo” de que é directo beneficiário.
DD. Se se reconhece ao Arguido o direito ao silêncio, ao mesmo não poderá deixar de se reconhecer o direito a estruturar livre e esclarecidamente a prova que pretende fazer produzir face a um conhecimento prévio da prova da Acusação, para que, assim, o Arguido possa defender-se evitando que, de uma sua iniciativa probatória potenciada pela (in)oportunidade da respectiva produção, resulte numa eventual “auto-incriminação”, ou o agravamento da sua responsabilidade, sob pena de violação do artigo 32.º, n.os 1 e 5, da Constituição da República Portuguesa.
EE. A produção da prova testemunhal da Defesa apenas deverá ocorrer no momento processual próprio, ou seja, depois da produção de prova testemunhal da Acusação, ou daquela que em aditamento à mesma já tiver sido oficiosamente ordenada, nos termos do disposto no artigo 340.º, n.º 1, do CPP.
FF. A Decisão recorrida, na parte em que julgou não verificada a irregularidade decorrente da ordenada inversão da ordem da prova, “obrigando” os Arguidos a produzirem a sua prova antes de terminada a da Acusação, incorreu na violação de lei, por ter aplicado as normas ínsitas nos artigos 123.º, 341.º e 348.º, n.º 2, in fine, do CPP em sentido materialmente inconstitucional.
GG. Ao julgar não verificadas as irregularidades arguidas, indeferindo-as, incorreu a Decisão recorrida na violação dos artigos 123.º, 341.º e 348.º, n.º 2, do CPP, na sua interpretação “conforme à Constituição” e ao artigo da 6.º da CEDH, artigos que, por isso, foram aplicados em sentido materialmente inconstitucional, por violação dos artigos 18.º, n.º 1 e 32.º, n.os 1 e 5, da Constituição da República Portuguesa, razão pela qual deveria o Tribunal ter recusado a aplicação de tais normas, nos termos do artigo 204.º da CRP, devendo ser anulada toda a tramitação posterior à douta decisão recorrida.
HH. Aplicou a Decisão recorrida os artigos 123.º, 328.º, n.º 1, 341.º e 348.º, n.º 2, in fine, do CPP em sentido materialmente inconstitucional, por violação dos artigos 18.º, n.º 2 e 32.º, n.os 1 e 5, da Constituição da República Portuguesa, ao sobrepor em termos desproporcionados a salvaguarda da continuidade da audiência, quando a mesma não é, constitucional e legalmente, fundamento admissível à inversão da ordem de produção de prova.

9. Também do despacho proferido em 26 de Junho de 2014, a fls. 46.552 a 46.560 (despacho que determinou a alteração da ordem de produção da prova), o arguido jo…, inconformado, veio interpor recurso (cfr. fls. 47.760 a 47.829), pugnando por que seja:
“c) Revogado o douto despacho, datado de 26.06.14, que consta de fls. 46.527 a 46.560 dos autos, no que concerne ao segmento decisório relativo à questão apreciada de fls. 46.552 a fls. 46.560, declarando-se a impossibilidade de inversão da ordem da produção de prova de forma a que Arguido tenha, contra a sua fundamentada vontade, de iniciar a produção da prova da sua defesa antes de finda a prova testemunhal da acusação (entendida como a da pronúncia e a demais requerida pelo MP e já ordenada), anulando-se ainda toda a tramitação e produção de prova posterior à decisão de 26.06.14 cuja manutenção seja incompatível com a revogação daquela e declarando-se que as defesas que não aceitaram antecipar a produção da sua prova têm o direito a apenas efectuar tal produção após o termo de toda a prova da acusação, aqui se englobando aquela que consta da pronúncia e a demais já ordenada a requerimento do MP por adimento à mesma;
Se assim não se entender, sem que se conceda e de forma subsidiária ao peticionado em c):
d) Mesmo que se venha a considerar que a inversão normativa da ordem da produção de prova é legal e constitucionalmente aceite, deve ser parcialmente revogado o douto despacho datado de 26.06.14, que consta de fls. 46.527 a 46.560 dos autos, no que concerne ao segmento decisório relativo à questão apreciada de fls. 46.552 a fls. 46.560, declarando-se a impossibilidade de, face ao prosseguimento do Julgamento mediante a inversão coerciva da ordem da produção da prova através da inquirição de Testemunhas de defesa, se impor a realização de três sessões de julgamento por semana de manhã e tarde, decidindo-se que – nos termos da interpretação “conforme à Constituição” do artigo 328.º singularmente considerado ou conjugado com os artigos 341.º, n.º 1 e 348.º, n.º 2, do CPP - o Julgamento apenas poderia ter prosseguido após a concretização da inversão da ordem da prova e até ao seu restabelecimento, através da inquirição de Testemunhas arroladas pelos Arguidos com a realização de 1 (uma) só sessão de 30 (trinta) em 30 (trinta) dias, se assim não se entender, de 1 (uma) só sessão de 15 (quinze) em 15 (quinze) dias ou, a limite e sempre sem conceder, 1 (uma) só sessão por semana de manhã ou de tarde, de forma a que apenas seja ouvida uma Testemunha por semana, e anulando-se a parte do douto despacho de 26.06.14 que excedeu tais limites, bem como toda a tramitação e produção de prova posterior ao mesmo cuja manutenção seja incompatível com a respectiva revogação parcial e com o procedimento mínimo que vier a ser fixado pelo Venerando Tribunal da Relação de Lisboa, à luz da interpretação normativa “conforme à Constituição”, como necessário para assegurar a validade da prova e os bens constitucionais conflituantes;
Se assim não se entender, sem que se conceda e de forma subsidiária ao peticionado em c) e de forma cumulativa com o peticionado em d):
e) Mesmo que se venha a considerar que a inversão normativa da ordem da produção de prova é legal e constitucionalmente aceite, deve ser parcialmente revogado o douto despacho datado de 26.06.14, que consta de fls. 46.527 a 46.560 dos autos, no que concerne ao segmento decisório relativo à questão apreciada de fls. 46.552 a fls. 46.560, declarando-se que a inversão da ordem da produção de prova apenas poderia ter sido implementada - nos termos da interpretação “conforme à Constituição” a atribuir aos artigos 341.º, n.º 1 e 348.º, n.º 2, in fine, do CPP – de forma a que, considerando a ordem pela qual estão indicados na pronúncia, cada um dos Arguidos que não aceitaram produzir voluntária e antecipadamente a sua prova inquirisse uma Testemunha por si arrolada, se necessário fosse alterando a ordem do respectivo rol, repetindo-se tal procedimento no futuro se indispensável para a manutenção da validade da prova, até que o Julgamento pudesse continuar com a produção da prova da acusação, entendida como a da pronúncia e a demais requerida pelo MP e ordenada por aditamento àquela, anulando-se ainda toda a tramitação e produção de prova posterior à decisão recorrida cuja manutenção seja incompatível com tal procedimento.

10. Para além de renovar as conclusões que já apresentara no recurso interposto do despacho datado de 01-07-2014 (que manteve, tal como supra transcritas), extraiu o recorrente da sua nova motivação, ainda as seguintes conclusões:
32.º - (…) considera o Arguido que a audição das Testemunhas de defesa por si arroladas apenas deverá ocorrer no momento processual próprio, ou seja, depois da produção de prova testemunhal pela acusação, entendida como a da pronúncia ou a já requerida pelo MP e ordenada em aditamento à mesma.
(…)
37.º - Solução que, de forma não explicitada mas inequívoca (face à recusa do Arguido ouvir no actual momento da produção de prova as Testemunha de defesa MJ…, SN… e PS…) veio a ser implementada pelo menos nas sessões de Julgamento de 15 de Julho e 11 de Agosto de 2014, não se referenciando qualquer outra atenta a data em que o presente recurso é apresentado em juízo (anterior à sessão de Julgamento designada para o dia 10 de Setembro de 2014).

11. Por seu turno, também o arguido LC… veio interpor recurso (cfr. fls. 48.044 a 48.079) do despacho proferido em 26 de Junho de 2014 (despacho que determinou a alteração da ordem de produção da prova), pugnando por que seja revogada a Decisão Recorrida, declarando-se a impossibilidade de inversão da ordem da produção de prova de forma a que Arguido tenha de iniciar a produção da prova da sua defesa antes de finda a prova da Acusação, consequentemente anulando-se toda a tramitação posterior à Decisão recorrida cuja manutenção seja incompatível com a revogação da mesma.

12. Para além de manter as conclusões que já apresentara no recurso interposto do despacho datado de 01-07-2014 (que renovou, tal como supra transcritas), extraiu o recorrente da sua nova motivação, ainda as seguintes conclusões:
A. O objecto do presente Recurso diz respeito ao douto Despacho de 26 de Junho de 2014, de fls. 46.552 a 46.560, na parte em que determina “a alteração da ordem legal de produção de prova no sentido de se iniciar a inquirição das testemunhas de defesa sem que seja terminada a inquirição de todas as testemunhas de acusação (art. 348º, n.º 2 do C.P.P.), sem prejuízo do direito dos arguidos de, após inquirição das testemunhas de acusação ainda em falta, requererem a reinquirição de alguma(s) testemunha(s) de defesa se assim o entenderem como útil e necessário  à sua defesa”.
B. De forma a justificar a Decisão de inversão da ordem legal de produção de prova, o Tribunal a quo partiu de pressupostos manifestamente errados, ao afirmar um prazo de, pelo menos, 6 meses a 1 ano – a contar do dia 26.06.2014 – para a resolução definitiva das questões identificadas em 5) e 6) da mesma Decisão.
C. Relativamente a essas questões – pontos 5) e 6) da Decisão recorrida –, foi fixada a urgência na sua tramitação, por doutos Despachos proferidos em 4.02.2014, 17.03.2014 e 14.05.2014.
D. Sendo essas questões tramitadas de modo urgente, não podia o Tribunal a quo afirmar – como afirmou – que a resolução definitiva dessas questões não ocorreria, na pior das hipóteses, antes de decorrido o período temporal de, pelo menos, 6 meses a 1 ano, a contar do dia 26.06.2014.
E. Nem numa perspectiva abstracta, nem numa perspectiva concreta, era permitido ao Tribunal a quo afirmar a “previsibilidade temporal” que afirmou.
F. Em abstracto, há dados científicos que comprovam que, em termos médios, o prazo de decisão ao nível do Supremo Tribunal de Justiça e do Tribunal da Relação de Lisboa, na esmagadora maioria dos processos (acima de 80%), ocorre em menos de 4 meses.
G. No caso concreto, e no que concerne aos recursos identificados no ponto 5) da Decisão recorrida, entre a data de distribuição dos recursos e a data da decisão decorreu o período de 25 dias, o que equivale a ¼ do tempo médio “comum” de duração dos recursos naquela instância.
H. Por outro lado, e no que concerne aos recursos identificados no ponto 6) da Decisão recorrida, entre a data de distribuição dos recursos e a data da decisão decorreu o período de 65 dias, o que equivale a ½ do tempo médio “comum” de duração dos recursos naquela instância.
I.  Quer de um ponto de vista abstracto, quer de um ponto de vista concreto, a Decisão recorrida assenta em pressupostos manifestamente errados para fundamentar a sua decisão de inversão da ordem legal de produção de prova.
J.  Impunha-se ao Tribunal a quo aferir da existência de meios alternativos à inversão da ordem legal de produção de prova, conforme foi devidamente “alertado” pelo ora Recorrente aquando da sua pronúncia prévia à Decisão recorrida.
(…)
II. A produção da prova testemunhal da Defesa apenas deverá ocorrer no momento processual próprio, ou seja, depois da produção de prova testemunhal da Acusação, ou daquela que em aditamento à mesma já tiver sido oficiosamente ordenada, nos termos do disposto no artigo 340.º, n.º 1, do CPP.
(…)
LL. Por não se mostrarem esgotadas todas as soluções que, in casu, se apresentavam e existiam, tornando-se inversão da ordem legal de produção de prova constitucionalmente inidónea e desnecessária, e também porque a séria probabilidade de nenhuma das questões identificadas em 5) e 6) da Decisão recorrida estarem decididas antes de (segundo a mesma Decisão) decorrido o lapso temporal de 6 meses a 1 ano, não se confundir com (nem ser sinónimo da) necessidade para a descoberta da verdade material, sendo esta, em abstracto, o único fundamento legal e constitucionalmente reconhecido à admissibilidade da alteração da ordem de produção prova,
MM. Aplicou a Decisão recorrida os 341.º e 348.º, n.º 2, in fine, do CPP em sentido materialmente inconstitucional, por violação dos artigos 18.º, n.º 2 e 32.º, n.os 1 e 5, da Constituição da República Portuguesa, ao sobrepor em termos desproporcionados a salvaguarda da continuidade da audiência, quando a mesma não é, constitucional e legalmente, fundamento admissível à inversão da ordem de produção de prova.
NN. Ademais, a douta Decisão recorrida aplicou os artigos 341.º e 348.º, n.º 2, in fine, do CPP, interpretados no sentido de, em processo de declarada excepcional complexidade, ordenando o Presidente do Tribunal de julgamento o início da produção da prova testemunhal arrolada pela defesa, antes de finda a prova testemunhal da acusação cuja produção foi já ordenada por decisões não transitadas em julgado, por se encontrarem pendentes recursos com efeito suspensivo, violando assim os artigos 18.º, n.º 2 e 32.º, n.os 1 e 5, da Constituição da República Portuguesa, por fazer sobrepor em termos desproporcionados a salvaguarda da continuidade da audiência sobre os direitos de defesa e contraditório dos Arguidos.

13. Igualmente inconformado com o teor da decisão de indeferimento da irregularidade proferida em 2 de Julho de 2014, a fls. 46.770 vº, o arguido FC… interpôs recurso, pugnando pela revogação de tal despacho e pela declaração da irregularidade processual arguida através do seu requerimento de 01-07-2014, com a anulação do despacho recorrido, do despacho de 26-06-2014 e de toda a tramitação e produção de prova posterior a esta decisão e cuja manutenção seja incompatível com a respectiva revogação.

14. O Recorrente FC… extraiu da sua motivação (cf. fls. 48.191 e segs.) as seguintes conclusões:
1. A presunção de inocência constitui princípio essencial do direito processual penal, com consagração constitucional, sendo que, enquanto regra orientadora do sentido da decisão judicial, tem necessariamente implicações a nível processual.
2. O artigo 32º n.º 5 da CRP determina que a audiência de julgamento ficará subordinada ao princípio do contraditório.
3. O conhecimento e o acesso aos concretos meios probatórios oferecidos pelo MP no decurso da audiência de julgamento respeitam directamente ao princípio do contraditório e à possibilidade de defesa eficaz.
4. Dispõe o nº 2 do artigo 348º do CPP que “As testemunhas são inquiridas, uma após outra, pela ordem por que foram indicadas, salvo se o presidente, por fundado motivo, dispuser de outra maneira.”
5. Entende o ora recorrente que o poder de direcção e gestão da disciplina do julgamento ali reconhecido ao Presidente do colectivo não abrange o poder de determinar – sem o consentimento do (s) arguido(s) – que se venha a iniciar a produção da prova oferecida pela defesa sem antes terminar a produção dos meios de prova apresentados pelo MP.
6. Com efeito, a previsão legal da ordem de produção de prova constitui uma garantia objectiva dos direitos de defesa dos arguidos e a sua observância constitui condição de regularidade do processo.
7. Não é indiferente a um processo justo e equitativo que assegura todas as garantias de defesa o momento em que a defesa é convocada a produzir a respectiva prova.
8. Assim, entende o recorrente que as provas produzidas através deste procedimento não poderão ser valoradas já que este afecta a própria estrutura do processo penal e constitui uma intolerável diminuição das garantias de defesa do(s) arguido(s) consagradas no nº 1 do artigo 32º da CRP.
9. O despacho ora impugnado ao remeter integralmente para o despacho já proferido em 01.07.2014 que manteve o despacho proferido em 26.06.2014, fez errada aplicação dos artigos 341º, nº 1 e 348º, nº 2, ambos do CPP, interpretados no sentido de que, num processo com a complexidade e a extensão do presente, atribuírem ao Presidente do colectivo o poder de convocar a defesa a produzir a respectiva prova antes de terminada a produção da prova oferecida pela acusação.
10. A interpretação ali acolhida viola directamente o disposto nos artigos 18º, n.ºs 1 e 2, 20º e 32º, n.ºs 1 e 5, da Constituição da República Portuguesa, sendo materialmente inconstitucional.

15. Os recursos foram admitidos  e determinada a sua subida diferida, com o recurso que pusesse termo à causa, nos próprios autos e com efeito meramente devolutivo (fls. 48.830, 48.831, 48.833, 48.835 e 48.836)

16. O MºPº apresentou resposta aos recursos, pronunciando-se pela sua improcedência , nos seguintes termos:
A. Resposta conjunta aos recursos dos arguidos jo… e lc… que visaram a decisão que determinou a ordem de alteração da prova (fls. 49.501 a 49.503):
1ª - A ordenação da prova estabelecida no artigo 341º do CPP não tem caracter absoluto, sendo susceptível de ser alterada por decisão do juiz desde que devidamente fundamentada;
2ª – Neste sentido, apontam designadamente, o artigo 323º n.º 1 alínea a) do CPP que atribui ao presidente do Tribunal o poder de “proceder a interrogatórios, inquirições, exames e quaisquer outros actos de produção da prova, mesmo que com prejuízo da ordem legalmente fixada para eles, sempre que o entender necessário à descoberta da verdade.” e o artigo 331º n.º 2 do CPP que estatui “Se o presidente, oficiosamente ou a requerimento, decidir, por despacho, que a presença de algumas das pessoas mencionadas no número anterior é indispensável à boa decisão da causa e não for possível a obtenção do seu comparecimento com a simples interrupção da audiência, são inquiridas as testemunhas e ouvidos os assistentes, os peritos ou consultores técnicos ou as partes civis presentes, mesmo que tal implique a alteração da ordem de produção da prova referida no artigo 341º”. (sublinhados meus);
3ª – Ora, à data da decisão recorrida, estava produzida a quase totalidade da prova por testemunhas de acusação indicadas pelo MP e pela Assistente e, também, a prova por testemunhas de defesa do arguido RO…, a seu pedido;
4ª - Restando, por um lado, as testemunhas de acusação indicadas pelo MP NL…, MN… e JL…, então impedidas de depor de imediato, sendo certo que, poucos dias depois da decisão recorrida mas antes da sua implementação, essas testemunhas foram prescindidas pelo MP (assim como foi dispensada uma outra, MS…);
5ª – E restando, ainda, por outro lado, as testemunhas de acusação AA…, CA…, IG… e AG… (quebra de segredo profissional – artigo 135º do CPP) e EP…, AP…, JR…, AR…, GR…, Fco… e JN… (impedimento para depor – artigo 133º do CPP) cujos depoimentos estavam suspensos por motivos de natureza exclusivamente jurídica não imputáveis ao MP ou ao Assistente visto que decorriam da pendência de recursos interpostos por alguns arguidos;
6ª – Nestas circunstâncias, o Juiz a quo, ao decidir passar à produção da prova por testemunhas das defesas dos arguidos (não tendo, afinal, alterado a ordem da produção da prova testemunhal, em sentido próprio, na medida em que para assegurar a continuidade do julgamento apenas podia determinar a produção da prova por testemunhas da defesa uma vez que estava impossibilitado de determinar a produção de mais prova por testemunhas da acusação), agiu fundamentadamente;
7ª – Com efeito, era forçoso que, por exigência do disposto nos n.ºs 1 a 6 do artigo 328º do CPP, a produção da prova por testemunhas prosseguisse mediante a produção da prova por testemunhas de defesa como se toda a prova produzida pela acusação fosse constituída por aquele conjunto de prova por testemunhas que já havia sido produzida;
8ª – Sem prejuízo de que, depois, caso viesse a ser produzida prova de acusação por testemunhas em consequência da improcedência de qualquer um dos atrás referidos recursos interpostos pelos arguidos, esta prova pudesse ser contraditada, contraprovada, com produção de prova por reinquirição testemunhas de defesa já ouvidas, assim se acautelando os princípios que estão na base da ordenação da produção da prova estabelecida no artigo 341º do CPP na parte que respeita à produção da prova por testemunhas;
9ª – Sendo certo que os invocados expedientes processuais para evitar a perda da eficácia da prova já produzida, segundo os quais, naquelas concretas circunstâncias da produção da prova por testemunhas, se deveria proceder à reinquirição de testemunhas de acusação de 30 em 30 dias ou à inquirição de uma testemunha de defesa de 30 em 30 dias, são manifestamente inadequados e contrários à lei;
10ª - Naquele caso porque ele se configuraria como uma mera aparência de produção da prova; e neste porque, contraditoriamente, não evita que a produção da prova da defesa se faça antes de toda a prova da acusação e apenas se basta com a produção de prova feita a conta-gotas, num vagar que objectivamente retardaria excessivamente este julgamento já longo;
11ª – Em suma, improcedem as conclusões formuladas nas motivações dos recursos sob resposta, não tendo esta decisão recorrida violado os preceitos legais e constitucionais invocados ex adverso ou quaisquer outros.

B. Resposta conjunta aos recursos dos arguidos jo… e lc… que visaram a decisão que indeferiu a arguição de irregularidades (fls. 49.678 e 49.680):
“1ª - A ordenação da prova estabelecida no artigo 341º do CPP não tem caracter absoluto, sendo susceptível de ser alterada por decisão do juiz desde que devidamente fundamentada;
2ª – Estando produzida a quase totalidade da prova por testemunhas de acusação indicadas pelo MP e pelo Assistente e, também, a prova por testemunhas de defesa do arguido RO…, a seu pedido;
3ª – E restando, apenas, as testemunhas de acusação AA…, CA…, IG… e AG… (quebra de segredo profissional – artigo 135º do CPP) e EP…, AP…, JR…, AR…, GR…, FCo… e JN… (impedimento para depor – artigo 133º do CPP) cujos depoimentos estavam suspensos por motivos de natureza exclusivamente jurídica não imputáveis ao MP ou ao Assistente visto que decorriam da pendência de recursos interpostos por alguns arguidos;
4ª – A decisão proferida em 26.06.2014 de passar imediatamente à produção da prova por testemunhas das defesas dos arguidos (não tendo, afinal, alterado a ordem da produção da prova testemunhal, em sentido próprio, na medida em que para assegurar a continuidade do julgamento o Tribunal apenas podia determinar a produção da prova por testemunhas da defesa uma vez que estava impossibilitado de determinar a produção de mais prova por testemunhas da acusação), está perfeitamente justificada;
5ª – Com efeito, era forçoso que, por exigência do disposto nos n.ºs 1 a 6 do artigo 328º do CPP, a produção da prova por testemunhas prosseguisse mediante a produção da prova por testemunhas de defesa, como se toda a prova produzida pela acusação fosse constituída por aquele conjunto de prova por testemunhas que já havia sido produzida;
6ª – Sem prejuízo de, conforme se expressa naquela decisão, caso viesse, depois, a ser produzida prova de acusação por testemunhas em consequência da improcedência de qualquer um dos atrás referidos recursos interpostos pelos arguidos, esta prova pudesse ser contraditada, contraprovada, com produção de prova por reinquirição testemunhas de defesa já ouvidas, assim se acautelando os princípios que estão na base da ordenação da produção da prova estabelecida no artigo 341º do CPP na parte que respeita à produção da prova por testemunhas.
7ª – E não são alternativas válidas à continuação do julgamento mediante a imediata produção de prova por testemunhas de defesa a reinquirição de testemunhas de acusação já ouvidas, de 30 em 30 dias, testemunhas que seriam indicadas pelo MP, ou pelo Assistente, ou pelas defesas dos arguidos, sem prejuízo da sua audição por iniciativa do Tribunal;
8ª – Ou a inquirição de testemunhas de defesa de 15 em 15 dias, ou de 30 em 30 dias, de tal modo que a uma testemunha do rol dum arguido se seguisse uma outra testemunha do rol doutro arguido e assim sucessivamente;
9ª – Naquele caso, a reinquirição de testemunhas de acusação já ouvidas que fossem indicadas pelo MP, ou pelo Assistente, ou pelos arguidos introduziria uma anómala (re)produção de prova por testemunhas que porventura mais não seria que uma aparente produção de prova ordenada “com um intermeio temporal de 30 dias entre cada sessão/reinquirição” destinada a forjar uma continuação de julgamento sem conteúdo;
10ª – E neste caso, a inquirição de testemunhas de defesa de 15 em 15 dias, ou de 30 em 30 dias, de tal modo que a uma testemunha do rol de um arguido se seguisse uma outra testemunha do rol de outro arguido e, assim, consecutivamente, não é susceptível de reparar a alegada violação dos princípios legais e constitucionais pela designada “inversão coerciva da ordem da produção da prova” com se estes princípios se bastassem, afinal, com a produção da prova à cadência do passo de tartaruga;
11ª – Estas alternativas são expedientes procedimentais que não tendo suporte legal, são mesmo totalmente inadequadas e contrárias à lei que apenas convergem quanto ao objectivo da produção da prova por testemunhas se fazer a conta-gotas num vagar que o princípio da continuidade da prova manifestamente não consente
12ª – Assim, improcedem totalmente as arguidas irregularidades que teriam sido cometidas pelo despacho de 26.06.2014 e foram indeferidas pela decisão agora recorrida, não se verificando qualquer violação dos preceitos legais e constitucionais invocados ex adverso ou quaisquer outros.

C. Resposta ao recurso do arguido fc… (fls. 49.724 e 49.725):
1ª - A ordenação da prova estabelecida no artigo 341º do CPP não tem caracter absoluto, sendo susceptível de ser alterada por decisão do juiz desde que devidamente fundamentada;
2ª – Estando produzida a quase totalidade da prova por testemunhas de acusação indicadas pelo MP e pelo Assistente e, também, a prova por testemunhas de defesa do arguido RO…, a seu pedido;
3ª – E restando, apenas, as testemunhas de acusação AA…, CA…, IG… e AG… (quebra de segredo profissional – artigo 135º do CPP) e EP…, AP…, JR…, AR…, GR…, FCo… e JN… (impedimento para depor – artigo 133º do CPP) cujos depoimentos estavam suspensos por motivos de natureza exclusivamente jurídica não imputáveis ao MP ou ao Assistente visto que decorriam da pendência de recursos interpostos por alguns arguidos;
4ª – A decisão proferida em 26.06.2014 de passar imediatamente à produção da prova por testemunhas das defesas dos arguidos (não tendo, afinal, alterado a ordem da produção da prova testemunhal, em sentido próprio, na medida em que para assegurar a continuidade do julgamento o Tribunal apenas podia determinar a produção da prova por testemunhas da defesa uma vez que estava impossibilitado de determinar a produção de mais prova por testemunhas da acusação), está perfeitamente justificada;
5ª – Com efeito, era forçoso que, por exigência do disposto nos n.ºs 1 a 6 do artigo 328º do CPP, a produção da prova por testemunhas prosseguisse mediante a produção da prova por testemunhas de defesa, como se toda a prova produzida pela acusação fosse constituída por aquele conjunto de prova por testemunhas que já havia sido produzida;
6ª – Sem prejuízo de, conforme se expressa naquela decisão, caso viesse, depois, a ser produzida prova de acusação por testemunhas em consequência da improcedência de qualquer um dos atrás referidos recursos interpostos pelos arguidos, esta prova pudesse ser contraditada, contraprovada, com produção de prova por reinquirição testemunhas de defesa já ouvidas, assim se acautelando os princípios que estão na base da ordenação da produção da prova estabelecida no artigo 341º do CPP na parte que respeita à produção da prova por testemunhas.
7ª – Assim, improcede a arguida irregularidade que teria sido cometida pelo despacho de 26.06.2014 e foi indeferida, também, pela decisão agora recorrida, não se verificando qualquer violação dos preceitos legais e constitucionais invocados ex adverso ou quaisquer outros”.

17. Os arguidos, nos recursos interpostos da decisão final, manifestaram expressamente interesse na manutenção deste recurso interlocutório e na sua apreciação.
 
II. Apreciando.
1. Em face das conclusões dos recorrentes (e porque os mesmos conformam o objecto dos recursos ora em apreciação em torno do mesmo eixo essencial), a apreciação passará pela indagação sobre se o tribunal “a quo”, nas decisões recorridas, impôs alteração ilegal da ordem de produção da prova, alteração violadora dos direitos e garantias de defesa dos arguidos e do princípio do contraditório.

2. Dispõe o artigo 341º do Código de Processo Penal, sob a epígrafe Ordem de produção da prova:
           A produção da prova deve respeitar a ordem seguinte:
a) Declarações do arguido;
b) Apresentação dos meios de prova indicados pelo Ministério Público, pelo assistente e pelo lesado;
c) Apresentação dos meios de prova indicados pelo arguido e pelo responsável civil.

i. A ordem estabelecida é uma ordem lógica, natural, tendo sido escolhida por o legislador ter entendido que seria a mais eficiente para alcançar o desiderato de busca da verdade material, num ordenamento processual integrado pelo princípio do acusatório, mas também pelo princípio da investigação.
Como ensina o Professor Germano Marques da Silva[53]- Desde logo com as declarações do arguido pode mostrar-se desnecessário prosseguir com a produção de prova, pois pode suceder que o arguido confesse integralmente e sem reservas.
As declarações do arguido em primeiro lugar justificam-se também porque é de presumir que seja o arguido quem melhor pode esclarecer o tribunal sobre os factos objecto do processo e as suas declarações, quando as preste sobre os factos, ainda que não conduzam à renúncia à produção de outra prova, podem ajudar o tribunal na condução da audiência.
A seguir às declarações do arguido segue-se a apresentação dos meios de prova indicados pela acusação e pelo lesado. Entende-se bem que assim seja. Em razão do princípio da presunção de inocência, que favorece o arguido, compete à acusação apresentar meios de prova que o abalem, de tal modo que se a acusação nenhuma prova produzir e o arguido negar os factos ou se calar, deverá ser necessariamente absolvido. No que se refere ao lesado, é o princípio do ónus da prova que impõe seja ele a produzir primeiramente as sua provas e só depois o demandado civil.

ii. Os recorrentes entendem que a ordem legal de produção da prova não era susceptível de ser alterada como o foi, obrigando os arguidos a ver antecipada a inquirição das testemunhas arroladas pela defesa, quando ainda não se havia concluído a inquirição das testemunhas arroladas pela acusação.
Porém, e desde já, afirmamos que não lhes assiste razão.
Vejamos porquê.

3. O regime previsto no artigo 341º do C.P.Penal, ao estipular a sequência que deve ser respeitada por regra, admite derrogações justificadas pelas necessidades constatadas no devir do processo e com o propósito de, em situações especiais, adequar a tramitação do julgamento aos princípios que informam o processo penal.

i. Desde logo, o artigo 323º do C.P.Penal, versando sobre os poderes de disciplina e de direcção do juiz presidente, estabelece que lhe compete proceder a interrogatórios, inquirições, exames e quaisquer outros actos de produção da prova, mesmo que com prejuízo da ordem legalmente fixada para eles, sempre que o entender necessário à descoberta da verdade (alínea a).

ii. Logo aqui se pode ancorar argumentação pertinente para afirmar que o nosso sistema processual penal não configura o processo em moldes de acusatório puro – o nosso sistema é, isso sim, um misto de acusatório integrado pelo princípio da investigação.
Como refere o Professor Germano Marques da Silva[54] - É este equilíbrio que o nosso modelo processual procura realizar, optando por dar maior valor à busca da verdade, que é o pressuposto de qualquer decisão (…).

iii. Por isso, em prol da descoberta da verdade, fundamentando tal decisão e após cumprido o contraditório, o juiz presidente[55], pode alterar a ordem prevista no artigo 341º do Código de Processo Penal e, designadamente proceder a inquirições de testemunhas que, de acordo com a ordem legalmente fixada, não seriam inquiridas de imediato.

iv. Por outro lado, o artigo 328º do C.P.Penal (na redacção anterior à Lei nº 27/2015, de 14 de Abril, que era a vigente ao tempo das decisões recorridas), estabelecendo as regras necessárias para garantir o desiderato previsto no seu nº 1 – a continuidade da audiência – prevê que excepcionalmente possa ocorrer adiamento da audiência quando faltar ou ficar impossibilitada de participar pessoa que não possa ser de imediato substituída e cuja presença seja indispensável por força da lei ou de despacho do tribunal; porém o adiamento não ocorrerá (i. e., não será quebrada a continuidade da audiência) se estiverem presentes outras pessoas, caso em que se procederá à sua inquirição ou audição, mesmo que tal implique a alteração da ordem de produção de prova referida no artigo 341º (cfr. artigo 328º, nº 3, al. a, do CPP).

v. Privilegiando a continuidade da audiência relativamente à salvaguarda da ordem legal de produção de prova, a solução legal impõe que estando em falta ou impossibilitadas de participar na audiência as testemunhas arroladas pela acusação se prossiga, sem adiamento, com a inquirição das testemunhas de defesa presentes.
Esta solução legal, mais uma vez, prende as suas raízes na busca da verdade – como refere Paulo Pinto de Albuquerque, a descoberta da verdade é prejudicada pela interrupção da produção da prova repetidas vezes ou por períodos longos, pois ela torna impossível a captação de uma imagem global dos meios de prova e a formulação de um juízo concatenado sobre toda a prova.[56]

vi. Em consonância com o disposto na al. a) do nº 3 do artigo 328º, também o artigo 331º do C.P.Penal estabelece que a falta de testemunhas não dá lugar ao adiamento da audiência (nº 1) sendo que se o presidente decidir que a sua presença é indispensável à boa decisão da causa e não for previsível a obtenção do seu comparecimento com a simples interrupção da audiência, são inquiridas as testemunhas presentes, mesmo que tal implique a alteração da ordem de produção de prova referida no artigo 341º e só depois disso ocorrerá o adiamento (caso a pessoa faltosa ainda não tenha comparecido).

vii. E do mesmo modo, o nº 2 do artigo 333º do C.P.Penal, afasta a ordem estabelecida no artigo 341º, ao dispor que em caso de falta do arguido, se o tribunal considerar que a audiência pode começar sem a presença dele, não ocorre adiamento, sendo inquiridas ou ouvidas as pessoas presentes, pela ordem referida nas alíneas b) e c) do artigo 341º.

viii. Por fim, o artigo 348º, nº 2, do C.P.Penal, estabelece que as testemunhas são inquiridas, uma após outra, pela ordem por que foram indicadas, salvo se o presidente, por fundado motivo, dispuser de outra maneira.
Este preceito merece a interpretação que lhe é dada pelo Juiz Conselheiro António Jorge Oliveira Mendes, in Código de Processo Penal Comentado[57] - As testemunhas são inquiridas depois da audição do arguido, do assistente, do responsável civil e do lesado. Após serem identificadas e questionadas de acordo com o disposto no nº 3, bem como ajuramentadas, são ouvidas pela ordem por que foram indicadas, ou seja, primeiro as do Ministério Público, depois as do assistente, a seguir as do demandante civil ou do lesado, finalmente as do arguido e do responsável civil, a menos que o presidente, por motivo fundado, oficiosa ou a requerimento, decida diversamente.   

4. Na economia do preceito, o legislador não consagrou uma solução válida apenas dentro de cada perímetro de prova, seja da acusação, seja da defesa, como pretende o arguido JO…. No preceito não se encontram elementos literais que limitem a valia do regime consagrado ao perímetro de cada um dos róis de testemunhas apresentados no processo.

i. Por outro lado, a interpretação que o arguido faz do preceito (a faculdade prevista 348.º, n.º 2, “in fine”, do C.P.Penal não preclude, nem pode perverter, a disciplina prevista no mencionado artigo 341.º, n.º 1, apenas permitindo que, em cada perímetro de prova, seja da acusação, seja da defesa, se possa nele proceder à alteração fundamentada da ordem pela qual as testemunhas devem prestar o seu depoimento, mas tal não perpassa para a alteração da própria ordem da produção de prova, da acusação e da defesa, que é injuntiva) esbarra com as decorrências do sistema em que o preceito se insere.
A ter tal sentido, a norma do artigo 348º, nº 2, contrariaria o estabelecido designadamente no artigo 323º do C.P.Penal, que supra analisamos.

5. Aqui chegados, podemos com segurança concluir que a ordem legal de produção de prova prevista no artigo 341º do C.P.Penal, tendo por desiderato a eficiência na busca da verdade, admite derrogações, encontrando-se no Código a previsão das diversas situações em que tal ordem poderá/deverá ser afastada.
Trata-se de derrogações expressamente introduzidas pelo próprio legislador processual penal e não resultado de um qualquer esforço interpretativo jurisprudencial ou doutrinário, sem apoio expresso na letra da Lei.

6. Igualmente podemos concluir, do conjunto das normas supra analisadas, que o tribunal está obrigado a imprimir aos trabalhos da audiência de julgamento um andamento conforme com o princípio da continuidade, em prol da descoberta da verdade, desiderato que, perante a ausência de determinadas pessoas ou a sua impossibilidade de participação nos trabalhos, poderá ter de ser alcançado através da alteração da ordem de produção de prova prevista no artigo 341º.

7. Perante isto, vejamos o caso concreto.

i. A apreciação encontra-se prejudicada quanto às testemunhas de acusação MSa…, NL…, JL… e MS…, posto que o Ministério Público prescindiu da sua inquirição.

ii. Para além destas, as decisões recorridas implicaram que as testemunhas arroladas pelas defesas fossem inquiridas em momento anterior ao da inquirição das testemunhas de acusação:
- AA…, CB…, IF… e AG…, advogados, que invocaram o sigilo profissional e relativamente às quais o Tribunal a quo suscitou a quebra de sigilo profissional, quebra essa que foi determinada Tribunal da Relação de Lisboa, tendo do respectivo acórdão sido interposto recurso pelos arguidos; 
     - EP…, AP…, JR…, AC…, GR…, FCo… e JN…, testemunhas relativamente às quais o Tribunal “a quo”, por despacho proferido nos autos, entendeu não estarem impedidas de depor pelo facto de serem arguidos num processo de contra-ordenação conexo, sendo certo que desse despacho foi interposto recurso, ao qual, após reclamação quanto ao seu efeito, foi atribuído efeito suspensivo da decisão recorrida.

8. A alteração da ordem de produção de prova foi determinada por despacho proferido pelo Juiz Presidente e o indeferimento das irregularidades arguidas em face desse despacho foi decidido após deliberação do Tribunal Colectivo, com fundamentação que supra consta transcrita. As decisões referidas foram precedidas pelo cumprimento do contraditório. 

9. Na fundamentação das decisões recorridas ponderou-se o longo tempo de duração do julgamento já percorrido e, por outro lado, o largo lapso de tempo expectável para que ocorra o trânsito em julgado das decisões dos tribunais superiores sobre a impossibilidade de participação das referidas testemunhas.

i. Tal ponderação foi efectuada em face das consequências previsíveis que decorreriam da violação do princípio da continuidade da audiência – a perda de toda a prova produzida (artigos 326º e 328º, n.º 6, do C.P.Penal, na redacção então vigente).

ii. Não deixou o Tribunal “a quo” de ponderar a necessidade de garantir os direitos de defesa dos direitos dos arguidos, mas fê-lo sem perder de vista que a questão se prende com os princípios do contraditório e da paridade de armas entre acusação e defesa, salvaguardados quando se constata que a defesa teve chances – fácticas – de contrariar as provas produzidas em seu desfavor.

iii. Em síntese, concluiu-se nas decisões recorridas que:
- o prosseguimento dos trabalhos da audiência com a inquirição das testemunhas de defesa era decorrência necessária do princípio da continuidade da audiência;
- a defesa dos arguidos se encontrava salvaguardada, não obstante se decidir pelo inicio da inquirição das testemunhas de defesa antes de terminada a produção de prova testemunhal da acusação;
- nenhuma violação dos direitos dos arguidos advinha da circunstância de se iniciar a produção da prova testemunhal arrolada pela defesa, mostrando-se ainda pendente a inquirição das identificadas testemunhas de acusação, porquanto, se concederá a possibilidade de requererem a reinquirição das testemunhas de defesa, conforme entenderem por relevantes, em data posterior à inquirição das identificadas testemunhas de acusação.

10. Tendo em conta todos os factores de ponderação assinalados, impõe-se concluir que, mais do que autorizado a proceder à alteração da ordem de produção da prova, o Tribunal “a quo” estava, naquelas circunstâncias, obrigado a proceder a tal alteração.

i. As testemunhas de acusação que restavam por inquirir encontravam-se em situação que não se pode deixar de considerar como de impossibilidade de participar na audiência.

ii. Efectivamente, por motivos legais relacionados com os incidentes suscitados a propósito da respectiva inquirição, tais testemunhas não podiam ser inquiridas aquando da prolação das decisões recorridas. Ao tribunal não restava outra solução que não fosse a de aplicar o disposto na conjugação dos artigos 328º, nº 3, al. a, e 348º, nº 2, do C.P.Penal, determinando, em conformidade, que na impossibilidade das demais, se prosseguissem os trabalhos com a inquirição das testemunhas de defesa.

11. Tendo sido essa a determinação do Tribunal “a quo”, é forçoso concluir que não se impôs qualquer alteração ilegal da ordem de produção da prova, qualquer alteração violadora dos direitos e garantias de defesa dos arguidos, nenhuma violação do princípio da presunção de inocência, nem do princípio do contraditório.

12. E não se diga, como o recorrente JO…, que a alteração desfavorece os direitos de defesa, por obrigar o mesmo a produzir meios de prova que indicou, mas que desconhece se serão de produção efectivamente necessária em face do conjunto da prova da acusação, consubstanciando um comprometimento intolerável do exercício livre e informado de todos os direitos de defesa a que alude o artigo 32º, nº 1, da Constituição da República Portuguesa e, por outro prisma, uma violação da estrutura acusatória do processo penal e do artigo 32º, nº 5, da Lei Fundamental. 

i. Confunde o recorrente aquilo que são os direitos de defesa com a estratégia de defesa, concluindo erradamente que esta merece a mesma tutela, designadamente constitucional, que aqueles, sendo violadora das garantias fundamentais uma eventual perturbação da estratégia delineada ab initio.
Não lhe assiste razão.

ii. Mais uma vez citando o Professor Germano Marques da Silva[58], diremos que “A essência do princípio do contraditório é a dialéctica que se consubstancia no poder que é dado à acusação e à defesa de participar activamente na produção da prova em audiência, de aduzir as suas razões de facto e de direito, de oferecer as suas provas, de controlar as provas contra si oferecidas e de discretear sobre o resultado de umas e outras.”.

iii. Se é certo que cada sujeito processual tem a possibilidade de organizar a sua prova (designadamente indicando a ordem pela qual pretende ver produzidos os diversos depoimentos), não pode daí inferir-se que a estratégia de defesa delineada quanto à produção da prova esteja garantida como decorrência do princípio do contraditório e, por isso, a salvo de alterações derivadas da necessidade de adequar os trabalhos da audiência à salvaguarde de princípios fundamentais como o da busca da verdade material, designadamente através da continuidade da audiência.

iv. A solução que decorre das decisões recorridas não determina para a defesa a necessidade de produção descontrolada dos meios de prova que ofereceu, não obstante parecer ser esse o entendimento do recorrente ao afirmar que a alteração da ordem de produção de prova o penaliza:
a) ou porque o Arguido vem a decidir não efectuar quaisquer perguntas às testemunhas por si arroladas por acreditar que, face à prova até à data produzida, virão a ser desnecessárias ou desfavoráveis à defesa, e a final se vem a concluir  que as perguntas que se omitiram eram pertinentes e/ou favoráveis à sua defesa, quer para a eventual absolvição do Arguido, quer num prisma subsidiário de contextualização e atenuação dos factos;
b) ou porque se obriga o Arguido a predeterminar as Testemunhas que faz ouvir e de que prescinde, a efectuar perguntas e a antecipar a sua defesa, forçando-o a assumir o indesejado risco inerente a tal conduta e, a final, se vem a concluir que, face à concreta prova produzida (ou não) e ao princípio do direito probatório em processo penal “in dubio pro reo”, aquelas Testemunhas/perguntas foram não só desnecessárias como redundaram na produção de um meio de prova que, de outra forma, se teria legitimamente evitado ou utilizado quanto a um tema ou numa abordagem estratégica diferente, e que o mesmo se revelou manifestamente desfavorável à defesa, contribuindo (por desinformada e extemporânea iniciativa do Arguido) de forma significativa para uma putativa condenação, para uma pena mais grave, ou para a sua não suspensão.

v. Nada disso decorre do decidido pelo Tribunal “a quo”, desde logo porque se afirmou a possibilidade de os arguidos requererem a reinquirição das testemunhas de defesa, conforme entenderem por relevantes, em data posterior à inquirição das testemunhas de acusação inquiridas posteriormente às de defesa.
Essa possibilidade de reinquirição, deixada ao critério da defesa (que a requererá se a entender por relevante) garante aos arguidos o pleno controlo da produção dos seus meios de prova e, bem assim, o controlo das provas contra si produzidas.

vi. Sublinhamos a expressão “conforme entenderem por relevantes” para assinalar como bem garantiu o Tribunal “a quo” a possibilidade de os arguidos verem reinquiridas as testemunhas que eles próprios considerassem relevantes para a sua defesa.
Não faz assim qualquer sentido a alusão à criação de sucessivas e necessárias rondas de produção de prova testemunhal, ora o Ministério Público, ora da defesa, já que o sistema instituído garante, isso sim, que a defesa poderá, em momento subsequente ao terminus da produção da prova da acusação, ver reinquirida qualquer testemunha cujo depoimento entender relevante. E dessa forma, como é manifesto, garantiu o Tribunal “a quo” o cumprimento do contraditório e a observância das mais amplas garantias de defesa.

vii. Não é mais do que um jogo de palavras, descontextualizado e descabido, afirmar que se violaram as garantias de defesa ao decidir que os arguidos poderiam requerer a reinquirição das suas testemunhas, ao invés de decidir que os arguidos poderiam reinquirir as suas testemunhas. O decidido visou, precisamente, garantir os direitos de defesa através do controlo da produção da prova indicada pelo próprio arguido, reconhecendo-lhe o direito potestativo de reinquirir testemunhas.

13. E não se diga, também, que o Tribunal “a quo” desbaratou meios de garantir que a prova produzida ao longo dos três anos de duração da audiência de julgamento se não perdia, por não ter espaçado mais a marcação da inquirição das testemunhas arroladas pela Assistente BPN, S.A. e das que foram indicadas pelo arguido RO….

i. Ao fazer tal afirmação, o recorrente JO… pretende ver ignorado o significado do princípio da concentração.
Este princípio impõe que o conjunto dos actos processuais que integram a audiência se pratique, tanto quanto possível, de forma concentrada no tempo – a sua manifestação mais relevante verifica-se na regra da continuidade da audiência – artigo 328º do C.P.Penal.

ii. Como escreve Nuno Brandão[59], Um desenvolvimento tão concentrado quanto possível da audiência favorece a celeridade processual que, constitucionalmente, releva tanto sob a perspectiva do arguido, impondo que ele deva ser julgado no mais curto prazo compatível com as garantias de defesa (art. 32º - 2 da CRP), como sob a perspectiva do cumprimento do dever estadual de realização da justiça penal (art. 2º da CRP).
A concentração temporal dos actos da audiência de julgamento é ainda desejável em virtude do seu relevo para a apreciação da prova produzida e examinada em audiência que o tribunal deve realizar, em regra segundo o princípio da livre apreciação da prova (art. 127º), em ordem a decidir sobre a matéria de facto (arts. 365º - 3, 368º - 2 e 374º - 2). (…) Conhecida que é a erosão que o decurso do tempo provoca na memória, a uma sentença dada com base em provas produzidas ou examinadas em momento muito recuado no tempo e/ou após frequentes interrupções na marcha da audiência é inerente um risco: o de a decisão sobre a matéria de facto assentar já não em memória viva do juiz sobre tais provas, mas antes basear-se somente nos seus próprios apontamentos sobre o que in illo tempore se disse em audiência. Devendo, enfim, reconhecer-se que uma audiência concentrada (…) favorece a prossecução da finalidade de esclarecimento da verdade material que é cometida ao processo penal.

iii. Tendo em consideração que o princípio da concentração é conformador da audiência de julgamento, mal teria andado o Tribunal “a quo” se, artificial e artificiosamente tivesse utilizado o expediente sugerido pelo recorrente JO… e espaçado a marcação da inquirição das testemunhas arroladas pela Assistente BPN, S.A. e pelo arguido RO….

iv. Tal expediente para assegurar a validade da prova traduzir-se-ia numa verdadeira fraude à lei, fazendo funcionar as normas do ordenamento processual penal (designadamente o artigo 328º, nrs. 5 e 6, do C.P.Penal, na redacção vigente à data) em prol de desideratos opostos aos pretendidos pelo Legislador.

14. Nenhuma razão válida ocorre para se integrar entre as questões prejudiciais, prévias ou incidentais, cuja resolução seja essencial para a boa decisão da causa e que tornem altamente inconveniente a continuação da audiência, a pendência de um incidente de quebra de sigilo profissional no âmbito de um processo em que estão por inquirir testemunhas que podem ser presentes em audiência e inquiridas, enquanto o incidente se processa até decisão transitada em julgado.

i. Assim sucede desde que se garanta aos arguidos a possibilidade de contraditarem a prova que, posteriormente, se venha a produzir, através da inquirição da testemunha de acusação a que respeita o incidente e, por outro lado, através da reinquirição das testemunhas de defesa que os arguidos entendam relevantes.

ii. Tudo isso se garantiu no caso concreto, inexistindo razões que impusessem o adiamento da audiência, sem se iniciar a produção da prova testemunhal arrolada pelas defesas.
A interpretação dos preceitos em causa e o procedimento adoptado pelo Tribunal a quo não conflitua com os preceitos constitucionais dos artigos 18.º, n.º 2, 32.º, n.ºs 1 e 5.

15. Quando se conclui, como fazemos, que a alteração da ordem de produção de prova introduzida não contendeu com os direitos de defesa dos arguidos (salvaguardados designadamente através do procedimento de potestativa reinquirição das testemunhas de defesa implementado pelo Tribunal “a quo”), forçoso se torna concluir também que os procedimentos alternativos de maior espaçamento temporal na inquirição das testemunhas de defesa e/ou de audição de uma testemunha de cada um róis dos arguidos, em rondas sequenciais, igualmente espaçadas no tempo, sempre contenderiam com os princípios conformadores do nosso processo penal, sendo, por isso, soluções insustentáveis.

i. Tais procedimentos contenderiam com o princípio da concentração e da continuidade da audiência e, em última análise, e como vimos, comprometeriam o princípio da busca da verdade material.

ii. Pior solução seria o sugerido procedimento de reinquirição espaçada no tempo de testemunhas de acusação já ouvidas – para além dos demais óbices já analisados, tal procedimento contenderia com o princípio da proibição da prática de actos inúteis.
Como expressamente se referiu no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 12 de Março de 2009[60], Um dos princípios que presidem às normas processuais é o da economia processual, entendida esta como a proibição da prática de actos inúteis, conforme estabelece o art. 137º do Código de Processo Civil. Trata-se, como acentua o Prof. José Lebre de Freitas (Código de Processo Civil Anotado, I, pág. 240) duma norma que se impõe a todos, juiz, secretaria e partes, visando proibir os actos que apenas tenham o efeito de complicar o processo, impedindo-o de rapidamente chegar a seu termo.
É certo que o Código de Processo Penal não contém norma equivalente, mas tal não impede a aplicação daquele preceito nos termos do art. 4º do Código de Processo Penal, em virtude de o princípio que lhe serve de substrato se harmonizar em absoluto com o processo penal. De resto, há que reconhecer a existência de afloramentos do referido princípio em diversas normas do Código de Processo Penal, nomeadamente no art. 311º, ao permitir ao juiz rejeitar a acusação manifestamente infundada e no art. 420º que prevê a rejeição do recurso quando for manifesta a sua improcedência. Tanto num caso, como no outro, é evidente que, sendo manifestas a improcedência da acusação ou do recurso, fazer prosseguir o processo, abrindo a respectiva fase, sabendo-se de antemão que seria inevitável a absolvição do arguido ou a improcedência do recurso, conduziria, necessariamente, à prática de actos inúteis.

iii. Tendo já sido colhido o depoimento das testemunhas de acusação cuja reinquirição se sugere – o que, como resulta dos autos, decorreu com observância dos legais formalismos, com cumprimento das exigências do contraditório e ao longo de sessões que demoraram o tempo necessário a que cada sujeito processual pudesse obter da testemunha os esclarecimentos possíveis e pertinentes – proceder a uma repetida e artificial reinquirição, apenas com o propósito de defraudar as imposições do princípio da continuidade da audiência, constitui acto inútil e proibido.

16. E não se diga, como os arguidos LC… e JO…, que esse procedimento encontra justificação no sucedido nas sessões de audiência de julgamento dos dias 15.07.2014 e 11.08.2014, nas quais o Tribunal “a quo” decidiu formular, oficiosamente, perguntas a duas testemunhas que já haviam sido ouvidas no âmbito da produção da prova testemunhal arrolada pelo Ministério Público.

i. Dúvida alguma ocorre quanto à circunstância de a conjugação dos artigos 323.º, al. a), 331.º, n.º 2, 341.º e 348.º, n.º 2, todos do C.P.Penal, permitir ao Tribunal chamar a depor uma testemunha que já haja deposto.
Pressuposto de regularidade dessa reinquirição é, porém, a necessidade ou utilidade dessa reinquirição para esclarecimento de qualquer aspecto concreto (uma vez mais, em última análise e como sempre, a busca da verdade).
Esse pressuposto falha no procedimento sugerido que, assumidamente, pretende apenas contornar as regras legais relativas à continuidade da audiência.

ii. A proibição de actos inúteis, a pretexto de salvaguarda dos direitos de defesa dos arguidos recorrentes sempre redundaria aliás, no caso concreto, num atentado contra os direitos de defesa de outros, designadamente do arguido que se prontificou a antecipar a produção da sua prova testemunhal (e que, desse modo, veria prolongada a duração do julgamento). 

17. Em sede final e encerrando a apreciação das questões aqui propostas, cabe-nos apenas referir que as interpretações cuja inconstitucionalidade os arguidos reclamam não foram perfilhadas nem por este tribunal, nem pelo tribunal “a quo”, como se constata pela leitura do que acabámos de deixar exarado.
Tais invocados sentidos normativos não tiveram, pois, aplicação no presente caso.

18. Aqui chegados, impõe-se concluir pela improcedência dos recursos interlocutórios interpostos pelos arguidos jo…, lc… e fc…, das decisões proferidas a fls. 46.552 a 46.560, 46.734 vº a 46.736 e 46.770 vº.

                                                     *

8. Apreciação do despacho de fls. 46.533 a 46.537, que indeferiu parcialmente o requerimento que o arguido apresentara a fls. 46.367 vº para que fosse notificada a sociedade Mazars para juntar aos autos prova documental (recurso interposto pelo arguido JO…)

1.  Pelo arguido jo…, na sessão de audiência de julgamento que teve lugar no dia 27 de Maio de 2014, foi apresentado o seguinte requerimento:
Na sequência das declarações prestadas pela testemunha Dr. DA…, na sessão de 21 de Maio de 2014, em que o mesmo afirmou que à equipa da Mazzars terá sido disponibilizada documentação comprovativa dos beneficiários das sociedades off shores que eram mutuárias do Banco Insular, por se afigurar relevante para a boa decisão da causa, designadamente no que concerne à matéria de facto vertida nos artigos 213º a 215º da pronúncia, requer a V. Ex.ª que se digne ordenar à sociedade Mazzars que junte aos autos, em suporte informático, toda a prova documental (incluindo declarações de trust) de que seja possuidora e que tenha utilizado para a elaboração da lista dos beneficiários das sociedades mutuárias que consta do anexo 3 ao relatório que produziu acerca do Banco Insular. Respeitosamente, pede deferimento.

2. Sobre tal requerimento, pronunciou-se o despacho de fls. 46.533 a 46.537, que tem o seguinte teor:
Fls. 46.366 a 46368 (sessão de julgamento do dia 27.5.2014 – requerimento do arguido OC… e resposta do M.P.):
Na sequência da inquirição da testemunha DA…, o arguido OC… requereu a notificação da sociedade Mazars para juntar aos autos “em suporte informático, toda a prova documental (incluindo declarações de trust) de que seja possuidora e que tenha utilizado para a elaboração da lista dos beneficiários das sociedades mutuárias que consta do anexo 3 ao relatório que produziu acerca do Banco Insular.
Como justificativo adiantou que essa documentação será relevante para a boa decisão da causa, designadamente no que concerne à matéria de facto vertida nos artigos 213º a 215º da pronúncia.
Não se opuseram ao requerido os restantes arguidos nem os assistentes.
Porém, o M.P. deduziu oposição, argumentando que “a documentação solicitada que suportará o designado anexo 3 ao relatório da Mazzars consta exaustivamente do Projecto César não tendo sido particularizada qualquer situação que porventura esta listagem dê resposta e aquele Projecto César não dê.”
Decidindo-se:
Nos arts. 213º a 215º da pronúncia são identificadas 59 offshores da SLN a quem terão sido concedidos diversos créditos através de “uma estrutura paralela não consolidada”.
Ou seja, pertencendo estas sociedades offshore à SLN e estariam, neste medida, obrigadas a entrar no perímetro de consolidação da sociedade mãe SLN e, por conseguinte, obrigadas igualmente ao reporte às autoridades de supervisão.
A “prova” da propriedade destas offshores alcança-se essencialmente através das “declarações de trust” nas quais são identificados os respectivos UBO (ultimall beneficial owner).
Pressuposto da obrigação de consolidação destas sociedades no perímetro contabilístico da SLN assentará, antes de mais, na demonstração da sua propriedade.
Por isso, a documentação relevante a ter em consideração neste campo serão as referidas declarações de trust, mas tão só as das sociedades que estão identificadas naqueles factos e não quaisquer outras, face ao objecto do processo que é delimitado pela pronúncia.
Ora, no anexo 3 do apenso A (“relatório de auditoria externa relativa às operações do banco insular”) no que respeita a declarações de trust de sociedades offshore a que a Mazars terá tido acesso para a elaboração daquele anexo - sociedades que concomitantemente são mencionadas na pronúncia como pertencendo à SLN - são identificadas as seguintes:
- Acle;
- Arles;
- Barwell;
- Bayanon;
- Bremonhill;
- Jamaki;
- Jared;
- Karan(m);
- Kayes;
- Kemusa;
- Kilarnock;
- Mardell;
- Marton;
- Merfield;
- Monialla;
- Newtech;
- Quila;
- Rador;
- Reltonia;
- Resia;
- Ricia;
- Seaford;
- Sevilen;
- Shelina;
- Solrac Finance;
- Tammo;
- Webster;
- Yarak;
- Zala;
Caso dos autos não conste qualquer uma das declarações de trust destas sociedades, face ao sobredito, mostra-se evidente que a obtenção delas se reveste como importante para a boa decisão da causa, designadamente para aferir da titularidade das mesmas e, neste âmbito, se eram ou não directa ou indirectamente (através da Marazion), propriedade da SLN.
Porém, o que é facto é que dos autos já constam como, aliás, bem referiu o M.P., a maior parte das declarações de trust destas sociedades, designadamente no 3º volume do apenso temático I (“documentação referente ao «Projecto César» - Soc. Offshore da SLN”) na seguinte paginação física:
- Acle (fls. 793);
- Arles (825);
- Barwell (838);
- Bayanon (841);
- Jamaki (923);
- Jared (929);
- Karan(m) (942);
- Kayes (949);
- Kemusa (953);
- Kilarnock (961);
- Mardell (986);
- Marton (992);
- Merfield (998);
- Monialla (1022);
- Newtech (1052);
- Quila (1064);
- Rador (1070);
- Resia (1085);
- Ricia (1088);
- Seaford (1098);
- Sevilen (1105);
- Shelina (1111);
- Solrac Finance (1129);
- Tammo (1141);
- Webster (1162);
- Yarak (1169);
É certo que desse apenso temático não constam as declarações de trust das sociedades offshore Bremonhill e Reltonia.
Todavia:
Quanto à Bremonhill:
No “apenso informático 33” consta uma declaração de trust desta sociedade pela qual é “atestado” em Junho de 2008 que o seu “beneficial owner” é a SLN Valor – SGPS, S.A. (v. seguinte anexo em pdf constante do seguinte caminho: E:\4910\1-Anexo A\CAIXAS CORREIO\TRAT\2\Portatil\CAIXAS DE CORREIO\3 archive.pst\SLN Valor - Administração\ 3.msg).
Com interesse, neste ponto, considere-se igualmente a seguinte documentação que faz parte do apenso informático 33:
- E:\4910\30\Mail\283\1\Guimaraes\7 outlook.pst\Itens enviados\ 29.msg|Cessão Posição Bremonhill.doc;
- E:\4910\1-Anexo A\CAIXAS CORREIO\TRAT\2\Portatil\CAIXAS DE CORREIO\3 archive.pst\Arquivo Ferias Enviadas\RE- Acções Próprias - Urgente. 1.msg;
No que respeita à Reltonia:
Na panóplia de milhões de documentos constantes dos autos não se vislumbra nenhuma declaração de trust desta sociedade que confirme (ou não) que o seu “ultimal beneficial owner” seja a SLN SGPS, S.A., ou a SLN Valor.
No referido anexo 3 do relatório da Mazars é indicado o UBO como sendo o SM….
O documento (declaração de trust) que possa estar na posse da Mazars relativo a esta sociedade tem importância para a descoberta da verdade material, designadamente para os arts. 213º a 215º da pronúncia onde se conclui que a Reltonia pertence ao grupo SLN.
Quanto às demais sociedades indicadas no mesmo anexo como pertencentes ao grupo SLN com base na existência das referenciadas, no mesmo relatório, declarações de trust, considerando a documentação constante dos autos a que supra se fez referência, entende-se que a diligência requerida pelo arguido OC… não tem qualquer utilidade para a descoberta da verdade material ou boa decisão da causa.
Pelo exposto e razões aduzidas, ao abrigo do disposto no art. 340º do C.P.P,, decide-se:
1) Deferindo-se parcialmente o requerido pelo arguido OC… a fls. 46367 v., notifique-se a Mazzars para, no prazo de 10 (dez) dias, juntar aos presentes autos a declaração de trust da sociedade Reltonia Enterprises Llc, sociedade esta que está referenciada no anexo 3 ao relatório da Mazzars como tendo por accionista o SM…;
2) No mais, indefere-se o requerido pelo arguido OC….

3. Notificado de tal despacho e inconformado com o teor da decisão, o arguido jo… interpôs recurso, pugnando pela sua revogação do seguinte modo:
Nestes termos, deve o presente recurso ser julgado procedente e consequentemente:
a) Revogado o douto despacho, datado de 26.06.14, que consta de fls. 46.527 a 46.560 dos autos, no que concerne ao segmento decisório relativo à questão apreciada de fls. 46533 a fls. 46.537 (atinente ao indeferimento parcial do requerimento do Arguido de fls. 46.366 a 46.368 realizado em sessão de julgamento do dia 27.05.14), ordenando-se ao Tribunal recorrido que o substitua por outro que determine a notificação à sociedade Mazars para juntar aos autos toda a prova documental, incluindo declarações de “trust”, de que seja possuidora e que tenha utilizado para a elaboração da lista dos beneficiários das sociedades mutuárias que consta do anexo 3 ao relatório que aquela sociedade produziu acerca do Banco Insular, com referência às seguintes sociedades referidas nos artigos 213.º a 215.º da pronúncia:
- Acle;
- Arles;
- Barwell;
- Bayanon;
- Bremonhill;
- Jamaki;
- Jared;
- Karan(m);
- Kayes;
- Kemusa;
- Kilarnock;
- Mardell;
- Marton;
- Merfield;
- Monialla;
- Newtech;
- Quila;
- Rador;
- Reltonia;
- Resia;
- Ricia;
- Seaford;
- Sevilen;
- Shelina;
- Solrac Finance;
- Tammo;
- Webster;
- Yarak; e
- Zala.
b) Mais deverá ser decidido que a revogação da douta decisão recorrida invalida o Acórdão que venha a ser proferido pelo Tribunal “a quo” e implica a necessidade de reabertura da Audiência de Julgamento para produção da prova “supra” indicada em a) e para que sobre a mesma seja dado contraditório aos sujeitos processuais, seguindo-se os demais termos até final.

4. O Recorrente extraiu da sua motivação (cf. fls. 47.811 e segs.) as seguintes conclusões (encontrando-se reproduzida, no final do bloco de conclusões, a nota de rodapé, cuja numeração originária se manteve):
1.º - O presente recurso incide sobre o douto despacho datado de 26.06.14, que consta de fls. 46.527 a 46.560 dos autos, no que concerne ao segmento decisório relativo à questão apreciada de fls. 46533 a fls. 46.537 (atinente ao indeferimento parcial do requerimento do Arguido de fls. 46.366 a 46.368 realizado em sessão de julgamento do dia 27.05.14, para que se ordenasse a notificação à sociedade Mazars para juntar aos autos a prova documental, incluindo declarações de “trust”, de que seja possuidora sobre os beneficiários das sociedades mutuárias do Banco Insular) (…).
A – Quanto ao primeiro segmento decisório impugnado do douto despacho recorrido atinente ao indeferimento parcial da notificação à Mazars para junção da documentação reveladora dos beneficiários finais das sociedade mutuárias do Banco Insular:
2.º - Após enunciar o critério definido para a tomada da decisão sobre a diligência requerida pelo Arguido passou o Tribunal “a quo” a verificar se nos autos constam, ou não, uma declaração de trust de cada uma das 29 sociedades “off shore” em causa, tendo dado resposta positiva relativamente a 27 sociedades, conforme decisão que se dá como reproduzida.
3.º - Quanto às duas sociedades remanescentes (considerando as 29 iniciais e aquelas 27 que têm alegadamente nos autos uma declaração de “trust” junta aos autos), a Bremonhill e a Reltonia:
a) O Tribunal detectou nos autos uma declaração de “trust” da Bremonhill reportada a Julho de 2008 e, no denominado apenso 33, dois mails sobre o tema;
b) Quanto à sociedade Reltonia uma vez que no relatório da Mazars é indicado como beneficiário da mesma SM… e que a respectiva declaração de “trust” não foi até à data encontrada nos autos, foi determinada pelo Tribunal “a quo” a notificação da Mazars para juntar aos autos a declaração de que seja possuidora relativamente a esta sociedade. 
4.º - Quanto às demais 27 sociedades “off shore” alegadamente pertencentes à SLN em relação às quais se considerou que constava uma declaração de “trust” nos autos decidiu-se que “(…) considerando a documentação constante dos autos a que supra se fez referência, entende-se que a diligência requerida pelo arguido OC… não tem qualquer utilidade para a descoberta da verdade material ou boa decisão da causa.”
5.º - Porém, o processo em julgamento abarca factos que se desenrolam – atenta a delimitação temporal directamente resultante da pronúncia – entre o início do funcionamento do Banco Insular reportado a 3.12.2001 e o fim das respectivas operações reportado a 17.02.2009, conforme artigo 202.º da pronúncia.
6.º - De facto, se se considerar, como se se considerou na douta decisão recorrida, que “Pressuposto da obrigação de consolidação destas sociedades no perímetro contabilístico da SLN assentará, antes de mais, na demonstração da sua propriedade”, então, haverá que reconhecer que qualquer alteração que haja sucedido ao nível dos beneficiários das sociedades “off shore” em referência durante os vários anos a que se reporta a pronúncia relevará para determinar se existia, ou não, obrigação por parte da SLN de proceder à consolidação das mesmas nas suas contas, as quais, como é sabido, reportam ao ano civil a que dizem respeito.
7.º - Resultado dos autos que diversas sociedades “off shore” tiveram ao longos dos anos a que se reporta a pronúncia beneficiários distintos, sendo disso exemplo o caso da Sociedade Marazion (a que alude o artigo 72.º da pronúncia [19]) que terá tido uma alegada sucessão de declarações de “trust”, que no fundo representam um trato sucessivo dos respectivos beneficiários, o que facilmente se constata pelo teor da carta datada de 29 de Dezembro de 2008 da SLN SGPS SA dirigida ao Banco de Portugal (v.d. Apenso temático “R”, vol. 31, pág. 6.985 e seguintes).
8.º - Acresce que, esta mesma lógica acaba por ser perfilhada pelo Tribunal “a quo” no âmbito do despacho de 26.06.2014 de que parcialmente se recorre quando, mais à frente, a propósito de outra diligência probatória se afirma (a fls. 46.545) que “Ao longo dos cerca de 8 anos da matéria vertida na pronúncia – aliás, isso decorrerá do próprio manancial probatório não sistematizado junto aos autos – algumas das sociedades offshore não ficaram imutáveis, i.e., não tiveram sempre o mesmo UBO.      Terão “mudado de mãos” ao longo dos anos… Nesta medida, se tiver havido alguma análise sistemática das inúmeras sociedades offshore, designadamente dos seus últimos beneficiários por referência aos dois momentos distintos indicados pelo arguido (ano de 2000 e 31.12.2004), parece evidente e claro que essa(s) análise(s) terá(ão) importância para a descoberta da verdade material, mais precisamente para aferir/identificar aquelas que, em momentos distintos, terão feito parte (ou não), directa ou indirectamente, do universo SLN. Fazendo parte, essa circunstância terá importância para a prova da factualidade da pronúncia”.
9.º - Assim, se neste concreto segmento decisório do douto despacho de 26.06.2014 (não impugnado) se entendeu relevante fazer juntar aos autos um memorando de onde resultassem os beneficiários das “off shore” mutuárias no Banco Insular ao longo dos anos (e concretamente em 2000 e 31.12.2004) torna-se evidente que a junção aos autos de todos os documentos, incluindo declarações de “trust”, que provem quem são (ou foram) os beneficiários das mesmas “Ao longo dos cerca de 8 anos da matéria vertida na pronúncia” são, por argumento de identidade de razão, relevantes para a boa decisão da causa.
10.º - Com efeito, em relação a um tão elevado número de sociedades “off shore” (29) nada garante, ou faz presumir, que as mesmas mantiveram ao longo de todos os anos a que alude a pronúncia os mesmos beneficiários.
11.º - Por outro lado, analisada toda a prova documental considerada como suficiente para a boa decisão da causa elencada pela douta decisão recorrida relativamente à prova dos beneficiários das sociedades em causa, sistematizada em quadro incluso na motivação “supra” que se dá como reproduzido, subsistem as seguintes dúvidas:
a) Relativamente à sociedade Kayes Associates LLC a declaração de “trust” que a decisão recorrida invoca como suficiente apenas se refere ao beneficiário de 20% da sociedade, ficando a dúvida – de todo legítima – sobre quem seria o beneficiário na data do “trust” (antes e após o mesmo) de 80% daquela sociedade;
b) Relativamente à sociedade Newtech não existe (ao contrário do indicado na decisão recorrida), pelo menos a fls. 1.052 do vol. 3 do apenso temático “I”, qualquer declaração de “trust” desta sociedade ficando a dúvida acerca de quem foi, ao longo dos anos, o beneficiário final desta sociedade;
c)  Relativamente a todas as sociedades de que existem declarações de “trust” juntas aos autos, reportadas apenas e só a uma data (estática), quem foram os beneficiários das mesmas durante todos os anos a que reporta a pronúncia e se o beneficiário indicado naquelas declarações de “trust” se manteve ao longo daqueles anos e em que percentagem?
d) Em que medida as declarações de “trust” alegadamente possuídas pela Mazars confirmam, desmentem ou acrescentam informação evolutiva às declarações de “trust” já constantes do processo?
12.º - Face ao carácter estático da informação constante das declarações de “trust” já constantes dos autos e à insuficiência das mesmas para poder determinar – com a necessária certeza – quais os beneficiários de todas as sociedades mutuárias ao longo dos anos, deveria a douta decisão recorrida ter deferido totalmente o requerido pelo Arguido, ora Recorrente, uma vez que não só não é “notório” que a diligência requerida é irrelevante ou supérflua, como a mesma assume relevo evidente para o julgamento da matéria de facto em causa e para a aplicação do direito à mesma, o que o Acórdão final irá certamente tornar evidente.
13.º - Ao julgar em sentido contrário, julgando inútil para a boa decisão da causa a diligência requerida pelo Arguido, ora Recorrente, na parte em que foi indeferida, violou a douta decisão recorrida o disposto no artigo 340.º, n.ºs  1 e 4, do CPP.
14.º - Pelo que, deve o despacho recorrido ser revogado ordenando-se ao Tribunal recorrido que o substitua por outro que ordene a notificação à sociedade Mazars para juntar aos autos toda a prova documental (incluindo declarações de “trust”) de que seja possuidora e que tenha utilizado para a elaboração da lista dos beneficiários das sociedades mutuárias que consta do anexo 3 ao relatório que produziu acerca do Banco Insular, com referência às seguintes sociedades referidas nos artigos 213.º a 215.º da pronúncia: Acle, Arles, Barwell, Bayanon, Bremonhill, Jamaki, Jared, Karan(m), Kayes, Kemusa, Kilarnock, Mardell, Marton, Merfield, Monialla, Newtech, Quila, Rador, Reltonia, Resia, Ricia, Seaford,  Sevilen, Shelina, Solrac Finance, Tammo, Webster, Yarak e Zala.
15.º - Mais deverá ser decidido que a revogação da douta decisão recorrida invalida o Acórdão final e implica a reabertura e continuação da Audiência de Julgamento para produção da prova “supra” indicada, seguindo-se os demais termos processuais (nesse sentido Ac. STJ de 10-02-2010).
NOTA:
[19] Artigo onde se pode ler: “A entidade MARAZION HOLDINGS LLC, foi constituída a 27 de Novembro de 2000, nas Ilhas Virgens Britânicas, tendo tido como beneficiário inicial a PLANFIN, depois a SLN SGPS e por fim a SLN IMOBILIÁRIA SGPS SA a partir de 2 de Março de 2001.”

5. O recurso foi admitido (fls. 48.830 e 48.831) e determinada a sua subida diferida, com o recurso que pusesse termo à causa, nos próprios autos e com efeito meramente devolutivo.

6.  O MºPº apresentou resposta (fls. 49504 e 49505) com o seguinte teor:
1ª – O requerimento do arguido JO… para que a MAZARS fosse notificada para juntar aos autos toda a documentação atinente à identificação dos beneficiários de sociedades offshore mutuárias do Banco Insular tem por base uma fundamentação genérica que não procede;
2ª – Com efeito, aquela documentação foi obtida pela MAZARS no âmbito duma auditoria que realizou na primeira metade de Julho de 2008 e teve origem na PLANFIN, Dra. IM… e Dr. AG…;
3ª – Ora, no âmbito dos trabalhos designados por “projecto César” que se iniciaram pouco depois e se prolongaram durante meses, foi obtida o mesmo tipo de documentação que se mostra junto aos autos no apenso informático 33 (E:\4910\1\-Anexo A\TRAT\1\PC\C\Documents and Settings\g 003314\Os meus documentos\proj César\Declarações de trust\) que está reproduzido em suporte de papel no apenso temático I;
4ª – Nestas circunstâncias, é razoável concluir que aquela documentação que a MAZARS obteve e esta documentação colhida pelo denominado “projecto César” são uma e a mesma coisa;
5ª – Daí que a decisão recorrida que, de certo modo, cotejou aquela documentação colhida pelo projecto César com o índice daqueloutra documentação que a MAZARS obteve, se mostre correcta à luz do disposto no artigo 340º do CPP;
6ª – Acontece que a motivação de recurso desta decisão configura um outro requerimento com nova fundamentação ou, pelo menos, um aperfeiçoamento do requerimento que apresentara e que fora parcialmente indeferido;
7ª – Ora, face à nova fundamentação que é extensa e detalhada e que radica na possibilidade da documentação obtida pela MAZARS conter documentação temporalmente diversa daquela que consta do “projecto César” com identificação de diversos beneficiários, admite-se que a requerida junção possa, nesse caso, ter interesse para a descoberta da verdade dos factos que importam à pronúncia;
8ª – Em todo o caso, cuida-se que a junção da requerida documentação, a acontecer, demonstrará a sua mais que provável inutilidade.

7. O Tribunal “a quo” proferiu então o seguinte despacho de reparação parcial da decisão recorrida (cfr. fls. 50.414 a 50.422):
“Fls. 46366 a 46368, 46523 a 46537, 47760 a 47829, 48830 e 48831 e 49474 a 49505 (reparação parcial de despacho):
Antecedentes processuais:
Na sequência da inquirição da testemunha DA…, o arguido OC… requereu (fls. 46366 a 46368) a notificação da sociedade Mazars para juntar aos autos “em suporte informático, toda a prova documental (incluindo declarações de trust) de que seja possuidora e que tenha utilizado para a elaboração da lista dos beneficiários das sociedades mutuárias que consta do anexo 3 ao relatório que produziu acerca do Banco Insular”.
Deduziu oposição o M.P. (fls. 46366 a 46368), argumentando que “a documentação solicitada que suportará o designado anexo 3 ao relatório da Mazars consta exaustivamente do Projecto César não tendo sido particularizada qualquer situação que porventura esta listagem dê resposta e aquele Projecto César não dê”.
Pelo despacho de fls. 46523 a 46537 e pelos fundamentos que dele constam, foi deferido parcialmente o requerido pelo arguido e, consequentemente, determinou-se a notificação da Mazzars para “juntar aos presentes autos a declaração de trust da sociedade Reltonia Enterprises Llc, sociedade esta que está referenciada no anexo 3 ao relatório da Mazzars como tendo por accionista o SM…”.
O arguido OC… interpôs recurso deste despacho (v. alegações de recurso de fls. 47760 a 47829) sustentando, em sede de conclusões, na parte aqui com relevo, o seguinte:
“(…)
5.º - (…), o processo em julgamento abarca factos que se desenrolam (…) entre o início do funcionamento do Banco Insular reportado a 3.12.2001 e o fim das respectivas operações reportado a 17.02.2009 (…).
6.º - (…) se se considerar, como se se considerou na douta decisão recorrida, que “Pressuposto da obrigação de consolidação destas sociedades no perímetro contabilístico da SLN assentará, antes de mais, na demonstração da sua propriedade”, então, haverá que reconhecer que qualquer alteração que haja sucedido ao nível dos beneficiários das sociedades “offshore” em referência durante os vários anos a que se reporta a pronúncia relevará para determinar se existia, ou não, obrigação por parte da SLN de proceder à consolidação das mesmas nas suas contas (…).
(…)
8.º - (…) esta mesma lógica acaba por ser perfilhada pelo Tribunal “a quo” no âmbito do despacho de 26.06.2014 (…).
9.º - Assim, se neste concreto segmento decisório do douto despacho de 26.06.2014 (não impugnado) se entendeu relevante fazer juntar aos autos um memorando de onde resultassem os beneficiários das “offshore” mutuárias no Banco Insular ao longo dos anos (e concretamente em 2000 e 31.12.2004) torna-se evidente que a junção aos autos de todos os documentos, incluindo declarações de “trust”, que provem quem são (ou foram) os beneficiários das mesmas “Ao longo dos cerca de 8 anos da matéria vertida na pronúncia” são, por argumento de identidade de razão, relevantes para a boa decisão da causa.
10.º - Com efeito, em relação a um tão elevado número de sociedades “off shore” (29) nada garante, ou faz presumir, que as mesmas mantiveram ao longo de todos os anos a que alude a pronúncia os mesmos beneficiários.
(…)
14.º - Pelo que, deve o despacho recorrido ser revogado ordenando-se ao Tribunal recorrido que o substitua por outro que ordene a notificação à sociedade Mazars para juntar aos autos toda a prova documental (incluindo declarações de “trust”) de que seja possuidora e que tenha utilizado para a elaboração da lista dos beneficiários das sociedades mutuárias que consta do anexo 3 ao relatório que produziu acerca do Banco Insular, com referência às seguintes sociedades referidas nos artigos 213.º a 215.º da pronúncia: Acle, Arles, Barwell, Bayanon, Bremonhill, Jamaki, Jared, Karan(m), Kayes, Kemusa, Kilarnock, Mardell, Marton, Merfield, Monialla, Newtech, Quila, Rador, Reltonia, Resia, Ricia, Seaford,  Sevilen, Shelina, Solrac Finance, Tammo, Webster, Yarak e Zala.
O recurso interposto foi admitido pelo despacho de fls. 48830 e 48831 (subida a final, nos próprios autos e com efeito meramente devolutivo).
O M.P. contra-alegou (fls. 49474 a 49505), em síntese, concluindo:
“(…).
2ª – Com efeito, aquela documentação foi obtida pela MAZARS no âmbito duma auditoria que realizou na primeira metade de Julho de 2008 e teve origem na PLANFIN, Dra. IM… e Dr. AG…;
3ª – Ora, no âmbito dos trabalhos designados por “projecto César” que se iniciaram pouco depois e se prolongaram durante meses, foi obtida o mesmo tipo de documentação que se mostra junto aos autos no apenso informático 33 (…) que está reproduzido em suporte de papel no apenso temático I;
4ª – Nestas circunstâncias, é razoável concluir que aquela documentação que a MAZARS obteve e esta documentação colhida pelo denominado “projecto César” são uma e a mesma coisa;
5ª – Daí que a decisão recorrida que, de certo modo, cotejou aquela documentação colhida pelo projecto César com o índice daqueloutra documentação que a MAZARS obteve, se mostre correcta à luz do disposto no artigo 340º do CPP;
6ª – Acontece que a motivação de recurso desta decisão configura um outro requerimento com nova fundamentação ou, pelo menos, um aperfeiçoamento do requerimento que apresentara e que fora parcialmente indeferido;
7ª – Ora, face à nova fundamentação que é extensa e detalhada e que radica na possibilidade da documentação obtida pela MAZARS conter documentação temporalmente diversa daquela que consta do “projecto César” com identificação de diversos beneficiários, admite-se que a requerida junção possa, nesse caso, ter interesse para a descoberta da verdade dos factos que importam à pronúncia;
8ª – Em todo o caso, cuida-se que a junção da requerida documentação, a acontecer, demonstrará a sua mais que provável inutilidade.” (fim de transcrição).
As contra-alegações do M.P. foram admitidas pelo presente despacho (supra págs. 3 e 4).

Reparação parcial do despacho recorrido:
Dispõe o art. 414º, nº 4, do C.P.P. que “Se o recurso não for interposto de decisão que conheça, a final, do objecto do processo, o tribunal pode, antes de ordenar a remessa do processo ao tribunal superior, sustentar ou reparar aquela decisão”. (sublinhado nosso)
A reparação ou sustentação do decidido é mesmo um poder-dever do tribunal recorrido “sempre que a motivação de recurso coloque questões ou constitua enfoque diverso da problemática apreciada” (Ac. do TRP, de 8.6.2005, in CJ, XXX, 3, 211).
O arguido OC… requereu, além do mais, a notificação da sociedade Mazars para juntar aos autos as “declarações de trust” de que “seja possuidora e que tenha utilizado para a elaboração da lista dos beneficiários da sociedades mutuárias que consta do anexo 3 ao relatório que produziu acerca do Banco Insular”.
Não cuidou, de modo algum, de balizar temporalmente as “declarações de trust” em causa, limitando-se a uma fundamentação e petitório de carácter genérico.
Acresce que, também não cuidou de comparar as datas das declarações de trust constantes do anexo 3 ao relatório da Mazars com as datas das declarações de trust constantes dos autos.
O Tribunal, constatando, na parte em que podia merecer relevância para a factualidade da pronúncia (arts. 213º a 215º), que somente uma das declarações de trust das sociedades mencionadas no anexo 3 daquele relatório não constava dos autos, determinou a sua junção, designadamente a da sociedade Reltonia Enterprises Llc.
Com efeito, seria acto processual manifestamente inútil determinar a junção de documentação já presente nos autos.
Todavia, como bem refere o M.P. nas suas contra-alegações, o arguido, nas suas alegações de recurso, agora sob a veste de “um outro requerimento com nova fundamentação ou, pelo menos, um aperfeiçoamento do requerimento que apresentara e que fora parcialmente indeferido” pretende, em sede de recurso, uma decisão diversa da recorrida, obviamente com o desiderato declarado de que se “invalide o Acórdão que venha a ser proferido pelo Tribunal «a quo»” o que implicará “a necessidade de reabertura da audiência de julgamento para produção da prova” suplementar “e para que sobre a mesma seja dado contraditório aos sujeitos processuais, seguindo-se os demais termos até final” (fls. 47827).
Para tanto, arvora-se no argumento, aliás, válido, de que “em relação a um tão elevado número de sociedades «off shore» (29) nada garante, ou faz presumir, que as mesmas mantiveram ao longo dos anos a que alude a pronúncia os mesmos beneficiários”.
Se é certo que esta afirmação tem toda a pertinência, não menos certo o é que só se justificava a junção aos autos das declarações de trust referidas no anexo 3 do relatório da Mazars que tivessem uma referência a data diferente por comparação com as declarações de trust já constantes dos autos.
O que é facto é quando o Tribunal proferiu o despacho recorrido, embora dele não conste, cuidou de fazer uma extensa análise de comparação das datas das declarações de trust constantes do anexo 3 ao relatório da Mazars com as datas das declarações de trust constantes dos autos.
Ora, neste âmbito, chegou à clara e objectiva conclusão que no anexo 3 do relatório da Mazars onde constava a referência às datas das declarações de trust das diversas sociedades offshore com importância para aferir da matéria factual constante dos arts. 213º a 215º da pronúncia, essas datas eram precisamente as mesmas das declarações de trust que constituem o acervo documental dos autos.
Por isso, o indeferimento quase integral do requerido, pois, pela lógica, seria de concluir que onde não constasse a referência a essas datas no anexo 3 do relatório da Mazars, apesar disso, essas declarações seriam as mesmas das constantes do processo, até porque, como bem refere o M.P. “é razoável concluir que aquela documentação que a Mazars obteve e esta documentação colhida pelo denominado “projecto César” são uma e a mesma coisa”, designadamente a que “está reproduzida em suporte de papel no apenso temático I”.
Refira-se, também, que o arguido, mesmo agora em sede de alegações de recurso, novamente não cuidou de fazer a análise casuística e comparativa das datas das declarações constantes do anexo 3 do relatório da Mazars e as declarações de trust constantes dos autos, limitando-se a argumentar genericamente com uma evolução histórica das sociedades, concluindo, neste patamar, que os seus beneficiários podem não ser os mesmos ao longo dos anos.
Porém, tomando por válido o seu argumento, como sobredito, cumpre de novo salientar que só se justifica a junção aos autos das declarações de trust referidas no anexo 3 do relatório da Mazars que tenham uma referência a data diferente por comparação com as declarações de trust já constantes dos autos ou que não tenham referência a qualquer data, pois, só nestas situações é que se poderá aventar a hipótese de essas declarações não constarem dos autos.
Verificando-se qualquer um desses pressupostos e admitindo-se deste modo, em abstracto, que alguma das declarações de trust referidas no anexo 3 do relatório da Mazars não esteja junta aos autos, sendo princípio norteador deste Tribunal a descoberta da verdade material, caberá, por conseguinte, proferir despacho de reparação do despacho recorrido na parte pertinente.
O que nos remete, doravante, para a aludida análise casuística e comparativa.
Atente-se no quadro seguinte:

 


Apenso temático I – projecto César (datas das declarações de trust)
Apenso A – anexo 3 do relatório de auditoria externa relativa às operações do Banco Insular (págs. 60 e 61) – datas das declarações de trust
Acle1.10.2002 (fls. 793)-----
Arles2.3.2001 (fls. 825 e 828)2.3.2001
Barwell22.7.2002 (fls. 835 e 838)-----
Bayanon5.6.2001 (fls. 841 e 844)-----
Jamaki1.10.2002 (fls. 923 e 926)-----
Jared23.5.2002 (fls. 929 e 932)23.5.2002
Karan27.3.2002 (fls. 939 e 942)-----
Kayes21.3.2001 (fls. 949)21.3.2001
Kemusa20.05.2002 (fls. 953 e 956)20.5.2002
Kilarnock7.8.2002 (fls. 961 e 964)7.8.2002
Mardell29.5.2002 (fls. 986 e 989)-----
Marton1.10.2002 (fls 992 e 995)-----
Merfield19.2.2001 (fls. 998 e 1000)19.2.2001
Monialla5.6.2001 (fls. 1002 e 1004)-----
Newtech----------
Quila16.01.2002 (fls. 1064 e 1067)-----
Rador1.10.2002 (fls. 1070 e 1073)-----
Resia16.9.2003 (fls. 1085)16.9.2003
Ricia1.10.2002 (fls. 1088 e 1091)-----
Seaford7.2.2001 (fls. 1098 e 1101)7.2.2001
Sevilen31.1.2003 (fls. 1105 e 1108)31.1.2003
Shelina23.5.2002 (fls. 1111 e 1114)23.5.2002
Solrac Finance29.7.2002 (fls. 1129 e 1132)-----
Tammo14.5.2004 (fls. 1141 e 1143)14.5.2004
Webster20.5.2002 (fls. 1162 e 1165)-----
Yarak4.6.2001 (fls. 1169 e 1172)-----
Zala20.5.2002 (fls. 1175 a 1180)-----
Bremonhill3.6.2008 (v. apenso 33 no seguinte
 caminho: E\4910\1-Anexo
A\CAIXAS
CORREIO\TRAT\2\Portatil\CAIXAS
DECORREIO\3archive.pst\SLN
Valor-Administração\3.msg
3.6.2008


A 1ª coluna contém a identificação de todas as sociedades offshore elencadas no anexo 3 do relatório da Mazars e que igualmente estão referidas nos arts. 213º a 215º da pronúncia.
Por referência a essas sociedades, a 2ª coluna contém as datas das declarações de trust em suporte de papel que constam do apenso temático I “projecto César”, excluindo quanto à “Bremonhill” cujo suporte consta do apenso informático 33 no caminho indicado.
Por fim, também por referência às mesmas sociedades, a 3ª coluna contém as datas das declarações de trust mencionadas no Apenso A – anexo 3 do relatório de auditoria externa relativa às operações do banco insular (págs. 60 e 61) realizado pela Mazars.
Comparando-se as duas últimas colunas facilmente se apreende, no que respeita às sociedades offshore Arles, Jared, Kayes, Kemusa, Kilarnock, Merfield, Resia, Seaford, Sevilen, Shelina, Tamno e Bremonhill, que as datas das declarações de trust dessas sociedades mencionadas no anexo 3 do relatório de auditoria externa realizado pela Mazars correspondem às datas das declarações de trust das mesmas entidades constantes em suporte de papel nos autos (apenso temático I – projecto César).
Essa correspondência/identificação de datas já não é possível fazer no que concerne às restantes sociedades pela simples razão de no anexo 3 do relatório da Mazars não estar mencionada qualquer data das declarações de trust.
Aqui chegados é possível admitir, em abstracto, embora seja pouco provável, que as datas das declarações de trust das restantes sociedades offshore que estejam na posse da Mazars possam não coincidir com as datas das declarações de trust das mesmas sociedades constantes dos autos.
A verificar-se essa possibilidade, é de admitir que tais declarações de trust possam ter relevância para a descoberta da verdade material, designadamente para a identificação dos seus beneficiários e, concomitantemente, se estes, em determinada data, faziam ou não parte do grupo BPN/SLN e, como tal, se este grupo estava ou não obrigado à consolidação das contas dessas sociedades offshore.
Pelo exposto e razões aduzidas, decide-se:
1) Ao abrigo do disposto no art. 414º, nº 4 do C.P.P. repara-se parcialmente o despacho de fls. 46533 a 46537 e, consequentemente, ampliando-se o âmbito do deferimento do requerido pelo arguido OC… a fls. 46367 v., com cópia deste despacho para cabal esclarecimento, determina-se a notificação da sociedade Mazzars para, no prazo de 10 (dez) dias, juntar aos presentes autos as declarações de trust das sociedades Acle, Baewell, Bayanon, Jamaki, Karan, Mardell, Marton, Monialla, Newtwch, Quila, Rador, Ricia, Solrac Finance, Webster, Yarak e Zala, sociedades estas que estão elencadas no anexo 3 do relatório da Mazars relativo à auditoria externa às operações do banco insular. 
     
8. O arguido, no seu recurso, manifestou expressamente interesse na manutenção deste recurso interlocutório e na sua apreciação.

9. Apreciando.
A circunstância de ter sido parcialmente reparada a decisão recorrida faz com que a apreciação de boa parte da objecto do recurso se mostre prejudicada, restando por apreciar se a pretendida notificação da sociedade Mazars para juntar aos autos a prova documental (declarações de trust) relativa às sociedades Acles, Jared, Kayes, Kemusa, Kilarnock, Merfield, Resia, Seaford, Sevilen, Shelina, Tamno e Bremonhill constituía diligência necessária à descoberta da verdade e à boa decisão da causa ou se, pelo contrário, se traduziria em diligência notoriamente supérflua, a indeferir.

10. Cumpre, desde logo, assinalar que o requerimento apreciado pela decisão recorrida foi apresentado na sequência do depoimento prestado pela testemunha DN… e relacionava-se com a obtenção de documentação que teria sido posta ao alcance da equipa da sociedade Mazars, no âmbito da auditoria externa que lhe foi solicitada.

i. A testemunha DN… revelou trabalhar para a sociedade Mazars e Associados, SROC, S.A., sendo sócio da mesma, e explicou como esta sociedade foi contactada para realizar uma auditoria externa que incidiu designadamente sobre o Banco Insular, as sociedades offshore mutuárias desse banco e os respectivos beneficiários.

ii. No decurso do seu depoimento, a testemunha foi confrontada com o relatório constante do Apenso temático A (Mazars), confirmando-o como o relatório final elaborado pela equipa de auditoria externa.

iii. Como consta dos autos, no anexo 3 desse apenso A, encontram-se listadas as declarações de trust das sociedades offshore sobre que incidiu a auditoria, sendo que parte dessas sociedades são mencionadas na pronúncia como pertencendo à SLN. Apenas quanto a algumas dessas declarações de trust ali foram mencionadas as respectivas datas.

iv. A oposição manifestada pelo MºPº quanto ao requerimento do arguido prendeu-se com a circunstância de se achar já nos autos a maior parte das declarações de trust destas sociedades, designadamente no 3º volume do apenso temático I - “documentação referente ao «Projecto César» - Sociedades Offshore da SLN”.

v. Como resulta dos autos, a operação/projecto César foi criada por MC…, JC… e MF…, respectivamente presidente e administradores do BPN, S.A., e visava determinar o real perímetro de consolidação da SLN, uma vez que esse perímetro não estava definido.

vi. A operação César foi determinada em 4 de Agosto de 2008, data que marca o início da mesma.
Pretendia-se perceber qual o propósito dos créditos concedidos a sociedades offshore e se os desembolsos financeiros tinham correspondido à aquisição de algum activo. Foram indicadas um conjunto de sociedades offshores financiadas no Banco Insular, financiamentos que se destinavam à aquisição de acções da SLN.

vii. Perante a invocação pelo arguido OC… da possibilidade de terem sido colocados à disposição da Mazars documentos para além dos que constam já dos autos, o critério decisório utilizado pelo Tribunal “a quo” (tal como resulta da conjugação do despacho de fls. 46.533 a 46.537 com o despacho de reparação parcial dessa decisão, proferido a fls. 50.414 a 50.422), foi o de limitar o deferimento da diligência às sociedades offshore relativamente às quais a Mazars não fez constar da listagem do anexo 3 do Apenso A, datas das declarações de trust coincidentes com as que resultam da documentação reunida no âmbito do Projecto César. 

viii. Relativamente às sociedades offshore Arles, Jared, Kayes, Kemusa, Kilarnock, Merfield, Resia, Seaford, Sevilen, Shelina, Tamno e Bremonhill, constatou o tribunal que as datas das declarações de trust dessas sociedades mencionadas no anexo 3 do relatório de auditoria externa realizado pela Mazars correspondiam às datas das declarações de trust das mesmas entidades constantes em suporte de papel nos autos (apenso temático I – projecto César).

ix. Essa constatação pode ser facilmente apreendida no extracto que segue, retirado do quadro que se fez constar do despacho de reparação da decisão recorrida:
    


Apenso temático I – projecto César (datas das declarações de trust)
Apenso A – anexo 3 do relatório de auditoria externa relativa às operações do Banco Insular (págs. 60 e 61) – datas das declarações de trust
Arles2.3.2001 (fls. 825 e 828)2.3.2001
Jared23.5.2002 (fls. 929 e 932)23.5.2002
Kayes21.3.2001 (fls. 949)21.3.2001
Kemusa20.05.2002 (fls. 953 e 956)20.5.2002
Kilarnock7.8.2002 (fls. 961 e 964)7.8.2002
Merfield19.2.2001 (fls. 998 e 1000)19.2.2001
Resia16.9.2003 (fls. 1085)16.9.2003
Seaford7.2.2001 (fls. 1098 e 1101)7.2.2001
Sevilen31.1.2003 (fls. 1105 e 1108)31.1.2003
Shelina23.5.2002 (fls. 1111 e 1114)23.5.2002
Tammo14.5.2004 (fls. 1141 e 1143)14.5.2004
Bremonhill3.6.2008 (v. apenso 33)3.6.2008


x. Perante a manifesta coincidência das datas indicadas pela Mazars no seu relatório com as datas que constam dos documentos já reunidos nos autos no âmbito do “Projecto César”, não se pode deixar de concordar pela manifesta inutilidade da diligência requerida (notificação da Mazars para junção de documentos) para a descoberta da verdade e boa decisão da causa.
Se a Mazars indicou como datas das declarações de trust as precisas datas que já constam dos documentos dos autos, o deferimento da pretensão do arguido, no que se refere àquelas doze sociedades offshore redundaria num convite à duplicação nos autos de documentação já reunida, traduzindo-se em diligência notoriamente supérflua.

11. Bem andou, pois, o Tribunal “a quo” ao indeferir, nessa parte, a pretensão do arguido. 

11. Renovamos, aqui, os considerandos que anteriormente (a propósito do recurso interlocutório interposto pelo arguido jo… do despacho de fls. 46.868) tecemos sobre o preceituado no artigo 340º do C.P.Penal, para com eles, sem necessidade de ulteriores considerações, se concluir pela improcedência do recurso, na parte não prejudicada pelo despacho de reparação da decisão recorrida.

                                                       *

12º - Apreciação do despacho de fls. 46.962, que indeferiu a primeira parte do requerimento de fls. 46961, na qual o recorrente aderiu ao requerimento apresentado pelo co-arguido JO… e em que este peticionou a incorporação nos autos da documentação constante do “apenso informático 33”, bem como a notificação da mesma ao arguido e, ainda, que fossem dadas sem efeito as datas designadas para inquirição das testemunhas por si arroladas (recurso interposto pelo arguido FS…).

1.  Na sessão de audiência de julgamento do dia 11 de Julho de 2014, foi notificado a todos os sujeitos processuais o despacho de fls. 46.951 a 46.958, que indeferiu o requerimento do arguido JO… de fls. 46.920 a 46.926 (no qual este peticionara a incorporação nos autos da documentação constante do “apenso informático 33”, bem como a notificação da mesma ao arguido e, ainda, que fossem dadas sem efeito as datas designadas para inquirição das testemunhas por si arroladas) e condenou tal arguido em taxa sancionatória excepcional.

2. Na sequência de tal notificação e na mesma sessão de audiência de julgamento, o arguido FC… apresentou o requerimento de fls. 46.961, no qual formulou, para além do mais, a seguinte pretensão:
O arguido FS..., não obstante ter sido notificado do despacho proferido nesta data, pretende, além do mais, aderir ao requerimento apresentado pelo arguido JO... porque também para ele, e pretendendo prestar declarações no presente julgamento, entende essencial ao exercício da sua defesa o acesso ao suporte físico/papel dos documentos exibidos do apenso 33 os quais entre as centenas de milhares aí disponíveis foram apresentadas às testemunhas no decurso dos respectivos depoimentos. (...)”.
Nestes termos, e nos melhores de direito aplicáveis, deverá ser ordenada a imediata execução do douto Despacho de 13.12.2012, de fls. 36.258 e seguintes e, por conseguinte, deverá a documentação referida nesse Despacho ser incorporada nos autos principais e notificada aos sujeitos processuais, entre os quais o Arguido ora Requerente, em ordem a que estes possam exercer cabalmente o contraditório e a sua defesa, documentação constante do “apenso informático 33” que tem vindo a ser produzida ao longo do julgamento e que, a final, poderá (ou não) servir de prova dos factos constantes da pronúncia e das contestações, em sede de fundamentação de acórdão, com a indicação dos “caminhos” para a localização da documentação no apenso informático 33 e da factualidade e da pronúncia ou contestações em relação à qual essa mesma documentação poderá relevar ou ter importância.
Mais requer que até que tal documentação seja notificada ao Arguido sejam dadas sem efeito as datas designadas para a inquirição das Testemunhas por si arroladas de forma a que, com a inquirição das testemunhas de defesa e através da mesma, o Arguido possa exercer o contraditório quanto a tal documentação.

3. Por despacho proferido a fls. 46.962, na mesma sessão de audiência de julgamento de 11 de Julho de 2014, foi indeferido o requerido.

3. Esse despacho tem o seguinte teor:
Quanto ao requerido pelo arguido FS… na medida em que adere ao requerimento do arguido JO… de fls. 46.920 a 46.926:
Entendendo-se a adesão somente como válida ao requerido pelo arguido JO… na primeira parte de fls. 46926, na medida em que na 2ª parte, o pretendido diz tão só respeito a que fiquem sem efeito as datas designadas para a inquirição das testemunhas de defesa do próprio arguido JO…, indefere-se o requerido pelo arguido FS… dando-se integralmente por reproduzido o teor do despacho de fls. 46.951 a 46.958.”.

4. Inconformado, o arguido FC… interpôs recurso desse despacho (vide fls. 48.447 e segs), pedindo que seja:  
a) Revogado o douto despacho datado de 11.07.14, no qual se decidiu indeferir integralmente o requerido pelo Arguido, ora Recorrente, nessa mesma data;
b) Deverá a decisão ora recorrida ser substituída por outra que defira o requerido pelo ora Recorrente, determinando-se a incorporação nos autos principais, em suporte físico, da documentação constante do apenso informático 33, que possa ser relevante em sede da prova dos factos constantes da pronúncia e/ou das contestações, com a indicação dos “caminhos” para a localização da documentação no apenso informático 33 e, ainda, com a indicação da correspondência dessa documentação com a factualidade da pronúncia e/ou contestações. 

5. O recurso foi admitido (fls. 48.837) e determinada a sua subida diferida, com o recurso que pusesse termo à causa, nos próprios autos e com efeito meramente devolutivo.

6. O arguido extraiu da motivação as seguintes conclusões:
1. Através do despacho proferido em 13.12.2012, o Tribunal a quo proferiu uma decisão concreta, prudencial, assente na ponderação de valores conflituantes, tendo, face à anómala extensão e quantidade de documentos incorporados num apenso informático junto ao processo (constituído por mais de dois milhões de documentos), determinado que o meio de garantir, de forma efectiva e consistente, o contraditório e a defesa por parte dos arguidos consistia na incorporação nos autos principais, em suporte físico, da documentação ali existente que fosse entendida como relevante para a prova da factualidade da pronúncia ou das contestações, vinculando-se, ainda, a tomar como relevante para a elaboração de futuro acórdão apenas a documentação que, extraída do mencionado apenso informático, viesse a ser incorporada nos autos principais.
2. A decisão ora impugnada, proferida em 11.07.2014, segundo a qual, legalmente, o Tribunal não tem de indicar os “caminhos” dos documentos constantes do apenso informático 33 que foram analisados em sede de audiência de julgamento e muito menos tem a obrigação de incorporar nos autos principais os vários documentos que foram analisados em audiência de julgamento, padece de violação do caso julgado formal por aplicação subsidiária das regras do processo civil (artigo 620º, nº 1 do CPC) por força do art. 4º do CPP e por aplicação dos princípios próprios do processo penal.
3. Com efeito, é absolutamente manifesta a oposição entre o despacho proferido em 13.12.2012 e o despacho ora impugnado: no primeiro, o Tribunal vincula-se a proceder à incorporação da documentação constante do apenso informático 33 tida como relevante para a prova da factualidade constante da pronúncia e/ou das contestações nos autos principais, obrigando-se a levar unicamente em consideração no futuro acórdão a documentação que seja incorporada nos autos principais e notificada aos sujeitos processuais, em ordem a que eles possam exercer cabalmente o contraditório e a sua defesa; no despacho ora impugnado, proferido em 11.07.2014, o Tribunal a quo veio assumir que não irá proceder à referida incorporação, não se reconhecendo sequer obrigado a proceder à notificação dos caminhos/localização dos documentos constantes do apenso informático 33 que venha a valorar em sede de futuro acórdão.
4. De qualquer forma, sem entrar em questões de mérito quanto à solução acolhida no despacho de 11.07.2014, há sempre que reafirmar que, transitada em julgado a decisão proferida em 13.12.2012, há que respeitar o julgado, doa a quem doer, por aplicação subsidiária das regras do processo civil (artigo 620º, nº 1 do CPC) por força do art. 4º do CPP e por aplicação dos princípios próprios do processo penal.
5. Pelo que enfermando o despacho impugnado de violação de caso julgado, vê o mesmo a sua eficácia jurídica paralisada pela força e autoridade dos despachos anteriormente proferidos.
6. A verdade, porém, é que, sempre, em qualquer caso, padeceria o despacho proferido em 11.07.2014 de inconstitucionalidade material.
7. Com efeito, reconheceu expressamente o Tribunal a quo que, no mencionado apenso informático 33, se encontram incorporados mais de 2 (dois) milhões de documentos, milhares deles sem qualquer relevância para a factualidade objecto dos autos, pelo que o exercício efectivo do contraditório e do real direito de defesa implica, necessariamente, a limitação da extensão do acervo probatório constante dos autos em suporte informático à parte efectivamente tida por relevante para a prova da factualidade da pronúncia e/ou das contestações, reconduzindo-o a uma dimensão susceptível de apreensão por parte dos arguidos.
8. Não pode assim ser acolhida como materialmente conforme aos princípios fundamentais da Constituição, em particular ao artigo 32º, nº 1 e 5 da CRP, uma interpretação normativa capaz de reduzir o contraditório e o direito de defesa dos arguidos em processo penal à mera disponibilização aos sujeitos processuais de uma cópia de um apenso informático constituído por mais de 2 milhões de documentos, ficcionando encontrar-se, assim, garantido o contraditório.
9. O Tribunal a quo encontra-se legalmente obrigado a promover, no caso concreto, as condições para o exercício consistente e real do contraditório sob pena de a decisão proferida padecer de inconstitucionalidade material por violação do direito a um processo justo e equitativo, consagrado no artigo 20º nº 4 da CRP, e dos direitos de defesa dos arguidos, consagrados no artigo 32º, nºs 1 e 5, da CRP.
10. Finalmente, conforme resulta dos autos, a referência feita nas actas de julgamento aos documentos constantes do apenso 33 exibidos em audiência de julgamento é genérica e não permite a respectiva localização por falta de indicação expressa dos caminhos nas actas das sessões de julgamento.
11. Esta circunstância apenas assume verdadeiro relevo perante a recusa do Tribunal a quo em proceder à incorporação nos autos principais da documentação tida por relevante constante do apenso 33, já que, atento o teor do despacho de 13.12.2012, confiou o recorrente que a parte daquela documentação exibida às testemunhas nas sessões de julgamento que fosse tida por relevante face à factualidade objecto da pronúncia e/ou das contestações em causa sempre viria a ser incorporada em suporte físico nos autos principais.
12. Pretendendo o ora Recorrente prestar declarações sobre os documentos exibidos em audiência de julgamento, extraídos do apenso informático 33, directamente respeitantes a factos a si imputados e tidos pelo Tribunal como relevantes, confiou o mesmo na sua incorporação paulatina nos autos principais, acompanhada da respectiva notificação aos diferentes sujeitos processuais, entre os quais o ora Recorrente.
13. Ao recusar dar execução ao despacho proferido em 13.12.2012 o Tribunal a quo violou os direitos de defesa do ora Recorrente, assegurados pelo mencionado despacho, vinculativo para o próprio Tribunal, submetido, tal como os demais sujeitos processuais, à força obrigatória do caso julgado.
14. Apenas foi deferido, a requerimento do ora Recorrente, formulado em 11.07.2014, que, a partir de então, “sempre que seja exibido qualquer documento do apenso 33 e confrontada uma testemunha com o mesmo, fique expresso na acta de julgamento «o caminho/identificação» precisa do documento em causa por forma a garantir a reconstituição do que efectivamente sucedeu em audiência e permitir a compreensão plena do depoimento prestado de cada testemunha”.
15. Ora, também por este facto, o despacho ora impugnado não se pode manter na ordem jurídica, já que, face à recusa de incorporação dos documentos relevantes em suporte físico nos autos principais acompanhada da falta de registo nas actas de audiência dos caminhos/localização dos documentos exibidos até 11.07.2014, não se encontram fixados os meios de prova efectivamente analisados em cada sessão de julgamento, resultando comprometida a possibilidade de exacta reconstituição do ocorrido em cada sessão de julgamento, com a diminuição das garantias de defesa bem como a possibilidade de apreensão do sentido do depoimento prestado por cada testemunha que foi confrontada com os mencionados documentos constantes do apenso informático 33, do que decorrerá, em última análise, afectada a fundamentação do futuro acórdão e a garantia do recurso em matéria de facto.
 
7. O MºPº apresentou resposta (fls. 49.726), pronunciando-se no sentido da improcedência do recurso, tendo a mesma o seguinte teor:
1ª – A decisão recorrida encontra-se solidamente sustentada na sua própria fundamentação;
2ª – Acresce que a documentação do apenso informático 33 que tem vindo a ser exibida ao longo do julgamento por iniciativa do Tribunal, dos mandatários dos arguidos, do assistente e do MP, com recurso a projecção em ecrã, sempre foi acompanhada da indicação dos respectivos caminhos pelos seus apresentantes, caminhos que foram, também, projectados em ecrã a fim de todos procederem às correspondentes anotações;
3ª – Daqui decorre que todos os documentos do apenso informático 33 que foram exibidos ao longo do julgamento estão acessíveis às defesas de todos os arguidos porque cada um deles dispõe, designadamente o arguido recorrente, duma cópia daquele apenso informático bem como dos caminhos anotados que conduzem a esses documentos;
4ª – Por isso a satisfação da pretensão do arguido JO… à qual aderiu o arguido FS…s, aqui recorrente, segunda a qual o Tribunal deve proceder à impressão física desses documentos e, assim, juntá-los aos autos principais, não é condição necessária do exercício dos direitos dos arguidos;
5ª – Em suma, esta pretensão é ociosa porque destituída de qualquer sentido útil.
6ª – Improcedem pois as conclusões da motivação de recurso aqui respondido, não se verificando que a decisão recorrida tenha violada quaisquer disposições constitucionais, designadamente as invocadas ex adverso.

8. Apreciando.
i. É forçoso concluir que as questões suscitadas no presente recurso estão compreendidas no universo das que foram apreciadas a propósito do recurso interlocutório nº 6, interposto pelo co-arguido JO…, do despacho de fls. 46.951 a 46.958, que indeferiu o requerimento de fls. 46920 a 46926.

ii. Correspondendo a decisão recorrida à renovação dos fundamentos utilizados no indeferimento do requerimento do co-arguido JO…, em face do requerimento do ora recorrente FC… que se traduziu na adesão ao requerimento daquele co-arguido, verifica-se também que nas conclusões do recurso ora em apreço não vêm suscitadas questões diversas das que já supra se enunciaram e apreciaram.

9. Daí que se deva considerar aqui reproduzida toda a apreciação que supra se fez das questões suscitadas no recurso interposto pelo co-arguido JO… (vide supra recurso interlocutório nº 6) e, por forma a evitar maiores repetições, se imponha nesta sede referir apenas, e em nova síntese, que:

i. O despacho de 13 de Dezembro de 2012 (que determinou que se passasse a proceder paulatinamente à “incorporação” nos autos principais dos documentos contidos no “apenso informático 33” e à sua notificação aos sujeitos processuais), foi proferido com a finalidade de prover ao andamento regular do processo (determinando que se implementasse um procedimento que o Tribunal entendeu, à data da sua prolação, ser conveniente para assegurar a possibilidade de efectivo acesso dos sujeitos processuais aos documentos incluídos no “Apenso Informático 33”) e, por outro lado, foi proferido com um claríssimo pressuposto – não interferia no conflito de interesses entre as partes, não assumindo o carácter de tomada de posição definitiva sobre a valia probatória de qualquer documento (jamais o Tribunal se propôs antecipar o momento da deliberação sobre a prova documental incluída no apenso informático);

ii. Tal despacho corresponde a um despacho de mero expediente que, nada tendo de irregular ou desconforme com o cumprimento das regras processuais, não era susceptível de impugnação por via recursiva;

iii. Esse despacho era, nessa medida, insusceptível de constituir caso julgado anterior e, assim, não era vinculativo para o Tribunal;

iv. A decisão recorrida não importou a violação de caso julgado formal nem a compressão de quaisquer direitos, ou sequer expectativas legítimas, do arguido recorrente e/ou dos demais sujeitos processuais, não importando qualquer violação do direito a um processo justo e equitativo, consagrado no artigo 20º, nº 4, da Constituição da República Portuguesa, ou dos direitos de defesa dos arguidos, designadamente os constitucionalmente consagrados no artigo 32º, nrs 1 e 5, da Lei Fundamental;

v. À data em que o arguido apresentou o requerimento apreciado pela decisão recorrida, tinha já em seu poder há longo tempo (que ultrapassava 1 ano e 4 meses) uma cópia digital integral do apenso 33 (cfr. fls. 37.122), sendo certo que desde a data em que foi notificado da prolação da acusação – anos antes – teve perfeito conhecimento da sua existência, por se tratar de meio de prova aí indicado e do qual foi notificado). Ao longo das várias sessões de julgamento, foram sendo exibidos documentos daquele apenso, sendo facultada aos diferentes sujeitos processuais a indicação dos “caminhos” para a sua localização no apenso informático;

vi. Tinha o arguido, por tudo isso, perfeito conhecimento de que o apenso informático continha cerca de dois milhões de documentos, bem como quais os mecanismos que permitiam informaticamente proceder à consulta dos elementos de prova que entendesse relevantes;

vii. O número de documentos que tal apenso contém tornaria – caso se determinasse a sua impressão integral em suporte de papel – virtual e humanamente impossível, num espaço temporal razoável e sem aporte de extraordinários meios humanos de reforço, a sua consulta e a localização daqueles que efectivamente teriam relevância para a decisão da causa (para além de se tornar num verdadeiro pesadelo logístico, em termos de extracção de cópias, entrega aos intervenientes processuais, armazenamento e consulta, quer para o tribunal, quer para o recorrente);

viii. Assim, a decisão do tribunal “a quo” de, a partir de dado momento, não proceder à sua integral impressão, antes optando por apresentar em audiência (por projecção) cada um dos documentos que foi entendendo como relevantes – e dando igual oportunidade a todos os intervenientes processuais para do mesmo modo procederem, relativamente aos concretos documentos que entendessem serem relevantes segundo o seu prisma defesa/acusação – indicando os respectivos caminhos de busca para consulta informática relativamente a cada um desses documentos, corresponde seguramente a uma decisão que apenas teve por fim promover o andamento regular do processo, assegurando plenamente o princípio do contraditório.

10. Em sede final e encerrando a apreciação das questões aqui propostas, cabe-nos apenas referir que as interpretações cuja inconstitucionalidade o arguido reclama não foram perfilhadas nem por este tribunal, nem pelo tribunal “a quo”, como se constata pela leitura do que acabámos de deixar exarado.
Tais invocados sentidos normativos não tiveram, pois, aplicação no presente caso.

11. Conclui-se, pois e sem necessidade de ulteriores considerações, pela improcedência do presente recurso interlocutório.

                                                        *
13º e 14º - Apreciação dos despachos de fls. 48843 a 48853 e de fls. 50973 a 50975, que indeferiram, respectivamente, os requerimentos de fls. 45644 a 45677 e de fls. 50168 a 50273, indeferindo o julgamento conjunto destes autos, com o processo nº …/…TELSB (Instância Local de Lisboa – Secção Criminal – J…) e o processo nº …/…TELSB (extinta …ª Vara Criminal de Lisboa), por entenderem inexistir competência por conexão deste Tribunal “a quo” (recurso interposto pelo arguido JO…).

1.  O arguido JO…, a fls. 45644 a 45677, veio em 21.04.2014 aos autos apresentar requerimento em que formulou a seguinte pretensão:
Requer a V. Ex.ª que se digne declarar a ….ª Vara Criminal de Lisboa competente por conexão, nos termos e para os efeitos do artigo 24.º do CPP, para proceder ao julgamento, quer do Arguido, ora Requerente, quer de todos os demais em relação à qual se verifique tal competência no que concerne aos factos vertidos na pronúncia proferida no processo-crime n.º …/…TELSB, recentemente distribuído à ….ª Vara Criminal de Lisboa, de forma a que a apreciação da eventual responsabilidade criminal emergente da mesma seja apreciada no âmbito do julgamento dos presentes autos.

2. Por despacho proferido em 5 de Dezembro de 2014, a fls. 48.843 a 48.853, foi decidido:
Fls. 45644 a 45677 (requerimento do arguido OC… – pedido de apensação aos presentes autos do megaprocesso crime n.º …/…TELSB distribuído à …ª Vara Criminal de Lisboa), fls. 46110 a 46112 (resposta dos assistentes), fls. 46129 a 46130 (requerimento do M.P.), fls. 46154 a 46156 (resposta do arguido FB…), fls. 47657 a 47676 (resposta do M.P.) e fls. 47830 a 47833 (resposta do arguido JAu…):
Pelo requerimento em referência e por entender que se verificam os pressupostos legais de conexão de processos, requereu o identificado arguido que sejam apensados aos presentes autos o “megaprocesso” crime n.º …/…TELSB (relativo ao universo “BPN”) distribuído à ex-…ª Vara Criminal de Lisboa, em ordem a que ambos os processos sejam julgados em conjunto.
Pelo despacho de fls. 45680 e segs. determinou-se o cumprimento do contraditório em relação aos restantes arguidos, assistentes e M.P..
Pronunciaram-se:
- assistentes (fls. 46110 a 46112);
- arguido FB… (fls. 46156);
Posteriormente, pelo despacho de fls. fls. 46505 e segs. determinou-se a notificação do arguido OC… para juntar aos presentes autos certidão do despacho de pronúncia proferido no P.C.C. n.º …/…TELSB, tendo o arguido junto somente cópia da mesma (fls. 46981 a 46986) em virtude de, na altura, ainda não lhe ter sido entregue certidão no âmbito daquele processo.
Pela circunstância de não haver motivos para duvidar de que a cópia junta era fiel ao despacho de pronúncia proferido no identificado processo e pelo facto de somente pelo conhecimento desta peça processual é que seria possível aos sujeitos processuais poderem pronunciar-se cabalmente sobre os pressupostos da conexão, pelo despacho de fls. 47084 e 47085 determinou-se nova notificação a todos os sujeitos processuais para, querendo, se pronunciarem sobre a requerida apensação.
Responderam:
- M.P. (fls. 47657 a 47676);
- Jau… (fls. 47830 a 47833);
O arguido OC…, por fim, juntou certidão do despacho de pronúncia proferido no P.C.C. n.º …/…TELSB com nota do respectivo trânsito em julgado e certificação do estado desse processo (fls. 47253 a 47507).
Pelo despacho de fls. 47686 porque ainda não tinha corrido o prazo de contraditório concedido pelo despacho de fls. 47084 e 47085, determinou-se que se aguardasse pelo decurso do mesmo.
Dos requerimentos juntos aos autos sobre esta controvertida matéria é possível sintetizar duas posições, com os seguintes argumentos:
1) A favor da apensação e julgamento conjunto dos dois processos (arguidos OC… e Jau…):
- Os factos inclusos na pronúncia proferida no P.C.C. n.º …/…TELSB e aqueles que foram levados à pronúncia nos presentes autos, são materialmente conexos (art. 24º, n.ºs 1 e 2 do C.P.P.);
- Havendo, como há, conexão material entre os processos em que se acusa o arguido, e outros arguidos, pela prática de crimes necessariamente continuados, não sendo reconhecida a conexão e a realização de um único julgamento quanto aos mesmos, é manifesto que o arguido veria a sua posição agravada, pois que, sendo o crime continuado punível com a pena aplicável à conduta mais grave que integra a continuação, e se bem que as demais parcelas não deixem de dever ser atendidas na graduação daquela pena, o pesar desta na penalidade final ficará necessariamente aquém do que resulta do concurso e respectiva fixação da pena única, assim se violando (ao menos potencialmente) o princípio da proibição do excesso (art. 18º, n.º 2 da CRP), por se admitir uma desnecessária restrição ao direito à liberdade (art. 25º da CRP);
- a não conexão de processos impedirá que se opere o desconto a que alude o art. 80º, n.º 1 do C.P.;
- ambos os processos encontram-se actual e simultaneamente na fase de Julgamento;
2) Contra a apensação e julgamento conjunto dos dois processos (assistentes, arguido FB…, M.P.)
- A conexão/apensação de processos pode representar um grave risco para a pretensão punitiva do Estado (no que se inclui o risco de prescrição do procedimento criminal), para o interesse do ofendido ou do lesado, ou puder retardar excessivamente o julgamento de qualquer dos arguidos (art. 30º, n.º 1, als. b) e c) do C.P.P.);
- A conexão não se compadece com o actual estado do processo, cujo início do julgamento remonta a Dezembro de 2010, perturbando o processado e a prova em curso;
- Ambos os processos não estão ligados entre si por qualquer um dos pressupostos a que alude o art. 24º, als. a) a e) do C.P.P.;
- Formalmente, embora ambos os processos estejam na mesma fase de julgamento (i.e., em ambos, já foram proferidos despachos de pronúncia e determinadas as respectivas remessas ao tribunal de julgamento e aí distribuídos), nos presentes, a audiência de julgamento decorre há mais de 3 anos e meio, tendo sido produzida a quase totalidade da prova da acusação por testemunhas, a totalidade da prova da defesa do arguido RO…, estando ainda em curso a audição das testemunhas de defesa do arguido OC…, enquanto no P.C.C. n.º …/…TELSB ainda não se iniciou o julgamento, estando o seu começo designado para o dia 5.1.2014;
- A operar a conexão dos processos com a respectiva apensação, de imediato se configuraria a situação insólita dos arguidos (i) Aca…, (ii) JNe…, (iii) ACo… e (iv) AMPLIMÓVEL, apenas arguidos no processo n.º …/…TELSB, se tornarem “novos arguidos” neste julgamento cuja produção de prova decorre há mais de 3 anos e meio, circunstância que, naturalmente, suscitaria sérias questões reconduzíveis à violação dos princípios do processo justo e equitativo;
- Por outro lado, o acolhimento destes “novos arguidos” neste julgamento postularia, certamente, a repetição de inquirições já realizadas de modo a possibilitar o exercício do contraditório (porventura definitivamente comprometido), sem que, por outro lado, fosse possível ao Tribunal desconsiderar a prova já produzida na avaliação dos novos factos;
- O princípio da estabilidade da instância observado no caso de separação de processos aplica-se, também, por igualdade de razão, senão mesmo por maioria de razão, à conexão de processos, assim se garantindo que a produção de prova se faça sobre um objecto processual delimitado e conhecido desde o seu início, permitindo a intervenção e acompanhamento de todos os sujeitos processuais;
- Se por hipótese a pretensão do arguido OC… fosse atendida, a separação ordenada por decisão do Senhor Juiz de Instrução (fls. 8100 e 8101, 8104 e 8105 e 23335 a 23360) na sequência de promoção do M.P., decisão que foi confirmada por acórdão do TRL, seria invalidada, juntando-se agora o que antes de determinara que fosse separado e, assim, retardar-se-ia o julgamento de factos que remontam a 2000 com grave risco para a pretensão punitiva do Estado;
- A não conexão de processos não impedirá que a privação de liberdade que o arguido OC… sofreu nestes autos lhe venha a ser descontada na pena de prisão que eventualmente lhe venha a ser aplicada no P.C.C. n.º …/…TELSB, em caso de condenação;
Cumpre decidir:
Ainda que se verificassem os pressupostos de conexão material de qualquer uma das alíneas a que alude o n.º 1 do art. 24º do C.P.P., o que é facto é que não se verifica um dos pressupostos essenciais de natureza formal que permitiria a apensação do P.C.C. n.º …/…TELSB aos presentes autos em ordem a que ambos os processos pudessem ser julgados em conjunto.
Com efeito, dispõe o art. 24º, n.º 2 do mesmo diploma que “a conexão só opera relativamente aos processos que se encontrarem simultaneamente na fase de inquérito, de instrução ou de julgamento”.
O Julgamento, neste processo, iniciou-se há mais de 3 anos.
No P.C.C. n.º …/…TELSB o Julgamento ainda não se iniciou, estando o seu começo previsto para o dia 6.1.2015 (v. informação constante da certidão de fls. 47254 e segs.).
Embora, em sentido abrangente, ambos os processos se encontrem na mesma fase (julgamento), em sentido restrito – e é este que conta para efeitos de se fazer actuar ou não a conexão – num dos processos, o Julgamento já se iniciou há muito tempo, enquanto no outro ainda nem sequer se deu a abertura da audiência de Julgamento.
Posição aqui sufragada que, aliás, ao que julgamos unanimemente, tem sido a defendida/sustentada pela Jurisprudência dos Tribunais Superiores.
Com efeito, atente-se, por exemplo no constante do Acórdão da R.E., de 17.3.2009 (processo n.º 3214/08-1), in www.dgsi.pt, que versa sobre a mesma questão ora objecto de análise, e no qual se escreveu:
“(…).
Encontrando-se dois processos em fase de julgamento (…), entendemos, (…) que a apensação deveria ter-se operado até ao início da audiência no processo a que se apensa.
(…).
Apensando-se processos quando num deles já se iniciou a audiência de discussão e julgamento, não só se põe em causa a celeridade processual mas a própria unidade da aquisição probatória e a continuidade da audiência.
(…).
Não releva o facto de o processo a que devam ser apensados outros autos ter já agendado a data da audiência de julgamento. Quando tal acontece deve a mesma ser transferida para outra data de forma a permitir-se o julgamento conjunto de todos os processos.
(…).
Assim, iniciada que foi a audiência de julgamento no processo n.º (…), não há lugar à apensação do processo n.º (…).” (sublinhado nosso).
No mesmo sentido, considere-se igualmente o Ac. da R.L., de 4.5.1999 (processo n.º 0063775), in www.dgsi.pt, no qual se escreve que “devem por isso serem os respectivos processos apensados já que, ambos se encontram na fase de julgamento, sem este se ter iniciado ainda em qualquer deles”. (sublinhado nosso)
Nesta medida, como bem refere o M.P., a operar a conexão dos processos com a respectiva apensação, de imediato se configuraria a situação insólito de os arguidos Aca…, JNe…, ACo… e AMPLIMÓVEL, apenas arguidos no P.C.C. n.º …/…TELSB, se tornarem “novos arguidos” neste julgamento cuja produção de prova decorre há mais de 3 anos e meio, circunstância que, naturalmente, suscitaria sérias questões reconduzíveis à violação dos princípios do processo justo e equitativo. 
E, de igual modo tem total razão o M.P. quando alude à circunstância de “o princípio da estabilidade da instância observado no caso de separação de processos aplica-se, também por igualdade de razão, senão mesmo por maioria de razão, à conexão de processos, assim se garantindo que a produção de prova se faça sobre um objecto processual delimitado e conhecido desde o seu início, permitindo a intervenção e acompanhamento de todos os sujeitos processuais”.

Não procede, por outro lado, outro argumento invocado pelo arguido OC… a favor da apensação, este relacionado com o “desconto”.
O instituto do desconto a que alude o art. 80º, n.º 1 do C.P. terá inteira aplicabilidade.
Dispõe esta norma:
“A detenção, a prisão preventiva e a obrigação de permanência na habitação sofridas pelo arguido são descontadas por inteiro no cumprimento da pena de prisão, ainda que tenham sido aplicadas em processo diferente daquele em que vier a ser condenado, quando o facto por que for condenado tenha sido praticado anteriormente à decisão final do processo no âmbito do qual as medidas foram aplicadas”.
Ou seja:
1) Se o arguido for condenado nos presentes autos em pena de prisão efectiva, a privação de liberdade já sofrida será descontada na pena a cumprir;
2) Sendo absolvido nos presentes autos, considerando que os factos pelos quais foi pronunciado no P.C.C. n.º …/…TELSB e, em abstracto, pelos quais poderá vir a ser condenado em pena de prisão efectiva, serão sempre necessariamente anteriores à data em que será proferida decisão final no nosso processo, poderá operar-se, naquele processo, o desconto da privação de liberdade a que o arguido esteve sujeito nos nossos autos;
3) “Mutatis mutandis”, mesmo que haja condenação em ambos os processos, independentemente do trânsito em julgado da decisão em qualquer um deles, e também no caso de absolvição num e condenação no outro, independentemente do processo em que se verifique a absolvição/condenação;

Nem será obstáculo à não apensação dos dois processos as considerações tecidas pelo arguido OC… relativas à figura do crime continuado, prevendo a circunstância de, em ambos os processos, por referência a cada um dos crimes de que está pronunciado ou só em relação a alguns deles, configurar-se a “continuação criminosa”, concluindo daqui que “não sendo reconhecida a conexão e a realização de um único julgamento quanto aos mesmos, é manifesto que o arguido veria a sua posição agravada, pois que, sendo o crime continuado punível com a pena aplicável à conduta mais grave que integra a continuação, e se bem que as demais parcelas não deixem de dever ser atendidas na graduação daquela pena, o pesar desta na penalidade final ficará necessariamente aquém do que resulta do concurso e respectiva fixação da pena única”. (sublinhado nosso)
No caso de ocorrer “litispendência” (mesmos factos e mesmo crime), a excepção em causa deverá ser invocada no P.C.C. cujo julgamento se iniciará em Janeiro de 2015.
Não havendo essa “litispendência”, mas configurando-se a possibilidade, em abstracto, da figura do crime continuado pela factualidade de que é pronunciado em ambos os processos, i.e., a prática do(s) mesmo(s) crime(s), na forma continuada, em ambos os processos, problemática jurídica que nos remeterá directamente para um dos princípios estruturantes do direito penal – o non bis in idem -, a doutrina e jurisprudência desde há muito tempo que tem vindo a responder cabalmente, em concreto, com soluções jurídicas que não implicam qualquer agravação da posição do arguido, afastando a pena única (concurso de crimes).
Tal como refere Furtado dos Santos, no seu estudo “O Crime Continuado Efeitos” in BMJ 47, págs. 497 e segs.: “sendo o delito continuado constituído por várias infracções parcelares, a sentença que incida sobre parte destas não produz efeito de caso julgado sobre as demais e, assim não obsta ao procedimento pelas que forem descobertas depois. O princípio non bis in idem produz efeitos só em relação aos factos julgados e o crime continuado tem tantos factos com autonomia própria quantos os delitos parcelares unidos pelo nexo da continuação”.
No mesmo sentido Maia Gonçalves, in C.P. anotado, 4ª ed., pág. 109: “O crime continuado é constituído por vários factos sucessivos, cada um deles constituindo um crime se si… por isso o caso julgado não poderá abranger os factos integrantes da continuação criminosa só descobertos depois da continuação”.
E, como resposta directa ao questionado pelo arguido, como corolário deste raciocínio, atente-se no Ac. do STJ, de 4.11.92, in BMJ 421, págs. 195 e segs.:
“Se estivermos perante o preenchimento plúrimo do mesmo tipo de crime, através de uma execução homogénea, violadora dos mesmos bens jurídicos, no quadro de uma situação exterior que permaneceu igual e lhe facilitou a execução, decorrendo daí uma considerável diminuição da culpa do arguido que actuou na execução de um desígnio criminoso, sucessivamente renovado. Considerando-se os factos novos provados integrados na continuação criminosa já julgada, há que respeitar os efeitos decorrentes da verificação do caso julgado, estando a apreciação dos mesmos limitada para esses efeitos.
Assim, haverá apenas que decidir se a gravidade dos novos factos provados, julgados como integrantes da continuação criminosa, deverão fundamentar uma agravação das penas anteriormente impostas”. (sublinhado nosso)
Aliás, paradigmático, no mesmo sentido, considere-se o Ac. da RG, de 22.11.2004 (processo n.º 1598/04-2), in www.dgsi.pt, em que se sumaria:
“I – A resposta aos casos em que já ocorreu julgamento e condenação por factos tidos como crime continuado e em que se tem conhecimento de novos factos e se estes devem ou não ser julgados resulta dos seus próprios termos, ou seja, tratando-se de factos ainda não julgados, têm que o ser, respondendo o sistema às implicações consequentes, quer respeitando os factos já julgados, quer ajustando a decisão e a pena se as circunstâncias tanto o exigirem.
II – Com tal solução não está em causa – nem fica em causa – o efeito do caso julgado sobre os factos já conhecidos, pois sobre estes mantém-se inalterado o conteúdo da decisão e apenas se vêm a conhecer outros que não têm outra identidade com aqueles que não seja a do sujeito passivo, da natureza do crime e da sua localização num determinado âmbito temporal: aqueles factos têm que ser apreciados em julgamento, pois não fizeram parte do julgamento anterior e, assim sendo, também não foram ponderados para efeitos de autonomia ou de continuação criminosa.
III – Tal julgamento pode trazer desvantagens para os arguidos, mas a verdade é que elas derivam da prática de fatos criminalmente típicos ainda não censurados, sujeitos a todos os princípios do direito penal e processual penal e que, como tal, não podem ser pura e simplesmente desprezados.
IV – Por outro lado, podem também suceder que no novo julgamento venham a ser conhecidas circunstâncias, as mais diversas, note-se bem, que venha a favorecer os arguidos e que impliquem, até, uma redução da pena. Tudo depende do número e peso de tais circunstâncias e da respectiva ponderação.
V – E, se há factos que, por qualquer razão, ainda não foram apreciados e o sistema jurídico-penal tem para eles uma solução compatível com aqueles princípios, mormente com o princípio da legalidade, parece óbvio que não há qualquer razão para os esquecer. Por um lado, repete-se, nunca foram tidos em conta; por outro, a simples conexão temporal não pode fazer com que se ficcione o seu conhecimento e o seu mero apagamento.
VI – (…).
VII – (…).
VIII - O objecto da acusação é definido por um conjunto de factos, certos e determinados, que uma vez julgados não o podem ser novamente. Só que, por isso mesmo, quaisquer outros factos, também certos e determinados, ainda mesma natureza e compreendidos no mesmo período temporal dos primeiros, têm que ser conhecidos e apuradas as suas repercussões na decisão anterior, com eventual aplicação de nova pena ou de cúmulo jurídico de penas. (…)”. (sublinhado nosso)
Em conclusão:
Caso o arguido seja condenado nos presentes autos e se conclua, no âmbito do P.C.C. n.º …/…TELSB que os crimes pelos quais o arguido aí está a ser julgado se inserem numa continuação criminosa pelo qual já foi julgado, e condenado, nos presentes autos, naquele processo, o arguido teria que ser julgado para se apurar se praticou ou não os factos que lhe são imputados e daí se retirarem as adequadas consequências jurídicas.
Caso se venha a entender no âmbito do P.C.C. n.º …/…TELSB estar-se perante uma continuação criminosa já julgada nos presentes autos e pela qual o arguido foi condenado, dever-se-á – ponderado o grau de ilicitude dos factos na sua globalidade, o grau de culpa do arguido manifestada nos mesmos e as exigências preventivas especiais e gerais – proceder à determinação da medida concreta da pena, mantendo ou aumentando a pena anteriormente imposta.
No mais, a favor da decisão que aqui se vem sustentando, em sentido análogo ao que foi referido pelo M.P. (fls. 47657 a 47676), ainda se dirá:
Considerando a complexidade do P.C.C. n.º …/…TELSB – em comparação com presente dir-se-á que, pelo menos, a mesma será igual ou superior – o tempo que já decorre o presente julgamento e o tempo previsível (longo) – se não superior, pelo menos análogo -, bem como a data dos factos objecto das duas pronúncias, é de concluir que a conexão de ambos os processos poderia representar “um grave risco para a pretensão punitiva do Estado” (prescrição do procedimento criminal?!) e, disso não há dúvidas, “retardaria excessivamente o julgamento” dos arguidos.
Fundamentos que, se os processos estivessem apensados, seriam mais que justificativos da sua separação (art. 30º, n.º 1, als. b) e c) do C.P.P.). e, como tal, não estando apensados, por argumento de maioria ou identidade de razão, igualmente, justificam essa mesma não apensação.

Considerando a questão controvertida objecto deste despacho em termos adjectivos, e as várias soluções plausíveis de direito – não obstante não se concordar com a posição sufragada pelo arguido OC… – não se pode concluir com a certeza devida e necessária que o requerido por esse arguido constitui um expediente dilatório que visava única e exclusivamente retardar excessivamente o fim deste Julgamento.
Por isso, ao contrário do propugnado pelo M.P. (fls. 47674 a 47676), não cumpre condenar o arguido com a cominação de taxa sancionatória.
Pelo exposto e fundamentos elencados, decide-se:
1) Indeferir o requerido pelo arguido OC… a fls. 45644 a 45677, designadamente a declaração de competência por conexão deste Tribunal e Processo, nos termos e para efeitos do art. 24º do C.P.P., para proceder ao Julgamento do arguido requerente, quer de quaisquer outros, no que concerne aos factos vertidos na pronúncia proferida no P.C.C. n.º …/…TELSB que foi distribuído à ex …ª Vara Criminal de Lisboa, indeferindo-se assim, consequentemente, o Julgamento em conjunto de ambos os processos;
2) Tendo-se em consideração a data previsível do início do Julgamento no P.C.C. n.º …/…TELSB (6.1.2015), remeta-se, de imediato, via fax, cópia deste despacho na parte pertinente a esse processo, pendente na ex …ª Vara Criminal;
3) Indeferir o requerido pelo M.P. a fls. 47676, parte final e, consequentemente, não cominar o arguido OC… com taxa sancionatória.

3.  Inconformado com tal decisão, dela interpôs recurso o arguido JO…, nos termos que infra se indicam.

4. O mesmo arguido JO…, desta feita a fls. 50168 a 50194, veio em 11.03.2015 aos autos apresentar novo requerimento em que formulou a seguinte pretensão:
Termos em que, requer a V. Ex.ª que se digne declarar a Instância Central de Lisboa, …ª Secção Criminal, J…, competente por conexão, nos termos e para os efeitos do artigo 24.º do CPP, para proceder ao julgamento, quer do Arguido, ora requerente, quer dos arguidos JV… e AF… no que concerne aos factos vertidos na pronúncia proferida no processo-crime n.º …/…TELSB, recentemente distribuído à Instância Local de Lisboa, Secção Criminal, J…, de forma a que a apreciação da respectiva eventual responsabilidade criminal emergente da mesma seja apreciada no âmbito do julgamento dos presentes autos.
Declarada que seja tal competência por conexão para se proceder, no âmbito dos presentes autos, ao julgamento do arguido, ora requerente, e dos arguidos JV… e AF…, deverá a decisão proferida nos autos ser remetida à Instância Local de Lisboa, Secção Criminal, J…, o que se requer para que ali seja oportunamente ordenada a separação de processos relativa ao ali arguido RP…, o qual, por se encontrar já em curso o julgamento dos autos, não se poderá nele tornar “novo arguido”.

5.  Por despacho proferido em 24 de Abril de 2015, a fls. 50973 a 50975, foi decidido:
Fls. 50168 a 50273 (requerimento do arguido OC… – pedido de competência por conexão deste Tribunal – Instância Central de Lisboa, ….ª Secção Criminal, J… – no que concerne aos factos vertidos na pronúncia proferida no processo crime n.º …/…TELSB distribuído à Instância Local de Lisboa, Secção Criminal, J…, de forma a que a apreciação da respectiva eventual responsabilidade criminal emergente da mesma – do requerente e dos arguidos JV… e AF… – seja apreciada no âmbito do julgamento dos presentes autos) e fls. 50881 (resposta do M.P.):
Em resumo, o arguido OC… pretende a apensação daquele processo ao presente em ordem ao Julgamento conjunto de todos os factos.
O arguido já havia requerido anteriormente (v. fls. 45644 a 45677) a apensação aos presentes para julgamento em conjunto de todos os factos, do megaprocesso crime n.º …/…TELSB distribuído à …ª Vara Criminal de Lisboa.
Tal requerimento foi objecto de indeferimento pelo despacho de fls. 48843 a 48853.
No requerimento ora em apreço o arguido requer a apensação aos presentes autos do processo crime n.º …/…TELSB aduzindo, para tanto, a mesma argumentação que já havia manifestado no requerimento de fls. 45644 a 45677 pelo qual requereu a apensação do megaprocesso crime n.º …/…TELSB, agora, com uma ligeira diferença, a constante de fls. 50193, onde escreve:
“Anota-se que, ao contrário do que sucede com o processo n.º …/…TELSB, em relação ao qual se invocou o perigo na demora no julgamento dos presentes autos, fundado na complexidade daquele processo, o processo n.º …/…TELSB é um processo de tamanho e complexidade normal, cujo julgamento não acarretará um atraso que possa ser considerado intolerável ou injustificado. Ao invés, o julgamento conjunto de ambos os processos, no que se refere aos arguidos comuns, permitirá aproveitar o conhecimento que o Tribunal já tem quanto à realidade dos factos e evitar a contradição de julgados”.
Em resposta ao requerimento do arguido, o M.P. pronunciou-se a fls. 50881/2, pugnando pelo indeferimento do requerido – dando, para tanto, “por reproduzidas, mutatis mutandis, as razões expendidas na resposta que se mostra junta de fls. 47657 a fls. 47676 (vol. 154)” -, mais requerendo a cominação do arguido com uma taxa sancionatória por entender tal requerimento “um expediente manifestamente dilatório”.
Cumpre decidir:
Atento o supra exposto – utilização pelo arguido, no requerimento ora em apreço, da mesma argumentação que há havia utilizado no requerimento de fls. 45644 a 45677 pelo qual requereu a apensação aos presentes autos do megaprocesso crime n.º …/…TELSB – “mutatis mutandis” dá-se aqui por integralmente reproduzido o despacho de fls. 48846 a 48853, devendo ser lidas as referências nesse despacho ao processo-crime nº …/…TELSB, como respeitantes ao processo crime n.º …/…TELSB.
É certo que – e nisso o arguido tem inteira razão – o processo-crime cuja apensação ora se requer, de forma alguma tem a complexidade do processo crime n.º …/…TELSB.
Todavia, não deixa de ser um processo de alguma complexidade, na medida em que estão pronunciados 4 arguidos, a pronúncia tem 104 artigos, foram arroladas 8 testemunhas, desconhecendo-se se foram ou não arroladas testemunhas de defesa e o respectivo número (o arguido nada referiu a este nível), sendo certo que a complexidade de um processo não é só aferida por aquilo que consta da peça acusatória, impondo-se sempre somar os articulados de defesa dos arguidos e n.º de testemunhas de defesa arroladas e, ademais, o processo à data da pronúncia, contava já com 2500 páginas de processado, 9 apensos e aguardava o envio de documentos do Banco Central de Cabo Verde, solicitados via carta rogatória, desconhecendo-se igualmente (o arguido nada referiu a este nível), se a mesma entretanto já foi ou não junta aos autos (v. cópia da pronúncia do processo n.º …/…TELSB constante dos presentes autos a fls. 44000 a 44027 e discriminação da prova documental junta, designadamente o seu ponto 20º), sendo certo, também, que muitos dos primeiros 44 factos contantes da mesma pronúncia são de enquadramento e de produção de prova morosa face ao seu carácter genérico.
Tudo para concluir que ainda neste caso o julgamento de ambos os processos em conjunto “retardaria excessivamente o julgamento” dos arguidos nos presentes autos e poderia “representar um grave risco para a pretensão punitiva do Estado” (art. 30º, n.º 1, als. b) e c) do C.P.P..
Ainda que assim não se entenda, o que somente por mera hipótese de raciocínio se admite, o que é facto é que toda a restante argumentação constante do despacho de fls. 48846 a 48853 e que aqui é inteiramente válida e se considera integralmente por reproduzida só pode levar, pelas mesmas razões, ao indeferimento do requerido.
Pelo exposto e fundamentos elencados, decide-se:
“1) Indeferir o requerido pelo arguido OC… a fls. 50168 a 50194, designadamente a declaração de competência por conexão deste Tribunal e processo, nos termos e para efeitos do art. 24º do C.P.P., para proceder ao Julgamento do arguido requerente, quer de quaisquer outros, no que concerne aos factos vertidos na pronúncia proferida no P.C.S. n.º …/…TELSB que foi distribuído à Instância Local de Lisboa, Secção Criminal, J…, indeferindo-se assim, consequentemente, o Julgamento em conjunto de ambos os processos;
2) Indeferir o requerido pelo M.P. a fls. 50882, parte final e, consequentemente, não cominar o arguido OC… com taxa sancionatória;
 3) Remeta-se cópias do despacho de fls. 48843 a 48853 e do presente despacho na parte pertinente ao P,C.S. nº …/…TELSB, pendente na Instância Local de Lisboa – Secção Criminal – J…, informando-se ainda que nenhum dos dois despachos transitou em julgado (v. fls. 50765).

6. Também inconformado com esta decisão, dela interpôs recurso o arguido JO….

7.  Da decisão de indeferimento proferida em 5 de Dezembro de 2014 (referente ao pedido de julgamento conjunto do PCC …/…TELSB) o arguido interpôs recurso, pugnando por que seja:
a) Revogado o douto despacho, datado de 5.12.14, no qual se decidiu indeferir integralmente o requerido pelo Arguido, ora Recorrente, a fls. 45644 a 45677;
b) Deve a douta decisão ora recorrida ser substituída por outra que defira na íntegra o requerido pelo Arguido a fls. 45644 a 45677 e, assim, se declare que o Tribunal a quo é competente por conexão, nos termos e para os efeitos do artigo 24.º do CPP, para proceder ao julgamento, quer do Arguido, ora Recorrente, quer de todos os demais Arguidos que o sejam também no processo n.º …/…TELSB, pelos factos vertidos na pronúncia proferida no processo-crime n.º …/…TELSB, distribuído à ex-….ª Vara Criminal de Lisboa, de forma a que a apreciação da respectiva eventual responsabilidade criminal seja efectuada no julgamento dos presentes autos
 
8.  O recorrente JO… extraiu da sua motivação (cf. fls. 49564 e segs.) as seguintes conclusões (encontrando-se reproduzidas, no final do bloco de conclusões, as respectivas notas de rodapé, cuja numeração originária se manteve):
1.º - O julgamento conjunto de todas as infracções penais unidas por conexão subjectiva é um princípio-regra que informa o nosso sistema processual penal, pois só um julgamento conjunto possibilita uma justa avaliação da personalidade do autor das infracções, facilita a aplicação da pena unitária e proporciona uma maior celeridade e economia processual (cfr. Ac. STJ de 16-01-1990, processo n.º 040537).
2.º - Esse princípio-regra encontra fundamento no interesse de realização da justiça, que se sobrepõe aos demais interesses que foram invocados para fundamentar o indeferimento do pedido de reconhecimento da competência por conexão.
3.º - Não procede a alegação da perturbação do decurso da prova uma vez que a mesma não deixará de ser válida pela circunstância de se prosseguir o julgamento dos presentes autos com a produção de prova atinente à pronúncia proferida no processo n.º …/…TELSB.
4.º - Não procede a alegação de que “os processos não estão ligados entre si por qualquer um dos pressupostos a que alude o art. 24º, als. a) a e) do C.P.P.;”, o que, aliás, decorre do teor do douto despacho datado de 4.02.14, transitado em julgado, que aqui se dá como integralmente reproduzido.
     5.º - Não procede o argumento de que os processos apenas formalmente se encontram na mesma fase processual, pois onde a lei não distingue não deve o interprete distinguir, sendo que a circunstância de no processo n.º …/…TELSB não se ter iniciado ainda a produção da prova apenas aconselha a que a conexão seja reconhecida, procedendo-se à realização de um julgamento conjunto por todas as infracções imputadas nas duas pronúncias.
6.º - Não procede o argumento de que “Aca…, (ii) JNe…, (iii) ACo… e (iv) AMPLIMÓVEL, apenas arguidos no processo n.º …/…TELSB, se tornarem “novos arguidos” nos presentes autos, o que não foi sequer requerido pelo Arguido, ora Recorrente.
7.º - O reconhecimento da competência por conexão apenas deverá ser declarado para os Arguidos que sejam comuns aos presentes autos e ao processo n.º …/…TELSB. E, reconhecida tal competência, a mesma ditaria, naturalmente, que no âmbito do processo n.º …/…TELSB fosse processada a separação de processos quanto aos Arguidos dos presentes autos, pelo que no processo n.º …/…TELSB se julgariam apenas e só os Arguidos que apenas o fossem naqueles autos, os quais, por isso, não se tornariam nunca “novos arguidos” nos presentes autos.
8.º - Não procede o argumento de que o reconhecimento da competência por conexão equivaleria à anulação da separação ordenada na fase de inquérito uma vez que a investigação dos factos em separado não obsta, nem material nem formalmente, a que o julgamento das diversas infracções imputadas aos Arguidos comuns aos dois processos seja feito de forma conjunta caso na fase de julgamento se verifiquem os requisitos legais (v.d. Ac. TRP de 21.06.2013).
9.º - Não procede a invocação de que a conexão violaria o “princípio da estabilidade da instância” considerando que o interesse subjacente a tal princípio não se sobrepõe ao interesse da boa administração da justiça, que subjaz à previsão da possibilidade de realização de um julgamento conjunto. Acresce que, nenhum dos Arguidos que veriam ampliado o objecto da sua instância (os Arguidos comuns ao processo n.º …/…TELSB) se opuseram à conexão.
10.º - Finalmente, se é verdade que o “desconto” do tempo de prisão preventiva ou domiciliária já cumprido poderá ainda aproveitar ao Arguido, ora Recorrente (artigo 80.º, n.º 1, do CP), tal facto não afasta a aplicabilidade do regime da conexão, único que permitirá, face à conexão material entre factos visados em ambos os processo e à possibilidade expressamente admitida de se estar perante “o mesmo crime” na forma continuada (artigo 30.º, n.º 2, do CP), através da realização de um julgamento conjunto, tutelar o interesse da boa administração da justiça e a vertente processual do princípio ne bis in idem.
11.º - Na douta decisão recorrida afirma-se que “Caso o arguido seja condenado nos presentes autos e se conclua, no âmbito do P.C.C. n.º …/…TELSB que os crimes pelos quais o arguido aí está a ser julgado se inserem numa continuação criminosa pelo qual já foi julgado, e condenado, nos presentes autos, naquele processo, o arguido teria que ser julgado para se apurar se praticou ou não os factos que lhe são imputados e daí se retirarem as adequadas consequências jurídicas.
Caso se venha a entender no âmbito do P.C.C. n.º …/…TELSB estar-se perante uma continuação criminosa já julgada nos presentes autos e pela qual o arguido foi condenado, dever-se-á – ponderado o grau de ilicitude dos factos na sua globalidade, o grau de culpa do arguido manifestada nos mesmos e as exigências preventivas especiais e gerais – proceder à determinação da medida concreta da pena, mantendo ou aumentando a pena anteriormente imposta.”.
12.º - Salvo o devido respeito, que é muito, a interpretação normativa adoptada na douta decisão recorrida assenta numa manifesta violação do princípio do ne bis in idem, na sua vertente processual.
13.º - A existência de conexão material entre os dois processos em causa foi já declarada por despacho transitado, datado de 4.02.14, que, quanto a esta questão, formou caso julgado formal.
14.º - Acresce que, a doutrina invocada pela douta decisão recorrida da autoria de Furtado dos Santos e Maia Gonçalves não é sequer aplicável ao caso sub judice uma vez que o primeiro autor salienta que “sendo o delito continuado constituído por várias infracções parcelares, a sentença que incida sobre parte destas não produz efeito de caso julgado sobre as demais e, assim não obsta ao procedimento pelas que forem descobertas depois.” e o segundo que “(…) o caso julgado não poderá abranger os factos integrantes da continuação criminosa só descobertos depois da continuação” (“negritos” nossos).
15.º - Assim sendo, como os factos vertidos no processo n.º …/…TELSB não foram “descobertos depois”, mas foram do conhecimento contemporâneo do MP com os demais incluídos nos presentes autos (no decurso do ano de 2008 em que ambos os processos foram autuados), sendo as provas de ambos os processos recolhidas com base nas mesmas buscas que vieram a instruir os presentes autos (v.d. certidão proveniente do processo n.º …/…TELSB, a fls. 7557 e 7558), a decisão da autonomização dos processos em dois inquéritos teve na base por base razões e competências do MP, a quem compete para decidir da separação e da apensação de processos nesta fase (Ac. TRP de 21.06.2013).
16.º - De facto, o presente processo foi autuado em data posterior ao processo-crime n.º …/…TELSB (o que resulta até da respectiva numeração) tendo a participação criminal constante do Vol. 1 do processo principal, a fls. 248 a 274 e seguintes sido junta aos autos através de certidão proveniente do processo n.º …/…TELSB, como aliás demonstra a anotação manuscrita, a fls. 248, onde se ordena no processo n.º …/…TELSB que aquela queixa seja junta aos presentes autos juntamente com a busca n.º 10 proveniente do proc.º n.º …/…TELSB e onde se refere explicitamente que “Embora parte dos factos (denunciados) já faça parte do inquérito a correr termos no DCIAP (…)”.
17.º - Ou seja, tendo os factos de ambos os processos sido conhecidos pelo autor da acção penal de forma contemporânea não poderá nunca existir um duplo julgamento, a realizar em simultâneo, por um conjunto de alegadas infracções que se admite poder constituir “o mesmo crime” continuado.
18.º - De igual forma se deve concluir que a jurisprudência citada na douta decisão recorrida – os Acs. do STJ de 4.11.92 e da RG de 22.11.2004 - visaram dar “(…) resposta aos casos em que já ocorreu julgamento e condenação por factos tidos como crime continuado e em que se tem conhecimento de novos factos (…)” (“negrito” nosso), pressuposto de facto que, como demonstrado, não se verifica nos presentes autos, quer porque os factos foram do conhecimento contemporâneo do MP, quer porque se verifica a possibilidade prática de se realizar um só julgamento por todas as infracções. 
19.º - O princípio ne bis in idem “(…) comporta duas dimensões: (a) como direito subjectivo fundamental, garante ao cidadão o direito de não ser julgado mais do que uma vez pelo mesmo facto, conferindo-lhe, ao mesmo tempo, a possibilidade de se defender contra actos estaduais violadores deste direito (direito de defesa negativo); (b) como princípio constitucional objectivo (dimensão objectiva do direito fundamental), obriga fundamentalmente o legislador à conformação do direito processual e à definição do caso julgado material, de modo a impedir a existência de vários julgamentos pelo mesmo facto.
Para a tarefa de «densificação semântica» do princípio é particularmente importante a clarificação da expressão «prática do mesmo crime», que tem de obter-se recorrendo aos conceitos jurídicos-processuais e jurídico-materiais desenvolvidos pela doutrina do direito e processo penais. O problema pode não ser fácil nos casos de comparticipação, de concurso de crimes e de crime continuado (cfr. arts. 28º e ss. do Cód. Penal).
A Constituição proíbe rigorosamente o duplo julgamento e não a dupla penalização, mas é óbvio que a proibição do duplo julgamento pretende evitar tanto a condenação de alguém que já tenha sido definitivamente absolvido pela prática da infracção, como a aplicação renovada de sanções jurídico-penais pela prática do «mesmo crime».” [14].
20.º - Conforme resulta da Jurisprudência vertida no douto acórdão do Plenário do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem proferido no caso Zolotoukhine c. Russia, datado de 10.02.2009, no âmbito da queixa n.º 14939/03, de que oportunamente se juntou cópia traduzida ao presente recurso, o T.E.D.H. determina que o artigo 4.º do Protocolo n.º 7 à C.E.D.H. deve ser interpretado como “proibindo a perseguição ou o julgamento de uma pessoa por uma segunda «infracção» se esta tem na sua origem facto idênticos ou factos que são substancialmente os mesmos” [Acórdão  Zolotoukhine c. Russia, de 10.02.2009, queixa n.º 14939/03]. [15]
21.º - Salvo o devido respeito (que é muito), o cumprimento da vertente processual do princípio do ne bis in idem não se basta com a mera adequação da pena acaso, no segundo julgamento, se venha a considerar que se está perante um crime continuado [16], uma vez que a Constituição e a CEDH assegura a todos que ninguém será sujeito a um segundo julgamento pelo(s) mesmo crime/factos (e ainda mais quando os factos objecto de ambos os processos, como é o caso, foram conhecidos pelo MP de forma simultânea). 
22.º - Dito isto, na óptica do Recorrente, não se pode sequer admitir a hipótese de o “mesmo crime” continuado poder ser dupla e simultaneamente julgado (desde que a punição seja adequada e ou actualizada no âmbito do segundo julgamento), dever-se-á, outrossim, conferir previamente se estamos, ou não, em ambos os processos perante “factos que constituam um conjunto de circunstâncias factuais concretas que impliquem o mesmo infractor e que se encontrem indissociavelmente ligados entre eles no tempo e no espaço” [17], critério definido pelo T.E.D.H. para se aferir se, como respeito pelo princípio do ne bis in idem, se pode sujeitar um Arguido a um segundo julgamento pelo mesmo crime.
23.º - Ao rejeitar a competência por conexão para o julgamento dos dois processos crime sempre em referência, no que aos Arguidos comuns diz respeito, a douta decisão recorrida inviabiliza a solução em que se poderá afirmar que houve um só julgamento para o(s) mesmo(s) crime(s)/factos, ainda que fundado em duas acusações sucessivas sobre os mesmos.
24.º - A decisão recorrida, admitindo a hipótese de em ambos os processos se estar perante um crime continuado, ou seja, perante “o mesmo crime”, defende a possibilidade de, ainda assim, se dever proceder ao respectivo duplo e simultâneo julgamento.
25.º - Pelo exposto, a douta decisão recorrida configura de forma clara a possibilidade de os Arguidos, comuns a ambos os processos, virem as serem julgados por factos que o Tribunal a quo já afirmou materialmente conexos e que admite que possam configurar o “mesmo crime” continuado, aderindo, por isso, a uma interpretação normativa que permite a possibilidade de se efectuar um duplo julgamento “pela prática do mesmo crime” (em violação do artigo 29.º, n.º 5, da CRP), bastando-se com a garantia de que, se assim  for (leia-se, se o segundo julgamento tiver lugar e se confirmar que se trata do mesmo crime), a pena que resultar de ambos os processos deverá depois ser adequada.
26.º - Salvo o devido respeito, ao aderir a uma tal interpretação normativa, a douta decisão recorrida violou de forma flagrante o princípio do ne bis in idem, na sua vertente processual, que proíbe não só a condenação de um Arguido pelo mesmo crime, como o seu duplo julgamento (independentemente de após o segundo julgamento se vir, ou não, a adequar a dosimetria da pena global a aplicar).
27.º - Logo, ao contrário daquilo que foi decidido, admitindo a decisão recorrida que os dois processos versam sobre factos que poderão configurar um crime continuado (o “mesmo crime”) deveria o Tribunal a quo reconhecer a sua competência por conexão, sob pena de aderir, como aderiu, a uma interpretação normativa violadora do disposto no artigo 29.º, n.º 5, da CRP. 
28.º - De facto, face à probabilidade/possibilidade de se estar perante o “mesmo crime” em ambos os processos, dever-se-á ter presente que, a propósito do artigo 20.º da CRP, a melhor doutrina vem defendendo que “Na parte final do n.º 5 garante-se a tutela efectiva e em tempo útil contra ameaças ou violações de direitos, liberdades e garantias. A tutela é garantida não apenas quando os direitos são violados, mas também quando exista o perigo de lesão dos mesmos direitos. O perigo de lesão pode equivaler a uma lesão”[18].
29.º - O mesmo é dizer que o direito fundamental a só ser julgamento uma vez pelo “mesmo crime” (tutelável ainda através do reconhecimento da competência por conexão para a realização de um julgamento conjunto) e a respectiva tutela efectiva opera logo que se perfile a possibilidade de violação do mesmo e não só quando se tenha a certeza de que está ou irá ser violado.
30.º - Donde, nunca o argumento da complexidade de ambos os processos - quando se reconheceu já a conexão material entre os processos e a possibilidade de se estar perante o “mesmo crime” continuado – poderá obstar à competência por conexão, ou poderia levar à separação dos processos no que concerne aos Arguidos visados em ambos (argumento do MP que o Tribunal a quo acolhe com base na previsão do artigo 30º, n.º 1, als. b) e c) do C.P.P.).
31.º - De facto, se o objecto de ambos os processos é materialmente conexo e se o Tribunal a quo já está familiarizado com o seu objecto (por desenvolver o seu julgamento há mais de 3 anos), a realização de um único julgamento não só constitui a solução que melhor se coaduna com a boa administração da justiça, evitando decisões contraditórias sobre a mesma matéria e sobre os mesmos Arguidos, como permite economizar meios humanos e tempo.
32.º - No caso sub judice não só a conexão foi invocada logo em 21.04.2014, como à data da decisão recorrida, ainda não tinha sido produzida toda a prova testemunhal requerida pelo MP, pelo que - face à indiscutível ligação entre os factos imputados aos Arguidos comuns a ambos os processos, considerando que a prova de ambos os autos foi recolhida com base nas mesmas buscas - “(…) se presume que o esclarecimento de todos será mais fácil ou mais completo quando processados conjuntamente, evitando-se possíveis contradições de julgados e realizando-se consequentemente melhor justiça” (douto Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra [19]).
33.º - De facto, conforme se decidiu no douto Acórdão do TRE, de 25.02.14, “A realização do cúmulo jurídico de penas visa permitir que, num certo momento, se conheça da responsabilidade do arguido quanto a factos do passado, no sentido em que todos esses factos, caso fossem conhecidos e houvesse contemporaneidade processual, poderiam ter sido apreciados (e sobre eles proferida decisão) em conjunto (e num só processo ou num único momento).”
34.º - Também no douto Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa [20] pode ler-se que: “Para evitar a pulverização de processos quando haja a prática de diversos crimes de algum modo ligados entre si é desde logo de bom senso, como assinalou o Prof. Cavaleiro Ferreira sobrelevar a conveniência de um julgamento conjunto desses crimes. Razões de geral economia processual, de reunião das provas para cabal esclarecimento de factos interligados, de interesse em evitar a repetição dessas provas ou o surgimento de julgados contraditórios, de evitar ainda o prolongamento de situações de indefinição e insegurança com julgamentos sucessivos, tudo isto justifica a conexão. Afinal, razões atendíveis quer para os arguidos quer para os lesados e também do interesse punitivo do Estado estão na base da opção legislativa de estimular, digamos, a conexão de processos. Razões, em suma, que permitam evitar que se acrescente complexidade ao modelo processual e se lhe introduzam disfunções organizacionais, para usar a síntese inultrapassável do Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 2007.04.11” (“negrito” nosso).
35.º - Dito isto, uma vez que em ambos os processos se imputam ao Arguido, ora Recorrente, crimes de burla e o abuso de confiança, necessariamente continuados, por o serem “com referência ao conjunto da sua actuação” praticado ao longo de diversos anos enquanto Presidente do “Grupo BPN/SLN”, e que nos termos do artigo 79.º, n.º 1, do Código Penal, “O crime continuado é punível com a pena aplicável à conduta mais grave que integra a continuação.”, impõe-se que tal eventual punição ocorra no âmbito de um único julgamento pelo “mesmo crime”.
36.º - Resultando do artigo 1012.º da pronúncia que a alegada estratégia imputada ao Arguido, ora Recorrente, a que também se refere o artigo 8.º da mesma, se manteve ao longo dos factos vertidos n.º …/…TELSB, conforme esclarecem os artigos 47.º e 48.º da pronúncia daqueles autos, cumpre concluir que os concretos negócios esmiuçados nos artigos que se seguem daquela (segunda) pronúncia constituem uma alegada implementação daquela estratégia inicial – comum a ambos os autos – imputada aos Arguidos JO…, LC… e FS….
37.º - Por outro lado, como acima se referiu supra em alegações, no contexto dessa mesma “estratégia”, os ali Arguidos AC… e JNe… são descritos, face à saída do Arguido RO…, “Como novos parceiros fiduciários para o desenvolvimento dos projectos imobiliários e para a montagem de operações no pretenso interesse do Grupo BPN/SLN, passaram os arguidos JO…, FS… e LC… a contar, de forma constante, desde data incerta do ano de 2005, com os arguidos Aca… e JNe….”
38.º - Acresce que, além de uma só (alegada) acção criminosa – executada à luz de uma “estratégia” comum – existem factos concretos, com alegada relevância criminal, repetidos em ambas as pronúncias, como é o caso, meramente exemplificativo, dos financiamentos descritos nos artigos 613.º a 659.º da pronúncia proferida no processo crime n.º …/…TELSB, relativamente à off shore AUDEL [“À data de 29/6/2007 a AUDEL, tinha em dívida no Banco Insular, balcão virtual, associada à aquisição das entidades BIRCHVIEW, CHAPELMOOR e BRIDGEDOWN a quantia de 58.409.069,10€, que incluía os financiamentos, despesas e juros.”], sendo que tal financiamento se acha totalmente abarcado pelo artigo 215.º da pronúncia dos presentes autos pelo valor de 60.825.257,79€.
39.º - Igualmente, o negócio do Palácio das Águias, SA (proc.º n.º …/…) é incindível do negócio Validus – Edifício R. D. João V (proc.º n.º …/…), bem como das empresas Kinasol e Oardale (versadas em ambas as pronúncias), conforme resulta do Relatório da DSIFAE subjacente à acusação/pronúncia nesses autos (cfr. Relatório DSIFAE – apenso temático “AC”, página 6 e Anexo 3-A [21]).
40.º - Donde, face à concreta enformação dos factos em ambas as pronúncias, resta concluir que, pelo menos à luz do juízo indiciário contido nas mesmas, estamos, em ambos os processos, perante os mesmos crimes, necessariamente continuados (artigo 30.º, n.º 2, do CP), que as perpassam e que têm, necessariamente, de ser julgados num único julgamento (artigo 29.º, n.º 5, da CRP). 
41.º - Finalmente, não procede a invocação da necessidade de tutela do interesse punitivo do Estado para justificar a realização de dois julgamentos em simultâneo sobre factos que não só são materialmente conexos, conforme se decidiu já no douto despacho datado de 4.02.14, já transitado, como se admite que poderão constituir a prática do mesmo (alegado) crime continuado, hipótese que é expressamente configurada na douta decisão recorrida face ao teor de ambas as pronúncias.
42.º - Aliás, mesmo a doutrina de Furtado dos Santos, em que se baseia a decisão recorrida, afirma que “sendo o delito continuado constituído por várias infracções parcelares, a sentença que incida sobre parte destas não produz efeito de caso julgado sobre as demais e, assim não obsta ao procedimento pelas que forem descobertas depois”, o que significa que, caso os factos não sejam (como não foram) descobertos depois e seja possível (como é) julga-los a todos num único julgamento, o caso julgado que se venha a formar na sequência do primeiro julgado impede a possibilidade de uma nova condenação pelos factos versados no segundo processo, uma vez que o primeiro julgamento podia e deveria abranger todos os factos.
43.º - Logo, a solução de recusar a competência por conexão, ao invés de permitir tutelar o interesse punitivo do Estado, inviabiliza (em rigor) que o mesmo se possa estender os factos que estão incluídos no segundo processo, permitindo, isso sim, uma grosseira violação do segmento processual do princípio ne bis in idem e que o Arguido possa ser julgado, em simultâneo (todos os dias da semana e mais que uma vez em cada dia), por um crime que, frontalmente, se admite que possa ser continuado em ambos os processos.
44.º - Face ao assim decidido, torna-se evidente o desnecessário prejuízo para a boa administração da justiça e para os direitos de defesa, uma vez que, em ambos os processos, se colocam necessariamente problemas resultantes da necessidade de neles se assegurar o exercício pelos Arguidos de todas as garantias de defesa a que alude o artigo 32.º, n.º 1, da CRP, problemas que aliás determinaram a prolação nos presentes autos do douto despacho de 13.12.12, transitado em julgado, constante de fls. 36.258 e seguintes, onde se afirmou, face à quantidade de documentação constante do denominado apenso 33, que “(…) não se poderá olvidar a quantidade “anormal” de informação constante do mesmo (mais de 1 milhão de documentos) o que acarretará, reconhece-se, um elevado grau de dificuldade no exercício daqueles direitos.”, exercício que ficará desnecessariamente dificultado se se sujeitar o mesmo Arguido a um julgamento duplo e simultâneo por aquele que se aceita que pode configurar “o mesmo crime” continuado nos dois processos, ambos já declarados de especial complexidade.
45.º - Tal prejuízo é, desde logo, perceptível através da impossibilidade prática de compatibilizar a realização dos dois julgamentos em simultâneo sem que se verifiquem sobreposições de datas. Pelo que, das duas uma, ou se atrasa o ritmo dos trabalhos ou se restringem os direitos de defesa dos Arguidos, privando-os de, por exemplo, se fazerem representar através do mesmo mandatário nos dois julgamentos, pese embora a complexidade de ambos os processos e à conexão dos factos, tendo esta última solução, já após a douta decisão recorrida, passado a ser defendida no douto despacho, datado de 16.1.2015, constante de fls. 49484 a 49400.
45.º - Pelo que, verificando-se, nos termos do artigo 24.º, n.º 1, do CPP, a conexão subjectiva e material entre os factos que são objecto de ambos os processos (conexão material já reconhecida pela ….ª Vara Criminal de Lisboa), bem como o requisito objectivo de que, nos termos do artigo 24.º, n.º 2, do CPP, depende a competência do Tribunal a quo, ao contrário do que o que foi decidido, torna-se inevitável o reconhecimento da competência daquele Tribunal para proceder ao julgamento da alegada responsabilidade criminal do Arguido no que concerne ao factos que lhe são imputados no processo n.º …/…TELSB.
46.º - Ao julgar em sentido contrário violou a douta decisão recorrida os artigos 24.º, n.ºs 1 e 2, 30º, n.º 1, als. b) e c) do C.P.P. e os artigos 30.º, n.º 2 e 79.º, n.ºs 1 e 2, do CP na sua interpretação “conforme à Constituição”, bem como, os artigos 18.º, n.º 2, 29.º, n.º 5, 32.º, n.º 1 e 204.º, da CRP, e artigo 4.º do Protocolo n.º 7 à C.E.D.H..
47.º - Aplicaram-se na douta decisão recorrida os artigos 24.º, n.ºs 1 e 2, 30º, n.º 1, als. b) e c) do C.P.P. e os artigos 30.º, n.º 2 e 79.º, n.ºs 1 e 2, do CP, interpretados, singularmente ou de forma conjugada, no sentido de um Arguido poder ser sujeito a dois julgamentos em simultâneo, no âmbito de dois processos autónomos, pela prática do mesmo crime continuado.
48.º - Tal interpretação normativa é materialmente inconstitucional por violação dos artigos 18.º, n.º 2, 29.º, n.º 5 e 32.º, n.º 1, da CRP e do segmento processual do princípio do ne bis in idem, pelo que deveria, nos termos do artigo 204.º da CRP, ter sido recusada a respectiva aplicação pela douta decisão ora recorrida.  
Caso se venha a entender no âmbito do P.C.C. n.º …/…TELSB estar-se perante uma continuação criminosa já julgada nos presentes autos e pela qual o arguido foi condenado, dever-se-á – ponderado o grau de ilicitude dos factos na sua globalidade, o grau de culpa do arguido manifestada nos mesmos e as exigências preventivas especiais e gerais – proceder à determinação da medida concreta da pena, mantendo ou aumentando a pena anteriormente imposta.
NOTAS:
[14] Cfr, J. J. Gomes Canotilho e Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa Anotada, 4.ª Edição Revista, Volume I, Coimbra Editora, pág. 497, em anotação ao artigo 29.º, n.º 5, da CRP.
[15]Cfr. Vânia Costa Ramos, in “Ne bis in Idem e Espaço de Liberdade Segurança e Justiça um Princípio Fundamental de Direito da União Europeia?” pág. 41 e 42.
[16] Como se entendeu dever suceder no douto despacho de 5 de Dezembro de 2014, a fls. 48.851, na parte onde se afirma que “Caso o arguido seja condenado nos presentes autos e se conclua, no âmbito do P.C.C. n.º …/…TELSB que os crimes pelos quais o arguido aí está a ser julgado se inserem numa continuação criminosa pelo qual já foi julgado, e condenado, nos presentes autos, naquele processo, o arguido teria de ser julgado para se apurar se praticou ou não os factos que lhe são imputados e daí se retirarem as adequadas consequências jurídicas.
 [17] Só assim haverá segurança jurídica e se tutelará a dignidade da pessoa humana que fundamenta a proibição de uma repetida perseguição penal dos mesmos factos.
[18] Acórdão do TRC de 06-12-2006, processo n.º 146/05.9GCVIS.C1, consultável em www.dgsi.pt
[19] Acórdão do TRC de 06-12-2006, processo n.º 146/05.9GCVIS.C1, consultável em www.dgsi.pt
[20] Acórdão do TRL de 23-11-2012, processo n.º 308/10.7JELSB-5, consultável em www.dgsi.pt
[21] É a própria DSIFAE quem, no Relatório elaborado sobre o negócio PALÁCIO DAS ÁGUIAS S.A., confirma a relação existente entre esta transacção e o negócio da rua D. João V – referindo expressamente que essa matéria foi já abordada no processo n.º4910/08.9TDLSB, cujo julgamento decorre há mais de três anos – referindo que o montante recebido da KINASOL foi transferido pela “…GROUNDSEL para a SLN Investimento para pagamento de parte do preço de aquisição da VALIDUS – Imobiliária e Investimentos S.A.” (cfr. página 6 do Relatório Final junto sob Apenso Temático AC).

 9. Da decisão de indeferimento proferida em 24 de Abril de 2015 (referente ao pedido de julgamento conjunto do PCS …/…TELSB) o arguido JO… interpôs recurso, pugnando por que seja:
a) Revogado o douto despacho, datado de 24.04.2015, que consta a fls. 50968 a 50975, no qual se decidiu indeferir integralmente o requerido pelo Arguido, ora Recorrente, no requerimento apresentado no dia 11.03.2015, constante de fls. 50168 e seguintes;
b) Deve a douta decisão ora recorrida ser substituída por Acórdão que defira, na íntegra, o requerido pelo Arguido o requerimento de fls. 50168 e seguintes, e que declare que o Tribunal “a quo” é competente por conexão, nos termos e para os efeitos do artigo 24.º do CPP, para proceder ao julgamento, quer do Arguido, ora Recorrente, quer de todos os demais Arguidos que o sejam também no processo n.º …/…TELSB, pelos factos vertidos na pronúncia proferida no processo crime n.º …/…TELSB, distribuído à Instância Local de Lisboa, Secção Criminal, J…, de forma a que a apreciação da respectiva eventual responsabilidade criminal seja efectuada no julgamento dos presentes autos.
     c) Declarada que seja tal competência por conexão para se proceder, no âmbito dos presentes autos, ao julgamento do Arguido, ora Recorrente, e dos Arguidos JV… e AF…, deverá o douto Acórdão proferido ser remetido à Instância Local de Lisboa, Secção Criminal, J…, para que ali seja ordenada a separação de processos relativa ao ali Arguido RP…, o qual, por se encontrar já em curso o julgamento dos autos, não se poderá nele tornar “novo arguido.

10. O recorrente JO… extraiu da sua motivação (cf. fls. 51513 e segs.) as seguintes conclusões (encontrando-se reproduzidas, no final do bloco de conclusões, as respectivas notas de rodapé, cuja numeração originária se manteve):
1.º - O julgamento conjunto de todas as infracções penais unidas por conexão subjectiva é um princípio-regra que informa o nosso sistema processual penal, pois só um julgamento conjunto possibilita uma justa avaliação da personalidade do autor das infracções, facilita a aplicação da pena unitária e proporciona uma maior celeridade e economia processual (cfr. Ac. STJ de 16-01-1990, processo n.º 040537).
2.º - Esse princípio-regra encontra fundamento no interesse de realização da justiça, que se sobrepõe aos demais interesses que foram invocados para fundamentar o indeferimento do pedido de reconhecimento da competência por conexão.
3.º - Não procede a alegação da perturbação do decurso da prova uma vez que a mesma não deixará de ser válida pela circunstância de se prosseguir o julgamento dos presentes autos com a produção de prova atinente à pronúncia proferida no processo n.º …/…TELSB.
4.º - Não procede a alegação de que “os processos não estão ligados entre si por qualquer um dos pressupostos a que alude o art. 24º, als. a) a e) do C.P.P.;”, o que, na óptica do ora Recorrente, contraria o teor do douto despacho datado de 6.01.14, transitado em julgado, que aqui se dá como integralmente reproduzido.
5.º - Não procede o argumento de que os processos apenas formalmente se encontram na mesma fase processual. Onde a lei não distingue não deve o intérprete distinguir, sendo que a circunstância de no processo n.º …/…TELSB não se ter iniciado ainda a produção da prova apenas aconselha a que a conexão seja reconhecida, procedendo-se à realização de um julgamento conjunto por todas as infracções imputadas nas duas pronúncias.
6.º - Não procede o argumento (por remissão para o douto despacho de 5.12.2015) de que RP… (único arguido do processo n.º …/…TELSB que não o é no processo n.º …/…TDLSB) se tornaria “novo arguido” nos presentes autos, o que não foi sequer requerido pelo Arguido, ora Recorrente.
7.º - O reconhecimento da competência por conexão apenas deverá ser declarado para os Arguidos que sejam comuns aos presentes autos e ao processo n.º …/…TELSB. E, reconhecida tal competência, a mesma ditaria, naturalmente, que no âmbito do processo n.º …/…TELSB fosse processada a separação de processos quanto aos Arguidos dos presentes autos, pelo que no processo n.º …/…TELSB se julgaria apenas e só o aí Arguido R…, o qual, por isso, não se tornaria nunca “novo arguido” nos presentes autos.
8.º - Não procede o argumento (importado do douto despacho de 5.12.2015) de que o reconhecimento da competência por conexão equivaleria à anulação da autonomização processual adoptada na fase de inquérito, uma vez que a investigação dos factos em separado não obsta, nem material nem formalmente, a que o julgamento das diversas infracções imputadas aos Arguidos comuns aos dois processos seja feito de forma conjunta caso na fase de julgamento se verifiquem os requisitos legais (v.d. Ac. TRP de 21.06.2013).
9.º - Não procede a invocação (importada do douto despacho de 5.12.2015) de que a conexão violaria o “princípio da estabilidade da instância” considerando que o interesse subjacente a tal princípio não se sobrepõe ao interesse da boa administração da justiça, que subjaz à previsão da possibilidade de realização de um julgamento conjunto. Acresce que, nenhum dos Arguidos nos presentes autos se opôs à conexão.
10.º - Finalmente, se é verdade que o “desconto” do tempo de prisão preventiva ou domiciliária já cumprido poderá ainda aproveitar ao Arguido, ora Recorrente (artigo 80.º, n.º 1, do CP), tal facto não afasta a aplicabilidade do regime da conexão, único que permitirá, face à conexão material entre factos visados em ambos os processo e à possibilidade expressamente admitida de se estar perante “o mesmo crime” na forma continuada (artigo 30.º, n.º 2, do CP), através da realização de um julgamento conjunto, tutelar o interesse da boa administração da justiça e a vertente processual do princípio “ne bis in idem”.
11.º - Na douta decisão recorrida afirma-se (por adesão ao douto despacho de 5.12.2015) que “Caso o arguido seja condenado nos presentes autos e se conclua, no âmbito do P.C.C. n.º …TELSB [leia-se, n.º …/…TELSB] que os crimes pelos quais o arguido aí está a ser julgado se inserem numa continuação criminosa pelo qual já foi julgado, e condenado, nos presentes autos, naquele processo, o arguido teria que ser julgado para se apurar se praticou ou não os factos que lhe são imputados e daí se retirarem as adequadas consequências jurídicas.
Caso se venha a entender no âmbito do P.C.C. n.º [leia-se, n.º …/…TELSB] estar-se perante uma continuação criminosa já julgada nos presentes autos e pela qual o arguido foi condenado, dever-se-á – ponderado o grau de ilicitude dos factos na sua globalidade, o grau de culpa do arguido manifestada nos mesmos e as exigências preventivas especiais e gerais – proceder à determinação da medida concreta da pena, mantendo ou aumentando a pena anteriormente imposta.”.
12.º - Salvo o devido respeito, que é muito, a interpretação normativa adoptada na douta decisão recorrida assenta numa manifesta violação do princípio do “ne bis in idem”, na sua vertente processual.
13.º - A existência de conexão material entre os dois processos em causa foi já declarada por despacho transitado, datado de 6.01.14, que, quanto a esta questão, formou caso julgado formal.
14.º - Acresce que, a doutrina invocada pela douta decisão recorrida da autoria de Furtado dos Santos e Maia Gonçalves não é sequer aplicável ao caso “sub judice” uma vez que o primeiro autor salienta que “sendo o delito continuado constituído por várias infracções parcelares, a sentença que incida sobre parte destas não produz efeito de caso julgado sobre as demais e, assim não obsta ao procedimento pelas que forem descobertas depois.” e o segundo que “(…) o caso julgado não poderá abranger os factos integrantes da continuação criminosa só descobertos depois da continuação” (“negrito” nosso).
15.º - De facto, os factos vertidos no processo n.º …/…TELSB não foram “descobertos depois”, mas foram do conhecimento contemporâneo do MP com os demais incluídos nos presentes autos.
16.º - Efectivamente, a queixa que deu azo processo-crime n.º …/…TELSB foi apresentada em 14 de Abril de 2009 tendo a acusação do processo n.º …/…TDLSB sido proferida no dia 21 de Novembro de 2009.
17.º - O próprio Banco queixoso afirma na queixa do processo-crime n.º …/…TELSB (Doc. n.º 6 junto com o requerimento do Arguido indeferido pela douta decisão recorrida), que: “2.º O banco participante tem razões para acreditar e admitir como certo que tais factos possam estar relacionados ou em conexão com outros cuja investigação está actualmente a decorrer nesse Departamento Central de Investigação e Acção Penal DCIAP, respeitantes à actuação do Conselho de Administração do banco ora participante presidido pelo Dr. JO….”, e “3. Essa probabilidade, como se verá da descrição a seguir efectuada, recomendará seguramente unidade de investigação, em lugar do desdobramento em distintos processos, todos com idêntica realidade (a investigar, e que respeitam à mesma situação fáctica, à actuação das mesmas pessoas ao menos parcialmente), e à ponderação e tratamento das mesmas informações.”.
17.º - Ou seja, tendo os factos de ambos os processos sido conhecidos pelo autor da acção penal de forma contemporânea não poderá nunca existir um duplo julgamento, a realizar em simultâneo, por um conjunto de alegadas infracções que se admite poder constituir “o mesmo crime” continuado.
18.º - De igual forma, deve concluir-se que a jurisprudência citada na douta decisão recorrida (por adesão ao teor do douto despacho de 5.12.14) – os Acs. do STJ de 4.11.92 e da RG de 22.11.2004 - visaram dar “(…) resposta aos casos em que já ocorreu julgamento e condenação por factos tidos como crime continuado e em que se tem conhecimento de novos factos (…)” (“negrito” nosso), pressuposto de facto que não se verifica nos presentes autos, quer porque os factos foram do conhecimento contemporâneo do MP, quer porque se verifica a possibilidade prática de se realizar um só julgamento por todas as infracções. 
19.º - O princípio “ne bis in idem” “(…) comporta duas dimensões: (a) como direito subjectivo fundamental, garante ao cidadão o direito de não ser julgado mais do que uma vez pelo mesmo facto, conferindo-lhe, ao mesmo tempo, a possibilidade de se defender contra actos estaduais violadores deste direito (direito de defesa negativo); (b) como princípio constitucional objectivo (dimensão objectiva do direito fundamental), obriga fundamentalmente o legislador à conformação do direito processual e à definição do caso julgado material, de modo a impedir a existência de vários julgamentos pelo mesmo facto.
Para a tarefa de «densificação semântica» do princípio é particularmente importante a clarificação da expressão «prática do mesmo crime», que tem de obter-se recorrendo aos conceitos jurídicos-processuais e jurídico-materiais desenvolvidos pela doutrina do direito e processo penais. O problema pode não ser fácil nos casos de comparticipação, de concurso de crimes e de crime continuado (cfr. arts. 28º e ss. do Cód. Penal).
A Constituição proíbe rigorosamente o duplo julgamento e não a dupla penalização, mas é óbvio que a proibição do duplo julgamento pretende evitar tanto a condenação de alguém que já tenha sido definitivamente absolvido pela prática da infracção, como a aplicação renovada de sanções jurídico-penais pela prática do «mesmo crime».” [21]
20.º - Conforme resulta da Jurisprudência vertida no douto acórdão do Plenário do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem proferido no caso Zolotoukhine c. Russia, datado de 10.02.2009, no âmbito da queixa n.º 14939/03, de que oportunamente se juntou cópia traduzida ao presente recurso, o T.E.D.H. determina que o artigo 4.º do Protocolo n.º 7 à C.E.D.H. deve ser interpretado como “proibindo a perseguição ou o julgamento de uma pessoa por uma segunda «infracção» se esta tem na sua origem facto idênticos ou factos que são substancialmente os mesmos” [Acórdão  Zolotoukhine c. Russia, de 10.02.2009, queixa n.º 14939/03]. [22]
21.º - Salvo o devido respeito (que é muito), o cumprimento da vertente processual do princípio do “ne bis in idem” não se basta com a mera adequação da pena acaso, no segundo julgamento, se venha a considerar que se está perante um crime continuado [23], uma vez que a Constituição e a CEDH assegura a todos que ninguém será sujeito a um segundo julgamento pelo(s) mesmo crime/factos (e ainda mais quando os factos objecto de ambos os processos, como é o caso, foram conhecidos pelo MP de forma simultânea). 
22.º - Dito isto, na óptica do Recorrente, não se pode sequer admitir a hipótese de o “mesmo crime” continuado poder ser dupla e simultaneamente julgado (desde que a punição seja adequada e ou actualizada no âmbito do segundo julgamento), dever-se-á, outrossim, conferir previamente se estamos, ou não, em ambos os processos perante “factos que constituam um conjunto de circunstâncias factuais concretas que impliquem o mesmo infractor e que se encontrem indissociavelmente ligados entre eles no tempo e no espaço” [24], critério definido pelo T.E.D.H. para se aferir se, como respeito pelo princípio do  “ne bis in idem”, se pode sujeitar um Arguido a um segundo julgamento pelo mesmo crime.
23.º - Ao rejeitar a competência por conexão para o julgamento dos dois processos crime sempre em referência, no que aos Arguidos comuns diz respeito, a douta decisão recorrida inviabiliza a solução em que se poderá afirmar que houve um só julgamento para o(s) mesmo(s) crime(s)/factos, ainda que fundado em duas acusações sucessivas sobre os mesmos.
24.º - A decisão recorrida, admitindo (por remissão para o teor do douto despacho de 5.12.14) a hipótese de em ambos os processos se estar perante um crime continuado, ou seja, perante “o mesmo crime”, defende a possibilidade de, ainda assim, se dever proceder ao respectivo duplo e simultâneo julgamento.
25.º - Pelo exposto, a douta decisão recorrida configura de forma clara a possibilidade de os Arguidos, comuns a ambos os processos, virem as serem julgados por factos que o Tribunal “a quo” já afirmou materialmente conexos e que admite que possam configurar o “mesmo crime” continuado, aderindo, por isso, a uma interpretação normativa que permite a possibilidade de se efectuar um duplo julgamento “pela prática do mesmo crime” (em violação do artigo 29.º, n.º 5, da CRP), bastando-se com a garantia de que, se assim  for (leia-se, se o segundo julgamento tiver lugar e se confirmar que se trata do mesmo crime), a pena que resultar de ambos os processos deverá depois ser adequada.
26.º - Salvo o devido respeito, ao aderir a uma tal interpretação normativa, a douta decisão recorrida violou de forma flagrante o princípio do “ne bis in idem”, na sua vertente processual, que proíbe não só a condenação de um Arguido pelo mesmo crime, como o seu duplo julgamento (independentemente de após o segundo julgamento se vir, ou não, a adequar a dosimetria da pena global a aplicar).
27.º - Logo, ao contrário daquilo que foi decidido, admitindo a decisão recorrida que os dois processos versam sobre factos que poderão configurar um crime continuado (o “mesmo crime”) deveria o Tribunal “a quo” reconhecer a sua competência por conexão, sob pena de aderir, como aderiu, a um interpretação normativa violadora do disposto no artigo 29.º, n.º 5, da CRP. 
28.º - De facto, face à probabilidade/possibilidade de se estar perante o “mesmo crime” em ambos os processos, dever-se-á ter presente que, a propósito do artigo 20.º da CRP, a melhor doutrina vem defendendo que “Na parte final do n.º 5 garante-se a tutela efectiva e em tempo útil contra ameaças ou violações de direitos, liberdades e garantias. A tutela é garantida não apenas quando os direitos são violados, mas também quando exista o perigo de lesão dos mesmos direitos. O perigo de lesão pode equivaler a uma lesão” [25].
29.º - O mesmo é dizer que o direito fundamental a só ser julgamento uma vez pelo “mesmo crime” (tutelável ainda através do reconhecimento da competência por conexão para a realização de um julgamento conjunto) e a respectiva tutela efectiva opera logo que se perfile a possibilidade de violação do mesmo e não só quando se tenha a certeza de que está ou irá ser violado.
30.º - Donde, nunca o argumento da complexidade de ambos os processos - quando se reconheceu já a conexão material entre os processos e a possibilidade de se estar perante o “mesmo crime” continuado – poderá obstar à competência por conexão, ou poderia levar à separação dos processos no que concerne aos Arguidos visados em ambos (argumento do MP que o Tribunal “a quo” acolhe com base na previsão do artigo 30º, n.º 1, als. b) e c) do C.P.P.).
31.º - Por outro lado, ao contrário do que sucede com o processo n.º …/…TELSB (declarado de especial complexidade), em relação ao qual se invocou no douto despacho de 5.12.14 o perigo na demora no julgamento dos presentes autos, fundado na complexidade daquele processo, o processo n.º …/…TELSB é um processo de tamanho e complexidade normal, cujo do julgamento não acarretará um atraso que possa ser considerado intolerável ou injustificado, sendo aliás sintomático que nenhum dos Arguidos dos presentes autos se opôs à apensação deste último processo.
32.º - Quanto ao número de testemunhas arroladas pela defesa, ao actual tamanho do processo e quaisquer outros elementos que pudessem relevar para a apreciação do pedido de reconhecimento da competência por conexão do Tribunal “a quo”, caso se entendesse que dos autos não resultavam ainda dados suficientes para a mesma, deveria o Tribunal “a quo” ter ordenado as diligências necessárias à prolação de uma decisão informada da questão, ao invés de se indeferir o requerido.
33.º - Se o objecto de ambos os processos é materialmente conexo e se o Tribunal “a quo” já está familiarizado com o seu objecto (por desenvolver o seu julgamento há mais de 3 anos), a realização de um único julgamento não só constitui a solução que melhor se coaduna com a boa administração da justiça, evitando decisões contraditórias sobre a mesma matéria e sobre os mesmos Arguidos, como permite economizar meios humanos e tempo.
34.º - No caso “sub judice” não só a conexão foi invocada em 11.03.2015, como à data da douta decisão recorrida, ainda não tinha sido produzida toda a prova testemunhal requerida pelo MP, pelo que - face à indiscutível ligação entre os factos imputados aos Arguidos comuns a ambos os processos, considerando que a prova de ambos os autos foi recolhida com base nas mesmas buscas - “(…) se presume que o esclarecimento de todos será mais fácil ou mais completo quando processados conjuntamente, evitando-se possíveis contradições de julgados e realizando-se consequentemente melhor justiça” (douto Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra [26])
35.º - De facto, conforme se decidiu no douto Acórdão do TRE, de 25.02.14, “A realização do cúmulo jurídico de penas visa permitir que, num certo momento, se conheça da responsabilidade do arguido quanto a factos do passado, no sentido em que todos esses factos, caso fossem conhecidos e houvesse contemporaneidade processual, poderiam ter sido apreciados (e sobre eles proferida decisão) em conjunto (e num só processo ou num único momento).”
36.º - Também no douto Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa [27] pode ler-se que: “Para evitar a pulverização de processos quando haja a prática de diversos crimes de algum modo ligados entre si é desde logo de bom senso, como assinalou o Prof. Cavaleiro Ferreira sobrelevar a conveniência de um julgamento conjunto desses crimes. Razões de geral economia processual, de reunião das provas para cabal esclarecimento de factos interligados, de interesse em evitar a repetição dessas provas ou o surgimento de julgados contraditórios, de evitar ainda o prolongamento de situações de indefinição e insegurança com julgamentos sucessivos, tudo isto justifica a conexão. Afinal, razões atendíveis quer para os arguidos quer para os lesados e também do interesse punitivo do Estado estão na base da opção legislativa de estimular, digamos, a conexão de processos. Razões, em suma, que permitam evitar que se acrescente complexidade ao modelo processual e se lhe introduzam disfunções organizacionais, para usar a síntese inultrapassável do Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 2007.04.11” (“negrito” nosso).
37.º - Dito isto, uma vez que nos dois processos se imputam ao Arguido, ora Recorrente, um crime de falsificação, necessariamente continuado, por o ser “com referência ao conjunto da sua actuação” praticado ao longo de diversos anos enquanto Presidente do “Grupo BPN/SLN”, e que nos termos do artigo 79.º, n.º 1, do Código Penal, “O crime continuado é punível com a pena aplicável à conduta mais grave que integra a continuação.”, impõe-se que tal eventual punição ocorra no âmbito de um único julgamento pelo “mesmo crime”.
38.º - Por outro lado, como se referiu em alegações, no processo n.º …/…TELSB está em causa o “esquema de produção formal de uma “put option”, destinada a fazer crer perante as entidades de supervisão do Banco Insular que o próprio BPN garantia a aquisição do crédito sobre os clientes, caso não fosse liquidado o financiamento.”, e o consequente abuso do convencimento que podem gerar os documentos bancários, finalidade típica do crime de falsificação, é parte do objecto do processo n.º …/…TDLSB, como explícita e indesmentivelmente decorre da passagem onde do artigo 530.º da pronúncia dos presentes autos, acima citada.
39.º - Além da nítida coincidência temática sobre a finalidade que terá levado à produção das declarações sempre em referência, existe uma evidente correspondência entre a matéria dos dois processos em diversas outras matérias, conforme consta da tabela comparativa que se juntou aos presentes autos (como Doc. n.º 5) com o requerimento do Arguido que veio a ser indeferido pelo douto despacho ora recorrido, tabela que aqui se dá como integralmente reproduzida.
40.º - Analisada a tabela de correspondência temática entre os dois autos (Doc. 5 junto em 11.03.2015) pode concluir-se que a matéria do processo-crime n.º …/…TELSB representa, em relação àquela que consta do processo-crime n.º …/…TDLSB:
a) A imputação ao Arguido, ora Requerente, da prática do mesmo crime de falsificação na forma continuada;
b) A pronúncia proferida no processo-crime n.º …/…TELSB contém uma acusação pela elaboração e utilização de 9 declarações (entre Janeiro de 2003 e data não apurada do 1.º trimestre de 2004), 14 declarações (entre data posterior a Agosto de 2006), e 65 declarações (em data não concretamente apurada mas posterior a Agosto de 2007) quando a pronúncia do processo n.º …/…TDLSB imputa aos Arguidos a criação de um alegado “esquema de produção formal de uma “put option”, destinada a fazer crer perante as entidades de supervisão do Banco Insular que o próprio BPN garantia a aquisição do crédito sobre os clientes, caso não fosse liquidado o financiamento.” (artigo 530.º da pronúncia), resultando do artigo 540.º da pronúncia que tal alegado esquema foi montado em relação aos mútuos concedidos a 8 entidades anteriormente identificadas no artigo 527.º da pronúncia;
c) A pronúncia proferida no processo-crime n.º …/…TELSB contém uma acusação por falsificação com base (a) na ausência de intenção de o BPN prestar uma real garantia de pagamento, (b) na falsificação das datas em que algumas das declarações foram emitidas e (c) na falsificação decorrente da ausência de poderes dos signatários das mesmas, ao passo que a pronúncia do processo n.º …/…TDLSB apenas se reporta à ausência de intenção de o BPN prestar uma real garantia de pagamento através das declarações em causa, sendo certo que, em ambos os processos, a utilização dos documentos em causa visava fazer “crer perante as entidades de supervisão do Banco Insular que o próprio BPN garantia a aquisição do crédito sobre os clientes, caso não fosse liquidado o financiamento.”, ou seja, “o abuso do convencimento que podem gerar os documentos bancários, finalidade típica do crime de falsificação”.
41.º - Assim, a pronúncia proferida no processo-crime n.º …/…TELSB é uma mera densificação da pronúncia do processo n.º …/…TDLSB, sendo os factos imputados ao Arguido em ambos os processos absolutamente contemporâneos e indissociáveis entre si.
42.º - Face a esta materialidade, os factos inclusos na pronúncia proferida no processo-crime n.º …/…TELSB formam com aqueles que foram levados à pronúncia no processo n.º …/…TDLSB uma unidade jurídica e um pedaço de vida que aí será apreciado, verificando-se de forma nítida a existência de uma “parte comum entre o facto histórico julgado [leia-se, em julgamento no processo n.º …/…TDLSB] e o facto histórico a julgar” e que ambas as imputações têm “como objecto o mesmo bem jurídico ou formem, como acção que se integrem na outra, um todo do ponto de vista jurídico.".
43.º - Donde, face à concreta enformação dos factos em ambas as pronúncias, resta concluir que, pelo menos à luz do juízo indiciário contido nas mesmas, estamos, em ambos os processos, perante o mesmo crime de falsificação, necessariamente continuado (artigo 30.º, n.º 2, do CP), que as perpassa e que tem, necessariamente, de ser julgado num único julgamento (artigo 29.º, n.º 5, da CRP). 
44.º - Finalmente, não procede a invocação da necessidade de tutela do interesse punitivo do Estado para justificar a realização de dois julgamentos em simultâneo sobre factos que não só são materialmente conexos, conforme se decidiu já no douto despacho datado de 4.02.14, já transitado, como se admite que poderão constituir a prática do mesmo (alegado) crime continuado, hipótese que é expressamente configurada na douta decisão recorrida face ao teor de ambas as pronúncias.
45.º - Aliás, mesmo a doutrina de Furtado dos Santos, em que se baseia a decisão recorrida, afirma que “sendo o delito continuado constituído por várias infracções parcelares, a sentença que incida sobre parte destas não produz efeito de caso julgado sobre as demais e, assim não obsta ao procedimento pelas que forem descobertas depois”, o que significa que, caso os factos não sejam (como não foram) descobertos depois e seja possível (como é) julga-los a todos num único julgamento, o caso julgado que se venha a formar na sequência do primeiro julgado impede a possibilidade de uma nova condenação pelos factos versados no segundo processo, uma vez que o primeiro julgamento podia e deveria abranger todos os factos.
46.º - Logo, a solução de recusar a competência por conexão, ao invés de permitir tutelar o interesse punitivo do Estado, inviabiliza (em rigor) que o mesmo se possa estender aos factos que estão incluídos no segundo processo, permitindo, isso sim, uma grosseira violação do segmento processual do princípio “ne bis in idem” e que o Arguido possa ser julgado, em simultâneo (todos os dias da semana e mais que uma vez em cada dia), por um crime que, frontalmente, se admite que possa ser continuado em ambos os processos.
47.º - Pelo que, verificando-se, nos termos do artigo 24.º, n.º 1, do CPP, a conexão subjectiva e material entre os factos que são objecto de ambos os processos (conexão material já reconhecida pela ….ª Vara Criminal de Lisboa), bem como o requisito objectivo de que, nos termos do artigo 24.º, n.º 2, do CPP, depende a competência do Tribunal “a quo”, ao contrário do que o que foi decidido, torna-se inevitável o reconhecimento da competência daquele Tribunal para proceder ao julgamento da alegada responsabilidade criminal do Arguido no que concerne ao factos que lhe são imputados no processo n.º …/…TELSB.
48.º - Ao julgar em sentido contrário violou a douta decisão recorrida os artigos 24.º, n.ºs 1 e 2, 30º, n.º 1, als. b) e c) do C.P.P. e os artigos 30.º, n.º 2 e 79.º, n.ºs 1 e 2, do CP na sua interpretação “conforme à Constituição”, bem como, os artigos 18.º, n.º 2, 29.º, n.º 5, 32.º, n.º 1 e 204.º, da CRP, e artigo 4.º do Protocolo n.º 7 à C.E.D.H..
49.º - Aplicaram-se na douta decisão recorrida os artigos 24.º, n.ºs 1 e 2, 30º, n.º 1, als. b) e c) do C.P.P. e os artigos 30.º, n.º 2 e 79.º, n.ºs 1 e 2, do CP, interpretados, singularmente ou de forma conjugada, no sentido de um Arguido poder ser sujeito a dois julgamentos em simultâneo, no âmbito de dois processos autónomos, pela prática do mesmo crime continuado.
50.º - Tal interpretação normativa é materialmente inconstitucional por violação dos artigos 18.º, n.º 2, 29.º, n.º 5 e 32.º, n.º 1, da CRP e do segmento processual do princípio do “ne bis in idem”, pelo que deveria, nos termos do artigo 204.º da CRP, ter sido recusada a respectiva aplicação pela douta decisão ora recorrida.
Notas:
[21]Cfr, J. J. Gomes Canotilho e Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa Anotada, 4.ª Edição Revista, Volume I, Coimbra Editora, pág. 497, em anotação ao artigo 29.º, n.º 5, da CRP.
[22] Cfr. Vânia Costa Ramos, in “Ne bis in Idem e Espaço de Liberdade Segurança e Justiça um Princípio Fundamental de Direito da União Europeia?” pág. 41 e 42.
[23] Como se entendeu dever suceder no douto despacho de 5 de Dezembro de 2014, a fls. 48.851, na parte onde se afirma que “Caso o arguido seja condenado nos presentes autos e se conclua, no âmbito do P.C.C. n.º …/…TELSB que os crimes pelos quais o arguido aí está a ser julgado se inserem numa continuação criminosa pelo qual já foi julgado, e condenado, nos presentes autos, naquele processo, o arguido teria de ser julgado para se apurar se praticou ou não os factos que lhe são imputados e daí se retirarem as adequadas consequências jurídicas.
Caso se venha a entender no âmbito do P.C.C. n.º …/…TELSB estar-se perante uma continuação criminosa já julgada nos presentes autos e pela qual o arguido foi condenado, dever-se-á – ponderado o grau de ilicitude dos factos na sua globalidade, o grau de culpa do arguido manifestada nos mesmos e as exigências preventivas especiais e gerais – proceder à determinação da medida concreta da pena, mantendo ou aumentando a pena anteriormente imposta.”
[24] Só assim haverá segurança jurídica e se tutelará a dignidade da pessoa humana que fundamenta a proibição de uma repetida perseguição penal dos mesmos factos.
[25] Acórdão do TRC de 06-12-2006, processo n.º 146/05.9GCVIS.C1, consultável em www.dgsi.pt
[26] Acórdão do TRL de 23-11-2012, processo n.º 308/10.7JELSB-5, consultável em www.dgsi.pt
[27] Acórdão do TRL de 23-11-2012, processo n.º 308/10.7JELSB-5, consultável em www.dgsi.pt

11. A fls. 50.422 a 50.425 e 51.820 a 51.824 foram proferidos despachos a admitir os recursos, com subida diferida, com o recurso da decisão que puser termo à causa, nos próprios autos e com efeito meramente devolutivo.

12. O Ministério Público respondeu aos recursos do arguido JO…, extraindo das suas contra-alegações, quer num caso, quer noutro, a seguinte conclusão (cfr. fls. 51.155 e 52.375):
Em consonância com as razões aqui repetidamente aduzidas e com as demais razões que a sustentam, a douta decisão recorrida fez correcta aplicação da lei, não tendo violado os preceitos legais e constitucionais invocados ex adverso ou quaisquer outros e, por isso, improcedem todas as conclusões formuladas na motivação do recurso do arguido JO….

13. O arguido, no seu recurso, manifestou expressamente interesse na manutenção destes recursos interlocutórios e na sua apreciação.

14. Apreciando.
Perante as conclusões do recorrente, a apreciação dos recursos ora em apreço passará pela indagação sobre se as decisões recorridas violaram os preceitos legais que regem sobre a competência por conexão, ao indeferir os requerimentos apresentados pelo arguido que visavam o reconhecimento da competência do Tribunal “a quo” para o julgamento conjunto com os presentes autos dos processos …/…TELSB e …/…TELSB.
Vejamos.
                                                   
15. No nosso ordenamento processual penal a competência do tribunal está definida em termos unitários, de modo a que, com pré-determinação, se possa fazer corresponder a cada crime/processo um tribunal competente.

i. Como se escreveu no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 6 de Outubro de 2004[61], A competência em processo penal - a cada crime corresponde um processo para o qual é competente o tribunal predeterminado em função das regras sobre competência material, funcional e territorial - é, por princípio, unitária, respondendo a exigências precisas de determinação prévia do tribunal competente, para prevenir a manipulação avulsa ou arbitrária de competência em contrário do respeito pelo princípio do juiz natural.”

ii. O Tribunal Constitucional, em numerosos Acórdãos, tem delimitado e esclarecido o âmbito normativo do princípio do juiz natural – exemplos dessa jurisprudência encontram-se nos respectivos Acórdãos nrs. 393/89, 614/2003, 162/2009, 21/2012, 482/2014, 596/2015, 41/2016 e 255/2018.
Pela clareza de exposição e relevância na delimitação da dupla vertente (positiva e negativa) do princípio, cumpre transcrever os ensinamentos vertidos no Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 614/2003[62], onde se lê:
O princípio do “juiz natural”, ou do “juiz legal”, para além da sua ligação ao princípio da legalidade em matéria penal, encontra ainda o seu fundamento na garantia dos direitos das pessoas perante a justiça penal e no princípio do Estado de direito no domínio da administração da justiça. É, assim, uma garantia da independência e da imparcialidade dos tribunais (artigo 203º da Constituição).
(…)
E, independentemente da distinção no princípio do juiz legal de um verdadeiro direito fundamental subjectivo de dimensões objectivas de garantia, pode reconhecer-se nesse princípio, desde logo, uma dimensão positiva, consistente no dever de criação de regras, suficientemente determinadas, que permitam a definição do tribunal competente segundo características gerais e abstractas.
Logo pela própria ratio do princípio, tais regras não podem, assim, limitar-se à determinação do órgão judiciário competente, mas estendem-se igualmente à definição, seja da formação judiciária interveniente (secção, juízo, etc.), seja dos concretos juízes que a compõem. E isto, quer na 1ª instância, quer nos tribunais superiores, e quer para o julgamento do processo penal, quer para a fase de instrução (referindo que o princípio se aplica igualmente ao juiz de instrução, v., além das decisões já citadas dos tribunais constitucionais alemão e italiano, entre nós, já Figueiredo Dias, Sobre o sentido…, cit., pág. 83, nota 3).
Assim, as regras de determinação do juiz, relevantes para efeitos da garantia do “juiz natural”, terão de incluir, não apenas regras constantes de diplomas legais, mas também outras regras que servem para determinar essa definição da concreta formação judiciária que julgará um processo – por exemplo, as relativas ao preenchimento de turnos de férias –, mesmo quando não constam da lei e antes de determinações internas aos tribunais (por exemplo, regulamentos ou outro tipo de normas internas). Trata-se, aqui, das referidas “determinações de procedimento referentes à divisão funcional interna (distribuição de processos)”, apontando, segundo Gomes Canotilho e Vital Moreira, “para a fixação de um plano de distribuição de processos”, pois, “embora esta distribuição seja uma actividade materialmente administrativa, ela conexiona-se com o princípio da administração judicial.

iii. É, pois, ao conjunto das regras, gerais e abstractas mas suficientemente precisas (embora possivelmente com emprego de conceitos indeterminados), que permitem a identificação da concreta formação judiciária que vai apreciar o processo (embora não necessariamente a do relator, a não ser que, como acontece entre nós, da sua determinação possa depender a composição da formação judiciária em causa), que se refere a garantia do “juiz natural”, pois é esse o alcance que é requerido pela sua razão de ser, de evitar a arbitrariedade ou discricionariedade na atribuição de um concreto processo a determinado juiz ou a determinados juízes.

iv. Para além desta dimensão positiva, incluindo o aspecto de organização interna dos tribunais, o princípio tem, igualmente, uma vertente negativa, consistente na proibição de afastamento das regras referidas, num caso individual – o que configuraria uma determinação ad hoc do tribunal.
Afirma-se, assim, a ideia de perpetuatio jurisdictionis, com “proibição do desaforamento” depois da atribuição do processo a um tribunal, quer a proibição de tribunais ad hoc ou ex post facto, especiais ou excepcionais – a qual deve, aliás, ser relacionada também com a proibição, constante do artigo 209º, n.º 4, da Constituição, de “existência de tribunais com competência exclusiva para o julgamento de certas categorias de crimes”, salvo os tribunais militares durante a vigência do estado de guerra (artigo 213º da Constituição).».

v. A regra de que a cada crime corresponde um tribunal competente e a sua raiz profunda no princípio do juiz natural, no entanto, não exclui a possibilidade de desvios, desde que legalmente previstos e com respeito pelas exigências deste princípio.
Esse desvio encontra-se legalmente previsto nos artigos 24º a 29º do Código de Processo Penal, preceitos que regem sobre a competência por conexão.
Como já assinalou o Tribunal Constitucional, também as regras sobre a competência por conexão devem ser interpretadas em conformidade com o princípio do juiz natural, constitucionalmente garantido no nº 9 do artigo 32º da Lei Fundamental. Isso mesmo, categoricamente, se afirmou no Acórdão do Tribunal Constitucional nº 839/1993[63], onde se lê: 
Importa aliás assinalar que na disciplina da competência por conexão, sem embargo de, em nome do princípio do juiz natural, se eliminar a discricionariedade na determinação do juiz competente, ainda assim se consentem alguns desvios aquele princípio estabelecidos de acordo com critérios predeterminados (cfr. artigos 24º e ss. do Código de Processo Penal).

vi. É também com enfoque na necessidade de se eliminar a possibilidade de soluções discricionárias, que no já referido Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 6 de Outubro de 2004 se sublinha que na competência por conexão há que respeitar exigências mínimas, forçosamente salvaguardadas. Preservadas estas, a regra da competência unitária pode sofrer adequações, previstas na lei e formadas segundo critérios objectivos, organizando-se um só processo para uma pluralidade de crimes, e assim afastando a competência primária relativamente a alguns dos crimes, desde que entre os vários crimes se verifique uma ligação que torne conveniente para melhor realização da justiça que todos os crimes sejam apreciados conjuntamente.

vii. Como ensina o Professor Germano Marques da Silva[64], a conexão é a ligação entre os crimes que determina excepções à regra de que a cada crime corresponde um processo e às regras de competência material, funcional e territorial, definidas em função de um só crime (…), consequentemente a denominada competência por conexão representa um desvio às regras normais de competência, em razão da organização de um único processo para uma pluralidade de crimes ou de apensação de vários processos que hão-de ser julgados conjuntamente.

viii. Porque, perante uma multiplicidade de crimes (diferentes crimes), a instauração e pendência de múltiplos processos não contende com os direitos de defesa do acusado (a circunstância de estarmos perante diferentes crimes, faz com que nos afastemos do domínio de aplicação do princípio ne bis in idem), a conexão de processos, como desvio às regras de competência primárias, é determinada por conveniências relacionadas com a realização da justiça.
A conexão funciona nos casos legalmente previstos em que existe, entre os crimes que hão-de ser julgados conjuntamente, uma tal ligação, que se presume que o esclarecimento de todos será mais fácil ou completo quando processados conjuntamente, evitando-se contradições de julgados e realizando-se, consequentemente, melhor justiça.
Nesse sentido, já se pronunciou o Tribunal Constitucional, designadamente no Acórdão n.º 21/2012[65], onde se pode ler:
A regra geral é a de que a cada crime corresponde um processo, para o qual é competente determinado tribunal, em resultado da aplicação das regras de competência material, funcional e territorial. Contudo, tendo em vista objectivos de harmonia, unidade e coerência de processamento, celeridade e economia proces­sual, bem como para prevenir a contradição de julgados, em certas situações pre­vistas nos artigos 24.º e 25.º do Código de Processo Penal, a lei admite alterações a esta regra, permitindo a organização de um único processo para uma pluralidade de crimes, exigindo-se, no entanto, que entre eles exista uma ligação (conexão) que torne conveniente para a melhor realização da justiça que todos sejam apre­ciados conjuntamente. (sublinhado nosso).
Dito de outra forma, como se encontra escrito no Acórdão da Relação de Guimarães de 21 de Novembro de 2016[66], a competência por conexão tem a sua razão de ser, essencialmente, na melhor realização da justiça, na conveniência da justiça e na celeridade e economia processuais, evitando a multiplicação de actos e diligências semelhantes.

16. Quais são, então, os casos legalmente previstos como situações de conexão?

i. Socorrendo-nos da síntese constante da Decisão do Juiz Presidente da Secção Criminal de Évora de 11 de Outubro de 2016 (proferida em sede de Conflito de Competência)[67], diremos que o C.P.Penal prevê nos artigos 24º, nº 1, e 25º, as seguintes situações de conexão, a que chama indistintamente conexão de processos:
- unidade de agente, mas pluralidade de crimes, corporizando um concurso de infracções (crimes cometidos através da mesma acção ou omissão; ou crimes ligados por relação de causa e efeito [“sendo uns causa ou efeito dos outros”]; ou crimes que sejam destinados a continuar ou ocultar outros) [artigo 24º, nº 1, als. a) e b)];
- pluralidade de agentes, em comparticipação e unidade de crime [artigo 24º, nº 1, al. c)];
-pluralidade de agentes em comparticipação e pluralidade de crimes, em concurso de infracções (crimes cometidos em comparticipação - através da mesma acção ou omissão; ou ligados por relação de causa e efeito; ou que sejam destinados a continuar ou ocultar outros) [artigo 24º, nº 1, al. d)];
- pluralidade de agentes e pluralidade de crimes cometidos reciprocamente, na mesma ocasião ou lugar [artigo 24º, nº1, al. e)];
- unidade de agente, mas pluralidade de crimes cujo conhecimento seja da competência de tribunais com sede na mesma comarca (artigo 25.º).

ii. As razões que movem o legislador na consagração das situações de “conexão de processos” do artigo 24º e do artigo 25º não são idênticas, muito embora se compreendam no universo das preocupações com a melhor realização da justiça.
Como se refere no Acórdão da Relação de Évora de 27 de Setembro de 2011[68], existe uma diferença qualitativa entre as causas de conexão enumeradas no nº 1 do art. 24º do CPP e a situação a que se refere o art. 25º do mesmo Código. Na primeira das disposições legais mencionadas, o legislador procurou assegurar que, sempre que possível, o mesmo acontecimento de vida real ou um processo histórico definido em função de um elemento relevante de unificação fosse julgado num único procedimento, evitando, por essa via, uma indesejável fragmentação dessa realidade, que poderia resultar de uma aplicação incondicional do paradigma «um crime – um processo – um arguido», que, até certo ponto, continua subjacente à vigente tramitação do processo penal. Trata-se de uma preocupação que tem por finalidade última garantir uma busca tão exaustiva quanto possível da verdade material e uma decisão substancialmente justa da causa.
Diferentemente sucede com a disposição do art. 25º do CPP. Neste último caso, a conexão de processos não tem na sua base qualquer afinidade genética entre os diferentes crimes conexos, mas obedece somente a imperativos de mera economia processual, mais precisamente evitar a pendência simultânea de mais do que um processo contra o mesmo arguido na mesma comarca.
Dito por outras palavras, a conexão do art. 25º é estritamente processual, enquanto a do nº 1 do art. 24º antes de ser processual é sobretudo substantiva.

iii. O caso de conexão subjectiva previsto pelo artigo 25º do Código de Processo Penal (solução introduzida no nosso compêndio processual penal com a Lei nº 59/98, de 25 de Agosto), não é configurado como dependente da verificação das circunstâncias previstas no artigo 24º, resultando claramente da letra da lei que os referidos preceitos estabelecem tipos de conexão diferentes e autónomos.

iv. Mas em qualquer das distintas situações de conexão, porque o escopo da solução legal é a melhor realização da justiça, não deixou o legislador processual penal de estabelecer limites à operabilidade dessa alteração das regras primárias sobre a competência do tribunal.
Assim, desde logo, o nº 2 do artigo 24º do Código de Processo Penal, estabelece: “A conexão só opera relativamente aos processos que se encontrarem simultaneamente na fase de inquérito, de instrução ou de julgamento.”.
Como refere o Conselheiro Henriques Gaspar[69], O desvio ao princípio e às normas gerais na conexão de processos só se justifica se e enquanto puder contribuir para a eficácia e a economia processual: a quebra das regras gerais tem de ser equilibrada pela proporcionalidade dos resultados na economia do processo. O nº 2 da norma fixa critérios estritamente procedimentais para coordenar a finalidade da conexão com a funcionalidade processual; por isso, a conexão só opera se for a mesma a fase em que os processos se encontrarem, pois só dentro da mesma fase pode ter eficácia a finalidade de economia processual cuja realização se pretende alcançar com as regras da conexão (…). De outro modo, afectar-se-iam desproporcionadamente a regular evolução e a dinâmica processual, retardando o andamento do processo que se encontrasse em fase mais adiantada, com os inerentes riscos de perturbação dos tempos de decisão.

v. Na delimitação deste obstáculo à operabilidade da conexão, revela-se de crucial importância o estabelecimento de marcos que delimitem as sucessivas fases, para os efeitos do disposto no artigo 24º, nº 2, do Código de Processo Penal. Neste domínio, mostra-se crucial resolver a questão de saber se, encontrando-se um dos processos em estado adiantado de julgamento e outro no seu início, se devem considerar na mesma fase processual, nos termos e para os efeitos do disposto no art.º 24.º, n.º 2, do C. P. Penal[70].

vi. A questão não é nova e, sendo a situação que a suscita de ocorrência frequente na prática dos tribunais, tem merecido a atenção da jurisprudência.

vii. Deverá assinalar-se, como fez o tribunal a quo na fundamentação das suas decisões, desde logo, a decisão do Presidente da Secção Criminal do Tribunal da Relação de Évora, proferida em sede de conflito negativo de competência, datada de 17 de Março de 2009[71].
Nessa decisão pode ler-se: Encontrando-se dois processos em fase de julgamento (…), entendemos (…) que a apensação deveria ter-se operado até ao início da audiência no processo a que se apensa.
A apensação tem por escopo a economia e a celeridade processual mas tem ainda por finalidade permitir ao Tribunal que julga uma percepção mais adequada dos factos e da personalidade do arguido.
Apensando-se processos quando num deles já se iniciou a audiência de discussão e julgamento, não só se põe em causa a celeridade processual mas a própria unidade da aquisição probatória e a continuidade da audiência. (…).
No mesmo sentido, deverá também ver-se o Acórdão da Relação do Porto de 8 de Março de 2017, que expressamente decidiu sobre a questão[72]. Nele pode ler-se o seguinte:
(…) não obstante o nº2 do artº 24º referir que «A conexão só opera relativamente aos processos que se encontrarem simultaneamente na fase de inquérito, de instrução ou de julgamento», estando as diferentes fases processuais previstas e separadas no Código de processo penal, sendo que na sistematização do Código de Processo Penal a fase do julgamento vai até à sentença, o certo é que se em relação às fases do inquérito e da instrução, o limite de cada uma dessas fases para se proceder à apensação é despacho final dessa fase, “ O processo encontra-se numa fase processual distinta quando foi dado o despacho final da fase anterior” […] no caso da fase do julgamento, terá de ser interpretado de forma restritiva o disposto no nº2 do artº 24º do CPP, sob pena de se frustrarem os motivos e benefícios processuais que afinal estão na base da apensação de processos.
E esses motivos e benefícios processuais, que levam a que se postergue o princípio de que a cada crime corresponde um processo, são como refere o conselheiro Henriques Gaspar essencialmente “da prática e das utilidades da economia processual, ligados com as condições para uma boa administração da justiça, tanto pela melhor possibilidade de produção de prova permitida pelo julgamento conjunto, como pela prevenção do risco de decisões contraditórias relativamente a infracções conexas”.[…]
Ora, o julgamento conjunto, e não sucessivo, pressupõe que todos os arguidos se encontram presentes desde o início da produção de prova, só assim podendo o tribunal apreciar conjuntamente a prova relativa aos arguidos em ambos os processos. Só desse modo podem todos os arguidos contraditar as provas relativas às infracções conexas que estivessem na base da determinação da apensação, e só assim o tribunal economiza meios relativamente à não repetição dos meios de prova. Dizer que não há provas conexas a apreciar, e que as provas do processo apensado nada têm a ver com as provas já produzidas, por respeitarem a diferentes infracções, é afinal reconhecer que inexistem os pressupostos da conexão, o que encerra em si uma contradição lógica.
Como tal, entendemos que o limite para a determinação da apensação de processos na fase do julgamento nos termos do artº 24º nº2 do CPP terá de ser necessariamente o início da produção das provas em julgamento, pois só desta forma são em plenitude respeitados os princípios do contraditório, da concentração da audiência e da economia processual. (sublinhados nossos).

17. Tal como nestas decisões, entendemos que o momento do início da produção das provas deverá marcar o limite até ao qual poderá operar a conexão de processos que se encontrem simultaneamente na fase de julgamento, sendo esta a única interpretação do disposto no artigo 24º, nº 2, do C.P.Penal que não contraria a exigência de vinculação temática do tribunal, sendo que nela se consubstanciam os princípios da identidade (segundo o qual os factos que integram o objecto do processo devem manter-se os mesmos, da acusação ao trânsito em julgado da sentença)[73], da unidade ou indivisibilidade (os factos devem ser conhecidos e julgados na sua totalidade, unitária e indivisivelmente).

i. Por outro lado, no que concerne às situações previstas no artigo 25º do C.P.Penal, igualmente e sempre com o escopo da melhor realização da justiça, devem encontrar-se limites à operabilidade da conexão.

ii. Sob pena de se comprometer o escopo legal, deve obstar-se ao funcionamento da conexão quando o mesmo implicar acréscimo de elementos no painel de arguidos do processo a que o(s) outro(s) seria(m) apensado(s).
Trata-se de interpretar o disposto no artigo 25.º do C.P.Penal no sentido de que o mesmo importa, em princípio, coincidência de acusado(s) e pluralidade de crimes cometidos pelo(s) mesmo(s) para cuja apreciação sejam competentes tribunais com sede na mesma comarca.

iii. Nesse sentido têm decidido os nossos tribunais superiores[74], podendo ver-se, entre outros[75] o Acórdão da Relação de Évora de 22 de Outubro de 2018, no qual, a propósito, se refere[76]:
(…) a questão a apreciar respeita à admissibilidade legal da apensação de processos e à verificação concreta dos pressupostos do artigo 25.º do CPP, na vertente do pressuposto da “unidade de agentes”.
Considera o recorrente Ministério Público que a apensação determinada nos autos viola o art. 25.º do CPP no que respeita à exigência implícita do pressuposto “unidade de agentes”. Sempre na tese do recorrente, a norma aplicada deve interpretar-se no sentido de a existência de um arguido novo não permitir a verificação do pressuposto “o mesmo agente”. (…)
«Esta é uma norma excepcional. Em princípio, a cada crime corresponde um processo. Tratando-se de um mesmo arguido, a alteração desta regra funda-se no benefício processual que pode existir na apreciação conjunta dos factos (maior economia processual) e bem assim, na compreensão que a apreciação conjunta pode permitir sobre a pessoa que está a ser julgada, suas motivações de vida e condições pessoais. (…)
Ora, (…) o artigo 25.º do Código de Processo Penal, pressupõe a existência de um único agente comum na prática dos crimes, e não de vários agentes (…). “A conexão prevista no artigo 25.º do C. P. Penal importa, em princípio, unidade de acusado e pluralidade de crimes cometidos pelo mesmo para cuja apreciação sejam competentes tribunais com sede na mesma comarca” – veja-se neste sentido o acórdão do Tribunal da Relação de Évora de 21-05-2015, processo 52/15.9YREVR, relator, Desembargador Fernando Ribeiro Cardoso, disponível em WWW.dgsi.pt.; Ainda, o Código de Processo Penal Anotado por Simas Santos e Leal-Henriques, Volume I, 2.ª edição, página 192. (…)
(…) por via de um arguido em comum alargar-se o processo a outro arguido que no processo não era acusado (…), tornando-o, por isso, mais amplo quanto ao número de pessoas a julgar e de mais penosa tramitação, não está compreendido no espírito da norma invocada para determinar a apensação. (…)
Acrescente-se que o elemento histórico de interpretação converge no mesmo sentido.
Dá nota Maia Gonçalves (em anotação ao art. 24º do seu CPP Anotado), que o actual regime da conexão de processos “rejeitou o alargamento irrestrito da conexão subjectiva em moldes idênticos aos previstos no CPP de 1929, geradores de situações de desaforamento (…)”. O sistema do CPP de 1929, como refere o mesmo anotador, “além de complicado era fonte de morosidade no andamento dos processos penais”.
Na verdade, o novo Código de Processo Penal procurou resolver um problema de excessiva morosidade e de ineficiência do sistema decorrente das regras de conexão de processos e de apensações do CPP de 1929. Sistema que, por exemplo, permitia que a um processo pendente contra um único arguido fossem apensados processos pendentes contra este e contra um número indeterminado de co-arguidos, e assim sucessivamente, sem limite.
De acordo com o preâmbulo do Decreto-Lei n.º 78/87 de 17 de Fevereiro, que aprovou o Código do Processo Penal actual, “a procura da celeridade e da eficiência”, “a aceleração processual”, “a representação - que se quis tão aproximada e verdadeira quanto possível - dos principais estrangulamentos e desvios registados na praxis dos nossos tribunais e responsáveis pela frustração de uma justiça tempestiva e eficaz” foram uma forte preocupação na elaboração do novo diploma.
O elemento histórico de interpretação converge assim no sentido sufragado. Ou seja, aponta para que se conclua que a norma-critério em causa (o art. 25º do CPP) foi pensada para prosseguir a compatibilização de interesses processuais legítimos, mas não de molde a permitir, em princípio, o alargamento irrestrito e descontrolado do “objecto do julgamento”.
Note-se que o alargamento do objecto do julgamento que decorre das regras de conexão de processos e da apensação processa-se sempre à custa do desaforamento de processos. E este é de natureza excepcional, o que contraria também o alargamento do sentido da interpretação.
Por último, também Henriques Gaspar adverte para que, “sendo regras objectivas de competência, os critérios de conexão não são discricionários nem manipuláveis pela (aparente) conveniência operativa”. E chama a atenção para a “rigorosa aplicação das regras de conexão” que reputa essenciais para “evitar a sobreposição e acumulação, que podem originar processos muito complexos na gestão e decisão (em “jargão”, os “mega-processos”) nos quais, em rigor, em alguns casos, podem não ter sido respeitados os critérios de determinação da competência por conexão” (CPP Comentado, António Henriques Gaspar e Outros, anot. art. 24º).
Daí que se conclua que (…) tal como se decidiu já no citado acórdão do TRE de 21-05-2015, «a conexão prevista no artigo 25.º do CPP importa, em princípio, unidade de acusado e pluralidade de crimes cometidos pelo mesmo para cuja apreciação sejam competentes tribunais com sede na mesma comarca».”.

iv. No mesmo sentido se decidiu no Acórdão da Relação do Porto de 8 de Março de 2017, supra referido, citando-se aí a decisão sumária proferida em 4/7/2014 pelo Juiz Presidente daquela Secção Criminal, Desembargador Francisco Marcolino - As razões que estão subjacentes à conexão processual [artº 25º do CPP], sejam as de evitar a repetição das mesmas provas e dos mesmos argumentos ou de evitar julgados contraditórios, não se colocam quando os arguidos dos processos são diferentes, havendo apenas um arguido em conjunto.

18. Tudo visto, desçamos ao caso concreto.

i. Perante os considerandos que supra se desenvolveram é imperioso concluir que se revela tarefa estéril a de, através do confronto dos respectivos despachos de pronúncia, aferir se, no caso destes autos e dos processos nº …/…TELSB e nº …/…TELSB, se encontram reunidos os pressupostos de qualquer uma das situações de conexão previstas nas alíneas a) a e) do nº 1 do artigo 24º.

ii. E igualmente se mostra destituída de interesse a discussão sobre a ocorrência de autoridade de caso julgado que, como pretende o recorrente, imponha nos autos a conclusão de que se verifica a conexão de processos, por via do trânsito em julgado do despacho, datado de 4.02.14, em que o Tribunal a quo se referiu aos factos destes autos e do processo …./…TELSB como materialmente conexos e declarou, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 133.º, n.º 1, al. a), do C.P.Penal, absolutamente impedido de depor como testemunha ACo…, co-arguido no processo n.º …/…TELSB.

iii. Mesmo que de tal análise e discussão resultasse a constatação de uma situação de conexão, sempre se imporia concluir pela presença dos obstáculos à operabilidade dessa conexão – aliás, em bom rigor, da reunião de todos os obstáculos que supra se referiram.
Efectivamente:
a. A produção de prova no âmbito dos presentes autos levava já mais de três anos, após o seu início, quando o recorrente veio requerer o julgamento conjunto, neste processo, do processo nº …/…TELSB e, por outro lado, mostravam-se decorridos mais de quatro anos quando o fez relativamente ao processo nº …/…TELSB. Ao longo de todo esse tempo foi produzida prova, de vastidão assinalável.
b. Acrescendo a circunstância de nestes processos …/…TELSB e …/…TELSB não se verificar a coincidência de arguidos com os presentes autos, encontrando-se neles pronunciadas pessoas que não são arguidos neste processo nº …/…TDLSB, mostram-se verificados todos os óbices à operabilidade da conexão, nos termos que supra se explanaram.

iv. E, note-se, não é atendível o argumento utilizado pelo recorrente, quando afirma que jamais requereu que se “importassem” para este processo “novos arguidos”, tendo, isso sim, requerido apenas que neste se reunissem todas as imputações dos arguidos coincidentes.
Tal desiderato, como é evidente e o recorrente não ignora, passaria por separação de processos, quer no processo nº …/…TELSB, quer no nº …/…TELSB, prosseguindo esses processos nos tribunais a que as regras primárias fizeram atribuir competência.
Trata-se de solução que não serviria o propósito de alcançar a boa realização da justiça e que, sobretudo, se mostra proibida pelas normas legais que regulamentam a possibilidade de separação de processos.
Vejamos porquê.

v. A possibilidade de proceder à separação de processos é excepcional, estando as hipóteses que a lei prevê enunciadas de modo taxativo no artigo 30º do Código de Processo Penal, em cujo nº 1 se estabelece:
1 – Oficiosamente, ou a requerimento do Ministério Público, do arguido, do assistente ou do lesado, o tribunal faz cessar a conexão e ordena a separação de algum ou alguns processos sempre que:
a) Houver na separação um interesse ponderoso e atendível de qualquer arguido, nomeadamente no não prolongamento da prisão preventiva;
b) A conexão puder representar um grave risco para a pretensão puni­tiva do Estado, para o interesse do ofendido ou do lesado;
c) A conexão puder retardar excessivamente o julgamento de qualquer dos arguidos; ou
d) Houver declaração de contumácia, ou o julgamento decorrer na ausência de um ou alguns dos arguidos e o tribunal tiver como mais conveniente a separação de processos.

vi. Tal carácter excepcional do mecanismo da separação de processos tem merecido acolhimento na jurisprudência do Tribunal Constitucional, podendo a título exemplificativo, referir-se o já supra citado Acórdão nº 21/2012, onde se lê (com sublinhado nosso):
Uma vez operada a conexão, em determinadas situações poderá vir a ter lugar a separação de processos, verificados certos pressupostos.
Entendeu-se que mantendo cada crime a sua autonomia e sendo a jun­ção num único processo justificada pela procura de uma melhor justiça, se dessa junção resultar maior dano do que benefício, deve essa unidade processual desfa­zer-se (neste sentido, Germano Marques da Silva, em “Curso de processo penal”, vol. I, pág. 201, da 5.ª ed., da Verbo).

vii. No mesmo sentido se pronunciam os nossos Tribunais Superiores, podendo ver-se, a título exemplificativo o que foi recentemente decidido por este Tribunal da Relação de Lisboa, no Acórdão de 4 de Outubro de 2018[77]. Por oposição à previsão legal dos casos de conexão, referem-se neste acórdão os (…) casos de procedimento inverso, designados de separação de processos, para os casos em que já se mostra operada a conexão, sendo previstas determinadas situações nas quais, verificados certos pressupostos, se admite a constituição de processos distintos, quer em função de determinado segmento de factos (por exemplo factos mais antigos e em risco de prescrição) quer em função das pessoas de certos arguidos e dos factos imputados aos mesmos. Entendeu-se que mantendo cada crime a sua autonomia e sendo a junção num único processo justificada pela procura de uma melhor justiça, se dessa junção resultar maior dano do que benefício, deve essa unidade processual desfazer-se (neste sentido, ainda Germano Marques da Silva, no citado "Curso de Processo Penal").”.
E acrescenta-se: O artigo 30.°, n.º 1, do CPP contém a descrição taxativa dos casos em que é admissível ao tribunal fazer cessar a conexão e ordenar a separação de processos.

viii. Na alínea a) do nº 1 do artigo 30º está prevista a possibilidade de separação de processos no interesse do arguido – esta possibilidade deve fundar-se num interesse “ponderoso e atendível”, sendo disso exemplo o interesse, expressamente indicado naquela alínea, de evitar o prolongamento da prisão preventiva.

ix. Não sendo esse o interesse do arguido recorrente (posto que já não sujeito a regime coactivo detentivo aquando da formulação dos seus requerimentos), poderemos enquadrar como interesses ponderosos e atendíveis os que foram invocados pelo arguido JO…?

x. Cumpre, desde logo, sublinhar que no recurso o arguido abandonou o argumento que utilizara ao requerer a apensação dos processos e que se prendia com a possibilidade de obter o “desconto” do tempo de prisão preventiva ou domiciliária – cfr. conclusão 10ª do recurso relativo ao processo …/…TELSB – mostrando-se convencido pela fundamentação utilizada pelo Tribunal a quo[78].

xi. Insiste, no entanto, o recorrente que o julgamento conjunto dos factos dos três processos constitui a única forma de se salvaguardar o respeito pelo princípio ne bis in idem, perante a possibilidade de se estar perante “o mesmo crime” na forma continuada (artigo 30º, nº 2 do Código Penal).

xii. Trata-se, no entanto, de argumentação falaciosa, sendo que jamais a referida “possibilidade” poderá ser olhada como interesse “ponderoso e atendível”, capaz de autorizar a separação de processos (por não ser sequer um facto processualmente relevante para esse efeito).
Como bem assinalou o Tribunal a quo, aquela ideia de “bis”, a ser ponderada enquanto “litispendência” (mesmos factos e mesmo crime), poderá, enquanto excepção, ser invocada no processo cujo julgamento se inicia posteriormente, sendo igualmente certo que a possibilidade abstracta de verificação da figura de crime continuado integrado pela factualidade de que é pronunciado nos vários processos, sempre será questão a suscitar e resolver fora do primeiro processo, após o trânsito em julgado da decisão nele proferida.
Não estando formalmente imputada ao arguido recorrente, na multiplicidade de processos, um único e mesmo crime continuado, mas antes infracções autónomas, não pode, sem mais, presumir-se a verificação de continuação criminosa. Como escreveu o Tribunal “a quo”: caso o arguido seja condenado nos presentes autos e se conclua, no âmbito do P.C.C. n.º …/…TELSB que os crimes pelos quais o arguido aí está a ser julgado se inserem numa continuação criminosa pelo qual já foi julgado, e condenado, nos presentes autos, naquele processo, o arguido teria que ser julgado para se apurar se praticou ou não os factos que lhe são imputados e daí se retirarem as adequadas consequências jurídicas”.

xiii. Aliás, diremos nós, é com a realização do julgamento posterior que se apura se o arguido em questão cometeu determinados factos susceptíveis de serem enquadrados como consubstanciadores de parcela(s) integrada(s) na continuação criminosa já julgada. Feito esse novo julgamento (que jamais será a sujeição a novo julgamento pelo mesmo crime, posto que a infracção é imputada com autonomia) e constatada a circunstância de se estar perante mais uma (ou várias) parcela(s) da continuação criminosa já julgada, deverá, na decisão do processo julgado posteriormente, extrair-se a solução de Direito (para a qual não será indiferente a circunstância de as novas parcelas terem sido descobertas após a condenação inicial ou, pelo contrário, serem circunstâncias já previamente conhecidas).

xiv. Sendo essa a via para conhecimento e apreciação da questão a que o próprio recorrente chama “possibilidade de crime continuado”, não pode lançar-se mão de uma solução que subverta as regras de repartição da competência dos vários tribunais chamados a decidir, sob pena de desaforamento violador do princípio do juiz natural.  

xv. Não assistindo ao arguido recorrente um interesse ponderoso e/ou atendível para que seja determinada a separação no âmbito dos processos …/…TELSB e …/…TELSB, ocorrem, isso sim, razões para que a conexão operada nestes processos se mantenha, posto que neles, ao conjunto dos arguidos ali pronunciados, é imputada a prática de crimes em co-autoria (caso de conexão por pluralidade de agentes, em comparticipação, e unidade de crime - artigo 24º, nº 1, al. c, do C.P.Penal).

xvi. Para além da inexistência de interesse ponderoso e atendível do requerente, na verdade, não se vislumbra qualquer outra causa de separação de processos, quer no âmbito do processo …/…TELSB, quer no âmbito do processo …/…TELSB – não se vê como a conexão existente possa representar um grave risco para a pretensão puni­tiva do Estado, para o interesse do ofendido ou do lesado, tal como não se vê como a mesma encerre a possibilidade de retardar excessivamente o julgamento de qualquer dos arguidos, não tendo ocorrido declaração de contumácia.

19. Aqui chegados, importa concluir.

i. A separação de processos no âmbito dos Procs. nº …/…TELSB e nº …/…TELSB, a que o recorrente faz apelo, não pode ter lugar, por completa ausência de fundamento legal.

ii. A não ocorrer tal separação, o reconhecimento da competência por conexão para julgamento conjunto, neste processo, dos Procs. nº …/…TELSB e nº …/…TELSB implicaria, assim, o alargamento do painel de arguidos. Os novos arguidos, “importados” para o processo, não tendo acompanhado a produção de prova que decorria há anos, encontrar-se-iam numa situação diversa dos demais (necessariamente de desfavor).

iii. Para essa situação, qualquer das possíveis saídas traria resultados desastrosos e inconciliáveis com os mais basilares princípios do processo penal:
a) Ou a ultrapassagem de tal situação de desfavor implicava a repetição da toda a prova já produzida (ao longo de vários anos), colocando em completa crise os princípios da continuidade e concentração da audiência, comprometendo-se de modo irreversível as pretensões punitivas do Estado;
b) Ou a permanência dessa situação de desfavor, no âmbito de um julgamento conjunto de todos os arguidos (primitivos e novos), comprometeria inelutavelmente as garantias de processo justo e equitativo.

20. Em sede final e encerrando a apreciação das questões aqui propostas, cabe-nos apenas referir que as interpretações cuja inconstitucionalidade o arguido reclama não foram perfilhadas nem por este tribunal, nem pelo tribunal “a quo”, como se constata pela leitura do que acabámos de deixar exarado.
Tais invocados sentidos normativos não tiveram, pois, aplicação no presente caso.

21. Por tudo isto, bem andou o tribunal “a quo” ao indeferir os requerimentos do arguido JO…, não declarando a sua competência por conexão para efeitos do art. 24º do C.P.P. e para proceder ao julgamento conjunto do arguido requerente e de quaisquer outros também pelas infracções imputadas nos procs. nº …/…TELSB e nº …/…TELSB.

                                                        *
15º - Apreciação do despacho de fls. 52.088 a 52.091, que julgou não impedida de prestar depoimento a testemunha AV… (recurso interposto pelo arguido JO…).

1.  Por despacho proferido em 30 de Junho de 2015 foi decidido que a testemunha AV… não estava impedida de depor nos presentes autos nessa qualidade, por não estarem verificados os pressupostos do artigo 133º, nº 1, al. a), do C.P.Penal e, consequentemente, designou-se data para a respectiva inquirição (cfr. 52.077 e segs. e, mais precisamente, o trecho de fls. 52.088 a 52.091).

2. Esse despacho tem o seguinte teor:
Fls. 51076 (informação do DCIAP – processo de inquérito n.º …/…TELSB, relacionada com o eventual impedimento absoluto de AV… ser inquirido nos presentes autos na qualidade de testemunha), fls. 51420 a 51422 (posição do M.P. relativa a esta matéria) e fls. 51448 a 51450 (posição do arguido OC… sobre a mesma problemática):
Aquando da sua inquirição (v. acta de fls. 49845 a 49847) a testemunha informou:
“(…) foi constituído arguido no processo de inquérito n.º …/…TELSB, não conseguindo precisar a data em que foi constituído arguido nesse processo.
Não se recorda se quando prestou declarações em Abril de 2013 neste Julgamento se, na altura, já tinha sido constituído ou não arguido. Mais esclarece que o processo em causa está pendente na secção única do DCIAP e diz respeito a factos relacionados com o BPN, embora não saiba quais os factos concretos pelos quais estará indiciado”.
Proferido despacho (v. fls. 49846 – frente e verso) que determinou várias diligências no sentido de aferir se a testemunha está ou não impedida de depor nos presentes autos nessa qualidade, o DCIAP informou (v. fls. 49995) que o “processo …/…TELSB diz respeito ao registo de uma Carta Rogatória, já devolvida, ao Juzgado Central de Instruccione n.º …, da Audiência Nacional de Madrid, Proc. Abreviado …/…”, fazendo-se referência somente a um arguido, designadamente “MA…”.
Por isso, pelo despacho de fls. 50405 e 50406 decidiu-se que AV… não estava impedido de depor nestes autos na qualidade de testemunha.
Porém, pelo requerimento de fls. 50621 a 50625 a testemunha esclareceu que não foi constituída arguida no identificado processo que havia sido indicado por lapso, mas sim no processo de inquérito n.º …/…TELSB pendente do DCIAP.
Face ao esclarecimento prestado, pelo despacho de fls. 50855 renovou-se integralmente o despacho de fls. 49846 (frente e verso), agora por referência ao processo de inquérito n.º …/…TELSB.
Na sequência do solicitado, informou o DCIAP/processo em referência (fls. 51076):
“(…) informa-se (…) de que nos presentes autos ainda não foi deduzido despacho final e que está apenas em causa no processo, a venda e remuneração de um produto financeiro, alegadas contas de investimento.
Remete-se cópia do TIR de AV…, informando-se ainda que é também arguido nos presentes autos JO….”
Após esta informação, pelo despacho de fls. 51160 a 51162, o Tribunal decidiu não declarar AV… impedido de depor nos presentes autos na qualidade de testemunha “por não estarem verificados os pressupostos a que alude o art. 133º, n.º 1, al. a) do C.P.P.”.
Porém, pelo requerimento de fls. 51305 a 51307 e motivação dele constante o arguido OC… requereu que fosse “declarada a irregularidade processual decorrente da violação do artigo 327º, n.º 1 do C.P.P. em que incorreu” o despacho de fls. 51160 a 51162 “na parte em que, sem prévio contraditório, apreciou a questão jurídica relativa ao eventual impedimento absoluto da testemunha AV…, com fundamento na previsão do artigo 133º, n.º 1, al. a) do C.P.P.”
Pelo despacho de fls. 51312 proferido na sessão de julgamento do dia 19.5.2015 foi deferida a irregularidade processual suscitada pelo arguido OC… e, na sequência disso, dado sem efeito a inquirição da identificada testemunha e concedido o prazo de 5 dias em ordem a que os sujeitos processuais se pronunciassem quanto ao teor do ofício de fls. 51076 do DCIAP.
Pronunciou-se o M.P. pelo requerimento de fls. 51420 a 51422 onde, resumidamente, sustenta:
1) Os factos da pronúncia destes autos e a factualidade do processo n.º …/…TELSB não integram crimes que estejam numa qualquer das relações de conexão previstas no artigo 24º, n.º 1 do CPP, até porque, na pronúncia dos presentes autos não existe qualquer referência àquela aplicação financeira designada contas investimento;
2) Não são os depoimentos prestados neste julgamento com referências à aplicação financeira denominada contas investimento que têm o condão de estabelecer uma relação de conexão entre qualquer dos crimes da pronúncia destes autos e os crimes daqueloutro processo atinentes à venda remuneração das contas investimento;
Também o arguido OC… se pronunciou pelo requerimento de fls. 51448 a 51450, em síntese, com a seguinte fundamentação:
1) As “contas investimento” não constando expressamente do articulado da pronúncia foram já repetidamente referenciadas em audiência de julgamento como tendo sido financiadas por duas sociedades referidas na pronúncia, a JARED e a VENICE;
2) Consta alegado no artigo 73º da pronúncia que “as entidades VENICE, SOLRAC e JARED foram utilizadas como veículos de financiamento de outras sociedades e pessoas, através de saques a descoberto, bem como serviram de centros de custos, contribuindo de forma fictícia para o aumento dos resultados financeiros do grupo BPN/SLN, uma vez que permitiram a omissão de registo de custos”, tendo algumas testemunhas referido as contas investimento “como um exemplo dos custos do BPN SA que foram parqueados na JARED e na VENICE”;
3) A esse respeito a denominada “demonstração de resultados” da sociedade JARED junta aos autos no apenso temático F, fls. 215 a 217 do pdf, refere que aquela sociedade suportou com “custos com contas investimento” o valor de € 32.584.561,10, montante que se encontra “reflectido no saldo da JARED a que se refere o artigo 217º da pronúncia”.
Cumpre decidir:
Dispõe o art. 133º, n.º 1, al. a) do C.P.P. que “estão impedidos de depor como testemunhas o arguido e os co-arguidos no mesmo processo ou em processo conexos, enquanto mantiverem a qualidade”
Se é certo que a testemunha AV… foi constituída arguido no processo de inquérito n.º …/…TELSB, da informação “supra” não resulta qualquer conexão formal e/ou material entre os factos em investigação naquele processo e os que são objecto de julgamento nos presentes autos.
Com efeito o alegado produto financeiro “contas de investimento” não é mencionado, directa ou indirectamente, em qualquer facto da pronúncia deduzida nos presentes autos.
A circunstância de algumas testemunhas inquiridas em sede de Julgamento terem referido as “contas investimento” como um dos exemplos de financiamento da JARED, VENICE e SOLRAC não é, de modo algum, suficiente para estabelecer a conexão formal e material a que alude o art. 24º do C.P.P. entre os dois processos.
É certo, como bem refere o arguido OC…, que o art. 73º da pronúncia identifica a sociedade offshore JARED como “veículo de financiamento de sociedades e pessoas”.
Não se olvida que as chamadas “contas investimento” alegadamente terão sido um dos beneficiários desse financiamento.
Porém no mesmo documento mencionado pelo arguido (apenso temático F, fls. 215 a 217 pdf), além das chamadas “contas investimento” estão identificados mais 90 “items” de pessoas singulares/sociedades/actos que terão sido objecto de financiamento pela Jared.
A circunstância de nalgum processo-crime se investigar algum destes financiamentos não estabelece, só por si, qualquer conexão com a factualidade constante da pronúncia objecto deste julgamento.
Permite, de facto, considerando para tanto o disposto no art. 73º da pronúncia, estabelecer uma ligação indirecta com a factualidade objecto do julgamento destes autos, o que é completamente distinto da conexão a que alude o art. 24º do C.P.P.
O arguido, salvo o devido respeito por outra opinião, justifica sem dúvida essa ligação mas, de forma alguma, estabelece a conexão entre os dois processos nos termos em que esta é definida pelo referido preceito.”
Tanto que assim é que, volta-se a salientar, em todo o articulado da pronúncia as denominadas “contas investimento” não são mencionadas uma única vez.
Em resumo, não existem quaisquer elementos que permitam concluir pelos pressupostos de conexão a que alude o art. 24º do C.P.P..
Assim sendo, decide-se:
1) Por não estarem verificados os pressupostos a que alude o art. 133º, n.º 1, al. a) do C.P.P. não se declara AV… impedido de depor nos presentes autos na qualidade de testemunha;
2) Aquando da notificação deste despacho e do expediente de fls. 51076 e 51077 aos sujeitos processuais, notifique-se ainda a testemunha AV… do teor do mesmo despacho na parte pertinente;
3) Para a inquirição da testemunha AV… designa-se o próximo dia 7 de Julho de 2015, pelas 14.00 H.

3. Inconformado, o arguido jo… interpôs recurso desse despacho, pugnando pela revogação da decisão recorrida e concluindo que, consequentemente deverá ser:
a) Revogado o douto despacho, datado de 30.06.15, no qual se decidiu que não se encontrava absolutamente impedida de depor a Testemunha AV…;
b) Declarado o impedimento absoluto da Testemunha AV…, com fundamento na previsão do artigo 133.º, n.º 1, al. a), do CPP;
c) Declarado que o depoimento produzido pela Testemunha AV…, nas diferentes audiências em que prestou depoimento, realizadas nos dias 23.04.2013, 17.05.2013, 18.06.2013, 2.07.2013 e 10.07.2015, por esta ter assumido a qualidade de co-Arguido no processo conexo n.º …/…TELSB desde o dia 20.11.2012 (v.d. TIR do mesmo naqueles autos junto a fls. 51.077), não poderá ser valorado no douto Acórdão final e, caso o seja, deverá o mesmo ser revogado, ordenando-se a baixa dos autos ao Tribunal de primeira instância para que a decisão sobre a matéria de facto seja tomada sem a possibilidade de valoração de tal depoimento.

4. O arguido extraiu da motivação (cf. fls. 52.974 e segs.) as seguintes conclusões (encontrando-se reproduzidas, no final do bloco de conclusões, as respectivas notas de rodapé, cuja numeração originária se manteve, assinalando-se a ausência de conteúdo da nota 8):
1.º - Está em causa a questão jurídica relativa ao eventual impedimento absoluto da Testemunha AV…, com fundamento na previsão do artigo 133.º, n.º 1, al. a), do CPP, com base na informação do DCIAP de que aquela Testemunha é co-Arguido no processo-crime n.º …/…TELSB, relativo às denominadas “contas investimento”, processo onde o ora Requerente é também Arguido.
2.º - As denominadas “contas investimento” (produto financeiro disponibilizado pelo BPN, SA aos seus clientes), não constando expressamente do articulado da pronúncia, foram já repetidamente referenciadas em Audiência de Julgamento como um dos custos do BPN, SA que foram financiados por duas sociedades referidas na pronúncia, a JARED e a VENICE (cuja posição devedora foi depois transferida para a SOLRAC), o que a douta decisão recorrida reconhece.
3.º - Consta alegado no artigo 73.º da pronúncia que “73º - As entidades VENICE, SOLRAC e JARED foram utilizadas como veículos de financiamento de outras sociedades e pessoas, através de saques a descoberto, bem como serviram de centros de custos, contribuindo de forma fictícia para o aumento dos resultados financeiros do grupo BPN/SLN, uma vez que permitiram a omissão do registo de custos”, tendo, entre outras, as Testemunhas Ajo… e PS… referido as referidas “contas investimento” como um exemplo dos custos do BPN, SA que foram parqueados na JARED e na VENICE.
4.º - A esse respeito a denominada “demonstração de resultados” da sociedade JARED, junta aos autos no Apenso Temático F, fls. 215 a 217 do pdf, refere que aquela sociedade suportou com “custos com contas investimento” o valor de euros: 32.584.561,10 (trinta e dois milhões quinhentos e oitenta e quatro mil e quinhentos e sessenta e um euros e dez cêntimos), o que é corroborado pelo Relatório constante do Apenso Temático “F” dos autos, pág. 28 (fls. 29 do pdf).
5.º - Este valor encontra-se, por isso, reflectido no saldo devedor da conta da sociedade JARED, a que se refere o artigo 217.º da pronúncia, onde se lê “- JARED FINANCE, conta nº …, montante de 40.336.918,15€,” (saldo que chegou a ser de mais de 60.000.000,00€), conforme documento junto ao requerimento do Arguido, através do qual o mesmo se pronunciou sobre o impedimento da Testemunha AV….
6.º - Por outro lado, resulta dos autos que todas as posições da sociedade VENICE foram assumidas pela sociedade SORAC [7], que pagou todo o saldo devedor resultante do crédito concedido (através de CCC) à VENICE, o que levou a investigação a constituir um Apenso Bancário 109 denominado “VENICE CAPITAL consolidada com a SOLRAC” [8].
7.º - Analisado aquele Apenso Bancário 109, que aqui se dá como reproduzido, verificam-se no mesmo inúmeras operações a débito e a crédito relativas às “contas investimento”.
8.º - Pelo que, os presentes autos devem ser julgados conexos com o processo-crime pendente n.º …/…TELSB relativo às denominadas “contas investimento”.
9.º - Nem se diga, como se refere na douta decisão recorrida, que “O arguido, salvo o devido respeito por outra opinião, justifica sem dúvida essa ligação mas, de forma alguma, estabelece a conexão entre os dois processos nos termos em que esta é definida pelo referido preceito.
Tanto que assim é que, volta-se a salientar, em todo o articulado da pronúncia as denominadas “contas investimento” não são mencionadas uma única vez.
Em resumo, não existem quaisquer elementos que permitam concluir pelos pressupostos de conexão a que alude o art. 24º do C.P.P..”
10.º - De facto, se o que está em causa nos presentes autos é, neste aspecto (conforme resulta expressamente do artigo 73.º da pronúncia), a criação de centros de custos destinados a aumentar de forma fictícia os resultados do grupo BPN/SLN, através da omissão do registo de custos. Tal imputação pretende, em síntese, atacar a fidedignidade das contas apresentadas pelo BPN e pela SLN nos diversos anos a que reporta a pronúncia dos autos.
11.º - Tais factos poderão, desde logo, ser subsumidos à prática da contra-ordenação denominada de “falsificação da contabilidade” (p. e p. na alínea g) do artigo 211º do RGICSF) e o crime de falsificação (artigo 256.º, n.º 1, als. a) e e) e n.º 3 do C. Penal) das contas das sociedades BPN, SA, da BPN-SGPS, SA (enquanto sub-holding da área financeira do grupo SLN) e da própria SLN-SGPS, SA, enquanto sociedade holding onde eram consolidados os resultados das suas participadas.
12.º - Ora, o Arguido, ora Recorrente, vem, nos presentes autos, pronunciado pela prática de um crime de falsificação, necessariamente continuado, “por referência ao conjunto da sua actuação no que se refere ao forjar de documentos e de registo de movimentos bancários e contabilísticos” (Cfr. pág. 535 e 536 do despacho de pronúncia) entre os anos de 2000 a 2008.
13.º - Por seu lado, a realidade das “contas investimento” tem sido punida tanto ao nível contra-ordenacional (proc.º n.º …/…/CO), como investigada ao nível criminal no processo n.º …/…TELSB, em processos que são necessariamente conexos com os dos presentes autos.
14.º - Conforme consta dos autos, ao nível contra-ordenacional, as contas investimento deram já origem ao processo do Banco de Portugal (doravante BdP) n.º …/…/CO, onde, por Decisão datada de 24 de Setembro de 2013 foi aplicada ao ora Recorrente coima de 300.000,00 (trezentos mil euros) (v.d. fls. 328 da decisão do BdP que consta impressa no Apenso Tem. AN, Vol. 3, que contém a Decisão do BdP).
15.º - Nessa mesma Decisão do BdP foi aplicada à Testemunha AV… uma coima por responsabilidade no processo atinente às “contas de investimento”, pela prática da contra-ordenação decorrente da violação de regras contabilísticas p. e p. no artigo 211.º, n.º 1, al. g), do RGICSF, no valor de euros: 25.000,00 (vinte cinco mil euros).
16.º - O “reflexo do produto “contas investimento” na contabilidade” do BPN, SA, no BPN-SGPS, SA e na SLN-SGPS, SA, consta detalhado nas páginas 120 a 122 da decisão condenatória proferida pelo BdP, no processo n.º …/…/CO, nos pontos 160.108 a 160.129, podendo, especificamente, ler-se:
a) No ponto “160.115. Não tendo sido, em qualquer momento constituída uma provisão pela diferença entre o valor de reembolso acordado com os clientes e o justo valor dos títulos afectos aos clientes, o BPN ocultou responsabilidades assumidas perante os seus clientes, com as referidas aplicações financeiras, no valor de 31.2M€, no período compreendido entre 1999 e 2008.”;
b) No ponto “160.127. A contabilidade do BPN era organizada ao nível do próprio Banco, estando a sua elaboração organicamente separada da elaboração da BPN-SGPS e da SLN.”;
c) No ponto “160.128. A contabilidade da BPN-SGPS, ao incluir, em base consolidada, a contabilidade do BPN, também não apresentava uma imagem fiel e verdadeira da sua situação financeira e patrimonial.”; e
d) No ponto “160.129. O mesmo valendo para a contabilidade da SLN, que igualmente não reflectia os elementos patrimoniais e extrapatrimoniais acima referidos.” (v.d. Ap. Tem. “AN”, Vol. 3)
17.º - A origem da alegada viciação das contas do BPN, SA e das contas consolidadas do BPN-SGPS, SA e da SLN-SGPS, SA é, assim, abordada sob diferentes perspectivas nos presentes autos, no processo n.º …/…/CO do BdP e no processo de inquérito n.º …/…TELSB do DCIAP, mas, em todos os casos, se imputa ao Arguido, ora Recorrente, no mesmo período temporal, a preparação e/ou aprovação voluntárias de contabilidades consolidadas não reveladoras da real situação patrimonial e resultados das sociedades por si representadas ou, nas palavras da pronúncia dos autos, o “forjar de documentos e de registo de movimentos bancários e contabilísticos”, designadamente, através da criação de “centros de custos, contribuindo de forma fictícia para o aumento dos resultados financeiros do grupo BPN/SLN, uma vez que permitiram a omissão do registo de custos”;
18.º - Nesse mesmo processo contra-ordenacional (n.º …/…/CO do BdP), onde outros Arguidos aí constituídos e acoimados (entre as quais a SLN (Galilei) e o BPN SGPS SA) recorreram para o Tribunal da Concorrência, Regulação e Supervisão, tendo o processo assumido o n.º …/…YUSTR, foi proferida douta Sentença, datada de 16/01/2015 mantida da íntegra por douto Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, datado de 31 de Julho de 2015, podendo ler-se neste último (a fls. 564/5) o seguinte:
“Veja-se quanto à contabilidade da BPN SGPS o referido na sentença a fls. 1058 que aqui se reproduz: “Assim, durante o período de 1999 a 2008, mas mais especificamente de 2001 a 2008, o BPN SGPS, ao não incluir na sua contabilidade de base consolidada uma imagem verdadeira e fiel da sua situação patrimonial, imagem esta decorrente da viciação da contabilidade do BPN, SA. (cfr. número 128, dos factos provados, que por sua vez originava contas que consolidavam no BPN SGPS), apresentava uma falsificação das contabilidade de nível consolidado tal qual o BPN.
Ou seja, ao consolidar contas decorrentes de contabilidade falsificada, a própria contabilidade a nível consolidado transmitia, ao longo do tempo, uma realidade que era completamente diferente da que deveria transmitir”.
E quanto à contabilidade da Galilei SGPS o referido a fls. 1070 da sentença: “Assim, durante o período de 1999 a 2008, a SLN, ao não incluir na sua contabilidade de base consolidada uma imagem verdadeira e fiel da sua situação patrimonial, imagem esta decorrente da viciação da contabilidade do BPN, SA. (cfr. número 128, dos factos provados, que por sua vez originava contas que consolidavam no BPN SGPS), apresentava uma falsificação das contabilidade de nível consolidado tal qual o BPN SGPS, que consolidava na SLN”.
É quanto basta para concluir que independentemente dessas “Contas de Investimento” terem existido na esfera do BPN desde 1997, quanto a estas duas pessoas colectivas, BPN SGPS e SLN SGPS, o Tribunal a quo considerou os pressupostos temporais da infracção em termos correctos, assinalando o carácter reiterado da mesma, que se prolongou ao longo de vários exercícios (todos os anos se falseou a contabilidade por via da omissão das contas de investimento nessa contabilidade).” (Doc.s 1 e 2).
19.º - Assim, estando ali em causa a falsificação do consolidado da contabilidade da SLN-GSPS, SA, onde consolidava o BPN-SGPS, SA, que previamente consolidava o BPN, SA, entidade onde em primeira linha de verificavam os “reflexos” da não contabilização do produto das contas investimento [9], é manifesto que, quanto a Arguidos que fossem Administradores do BPN, SA, como é o caso do Arguido e da Testemunha AV…, os presentes autos consubstanciam um “processo conexo” com o inquérito n.º …/…TELSB.
20.º - De facto, salvo o devido respeito, que é muito, se inequivocamente se imputa na pronúncia dos autos aos Arguidos uma estratégia de criação de “centros de custos” do Grupo BPN/SLN que alegadamente permitiram aumentar, de forma fictícia, os resultados desta instituição financeira e, consequentemente, os resultados da BPN-SGPS,SA (sub-holding da área financeira) e da própria SLN-SGPS, SA, vertidos na sua contabilidade consolidada enquanto “holding” do Grupo (onde eram aglutinados os resultados das diversas “sub-holdings” correspondentes às diversas áreas de negócio desenvolvidos pelo Grupo, como o imobiliário, o financeiro, o hoteleiro e outros), torna-se evidente que o processo-crime relativo ao produto financeiro das “contas investimento”, alegadamente financiado pelas sociedades JARED e VENICE (que mais tarde transmitiu a sua posição de credora à sociedade SOLRAC), é conexo com os presentes autos, por visar directamente a alegada “falsificação” das mesmas contabilidades a que reportam os presentes autos.
 21.º - Na decisão do BdP no processo n.º …/…/CO, datada de 24 de Setembro de 2013, foi aplicada à Testemunha AV… uma coima por responsabilidade no processo atinente às “contas de investimento”, pela prática da contra-ordenação decorrente da violação de regras contabilísticas p. e p. no artigo 211.º, n.º 1, al. g), do RGICSF, no valor de euros: 25.000,00 (vinte cinco mil euros) (v.d. fls. 45.756 (fls. 137 do pdf) do Vol. 146 – que contém a Decisão do BdP em CD, decisão esta impressa no Ap. Tem. “AN”, Vol. 3).
22.º - Conforme consta da informação prestada pelo DCIAP a fls. 51076, no processo-crime n.º …/…TELSB, em que a Testemunha AV… é co-Arguido juntamente com o ora Recorrente, está em causa exactamente a mesma matéria de facto, as denominadas “contas investimento”, cujos custos não foram alegadamente registadas nas diversas contabilidades e terem sido parqueados nas sociedades JARED, VENICE e SOLRAC, e daí o impedimento da Testemunha.
23.º - Conforme defende Paulo Pinto de Albuquerque, em anotação ao artigo 133.º, do C.P.P. “Se é certo que o arguido no processo conexo tem o direito constitucional à descoberta da verdade material como decorrência do princípio da dignidade da pessoa humana (neste sentido, acórdãos do TC n.ºs 394/89, n.º 101/95, n.º 443/95, n.º 584/96, n.º 1165/96 e n.º 1183/96) e aquele direito ficaria gravemente comprometido no caso de se admitir uma prova testemunhal prestada sob o constrangimento de o co-arguido chamado a depor como testemunha se encontrar acusado de factos com uma relação de conexão com aqueles sobre os quais tem de depor. Dito de outro modo, a falta de liberdade do depoimento da testemunha contamina de tal modo a prova testemunhal produzida que as garantias da defesa do arguido no processo onde foi produzida a dita prova ficam irreversivelmente feridas” [10] (“negrito” nosso).
24.º - No sentido de que a razão subjacente ao impedimento absoluto do co-Arguido em processo conexo é o seu envolvimento com os factos, que põe em causa a isenção e credibilidade de um tal meio de prova, decidiu-se já no douto despacho, datado de 5.12.13, proferido pelo Tribunal “a quo”, que aqui se dá como integralmente reproduzido [11].
25.º - Pelo que, como bem referiu o Tribunal “a quo” no douto despacho, já transitado (“supra” citado), a razão do impedimento de que se cuida é ausência de “fidedignidade” do depoimento que por este viesse a ser prestado, fidedignidade que se acha inequivocamente afectada pela circunstância da Testemunha em causa ser co-Arguida no processo-crime n.º …/…TELSB, relativo a matéria de facto indissociável com a dos presentes autos.
26.º - A Testemunha AV… foi administrador do BPN, SA desde o ano de 2004 e até 19 Junho de 2008 (v.d. fls. 9693 (pág. 337 do pdf) e seguintes, Vol. 23 dos autos principais) sendo, por isso, co-responsável pelas contas daquela Instituição Financeira durante aquele período, tendo-se recusado a depor a instâncias do Advogado do Arguido, ora Recorrente, relativamente à única pergunta que o mesmo lhe pretendeu colocar aquando da sua contra-instância no dia 10.07.2015, tendo o Tribunal “a quo” permitido a formulação da pergunta e autorizado a recusa à sua resposta por parte da Testemunha por haver perigo de auto responsabilização para a mesma, conforme consta da gravação da sessão da manhã da audiência de julgamento realizada nesse dia, com início na respectiva gravação à 1h06m10s, transcrita na motivação “supra”).
27.º - Assim sendo, salvo o devido respeito e melhor opinião, sendo os créditos às sociedades JARED, VENICE e SOLRAC (qualificadas pela pronúncia como “centros de custos” do BPN/SLN) concedidos pelo Banco Insular, que financiaram, entre outros custos, os que resultaram da comercialização do produto financeiro denominado por “contas investimento” disponibilizado pelo BPN, SA, torna-se manifesto que os presentes autos são conexos com o processo-crime n.º …/…TELSB, o que se torna indiscutível se verificarmos que as contabilidades do BPN, SA, BPN-SGPS, SA e SLN-SGPS, SA, enquanto documentos alegadamente “falsificados” é a mesma que, nos mesmos anos civis de 2000 a 2008, deixou de reflectir os custos das “contas investimento” e viu melhorados os seus resultados, por tais custos serem parqueados em “centros de custos” expressamente identificados na pronúncia dos autos.
28.º - Ao julgar em sentido contrário, violou o douto despacho recorrido os artigos 24.º, n.º 1, 133.º, n.º 1, al. a), do CPP.
29.º - Ao invés do decidido deveria a douta decisão recorrida ter julgado absolutamente impedida de depor a Testemunha AV…, por ser co-Arguido no processo-crime n.º …/…TELSB desde o dia 20.11.2012 (v.d. TIR do mesmo naqueles autos junto a fls. 51.077), declarando a impossibilidade de valoração do depoimento anteriormente prestado pela Testemunha nas sessão de julgamento realizadas nos dias 23.04.2013, 17.05.2013, 18.06.2013, 2.07.2013 e 10.07.2015.
31.º - Tendo sido produzido um meio de prova legalmente proibido deverá o Tribunal Superior declarar que o depoimento produzido por esta Testemunha, nas diferentes sessões de Julgamento, não poderá ser valorado e, caso o seja no douto Acórdão final, deverá ser ordenada a baixa dos autos ao Tribunal de primeira instância para que a decisão do Tribunal seja tomada sem a possibilidade de valoração do mesmo.
NOTAS:
[7] “(…) na prática, o passivo da Solrac resulta de movimentos efectuados nas contas da Venice antes de 2003 (…)”, conforme resulta da análise  constante no documento junto autos principais, denominado “Braga 6”, fls. 110, equivalente ao documento constante do apenso 33 localizável através do seguinte caminho:
 P:\4910_08.9\11\CD Dados 2\Grupo de Trabalho - Projecto César\Grupo G\Relatório(NI21-2008)_Grupos G e E.PDF
[9] Conforme consta da Sentença judicial proferida e acima citada “o BPN nunca reflectiu na rubrica “92 – Compromissos perante terceiros” os montantes dos compromissos assumidos perante os clientes relativamente ao reembolso do capital por estes entregues e da remuneração contratada.”
[10] Paulo Pinto de Albuquerque, em anotação ao artigo 133.º, ob. cit. pág. 355.
[11]Despacho que é parte integrante da acta da Audiência de Julgamento de dia 5.12.13.

5. O recurso foi admitido (fls. 53.349 a 53.350) e determinada a sua subida diferida, com o recurso que pusesse termo à causa, nos próprios autos e com efeito meramente devolutivo.
6. O MºPº apresentou resposta, extraindo as pertinentes conclusões (fls. 53567), que têm o seguinte teor (pugnando pela improcedência do recurso e, consequentemente, pela manutenção da decisão recorrida, ainda que, parcialmente, por fundamentos diversos daqueles que a sustentaram):
1ª – Quem não é arguido em processo-crime e seus processos apensos, sendo arguido em processo-crime conexo, não está absolutamente impedido de depor como testemunha naquele processo;
2ª - Mas, apenas pode depor naquele processo no qual não é arguido se nisso expressamente consentir.
Por outro lado,
3ª - Os crimes da pronúncia destes autos, por um lado, e o(s) crime(s) objecto do processo de inquérito n.º …/…TELSB cuja factualidade respeita “a venda e remuneração de um produto financeiro, alegadas contas de investimento”, não estão entre eles numa relação de conexão relevante face aos critérios legais que estão plasmados no artigo 24º do CPP;
4ª – Por isso, face ao disposto no artigo 134º do CPP, AV…, arguido no indicado processo n.º …/…TELSN, não está impedido, absoluta ou relativamente, de depor em julgamento nestes autos.
5ª – A douta decisão recorrida bem decidiu ao não declarar a testemunha AV… impedida de depor nos presentes autos, não tendo, pois, violado qualquer preceito legal, designadamente os invocados ex adverso nas improcedentes conclusões da motivação de recurso do arguido recorrente – artigos 24º e 133º ambos do CPP[79].

7. O arguido, no seu recurso, manifestou expressamente interesse na manutenção deste recurso interlocutório e na sua apreciação.

8. Apreciando.
A questão que aqui cumpre apreciar resume-se a saber se o processo crime nº …/…TELSB deve ser considerado um “processo conexo” nos termos e para os efeitos do artigo 133º, nº 1, al. a), do Código de Processo Penal.
Entende o recorrente que a resposta à questão enunciada deverá ser positiva e que, por isso, ocorria no presente processo impedimento da inquirição de AV… como testemunha.
Vejamos então.

9.  Forçoso é concluir que, em grande medida, na apreciação deste recurso voltamos à matéria já apreciada a propósito do recurso interposto pelo arguido ora recorrente e outros do despacho de fls. 41.633 (recurso interlocutório nº4), que julgou não impedida de prestar depoimento a testemunha TP…. Isso mesmo determina que, sinteticamente, se reiterem algumas das considerações ali expendidas.
 
i. Assim reafirmamos que a ratio do artigo 133º, nº 1, al. a), do Código de Processo Penal[80] se prende com a necessidade de estender o direito ao silêncio ao co-arguido e aos que ocupem a posição de arguido em processo conexo, permitindo-se que estes se defendam não revelando, através de testemunho sobre facto de outro, qualquer circunstância que possa comprometer a sua posição.

ii. Mais uma vez afirmamos que nos movemos no âmbito das garantias constitucionais relativas à proibição da indefesa, inerentes ao processo equitativo imposto pelo artigo 20.º, n.º 4, da Constituição e, muito particularmente, no âmbito do direito à não auto-incriminação, cujos contornos o Tribunal Constitucional tem explicitado em diversos arestos[81].

iii. Como já antes referimos, sendo uma das vertentes de consagração do princípio nemo tenetur no plano infraconstitucional, o sentido e alcance do regime estabelecido no artigo 133º do C.P.Penal torna-se mais claro se tivermos em atenção os deveres associados ao estatuto processual de testemunha, por confronto com as prerrogativas inerentes ao estatuto de arguido – nesse domínio revisite-se o que supra se escreveu a propósito daqueloutro recurso e, designadamente, o que se citou do douto Acórdão do Tribunal Constitucional nº 108/2014[82].

10. Adquirido o enquadramento do regime previsto no artigo 133º, nº 1, al. a), e nº 2, do Código de Processo Penal, e sempre mantendo presente que tal regulamentação deverá ser lida como expressão do princípio nemo tenetur se ipsum accusare[83], cumpre, em face dos contornos do objecto do recurso ora em apreciação, averiguar qual o objecto do processo crime nº …/…TELSB, onde figurava como arguido a aqui testemunha AV…, para se concluir se deve ou não ser considerado um “processo conexo” com os presentes autos.
Essa tarefa revela-se essencial, uma vez que o critério determinante do âmbito do impedimento é o da ligação entre as imputações ou, usando as palavras da Lei, a circunstância de estarmos perante “arguidos do mesmo crime ou de um crime conexo”.

11. Como já antes se escreveu, não é a simples circunstância de a testemunha ser arguido num qualquer processo em que lhe é imputada uma qualquer infracção, que lhe garantirá o benefício do impedimento para não se ver sujeito às apertadas obrigações do estatuto de testemunha.
Apenas beneficiará do impedimento a testemunha que for arguido do mesmo crime que se aprecia no processo em que foi chamado a depor ou de um crime conexo com esse.

12. Vejamos pois se a imputação criminal feita a AV… no processo nº …/…TELSB constitui infracção idêntica ou conexa perante os crimes imputados nos autos aos aqui arguidos. Trata-se de descortinar se existe nexo entre as imputações e qual a natureza do mesmo.

i. Esse nexo relevará como motivo de impedimento se entre as imputações ocorrer identidade de objecto processual (ou, nos termos da lei, quando se trate do mesmo crime), mas também quando perante diversidade do objecto processual, ocorrer conexão entre as imputações (no dizer da lei, crimes conexos).

ii. Mais uma vez afirmamos que na delimitação do conceito de imputação conexa (ou, na terminologia do Código de Processo Penal, “crime conexo”), seguimos o entendimento expresso por António Medina de Seiça sobre os casos de conexão relevantes[84].
Assim, os casos de conexão previstos no artigo 24º do Código de Processo Penal, manifestam a ratio do impedimento e, não constituindo um catálogo fechado das situações atendíveis, constituem um quadro orientador na definição de “crime conexo”, densificando o conceito legal cujo preenchimento, no fundo, deverá depender da “existência entre as imputações dos vários arguidos de um nexo que justifique o direito a não ser constrangido a prestar declarações na forma de testemunho”.
Deste modo, com o autor citado, reafirmamos que “excluindo, naturalmente a hipótese prevista na alínea a), enquanto referida a uma situação de arguição singular, o fundamento do impedimento verifica-se nos casos em que o mesmo crime foi cometido por vários agentes em comparticipação, podendo dizer-se ser este o seu campo de eleição. Incluem-se aqui todos os casos de comparticipação definidos na lei substantiva (cf. Arts. 26º e 27º do CP) e as situações de participação necessária. O mesmo vale para a hipótese de vários crimes serem cometidos por vários agentes em comparticipação. Também a circunstância de as imputações dos arguidos respeitarem a crimes que sejam causa e efeito dos outros ou se destinem a continuar ou ocultar outros (como o favorecimento pessoal, o auxílio material ao criminoso e a receptação), cai dentro do âmbito da proibição do testemunho”[85].
E, repetimos, tal como o autor citado, tendemos a considerar abrangidos pelo impedimento os casos de “crimes cometidos reciprocamente”, caindo a situação no âmbito do artigo 133º, nº 1, al. a), do CPP nas situações em que ocorre comunhão processual (em que os intervenientes assumem simultaneamente as posições de arguido e ofendido), e no âmbito do artigo 133º, nº 2, do mesmo código, caso não haja comunhão processual. Uma vez mais, com o citado autor, admitimos a possibilidade de haver fundamento para o funcionamento do impedimento quanto à situação de “vários arguidos terem cometido uma pluralidade de crimes na mesma ocasião ou lugar”, tudo dependendo da verificação de uma ligação que torne necessária a concessão aos diversos arguidos da tutela do impedimento (“assim quando o testemunho de um arguido sobre um crime de outro arguido possa contribuir para a recolha de elementos sobre o seu próprio crime”[86]).  

iii. Aqui chegados, desçamos ao caso concreto e vejamos o que era imputado a AV… no processo-crime nº …/…TELSB[87].
Como informou nos autos o DCIAP – cfr. ofício de fls. 51076 – o objecto do processo nº …/…TELSB correspondia apenas aos factos relacionados com a “venda e remuneração de um produto financeiro”, as “contas investimento”.
Recorde-se que também sobre tal produto financeiro, o Banco de Portugal (BdP) instaurou o processo de contra-ordenação nº …/…/CO, sendo que nele, entre outros e para além do ora recorrente, figurou como arguido AV….

iv. Resumindo-se às circunstâncias referentes às “contas investimento” os contornos da imputação feita a AV… no processo-crime nº …/…TELSB, impõe-se concluir pelo acerto da decisão recorrida, perante a inexistência de nexo relevante como motivo de impedimento para depor como testemunha nos presentes autos, uma vez que relativamente às imputações feitas aos arguidos deste processo nº .../…TDLSB não ocorre identidade de objecto processual ou, sequer, conexão entre as imputações.

v. Como se disse na decisão recorrida:
O alegado produto financeiro «contas de investimento» não é mencionado, directa ou indirectamente, em qualquer facto da pronúncia deduzida nos presentes autos.
A circunstância de algumas testemunhas inquiridas em sede de Julgamento terem referido as “contas investimento” como um dos exemplos de financiamento da JARED, VENICE e SOLRAC não é, de modo algum, suficiente para estabelecer a conexão formal e material a que alude o art. 24º do C.P.P. entre os dois processos.
É certo, como bem refere o arguido OC…, que o art. 73º da pronúncia identifica a sociedade offshore JARED como «veículo de financiamento de sociedades e pessoas».
Não se olvida que as chamadas «contas investimento» alegadamente terão sido um dos beneficiários desse financiamento.
Porém no mesmo documento mencionado pelo arguido (apenso temático F, fls. 215 a 217 pdf), além das chamadas “contas investimento” estão identificados mais 90 «items» de pessoas singulares/sociedades/actos que terão sido objecto de financiamento pela Jared.
A circunstância de nalgum processo-crime se investigar algum destes financiamentos não estabelece, só por si, qualquer conexão com a factualidade constante da pronúncia objecto deste julgamento.
Permite, de facto, considerando para tanto o disposto no art. 73º da pronúncia, estabelecer uma ligação indirecta com a factualidade objecto do julgamento destes autos, o que é completamente distinto da conexão a que alude o art. 24º do C.P.P.
O arguido, salvo o devido respeito por outra opinião, justifica sem dúvida essa ligação mas, de forma alguma, estabelece a conexão entre os dois processos nos termos em que esta é definida pelo referido preceito.

13. Efectivamente, e tal como já antes se disse relativamente à testemunha TP…, constata-se serem completamente distintos os objectos processuais – debalde se procurará na pronúncia destes autos uma referência às “contas investimento”, universo de que exclusivamente se preenchia o objecto do processo nº …/…TELSB. Não são as pontualíssimas referências genéricas que na pronúncia se fazem à sociedade Jared Finance que, por si, conduzem à sobreposição dos objectos processuais em apreço.

i. Nos presentes autos as imputações feitas aos arguidos, traduzem-se na comissão dos seguintes crimes:
- Abuso de confiança (retirada e apropriação, para si e para terceiros, de fundos do Grupo BPN/SLN), p. p. pelo art°. 205°, n°1, n° 4 al. b) e n° 5 do Código Penal;
- Burla qualificada (indução em erro ou engano das entidades (accionistas), cujo património lhes competia administrar, directa ou indirectamente), p. p. pelo art°. 217°, 218°, n°1 e n°2 al. a) do Código Penal;
- Falsificação de documento (forjar de documentos e de registo de movimentos bancários e contabilísticos), p. p. pelo art° 256°, n°1 al. a) e e) e n°3 do Código Penal;
- Infidelidade (violação das normas de gestão, com a consequente lesão dos interesses patrimoniais das entidades administradas), p. p. no art. 224° do Cod. Penal;
- Branqueamento de capitais, p. p. no art. 368°A, nrs. 1 e 2 do Código Penal;
- Fraude fiscal qualificada, p. p. nos arts. 103° e 104º do RGIT ;
- Aquisição ilícita de acções, p. e p. no art. 510°, nº 1, por referência aos arts. 317°, nº 2, e 325°, nº 1, do Código das Sociedades Comerciais.

ii. Sem qualquer apoio na informação fornecida aos autos, pretende o recorrente que se encontre uma similitude de infracções nos dois processos-crime em causa, no plano da falsificação de documentos, que, em seu entender, determinaria a conexão entre o objecto dos presentes autos e do processo nº …/…TELSB[88]. E para justificar tal conexão, faz apelo ao objecto do processo contra-ordenacional nº …/…/CO do BdP, pretendendo que nele e no processo nº …/…TELSB se cura do mesmo (já que ambos se ocupam das “contas investimento”).

iii. Porém, como já antes vimos aquando da apreciação do impedimento da testemunha TP…, tratam-se, no plano contra-ordenacional e no plano criminal, realidades distintas, “pedaços de vida” distintos, incidentes sobre bens jurídicos autónomos e diferenciados, com propósitos de tutela que não se confundem. Como se referiu, nas infracções contra-ordenacionais como as que conformaram o objecto do processo nº …/…/CO do BdP, apenas se atende à relação específica entre instituição financeira e autoridade supervisora, no sentido de se pretender que haja transparência e verdade nos elementos que a primeira fornece à segunda, de modo a habilitar esta última a ajuizar se as regras de carácter administrativo que impõe para o exercício da actividade daquelas instituições e sociedades, estão a ser cumpridos - a finalidade da norma sancionatória é a de cumprimento pelas sociedades bancárias e financeiras, das regras de conduta que lhe são administrativamente impostas.
Diverso é, no crime de falsificação de documento, o bem jurídico tutelado - nomeadamente a protecção da confiança e segurança, em sede de tráfico probatório, no que respeita a determinados tipos de documentos, de modo a que qualquer pessoa (ou mesmo o Estado), possa confiar na sua veracidade, em sede de relações jurídicas nos quais os mesmos se mostrem relevantes. 

14. Aqui chegados, podemos concluir que o objecto do processo nº …/…TELSB era dissemelhante das imputações feitas aos arguidos destes autos, não se vislumbrando, por outro lado, qualquer relevante conexão entre as imputações dos dois processos - não se encontra nexo que permita afirmar qualquer dos casos de conexão de infracções a que alude o artigo 24º do Código de Processo Penal.

15. E mais - não se encontra nexo entre as infracções que justifique o direito de AV… a não ser constrangido a prestar declarações na forma de testemunho sobre o objecto dos presentes autos (sendo claríssimo que deste objecto não fazem parte as contas investimento).
Assim sendo, impõe-se concluir pela improcedência do recurso interposto, na justa medida em que inexistia conexão que tornasse necessária a concessão a AV… da tutela do impedimento.

                                                       *
16º  e 17º - Apreciação do despacho de fls. 52.226 a 52.228 (que indeferiu a arguição de irregularidade processual, quanto à alteração parcial da ordem legal de produção de prova no sentido de se ouvirem as testemunhas de defesa CA…, AG… e AI…, previamente à inquirição da testemunha de acusação IF… ou à apreciação do eventual impedimento desta) e do despacho de fls. 53108 a 53131 que, considerando prejudicadas as requeridas diligências junto do processo …/…TELSB e indeferindo as inconstitucionalidades materiais invocadas pela arguida IC…, julgou IG… absolutamente impedida de depor nos presentes autos na qualidade de testemunha (recursos interpostos respectivamente pelos arguidos JO… e IC…).
    
I.  

1. Por despacho proferido em 30 de Junho de 2015, a fls. 52.092 e 52.093, foi decidido:
Inquirição das testemunhas CA…, AG… e AI…:
Já foram inquiridas à matéria da acusação, faltando a sua inquirição à matéria da defesa de alguns arguidos que as arrolaram.
É certo que ainda falta a inquirição de uma testemunha de acusação, designadamente de IG…, testemunha que igualmente foi arrolada pela defesa dos arguidos VM…, IC… e FB….
Porém, no tocante a esta testemunha, bem como no que respeita às testemunhas TA… e JVi… (estas últimas duas arroladas pela defesa), não obstante as inúmeras diligências desenvolvidas junto do DCIAP de que se dá conta no despacho de fls. 51827 e 51828, o Tribunal aguarda há mais de 4 meses que o DCIAP preste as informações solicitadas e necessárias em ordem a aferir-se se estas 3 testemunhas estão ou não absolutamente impedidas de depor nos presentes autos nessa qualidade (art. 133º, nº 1, al. a), do C.P.P.).
Por conseguinte, atento o tempo já decorrido e a falta de resposta e não obstante, em abstracto, ainda poder haver uma testemunha de acusação por inquirir (IG…), caso esta não esteja absolutamente impedida de depor, impõe-se designar datas para a inquirição das testemunhas CA…, AG… e AI… à matéria da defesa dos arguidos que as arrolaram.
Desiderato que pretende imprimir, novamente, celeridade processual nos presentes autos em ordem a finalizar um julgamento complexo e longo.
Pelo exposto e razões aduzidas e dando-se aqui integralmente por reproduzidos os fundamentos constantes do despacho de fls. 46552 a 46560[89] (matéria de direito), decide-se:
1) Determinar a alteração da ordem legal de produção de prova no sentido de se proceder à inquirição das testemunhas CA…, AG… e AI… à matéria da defesa dos arguidos que as arrolaram (art. 348º, nº 2, do CPP), sem prejuízo do direito de os arguidos de, após inquirição da testemunha de acusação ainda em falta – IG… – e, obviamente, caso esta venha a ser inquirida, requererem a reinquirição de alguma(s) testemunha(s) de defesa se assim o entenderem como útil e necessário à sua defesa;
2) Consequentemente, procede-se ao seguinte agendamento (…);
3) Notifique-se convocando-se pela via mais expedita (“cota” nos autos do resultado das diligências), sem prejuízo do envio de carta para o efeito.
 
2. Notificados os sujeitos processuais de tal decisão, o arguido JO… veio, em 6 de Julho de 2015, a fls. 52207 a 52209, arguir a irregularidade do despacho proferido em 30 de Junho de 2015, tendo deduzido as seguintes pretensões:
Pelo exposto, nos termos do artigo 123.º do CPP, requer que seja declarada a irregularidade processual decorrente da violação do artigo 327.º, n.º 1, do CPP, em que incorreu o douto despacho, datado de 30.06.15, na parte em que, sem prévio contraditório, apreciou a questão jurídica relativa à alteração parcial da ordem legal de produção de prova no sentido de se ouvirem as Testemunhas CA…, AG… e AI… à matéria da defesa dos arguidos que as arrolaram (art. 348.º, n.º 2, do C.P.P.), quando ainda não foi ouvida a Testemunha de acusação IF… ou apreciado o seu eventual impedimento.
Mais requer que, anulado aquele segmento decisório do douto despacho de datado de 30.06.2015, seja notificado o Arguido e demais sujeitos processuais para, no prazo de cinco dias, se pronunciarem sobre a questão jurídica relativa à alteração parcial da ordem legal de produção de prova no sentido de se ouvirem as Testemunhas CA…, AG… e AI… à matéria da defesa dos arguidos que as arrolaram (art. 348.º, n.º 2, do C.P.P.) quando ainda não foi ouvida a Testemunha de acusação IF… ou apreciado o seu eventual impedimento.

3. Após tal requerimento do arguido JO…, foi proferido despacho datado de 8 de Julho de 2015, no qual, para além de se declarar o impedimento absoluto de IG… para depor nos presentes autos na qualidade de testemunha, se indeferiu a arguição de irregularidade do despacho datado de 30.06.2015 (cfr. trecho constante de fls. 52226 a 52228), com os seguintes fundamentos:
Fls. 52207 a 52209 (requerimento do arguido OC… – arguição de irregularidade processual do despacho de fls. 52092 e 52093): (…)
Salvo o devido respeito por outra opinião o Tribunal não cometeu a irregularidade processual a que alude o arguido OC….
Pelo despacho em causa (v. fls. 52093) o tribunal deu “integralmente por reproduzidos os fundamentos constantes do despacho de fls. 46552 a 46560 (matéria de direito)”.
Nesse despacho pelo qual o Tribunal se pronunciou sobre a “alteração da ordem de produção de prova”, a final, decidiu “determinar a alteração da ordem legal de produção de prova no sentido de se iniciar a inquirição das testemunhas de defesa sem que esteja terminada a inquirição de todas as testemunhas de acusação (art. 348º, n.º 2 do C.P.P.), sem prejuízo do direito dos arguidos de, após inquirição das testemunhas de acusação ainda em falta, requererem a reinquirição de alguma(s) testemunha(s) de defesa se assim o entenderem como útil e necessário à sua defesa”.
A questão então decidida é a mesma da vertida agora no despacho sob censura, designadamente a de saber se o tribunal pode ou não determinar a inquirição de testemunhas de defesa sem que esteja esgotada a inquirição das testemunhas arroladas pela acusação.
Ora, sobre esta questão, o Tribunal antes de proferir o despacho de fls. 46552 a 46560 havia permitido o pertinente contraditório a todos os sujeitos processuais tendo, aliás, o arguido OC… manifestado a sua posição pelo requerimento de fls. 46119 a 46128.
Estando em causa a mesma questão jurídica e tendo tido todos os sujeitos processuais a oportunidade de se pronunciar sobre a mesma, aliás, o que fizeram (M.P. e assistentes – fls. 46099 a 46103 e 46085 e 46086; arguido JMo… – fls. 46080 a 46082; arguido RC… – fls. 46114 a 46118; arguido OC… – fls. 46119 a 46128; arguido JM… – fls. 46131; arguido FS… – fls. 46134; arguido FB… – fls. 46153 a 46156; e arguido LA… – fls. 46158 a 46161) não faria qualquer sentido conceder um novo contraditório para o mesmo efeito, pois tal traduzir-se-ia num ato processual manifestamente inútil (art. 3º, n.º 3 do C.P.C. “ex vi” art. 4º do C.P.P.).
Porém, ainda que assim não se entenda, o que é facto é que pelo despacho supra, quanto à IG… foi declarado o impedimento absoluto para depor nos presentes autos na qualidade de testemunha.
Com a declaração deste impedimento não há quaisquer outras testemunhas de acusação que possam ser inquiridas nestes autos.
Vale o exposto por dizer que a ter-se verificado – o que somente por mera hipótese de raciocínio se admite - a irregularidade processual suscitada pelo arguido OC…, o efeito pretendido com a mesma fica manifestamente prejudicado com a decisão “supra” pelo qual se declarou a IG… absolutamente impedida de depor nos presentes autos na qualidade de testemunha.
Termos em que, em face do exposto e pelas razões aduzidas, decide-se:
1) Indeferir a irregularidade processual suscitada pelo arguido OC… a fls. 52207 e 52208; (…).

4. O despacho datado de 8 de Julho de 2015 (integralmente proferido a fls. 52221 a 52228) foi notificado aos sujeitos processuais na sessão de audiência de julgamento realizada na manhã daquele mesmo dia.

5. Notificados desse despacho, os arguidos IM… e JO…, na referida sessão de julgamento, arguiram a irregularidade processual do mesmo, por violação do artigo 327.º, n.º 1, do C.P.Penal, no segmento em que se declarava o impedimento absoluto de IG… para depor nos presentes autos na qualidade de testemunha, sustentando que não podia o Tribunal assim decidir sem antes assegurar o contraditório quanto à questão.
Após deliberação do Tribunal Colectivo, foi proferido despacho que reconhecendo a verificação da arguida irregularidade, a declarou, ordenando ainda a notificação de todos os sujeitos processuais para, querendo, se pronunciarem sobre o eventual impedimento de IG…, JVi… e TA… de deporem nos presentes autos na qualidade de testemunhas, pelo facto de serem arguidos no Processo eventualmente conexo n.º …/…TELSB (…).

6. Na sequência desta última decisão e sempre na mesma sessão de julgamento, foi requerida pela defesa do arguido JO… aclaração sobre se se mantinham válidos os pressupostos do despacho de 08.07.2015, designadamente na parte em que se indeferiu a arguição de irregularidade do despacho datado de 30.06.2015.

7. Novamente após deliberação do Tribunal Colectivo, foi proferido despacho em que se considerou prejudicado e insubsistente o último fundamento utilizado para indeferimento da irregularidade processual arguida em face do despacho de 30.06.2015 (i. e., a circunstância de IG… ter já sido declarada impedida para depor como testemunha), mas plenamente válidos os demais fundamentos de indeferimento de tal arguição, designadamente por todos os sujeitos processuais terem tido oportunidade de se pronunciarem sobre a questão da alteração parcial da ordem de produção de prova no sentido de serem ouvidas as testemunhas de defesa antes de esgotado o rol das testemunhas de acusação, não fazendo qualquer sentido dar novo contraditório para esse efeito.

8. Inconformado com o teor da decisão datada de 8 de Julho de 2015 (proferida a fls. 52226 a 52228, que indeferiu a arguição de irregularidade do despacho datado de 30.06.2015), aclarado pelo despacho proferido na sessão de julgamento da mesma data, o arguido JO… interpôs recurso, pugnando por que seja:
a) Revogado o douto despacho, datado de 8.07.15, a fls. 52.221 a 52.228 do Vol. 174 dos autos principais (que apreciou a irregularidade processual arguida pelo ora Recorrente relativamente ao douto despacho, datado de 30.06.15, que consta a fls. 52.077/52.094, onde se determinou a alteração parcial da ordem de produção da prova sem prévio contraditório), aclarado pelo douto despacho proferido oralmente (transcrito supra respeitando, a parte relevante, à gravação efectuada a entre o 23m.00s até ao 31m15s da segunda parte da gravação) na sessão de Julgamento da manhã de 8.07.2015, conforme acta a fls. 52.246 a 52.248 verso do Vol. 174;
b) Declarada a irregularidade processual decorrente da violação do artigo 327.º, n.º 1, do CPP, em que incorreu o douto despacho, datado de 30.06.15, na parte em que, sem prévio contraditório, apreciou a questão jurídica relativa à alteração da ordem legal de produção de prova no sentido de se ouvirem as Testemunhas CA…, AG… e AI… à matéria da defesa dos arguidos que as arrolaram (art. 348.º, n.º 2, do C.P.P.), quando ainda não foi ouvida a Testemunha de acusação IF… ou apreciado o seu eventual impedimento, deve tal despacho de 30.06.2015 ser anulado quanto a acima identificado segmento decisório;
c) Declarada a irregularidade processual arguida, deve a tramitação posterior à mesma ser anulada, inclusive, quanto à prova testemunhal da defesa que lhe sucedeu;
d) Deve ainda ser ordenada a baixa dos autos ao Tribunal de 1.ª instância para que aí seja realizada a notificação do Arguido, ora Recorrente, e dos demais sujeitos processuais para, no prazo de cinco dias, se pronunciarem sobre a questão jurídica relativa à alteração parcial da ordem legal de produção de prova no sentido de se ouvirem as Testemunhas CA…, AG… e AI… à matéria da defesa dos arguidos que as arrolaram (art. 348.º, n.º 2, do C.P.P.) quando ainda não foi ouvida a Testemunha de acusação IF…, ou apreciado o seu eventual impedimento, por ausência de resposta do DCIAP durante mais de 4 meses;
e) Mais requer que, nos termos do artigo 122.º do CPP, se determine os efeitos da arguida irregularidade de forma a anular toda a produção de prova da defesa produzida na sequência do despacho de 30.06.2015, mantido pelo douto despacho ora recorrido, bem como, caso já tenha sido proferido, o douto Acórdão final;
f) Mais se requer que tal anulação seja efectuada quer o Tribunal de 1.ª Instância venha a considerar (por despacho posterior à prolação do douto despacho recorrido) impedida para depor a Testemunha IG…, quer a mesma venha a ser ouvida em audiência de julgamento, devendo a decisão do Tribunal de 1.ª instância sobre o eventual impedimento da Testemunha de acusação IG… ser notificada ao Arguido, ora Recorrente, antes de este decidir de forma informada se faz ouvir a sua Testemunha de defesa AI…, e de determinar, como prévio conhecimento da prova da acusação, os termos e o âmbito da sua eventual instância à mesma, ou dela prescindir enquanto sua Testemunha de defesa, assim se reconhecimento ao Arguido o exercício de todos os direitos de defesa previstos no artigo 32.º, n.ºs 1 e 5, da CRP..

9. O Recorrente JO… extraiu da sua motivação (cf. fls. 53020 e segs.) as seguintes conclusões (encontrando-se reproduzidas, no final do bloco de conclusões, as respectivas notas de rodapé, cuja numeração originária se manteve):
1.º - O decidido baseia-se na afirmação, s.m.o., errática de que o Arguido, aqui Recorrente, já exerceu o direito ao contraditório sobre a questão jurídica decidida;
2.º - Conforme consta dos autos, a decisão, ora recorrida, indeferiu a irregularidade decorrente da violação do contraditório quanto à questão jurídica da alteração da ordem da produção de prova com base em dois fundamentos distintos, a saber:
a) O Arguido e demais sujeitos processuais já haviam exercido o contraditório quanto à questão jurídica da alteração da ordem da produção da prova, antes da prolação do douto despacho de 26.06.2014, a fls. 46552 a 46560;
b) Uma vez que o Tribunal conhecera, entretanto, da questão do impedimento da Testemunha IG… (antes de se concretizar a decidida alteração parcial à ordem da produção de prova) a irregularidade, mesmo que tivesse sido cometida, encontrar-se-ia sanada;
3.º - Atenta a decisão de aclaração ao douto despacho recorrido, oralmente proferida na sessão da manhã do dia 8.07.2015 (e acima transcrita) o Tribunal deu sem efeito o segundo fundamento do despacho recorrido (considerando que anulou o despacho que julgara absolutamente impedida a Testemunha IG…, ordenando o contraditório quanto a esta questão);
4.º - Subsiste, portanto, um único fundamento, que acima se sintetizou em a), no sentido de as partes já se terem alegadamente pronunciado antes sobre a questão aí apreciada;
5.º - Quanto a este fundamento, salvo o devido respeito e melhor opinião, o mesmo é insustentável;
6.º - Desde logo, como bem referiu o Digníssimo Senhor Procurador da República titular dos presentes autos em primeira instância, o douto despacho que deferiu a irregularidade processual decorrente da ausência de contraditório arguida oralmente pela Arguida IC… na sessão da manhã do dia 8.07.2015, anulando a apreciação do impedimento da Testemunha IG… (além de afastar o argumento de que a eventual irregularidade de teria sanado), pelos argumentos que aduz (onde se inclui o reconhecimento do direito das partes ao contraditório quanto a uma questão jurídica anteriormente discutida com base em fundamentos de facto diversos), “contamina” o único fundamento da decisão de 30.06.2015 que ainda subsistia, razão pela qual defendeu que a mesma deveria ter sido igualmente anulada, e não mantida;
7.º - É a seguinte a passagem onde, oralmente, se pronunciou o Digníssimo Senhor Procurador da República: “A meu ver, a decisão que defere a arguida irregularidade pela defesa da arguida IM… contamina o despacho que decidiu sobre, o despacho que decidiu sobre a arguição da irregularidade produzida pela defesa do arguido OC… na medida em que um dos seus fundamentos é precisamente a decisão anulada por via dessa irregularidade, e o outro fundamento é também posto em causa pelos próprios fundamentos da decisão que foi proferida, ao deferir a arguição da irregularidade pela arguida IM…. Por isso entendo que tem cabimento o esclarecimento solicitado que deverá ir no sentido de declarar afectada também a decisão que decidiu a arguição deduzida pelo arguido OC….” (“negrito” e sublinhado nosso);
8.º - O mesmo é dizer que, salvo melhor opinião, os fundamentos aduzidos pela douta decisão que aclarou a douta decisão recorrida, e que dela passou a fazer parte integrante,  contradizem os fundamentos da douta decisão oral que a precedeu e ordenou o contraditório quanto ao eventual impedimento absoluto de uma Testemunha, face à previsão do artigo 133.º, n.º 1, al. a), do CPP, questão jurídica já sobejas vezes apreciada quanto a diversas outras Testemunhas, inclusive, por serem arguidas no mesmo processo que a Testemunha IG…, e nem isso levou o Tribunal “a quo” a considerar como “inútil” a notificação a todos os sujeitos processuais para que exercessem o contraditório sobre o impedimento daquela concreta Testemunha;
9.º - Assim, salvo o devido respeito, a douta decisão oral que aclarou e passou a fazer parte integrante do douto despacho ora recorrido, logrou afirmar exactamente o contrário daquilo que no despacho antecedente, que a motivou, se havia defendido, a saber:  Caso sobrevenha ao longo da audiência de julgamento uma questão que convoque fundamentos de direito similares a outras anteriormente contraditadas e apreciadas, mas estejam em causa pressupostos de facto diversos, as partes (não) têm direito ao contraditório;
10.º - Assim sendo:
a) Formando o despacho recorrido uma unidade decisória que resulta da fusão da decisão que indeferiu a irregularidade processual arguida e da decisão de aclaração desse mesmo despacho;
b) Se o douto despacho de aclaração foi provocado pela prolação de um despacho intermédio, que aí é analisado com o fito de se aferir da possibilidade de subsistência do único fundamento que se afirma remanescer para fundamentar a decisão recorrida;
c) A decisão recorrida, ao decidir com base em fundamentos opostos ao do despacho intermédio que analisa, e tem em conta para dar sem efeito um dos seus fundamentos originais, incorre, ela própria, na nulidade prevista no artigo 410.º, n.º 2, al. b), do CPP – “b) A contradição insanável da fundamentação ou entre a fundamentação e a decisão;”. 
Não concedendo:
11.º - Em mesmo para quem entenda o contrário – à luz de um critério de autonomização formal entre o douto despacho de aclaração e o despacho que imediatamente o antecedeu, pese embora o segundo seja aí analisado com o fito de se aferir da possibilidade de subsistência do único fundamento que se afirma remanescer para fundamentar a decisão recorrida – aceitará que não é possível que se contrariem, no mesmo processo, decisões e entendimentos anteriormente expressos pelo Tribunal sobre a existência, ou não, de direito ao contraditório das partes, caso sobrevenha, ao longo da audiência de julgamento, uma questão que convoque fundamentos de direito similares a outras anteriormente contraditadas e apreciadas, mas que apresente pressupostos de facto que sejam diversos.
12.º - Conforme se decidiu no douto Acórdão do TRP, datado de 21.06.2013, “Da ideia do Estado de Direito, que a Constituição consagra logo no art.º 2.º, decorre o princípio da lealdade processual, com assento também no art.º 10.º da DUDH e 6ª da CEDH, vigentes em Portugal, art.º 8.º da Constituição. Lealdade que se traduz sinteticamente em que o tribunal não pode entrar em contradição com posições por si anteriormente assumidas no processo e nas quais qualquer um dos restantes sujeitos processuais confiou: a situação de confiança que o tribunal criou proíbe-lhe afastar-se das posições que tomou[11].”[90]
Por outro lado:
13.º - Em cumprimento do artigo 205.º, n.º 1, da Constituição da República Portuguesa, dispõe o artigo 97.º, n.º 5, do CPP, que “Os actos decisórios são sempre fundamentados, devendo ser especificados os motivos de facto e de direito da decisão.”
14.º - Donde, o douto despacho de 30.06.2015, que determinou a alteração da ordem da produção da prova, fundamentou o aí decidido com razões de facto e com razões de direito.
15.º - Quanto às razões de direito, reproduziu aquelas que constam do douto despacho datado de 26.06.2014, a “fls. 46552 a 46560 (matéria de direito)”, não transitado em julgado, onde, em síntese, se sustentou a possibilidade legal não apenas de alteração a ordem da prova oferecida pela acusação e ou pela defesa (considerando a ordem pela qual vem indicada em cada rol), mas também a possibilidade de inversão da ordem da produção de prova entre a acusação e a defesa, sem o consentimento desta última.
16.º - Tal questão jurídica foi, nessa altura, sobejamente debatida pelos sujeitos processuais, e, face à discordância com o à data decidido, foi interposto e encontra-se pendente recurso cuja subida a final foi já ordenada.
17.º - Porém, a decisão de 30.06.2015 tem, naturalmente, fundamentos de facto diferentes dos que motivaram aquela que foi tomada no dia 26.06.2014, mais de um ano antes.
18.º - Isto é, a integração daquele que é o conceito jurídico indeterminado legalmente previsto no artigo 348.º, n.º 2, do CPP, como “fundado motivo” foi julgado preenchido na decisão recorrida por factos que são totalmente diversos dos que se verificavam em 26.06.2014.
19.º - Efectivamente, agora, o Tribunal “a quo” apenas justificou a possibilidade de inversão da ordem da prova entre acusação e defesa com a circunstância de o Tribunal aguardar há mais de 4 meses que o DCIAP responda a um ofício no sentido de se poder decidir se a única testemunha de acusação que faltava ouvir – IG… – se encontra, ou não, impedida de depor. Isso mesmo resulta da passagem em que, no douto despacho de 30.06.2015, se pode ler: “Por conseguinte, atento o tempo já decorrido e a falta de resposta e não obstante, em abstracto, ainda poder haver uma testemunha de acusação por inquirir (IG…), caso esta não esteja absolutamente impedida de depor, impõe-se designar datas para a inquirição das testemunhas CA…, AG… e AI… à matéria da defesa dos arguidos que as arrolaram.”;
20.º - De demonstração inequívoca de que, no douto despacho recorrido, apenas se reproduzem os fundamentos de direito de outrora é que, na parte dispositiva do despacho de 30.06.2015, se decidiu “Pelo exposto e razões aduzidas [leia-se, razões de facto] e dando-se aqui integralmente por reproduzidos os fundamentos constantes do despacho de fls. 46552 a 46560 (matéria de direito), decide-se: (…)”;
21.º - Assim, não tem razão a douta decisão recorrida quando após afirmar que “A questão então decidida é a mesma da vertida agora no despacho sob censura, designadamente a de saber se o tribunal pode ou não determinar a inquirição de testemunhas de defesa sem que esteja esgotada a inquirição das testemunhas arroladas pela acusação.(…)”, qualifica o novo contraditório sobre a mesma como um “ato processual manifestamente inútil (art. 3º, n.º 3 do C.P.C. “ex vi” art. 4º do C.P.P.).”;
22.º - De facto, se os sujeitos processuais se puderam pronunciar anteriormente sobre a (im)possibilidade legal de inversão da ordem da prova entre acusação e defesa, não se puderam certamente pronunciar, nem se pronunciaram, sobre os concretos fundamentos de facto com base nos qualquer o Tribunal ordenou agora (leia-se, em 30.06.2015) tal inversão;
23.º - Assim, tal qual se escreveu no requerimento de arguição da irregularidade indeferido pela douta decisão recorrida, é certo que o Tribunal entendeu reproduzir integralmente os fundamentos do douto despacho de fls. 46.552 a 46.560 onde anteriormente já se havia decidido pela alteração da ordem da produção da prova;
24.º - Porém, ainda que os Arguidos se tivessem podido pronunciar sobre a alteração da ordem decidida a fls. 46.552 a 46.560, não o fizeram quanto à alteração ora decidida, a qual ocorre com base em pressupostos de facto totalmente diferentes [11];
25.º - Desde logo, quem deu azo a esta alteração foi, inequivocamente, a ausência de resposta do DCIAP, como aliás se afirma no douto despacho proferido a fls. 52.094;
26.º - Ora, a ausência de resposta do DCIAP não poderá nunca ter a virtualidade de ditar, sem mais, a alteração da ordem da produção de prova em prejuízo da defesa e do normal desenrolar do julgamento;
27.º - Como é sabido, as Testemunhas CA…, AG… e AI… trabalharam todas – enquanto Advogados - com a Testemunha de acusação IF…;
28.º - Por isso, é do interesse da defesa do Arguido, ora Requerente, inquirir (ou não) a Testemunha AI…, por si arrolada, após a inquirição da Testemunha IF…, ou da decisão do seu eventual impedimento;
29.º - Salvo o devido respeito, para mais detalhadamente se poder analisar e decidir sobre a alteração parcial da ordem legal de produção de prova no sentido de se ouvirem as Testemunhas CA…, AG… e AI… à matéria da defesa dos arguidos que as arrolaram (art. 348.º, n.º 2, do C.P.P.), quando ainda não foi ouvida a Testemunha IF…, ou apreciado o seu eventual impedimento, justifica-se plenamente que seja concedido às partes o contraditório sobre a questão em causa;
30.º - Ao omitir tal contraditório violou o douto despacho datado de 30.06.2015 o artigo 327.º, n.º 1, do CPP;
31º - A questão relativa a uma nova alteração parcial à ordem de produção de prova (“rectius”, à nova inversão da ordem legal da produção da prova entre acusação e defesa), decidida em 30.06.2015, não se esgota na discussão da interpretação, constitucionalmente conforme, a dar ao artigo 348.º, n.º 2, do CPP, no sentido se saber se o mesmo permite, ou não, a possibilidade de imposição de uma inversão da ordem da produção da prova a produzir entre a acusação e a defesa. Mesmo que a resposta, em termos de direito, seja afirmativa, como se entendeu ser o caso no douto despacho de 26.04.2014, de “fls. 46552 a 46560 (matéria de direito)”, para onde a decisão recorrida remete, é evidente que a possibilidade que daí decorreria terá, sempre, de ser fundamentada em factos concretos que terão de poder fundamentar em termos de necessidade, adequação e proporcionalidade a decisão que afaste a ordem legal de produção de prova, assim preenchendo o conceito de “fundado motivo”;
32.º - “In casu”, sem conceder, é sobretudo sobre a suficiência dos factos invocados para fundamentar a inversão da ordem da prova que o ora Recorrente se pretendia pronunciar. E, dando mostra disso mesmo, alegou o Recorrente logo no requerimento onde arguiu a irregularidade indeferida que “a ausência de resposta do DCIAP [durante quatro meses] não poderá nunca ter a virtualidade de ditar, sem mais, a alteração da ordem da produção de prova em prejuízo da defesa e do normal desenrolar do julgamento.”;
33.º - Ou seja, para além de se pretender reiterar o entendimento de que a inversão da ordem de produção de prova entre a acusação e a defesa não pode ser levada a cabo, pretendia o Arguido demonstrar que tal inversão (mesmo que fosse legalmente possível em certos casos) não é necessária, adequada ou proporcional às circunstâncias factuais que a motivaram, não constituindo, por isso, “fundado motivo”;
34.º - Como o Arguido pretendia fazer anotar, se o contraditório lhe tivesse sido dado, e não foi, é que a falta de colaboração de uma das partes – leia-se, do Ministério Público, através da ausência de resposta de um seu Departamento (o DCIAP) durante mais de quatro meses – apenas poderia, no caso concreto, ter como consequência que o meio de prova indicado pela acusação, não podendo ser produzido por inércia da parte, ficaria precludido, se necessário fosse, por imposição do instituto jurídico do abuso de direito – artigo 334.º, do Código Civil;
35.º - Assim, a douta decisão de 30.06.2015, tomada sem contraditório, violou o “(…) direito de audiência de todos os sujeitos processuais que possam vir a ser afectados pela decisão, de forma a garantir-lhes uma influência efectiva no desenvolvimento do processo; (c) em particular, direito do arguido de intervir no processo e de se pronunciar e contraditar todos os testemunhos, depoimentos ou outros elementos de prova ou argumentos jurídicos trazidos ao processo, o que impõe designadamente que ela seja o último a intervir no processo (cfr. AcTC n 54/87 e 154/87). Quanto à sua extensão processual, o princípio abrange todos os actos susceptíveis de afectar a sua posição, e em especial a audiência de discussão e julgamento e os actos instrutórios que a lei determinar, devendo estes ser seleccionados sobretudo de acordo com o princípio da máxima garantia de defesa do arguido" (sublinhados agora, ob. e loc. supra cit.);
36.º - Pelo exposto, deveria a douta decisão recorrida, nos termos do artigo 123.º do CPP, ter declarado a irregularidade processual decorrente da violação do artigo 327.º, n.º 1, do CPP, em que incorreu o douto despacho, datado de 30.06.15, na parte em que, sem prévio contraditório, apreciou a questão jurídica relativa à alteração parcial da ordem legal de produção de prova no sentido de se ouvirem as Testemunhas CA…, AG… e AI… à matéria da defesa dos arguidos que as arrolaram (art. 348.º, n.º 2, do C.P.P.), quando ainda não foi ouvida a Testemunha de acusação IF… ou apreciado o seu eventual impedimento;
37.º - Por outro lado, anulado aquele segmento decisório do douto despacho datado de 30.06.2015, dever-se-ia ter ordenado a notificação do Arguido, ora Recorrente, e dos demais sujeitos processuais para, no prazo de cinco dias, se pronunciarem sobre a questão jurídica relativa à alteração parcial da ordem legal de produção de prova no sentido de se ouvirem as Testemunhas CA…, AG… e AI… à matéria da defesa dos arguidos que as arrolaram (art. 348.º, n.º 2, do C.P.P.) quando ainda não foi ouvida a Testemunha de acusação IF…, ou apreciado o seu eventual impedimento, por ausência de resposta do DCIAP;
38.º - Ao decidir em sentido contrário a douta decisão recorrida violou os artigos 3.º, 327.º, n.º 1, da CPP, atribuindo-lhes um sentido materialmente inconstitucional, que se deixa previamente invocado, da seguinte forma: os artigos 3.º, 327.º, n.º 1, do CPP, interpretados no sentido de ser inútil a concessão de contraditório ao Arguido, relativamente à questão da inversão da ordem de produção de prova com base no artigo 348.º, n.º 2, do CPP, em casos em que tal inversão já tenha sido decidida com fundamentos de facto diferentes, são materialmente inconstitucionais por violação do princípio do contraditório e do artigo 32.º, n.º 5, da CRP;
39.º - Por mera cautela de patrocínio, desde já se invoca a inconstitucionalidade material do artigo 348.º, n.º 2, do CPP, quando interpretado no sentido de atribuir um poder discricionário ao Tribunal para, sem prévio contraditório, inverter a ordem da produção de prova entre a acusação e a defesa, por violação do artigo 32.º, n.º 5, da CRP e da estrutura acusatória do processo penal constitucionalmente consagrada;
40.º - Na sequência da alteração da ordem da prova entre acusação e defesa, sem que estivessem (ou se soubesse se estavam) esgotadas as Testemunhas de acusação, a defesa do ora Recorrente inquiriu a Testemunha, por si arrolada, AI…, sem que soubesse se esse concreto meio de prova iria ser admitido pelo Tribunal a depor sobre a pronúncia (que tem mais de mil artigos);
41.º - Nesse concreto contexto processual, o Arguido, ora Recorrente, formatou, por cautela de patrocínio, a inquirição que fez àquela Testemunha (enquanto Testemunha de defesa), de forma condicionada e à revelia da estrutura acusatória do processo penal, desconhecendo se a Testemunha de acusação IG…, que foi anteriormente co-Arguida nos presentes autos, seria ou não ouvida e a que matéria de facto;
42.º - A inquirição da Testemunha de AI…, foi, assim, realizada pela defesa de forma intempestiva, condicionada e restritiva, circunstância directamente causada pelo desconhecimento que o Arguido tinha quanto à prova oportunamente arrolada pela acusação e que ainda poderá(ia) vir a ser produzida pela mesma, com base no depoimento da Testemunha de acusação IG…, que trabalhou enquanto Advogada juntamente com a Testemunha AI…;
43.º - Se não se permitir ao Arguido avaliar, numa visão integral, toda a prova que pretende sustentar a acusação e só nesse momento tomar posição quanto à prova que pretende produzir - até para determinar se a mesma se torna efectivamente necessária ou, pelo contrário, claramente desnecessária ou contrária ao sentido da defesa – é notório que se obriga o Arguido à produção de uma prova que, do prisma da estratégia da defesa, terá tão de precipitado como de conteúdo eventualmente desfavorável à mesma;
44.º - Considerando a prova que em 8.07.2015 ainda falta(va) produzir, o depoimento da Testemunha IG…, cujo conteúdo se desconhece, o Arguido foi incapaz de antecipar, com o mínimo de segurança, face à dimensão e complexidade dos autos e ao potencial de conhecimento que a mesma poderá assumir no contexto dos factos, qual o concreto objecto temático do respectivo depoimento e o conteúdo do mesmo, sendo que aquela concreta Testemunhas de acusação parece, em abstracto, poder depor sobre quase toda a pronúncia;
45.º - De facto, quanto à Testemunha IG… (ex co-arguida nos autos), a mesma foi sócia da sociedade de advogados “Cardoso, Ferreira, Guimarães e Associados”, a que alude directamente a pronúncia nos seus artigo 51.º e 53.º. Sendo que, segundo o artigo 54.º “A arguida Dra. IC… e a Dra. IF… actuavam paralelamente como colaboradoras da SLN, como advogadas mandatadas pela mesma e como responsáveis da PLANFIN, intervindo na concepção e execução de uma estratégia de ocultação anteriormente definida, para a constituição de sociedades, prática de actos e contratos, conforme adiante se irá narrar.”;
46.º - A este propósito, cumpre salientar que o Tribunal “a quo” considerou, relativamente às testemunhas AI…, IA…, CA… e Ama…, todos Advogados, cujo depoimento foi determinado por douto Ac. do TRL de 26.02.2014 (não transitado em julgado), que “Será justificada a quebra porque não se vislumbram meios alternativos à quebra do segredo profissional que permitam apurar a verdade no que concerne aos factos supra descritos e à intervenção das sociedades Planfin e Cardoso, Ferreira, Guimarães e Associados nos factos mencionados na pronúncia” [12];
47.º - Pelo exposto, num caso como o dos autos (atenta a fase da prova reportada à data do douto despacho recorrido, datado de 8.07.15), ao forçar-se o Arguido ao exercício antecipado da sua defesa e a precipitar a inquirição da Testemunha AI…, quando, quanto à prova que poderá decorrer do depoimento da Testemunha de acusação IG… se afirmou já por douto despacho proferido a fls. 44573 a 44575 que “não se vislumbram meios alternativos à quebra do segredo profissional que permitam apurar a verdade no que concerne aos factos supra descritos e à intervenção das sociedades Planfin e Cardoso, Ferreira, Guimarães e Associados nos factos mencionados na pronúncia”, assume-se de forma necessariamente consciente a hipótese de se vir a comprometer de forma intolerável o exercício livre e informado (que exige o conhecimento prévio das provas do MP) de todos os direitos de defesa a que alude o artigo 32.º, n.º 1, da CRP, violando-se a estrutura acusatória do processo penal, “máxime”, na fase de julgamento (artigo 32.º, n.º 5, do CRP);
48.º - Evidência de que o Tribunal “a quo” sabe que existe prejuízo ao menos potencial para os direitos de defesa dos Arguidos é o facto de ter (refira-se a bem da verdade) tentado atrasar a verificação de tal prejuízo aquando da prolação do douto despacho de 26.06.2015, o que fez através de algum espaçamento da marcação das sessões de julgamento e da desmarcação das sessões das últimas duas semanas anteriores à prolação do douto despacho recorrido. Ora, só o faria o Tribunal se percepcionasse (como percepcionou) que a inversão da ordem da produção de prova ordenada é prejudicial ao cabal exercício dos direitos de defesa dos Arguidos, sobretudo num processo de declarada elevada complexidade;
49.º - E tal prejuízo poder-se-á em abstracto materializar face à relevância da prova da acusação a produzir (o depoimento da Testemunha IG…), que se desconhece, e que o Arguido é (era) incapaz de antecipar face à dimensão e complexidade dos autos:
a) ou porque o Arguido vem a decidir não efectuar quaisquer perguntas às Testemunhas por si arroladas por acreditar que, face à prova até à data produzida, virão a ser desnecessárias ou desfavoráveis à defesa, e a final se vem a concluir  que as perguntas que se omitiram eram pertinentes e/ou favoráveis à sua defesa, quer para a eventual absolvição do Arguido, quer num prisma subsidiário de contextualização e atenuação da culpa quanto aos factos;
b) ou porque se obriga o Arguido a precipitar a decisão se (i) deve, ou não, ouvir a Testemunha AI… ou se dela prescinde, (ii) efectuar perguntas e a antecipar a sua defesa, forçando-o a assumir o indesejado risco inerente a tal conduta e, a final, se vem a concluir que, face à concreta prova produzida (ou não) e ao princípio do direito probatório em processo penal “in dubio pro reo”, aquelas Testemunhas/perguntas foram não só desnecessárias como redundaram na produção de um meio de prova que, de outra forma, se teria legitimamente evitado ou utilizado quanto a um tema ou numa abordagem estratégica diferente, e que o mesmo se revelou manifestamente desfavorável à defesa, contribuindo (por desinformada e extemporânea iniciativa do Arguido) de forma significativa para uma putativa condenação, para uma pena mais grave, ou para a sua não suspensão;
50.º - De facto, se «Na perspectiva do arguido o direito à prova é uma consequência do seu direito de defesa (…); e na da acusação é também uma consequência do princípio da presunção de inocência, já que se não for afastada a presunção, o arguido deverá ser absolvido, por falta de prova da acusação», não faz sentido, nem salvaguarda as garantias de defesa constitucionalmente consagradas a favor do Arguido, obrigar o mesmo a antecipar a sua prova e a definir a sua estratégia de defesa, as Testemunhas que pretende fazer ouvir, as perguntas que lhes faz, ou deixa de fazer, sobre os factos, num momento em que não sabe (nem pode saber) que concreta prova virá ainda o MP a produzir;
51.º - Dir-se-á: as respostas das Testemunhas às perguntas feitas antes ou depois serão necessariamente as mesmas! Porém, a determinação das Testemunhas que o Arguido faz ouvir ou das quais prescinde, a escolha das concretas perguntas que o Arguido dirige às Testemunhas por si arroladas, à luz de um livre e esclarecido exercício dos seus direitos de defesa, face ao conhecimento prévio da prova da acusação, é um direito inalienável do Arguido e acerca deste ponto nem uma palavra se vê escrita no douto despacho sob recurso;
52.º - É verdade que no douto despacho recorrido é dito que se concederá ao Arguido o direito de os arguidos “após inquirição da testemunha de acusação ainda em falta – IG… – e, obviamente, caso esta venha a ser inquirida, requererem a reinquirição de alguma(s) testemunha(s) de defesa se assim o entenderem como útil e necessário à sua defesa;”. Porém, como é bom de ver, o Arguido não tinha sequer nesta data – em 8.07.2015, data em que lhe foi imposta a inquirição da Testemunha de defesa AI… - a certeza de que a prova da acusação “pendente”, ou em falta, viesse efectivamente a ser produzida e, se não vier (por a Testemunha vir a ser declarada impedida) ou se o seu conteúdo for considerado irrelevante (rectius, incapaz de justificar a reinquirição de uma Testemunha de defesa já ouvida), nada mais poderá o Arguido fazer para colmatar eventuais áreas ou temas da sua forçada e extemporânea inquirição de defesa que, por cautela de patrocínio, não quis legitimamente abordar na inquirição à Testemunha por si arrolada AI…, sem sobre eles conhecer toda a prova contra si requerida pelo MP;
53.º - Por outro lado, só face ao conhecimento prévio de toda a prova da acusação, poderia o Arguido, ora Recorrente, ter decidido de forma livre e consciente, se prescindia, ou não, da sua Testemunha de defesa AI…;
54.º - Ora, tendo sido forçado a tomar tal decisão (de inquirir ou não) sem conhecer o depoimento de uma Testemunha de acusação (que com a mesma trabalhou numa sociedade de Advogados a que alude a pronúncia), é manifesto que toda a tramitação subsequente se acha contaminada pela irregularidade processual cometida, tanto mais que, como se referiu, na douta decisão de 30.06.2015 (formada sem contraditório), apenas se reconhece o direito ao Arguido, ora Recorrente, de (re)inquirir a sua Testemunha de defesa caso a Testemunha de acusação que faltava ouvir, IG… venha (viesse) a ser inquirida pela acusação, esquecendo que se obrigou o Arguido, de forma ilegal e extemporânea, ou a precipitar a produção de prova da defesa que deveria legitimamente optar por não efectuar (face ao prévio conhecimento da prova da acusação), ou a restringir cautelarmente o âmbito dessa prova (face ao desconhecimento da prova remanescente da acusação);
55.º - Assim, a validade da prova produzida pela defesa na sequência do douto despacho de 30.06.2015 e do douto despacho recorrido, que o manteve, foi causada e é necessariamente afectada pela irregularidade que a precedeu, nos termos previstos no artigo 122.º, n.º 1, do CPP;
56.º - Assim sendo, quer se venha a considerar impedida para depor a Testemunha IG…, quer a mesma venha a ser ouvida em audiência de julgamento, dever-se-á sempre anular a prova da defesa produzida na sequência do douto despacho de 30.06.2015, o qual foi prolatado e mantido pelo douto despacho recorrido, com violação do princípio do contraditório e do disposto no artigo 327.º, n.º 1, do CPP;
57.º - Por mera cautela de patrocínio, desde já se invoca a inconstitucionalidade material dos artigos 327.º, n.º 1 e 122.º do CPP, interpretados no sentido de a irregularidade decorrente da violação do contraditório relativamente à questão da inversão da ordem de produção da prova entre acusação e defesa não afectar a validade da prova da defesa subsequente à mesma, caso a prova remanescente da acusação não venha posteriormente a ser produzida, são materialmente inconstitucionais por violação dos artigos 18.º, n.º 2, 32.º, n.º 1 e 5, da CRP. 
NOTAS:
[11] Conforme de decidiu no douto Acórdão STJ, datado de 12-07-2007:
O caso julgado abrange a conclusão extraída dos seus fundamentos (cfr. art. 659, n.º 2, in fine, do CPC).
Com toda a pertinência, Teixeira de Sousa doutrina a este respeito:
“Como toda a decisão é a conclusão de certos pressupostos (de facto e de direito), o respectivo caso julgado encontra-se sempre referenciado a certos fundamentos. … Não é a decisão, enquanto conclusão do silogismo judiciário, que adquire o valor de caso julgado, mas o próprio silogismo considerado no seu todo: o caso julgado incide sobre a decisão como conclusão de certos fundamentos e atinge estes mesmos fundamentos enquanto pressupostos daquela decisão” (in Estudos Sobre O Novo Processo Civil, pág. 578 e ss.).”;
[12] Mais se considerou nesse douto Despacho que, “Será justificada a quebra porque os arguidos estão pronunciados pela prática de crimes puníveis com penas superiores a três anos de prisão, cujas circunstâncias concretas descritas na pronúncia revelam um ilícito e culpa graves”. Assim, decidiu-se “Suscitar perante o Venerando Tribunal da Relação de Lisboa o incidente de justificação de quebra de sigilo profissional das testemunhas AI…, IA…, CA… e AMa… em ordem a que, caso assim seja entendido, se determine a sua inquirição na qualidade de testemunhas”.

10. Entretanto, exercido o contraditório, foi proferida, em 21 de Setembro de 2015, a decisão de fls. 53108 a 53131, que julgou IG… absolutamente impedida de depor nos presentes autos na qualidade de testemunha, nela se alinhando a seguinte fundamentação:
Fls. 52176 a 52182 (do eventual impedimento absoluto de IG… depor nos presentes autos na qualidade de testemunha):
Como resulta da "cota" de fls. 50375 obteve-se a informação de que a testemunha IF… foi constituída arguida no processo de inquérito n.° …/…TELSB que cone termos no DCIAP.
Por via disso, pelo despacho de fls. 50407 a 50412 determinou-se que se solicitassem informações ao DCIAP em ordem a aferir se a mesma está ou não absolutamente impedida de depor nos presentes autos.
A este propósito informou o DCIAP a fls. 52176 (processo de inquérito n.° …/…TELSB) que "nos presentes autos está em causa a utilização concreta de fundos a débito das contas da entidade JARED".
Por sua vez, do auto de interrogatório junto (fls. 52179 a 52182), na parte em que são comunicados à arguida, aqui testemunha, os factos de que está indiciada, consta:
"De constar como Procuradora de AQUAMARINE ASSOCIATES, SA, na ficha de assinaturas referente à conta com o número …, titulada por esta entidade offshore no BPN CAYMAN, onde, à data de 5.2.2003, foi creditado o valor de € 250.000,00, por transferência bancária, sendo o mesmo proveniente da conta n.° …, titulada pela entidade  offshore JARED FINANCE LLC no Banco Insular.
Este pagamento/recebimento não terá sido declarado perante a Administração Tributária, lesando o Estado em sede fiscal, sendo tais factos susceptíveis de integrar a prática de crimes de fraude fiscal qualificada e de branqueamento de capitais".
Pelo despacho de fls. 52222 a 52226 e pelos fundamentos dele constantes decidiu-se que a IF… "está absolutamente impedida de depor na qualidade de testemunha nos presentes autos".
Porém, notificados que foram os sujeitos processuais do despacho em causa, os arguidos IC… e OC… arguiram a irregularidade processual do mesmo decorrente da violação do disposto no art. 327°, n.° 1 do C.P.P., na parte em que, sem prévio contraditório, apreciou a questão jurídica relativa ao impedimento da testemunha IF… para depor nos presentes autos na qualidade de testemunha (v. acta de fls. 52246 a 52248).
Em consequência disso, requereram a anulação do despacho naquele segmento decisório e que os sujeitos processuais fossem notificados para se pronunciarem sobre os termos do oficio do DCIAP de fls. 52176 e documentos de fls. 52179 a 52182.
Pelo despacho proferido oralmente na sessão de julgamento do dia 8.7.2015 (manhã) — v. resumo do mesmo a fls. 52248 — foi deferida a irregularidade processual suscitada e, consequentemente, anulado o despacho de fls. 52222 a 52228 "na parte em que declara a testemunha IF… absolutamente impedida de depor sem que tivesse concedido aos sujeitos processuais a possibilidade de se pronunciarem sobre o expediente remetido pelo DCIAP".
Por via disso, pelo mesmo despacho, foi concedido a todos os sujeitos processuais o prazo de 5 (cinco) dias para, querendo, se pronunciarem sobre o teor do referido expediente.
O arguido OC… exerceu o pertinente contraditório (v. requerimento de fls. 52347 a 52357), pugnando, a final, pela declaração do impedimento absoluto da testemunha IG… com fundamento na previsão do art. 133°, n.° 1, al. a) do C.P.P..
Exercendo igualmente o contraditório (v. fls. 52479 a 52490), a arguida IM… sustenta que a testemunha IF… deve ser notificada para comparecer neste Tribunal a fim de prestar depoimento, "devendo fazer-se, todavia, a expressa advertência de que, por assumir a qualidade de arguida no Processo n.° …/…TELSB, só deverá depor enquanto testemunha nos presentes autos se nisso expressamente consentir, nos termos do disposto no art. 133.°, n.° 2 do C.P.P."
Cumpre decidir:
Dispõe o artigo 133°, n.° 1, al. a) do C.P.P. que "estão impedidos de depor como testemunhas o arguido e os co-arguidos no mesmo processo ou em processos conexos, enquanto mantiverem a qualidade".
A questão que importa aferir é se existe uma conexão formal e material entre os dois processos (identificado processo de inquérito e o presente) pois, caso tal ocorra, a IG… está impedida de depor como testemunha nos presentes autos (art. 133°, n.° 1, al. a) do C.P.P.).
É certo que, neste caso, o determinar da existência ou inexistência dessa conexão mostra-se dificultada pela simples razão de que no processo de inquérito ainda não foi deduzida qualquer acusação que balize a factualidade imputada à testemunha.
Porém, tendo em consideração os elementos fornecidos pelo DCIAP verifica-se uma correspondência formal e material entre os factos indiciados no processo de inquérito e os constantes da pronúncia dos presentes autos, designadamente:
Banco Insular e JARED:
No processo de inquérito está indiciado que a IG… terá beneficiado de remunerações ("pagamento/recebimento"), num montante total de € 250.000,00, de forma não declarada, que foram creditadas na conta da AQUAMARINE ASSOCIATES SA, sociedade da qual era procuradora, através de transferência bancária, sendo este valor proveniente da conta n.° …, titulada pela entidade offshore JARED FINANCE LLC, no Banco Insular.
Ora, esta factualidade relativa à Jared, pelo menos em abstrato, está inequivocamente referenciada na nossa pronúncia, enquadrando-se, sem dúvida, naquela abstração, o caso pelo qual a IG… está indiciada no processo de inquérito.
Com efeito, refere-se na pronúncia objeto dos presentes autos que "as entidades VENICE, SOLRAC e JARED foram utilizadas como veículos de outras sociedades e pessoas, através de saques a descoberto, bem como serviram de centro de custos, contribuindo de forma fictícia para o aumento dos resultados financeiros do grupo BPN/SLN, uma vez que permitiram a omissão do registo de custos e justificaram a contabilização de juros dos financiamentos concedidos, se bem que nunca efectivamente pagos" (art. 73°) — sublinhado nosso.
No mesmo sentido, atente-se no vertido no art. 71° da pronúncia: "na execução do plano traçado, foram os arguidos JO…, LC… e FS… ordenando ao longo do espaço temporal a que os factos desta acusação se refere, a obtenção e utilização de sociedades registadas em off-shore que destinavam, consoante os seus específicos interesses, a parqueamento de custos (...) e a servirem como veículos de passagem de fundos e operações pontuais". (sublinhado nosso)
Impressivo, também, a este propósito, é o constante do art. 190° da pronúncia de onde consta que "através de financiamentos do Banco Insular, aqueles arguidos, para a prossecução dos seus objectivos de controlo accionista e financiamento de negócios do próprio grupo e de terceiros, lograram: (...) pagamentos directos a título de remunerações, prémios, comissões e patrocínios." (sublinhado nosso)
Acresce que, compulsados os factos referentes ao Banco Insular e constantes da pronúncia proferida nos presentes autos (factos 77° a 230°), é de concluir que esta instituição bancária assume urna posição nuclear e central nessa factualidade.
Em resumo, como bem sintetiza o arguido LC… no seu requerimento de fls. 46089 a 46096:
"Resulta de modo claro que no âmbito do processo n.° …/…TDLSB, no que se refere à entidade JARED, estão abarcadas matérias que constituem a outra face da mesma moeda onde se encontra o processo n.° …/…TELSB.
Isto é, no que concerne à entidade JARED, do lado do processo n.° …/…TDLSB está em causa o julgamento de factos que têm a ver com a tomada de decisões sobre a utilização daquela entidade (incluindo o alegado pagamento de remunerações não declaradas à administração fiscal).
Já do lado do processo n.° …/…TELSB estarão em causa pelo menos algumas — as consequências das decisões tomadas quanto à utilização daquela mesma entidade (incluindo o alegado recebimento de remunerações não declaradas à administração fiscal).
Factos que, como é evidente, são incindíveis."
Acresce que no identificado processo de inquérito são co-arguidos, tal como nos presentes autos, o JAu…, a IC… e o AF….
Vale o exposto por dizer que tomando por base os factos indiciados no identificado processo de inquérito e os que foram vertidos na pronúncia nos presentes autos, não subsistem dúvidas de que em termos formais poderia ter-se operado, na altura própria, uma conexão de processos, em virtude de estarem verificados os pressupostos a que alude o art. 24°, n.° 1, als. a), d) e e) do C.P.P..
Por conseguinte, em nosso entender, verificam-se igualmente os pressupostos do art. 133°, n.° 1, al. a) do C.P.P., i.e., uma conexão formal e material entre ambos os processos.
Na medida em que a aqui testemunha é arguida naqueles autos de inquérito, está absolutamente impedida de depor nos presentes autos na qualidade de testemunha.
É certo que a quase totalidade dos factos objeto deste Julgamento não estarão sob investigação no processo de inquérito.
Porém, a norma adjetiva indicada não permite depoimentos parciais, antes condiciona a faculdade de depor à existência ou não de um impedimento absoluto para o efeito.
A credibilidade do depoimento da testemunha, o seu "à vontade", os seus condicionamentos e todas as demais circunstâncias que interferem, em termos subjetivos, na fidedignidade do depoimento afere-se pela sua integralidade e não por compartimentos estanques. Ou seja, verificando-se a constituição de arguido em processo conexo, conexão aferida, neste caso, em termos formais e materiais, tal é o bastante e suficiente para poder condicionar o depoimento da aqui testemunha na sua totalidade e não só relativamente a assuntos ou factos relativos aos quais possa existir essa conexão formal e/ou material.
Não se olvida que — apesar desta questão dos impedimentos absolutos/relativos já ter sido abordada pelo Tribunal em inúmeros despachos e por estes sempre decidida no mesmo sentido (impedimento absoluto), pelo menos no que concerne às testemunhas que o são também arguidos no identificado processo de inquérito n.° …/…TELSB, despachos/decisões com os quais a arguida IC… sempre se conformou — a arguida IC…, neste momento — e tem todo o direito de o fazer — terá uma posição diferente.
Por isso, importa abordar a sua argumentação:
Importa não esquecer o que está em causa: se em processos conexos (o presente, em Julgamento, e o de inquérito n.° …/…TELSB) um arguido (no processo de inquérito) pode depor como testemunha no processo conexo (o presente) enquanto mantiver aquela qualidade (de arguido).
A resposta legal é taxativa e negativa na medida em que o art.° 133°, n.° 1, ai. a) do referido diploma dispõe:
"1— Estão impedidos de depor como testemunhas:
a) O arguido e os co-arguidos no mesmo processo ou em processos conexos,
enquanto mantiverem aquela qualidade."
Refira-se, ainda, que este impedimento é absoluto na medida em que a lei não prevê qualquer derrogação a este ditame, ao contrário do que ocorre no caso de separação de processos uma vez que, nesta situação, é permitido o depoimento como testemunha ao arguido que nisso expressamente consinta (art. 133°, n.° 2 do C.P.P.).
Por isso, salvo o devido respeito por outra opinião, a invocação do disposto no art. 133°, n.° 2 do C.P.P. (fls. 52480, ponto 8°) para o caso em análise não fará sentido.
É que, no caso em apreço, em cogitação qualquer separação de processos, ou seja, um processo inicial único e que por virtude de alguma ocorrência processual tenha dado azo a dois ou mais processos na fase de inquérito ou julgamento.
Uma leitura atenta do citado Acórdão do Venerando Tribunal da Relação de Évora de 3.6.2004, processo n.° 218/04-1 (fls. 52480, ponto 9°), ao contrário do que a arguida sustenta, só reforça o entendimento supra exposto.
Atente-se no que foi escrito nesse Acórdão:
"no caso de separação de processos, cessada a qualidade de arguido de um mesmo crime ou de um crime conexo, e à semelhança do que indiscutivelmente acontece quando se trata do mesmo processo ou de processos conexos — cf. alin. a) do n.° 1 do citado art. 133° nenhuma razão existe para que não seja, obrigatoriamente, prestado o respectivo depoimento como testemunha (sublata causa, tollitur effectus)".
Jurisprudência que, por um lado, face ao normativo em vigor, já não será aplicável, porquanto, mesmo na separação de processos, ainda que a sentença tenha transitado em julgado, a testemunha, também arguido, não está obrigada a depor, só o fará se nisso expressamente consentir (art. 133°, n.° 2 do C.P.P.).
Por outro, confirma o que vem expressamente preceituado na al. a) do n.° 1 da mesma norma: o impedimento só ocorre enquanto a testemunha, arguido no processo conexo, mantiver esta qualidade.
Este entendimento resulta ainda reforçado se tivermos em consideração a doutrina citada (fls. 52480 e 52481 - Medina Seiça e José António Barreiros) que vai no sentido de que o impedimento deixa de existir quando cessa a qualidade de arguido, quer estejamos a falar de processos conexos em que o impedimento inicial é absoluto (art. 133°, n.° 1, ai. a)) ou de processos separados nos quais o impedimento inicial é relativo porque o depoimento do arguido, na qualidade de testemunha no "outro processo" (o separado) está dependente do seu consentimento expresso.
Alicerça igualmente este entendimento o remate final (fls. 52481) do citado douto Acórdão quando conclui que "tendo as referidas testemunhas perdido o estatuto de arguidos, impõe-se que deem obrigatoriamente o seu concurso, como testemunhas, para a descoberta da verdade (...)" — sublinhado nosso.
O problema, neste caso, é que a aqui testemunha IF…, actualmente, mantém o estatuto de arguido no processo conexo.
Percebe-se que a arguida, na sua argumentação (fls. 52482, ponto 17°) pretenda dar algum suporte material ao preceituado no art. 133°, n.° 1, al. a) do C.P.P. quando sustenta que "a proibição de depoimento — leia-se, impedimento — resultante do n.° 1 do artigo 133° vigora, única e exclusivamente, enquanto dois (ou mais) processos, que são conexos, assim se mantiverem (de um ponto de vista formal e, portanto, apensados, como comanda o artigo 29º, n.° 1 do Código)."
Em suma, afirma que os processos conexos para efeitos do preceituado naquela norma são só os processos apensados e não quaisquer outros.
Olvida, porém, que, a partir do momento em que ocorre a apensação, deixa de haver processos conexos, mas tão só um único processo ("organiza-se um só processo" — art. 29°, n.° 1).
Esquece, igualmente, que a partir do momento em que se forma um único processo, o impedimento absoluto de depor como testemunha de um co-arguido é imposto pela 1ª parte da al. a) do n.° 1 do art. 133° do C.P.P. quando este dispõe que "estão impedidos de depor como testemunhas o arguido e os co-arguidos no mesmo processo", esvaziando, nesta perspetiva redutora do preceito em análise, de qualquer sentido a 2ª parte do mesmo preceito que estende o impedimento absoluto aos "processos conexos".
Por fim, não terá cogitado a possibilidade de que esta interpretação por si avançada poderia levar ao tratamento manifestamente desigual de situações que, na sua essência, são iguais, tratamento, este sim, merecedor de um juízo de inconstitucionalidade.
No fundo, sintetizando, daí decorreria que:
1) Se dois processos conexos (conexão formal e/ou material) fossem apensados, dando lugar a um único processo, a testemunha, agora também co-arguida, estaria absolutamente impedida de depor nessa qualidade;
2) Por sua vez, se dois processos conexos (conexão formal e/ou material) não fossem apensados — ou porque ninguém o requereu, ou porque o M.P. assim não o entendeu ou determinou, ou porque não eram do seu conhecimento por estarem investigação em comarcas distintas, etc. — o arguido num processo, já poderia depor como testemunha no processo que é conexo com aquele;
Os pressupostos, em termos materiais — e é isso que interessa porque certamente o legislador não se quedaria por uma proibição tão forte (o impedimento absoluto para depor) se estivesse em causa somente uma questão formal de apensão ou não de dois ou mais processos — são os mesmos, porém, seriam merecedores de tratamentos completamente distintos (violação do princípio da igualdade — art. 13°, n.° 1 da C.R.P.).
Por isso, concordar-se-á integralmente com a argumentação de um outro arguido (OC…) — fls. 52353 a 52355 — a propósito da mesma questão em análise e em que igualmente analisa a posição sufragada pelo M.P. em sede de recursos interpostos de despachos que também declararam impedimentos absolutos de outras testemunhas, quando refere:
"À luz da tese interpretativa defendida no recurso do Ministério Público acima referido fica por explicar o que pretendeu o legislador ao prever na al. a) do n.° 1. do art. 133º do C.P.P. um impedimento para deporem como testemunhas «os co-arguidos (...) em processos conexos, enquanto mantiverem aquela qualidade.
Donde, a única interpretação normativa admissível a atribuir ao n. ° 2 do artigo 133° do C.P.P. é aquela que não esquece o inequívoco critério delimitador da verificação do impedimento absoluto previsto no n.° 1, al. a), in fine, que é a existência da qualidade relativa da testemunha ser co-arguido em processo conexo. (…)
Salvo o devido respeito, se fosse como o M.P. alega ser, bastaria ao legislador a previsão do n.° 2 do art. 133° do C.P.P., sendo absolutamente inútil e incompreensível a previsão na al. a) do n.° 1 de um impedimento absoluto para depor por banda do co-arguido em processo conexo, enquanto mantiver aquela qualidade.
Tal circunstância impeditiva — a qualidade de co-arguido num processo conexo — foi necessariamente pensada e expressamente prevista como tal pelo  legislador.
(…)
Salvo o devido respeito (…), ao defender naquelas alegações que, no fundo, se ignore a previsão do impedimento absoluto, expressamente previsto na al. a) do n.° 1 do artigo 133° do C.P.P., esquece o Digníssimo Senhor Procurador a previsão do artigo 9° do Código Civil que dispõe:
«2. Não pode, porém, ser considerado pelo intérprete o pensamento legislativo que não tenha na letra da lei um mínimo de correspondência verbal, ainda que imperfeitamente expresso.
3. Na fixação do sentido e alcance da lei, o intérprete presumirá que o legislador consagrou as soluções mais acertadas e soube exprimir o seu pensamento em termos adequados".
A argumentação da arguida IC… não ficou pela enunciada.
Com efeito, de fls. 52483 a 52490 invocou diversas inconstitucionalidades de interpretação do preceito já referenciado.
Refere, desde logo no ponto 28° (fls. 52484) que "padece de inconstitucionalidade, por violação do n.° 1 do art. 32° da Lei Fundamental, a conjugação das normas da alínea a) do n.° 1 e do n.° 2 do art. 133° do C.P.P. em qualquer dimensão interpretativa que rejeite, em processo criminal, a prestação de depoimento como testemunha (ou a respectiva valoração probatória), de sujeito arrolado pela defesa, que, sendo arguido por crime conexo em processo que corra termos autonomamente, consinta de forma expressa na prestação de tal depoimento".
Dispõe o art. 32°, n.° 1 da C.R.P.:
"O processo criminal assegura todas as garantias de defesa, incluindo o recurso".
Justifica a arguida (ponto 25° - fls. 52482 e 52484) que "através do n.° 2 do art. 133° do C.P.P., nesta dimensão interpretativa que ora se propõe ( ...), o legislador consagra solução que concilia, de forma equilibrada, os vários interesses em presença e, em particular, os direitos de defesa de todos os arguidos dos vários processos.
O legislador tutela assim, designadamente o direito constitucional de defesa do arguido que pretende fazer a contraprova dos factos que lhe são imputados (...) pelo depoimento de um agente que tem conhecimento directo de tais factos e, sendo embora arguido por crime conexo, vê tal crime ser processado em separado."
Se houvesse alguma inconstitucionalidade a considerar, seria a decorrente da posição defendida pela arguida — a supra exposta e desenvolvida -, por violação do princípio da igualdade (art. 13°, n.° 1 da C.R.P.) porque potenciaria o tratamento desigual de situação manifestamente iguais.
Na interpretação avançada pela arguida, a postergação das garantias de defesa tanto ocorreria no caso do impedimento absoluto (art. 133°, n.° 1, al. a)) como do relativo, se a testemunha, também arguido, não consentisse expressamente no depoimento (art. 133°, n.° 2), pois, também neste caso, aliás, frequente, não poderia fazer a contraprova dos factos que lhe são imputados.
O que é facto é que o legislador, também nesta última perspetiva, prevendo a possibilidade abstrata de o arguido não poder fazer a contraprova, não deixou de se conformar com essa consequência na medida em que permitiu que o arguido, também testemunha em processo separado por igual crime ou conexo, se recuse a depor.
A mesma interpretação avançada pela arguida, no seu limite, imporia igualmente que num único processo/processo único, o co-arguido fosse obrigado a prestar declarações e que o fizesse na qualidade de testemunha (tenha-se em consideração a possibilidade, não tão impossível como isso, de um co-arguido só conseguir fazer a contraprova dos factos que lhe são imputados com as declarações de um outro co-arguido, por exemplo, não o colocando em determinado tempo num certo lugar ou colocando-o no mesmo tempo num outro lugar).
A mesma interpretação avançada pelo arguido levaria, igualmente, que os assistentes fossem obrigados a depor como testemunhas (art. 133°, n.° 1, al. b)), as' partes civis (al. c)), os peritos (al. d)) ou que os familiares de determinado arguido ou que com ele tenha convivido em condições análogas à de cônjuge ou tivesse sido seu cônjuge também fossem sempre obrigados a prestar declarações na qualidade de testemunhas (art. 134°), bem como que não houvesse segredo profissional, de funcionário ou de Estado (arts. 135° a 137°) e que um interdito por anomalia psíquica fosse também fosse obrigado a prestar declarações na qualidade de testemunha (art. 131°, n.° 1).
Ou seja, essa mesma visão imporia que quase todo arrazoado da "prova testemunhal" (arts. 128° a 139° do C.P.P.) fosse considerado inconstitucional por não assegurar "todas as garantias de defesa" (art. 32°, n.° 1 da C.R.P.).
Em todas estas situações, incluindo a em apreço, não se vislumbra que a lei limite de forma desproporcional e irremediável as garantias de defesa do arguido.   
O que visou, em todas elas, foi atuar a concordância prática dos vários princípios/interesses em conflito (art. 18°, n.° 2 da C.R.P.), porventura, no caso em apreço, o direito ao silêncio e à não auto-incriminação da pessoa que poderia ser testemunha e que é arguido em processo conexo, fazendo-o na medida do estritamente necessário para não colocar em causa em causa os direitos de defesa do arguido no processo em que aquela poderia prestar declarações.
Admitir-se-ia, isso sim, a violação do princípio constitucional identificado pela arguida (art. 32°, n.° 1), bem como a violação do princípio da igualdade (art. 13°, n.° 1 da C.R.P.) caso a testemunha (IF…) sobre que recai o impedimento absoluto, tivesse sido inquirida nos presentes autos, nessa qualidade, à matéria da acusação e, em momento posterior, fosse constituída arguida em processo conexo e, por via disso, não pudesse prestar declarações sobre a matéria da defesa na sequência do declarado impedimento.
Porém, não é isso que ocorre nos autos, pois, não obstante a IF… ter sido arrolada corno testemunha de acusação pelo M.P. e também corno testemunha de defesa dos arguidos JV…, IC… e FB… não foi inquirida sobre qualquer uma das matérias.
Ademais, diga-se, não obstante a arguida IC…, em abstrato, o ter alegado, não aduz qualquer facto ou justificação de que da não inquirição de IF… na qualidade de testemunha resulta que a mesma arguida não consegue "fazer a contraprova dos factos que lhe são imputados (ou a prova dos factos impeditivos)" — fls. 52484, ponto 26°. (…)
Prosseguindo com o elenco das inconstitucionalidades interpretativas invocadas pela arguida, a mesma sustenta (fls. 52484, pontos 29° e 30° e segs.):
"Ainda sem conceder, mesmo que se considere aplicável às identificadas testemunhas o impedimento previsto no artigo 133°, n.° 1, al. a) do CPP, e não se admita de forma tão ampla a inconstitucionalidade suscitada, na ótica da arguida, sob pena de violação intolerável dos direitos decorrentes do artigo 32°, n.° 1 da CRP, neste caso em que as testemunhas tenham sido arroladas, não pelo titular da acção  penal, mas por qualquer um dos arguidos, sempre haverá situações — como a presente — em que, necessariamente, terá de ceder aquele impedimento, sob pena de interpretação materialmente inconstitucional daquele preceito." (sublinhado nosso)
Referindo-se, neste âmbito, ao processo de inquérito n.° …/…TELSB, adianta que é muito provável que "o Ministério Público, apesar de constituir as identificadas pessoas como arguidas somente em 2014, as considerasse como suspeitas muito antes disso — leia-se, pelo menos desde 21 de Novembro de 2009", e conclui que por se "encontrar aquele processo em investigação há sensivelmente 5 ou 6 anos, está o Ministério Público a condicionar o exercício dos direitos de defesa dos arguidos nestes autos".
Para tanto, alude ao facto de que no momento em que a arguida IC… "arrolou IG… como sua testemunha de defesa (a 7.10.2010, fls. 17.799 e segs), esta última não era arguida no processo n.° …/…TELSB (o que ocorreu apenas, recorde-se, a 6.1.2014)".
Conclui então:
"Nesse quadro, parece-nos de uma violência desproporcionada e inadmissível para os direitos de defesa da requerente dizer-se agora, volvidos quase cinco anos do início do julgamento e da apresentação dos meios de prova que julgou idóneos à sua defesa que, por força da atuação do Ministério Público, se não possa valer agora de determinada testemunha.
É que ao que tudo indica — v. supra -, o Ministério Público ultrapassou há muito o prazo máximo de duração daquele outro inquérito. Nessa medida, mesmo que inadvertidamente, ao retardar a decisão de constituir determinadas pessoas como arguidas naquele processo, bem como retarda a decisão de encerramento daquele inquérito, acaba, por essa via, por determinar o impedimento de determinadas pessoas deporem como testemunhas nos processos conexos ao processo que, por alguma razão, fica «em suspenso»".
Por fim, em resultado deste raciocínio, invoca duas inconstitucionalidades materiais, a saber (fls. 52487 e 52488, pontos 51° e 55°):
"O artigo 133°, n.° 1, al. a) do C.P.P., é materialmente inconstitucional, por violação dos artigos 32°, n.° 1 e 18°, n.° 2 da CRP, e do princípio do contraditório, interpretado no sentido de se manter o impedimento absoluto de uma testemunha de defesa que seja co-arguido em processo crime conexo, nos casos em que, ultrapassado o prazo legal previsto no artigo 276° do CPP, o Ministério Público não tenha preferido acusação ou arquivado o processo, nem dado cumprimento à previsão dos n. °s 6,7 e 8 deste último normativo."
"O artigo 133°, n.° 1, al. a) e n.° 2 do CPP, é materialmente inconstitucional, por violação dos artigos 32°, n.° 1 e 18°, n.° 2 da Constituição da República Portuguesa, e do princípio do contraditório, quando interpretado no sentido de se manter o impedimento absoluto de uma testemunha arrolada pela defesa que, sendo co-arguido em processo conexo, já tenha expressamente consentido em depor, nos casos em que, ultrapassado o prazo de duração máxima do inquérito, o Ministério Público não tenha proferido despacho de encerramento do inquérito, nem tenha dado cumprimento ao previsto nos n. °s 6, 7 e 8 do artigo 276° do Código de Processo Penal".
Dir-se-á:
Corrigindo uma ligeira imprecisão da arguida — não tão despicienda como isso —no reproduzido a fls. 52484 (ponto 30º), importa referir que a testemunha IF… foi arrolada pelo M.P. como testemunha de acusação pelo requerimento entrado em juízo a 26.3.2010 (v. fls. 14723 a 14725).
Salienta-se, novamente, que esta testemunha ainda não foi inquirida à matéria da acusação e à matéria da defesa, encontrando-se, por conseguinte, a acusação e a defesa numa posição de igualdade.
Não terá também razão a arguida quando refere que pela circunstância de o processo de inquérito n.° …/…TELSB estar "em investigação há sensivelmente 5 ou 6 anos, está o Ministério Público a condicionar o exercício dos direitos de defesa dos arguidos nestes autos".
Com efeito, tendo a arguida requerente arrolado "IG… como sua testemunha de defesa (a 7.10.2010, fls. 17799 e segs.)" e considerando que a mesma foi constituída arguida naquele processo a 6.1.2014, houve um longo período (início de 2011, data em que se iniciou o julgamento nestes autos, a 6.1.2014) no qual não incidiu qualquer impedimento para tal pessoa prestar declarações nos presentes autos na qualidade de testemunha, evento que somente não ocorreu pela ocorrência de várias vicissitudes processuais (recorda-se, aqui, também, a invocação do sigilo profissional pela testemunha e o incidente de quebra de sigilo profissional suscitado pelo Tribunal junto do Tribunal Superior).
Ou seja, ao contrário do que a arguida refere, não ocorreu, por acção do M.P., qualquer condicionamento do "exercício dos direitos de defesa dos arguidos nestes autos".
Aliás, se no processo de inquérito n.° …/…TELSB o M.P. tivesse optado por constituir como arguida a aqui testemunha IF…, porventura em data anterior a 7.10.2010 (data na qual a arguida, aqui requerente, a arrolou como sua testemunha de defesa), há muito tempo atrás se teria verificado o impedimento em análise — com consequências para a acusação e a defesa na medida em que, desde então, nunca poderia ser inquirida nos autos na qualidade de testemunha -, e não só em momento recente, designadamente a 6.1.2014, data na qual foi constituída arguida no identificado processo de inquérito.
Por isso, salvo o devido respeito por outra opinião, não se verificam as inconstitucionalidades materiais invocadas pela arguida requerente IC….
É que, além do que fica exposto, não se vislumbra como nem de que forma o ultrapassar do prazo legal de um inquérito (art. 276° do C.P.P.) possa ter um efeito reflexo de inconstitucionalidade material num outro processo com o julgamento em curso, mais a mais, no presente caso em que a acusação e a defesa estão numa posição de manifesta igualdade material em virtude de a testemunha IF… ainda não ter sido inquirida a nenhuma matéria dos autos, vigorando, portanto, "ab initio", o impedimento para ambos.
Acresce que, poderá cogitar-se se o impedimento a que alude o art. 133°, n.° 1, al. a) do C.P.P., em termos materiais, não será extensível a um "suspeito" em processo de inquérito, por argumento de "identidade ou maioria de razão", pois, entendimento diferente, poderia levar à violação do princípio da igualdade (art. 13°, n.° 1 do C.R.P.).
Ora, defendendo-se esta posição — atente-se no disposto no art. 59°, n.°s 1 e 2 do C.P.P. -, para a qual, em teoria, propendemos, a testemunha em causa, por ser suspeita da prática de um crime naquele processo de inquérito conexo, desde o início dessa suspeita, não poderia ser inquirida nos presentes autos na qualidade de testemunha, e, como tal, para o mesmo desiderato, não teria qualquer relevo a data em que foi constituída arguida no processo de inquérito nem a circunstância de no mesmo terem sido ultrapassados os prazos a que alude o art. 276° do C.P.P..
Por fim, à semelhança do que acontece noutros casos (art. 131° - interdição por anomalia psíquica; art. 133°, n.° 1, als. b), c) e d) — posição processual; art. 134°, n.° 1, al. a) — relação de parentesco) e ao contrário do que acontece em situações residuais (art. 134°, n.° 1, al. b)), objetivamente, a lei adjetiva não condiciona os impedimentos a um qualquer "iter" temporal, mas outrossim à verificação do facto objectivo, neste caso, a constituição como arguida, independentemente da data em que essa constituição venha a ocorrer.
Pelo exposto e razões aduzidas, decide-se:
1) Atento o entendimento exposto, ficam prejudicadas as diligências requeridas pela arguida IC… junto do processo de inquérito n.° …/…TELSB que corre termos junto do DCIAP e, por conseguinte, indefere-se, nesta parte, o requerido;
2) Julgar não verificadas e indeferidas as inconstitucionalidades materiais invocadas pela arguida IC… a fls. 52483 a 52490;
3) Por estarem verificados os pressupostos a que alude o art. 133°, n.° 1, al. a) do C.P.P. julgar a IG… absolutamente impedida de depor nos presentes autos na qualidade de testemunha;
4) Aquando da notificação deste despacho com cópias do expediente de fls. 52176 a 52182, notifique-se ainda a testemunha IG… do seu teor na parte pertinente;”

11. Inconformada com o teor da decisão de 21 de Setembro de 2015 (fls. 53108 a 53131), que julgou IG… absolutamente impedida de depor nos presentes autos na qualidade de testemunha, a arguida IM… interpôs recurso, pugnando por que seja revogada a Decisão Recorrida, reconhecendo-se que a testemunha IF… não está, nunca esteve, absolutamente impedida de depor enquanto testemunha nos presentes autos, consequentemente anulando-se toda a tramitação posterior à Decisão recorrida cuja manutenção seja incompatível com a revogação da mesma.

12. A Recorrente extraiu da sua motivação (cf. fls. 53530 e segs.) as seguintes conclusões:
A. O objecto do presente Recurso diz respeito ao douto Despacho do Tribunal a quo de fls. 53.108 e seguintes, de 21 de Setembro de 2015, que, entre o mais, rejeitando a posição manifestada pela Arguida, aqui Recorrente, a fls. 52.479 e ss., e indeferindo o aí requerido, julgou IG… absolutamente impedida de depor nos presentes autos na qualidade de testemunha, aplicando ao caso a previsão normativa decorrente do artigo 133.º, n.º 1, alínea a), do CPP.
B. A posição do Tribunal a quo é espelho de uma incorrecta interpretação do artigo 133.º do CPP, sobretudo na conjugação entre a alínea a) do n.º 1 e o n.º 2, o que ressalta, nomeadamente, da alusão que faz à “credibilidade do depoimento da testemunha”.
C. O facto de uma testemunha estar, ou não, à vontade enquanto depõe ou, nas palavras da Decisão recorrida, “condicionada”, será questão a ser apreciada em sede de livre apreciação da prova.
D. Se porventura a pessoa a inquirir como testemunha for, dentro do processo onde se quer que preste depoimento, arguida, então, por razões óbvias, nunca irá poder depor enquanto testemunha nesse processo (por aplicação directa do artigo 133.º, n.º 1).
E. Se não for arguida nesse processo, mas o for num outro onde se aprecie crime conexo com aquele que é apreciado no processo onde se pretende que deponha enquanto testemunha, o legislador reconheceu-lhe a possibilidade de se recusar a depor.
F. Está a pessoa em causa “protegida”, portanto, seja porque não pode depor enquanto testemunha (artigo 133.º, n.º 1), seja por poder recusar-se a fazê-lo (artigo 133.º, n.º 2). Essa pessoa nunca se encontrará condicionada, antes pelo contrário.
G. No n.º 1 do artigo 133.º só releva a conexão formal e no n.º 2 do mesmo artigo apenas a conexão material de processos.
H. É essa, aliás, a razão de na primeira situação se falar em “processos conexos” e na segunda em “crimes conexos”.
I. O Tribunal a quo, insiste, sem qualquer arrimo legal, que onde se lê “processos conexos” no artigo 133.º, n.º 1, alínea a), se deve também ler “processos conexos, formal ou materialmente falando”.
J. Essa interpretação extravasa, e em muito, aquilo que é lícito ao intérprete realizar e, sobretudo, ao julgador, sobretudo num contexto como aquele onde opera a Decisão recorrida, de alusão, e suporte, no regime da conexão de processos, previsto nos artigos 24.º e seguintes do CPP.
K. A Decisão recorrida olvida que, a partir do momento em que ocorre apensação de processos, e apesar de se organizar um só processo, continuam a existir processos conexos (que são organizados num só).
L. A lei é mais clara do que aquilo a Decisão recorrida quer sugerir, estando a mesma Decisão errada ao afirmar que no caso de conexão deixa de haver processos conexos, e apenas um único processo.
M. É assim, no caso de crimes conexos, versados no mesmo processo (n.º 1 do artigo 29.º). Não é assim, porém, no caso que releva, escamoteado ostensivamente pela Decisão recorrida, ao citar o n.º 1 do aludido artigo, e não o seu n.º 2.
N. Não prevê a lei, portanto, na apensação regulada pelo n.º 2 do artigo 29.º – que é aquela que releva, e é a que foi suscitada pela Recorrente em momento prévio à Decisão recorrida – que o resultado da conexão de processos signifique a inexistência de processos conexos, tramitados no mesmo processo.
O. Não há, por essa razão, esvaziamento de sentido útil à segunda parte do artigo 133.º, n.º 1, al. a), quando se refere a “processos conexos”, precisamente, porque a primeira parte integrará a situação do artigo 29.º, n.º 1 (conexão de crimes), e a segunda integrará a situação do artigo 29.º, n.º 2 (conexão de processos).
P. Não há, como propõe a Decisão recorrida, na posição da Recorrente, qualquer “tratamento manifestamente desigual de situações que, na sua essência, são iguais”.
Q. As situações que a Decisão reputa, na sua essência, como iguais, são, na verdade, manifestamente desiguais, inexistindo, consequentemente, qualquer violação do princípio da igualdade
R. Não há processos conexos que não estejam apensados.
S. Se não há apensação – e, portanto, logicamente, havendo separação –, não faz sentido falar-se em processos conexos.
T. Se dois crimes determinantes de uma conexão não se tiverem organizado num só processo – ou porque ninguém o requereu, ou porque o M.P. assim não o entendeu ou determinou, ou porque não eram do seu conhecimento por estarem em investigação em comarcas distintas, etc. – o arguido de um crime conexo, pode depor como testemunha num processo onde, não sendo arguido, contém um crime conexo com aquele.
U. Se o arguido de crime conexo, enquanto testemunha num processo onde não é arguido, consente expressamente na prestação de depoimento, e isso lhe é vedado (situação em apreço nos presentes autos), atinge-se desnecessariamente o direito do arguido que o quer ouvir à sua Defesa, e “protege-se” não se sabe bem o quê relativamente ao arguido/testemunha que, apesar de consentir expressamente na prestação de depoimento, não lhe permitem que o faça.
V. É evidente a manifesta desigualdade existente entre (1) a posição do arguido de crime conexo que é co-arguido no mesmo processo de outro arguido de crime conexo, (2) da posição do arguido de crime conexo que não é não é co-arguido no mesmo processo de outro arguido de crime conexo.
W. Tivesse sido constituída como arguida em 2010 ou no momento presente, a partir do momento que IF… não é arguida nos presentes autos, notoriamente poderá sempre prestar depoimento enquanto testemunha nestes, caso expressamente o consinta – como já o fez.
X. Acaba a Decisão recorrida a integrar a figura do “suspeito” no âmbito da previsão do artigo 133.º, n.º 1, alínea a), arrimando essa solução no artigo 59.º, n.ºs 1 e 2, do CPP.
Y. Retira, desta norma, a Decisão recorrida, que o “suspeito” estará também impedido de depor enquanto testemunha em processo onde corre crime conexo àquele onde é suspeito.
Z. É absolutamente destituído de sentido querer integrar o “suspeito” na previsão do artigo 133.º, n.º 1, al. a), por via da invocação do artigo 59.º, n.º 1, ambos do CPP, por manifesta incompatibilidade de pressupostos na aplicação de uma e outra norma: na primeira há arguido e a inquirição não tem lugar; na segunda, não há arguido, mas passará a haver, precisamente, por a inquirição ter tido lugar;
AA. Como é também, e ainda com todo o devido respeito, destituído de sentido querer integrar o “suspeito” na previsão do artigo 133.º, n.º 1, al. a), por via da invocação do artigo 59.º, n.º 2, ambos do CPP, por idêntica e manifesta incompatibilidade de pressupostos na aplicação de uma e outra norma: na primeira há arguido e a inquirição não tem lugar; na segunda, não há arguido, mas pretende-se apurar se deve haver, reconhecendo-se, por via disso, o direito ao “suspeito” de ser constituído arguido a pedido.
BB. Não há, assim, qualquer “identidade”, e muito menos “maioria de razão”, a trazer à colação na presente situação.
CC. É materialmente inconstitucional, por violação do artigo 32.º, n.º 1, da CRP, a interpretação normativa aplicada na Decisão recorrida e resultante da conjugação da alínea a) do n.º 1, com o n.º 2 do artigo 133.º, do CPP, em qualquer dimensão que rejeite, em processo criminal, a prestação de depoimento como testemunha (ou a respectiva valoração probatória), de sujeito arrolada pela Defesa, que, sendo arguido por crime conexo em processo que corra termos autonomamente, consinta de forma expressa na prestação de tal depoimento.
DD. Por outro lado, pelas razões oportunamente aduzidas pela Arguida no seu Requerimento prévio à Decisão recorrida, que aqui se dão por reproduzidos para todos os devidos efeitos legais,
EE. O artigo 133.º, n.º 1, alínea a), do CPP, é materialmente inconstitucional, por violação dos artigos 32.º, n.º 1 e 18.º, n.º 2, da CRP, e do princípio do contraditório, interpretado – como foi pela Decisão recorrida – no sentido de se manter o impedimento absoluto de uma testemunha de defesa que seja co-arguido em processo por crime conexo, nos casos em que, ultrapassado o prazo legal previsto no artigo 276.º do CPP, o Ministério Público não tenha proferido acusação ou arquivado o processo, nem dado cumprimento à previsão dos n.ºs 6, 7 e 8 deste último normativo;
FF. Noutra perspectiva, também oportunamente aduzida, a interpretação normativa implicitamente adoptada na Decisão recorrida, e resultante da conjugação do artigo 133.º, n.º 1, alínea a) e n.º 2, do CPP, é materialmente inconstitucional, por violação dos artigos 32.º, n.º 1 e 18.º, n.º 2, da CRP, e do princípio do contraditório, no sentido de se manter o impedimento absoluto de uma testemunha arrolada pela defesa que, sendo co-arguido em processo por crime conexo, já tenha expressamente consentido em depor, nos casos em que, ultrapassado o prazo legal previsto no artigo 276.º do CPP, o Ministério Público não tenha proferido acusação ou arquivado o processo, nem dado cumprimento à previsão dos n.ºs 6, 7 e 8 deste último normativo.

13. A fls. 53350-53351 e 53648-53649 foram proferidos despachos a admitir os recursos, com subida diferida, com o recurso da decisão que puser termo à causa, nos próprios autos e com efeito meramente devolutivo.

14. O Ministério Público respondeu ao recurso do arguido JO… (que visou a decisão que indeferiu a arguição de irregularidade), pugnando por que não se conheça do recurso e extraindo das suas contra-alegações as seguintes conclusões (fls. 53592 e 53593):
1ª – A questão que o presente recurso equaciona é a seguinte:
O despacho que decidiu a alteração parcial da ordem da produção de prova de tal modo que fossem ouvidas as testemunhas de defesa CA…, AG… e AI…, antes da testemunha de acusação, e também de defesa, IG…, deveria ou não ser precedido de audição dos sujeitos processuais que nele sejam interessados, em observância do princípio basilar da contraditoriedade que tem assento no artigo 327º do CPP?
2ª – Ora, a decisão de 21.09.2015 (fls. 53108 a 53122) que declarou a testemunha de acusação, e também de defesa, IG… impedida de depor nos presentes autos, configura-se como causa absolutamente prejudicial da questão equacionada na 1ª conclusão, obstando ao conhecimento do recurso.
3ª - Com efeito, verificando-se que, em resultado do despacho que declarou a testemunha IG… absolutamente impedida de depor, não houve a produção de prova cuja ordem tivesse sido alterada nos termos da decisão recorrida que a determinou, é de todo inútil que, por efeito da eventual procedência deste recurso, seja conferido ao arguido recorrente o direito ao contraditório a fim de se pronunciar sobre uma alteração parcial da ordem da produção de prova que definitivamente não se verificou.

15. O Ministério Público respondeu, também, ao recurso da arguida IM… que visou a decisão que julgou IG… impedida de depor como testemunha, extraindo das suas contra-alegações as seguintes conclusões (fls. 53766 e 53767):
(i) “Quem não é arguido em processo-crime e seus processos apensos, sendo arguido em processo-crime separado, não está absolutamente impedido de depor como testemunha naquele processo;
(ii) Por isso, é inaplicável à vertida situação o disposto no artigo 133º n.º 1, alínea a) do CPP;
(iii) Mas, será porventura aplicável o disposto no artigo 133º n.º 2 do CPP, ou seja, a testemunha apenas pode depor no processo-crime no qual não é arguida se nisso consentir expressamente.
(iv) Por outro lado, os crimes da pronúncia destes autos e o crime de fraude fiscal a que respeita o inquérito n.º …/… TELSB imputado a IF… não têm entre si uma relação de conexão aferida em razão dos critérios definidos no artigo 24º n.º 1 do CPP;
(v) Por isso, a testemunha IG… cujo depoimento é susceptível de relevar para a descoberta da verdade, não está relativamente impedida de depor como testemunha nos presentes autos porque, sendo arguida no inquérito n.º …/…TELSB, os crimes da pronúncia destes autos não estão em conexão com o crime de fraude fiscal que lhe é imputado naqueloutro identificado processo;
(vi) Mas, ainda que, por hipótese, os crimes de um e outro processo se devessem considerar legalmente conexos, o seu impedimento seria, então, relativo que não absoluto.

II.

Apreciando.
1. No caso dos dois recursos ora em apreço, desde logo atenta a posição expressa pelo Ministério Público, surge como vantajoso para sistematização da decisão, o abandono da ordem cronológica por que foram interpostos os recursos.
Tendo sempre presentes as conclusões alinhadas pelos recorrentes, ponderando as conclusões extraídas pelo Ministério Público nas suas respostas e sopesando as possíveis consequências introduzidas por episódios processuais posteriores, a apreciação dos recursos passará pela resposta às seguintes questões:
- assentou a decisão de fls. 53108 a 53131 em incorrecta interpretação dos artigos 29º e 133º do C.P.Penal e por isso, considerando erradamente que o processo …/…TELSB integrava o conceito de “processo conexo”, andou mal o tribunal a quo quando julgou IG… absolutamente impedida de depor nos presentes autos na qualidade de testemunha, por estarem verificados os pressupostos a que alude o artigo 133º, nº 1, al. a), daquele código, quando deveria ter considerado que se estava perante a previsão do nº 2 deste preceito?
- a circunstância de se ter decidido que IG… estava absolutamente impedida de depor nos presentes autos na qualidade de testemunha, inutilizou supervenientemente o recurso interposto pelo arguido JO…?
- (em caso de resposta negativa à questão precedente) a decisão de fls. fls. 52092 e 52093 foi proferida com violação do princípio do contraditório, por ter sido tomada perante pressupostos sobre os quais o arguido JO… não teve o ensejo de se pronunciar?

2. Vejamos.
A arguida IM… acusa o Tribunal a quo de ter incorrido em confusão conceptual e terminológica, interpretando mal as expressões da lei “processos conexos” e “crimes conexos”.

3. No artigo 133º do Código de Processo Penal surgem aquelas duas expressões, a primeira na alínea a) do nº 1, a última, no nº 2. Relembramos que o teor do preceito é (e já era na redacção introduzida pela Lei nº 48/2007, de 29 de Agosto, que vigorava à data em que foi proferida a decisão recorrida):
“1 - Estão impedidos de depor como testemunhas:
a) O arguido e os co-arguidos no mesmo processo ou em processos conexos, enquanto mantiverem aquela qualidade;
(…)
2 - Em caso de separação de processos, os arguidos de um mesmo crime ou de um crime conexo, mesmo que já condenados por sentença transitada em julgado, só podem depor como testemunhas se nisso expressamente consentirem.” (destacado nosso).

4. No entender da arguida recorrente, a diferença dessas duas expressões justifica que se façam os seguintes reparos à decisão recorrida:
Primeiro, não há processos conexos que não estejam apensados, falhando logo aí a premissa inicial do raciocínio expendido – evidenciando-se, uma vez mais, a confusão terminológica da Decisão recorrida entre “crimes conexos” e “processos conexos”.
Segundo, se não há apensação – e, portanto, logicamente, havendo separação –, não faz também sentido falar-se em processos conexos, falhando, também aí, a premissa final do raciocínio apresentado.”

5. Será assim?
Será que na economia do Código de Processo Penal são equivalentes, idênticos ou sequer indissociáveis os conceitos de “processo conexo” e “processo apensado”?
A resposta é negativa. O equívoco em que incorre a arguida recorrente resulta de confusão entre causa e efeito. Vejamos.

6. O Código de Processo Penal regula no artigo 24º os casos de conexão processual. Dessa regulação, como já anteriormente tivemos ocasião de afirmar, resulta que a conexão processual surge como o efeito que o legislador pretende disciplinar perante a constatação da conexão de crimes (sendo esta a causa por trás daquele efeito disciplinado).
A constatação da conexão de crimes deverá conduzir à organização de “um só processo”, como estipula o nº 1 do artigo 29º do C.P.P. O que a Lei pretende é que para o conjunto dos crimes conexos (situações dotadas de autonomia, mas ligadas pela conexão) se crie uma comunidade ou comunhão processual  (o que na terminologia alemã se chama prozessualer Gemeinsamkeit, e que corresponde a um processamento simultâneo de relações jurídico-processuais distintas ou, se preferirmos, a um processamento conjunto de distintas causas penais[91]).

7. Este desiderato do legislador não contraria, antes até confirma, o princípio de que a cada crime corresponde um processo e um tribunal competente. A opção pela tramitação conjunta decorre, isso sim, da constatação de maior vantagem[92] no processamento conjunto do que na originária tramitação em separado.
Se essa conexão de crimes é constatada em simultâneo no momento em que se inicia o processamento das várias situações (no momento da notícia do crime), a organização de um só processo – em cumprimento do estabelecido no nº 1 do artigo 29º - não depende de qualquer apensação – a comunhão processual será originária, sem depender de qualquer operação de reunião de unidades processuais com existência anterior. Nesse caso, ao contrário do afirmado pela recorrente IC…, haverá conexão processual, mas não apensação de processos (não haverá processos apensados, mas antes o processamento comum e unitário dos vários processos correspondentes a cada um dos crimes).

8. Diferentemente, deverá ocorrer a apensação de processos quando o reconhecimento da conexão ocorrer em momento superveniente ao da instauração das várias unidades processuais – nessa situação, e só nessa situação, se falará, com propriedade, de apensação de processos conexos.
Estabelece o nº 2 do artigo 29º do C.P.P. que “Se tiverem já sido instaurados processos distintos, logo que a conexão for reconhecida procede-se à apensação de todos àquele que respeitar ao crime determinante da competência por conexão”. A constatação da conexão processual (relação derivada da conexão de crimes) conduz, então, à apensação dos processos (operação dirigida à unificação das várias causas num mesmo processamento).

9. Que conexão processual e apensação de processos não são indissociáveis resulta, desde logo, dos casos legalmente previstos de conexão inoperante.
Desde logo, por força do disposto no nº 2 do artigo 24º, mesmo que constatada a conexão de processos por via de qualquer uma das alíneas do nº 1 desse preceito, ela não operará (e por isso não haverá apensação) relativamente a processos que se encontrem em fases distintas (inquérito, instrução ou julgamento).
Por outro lado, nos termos do disposto no artigo 26º do C.P.Penal, a conexão não opera entre processos que sejam e processos que não sejam da competência de Tribunais de Menores. Igualmente não opera a conexão entre crimes de responsabilidade de titulares de cargos políticos no exercício das suas funções e crimes de outros responsáveis que não sejam titulares de cargos políticos – assim estabelece o artigo 42º da Lei nº 34/87, de 16 de Julho.

10. Não sendo, pois, correcta a asserção de que inexistindo apensação de processos inexistirão processos conexos, cumpre proceder à interpretação do disposto no artigo 133º do Código de Processo Penal, visando especialmente encontrar a solução legal para a situação em apreço nos autos.

11. Note-se que a recorrente IC… não põe em causa a verificação de conexão entre as imputações criminais feitas a IG… no processo de inquérito n.° …/…TELSB por um lado e, por outro lado, as imputações feitas aos arguidos nos presentes autos. Tal não é, diversamente, o entendimento do Ministério Público, que contra argumenta com a inexistência de conexão entre os crimes.
O que a recorrente impugna por via recursiva (em entendimento acompanhado pelo Ministério Público) é o entendimento subjacente à decisão recorrida de que a situação concreta em apreço acciona a previsão da al. a) do nº 1 do artigo 133º do Código de Processo Penal.
Entendem a arguida recorrente e o Ministério Público que quem não é arguido em processo-crime e seus processos apensos, sendo arguido em processo-crime com processamento autónomo, não está absolutamente impedido de depor como testemunha naquele processo. Mais entendem, arguida recorrente e Ministério Público, que uma tal situação é, isso sim, susceptível de accionar a previsão do nº 2 do artigo 133º do Código de Processo Penal.

12. Quid iuris?
Aparentemente, a recorrente deixou-se impressionar pela coexistência no artigo 133º do Código de Processo Penal, das expressões “processos conexos” e “crime conexo”, acreditando que nessa diferença de terminologia se encontraria a chave de interpretação do preceito e a definição do diferente âmbito de aplicação dos preceitos do nº 1, al. a), e do nº 2. Mas não é assim.
Como vimos supra, não é correcto fazer corresponder à expressão legal “processos conexos” o sentido de processos apensados – como vimos, é possível constatar-se a ocorrência de conexão processual sem verificação de comunhão processual.
Por outro lado, e para se colocarem em discussão todos os elementos relevantes, é necessário que se compreenda que o Código de Processo Penal disciplina de forma rigorosa, taxativa e excepcional os casos que denomina de separação de processos – veja-se o disposto no artigo 30º, preceito de que resulta ser a separação de processos o efeito da cessação da conexão e no qual se estabelece um quadro fechado de situações em que a separação é admissível.

13. Quando recordamos que por detrás da opção de apensação de processos conexos para processamento conjunto estiveram razões de economia processual e de vantagem para a realização da justiça, facilmente compreendemos que o espírito da Lei é o de salvaguardar a comunidade processual assim obtida, apenas permitindo que a mesma se desfaça nos casos excepcionais em que se conclua que da reunião de causas penais resultam, afinal, mais desvantagens do que vantagens.
Nesse sentido se pronunciam sempre os nossos Tribunais Superiores podendo, mais uma vez e entre tantas outras decisões, ver-se o que foi recentemente decidido por este Tribunal da Relação de Lisboa, no já citado Acórdão de 4 de Outubro de 2018[93]. Por oposição à previsão legal dos casos de conexão, referem-se neste douto acórdão os “(…) casos de procedimento inverso, designados de separação de processos, para os casos em que já se mostra operada a conexão, sendo previstas determinadas situações nas quais, verificados certos pressupostos, se admite a constituição de processos distintos, quer em função de determinado segmento de factos (por exemplo factos mais antigos e em risco de prescrição) quer em função das pessoas de certos arguidos e dos factos imputados aos mesmos. Entendeu-se que mantendo cada crime a sua autonomia e sendo a junção num único processo justificada pela procura de uma melhor justiça, se dessa junção resultar maior dano do que benefício, deve essa unidade processual desfazer-se (neste sentido, ainda Germano Marques da Silva, no citado "Curso de Processo Penal").” (sublinhado nosso).

14. A expressão separação de processos tem, efectivamente, no domínio do Código de Processo Penal português um sentido muito específico, limitado à operação de cessação da conexão processual.
A isso não será alheia a circunstância de a nossa lei processual penal, ao contrário do que sucede com a italiana (cfr. artigo 17 do Codice de Procedura Penale) e com a alemã (cfr. § 237 da Strafprozessordnung), não prever, de modo expresso, a possibilidade de se tramitar em simultâneo processos penais distintos fora dos casos de conexão. Logicamente, a separação de processos, no ordenamento processual penal português, não surge com outro sentido que o de operação de cessação de prévia conexão.

15. Por fim, para que se alcance rigorosamente o sentido dos preceitos legais reguladores dos casos de impedimento, impõe-se delimitar o conceito de imputação conexa ou, na terminologia do Código de Processo Penal, “crime conexo”.
Nesta tarefa, como já antes dissemos supra na apreciação do recurso interposto do despacho de fls. 41633 (recurso relativo ao alegado impedimento da testemunha TP…), encontramos confortável apoio na lição de António Medina de Seiça sobre os casos de conexão relevantes[94]. Fazendo apelo a uma correcta compreensão da terminologia conceptual utilizada pelo legislador processual penal, o autor, ultrapassando a questão da conexão processual (efeito disciplinado pelo artigo 24º), propõe que nos concentremos na conexão de crimes (causa por trás daquele efeito disciplinado).

16. Indo à essência da questão, reconhece-se que o verdadeiro fundamento do impedimento não reside na verificação da situação de comunhão processual, mas antes na conexão entre as imputações.
Assim, os casos de conexão previstos no artigo 24º do Código de Processo Penal, manifestam a ratio do impedimento e, não constituindo um catálogo fechado das situações atendíveis, constituem um quadro orientador na definição de “crime conexo”, densificando o conceito legal cujo preenchimento, no fundo, deverá depender da “existência entre as imputações dos vários arguidos de um nexo que justifique o direito a não ser constrangido a prestar declarações na forma de testemunho”.
Revisitando os ensinamentos do citado autor, diremos, pois, que “excluindo, naturalmente a hipótese prevista na alínea a), enquanto referida a uma situação de arguição singular, o fundamento do impedimento verifica-se nos casos em que o mesmo crime foi cometido por vários agentes em comparticipação, podendo dizer-se ser este o seu campo de eleição. Incluem-se aqui todos os casos de comparticipação definidos na lei substantiva (cf. Arts. 26º e 27º do CP) e as situações de participação necessária. O mesmo vale para a hipótese de vários crimes serem cometidos por vários agentes em comparticipação. Também a circunstância de as imputações dos arguidos respeitarem a crimes que sejam causa e efeito dos outros ou se destinem a continuar ou ocultar outros (como o favorecimento pessoal, o auxílio material ao criminoso e a receptação), cai dentro do âmbito da proibição do testemunho”[95].

17. Em síntese, importa reter que a ratio do preceito se prende com a necessidade de estender o direito ao silêncio ao co-arguido e aos que ocupem a posição de arguido em processo conexo, permitindo-se que estes se defendam não revelando, através de testemunho sobre facto de outro, qualquer circunstância que possa comprometer a sua posição.
Como já antes dissemos, movemo-nos, pois, no âmbito das garantias constitucionais relativas à proibição da indefesa, inerente ao processo equitativo imposto pelo artigo 20.º, n.º 4, da Constituição e, muito particularmente, no âmbito do direito à não auto-incriminação.

18. Inserindo-se o direito à não auto-incriminação no domínio dos direitos fundamentais, importa ter presentes as limitações que esse posicionamento impõe ao intérprete. Nesse contexto, impõem-se especiais cuidados de interpretação da lei processual em conformidade com a Constituição, designadamente excluindo-se a possibilidade de interpretação extensiva de regras que restringem direitos fundamentais, com fundamento no princípio da proibição do excesso[96].
O artigo 18º da Constituição da República Portuguesa fornece parâmetros inalienáveis para a interpretação das leis processuais penais, ao dispor que:
“1. Os preceitos constitucionais respeitantes aos direitos, liberdades e garantias são directamente aplicáveis e vinculam as entidades públicas e privadas.
2. A lei só pode restringir os direitos, liberdades e garantias nos casos expressamente previstos na Constituição, devendo as restrições limitar-se ao necessário para salvaguardar outros direitos ou interesses constitucionalmente protegidos.
3. As leis restritivas de direitos, liberdades e garantias têm de revestir carácter geral e abstracto e não podem ter efeito retroactivo nem diminuir a extensão e o alcance do conteúdo essencial dos preceitos constitucionais.”.

19. Aqui chegados, e tendo sempre presentes as considerações supra tecidas, importa concluir pelo acerto da interpretação que do artigo 133º do Código de Processo Penal fez o Tribunal a quo para considerar que o processo …/…TELSB integrava o conceito de “processo conexo” e, com base nisso, julgar IG… absolutamente impedida de depor nos presentes autos na qualidade de testemunha, por estarem verificados os pressupostos a que alude o artigo 133º, nº 1, al. a), daquele código.

20. Entendeu o Tribunal a quo que se tratava de processo conexo, apesar de não estar apensado aos presentes autos, por se tratar de processo em que à pessoa a inquirir era imputada, na qualidade de arguida, a prática de crime conexo com os dos presentes autos.
E, sendo esse o adequado critério para definir o âmbito do impedimento, bem andou o Tribunal a quo quando na decisão de 21 de Setembro de 2015, a decisão de fls. 53108 a 53131 (decisão recorrida) julgou IG… absolutamente impedida de depor nos presentes autos na qualidade de testemunha, atendendo à seguinte fundamentação que, pelo rigoroso acerto, se reproduz:
A questão que importa aferir é se existe uma conexão formal e material entre os dois processos (identificado processo de inquérito e o presente) pois, caso tal ocorra, a IG… está impedida de depor como testemunha nos presentes autos (art. 133°, n.° 1, al. a) do C.P.P.).
(…) tendo em consideração os elementos fornecidos pelo DCIAP verifica-se uma correspondência formal e material entre os factos indiciados no processo de inquérito e os constantes da pronúncia dos presentes autos, designadamente:
Banco Insular e JARED:
No processo de inquérito está indiciado que a IG… terá beneficiado de remunerações ("pagamento/recebimento"), num montante total de € 250.000,00, de forma não declarada, que foram creditadas na conta da AQUAMARINE ASSOCIATES SA, sociedade da qual era procuradora, através de transferência bancária, sendo este valor proveniente da conta n.° …, titulada pela entidade offshore JARED FINANCE LLC, no Banco Insular.
Ora, esta factualidade relativa à Jared, pelo menos em abstracto, está inequivocamente referenciada na nossa pronúncia, enquadrando-se, sem dúvida, naquela abstracção, o caso pelo qual a IG… está indiciada no processo de inquérito.
Com efeito, refere-se na pronúncia objecto dos presentes autos que "as entidades VENICE, SOLRAC e JARED foram utilizadas como veículos de outras sociedades e pessoas, através de saques a descoberto, bem como serviram de centro de custos, contribuindo de forma fictícia para o aumento dos resultados financeiros do grupo BPN/SLN, uma vez que permitiram a omissão do registo de custos e justificaram a contabilização de juros dos financiamentos concedidos, se bem que nunca efectivamente pagos" (art. 73°) — sublinhado nosso.
No mesmo sentido, atente-se no vertido no art. 71° da pronúncia: "na execução do plano traçado, foram os arguidos JO…, LC… e FS…s ordenando ao longo do espaço temporal a que os factos desta acusação se refere, a obtenção e utilização de sociedades registadas em off-shore que destinavam, consoante os seus específicos interesses, a parqueamento de custos (...) e a servirem como veículos de passagem de fundos e operações pontuais". (sublinhado nosso)
Impressivo, também, a este propósito, é o constante do art. 190° da pronúncia de onde consta que "através de financiamentos do Banco Insular, aqueles arguidos, para a prossecução dos seus objectivos de controlo accionista e financiamento de negócios do próprio grupo e de terceiros, lograram: (...) pagamentos directos a título de remunerações, prémios, comissões e patrocínios." (sublinhado nosso)
Acresce que, compulsados os factos referentes ao Banco Insular e constantes da pronúncia proferida nos presentes autos (factos 77° a 230°), é de concluir que esta instituição bancária assume urna posição nuclear e central nessa factualidade.
Em resumo, como bem sintetiza o arguido LC… no seu requerimento de fls. 46089 a 46096:
"Resulta de modo claro que no âmbito do processo n.° …/…TDLSB, no que se refere à entidade JARED, estão abarcadas matérias que constituem a outra face da mesma moeda onde se encontra o processo n.° …/…TELSB.
Isto é, no que concerne à entidade JARED, do lado do processo n.° …/…TDLSB está em causa o julgamento de factos que têm a ver com a tomada de decisões sobre a utilização daquela entidade (incluindo o alegado pagamento de remunerações não declaradas à administração fiscal).
Já do lado do processo n.° …/…TELSB estarão em causa pelo menos algumas — as consequências das decisões tomadas quanto à utilização daquela mesma entidade (incluindo o alegado recebimento de remunerações não declaradas à administração fiscal).
Factos que, como é evidente, são incindíveis."
Acresce que no identificado processo de inquérito são co-arguidos, tal como nos presentes autos, o Jau…, a IC… e o AF….
Vale o exposto por dizer que tomando por base os factos indiciados no identificado processo de inquérito e os que foram vertidos na pronúncia nos presentes autos, não subsistem dúvidas de que em termos formais poderia ter-se operado, na altura própria, uma conexão de processos, em virtude de estarem verificados os pressupostos a que alude o art. 24°, n.° 1, als. a), d) e e) do C.P.P..
Por conseguinte, em nosso entender, verificam-se igualmente os pressupostos do art. 133°, n.° 1, al. a) do C.P.P., i.e., uma conexão formal e material entre ambos os processos.
Na medida em que a aqui testemunha é arguida naqueles autos de inquérito, está absolutamente impedida de depor nos presentes autos na qualidade de testemunha.”.

21. O acerto da decisão do Tribunal a quo verifica-se, igualmente, na vertente da decisão recorrida em que exclui a aplicabilidade ao caso vertente do disposto no nº 2 do artigo 133º do C.P.Penal, concluindo pelo carácter absoluto do impedimento.
Ao concluir que o “(…) impedimento é absoluto na medida em que a lei não prevê qualquer derrogação a este ditame”, referindo-se à regra do nº 1 do artigo 133º e seus fundamentos, o Tribunal a quo fez dos preceitos em causa uma interpretação correcta e conforme com a Constituição, evitando o recurso a uma proibida interpretação extensiva do nº 2 daquele artigo para, como pretende a arguida recorrente, nele se poderem considerar abrangidos todos os casos em que não ocorre comunhão processual.

22. Não desconhecemos que a argumentação da arguida recorrente encontra algum apoio na tese de Medina de Seiça que, no seu citado estudo, refere: “a possibilidade conferida pelo artigo 133º, nº 2, aplica-se aos arguidos do mesmo crime ou crime conexo em todos os casos de inexistência de comunhão processual, seja essa inexistência originária ou consequente a uma separação de processos ordenada nos termos do artigo 30º” [97].

23. Salvo o devido respeito por tal opinião, por um lado entendemos que a mesma não é defensável, por não se poder aderir ao argumento histórico a que o citado autor recorre na interpretação do preceito em apreço, desde logo em face do que decorre do sistema em que a norma se insere. Por outro lado, tal opinião torna-se indefensável perante a proibição de interpretação extensiva das normas que restringem direitos fundamentais.

24. Vejamos.
Aparentemente seria defensável interpretar o nº 2 do artigo 133º do C.P.Penal, na parte em que refere “Em caso de separação de processos” com a mesma amplitude que tinha o preceito do projecto de Código de Processo Penal Italiano em que o nosso legislador se inspirou para a criação da norma. Refere, no entanto, o autor citado, por comparação com o Progetto Preliminare del Codice di Procedura Penale italiano, datado de 1978, que “A formulação da lei portuguesa é, talvez, menos clara que a do projecto italiano. Aí exigia-se o consentimento dos arguidos do mesmo crime ou de crime conexo contra os quais se procede separadamente, querendo significar-se com isso todos os casos em que a tramitação conjunta não ocorre”.
Este argumento, porém, esbarra com um obstáculo que lhe retira, a nosso ver, a consistência. No sistema processual penal italiano (e também na economia do referido Progetto 78) encontra-se expressa previsão legal da possibilidade de se tramitar em simultâneo processos penais distintos fora dos casos de conexão. Sob a denominação reunião de processos[98], disciplinam-se os vários casos em que está prevista a construção de uma comunidade processual, os quais vão para além dos casos de conexão, para abranger, designadamente aquelas situações em que a tramitação conjunta pode ocasionar economia de meios probatórios. Por outro lado, também a separação de processos[99] surge disciplinada no ordenamento processual penal italiano com uma amplitude muito mais vasta do que a prevista no nosso artigo 30º do C.P.Penal. Assim, e designadamente, a separazione pode ser determinada por acordo dos sujeitos processuais envolvidos, desde que com objectivos de celeridade processual e obtida a concordância do juiz.

25. Tratando-se de realidades tão distintas e, sobretudo, não tendo a separazione italiana o carácter excepcional da nossa separação de processos, não se pode, sem mais, fazer equivaler aos “casos de separação de processos” os “casos em que se procede separadamente”.    

26. Por outro lado, advogava o autor citado, que “De um ponto de vista material não existe razão para distinguir consoante o processo do arguido-declarante que se pretende interrogar como testemunha tenha corrido em separado desde o seu início ou se, antes, a separação só ocorreu depois de ter existido uma tramitação conjunta entre os dois processos”.

27. Mas não é assim.
Este raciocínio mostra-se desconforme com o carácter excepcional que a lei processual portuguesa atribui à separação de processos.
No nosso sistema, o funcionamento dos casos de conexão acarreta já um desvio à regra originária de a cada crime corresponder um processo e um tribunal competente. Porque esse desvio é determinado por razões de vantagem para a realização da justiça, a separação de processos surge com carácter excepcional, só sendo admitida perante a constatação de que a prévia junção de processos resultou em maior dano do que benefício (estando limitada à operação de cessação da conexão processual e jamais na disponibilidade dos sujeitos processuais envolvidos).

28. Perante este quadro, compreende-se o intuito do nosso legislador ao estabelecer a regra (também ela excepcional) do nº 2 do artigo 133º do C.P.Penal – o prévio estabelecimento da comunhão processual encerrava, entre outras vantagens, a aquisição da prova a prestar por declarações do co-arguido; em face da separação de processos, a opção de conferir carácter relativo ao impedimento da inquirição dessa pessoa na qualidade de testemunha revela um propósito de limitar a perda de vantagens para o processo.
Não tendo a referida pessoa perdido o estatuto de arguido, pretende o legislador salvaguardar a possibilidade de que a mesma dê (de forma voluntária, mas irretratável) o seu concurso, como testemunha, para a descoberta da verdade. Note-se: o legislador não desconhece os perigos desta solução, estando ciente de que a “nova” testemunha não gozará de direito ao arrependimento – uma vez dado o seu consentimento, a prestação do depoimento torna-se obrigatória, assim permanecendo mesmo que no decurso do depoimento a testemunha altere a sua disposição para depor (restando-lhe apenas a possibilidade de recusa de resposta a questões concretas que impliquem a admissão da prática de crimes). 
Apenas com o carácter excepcional assinalado e porque com o propósito de salvaguardar as vantagens para a realização da justiça com que se contara, como efeito da prévia conexão, poderá admitir-se a conformidade da norma do nº 2 do artigo 133º do C.P.Penal com o princípio constitucional da proibição do excesso.
Só para salvaguarda das assinaladas vantagens para a realização da justiça se justifica a consagração legal de uma situação de maior compressão para o direito à não auto-incriminação (postergando-se a proibição absoluta de ser sujeito à prestação de depoimento como testemunha, admite-se a possibilidade de o co-arguido do processo conexo ser inquirido na qualidade de testemunha, desde que manifeste consentimento expresso, sendo certo que tal opção é irretractável).

29. Surge assim como indefensável a interpretação do nº 2 do artigo 133º do C.P.Penal como aplicável a todos os casos de arguidos do mesmo crime ou de crime conexo contra os quais se proceda separadamente (seria uma interpretação extensiva do preceito, envolvendo uma restrição ou compressão do direito fundamental de não autoincriminação, em desconformidade com o princípio da proibição do excesso).    

30. Por fim, acrescente-se que nenhuma razão tem a arguida recorrente quando esgrime os juízos de insconstitucionalidade que verteu nas suas conclusões EE e FF.
Note-se que tais juízos de inconstitucionalidade visam fulminar a interpretação dada ao disposto no artigo 133º, nº 1, al. a), do C.P.Penal pela decisão recorrida, baseando-se numa suposta violação das garantias de defesa da arguida recorrente mas, simultaneamente, implicam a completa derrogação do basilar direito fundamental a não se auto-incriminar do co-arguido (encontrando justificação para essa derrogação na circunstância de o Ministério Público não ter cumprido o prazo máximo de inquérito previsto na lei). 
Como se escreveu na decisão recorrida, “não se vislumbra como, nem de que forma, o ultrapassar do prazo legal de um inquérito (art. 276° do C.P.Penal) possa ter um efeito reflexo de inconstitucionalidade material num outro processo com o julgamento em curso, mais a mais, no presente caso, em que a acusação e a defesa estão numa posição de manifesta igualdade material em virtude de a testemunha IF… ainda não ter sido inquirida a nenhuma matéria dos autos, vigorando, portanto, "ab initio", o impedimento para ambos.”.

31. Sendo clara a conexão das imputações de que é alvo IF… e os arguidos destes autos e, por isso mesmo, sendo evidente a conexão entre este processo e o processo nº …/…TELSB, importa concluir pelo acerto da decisão recorrida, incontornável na afirmação do impedimento absoluto de aquela ser inquirida na qualidade de testemunha. 

32. Assim sendo, conclui-se pela improcedência do recurso interposto pela arguida IM….
                                                   
33. Aqui chegados, cumpre buscar resposta para as questões supra enunciadas quanto ao recurso interposto pelo arguido JO…, a saber:
- a circunstância de se ter decidido que IG… estava absolutamente impedida de depor nos presentes autos na qualidade de testemunha, inutilizou supervenientemente o recurso interposto pelo arguido JO…?
- (em caso de resposta negativa à questão precedente) a decisão de fls. fls. 52092 e 52093 foi proferida com violação do princípio do contraditório, por ter sido tomada perante pressupostos sobre os quais o arguido JO… não teve o ensejo de se pronunciar?

34. Vejamos
Com o recurso interlocutório interposto da decisão datada de 8 de Julho de 2015 (proferida a fls. 52226 a 52228, que indeferiu a arguição de irregularidade do despacho datado de 30.06.2015), aclarada pelo despacho proferido na sessão de julgamento da mesma data, apresentou o arguido JO… um conjunto de pretensões, a saber, que fosse:
a) Revogado o douto despacho, datado de 8.07.15, a fls. 52.221 a 52.228 do Vol. 174 dos autos principais (que apreciou a irregularidade processual arguida pelo ora Recorrente relativamente ao douto despacho, datado de 30.06.15, que consta a fls. 52.077/52.094, onde se determinou a alteração parcial da ordem de produção da prova sem prévio contraditório), aclarado pelo douto despacho proferido oralmente (transcrito supra respeitando, a parte relevante, à gravação efectuada a entre o 23m.00s até ao 31m15s da segunda parte da gravação) na sessão de Julgamento da manhã de 8.07.2015, conforme acta a fls. 52.246 a 52.248 verso do Vol. 174;
b) Declarada a irregularidade processual decorrente da violação do artigo 327.º, n.º 1, do CPP, em que incorreu o douto despacho, datado de 30.06.15, na parte em que, sem prévio contraditório, apreciou a questão jurídica relativa à alteração da ordem legal de produção de prova no sentido de se ouvirem as Testemunhas CA…, AG… e AI… à matéria da defesa dos arguidos que as arrolaram (art. 348.º, n.º 2, do C.P.P.), quando ainda não foi ouvida a Testemunha de acusação IF… ou apreciado o seu eventual impedimento, deve tal despacho de 30.06.2015 ser anulado quanto a acima identificado segmento decisório;
c) Declarada a irregularidade processual arguida, deve a tramitação posterior à mesma ser anulada, inclusive, quanto à prova testemunhal da defesa que lhe sucedeu;
d) (…) ordenada a baixa dos autos ao Tribunal de 1.ª instância para que aí seja realizada a notificação do Arguido, ora Recorrente, e dos demais sujeitos processuais para, no prazo de cinco dias, se pronunciarem sobre a questão jurídica relativa à alteração parcial da ordem legal de produção de prova no sentido de se ouvirem as Testemunhas CA…, AG… e AI… à matéria da defesa dos arguidos que as arrolaram (art. 348.º, n.º 2, do C.P.P.) quando ainda não foi ouvida a Testemunha de acusação IF…, ou apreciado o seu eventual impedimento, por ausência de resposta do DCIAP durante mais de 4 meses; (…).
Mais requereu que, nos termos do artigo 122.º do C.P.Penal, se determinassem os efeitos da arguida irregularidade de forma a anular toda a produção de prova da defesa produzida na sequência do despacho de 30.06.2015, mantido pelo despacho recorrido, bem como, caso já tenha sido proferido, o douto Acórdão final.
Requereu, por fim, que tal anulação seja efectuada quer o Tribunal de 1.ª Instância venha a considerar (por despacho posterior à prolação do douto despacho recorrido) impedida para depor a Testemunha IG…, quer a mesma venha a ser ouvida em audiência de julgamento, devendo a decisão do Tribunal de 1.ª instância sobre o eventual impedimento da Testemunha de acusação IG… ser notificada ao arguido, ora recorrente, antes de este decidir de forma informada se faz ouvir a sua testemunha de defesa AI…, e de determinar, como prévio conhecimento da prova da acusação, os termos e o âmbito da sua eventual instância à mesma, ou dela prescindir enquanto sua testemunha de defesa, assim se reconhecimento ao Arguido o exercício de todos os direitos de defesa previstos no artigo 32.º, n.ºs 1 e 5, da CRP.

35. Conforme resulta dos autos, depois de proferida a decisão recorrida, foi efectivamente inquirida a testemunha de defesa AI… (em 8 de Julho de 2015), tendo somente após tal inquirição sido interposto o recurso ora em apreço.
Depois de tudo isso, foi proferido o despacho de 21 de Setembro de 2015 (fls. 53108 a 53131), que julgou IG… absolutamente impedida de depor nos presentes autos na qualidade de testemunha.

36. Tendo em consideração a data em que foi inquirida a testemunha de defesa AI… e a data em que foi proferido o despacho que julgou IG… absolutamente impedida de depor nos presentes autos na qualidade de testemunha, não pode concluir-se pela inutilização do recurso.
Ao contrário do que entende o Ministério Público (tal como extraiu da resposta ao recurso na sua conclusão 3ª) não pode concluir-se pela inutilização do recurso quando a interposição do mesmo visou a anulação de todo o processado subsequente ao despacho recorrido e, designadamente, do acto de inquirição da testemunha de defesa AI… (acto este que o arguido recorrente argumenta ter sido praticado quando ainda não fora proferida decisão sobre o eventual impedimento da testemunha de acusação IG…).

37. Não estando inutilizado o recurso, cumpre apreciar a questão de saber se a decisão de fls. fls. 52092 e 52093 (datada de 30.06.2015) foi proferida com violação do princípio do contraditório.

38. Vejamos.
O arguido recorrente entende que o despacho de 30 de Junho de 2015 foi proferido sem que sobre a questão a decidir tivesse exercido o seu direito ao contraditório.
Não tem razão.

39. Efectivamente, como se mencionou na decisão recorrida, o arguido exerceu o contraditório quanto à questão jurídica da alteração da ordem de produção da prova, antes da prolação do despacho datado de 26 de Junho de 2014 (cfr. fls. 46552 a 46560).
a. Na realidade a decisão datada de 26.06.2014 versou também sobre a inversão da ordem de inquirição das testemunhas de defesa por referência à inquirição das remanescentes testemunhas de acusação e, por isso, também da testemunha IG….
b. Essa decisão foi precedida pelo despacho de fls. 45690 a 45694, no qual se deu nota da necessidade de conferir celeridade ao andamento dos trabalhos e se determinou a notificação de “todos os sujeitos processuais para, querendo (…) se pronunciarem sobre a eventual alteração da ordem legal de produção de prova, no sentido de terminada a inquirição das testemunhas de defesa do arguido RO… e não sendo viável, então, prosseguir com a inquirição das restantes testemunhas de acusação ainda não inquiridas, o julgamento prosseguir com a inquirição das testemunhas de defesa arroladas pelos restantes arguidos”.
c. Na sequência dessa notificação, veio o arguido JO… exercer o contraditório, opondo-se à alteração da ordem legal de produção da prova, nos termos que constam de fls. 46119 a 46128.
d. Não obstante essa oposição, foi proferido o despacho datado de 26 de Junho de 2014, a fls. 46552 a 46560 em que se decidiu:
“1) Determinar a alteração da ordem legal de produção de prova no sentido de se iniciar a inquirição das testemunhas de defesa sem que esteja terminada a inquirição de todas as testemunhas de acusação (art. 348º, n.º 2 do C.P.P.), sem prejuízo do direito dos arguidos de, após inquirição das testemunhas de acusação ainda em falta, requererem a reinquirição de alguma(s) testemunha(s) de defesa se assim o entenderam como útil e necessário à sua defesa; (…).

40. Para além desse primeiro ponto, na decisão de fls. 46552 a 46560 procedeu-se, de imediato, ao agendamento da inquirição de algumas testemunhas de defesa, deixando, claramente, para despachos complementares, a designação de datas para as demais.

41. Da decisão assim proferida em Junho de 2014, bem como da que indeferiu a arguição de irregularidades da mesma, interpôs o arguido JO…, entre outros, os recursos que já foram apreciados supra, concluindo-se pela respectiva improcedência.
Dessa apreciação destacamos, agora, a menção que então se fez: Tendo em conta todos os factores de ponderação assinalados, impõe-se concluir que, mais do que autorizado a proceder à alteração da ordem de produção da prova, o Tribunal a quo estava, naquelas circunstâncias, obrigado a proceder a tal alteração.

42. A prolação do despacho de 30.06.2015, não implicava a necessidade de novo cumprimento do contraditório, ao contrário do que argumenta o recorrente, precisamente porque, encerrando apenas conteúdo complementar da decisão proferida no mês de Junho de 2014, não impunha a apreciação de uma questão jurídica com base em pressupostos diversos dos anteriormente discutidos e apreciados.

43. Não há, neste domínio, e bem ao contrário do que defende o recorrente nas suas conclusões 6ª a 11ª, qualquer paralelismo com o procedimento relacionado com a decisão que, relativamente a IG…, ordenou o contraditório quanto ao eventual impedimento absoluto dessa testemunha, face à previsão do artigo 133.º, n.º 1, al. a), do C.P.Penal.
Constitui uma questão diversa a questão jurídica de saber se ocorre impedimento de uma determinada testemunha, independentemente do número de vezes que questões da mesma natureza já tenham sido discutidas e apreciadas quanto a diversas outras testemunhas.

44. Por ser assim, de forma manifesta e inequívoca, não incorreu o Tribunal a quo na suscitada nulidade de contradição insanável da fundamentação ou entre a fundamentação e a decisão, prevista no artigo 410.º, n.º 2, al. b), do CPP.

45. Igualmente carece de razão o recorrente, quando refere que a decisão de 20 de Junho de 2015 se fundou em fundamentos de facto diferentes dos que motivaram a decisão tomada em 26 de Junho de 2014. Não é assim – o fundamento é sempre o mesmo – a impossibilidade prática de se proceder à inquirição da remanescente prova indicada na acusação.

46. Por isso, ao contrário do que afirma o recorrente na sua conclusão 21ª, bem andou o Tribunal a quo quando na decisão recorrida indeferiu a arguição de irregularidade com a afirmação de que a questão então decidida é a mesma da vertida agora no despacho sob censura, designadamente a de saber se o tribunal pode ou não determinar a inquirição de testemunhas de defesa sem que esteja esgotada a inquirição das testemunhas arroladas pela acusação.(…),  e quando concluiu que novo contraditório sobre a mesma questão corresponderia a um “acto processual manifestamente inútil”.

47. Prevendo o artigo 327º que as questões incidentais sejam decididas com observância do contraditório (em afloramento desse princípio com consagração constitucional), não se pode duvidar que, por aplicação do disposto no artigo 3º, nº 3, do Código de Processo Civil (ex vi do artigo 4º do C.P.Penal), o dever de audição prévia só existirá quando estiverem em causa factos ou questões de direito susceptíveis de se repercutirem, de forma relevante e inovatória, no conteúdo da decisão.
Isso mesmo decorre de um afinado conceito de “manifesta desnecessidade” na economia do nº 3 do artigo 3º do Código de Processo Civil. É forçoso que se mantenha presente o objectivo de evitar a prolação de uma “decisão-surpresa”. Porém, tal preceito limitou a imperiosa observância do contraditório aos casos em que a considerou justificada, dispensando-a nos casos de “manifesta desnecessidade”, o que ocorre designadamente quando se trate de apreciar questões repetidas ou que não se repercutem com carácter inovatório no conteúdo da decisão[100].

48. Ao ser cumprido o contraditório em cumprimento do despacho proferido a fls. 45690 a 45694 foram indicadas aos sujeitos processuais (e designadamente ao recorrente) diversas situações que o Tribunal entendia poderem justificar a alteração da ordem legal da produção de prova.
Nessas situações se compreendia a demora decorrente das indagações tendentes a aferir da verificação de impedimento de uma testemunha para prestar depoimento nos autos.
Sobre o conjunto dessas diversas situações, mas também sobre a suficiência de cada uma delas, teve o arguido recorrente o ensejo de se pronunciar, designadamente quanto às consequências decorrentes da demora.

49. Perante esse contraditório já cumprido e perante o alcance da decisão proferida em Junho de 2014 (que logo afirmou que se procederia à alteração da ordem legal de produção da prova, passando à inquirição das testemunhas de defesa), nada justificaria que se fizesse preceder a decisão de nova audiência sobre a relevância e suficiência da demora.
E menos ainda se justificaria a concessão de novo prazo para o arguido reiterar o entendimento de que a inversão da ordem de produção de prova entre a acusação e a defesa não podia ser levada a cabo (assim se afastando as conclusões 32ª e 33ª).

50. Sempre se voltará a afirmar que a estratégia de defesa delineada quanto à ordem de produção da prova não está garantida como decorrência do princípio do contraditório e, por isso, a salvo de alterações derivadas da necessidade de adequar os trabalhos da audiência à salvaguarda de princípios fundamentais como o da busca da verdade material, designadamente através da continuidade da audiência – tanto basta para se afirmar a falta de razão nas demais conclusões do recurso.

51. Perante o cumprimento do contraditório e a ausência de qualquer irregularidade, bem andou o Tribunal a quo ao indeferir o requerimento que o arguido JO… apresentou em 6 de Julho de 2015, a fls. 52207 a 52209. Deste modo se conclui pela improcedência do recurso interposto pelo mesmo arguido.

52. Em sede final e encerrando a apreciação das questões aqui propostas, cabe-nos apenas referir que se mostra prejudicada a necessidade deste Tribunal ad quem tomar posição quanto às questões de inconstitucionalidade suscitadas pelos arguidos nesta sede, uma vez que nem este Tribunal (nem o tribunal “a quo”) perfilharam os entendimentos que os recorrente consideram ter estado subjacentes à decisão recorrida ou à presente, não subsistindo, pois, para este tribunal de recurso, a necessidade de se pronunciar sobre sentidos normativos que não têm aplicação no caso.

                                                       *
18º. Recurso interposto pelo arguido jo…, do despacho de fls. 53.622 a fls. 53.650, no que concerne aos segmentos decisórios relativos às questões apreciadas:
a) De fls. 53.628 a fls. 53.632 - atinente ao indeferimento do requerimento do arguido de fls. 53.053 a 53.065 para que fosse ordenada a notificação do BIC, S.A., para juntar aos autos documentos comprovativos da evolução do crédito dos dois balcões do Banco Insular entre 31 de Dezembro de 2001 e 2008, especificando ainda o volume do crédito dos mesmos em 30.06.2008, por ser a data a que reporta o artigo 218.º da pronúncia;
b) De fls. 53.632 a fls. 53.636 - atinente ao indeferimento do requerimento do arguido de fls. 53.066 a fls. 53.097 para que fosse ordenada a notificação do BIC, S.A., para juntar aos autos documentos comprovativos das sucessivas cessões de créditos concedidos pelos dois balcões do Banco Insular e ao pedido de junção de dois contratos de cessão de crédito oferecidos pelo Arguido, juntos a fls. 53.078 a fls. 53.097 e mandados desentranhar; e
c) De fls. 53.636 a fls. 53.648, atinente ao (1.º) indeferimento do requerimento da arguida IC… de fls. 52.559 a fls. 52.948, para junção aos autos dos suportes técnicos das conversações ou comunicações gravadas no inquérito n.º …/…TELSB, reiterado pelo Arguido no seu requerimento de fls. 53.171 a fls. 53.186, (2.º) ao não conhecimento da irregularidade processual arguida no requerimento do Recorrente de fls. 53.171 a fls. 53.186, decorrente da violação da igualdade de armas, e ao (3.º) indeferimento do requerimento do Arguido de fls. 53.238 a fls. 53.289, onde se requereu o reconhecimento do direito do Arguido a utilizar as escutas telefónicas em causa para sua defesa nos presentes autos, e que fosse oficiado ao DCIAP a extracção de certidão das mesmas, para o Arguido as poder transcrever nos segmentos que pretenda utilizar, e, finalmente, que fosse ordenada a reinquirição da testemunha MF… relativamente a duas conversas telefónicas interceptadas naqueles autos relativas ao mútuo denominado como “A1” (conversas sumariadas nos resumos juntos aos autos pela Arguido IC… e que o Arguido declarou, desde logo, pretender utilizar em sua defesa).

    I

1. Por despacho proferido em 16 de Dezembro de 2015, a fls. 53.622 a 53.650, foi decidido:
a. No primeiro segmento impugnado:
Fls. 53053 a 53065 (requerimento do arguido OC… – diligências probatórias) e fls. 53294 a 53298 (resposta do M.P.):
Pelo requerimento em referência o arguido OC… pretende que se oficie à Assistente BIC, S.A., em ordem a que a mesma junte “aos autos o(s) documento(s) de onde se extraia, de forma clara, o volume do crédito concedido através do Banco Insular em 31 de Dezembro de cada ano, desde 2001 até 2008, com discriminação do valor relativo ao balcão «dentro» e «fora de balanço», especificando ainda o volume de crédito concedido pelos dois balcões à data de 30.6.2008, por ser a data considerada no artigo 218º da pronúncia”.
As diligências probatórias requeridas têm por base a materialidade constante dos arts. 212º a 219º da pronúncia.
Em breve resumo, o arguido argumenta:
No art. 215º é somado crédito quando uma sequência de várias concessões formais de crédito visam adquirir o mesmo activo, provocando uma sequência de créditos e pagamentos (triangulados) que origina a duplicação (substancial) do crédito concedido.
No art. 217º da pronúncia apenas se terá somado o alegado crédito concedido a 30 de Junho de 2008 às sociedades Solrac Finance, Jared Finance e Reltonia Finance, sendo certo que a primeira chegou a ter um saldo devedor superior e a segunda nunca apresentou um saldo devedor na ordem de grandeza indicado.
No art. 218º da pronúncia somaram-se partes de crédito que hoje se sabe serem substancialmente diferentes.
Daí resulta que o valor incluso no art. 218º não é nem o valor global do crédito concedido através do balcão “fora do balanço” a todas as mutuárias a que reportam os arts. 215º a 217º da pronúncia, nem o valor estas devido em 30 de Junho de 2008 e que à data deveria estar reflectido na contabilidade do Banco Insular.
As sociedades Jazey (crédito de mais de € 11.000.000,00), Kelstone (crédito de mais de € 12.500.000,00) e Ozni (crédito de mais de € 3.800.000,00) referidas no art. 215º da pronúncia foram dissolvidas sem activo ou passivo em 20.1.2009, data anterior à acusação proferida nos autos, o que implica que tenham pago integralmente o crédito que lhes foi concedido, facto que se confirma junta do CD do vol. 13 do processo principal.
Face ao alegado no art. 219º da pronúncia “é nítida a associação entra a transição de uma conta (leia-se, crédito) do balcão «dentro do balanço» para o «fora do balanço” e o «interesse em ocultar ou tornar não cobráveis os montantes em dívida, pelo que é legítimo interesse da defesa demonstrar que, quer o volume total de crédito concedido pelo Banco Insular, quer o volume de crédito do balcão “fora do balanço”, diminuiu a partir do ano de 2005 em diante.”
Arvorando-se ainda no que consta da decisão do Banco de Portugal no âmbito do processo de contra-ordenação n.º …/…/CO, pág. 66 e 67 e na análise da documentação disponibilizada em audiência pela testemunha Ajo… (fls. 35165 e segs. dos autos principais), conclui que o valor de crédito incluso no art. 218º da pronúncia, como correspondendo à quantidade de crédito concedido através do balcão do “fora do balanço” do Banco Insular não foi nunca um valor de crédito que existisse de forma simultânea naquele balcão e que o volume total de crédito concedido entre 2003 e 2008 não foi o constante daquele factos.
Conclui que, nos autos, não existe nenhuma documentação de onde se extraia, de forma clara, a evolução do volume do crédito concedido através do Banco Insular em 31.12. de cada ano, desde 2001 até 2008, com discriminação do valor relativo ao balcão “dentro” e “fora de balanço”, o que “releva para análise das alegadas intenções que existiriam, ou não, de pagar o crédito concedido no balcão «fora de balanço”.
Determinado o cumprimento do contraditório pelo despacho de fls. 53130, respondeu o M.P. (fls. 53294 a 53298), opondo-se ao requerido, sustentando para tanto:
O arguido não indica quais os concretos documentos que terão o condão de permitir que ele extraia, de forma clara, o volume do crédito concedido pelo Banco Insular.
Os autos contêm vários elementos probatórios documentais – os elencados pelo M.P. a fls. 53296 - suficientes para a prova dos arts. 212º a 219º da pronúncia.
A diligência requerida não responde à questão que consistiria em saber se esses créditos foram ou não pagos, questão que, também, não se compreende nos arts. da pronúncia, nem a contestação do arguido requerente.
Cumpre apreciar e decidir:
Atente-se, novamente, no requerido:
“(…)documento(s) de onde se extraia, de forma clara, o volume do crédito concedido através do Banco Insular em 31 de Dezembro de cada ano, desde 2001 até 2008, com discriminação do valor relativo ao balcão «dentro» e «fora de balanço», especificando ainda o volume de crédito concedido pelos dois balcões à data de 30.6.2008, por ser a data considerada no artigo 218º da pronúncia”.
Dos autos consta o “CD 13” através do qual se tem acesso a todas as contas bancárias, no banco insular, das sociedades identificadas nos arts. 215º e 217º da pronúncia, quer as do “balcão 1” quer as do balcão 2, alegada e respectivamente, “dentro e fora do balanço”.
Uma análise cuidada e exaustiva dessas contas permitirá aferir, com precisão, o volume do crédito concedido através daquele banco em 31.12. de cada ano, de 2001 a 2008, com discriminação do valor relativo ao balcão “dentro” e “fora do balanço”, bem como o volume de crédito concedido pelos dois balcões à data de 30.6.2008.
Outros elementos probatórios constantes dos autos permitirão extrair as devidas ilações quanto ao pretendido pelo arguido, designadamente:
1) Informação do OPC, PS…, com análise das transacções realizadas fora do balanço do BI (vol. 18, fls. 7436 a 7444 dos autos principais);
2) Informação do OPC, PS…, como movimentos a débito em c/c/c/ abertas no alegado balcão “fora do balanço” (vol. 18 dos autos principais, fls. 7536 a 7543, anexo 4);
3) Ficheiro que contém todo o crédito alegadamente concedido pelo Banco Insular sob a forma de c/c/c (v. apenso 33 – 11\CD DADOS 1|B 02.04.2009\Insular MOV 0132-CCC;
4) Cálculos do crédito global, contas correntes caucionadas e descoberto à ordem, eventualmente concedido no chamado “balcão virtual” do BI feitos pela testemunha Ajo… no âmbito do depoimento que prestou e que consta dos autos principais (vol. 118, fls. 35167 a 35169).
É da apreciação crítica destes elementos probatórios, dos demais constantes dos autos e da restante prova testemunhal produzida que será possível aferir da verificação (ou não) da factualidade mencionada nos arts. 213º a 220º da pronúncia, por inteiro, restritivamente, de modo algum ou procedendo-se à correcção dos valores nos lugares pertinentes.
A circunstância de alegadamente todos os elementos probatórios não serem coincidentes entre si ou não confirmarem total ou parcialmente aquela factualidade é questão que contenderá somente com aquela apreciação crítica da prova.
O que importa realçar é que dos autos constam elementos suficientes e bastantes em ordem a que o Tribunal possa aquilatar do teor daquela factualidade, sendo certo, igualmente, que uma análise cuidadosa dos mesmos elementos probatórios permitirão ao arguido aferir da questão por si colocada no âmbito do requerimento ora em apreciação.
Dir-se-á ainda:
Não se vislumbra de que modo – nem o arguido o demonstra justifica – o documento que pretende que seja junto pelo assistente poderá relevar para a “análise das alegadas intenções que existiriam, ou não, de pagar o crédito concedido no balcão «fora do balanço»”, nem se vislumbra, por outro lado, de que forma esse documento, para este efeito, poderá acrescentar algo mais à documentação indicada ou à restante prova testemunhal constante e produzida nos autos.
Além do mais, como bem refere o M.P.:
O arguido não indica quais os concretos documentos que terão o condão de permitir que ele extraia, de forma clara, o volume do crédito concedido pelo Banco Insular.
A diligência requerida não responde (à sub-questão colocada) que consistiria em saber se os créditos foram ou não pagos, questão que, também, não se compreende nos arts. da pronúncia, nem na contestação do arguido.
Acresce que, quanto aos créditos elencados nos arts. 213º a 215º da pronúncia, é facílimo aferir se os mesmos foram ou não pagos, quer sejam os de “dentro” do balanço ou “fora” do balanço, bastando, para tanto, aceder às contas bancárias tituladas por cada uma das sociedades no Banco Insular através da consulta do “CD 13” constante dos autos, aliás, como o arguido de forma pertinente o logrou alcançar no tocante às sociedades Jazey, Kelstone e Ozni por si referidas no seu requerimento.
Pelo exposto e razões aduzidas, decide-se:
1) Indeferir o requerido pelo arguido OC… a fls. 53053 a 53065, pela circunstância de não se nos afigurar necessário à descoberta da verdade e à boa decisão da causa e pelo facto de a diligência probatória requerida se apresentar como irrelevante e supérflua face à prova documental e testemunhal constante e produzida nos autos (art. 340º, n.ºs 1 e 4, al. a) do C.P.P.);”

b. No segundo segmento impugnado:
Fls. 53.066 a 53.097 (requerimento do arguido OC… – diligências probatórias) e fls. 53.294 a 53.298 (resposta do M.P.):
Requereu o arguido a notificação da assistente BIC, S.A. para juntar aos autos:
- (i) cópia de todos os contratos de dação em pagamento ou cessão de créditos que não se achem nos autos, e ou cessão de créditos que o BPN, S.A., o BPN IFI e ou o BPN Cayman tenham celebrado entre si ou com o Banco Insular relativamente aos créditos concedidos através do balcão 1 e 2;
- (ii) cópia de todos os contratos de dação em pagamento, e ou cessão de créditos que o BPN, S.A., o BPN, IFI e ou BPN Cayman tenham celebrado entre si relativamente ao crédito (interbancário) concedido através das contas correspondentes (contas “nostro”) ao Banco Insular;
- (iii) subsidiariamente, na falta de contrato, “deliberação do Conselho de Administração , ou o instrumento jurídico que tenha decidido, ou suportado, a integração do valor remanescente do balanço do Banco Insular no balanço daqueles bancos, informando ainda a data de tal integração e se foi, ou não, realizada pelo valor do capital e juros;
- (iv) informar se, na sequência das diversas cessões de créditos celebradas, se verificou na contabilidade do BPN, S.A., do BPN IFI ou do BPN Cayman algum prejuízo decorrente da aquisição/integração dos créditos concedidos pelo Banco Insular;
- (v) juntar aos autos cópia do contrato de cessão de créditos pelo BPN, S.A. à Parvalorem, S.A. (…);
- (vi) deferir a junção aos autos dos dois contratos de cessão celebrados entre BPN Cayma e BPN IFI e o BPN, S.A.;
Para tanto, em síntese e no que é fundamental, sustenta que “na óptica da defesa, interessa ao bom julgamento da causa apurar se a concessão de crédito concedido através do Banco Insular e, designadamente, através do balcão “fora do balanço”, se traduziu nalgum prejuízo efectivo para esta instituição, para o BPN Cayman e ou BPN IFI (instituições que a pronúncia refere que suportariam o funding ao BI) e ou para o BPN, S.A.” (arts. 183º e 187º e 188º da pronúncia).
Cumprido o contraditório (despacho de fls. 53130), respondeu o M.P. (fls. 53294 a 53298), opondo-se ao requerido, argumentando, em síntese:
O prejuízo global do Banco Insular ou, na designação mais comum o “buraco do BPN” não é matéria que faça parte da pronúncia destes autos, nem tão pouco da contestação do arguido OC….
Assim sendo, as diligências de prova e os documentos cuja junção requer, não se destinam à prova ou à contra prova dos factos da pronúncia ou à prova de factos da sua contestação.
Apreciando:
A propósito desta matéria terá interesse, antes de mais, fazer uma resenha da matéria factual pertinente da pronúncia.
A mesma dá-nos conta que foi concebida uma forma de gerar fundos para o Banco Insular que se traduzia na manipulação dos registos da contas e dos movimentos, sem atender à vontade dos depositantes (178º).
Esquema que terá sido aplicado desde o início do funcionamento do Banco Insular até ao final de 2007 e que começava com a avaliação mensal das operações de crédito colocadas junto do BI, de forma a quantificar o montante dos fundos que era necessário para lhe dar suporte (179º).
De seguida, identificavam-se as contas no BPN Cayman e BPN IFI onde existiam aplicações a prazo que pudessem ser movimentadas para o BI e sem dar conhecimento ao cliente (180º).
As contas e depósitos seleccionados eram posteriormente duplicados através de uma abertura de conta espelho junto do Banco Insular (182º).
Na data de vencimento dos depósitos, os fundos eram de novo transferidos para as contas originárias dos clientes, incluindo o capital investido e os respectivos juros contratados (184º).
No final de cada mês era feito o acerto das transferências entre Banco Insular e o BPN Cayman e BPN IFI de forma a obter saldo nulo e o Banco Insular tinha de voltar a obter daqueles bancos, mensalmente, capitais para cobrir os fundos que este tinha de lhes fazer retornar, mensalmente, por causa do vencimento dos depósitos anteriores (185º).
As necessidades de financiamento do Banco Insular correspondiam ao somatório dos depósitos a prazo com vencimento no mês, que tinham que fazer retornar gerando um procedimento circular, a que acrescia a necessidade de fundos para cobrir as operações de crédito no Banco Insular (186º).
Refere-se ainda que em muitas situações em que não havia previsivelmente fundos captados pelos balcões BPN em Portugal, o Presidente do Banco, JV… ou os próprios JO… e LC…, obtinham de investidores angolanos ou mesmo de Bancos angolanos, depósitos directos no BI, a curto prazo e com alta rentabilidade, para lograr capitais suficientes para obter saldo nulo nas transferências para BPN Cayman e BPN IFI (187º) – sublinhado nosso.
Aceitando, desta forma um custo muito elevado, em prejuízo do BPN, para manter financiado o Banco Insular (188º) – sublinhado nosso.
Nas diligências probatórias requeridas pelo arguido OC…, como foi salientado, o que o mesmo pretende é saber se a concessão de crédito através do balcão “fora do balanço” do Banco Insular se traduziu nalgum prejuízo efectivo para esta instituição, para o BPN Cayman e/ou BPN IFI.
Salvo o devido e muito respeito por outra opinião, não é isso que está em causa na pronúncia, pelo menos nos arts. referidos pelo arguido.
O prejuízo para o BPN a que alude o facto 188º da pronúncia diz respeito aos depósitos directos para o BI, obtidos junto de investidores angolanos ou bancos angolanos, depósitos esses de curto prazo e com alta rentabilidade, ou seja, fora dos cânones normais.
Acresce que – e nisso estamos de acordo com a argumentação do M.P. -, não vislumbramos – nem o arguido o justifica – que as diligências de prova requeridas e os documentos cuja junção requer se destinem à prova ou à contra prova dos factos da pronúncia ou à prova dos factos da contestação do arguido.
Até porque, os contratos de dação em pagamento ou cessão de créditos que o BPN SA, o BPN IFI e ou o BPN Cayman tenham celebrado entre si dizem respeito a datas posteriores ao exercício de funções do arguido OC… no grupo BPN/SLN (a renúncia data de 19.2.2008 e os contratos a que alude são todos de datas posteriores – v. seu requerimento a fls. 53072) não tendo os mesmos, por conseguinte, qualquer tipo de intervenção nesses mesmos contratos.
Refira-se ainda que não se descortina – nem o arguido o justifica – como é que a junção dos referidos contratos poderá dar resposta ao desiderato por si pretendido, i.e., “se a concessão de crédito concedido através do Banco Insular e, designadamente, através do balcão “fora do balanço”, se traduziu nalgum prejuízo efectivo para esta instituição, para o BPN Cayman e ou BPN IFI (…) e ou para o BPN, S.A.”
É certo que o arguido pretende, igualmente, que o assistente informe se “na sequência das diversas cessões de créditos celebradas, se verificou na contabilidade do BPN, S.A., do BPN IFI ou do BPN Cayman algum prejuízo decorrente da aquisição/integração dos créditos concedidos pelo Banco Insular” (fls. 53076, al. d)).
Porém, como já tivemos oportunidade de afirmar no despacho precedente (fls. 53358/9):
As informações que o arguido OC… pretende que sejam prestadas pelo assistente nunca constituiriam substrato probatório para a prova ou não dos factos constantes da pronúncia ou da sua contestação ou à dúvida/questão/pedido de informação por si colocado.
Não é pela circunstância de o mesmo informar, por exemplo, que se verificou um prejuízo, ou que não se verificou, ou que se verificou em “x” ou “y” que estas informações terão a virtualidade de provar ou não quaisquer factos.
As informações prestadas pelos assistentes, por escrito, os autos, são inócuas em termos probatórios (afirmar o contrário, equivaleria a afirmar que os factos ou afirmações vertidos na sua acusação particular ou nas contestações dos arguidos só pela circunstância delas constarem teriam que ser considerados provados o que, como é unanimemente reconhecido, configuraria uma “aberração jurídica” de ordem processual e material).
A prova de um facto e a fundamentação do mesmo é alcançada pela conjugação dos diversos elementos probatórios carreados para os autos (declarações das testemunhas, dos arguidos, documentos, etc.) e não por quaisquer informações de natureza substantiva e declarativa que o assistente possa prestar.
Decidindo:
Pelos fundamentos expostos, por não se nos afigurar com importância para a descoberta da verdade material e boa decisão da causa e porque as diligências probatórias requeridas e os documentos pretendidos juntar são irrelevantes e supérfluos e inadequados ao propósito pretendido pelo arguido, ao abrigo do disposto no art. 340º, n.ºs 1 e 4, als. a) e b) do C.P.P. decide-se:
1) Indeferir integralmente as diligências probatórias requeridas pelo arguido OC… a fls. 53075 a 53077;
2) Determinar que se desentranhe os documentos de fls. 53078 a 53097 e a sua devolução ao apresentante;

c. No terceiro e último segmento impugnado:
Fls. 52559 a 52948 (requerimento da arguida IC… – requerimento probatório – junção aos presentes autos dos suportes técnicos das conversações ou comunicações gravadas no inquérito n.º …/…TELSB):
Requer a arguida IC… a junção aos presentes autos dos suportes técnicos ou comunicações gravadas no inquérito n.º …/…TELSB.
Para tanto, em síntese, arvora-se na seguinte argumentação:
O identificado processo de inquérito inicia-se com uma certidão do processo n.º …/…TABCL (processo “furacão”) – doc. fls. 52579 a 52581.
Muitas das buscas realizadas no âmbito deste processo foram utilizadas neste processo (…/…TDLSB) sendo, por conseguinte, os presentes autos “filhos” das “investigações que se encontravam já a ser efectuadas no DCIAP” e “muito embora se tenham iniciado de forma autónoma (através de denúncia do Banco de Portugal), chegou a ser determinada a junção destes autos ao Proc. …/…TABCL (fls. 6 do volume 1), sento tal decisão invertida por despacho de fls. 9 (pág. 10 do vol. 1)”.
Em inúmeras passagens dos presentes autos resulta a interacção com o citado processo …/…TELSB, designadamente:
- o despacho constante de fls. 10, vol. 1, dos presentes autos, a propósito dos inquéritos n.º …/…TABCL e …/…TELSB e o âmbito de investigação dos dois (PLANFIN – suspeita de fraude fiscal e investigação do esquema de fraude);
- no mesmo despacho, a propósito da relação com o proc. n.º …/...TELSB refere-se: “que oportunamente se extraia certidão para o presente inquérito de outros elementos de prova que se venham a revelar úteis e que foram obtidos de forma colateral, no âmbito das investigações em curso nos NUIPC´s …/…TABCL e …/…TELSB (…)”:
- a fls. 285 dos presentes autos foi proferido despacho que solicitou indicação de quais os docs. apreendidos no inquérito …/… conexionados com a actividade do Banco Insular e com a evolução da detenção de acções próprias da SLN;
- a fls. 291 foi proferido despacho foi proferido despacho a pedir informação sobre IS… e LAp…, as quais foram juntas a fls. 336 e segs;
- a fls. 392 é proferido despacho que determina a organização de um apensos nos presentes autos com a documentação remetida por certidão com origem no inquérito n.º …/…TELSB, a qual se mostra junta a fls. 436 a 439 e 445 a 458;
- a fls. 473 consta outro termo de apensação de documentação oriunda do proc. …/…TELSB, tendo ainda sido junta outra documentação do mesmo processo (fls. 797, 800 e 801;
- foram incorporadas nos autos as “cópias relativas aos suportes informáticos transferidos do Proc. …/…TELSB” (despacho de fls. 618 e termos de apensação de fls. 622;
- consta ainda uma certidão a fls. 1703 com um conjunto de elementos diversos, entre os quais “os documentos entregues pelo BPN no âmbito do Proc. n.º …/…TELSB”;
- no despacho de fls. 2027 refere-se o seguinte: “(…) note-se que grande parte do acervo de informação aqui reunido é partilhado com o Processo …/…, no qual se tem por objecto a actividade da PLANFIN, entidade conexa com o grupo SLN”;
- no despacho de fls. 2106 foi determinada a realização de perícia informática tendo por base os suportes oriundos de apreensões realizadas no âmbito do proc. n.º …/…;
Do processo …/… constam inúmeros elementos de prova documental (alguns provenientes do citado proc. n.º …/…TABCL), mas constam, sobretudo, um conjunto significativo de escutas telefónicas determinadas no âmbito daquela investigação (doc. n.º 4 junto a estes autos – fls. 685 e segs.).
Argumenta ainda a arguida:
Nenhuma de tais intercepções e informações foram juntas aos presentes autos não obstante a relevância da matéria nelas discutidas para as questões que posteriormente viriam a ser objecto da acusação.
Daquelas escutas constam inúmeras referências ao Banco Insular e ao posicionamento de testemunhas que foram ouvidas nos presentes autos.
Os despachos proferidos no proc. n.º …/… que delimitam a necessidade de se proceder a escutas “confirmam a relevância da operacionalização das mesmas tendo em conta a matéria relacionada com o Banco Insular” (o arguido reproduz, de seguida, o despacho de fls. 1345 e segs. – vol. 52565 a 52567 dos presentes autos).
Mais sustenta que:
Numa altura em que já se encontravam pendentes os presentes autos (18.11.2008) existe um despacho clarificador entre os dois processos (v. transcrição feita pelo arguido a fls. 52567 a 52569).
O “interesse cruzado” das intercepções telefónicas resulta evidente do despacho proferido no despacho de fls. 1767 a 1769 (v. transcrição feita pelo arguido a fls. 52569 a 52571).
As intercepções telefónicas no processo de inquérito n.º …/…TELSB terminaram a 2.12.2008.
Por fim, aludindo aos critérios legais de utilização das escutas telefónicas noutro processo (em curso ou a instaurar) – art. 187º, n.ºs 7 e 8 do C.P.P. – refere que só por força da sua inquirição no identificado processo é que teve conhecimento das intercepções telefónicas e a circunstância de as escutas telefónicas não terem sido seleccionadas pelo M.P. para fazer parte do presente inquérito impediu que a arguida utilizasse a faculdade a que alude o art. 188º, n.º 8 do mesmo diploma.
Por isso, sustenta, podendo o arguido a partir do encerramento do inquérito examinar os suportes técnicos das suas conversações e não tendo o M.P. assegurado essa possibilidade pela simples razão de que não revelou nestes autos a existência das intercepções telefónicas realizadas no inquérito …/…TELSB e revelando-se estas importantes para o objecto dos presentes autos, “impõe-se (…), sob pena de nulidade, o que ora se requer: seja proferido despacho a determinar a junção de todas as intercepções telefónicas efectuadas no âmbito do processo n.º …/…TELSB e que correspondem aos autos constantes do documento n.º 4”. (sublinhado nosso)
Cumprido o pertinente contraditório (v. desp. de fls. 53129), outros sujeitos processuais tomaram posição sobre o requerido.
Desde logo, o arguido OC… a fls. 53171 a 53186, requerimento pelo qual, em resumo, sustenta:
A testemunha PS…, longamente inquirida nestes autos, “ouviu, seleccionou e fez o resumo de conversas telefónicas de alguns arguidos e de pessoas envolvidas nos factos, no âmbito de outro inquérito durante meses, o que foi até agora desconhecido pelo arguido”.
O teor das escutas realizadas naquele processo de inquérito são imprescindíveis para a boa decisão da causa em segmentos do objecto da prova, pelo que o arguido “adere e faz seu o requerimento apresentado” pela arguida IC….
Por outro lado, o M.P. não usou aquelas escutas nos presentes autos como prova, mas poderia tê-lo feito, indicando na acusação as transcrições que pretendia utilizar para prova da mesma.
Por sua vez, o arguido não pôde oportunamente utilizar aquele meio de prova para a sua defesa, indicando-a como tal na sua contestação.
Por conseguinte, o M.P. ao importar daquele processo de inquérito para os presentes autos todos os meios de prova que bem entendeu e ao não informar os arguidos das escutas telefónicas potencialmente relevantes para as defesas, garantindo-lhes o acesso às mesmas, “violou o princípio constitucional da igualdade de armas, o que consubstancia, no mínimo, irregularidade processual, que se deixa arguida e deve ser declarada”.
Finalmente, nos arts. 16º e segs. do seu requerimento (fls. 53183 a 53186) elenca a título exemplificativo as escutas telefónicas feitas no processo de inquérito n.º …/… que, em seu entender, são relevantes para os presentes autos e das quais, desde já, pretende fazer uso.
Posteriormente, pelo requerimento de fls. 53238 a 53289, o arguido OC…, além de fazer uma exposição ao abrigo do disposto no art. 98º, n.º 1 do C.P.P. a propósito do mútuo da conta do Banco Insular designada por “A1” de que seria titular e beneficiário e afirmando que foi sempre sua intenção pagar o mútuo em causa, para prova do que alega, requer que:
1 – “Para a descoberta da verdade material relativamente à factualidade” dos factos constantes dos arts. 209º, 215º, 224º, 230º e 287º a 296º da pronúncia, “que se digne autorizar a utilização pela defesa das escutas telefónicas interceptadas no âmbito do processo crime n.º …/… (…), reconhecendo-se ao arguido o direito de vir aos autos indicar outros segmentes daquelas escutas que, após análise detalhada da respectiva gravação áudio, se venham a evidenciar como relevantes para a descoberta da verdade (…)”;
2 – “seja oficiado ao DCIAP para juntar aos autos cópia certificada da gravação daquelas escutas telefónicas para que o arguido possa proceder à transcrição das mesmas, nos segmentos que pretenda utilizar (…)”;
3 – “seja autorizada reinquirição da testemunha MF… para que a mesma seja confrontada com o teor da escuta telefónica em causa com o objectivo de este relatar em audiência de julgamento a conversa que terá tido com o arguido, ora requerente, aquando do almoço com o mesmo, alegadamente ocorrido em data anterior a 27.8.2008 e em que o arguido lhe terá dito que «pagava», reportando-se aquela conversa ao mútuo relativa à A1”.
Respondeu também o M.P. (fls. 53307 e 53308), pronunciando-se no sentido do indeferimento da “junção aos presentes autos dos suportes técnicos das conversações escutadas no âmbito do processo n.º …/…TELSB”, argumentando, para tanto, em síntese:
Entre este processo e o processo …/…TELSB e os crimes respeitantes a cada um deles, não existe uma relação de conexão aferida em razão dos critérios estabelecidos no art. 24º do C.P.P..
Da argumentação da requerente e da leitura dos resumos das escutas “não decorre que estas sejam indispensáveis à prova dos crimes perseguidos nos presentes autos, pressuposto necessário ao aproveitamento num processo das escutas feitas noutro processo”.
Por essa razão não terá o M.P. promovido no sentido de serem juntos aos presentes autos os suportes técnicos dessas escutas, “posição que, aqui e agora, se mantém”.
Pronunciou-se ainda o arguido AF… (fls. 53316), pugnando pela “não junção aos autos dos suportes técnicos (…), por considerar que os mesmos não se mostram indispensáveis à descoberta da verdade material, antes pelo contrário, encontram-se fora de contexto”.
Por fim, também se pronunciou o arguido LC… (fls. 53376 a 53384).
Em resumo:
Adere ao requerimento apresentado pela arguida IC… de fls. 52559 a 52948.
As escutas são imprescindíveis para a descoberta da verdade e para que o tribunal tenha todos os elementos necessários para aferir da credibilidade das testemunhas que foram ouvidas.
Não é relevante concluir, sem mais, que sendo as escutas realizadas em momento posterior aos factos que constam dos presentes autos tal imporá a conclusão de que elas não são relevantes para a respectiva prova.
Por um lado, porque há factos em que não é possível aferir se eles se encontram circunscritos ao momento mencionado na pronúncia.
Por outro, há escutas relacionadas com a questão da assinatura dos contratos de venda ou alegada venda da entidade Insular Holdings, sobre a titularidade do Banco Insular, sobre o conhecimento dos accionistas da questão relacionada com a operação Camden, das contabilidades do Banco Insular, da relação com a Sopromat.
Invoca, igualmente a violação do princípio constitucional da igualdade de armas, o que consubstancia uma nulidade por violação da al. d) do art. 120º do C.P.P..
Conclui, sustentando que caso assim não se entenda deve declarar-se “inconstitucional, por violação do art. 32º, n.º 1 da CRP, a norma do artigo 188º, n.º 3 do C.P.P., na interpretação segundo a qual é permitida a selecção/omissão de elementos de prova obtidos mediante intercepção de telecomunicações, que o órgão de polícia criminal e o Ministério Público conheceram e que são considerados irrelevantes pelo juiz de instrução ou pelo Ministério Público, sem que o arguido deles tenha conhecimento e sem que se possa pronunciar sobre a sua relevância”.
Apreciando:
A propósito (ou não) desta questão dispõe o art. 187º, n.ºs 7 e 8 do C.P.P. dispõe:
“(…).
7 – Sem prejuízo do disposto no artigo 248º, a gravação de conversações ou comunicações só pode ser utilizada em outro processo, em curso ou a instaurar, se tiver resultado de intercepção de meio de comunicação utilizado por pessoa referida no n.º 4 e na medida em que for indispensável à prova do crime previsto no n.º 1.
8 – Nos casos previstos no número anterior, os suportes técnicos das conversações ou comunicações e os despachos que fundamentam as respectivas intercepções são juntos, mediante despacho do juiz, ao processo em que devam ser usados como meio de prova, sendo extraídas, se necessário, cópias para o efeito.”
Salvo o devido e muito respeito por outra opinião, o preceito em referência – aliás, invocado pelos arguidos IC…, OC… e LC… para sustentarem os seus requerimentos probatórios – equaciona e dá resposta à problemática dos conhecimentos fortuitos.
A doutrina parece unânime nesse sentido.
Desde logo Manuel Costa Andrade (in Sobre As Proibições De Prova Em Processo Penal, Coimbra Editora, pág. 304) quando refere:
“No essencial, o que está em causa é o seguinte: suposta a realização legal de uma escuta telefónica, «qui dinde quanto aos conhecimentos ou factos fortuitamente recolhidos, isto é, que não se reportam ao crime cuja investigação legitimou a sua realização?”
No mesmo sentido parece apontar Manuel Monteiro Guedes Valente (in Escutas Telefónicas – Da Excepcionalidade à Vulgaridade, 2ª edição, Almedina, págs. 116 e 117) na parte em que diz:
“Não raras as vezes, na intercepção e gravação das escutas telefónicas, os operadores judiciários – máxime OPC – têm conhecimento de factos recolhidos fortuitamente que não se reportam ao crime cuja investigação legitimou a autorização ou ordem da escuta telefónica, ou seja, obtêm um conhecimento fortuito de outro tipo legal de crime não impulsionador da escuta (…).
Problema que se afigura mais complexo se a infracção de que se tem conhecimento fortuito não é ou não se imputa ao sujeito sobre quem recaem as suspeitas do crime catálogo originador e pressupostos da realização da intercepção e gravação de conversações (…).”
Nesta ordem igualmente Santos Cabral (in Código de Processo Penal Comentado, 2014, Almedina, pág. 797) quando alude que “uma das questões mais prementes relacionadas com as escutas telefónicas centra-se no tema dos conhecimentos fortuitos e dos conhecimentos de investigação adquiridos através das mesmas.”
Inequívoco ainda quando refere (op. cit., pág. 798) que “Quando se suscita a questão do aproveitamento dos conhecimentos fortuitos noutro processo nos termos do n.º 7 do presente normativo falamos de elementos probatórios adquiridos no processo com base numa autorização concedida legalmente”.
Na mesma ordem Paulo Pinto de Albuquerque (in Comentário do Código de Processo Penal, 3.ª edição actualizada, Universidade Católica Portuguesa, pág. 511) ao referir em anotação à norma identificada que “a lei regula o aproveitamento extra-processual dos conhecimentos fortuitos obtidos através das escutas telefónicas”.
Apontamentos que nos levam à conclusão que a questão suscitada nos presentes autos é completamente distinta.
Com efeito, não estamos perante um caso de “conhecimentos fortuitos” obtidos no decurso de um processo em investigação (inquérito) “indispensável à prova de crime previsto no n.º 1” e que, por via disso, pelo Juiz de Instrução competente, oficiosamente ou a requerimento do M.P., são remetidos, i.e. “os suportes técnicos das conversações ou comunicações e os despachos que fundamentaram as respectivas intercepções” para um novo processo de inquérito “a instaurar” ou para um processo de inquérito “já em curso” (sublinhado nosso).
O caso aqui aquilatado é distinto.
A aqui arguida IC…, também arguida num outro processo, de inquérito (…/…TELSB), teve conhecimento de que no decurso da investigação foram realizadas intercepções telefónicas que terão importância para a descoberta da verdade material nos presentes autos, em fase de julgamento, e, daí, pretende que aqui seja proferido despacho a “determinar a junção de todas as intercepções telefónicas efectuadas no âmbito do processo n.º …/…TELSB”, requerimento esse a que outros arguidos também aderem.
Ainda que o preceito invocado (art. 187º) refira que a gravação de conversações ou comunicações “só pode ser utilizada em outro processo, em curso ou a instaurar (…) e na medida em que for indispensável à prova de crime previsto no n.º 1”, admite-se que, desde que estejam verificados os respectivos pressupostos legais (n.ºs 1, 4 e 7 da mesma norma), as mesmas conversações ou comunicações possam ser usadas num processo crime já em fase de Julgamento, na medida em elas se possam revelar como absolutamente indispensáveis para a descoberta da verdade material, sob pena de, salvo o devido respeito por outra opinião, não se actuando deste modo, poderem ser postergados os mais elementares direitos de defesa do arguido.
A questão que, doravante, importará analisar, será de teor procedimental ou processual.
No fundo, como actuar?
Ora, neste vertente, não temos a menor dúvida de que não caberá, como requerido, determinar a junção aos presentes autos de “todas as intercepções telefónicas efectuadas no âmbito do processo n.º …/…TELSB”.
Referindo-se a norma às conversações ou comunicações “indispensável”(eis) “à prova de crime previsto no n.º 1”, mutatis mutandis valerá igual raciocínio para a vertente das conversações ou comunicações que se apresentem como indispensáveis para a descoberta da verdade material num processo que está na fase de julgamento (art. 340º do C.P.P.).
Ora, certamente, as conversações ou comunicações pertinentes para este desiderato não serão todas as obtidas naquele processo, serão somente as que se vierem a apresentar como indispensáveis para esse efeito.
Ou, vista a questão sob outro prisma, ao determinar-se a junção aos presentes autos de todas as intercepções telefónicas efectuadas no âmbito daquele processo de inquérito, ou seja, em bloco, além de não se fazer actuar qualquer “filtro”, corre-se o sério risco de juntar aos presentes autos intercepções que nada têm a ver com o objecto dos presentes autos, além de se poder potenciar uma devassa da vida privada de pessoas que de modo algum estão conexionadas com os factos sujeitos ao nosso Julgamento (v. art. 86º, n.º 7 do C.P.P.).
Por isso e salvo o devido e elevado respeito por outra opinião, caberá aos arguidos/assistentes/M.P., querendo, requerer e obter junto daquele processo de inquérito as intercepções/conversações e os despachos que fundamentaram as respectivas intercepções e, posteriormente, obtendo-as, requerer a sua junção aos presentes autos, porquanto, eles (e só eles), essencialmente os arguidos requerentes, é que estarão em melhores condições para, em plena liberdade, aferirem das escutas telefónicas que poderão revelar-se essenciais para a descoberta da verdade material nos presentes autos e para o cabal exercício da sua defesa, “sujeitando-se”, posteriormente, ao “crivo” deste Tribunal na apreciação dos pressupostos legais materiais e formais relativos à admissibilidade da junção das escutas.
Importa, além do mais, realçar que legalmente nada obsta a esse procedimento.
Atento os docs. juntos pela arguida IC… e a sua explanação (fls. 52559 a 52948), o identificado processo de inquérito já não estará em segredo de justiça.
Por conseguinte, a ter havido encerramento do inquérito, “o assistente e o arguido podem examinar os suportes técnicos das conversações ou comunicações e obter, à sua custa, cópia das partes que pretendam transcrever para juntar ao processo” (art. 188º, n.º 8 do C.P.P.), o que equivale a dizer, igualmente, que terão pleno direito de obter cópia das partes já transcritas, dos suportes técnicos, tudo para juntar a um outro processo.
Por sua vez, é de considerar que “a publicidade do processo implica” o direito de “consulta do auto e obtenção de cópias, extractos e certidões de quaisquer partes dele” (art. 88º n.º 6 do C.P.P.).
Mesmo “as pessoas cujas conversações ou comunicações tiverem sido escutadas e transcritas podem examinar os respectivos suportes técnicos até ao encerramento da audiência de julgamento” (art. 188º, n.º 11 do C.P.P.), o que equivale a dizer que delas poderão fazer uso nos termos legais e processuais, pois, só assim é que poderá ter alguma utilidade a faculdade que lhes é concedida de exame dos suportes técnicos.
Ainda que o processo de inquérito estivesse em segredo de justiça, a solução não poderia ser diferente.
É que, como resulta dos n.ºs 9 e 11 do art. 86º do C.P.P.:
“(…).
9 – A autoridade judiciária pode, fundamentadamente, dar ou ordenar ou permitir que seja dado conhecimento a determinadas pessoas do conteúdo de ato ou de documento em segredo de justiça, se tal não puser em causa a investigação e se afigurar:
a) Conveniente ao esclarecimento da verdade; ou
b) Indispensável ao exercício de direitos pelos interessados.
(…).
11 – A autoridade judiciária pode autorizar a passagem de certidão em que seja dado conhecimento do conteúdo de ato ou de documento em segredo de justiça, desde que necessária a processo de natureza criminal (…).” (sublinhado nosso)
Atento o raciocínio exposto afigura-nos óbvio e manifesto que fica prejudicado o conhecimento da:
Nulidade invocada pela arguida IC… (fls. 52559 a 52948) – “impõe-se (…), sob pena de nulidade, o que ora se requer: seja proferido despacho a determinar a junção de todas as intercepções telefónicas efectuadas no âmbito do processo n.º …/…TELSB e que correspondem aos autos constantes do documento n.º 4”.
A violação do “princípio constitucional da igualdade de armas, o que consubstancia, no mínimo, irregularidade processual, que se deixa arguida e deve ser declarada” (requerimento do arguido OC… – fls. 53171 a 53186) ou, por outro prisma, por violação do mesmo principio, uma nulidade por violação da al. d) do art. 120º do C.P.P. (requerimento do arguido LC… de fls. 53376 a 53384), bem como a inconstitucionalidade suscitada pelo mesmo arguido (“inconstitucional, por violação do art. 32º, n.º 1 da CRP, a norma do artigo 188º, n.º 3 do C.P.P., na interpretação segundo a qual é permitida a selecção/omissão de elementos de prova obtidos mediante intercepção de telecomunicações, que o órgão de polícia criminal e o Ministério Público conheceram e que são considerados irrelevantes pelo juiz de instrução ou pelo Ministério Público, sem que o arguido deles tenha conhecimento e sem que se possa pronunciar sobre a sua relevância”).
A pretensão do arguido OC… de, desde já, fazer uso de determinadas escutas telefónicas realizadas no identificado processo de inquérito por, em seu entender, serem relevantes para os presentes autos (fls. 53183 a 53186) – o aferir dessa importância não se basta nem é possível, pelo menos para o Tribunal, com base em resumos das escutas feitas pelo OPC, por sinal, bastante incompletos.
Pelas mesmas razões, o demais peticionado pelo arguido OC… no seu requerimento de fls. 53238 a 53289, a saber e, em resumo:
1) “autorizar a utilização pela defesa das escutas telefónicas interceptadas no âmbito do processo crime n.º …/…;
2) Oficiar “ao DCIAP para juntar aos autos cópia certificada da gravação daquelas escutas telefónicas para que o arguido possa proceder à transcrição das mesmas, nos segmentos que pretenda utilizar”;
3) “seja autorizada reinquirição da testemunha MF… para que a mesma seja confrontada com o teor da escuta telefónica em causa com o objectivo de este relatar em audiência de julgamento a conversa que terá tido com o arguido, ora requerente, aquando do almoço com o mesmo, alegadamente ocorrido em data anterior a 27.8.2008 e em que o arguido lhe terá dito que «pagava», reportando-se aquela conversa ao mútuo relativa à A1”.
Tudo, por uma simples razão:
Não se nega, de modo algum, em abstracto, aos arguidos o direito de usarem, nos presentes autos, as escutas telefónicas realizadas no âmbito do processo de inquérito.
Simplesmente, para esse efeito, o que se diz e reafirma é que:
Caberá aos arguidos/assistentes/M.P., querendo, requerer e obter junto daquele processo de inquérito as intercepções/conversações e os despachos que fundamentaram as respectivas intercepções e, posteriormente, obtendo-as, requerer a sua junção aos presentes autos, porquanto, eles (e só eles), essencialmente os arguidos requerentes, é que estarão em melhores condições para, em plena liberdade, aferirem das escutas telefónicas que poderão revelar-se essenciais para a descoberta da verdade material nos presentes autos e para o cabal exercício da sua defesa, “sujeitando-se”, posteriormente, ao “crivo” deste Tribunal na apreciação dos pressupostos legais materiais e formais relativos à admissibilidade da junção das escutas.
Pelo exposto e razões aduzidas, decide-se
1) Indeferir o requerido pela arguida IC… a fls. 52559 a 52948, designadamente “determinar a junção de todas as intercepções telefónicas efectuadas no âmbito do processo n.º …/…TELSB e que correspondem aos autos constantes do documento n.º 4”;
2) Indeferir, por ora, o demais requerido pelo arguido OC… no seu requerimento de fls. 53238 a 53289 (autorização de utilização, em bloco, das escutas telefónicas interceptadas no âmbito do identificado processo de inquérito; o oficiar ao DCIAP para juntar cópias certificadas da gravação; a reinquirição da testemunha MF…);
3) Por se mostrar prejudicado, não tomar conhecimento das irregularidades, nulidades, inconstitucionalidade, violação do princípio da igualdade de armas, vícios invocados, na parte respeitante a cada um, pelos arguidos IC… (fls. 52559 a 52948), OC... (fls. 53171 a 53186) e LC… (fls. 53376 a 53384);
4) Consignar, para que dúvidas não subsistam, que no caso de algum sujeito processual pretender usar, neste processo, de alguma escuta telefónica realizada no identificado processo de inquérito, deverá requerer e obter junto do mesmo as intercepções/conversações (suportes técnicos) e transcrições que julgarem pertinentes e os despachos que fundamentaram as respectivas intercepções e, posteriormente, obtendo-as, requerer a sua junção aos presentes autos;.

2. Notificado e inconformado com o teor da decisão, o arguido JO… veio, em 10 de Fevereiro de 2016, a fls. 53773 e segs. interpor recurso, pugnando por que seja:
a) (…) revogada a decisão recorrida e deferido, na íntegra, o requerimento do Arguido, ora Recorrente, de fls. 53.053 a fls. 53.065, determinando-se que Tribunal “a quo” deverá ordenar a notificação ao Assistente BIC, SA para juntar “aos autos o(s) documento(s) de onde se extraia, de forma clara, o volume do crédito concedido através do Banco Insular em 31 de Dezembro de cada ano, desde 2001 até 2008, com discriminação do valor relativo ao balcão «dentro» e «fora de balanço», especificando ainda o volume de crédito concedido pelos dois balcões à data de 30.6.2008, por ser a data considerada no artigo 218º da pronúncia”;
b) (…) revogada a decisão recorrida e deferido, na íntegra, o requerimento do Arguido, ora Recorrente, de fls. 53.066 a fls. 53.097, determinando-se que o Tribunal “a quo” deverá ordenar a junção pelo BIC, SA dos documentos comprovativos das sucessivas cessões de créditos concedidos pelo Banco Insular e ao Banco Insular (pelo BPN, SA, BPN Cayman e BPN IFI), deferindo-se a requerida junção aos autos dos dois contratos de cessão de crédito oferecidos pelo Arguido, juntos de fls. 53.078 a fls. 53.097, cujo desentranhamento foi ordenado;
c) (…) revogada a douta decisão recorrida, na parte em que o Tribunal “a quo” indeferiu o requerimento para que determinasse a junção de todas as intercepções telefónicas efectuadas no âmbito do processo n.º …/…TELSB, requerida pelo ora Recorrente;
d) [A douta decisão, ora recorrida] (…) substituída por outra que defira o requerido pela Arguida IC…, de fls. 52.559 a fls. 52.948, reiterado pelo aqui Recorrente no seu requerimento de fls. 53.171 a fls. 53.186, com as legais consequências;
e) Declarada, nos termos do artigo 379.º, n.º 1, al. c), do CPP, a nulidade da douta decisão recorrida por omissão de pronúncia quanto (1) à verificação, ou não, da irregularidade processual (decorrente da violação do princípio da igualdade de armas) arguida no requerimento do Arguido, ora Recorrente, de fls. 53.171 a fls. 53.186[101] e (2) à definição oficiosa dos efeitos anulatórios da mesma, ordenando-se a baixa dos autos ao Tribunal “a quo” para que tal irregularidade seja aí apreciada, aí se definindo os seus eventuais efeitos anulatórios;
f) Deferido na íntegra o requerido pelo Arguido de fls. 53.238 a fls. 53.289, ou, sem conceder, remeter a sua apreciação para momento posterior à junção aos autos da gravação das intercepções telefónicas efectuadas no processo n.º …/…TELSB e da sua análise pelo Tribunal “a quo”; e
g) (…) anulada toda a tramitação posterior à decisão recorrida cuja manutenção seja incompatível com a sua revogação e, designadamente, o Acórdão final que venha a ser proferido sem a valoração das diversas provas requeridas a que reporta o objecto do presente recurso.” (fim de transcrição).  

3. O Recorrente JO… extraiu da sua motivação (cf. fls. 53849 e segs.) as seguintes conclusões (encontrando-se reproduzidas, no final do bloco de conclusões, as respectivas notas de rodapé, cuja numeração originária se manteve):

1.º - O presente recurso incide sobre o douto despacho, datado de 16.12.2015, que consta de fls. 53.622 a fls. 53.650 dos autos, no que concerne aos segmentos decisórios que constam (A) de fls. 53.628 a fls. 53.632, (B) de fls. 53.632 a fls. 53.636, e (C) de fls. 53.636 a fls. 53.648.
A – Quanto ao primeiro segmento decisório impugnado constante de fls. 53.628 a fls. 53.632, atinente ao indeferimento do requerimento do Arguido de fls. 53.053 a fls. 53065 da diligência para junção pelo BIC, SA de documentos comprovativos da evolução do crédito dos dois balcões do Banco Insular entre 31 de Dezembro de 2001 até 2008, especificando ainda o volume do crédito dos mesmos em 30.06.2008, por ser a data a que reporta o artigo 218.º da pronúncia:
     2.º - A decisão de indeferimento do requerimento do Arguido de fls. 53.053 a fls. 53.065 apresenta um duplo fundamento, a saber: (1.º) a “circunstância de não se nos afigurar necessário à descoberta da verdade e à boa decisão da causa e” (2.º) “de a diligência probatória requerida se apresentar como irrelevante e supérflua face à prova documental e testemunhal constante e produzida nos autos (art. 340º, n.ºs 1 e 4, al. a) do C.P.P.);”
     3.º - Para concluir pela desnecessidade da prova requerida para a descoberta da verdade e para a boa decisão da causa considerou a douta decisão recorrida, em síntese, que os autos contêm já elementos probatórios que permitem “tirar ilações quanto ao pretendido pelo Arguido” e que “A circunstância de alegadamente todos os elementos probatórios não serem coincidentes entre si ou não confirmarem total ou parcialmente aquela factualidade é questão que contenderá somente com aquela apreciação crítica da prova.”.
     4.º - Salvo o devido respeito, que é muito, a douta decisão recorrida não refuta, antes parece aceitar a circunstância, que aliás motivou o requerimento do Arguido, de os elementos probatórios recolhidos no processo “não serem coincidentes entre si”.
     5.º - Neste conspecto, mesmo com base numa “análise cuidadosa dos elementos probatórios”, existindo, como existe, contradição entre as provas recolhidas no que tange à evolução do volume de crédito concedido pelo Banco Insular, a diligência requerida, ao contrário do decidido, apresenta interesse para a descoberta da verdade e para a boa decisão da causa, não sendo nem supérflua, nem irrelevante, e muito menos o é notoriamente, critério legal consagrado no n.º 4, do artigo 340.º do CPP para que se possa indeferir uma diligência de prova relativa ao objecto dos autos.
     6.º - Ao contrário do decido, mesmo que se faça uma análise cuidada dos elementos probatórios recolhidos, consoante se atribua valor ou credibilidade a uma ou outra prova, daquelas que o Tribunal enumera, retirar-se-ão “ilações” diferentes uma vez que estes não são reconhecida e manifestamente “coincidentes entre si”.
     7.º - Portanto, face à não coincidência/contradição entre as provas já recolhidas quanto à evolução do volume de crédito dos dois balcões do Banco Insular, a diligência requerida pelo Arguido é essencial para aferir daquela evolução.
     8.º - No caso concreto, não só não se está perante uma diligência notoriamente irrelevante ou supérflua, como a mesma assume relevo evidente para a clarificação da matéria de facto em causa, face à discrepância entre as provas já recolhidas.
     9.º - A privação de produção de meios de prova necessários ou úteis à decisão da causa, que um dos sujeitos processuais (“in casu”, o Arguido) tinha direito a aditar face aos elementos probatórios apresentados por outro sujeito processual oponente (o Ministério Público), frustra o “due process of law”, que impõe a boa decisão da causa e a apresentação e exame em audiência de toda a prova relevante submetida ao princípio do contraditório.
     10.º - Não tendo os mesmos sido produzidos,  é de revogar a decisão recorrida interlocutória por violação do disposto no art. 340.º, n.º 1, do CPP (neste sentido, v.d. o douto Acórdão do STJ, datado de 10.02.10 [25]).
11.º - Ao julgar inútil para a boa decisão da causa a diligência requerida pelo Arguido, ora Recorrente, no requerimento de fls. 53.053 a fls. 53065, violou a douta decisão recorrida o disposto no artigo 340.º, n.ºs 1 e 4, al. a), do CPP.
     12.º - Não procede a argumentação adoptada pela douta decisão recorrida na parte em que questiona a relevância da diligência para “análise das alegadas intenções que existiam, ou não de pagar o crédito concedido no balcão «fora de balanço»”.
     13.º - A rigorosa evolução do volume de crédito concedido no balcão do “fora de balanço” do Banco Insular é um facto relevante para a análise das intenções subjacentes à conduta imputada aos Arguidos, e, assim, para a apreciação do elemento subjectivo dos crimes imputados aos mesmos.
     14.º - A este respeito, cumpre recordar que a pronúncia, no seu artigo 219.º, faz uma nítida associação entre “a prática de fazer transitar contas entre o “dentro de balanço” e o “fora de balanço”, conforme as conveniências em sede dos montantes globais de crédito concedido e o interesse em ocultar ou tornar não cobráveis os montantes em dívida”, pelo que é do legítimo interesse da defesa demonstrar através de forma indiscutível e clara que, quer o volume total de crédito concedido pelo Banco Insular, quer o volume de crédito do balcão “fora do balanço”, diminuiu a partir do ano de 2005 em diante.
15.º - Caso o volume de crédito concedido pelo Banco Insular (e pelo balcão “fora do balanço”) tenha decrescido, como decresceu (a partir do ano de 2005 e até à saída do Arguido da Presidência do Grupo (conforme se provou na decisão do Banco de Portugal no âmbito do processo de contra-ordenação n.º …/…/CO, pág. 66 e 67 - junta aos autos), daí resultará não só o pagamento parcial do crédito concedido como, naturalmente, a intenção de o pagar, a menos que se defenda que o pagamento de um crédito pode ser um facto imotivado ou neutro ao nível das intenções.
16.º - Quanto à alegação de que o Arguido não indica os concretos documentos que terão o “condão” de permitir que deles se extraia, de forma clara, a evolução do volume do crédito concedido pelo Banco Insular, dir-se-á que, se é verdade que assim é, não é menos verdade que, das duas uma, ou os documentos existem na posse do Assistente e relevam para a descoberta da verdade, e nada impede que o Tribunal “a quo” os solicite ao BIC, SA (instituição que, ao abrigo do dever de colaboração, os deverá recolher e entregar), ou não relevam para a descoberta da verdade, hipótese que se refutou já face à contradição existente entre os diversos documentos constantes dos autos quanto à evolução do volume de crédito dos dois balcões. 
17.º - E daí que não se possa dizer, como é referido na douta decisão recorrida, que a diligência requerida não responde à sub-questão colocada que consistirá em saber se os créditos foram (ou não) pagos.
18.º - Como não se pode aceitar a afirmação de que a questão do pagamento não se compreende nos artigos da pronúncia, nem na contestação do Arguido. Certamente por lapso, na decisão recorrida deixou de se considerar o que na pronúncia se pode ler, por exemplo: “564º - Na sequência dos factos supra narrados, a utilização das oito sociedades em off-shore com conta no Banco Insular, incluindo operações subsequentes de financiamento da VENICE e juros contados, geraram os seguintes passivos, com referência ao final do ano de 2008, nas contas daquelas sociedades (valores em euros): (…)”, ascendendo o valor do crédito (capital e juros) alegadamente não pago a euros: “68.344.846,37”.
19.º - Por outro lado, estando (como está) em causa um crime de falsificação, jamais a redução do volume de crédito concedido pelo balcão “fora de balanço” (leia-se, não contabilizado) do Banco Insular poderá ser considerado um facto irrelevante para a boa decisão da causa, mesmo considerando que a redução do balanço não venha alegada na pronúncia ou na contestação.
20.º - É que, a redução do volume de crédito concedido pelo Banco Insular é uma circunstância relevante, desde logo, para o enquadramento dos factos e, a limite e sem conceder, em caso de condenação, para eventual atenuação da medida da pena.
21.º - Salvo melhor opinião, tal diminuição evidencia objectivamente que, a partir de determinado momento, existiu um esforço (necessariamente subjectivo) para a regularização da contabilização do crédito concedido pelo Banco Insular, isto é, uma redução do volume de crédito não contabilizado (“fora de balanço”). 
     22.º - Assim sendo, nos termos do artigo 71.º, do Código Penal, uma das circunstâncias a ponderar pelo Tribunal, em caso de condenação, para a determinação da eventual medida da pena é, evidentemente, a diminuição do volume de crédito do Banco Insular e do balcão “fora do balanço”, pelo que, ao contrário do decidido, a diligência requerida é imprescindível para a boa decisão da causa e diz respeito ao objecto do processo.
23.º - Conforme alegado pelo Arguido, ora Recorrente, no requerimento de fls. 53.053 a fls. 53065, a propósito da “contabilidade e da não consolidação de contas”, consta da decisão do Banco de Portugal no âmbito do processo de contra-ordenação n.º …/…/CO, a fls. 66 e 67, que o volume de crédito concedido pelo Banco Insular (que se decidiu que deveria ter consolidado na SLN enquanto sua “filial”) foi, ao longo dos anos (considerando os dois balcões), o seguinte:


0158.124.943,00 euros, correspondentes ao BANCO INSULAR
02261.193.300,00 euros, correspondentes ao BANCO INSULAR
03197.305.595,00 euros, correspondentes ao BANCO INSULAR
459.201.420,00 euros, correspondentes ao “balcão virtual”
TOTAL: 656.507.015,00 euros
04264.753.552,00 euros, correspondentes ao BANCO INSULAR
550.500.860,00 euros, correspondentes ao “balcão virtual”
TOTAL: 815.254.412,00 euros
05378.586.368,00 euros, correspondentes ao BANCO INSULAR
532.277.559,00 euros, correspondentes ao “balcão virtual”
TOTAL: 910.863.927,00 euros
06257.926.719,00 euros, correspondentes ao BANCO INSULAR
502.816.967,00 euros, correspondentes ao “balcão virtual”
TOTAL: 760.743.686 euros
07261.193.300,00 euros, correspondentes ao BANCO INSULAR
384.993.308,00 euros, correspondentes ao “balcão virtual”
TOTAL: 646.186.608 euros


24.º - A confirmarem-se os valores considerados naquela decisão do Banco de Portugal, é desde logo perceptível que o valor de crédito (788 milhões de euros), incluído no artigo 218.º da pronúncia, como correspondendo à quantidade de crédito concedido através do balcão do “fora do balanço” do Banco Insular, não foi nunca sequer um valor de crédito que existisse de forma simultânea naquele balcão.
25.º - Assim sendo, não existindo nos presentes autos um documento de onde resulte de forma clara o volume de crédito que, no final de cada ano civil, deixou de ser reflectido na contabilidade do Banco Insular (Relatório e Contas), por se encontrar “fora do balanço”, e do volume de crédito concedido pelo Banco Insular dentro do balanço, que – na tese da pronúncia – deixaram de ser incluídos no consolidado da própria SLN-SGPS, SA, considerando que o artigo 214.º da pronúncia se refere ao Banco Insular como “estrutura paralela não consolidada” da SLN, deverá ser considerado que a obtenção dessa documentação é relevante para a boa decisão da causa.
26.º - Pelo que, deve o despacho recorrido ser revogado, ordenando-se ao Tribunal recorrido que o substitua por outro que ordene a notificação do Assistente BIC, SA para juntar “aos autos o(s) documento(s) de onde se extraia, de forma clara, o volume do crédito concedido através do Banco Insular em 31 de Dezembro de cada ano, desde 2001 até 2008, com discriminação do valor relativo ao balcão «dentro» e «fora de balanço», especificando ainda o volume de crédito concedido pelos dois balcões à data de 30.6.2008, por ser a data considerada no artigo 218º da pronúncia”.
27.º - Mais deverá ser decidido que a revogação da douta decisão recorrida invalida o acórdão final que venha a ser proferido e implica a continuação da audiência de julgamento, para produção da prova “supra” indicada, seguindo-se os demais termos processuais.
B – Quanto ao segundo segmento decisório impugnado, atinente ao indeferimento do requerimento do Arguido de fls. 53.066 a fls. 53.097 para junção pelo BIC, SA de documentos comprovativos das sucessivas cessões dos créditos concedidos pelo Banco Insular e ao Banco Insular (pelo BPN, SA, BPN Cayman e BPN IFI) e ao pedido de junção de dois contratos de cessão de crédito oferecidos pelo Arguido:
28.º - No requerimento de fls. 53.066 a fls. 53.097 o Arguido, ora Recorrente, requereu que nos termos “do artigo 340.º, n.º 1, do Código de Processo Penal, para boa decisão da causa, no que concerne à matéria de facto vertida na pronúncia relativa aos alegados prejuízos decorrentes da concessão de crédito ao e pelo Banco Insular, se digne ordenar que se oficie à Assistente BIC, SA, para:
a) Juntar aos autos cópia de todos os contratos de dação em pagamento, e ou cessão de créditos, que não se achem nos autos, que o BPN, SA, o BPN-IFI e ou o BPN-Cayman tenham celebrado entre si ou com o Banco Insular, relativamente aos créditos concedidos através do balcão 1 e 2;
b) Juntar aos autos cópia de todos os contratos de dação em pagamento, e ou cessão de créditos, que não se achem nos autos, que o BPN, SA, o BPN-IFI e ou o BPN-Cayman tenham celebrado entre si relativamente ao crédito (interbancário), concedido através das contas correspondentes (contas “nostro”) ao Banco Insular;
c) Caso, nalguma situação, não exista contrato de dação em pagamento/cessão de créditos relativamente a alguns dos valores cedidos e ou integrados no balanço do BPN-IFI, BPN-Cayman e ou BPN, SA, requer que o BIC, SA junte aos autos a deliberação do Conselho de Administração, ou o instrumento jurídico que tenha decidido, ou suportado, a integração do valor remanescente do balanço do Banco Insular no balanço do BPN-IFI, BPN-Cayman e ou BPN, SA, informando ainda a data de tal integração e se foi, ou não, realizada pelo valor do capital e juros;
d) Informar se, na sequência das diversas cessões de créditos celebradas (e que acima se tentaram discriminar), se verificou na contabilidade do BPN-Cayman, do BPN-IFI ou do BPN, SA (entidades referidas na douta pronúncia com referência aos factos) algum prejuízo decorrente da aquisição/integração dos créditos concedidos pelo Banco Insular; e
e) Juntar aos autos cópia do contrato de cessão de créditos pelo BPN, SA à PARVALOREM, SA de forma a manter a referência a todas as entidades e créditos referidas na pronúncia e não apenas aqueles que constam elencados nos artigos 212.º a 220.º da mesma, truncando apenas e só a informação relativa a entidades não referidas na pronúncia.
Mais requer que se digne deferir a junção aos autos dos dois contratos de cessão celebrados entre BPN-Cayman e BPN-IFI e o BPN, SA, datados de 13.03.2009 (Doc. 1 e 2).”
29.º - Na douta decisão recorrida o Tribunal “a quo” considerou que: “Nas diligências probatórias requeridas pelo arguido OC…, como foi salientado, o que o mesmo pretende é saber se a concessão de crédito através do balcão “fora do balanço” do Banco Insular se traduziu nalgum prejuízo efectivo para esta instituição, para o BPN Cayman e/ou BPN IFI.
Salvo o devido e muito respeito por outra opinião, não é isso que está em causa na pronúncia, pelo menos nos arts. referidos pelo arguido.
O prejuízo para o BPN a que alude o facto 188º da pronúncia diz respeito aos depósitos directos para o BI, obtidos junto de investidores angolanos ou bancos angolanos, depósitos esses de curto prazo e com alta rentabilidade, ou seja, fora dos cânones normais.”
30.º - Salvo o devido respeito, que é muito, é notório o erro do argumento utilizado uma vez que as diligências requeridas o foram “para boa decisão da causa, no que concerne à matéria de facto vertida na pronúncia relativa aos alegados prejuízos decorrentes da concessão de crédito ao e pelo Banco Insular”.
31.º - E como resulta da extensa pronúncia, a perda ou prejuízo potencial decorrente do não pagamento dos créditos concedidos pelo do Banco Insular é diversas vezes alegado, veja-se, por exemplo, o artigo 176.º onde se alega expressamente que a Zémio “ficou a dever à Venice”, constando a entidade ZEMIO do artigo 215.º e a Venice do artigo 217.º da pronúncia, ou ainda a alegação de não pagamento de “68.344.846,37” euros que consta do artigo 564.º da pronúncia. Quanto ao prejuízo decorrente do processo de “funding”/financiamento ao Banco Insular, como aliás é referido na decisão recorrida (sem que daí se retirem as devidas ilações), o mesmo é expressamente alegado no artigo 188.º da douta pronúncia.
32.º - Por outro lado, conforme consta expressamente do requerimento indeferido, “na óptica da defesa, interessa ao bom julgamento da causa apurar se a concessão de crédito concedido através do Banco Insular e, designadamente, através do balcão “fora do balanço”, se traduziu nalgum prejuízo efectivo para esta instituição, para o BPN Cayman e ou BPN IFI (instituições que a pronúncia refere que suportariam o funding ao BI) e ou para o BPN, S.A.” (arts. 183º e 187º e 188º da pronúncia).”.
33.º - Face ao assim requerido, a douta decisão recorrida errou de forma manifesta por reduzir a amplitude da eficácia do requerimento efectuado a “saber se a concessão de crédito através do balcão “fora do balanço” do Banco Insular se traduziu nalgum prejuízo efectivo para esta instituição, para o BPN Cayman e/ou BPN IFI.”.
34.º - Efectivamente, o que se pretende com o requerimento que veio a ser indeferido, é provar que nenhuma das instituições financeiras referidas na pronúncia como tendo estado directa, ou indirectamente, ligadas à concessão de crédito pelo Banco Insular sofreu qualquer prejuízo com a concessão de crédito pelo Banco Insular ou ao Banco Insular. Ou seja, o que se pretende provar é que nem o Banco Insular (enquanto entidade mutuante) em todas as operações narradas na pronúncia, nem o BPN, SA, o BPN Cayman e o BPN IFI (enquanto entidades que asseguravam o financiamento ao Banco Insular) sofreram qualquer prejuízo decorrente da concessão de crédito pelo ou ao Banco Insular.
35.º - Donde, o douto despacho recorrido erra manifestamente ao circunscrever o interesse invocado pelo Recorrente à demonstração da inexistência de prejuízo do crédito concedido no balcão “fora de balanço”, esquecendo que o ora Recorrente explicitou que “na óptica da defesa, interessa ao bom julgamento da causa apurar se a concessão de crédito concedido através do Banco Insular e, designadamente, através do balcão “fora do balanço”, se traduziu nalgum prejuízo efectivo para esta instituição, para o BPN Cayman e ou BPN IFI (instituições que a pronúncia refere que suportariam o funding ao BI) e ou para o BPN, S.A.” (arts. 183º e 187º e 188º da pronúncia).”.
36.º - Assim, não podia a douta decisão recorrida reconduzir o interesse da diligência ao balcão “fora do balanço” quando a referência a este balcão vem precedida da referência ao “(…) crédito concedido através do Banco Insular [leia-se, todo o crédito] e, designadamente [leia-se, nomeadamente], através do balcão “fora do balanço””.
37.º - Conforme se decidiu no douto Acórdão do STA, datado de 15.05.2003: “I - O advérbio "designadamente" tem um sentido especificativo e indicativo com que se pretende particularizar algo ou alguém, de entre uma série de elementos indiscriminados de um conjunto.”.
38.º - No contexto do requerimento efectuado, é manifesto que o “conjunto” a que o Requerente se referiu de forma não discriminada foi todo o crédito concedido pelo Banco Insular ou ao Banco Insular, onde se inclui o que foi concedido pelo balcão “fora do balanço”, mas também ao crédito que foi concedido ao próprio Banco Insular (conforme consta expressamente do requerimento formalmente formulado a final).
39.º - Nesse contexto, é totalmente desapropriado para fundamentar o indeferimento da diligência requerida, pretender significar que esta não deve ser deferida por não interessar para os “art.s referidos pelo arguido”, primeiro porque o Arguido não excluiu (antes incluiu) nenhum dos demais artigos relativos às operações de financiamento do e ao Banco Insular e, segundo, porque competia ao Tribunal “a quo” verificar, de forma oficiosa, que a diligência relevava para outros artigos da pronúncia.
40.º - De facto, mesmo que o Arguido, ora Recorrente, não se tivesse reportado (como reportou) a todo o crédito concedido pelo Banco Insular e ao Banco Insular (por outras instituições) e tivesse indicado menos artigos do que aqueles que, em termos de prova, beneficiariam com a diligência, é dever oficioso do Tribunal aferir se a diligência requerida releva para a prova dos artigos indicados ou de quaisquer outros que pudessem ser omitidos pela defesa.
41.º - Igualmente, não tem razão a douta decisão recorrida ao afirmar que: “Acresce que – e nisso estamos de acordo com a argumentação do M.P. -, não vislumbramos – nem o arguido o justifica – que as diligências de prova requeridas e os documentos cuja junção requer se destinem à prova ou à contra prova dos factos da pronúncia ou à prova dos factos da contestação do arguido.”
42.º - Como já se viu supra, é evidente que há na pronúncia factos que invocam o não pagamento de financiamentos realizados pelo Banco Insular, designadamente, através do balcão “fora de balanço”.
43.º - A alegação de que um determinado crédito não foi pago abrange ou admite – considerando um sentido interpretativo normal – a invocação implícita de uma perda/prejuízo, ainda que potencial, de quem empresta, a qual, em termos bancários, é normalmente denominada por “imparidade”[26].
4.º - Face à expressa alegação na pronúncia do não pagamento de um crédito decorrente de um mútuo e à ideia de “imparidade”/perda potencial daí decorrente, cabe no objecto do processo a demonstração de que a entidade que concedeu o financiamento (o Banco Insular) e aquelas que, por sua vez, financiaram a primeira, não sofreram, nem poderão sofrer, qualquer perda/prejuízo efectivo decorrente daqueles financiamentos.
45.º - A inexistência de qualquer prejuízo para o Banco Insular decorrente dos financiamentos que concedeu referidos na pronúncia, ou para as instituições que o financiaram (BPN, SA, BPN-Cayman e BPN-IFI), é uma circunstância de relevância evidente para o enquadramento dos factos e, a limite e sem conceder, para eventual atenuação da medida da pena.
46.º - Nos termos do artigo 71.º, n.º 2, al. a), do Código Penal, sendo “a gravidade das (…) consequências” do ilícito uma das circunstâncias a ponderar - em eventual condenação - pelo Tribunal para a determinação da eventual medida da pena, é evidente que a existência de prejuízo patrimonial para o Banco Insular, por um lado, ou para o BPN, SA, BPN-IFI e BPN Cayman por outro (decorrente do financiamento ao primeiro) é, ao contrário do decidido, relevante para a boa decisão da causa e diz respeito ao objecto do processo. 
47.º - Não tem igualmente razão a douta decisão recorrida quando afirma a irrelevância das cessões de créditos: “Até porque, os contratos de dação em pagamento ou cessão de créditos que o BPN SA, o BPN IFI e ou o BPN Cayman tenham celebrado entre si dizem respeito a datas posteriores ao exercício de funções do arguido OC… no grupo BPN/SLN (a renúncia data de 19.2.2008 e os contratos a que alude são todos de datas posteriores – v. seu requerimento a fls. 53072) não tendo os mesmos, por conseguinte, qualquer tipo de intervenção nesses mesmos contratos.”
48.º - Com efeito, a superveniência do facto que evidencia a ausência de perda/prejuízo potencial de um crédito de uma entidade que poderia ter sido patrimonialmente prejudicada, mas não o foi, não afasta a relevância do mesmo, designadamente, ao nível da ponderação da verificação do requisito da existência do prejuízo patrimonial (requisito convocado por diversos crimes imputados ao Arguido, ora Recorrido, como o crime de burla), como ao nível da ponderação da “gravidade das (…) consequências” do ilícito em caso de condenação (vide artigo 71.º, n.º 2, al. a), do CPP).
49.º - Neste contexto, a constatação de que o Arguido, ora Recorrente, não teve intervenção nos actos que revelaram, de forma superveniente mas objectiva, que aquela que era uma mera perda potencial do Banco Insular, ou das instituições que o financiaram, não se verificou, não afasta a relevância prática da questão, a saber: o acto que é imputado ao Arguido – a concessão de crédito – não causou qualquer prejuízo a nenhuma das entidades referidas na pronúncia, directa e indirectamente relacionadas com o mesmo.
50.º - O Arguido, ora Recorrente, alegou expressamente no requerimento que veio a ser indeferido pela decisão recorrida, o seguinte: “12.º Interessa à boa decisão da causa a demonstração documental de tal realidade e a análise do teor dos contratos (ou instrumentos jurídicos) à data celebrados (ou elaborados) para esse efeito, designadamente, para se aferir da (in)existência de prejuízo para o Banco Insular, BPN-IFI, BPN-Cayman e ou BPN, SA emergente da concessão daqueles créditos [27] (…) 15.º Sucessão de contratos [aqueles que se requereu que fossem juntos aos autos] que releva para demonstrar a (in)existência de qualquer prejuízo para o Banco Insular (emergente da concessão de crédito efectuada), para o BPN Cayman ou para o BPN-IFI (emergente do “funding” efectuado ao Banco Insular), ou para o BPN, SA (emergente da integração dos créditos no seu balanço), sendo que, este último, apenas poderá ser aferido por comparação entre o valor de aquisição e o valor da sua posterior cessão à PARVALOREM, S.A. (acima referida);”.
51.º - Face ao assim alegado, não se compreende (a não ser por lapso manifesto) como pode a douta decisão recorrida dizer que “não se descortina – nem o arguido o justifica – como é que a junção dos referidos contratos poderá dar resposta ao desidrato por si pretendido, isto é, “se a concessão de crédito concedido através do Banco Insular e, designadamente, através do balcão “fora do balanço”, se traduziu nalgum prejuízo efectivo para esta instituição, para o BPN Cayman e ou BPN IFI (…) e ou para o BPN, S.A.”.
52.º - Se uma instituição financeira cede um ou mais créditos emergentes de uma, ou mais, operações financeiras, a uma entidade terceira, pelo valor de capital e juros, essa instituição não sofre qualquer prejuízo patrimonial com a concessão de crédito que anteriormente efectuou, pela simples razão de que recuperou o capital mutuado, acrescido da respectiva remuneração.
53.º - Aliás, na nota de rodapé n.º 8, aposta no final do artigo 13.º do requerimento indeferido pela douta decisão recorrida, o Arguido fez constar que: “A propósito da relevância dos contratos de cessão de créditos celebrados para os crimes patrimoniais imputados ao Arguido veja-se o douto despacho de fls. 45.706, datado de 22.04.2014 do Vol. 146.” (“negrito” e itálico nosso)
54.º - Verifica-se, por isso, que o próprio Tribunal “a quo”, que agora não “descortina” a relevância dos contratos de cessão de crédito originariamente concedidos pelo Banco Insular, escreveu já no douto despacho de fls. 45.706, Vol. 146, datado de 22.04.2014, há muito transitado em julgado, que: “No que se refere ao pedido de junção aos autos, pela Parvalorem, de cópia integral do contrato de cessão de créditos outorgado com o BPN e respectivos anexos:” secundou os argumentos “elencados pelo arguido OC…, aos quais aderiu o arguido RO…:” de que “Tal contrato, na sua versão integral, releva para a descoberta da verdade e boa decisão da causa, desde logo, para (1) “se aferir do valor total do crédito referenciado na douta pronúncia, que foi ou não pago até à data daquele contrato pelas mutuárias a que alude a doutra pronúncia nos artigos 215.º e 218.º da pronúncia, considerando (…) que naqueles artigos se elencou apenas o somatório do crédito concedido, em cada uma as diferentes situações aí referidas, e não o valor d crédito que ficou em dívida e, consequentemente, aquele outro que foi entretanto pago, o que poderá relevar para” (2) “efeitos de aferição de qualquer putativo prejuízo emergente da operação de concessão de crédito - não se vislumbra como poderá o mutuante ter qualquer efectivo prejuízo emergente de uma operação de concessão de crédito se se vier a julgar como provado que o mesmo foi pago pela mutuária ou que vendeu o crédito de que era titular pelo valor correspondente ao capital e juros, circunstâncias que relevarão ao nível dos crimes patrimoniais” -, (3) “quer para aferição das alegadas intenções a que alude o artigo 219.º da pronúncia - efectivamente, ao menos relativamente ao valor do crédito pago até ao início do processo crime não se poderá sequer alvitrar a possibilidade de que haveria intenção de não pagamento.”, tendo decidido que “Ao contrário do vertido pelo assistente, a pertinência na junção de tal documento está elencada na fundamentação apresentada pelo arguido e a que supra se fez referência, fundamentação essa que, face à criminalidade que é imputada ao mesmo – e a outros – na pronúncia, assume inteira pertinência, essencialmente no âmbito dos factos de 212.º a 220.º. (…) Outrossim importa também ter em consideração que o Tribunal não tem qualquer interesse em conhecer a totalidade dos créditos cedidos, mas tão só os identificados naquela factualidade, porque só estes é que constituem objecto do processo.
Por isso, não tem qualquer interesse a junção integral do contrato de cessão de créditos em causa, mas somente a informação nele contida e que diz respeito às entidades referenciadas naquela factualidade, entidades essas em relação às quais, nos autos, há muito foi derrogado o sigilo bancário.”.
55.º - O mesmo Tribunal, com os citados fundamentos, decidiu “ao abrigo do disposto no artº, 340.º, n.º 1 do C.P.P. (…)
1) Deferir a junção aos autos a cópia do contrato de “dação em pagamento” constante de fls. 44153 a 44160:
2) Com cópia deste despacho na parte pertinente e dos arts. 212.º a 220º da pronúncia, notifique-se a Parvalorem, S.A., para no prazo de 10 (dez) dias, juntar aos presentes autos:
a) Cópia integral do contrato de cessão dos créditos celebrados com o BPN, S.A., e respectivos anexos, ainda que truncados nas partes que não digam respeito às entidades elencadas nos arts. 212º a 22.º da pronúncia;
ou
b) Cópia parcial do contrato de cessão dos créditos celebrado com o BPN, S.A., e respectivos anexos, designadamente nas partes referentes às entidades elencadas nos arts. 212º a 22º da pronúncia;
c) Cópias dos cheques ou dos comprovativos das transferências bancárias que consubstanciem o pagamento do preço acordado no contrato de cessão de créditos e que digam respeito às entidades elencadas nos arts. 212.º a 220.º da pronúncia.”
56.º - Assim, face à posição já adoptada pelo Tribunal “a quo” relativamente à relevância jurídica das cessões de créditos concedidos pelo Banco Insular e ao Banco Insular (pelo BPN, SA, BPN Cayman e BPN IFI), resta ao Arguido reiterar a fundamentação que foi adoptada no douto despacho acima citado, “fundamentação essa que, face à criminalidade que é imputada ao mesmo – e a outros – na pronúncia, assume inteira pertinência, essencialmente no âmbito dos factos de 212.º a 220.º.”, mas não apenas, porquanto relevam igualmente os efeitos jurídicos das cessões dos créditos concedidos ao Banco Insular pelo BPN, SA, BPN-Cayman e BPN-IFI (leia-se, daqueles que, transitando entre contas “nostro” e “vostro” (ou contas correspondentes), correspondiam ao crédito interbancário (“funding”) que financiava o Banco Insular, e que a douta decisão recorrida refere estarem na base da alegação de prejuízo para o BPN decorrente do artigo 188.º da pronúncia, sem que daí extraia conclusões.
57.º - Quanto à requerida notificação ao Assistente BIC, SA para que informe se “na sequência das diversas cessões de créditos celebradas, se verificou na contabilidade do BPN, S.A., do BPN IFI ou do BPN Cayman algum prejuízo decorrente da aquisição/integração dos créditos concedidos pelo Banco Insular” (fls. 53076, al. d)”, salvo o devido respeito por opinião contrária, se é verdade que as meras alegações de factos levadas a cabo pelas partes nos seus requerimentos e ou articulados não constituem prova, não é menos verdade que uma informação prestada, por escrito, pelo Assistente, na sequência de ordem do Tribunal, consubstancia um princípio de prova relevante, quanto acompanhada dos contratos de cessão de crédito cuja junção também foi requerida e que o Tribunal “a quo” podia e devia fazer complementar com quaisquer outros elementos documentais, tais como os comprovativos do pagamento do preço da cessão ou a revelação contabilística da inexistência de prejuízo patrimoniais.
58.º - Assim, quando o Arguido vem aos autos invocar que o alegado lesado não sofreu qualquer prejuízo patrimonial, não ofende (e muito menos será aberrante) notificar esse lesado para informar nos autos se confirma essa alegação e para juntar os documentos que reflictam o prejuízo ou a ausência dele e, desde logo, os contratos de cessão dos créditos.
59.º - Salvo melhor opinião, o que o Tribunal “a quo” não poderia ter feito era deixar de analisar a relevância da diligência requerida a pretexto de não a “descortinar”, quando, por despacho nessa parte já transitado, a reconheceu já de forma expressa, ordenando diligência de prova similar à ora requerida, com referência a um contrato de cessão à Parvalorem, S.A., contrato este que é o último da sequência relativamente aos demais já detectados e elencados pelo Arguido, todos eles posteriores à renúncia do Arguido à presidência do Grupo (em 19.02.2008) e onde, de igual forma, o Arguido também não interveio.
60.º - Os poderes-deveres que a lei (artigo 340.º, do CPP) atribui ao Tribunal em processo penal obrigam o mesmo a, face à verificação da relevância jurídica de um facto para a boa decisão da causa, determinar e ordenar a diligência probatória que melhor se adeque a esse desiderato.
61.º - Não pode, por isso, o Tribunal penal olvidar as obrigações que lhe são conferidas pelo artigo 340.º, n.º 1, do CPP, com alegações de índole meramente formal - como aquela que rotula de “aberração jurídica” o requerimento de prova do Arguido devido ao facto de se considerar que uma informação requerida, se prestada por escrito e pelo Assistente, ainda que acompanhada dos contratos que a fundamentem, não configura um meio de prova.
62.º - Por tudo o que acima foi exposto, ao julgar irrelevantes, supérfluas e inadequadas para a descoberta de verdade e boa decisão da causa as diligências probatórias requeridas pelo Arguido, ora Recorrente, violou a douta decisão recorrida o disposto no artigo 340.º, n.ºs 1 e 4, als. a) e b), do CPP.
63.º - Por outro lado, ao ordenar como ordenou, o desentranhamento dos dois contratos de cessão de créditos cuja junção aos autos foi requerida pelo Arguido, após ter reconhecido a relevância jurídica de contratos de cessão de créditos à Parvalorem, S.A. (originariamente concedidos pelo Banco Insular) por douto despacho de 22.04.2014, violou a douta decisão recorrida o disposto no artigo 340.º, n.ºs 1 e 4, als. a) e b), do CPP, adoptando uma posição diametralmente oposta àquela que fez plasmar no douto despacho de 22.04.2014 (transitado em julgado) quanto à mesma questão jurídica, quando deferiu a junção aos autos de um contrato similar, bem com outra documentação comprovativa da inexistência de prejuízo patrimonial.
C – Quanto ao terceiro segmento decisório impugnado, atinente ao (1.º) indeferimento do requerimento da Arguida IC… de fls. 52.559 a fls. 52.948, para junção aos autos dos suportes técnicos das conversações ou comunicações gravadas no inquérito n.º …/…TELSB, reiterado pelo Arguido no seu requerimento de fls. 53.171 a fls. 53.186, (2.º) ao não conhecimento da irregularidade processual arguida no requerimento do Recorrente de fls. 53.171 a fls. 53.186, decorrente da violação da igualdade de armas e ao (3.º) indeferimento do requerimento do Arguido de fls. 53.238 a fls. 53.289, onde se requereu o reconhecimento do direito do Arguido utilizar as escutas telefónicas em causa para sua defesa nos presentes autos e que fosse oficiado ao DCIAP a extracção de certidão das mesmas, para o Arguido as poder transcrever nos segmentos que pretenda utilizar, e, finalmente, que fosse ordenada a reinquirição da testemunha MF… relativamente a duas conversas telefónicas gravadas naqueles autos relativas ao mútuo denominado como “A1” (constantes dos resumos juntos autos e que o Arguido declarou, desde logo, pretender utilizar);
64.º - Por requerimento de 8.09.2015, de fls. 52559 a fls. 52948, a Arguida IC…, solicitou, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 187.º, n.ºs 7 e 8, do CPP, que fosse proferido despacho a determinar a junção aos presentes autos dos suportes técnicos das conversações ou comunicações gravadas no inquérito n.º …/…TELSB, o qual corre termos no Departamento Central de Investigação e Acção Penal.
65.º - Naquele requerimento, que se dá como reproduzido, depois reiterado pelo ora Recorrente de fls. 53.171 a fls. 53.186, sinalizou-se, desde logo, a relevância das matérias discutidas em tais conversações ou comunicações para os presentes autos.
66.º -        Por outro lado, o Arguido, ora Recorrente, ainda no seu requerimento de fls. 53.171 a fls. 53.186, arguiu a irregularidade processual requerendo que fosse “declarada a irregularidade processual decorrente da violação do princípio da igualdade de armas e do processo equitativo (artigos 20.º, n.º 4, da CRP e 6.º da CEDH), com as legais consequências (artigo 123.º, n.º 1 do CPP).”
67.º - Posteriormente, pelo requerimento de fls. 53.238 a fls. 53.289, o Arguido, além de fazer uma exposição ao abrigo do disposto no artigo 98º, n.º 1, do CPP, a propósito do mútuo da conta do Banco Insular designada por “A1” de que era titular e beneficiário e afirmando que foi sempre sua intenção pagar o mútuo em causa, para prova do que alegou, requereu que:
1 – “Para a descoberta da verdade material relativamente à factualidade” dos factos constantes dos arts. 209º, 215º, 224º, 230º e 287º a 296º da pronúncia, “que se digne autorizar a utilização pela defesa das escutas telefónicas interceptadas no âmbito do processo crime n.º …/… (…), reconhecendo-se ao arguido o direito de vir aos autos indicar outros segmentes daquelas escutas que, após análise detalhada da respectiva gravação áudio, se venham a evidenciar como relevantes para a descoberta da verdade (…)”;
2 – “seja oficiado ao DCIAP para juntar aos autos cópia certificada da gravação daquelas escutas telefónicas para que o arguido possa proceder à transcrição das mesmas, nos segmentos que pretenda utilizar (…)”;
3 – “seja autorizada reinquirição da testemunha MF… para que a mesma seja confrontada com o teor da escuta telefónica em causa com o objectivo de este relatar em audiência de julgamento a conversa que terá tido com o arguido, ora requerente, aquando do almoço com o mesmo, alegadamente ocorrido em data anterior a 27.8.2008 e em que o arguido lhe terá dito que «pagava», reportando-se aquela conversa ao mútuo relativa à A1”.
68.º - Nesse requerimento o Arguido, ora Recorrente, após transcrever o resumo de duas conversas telefónicas interceptadas nos autos de processo-crime n.º …/…, declarou que a valoração daquelas conversas era “na óptica da defesa, indispensável para a descoberta da verdade material relativa à alegada existência de qualquer alegada intenção de esconder aquela dívida e, consequentemente, de não a pagar, o que naturalmente releva para a eventual subsunção, ou não, dos factos na previsão do crime de abuso de confiança, pelo qual o Arguido vem acusado. (…) Razão pela qual o Arguido declara, nos termos do artigo 187.º, n.º 7, do Código de Processo Penal, que pretende fazer uso das escutas telefónicas que agora ficou a conhecer por mera súmula, quanto a esta concreta escuta, sem prejuízo de o Arguido se reservar ao direito de vir aos autos indicar outros segmentos daquelas escutas que, após análise detalhada, se venham a evidenciar como relevantes para a descoberta da verdade relativamente a outros segmentos do objecto dos autos e que devam ser correctamente transcritas.”
69.º - Não obstante a manifesta relevância que, na óptica do Recorrente, a junção aos presentes autos dos suportes das gravações solicitadas tem para a descoberta da verdade material, decidiu o Tribunal “a quo”, entre o mais, indeferir a requerida junção das gravações, por entender que nem todas as conversações ou comunicações seriam indispensáveis à descoberta da verdade e que, ao determinar-se a junção da totalidade de tais conversações ou comunicações “em bloco, além de não se fazer actuar qualquer “filtro”, corre-se o sério risco de juntar aos presentes autos intercepções que nada têm a ver com o objecto dos presentes autos, além de se poder potenciar uma devassa da vida privada de pessoas que de modo algum estão conexionadas com os factos sujeitos ao nosso Julgamento (v. art. 86º, n.º 7 do C.P.P.)”.
70.º - Mais considerou que “caberá aos arguidos/assistentes/M.P., querendo, requerer e obter junto daquele processo de inquérito as intercepções/conversações e os despachos que fundamentaram as respectivas intercepções e, posteriormente, obtendo-as, requerer a sua junção aos presentes autos, porquanto eles (e só eles), essencialmente os arguidos requerentes, é que estarão em melhores condições para, em plena liberdade, aferirem das escutas telefónicas que poderão revelar-se essenciais para a descoberta da verdade material nos presentes autos e para o cabal exercício da sua defesa, “sujeitando-se”, posteriormente, ao “crivo” deste Tribunal na apreciação dos pressupostos legais materiais e formais relativos à admissibilidade da junção das escutas”.
71.º - Contrariamente ao sustentado na douta decisão recorrida, entende o Arguido, ora Recorrente, que não existe fundamento legal para indeferir, ou deixar de conhecer, nenhum dos seus requerimentos.
72.º - Como a própria decisão recorrida reconhece, em causa está a aplicação, por um lado, dos artigos 187.º e seguintes do CPP, referentes às escutas telefónicas, e, por outro, do artigo 340.º do CPP, que estabelece os princípios gerais em matéria de produção de prova em julgamento.
73.º - Do exposto resulta que, admitindo-se a utilização da gravação de conversações ou comunicações constantes de outro processo, ainda que este esteja em fase julgamento, e estando preenchidos, no presente caso, os pressupostos legais constantes dos números 1, 4 e 7 do artigo 187.º do CPP, a rejeição na determinação da junção aos autos da gravação das conversações ou comunicações efectuada no âmbito do inquérito n.º …/…TELSB teria de se fundamentar, exclusiva e necessariamente, ao abrigo do artigo 340.º do CPP, uma vez que o artigo 187.º do CPP não levanta obstáculos a esse desiderato.
74.º - Não estando verificadas, “in casu”, nenhumas das circunstâncias descritas nos números 3 e 4 do artigo 340.º do CPP – as quais prevêem a rejeição de requerimentos de prova – o motivo de rejeição do requerimento probatório teria de se estribar, legal e forçosamente, no facto de não ter o meio de prova (ou o meio de obtenção de prova) interesse para a descoberta da verdade e boa decisão da causa, em obediência ao n.º 1 do mesmo artigo.
75.º - Todavia, o motivo que levou a douta decisão recorrida a indeferir o requerimento probatório do Arguido, ora Recorrente, não foi o facto de as conversações ou comunicações gravadas no âmbito do inquérito n.º …/…TELSB não serem, em si, necessárias à descoberta da verdade e boa decisão da causa,
76.º - Mas sim o facto de «certamente» não serem necessárias todas as conversações ou comunicações – conclusão que, como é bom de ver, em nada reflecte o juízo de (des)necessidade quanto à produção dos meios de prova requeridos, a que obriga o artigo 340.º do CPP.
77.º - É manifesta a relevância para os presentes autos das matérias discutidas nas conversações ou comunicações, gravadas no âmbito do inquérito n.º …/…TELSB, nomeadamente referentes ao Banco Insular, às sociedades criadas através da PLANFIN, à operação CAMDEN, ao posicionamento de testemunhas que foram ouvidas nos presentes autos e à forma como se seleccionam depoimentos – relevância que foi, de resto, evidenciada no Requerimento apresentado pela Arguida IC…, supra  recordado.
78.º - Por outro lado, o Arguido, ora Recorrente, tem interesse especial no que concerne à sua defesa, nas conversas telefónicas entre a Testemunha MF… e a Testemunha Ajo…, cuja súmula transcreveu e declarou expressamente pretender utilizar para sua defesa nos presentes autos (dela resultando que o Arguido, ainda antes de assumir tal qualidade processual e de ser preso à ordem dos presentes autos, assumiu a dívida e afirmou que “pagava” o empréstimo contraído junto do Banco Insular denominado por “A1”, num momento em que era titular de activos de valor superior ao da dívida, activos que vieram a ser arrestados), pelo que deveria o Tribunal “a quo” ter reconhecido, desde logo, o direito do Arguido se defender com o teor daquelas conversas, ou, no mínimo, ordenado a junção das gravações das escutas efectuadas no processo de inquérito em causa, relegando essa decisão para momento posterior à análise oficiosa de tais conversas.
79.º - Mais ainda, caberia ao Tribunal “a quo” investigar, de forma cabal, em cumprimento do princípio da investigação e em obediência a um dever funcional e constitucionalmente determinado de prosseguir a verdade material, quais as concretas conversações ou comunicações, gravadas no âmbito do inquérito n.º …/…TELSB, que se revelam necessárias à descoberta da verdade e à boa decisão da causa.
80.º - Deste modo, tendo o Tribunal “a quo” conhecimento de que as escutas telefónicas em causa são manifestamente necessárias à descoberta da verdade e boa decisão da causa (ainda que nem todas o sejam) – pois que os Arguidos, entre os quais o Recorrente, cuidaram de lhe demonstrar essa relevância ao darem conta das transcrições de muitas dessas conversações –, tem o mesmo o dever de, à semelhança do dever do Tribunal onde foram realizadas tais escutas:
(i) Se inteirar do integral conteúdo das mesmas, e
(ii) “Filtrar” as conversações relevantes para os autos, destruindo os suportes técnicos e relatórios manifestamente estranhos ao processo.
(cfr. n.ºs 5 e 6 do artigo 188.º do CPP).
81.º - Feito esse filtro pelo próprio Tribunal, desaparece o risco invocado de se “juntar aos presentes autos interacções que nada têm a ver com o objecto dos presentes autos» e de se «poder potenciar uma devassa da vida privada de pessoas que de modo algum estão conexionadas com os factos sujeitos ao nosso Julgamento”.
82.º - Neste sentido, defende Paulo Pinto de Albuquerque que o juiz do processo onde foram realizadas as escutas “[…] determina a remessa ao outro processo de cópia da totalidade das gravações referentes ao alvo ou alvos em questão, dos relatórios referentes às ditas gravações e dos despachos atinentes à autorização, manutenção e cessação da escuta telefónica. O juiz do “outro processo” é competente para ordenar a destruição das cópias das gravações e dos relatórios […]” [28] (sublinhado nosso).
83.º - Na verdade, ao recomendar que o dito “filtro” seja exercido pelos sujeitos processuais que requerem a junção desses meios de prova, é o Tribunal “a quo” que, com todo o devido respeito, potencia soluções invasivas na esfera da vida privada de terceiros, o que apenas ocorre por via de uma incorrecta interpretação das normas que o mesmo Tribunal julga aplicáveis.
84.º - Ao impor aos sujeitos processuais Requerentes das escutas o ónus de filtrarem a respectiva indispensabilidade à descoberta da verdade material, cria o Tribunal “a quo” mais um “momento processual” desnecessário, manifestamente potenciador de lesões à desejada celeridade processual – já recordada em anteriores despachos, nomeadamente quando, em oposição à posição da defesa, se determinou a inversão da ordem legal de produção de prova.
85.º - A decisão de que se recorre não é de manter, porquanto indefere o requerimento de prova apresentado pelos Arguidos, entre os quais o do ora Recorrente, sem para tal ter feito o juízo de (des)necessidade do conhecimento dos meios de prova requeridos violando, assim, o preceituado no artigo 340.º, n.ºs 1 e 4, do CPP.
86.º - Mas, mesmo que se entendesse que o Tribunal não estava, desde logo, obrigado a seleccionar as passagens relevantes das irrelevantes, uma coisa é certa, face ao reconhecimento da relevância de algumas das conversas interceptadas para a descoberta da verdade material, deveria, conforme requerido, ter determinado a junção aos autos das gravações com a finalidade de, no mínimo, assegurar aos Arguidos que poderiam transcrever as partes que tivessem por relevantes, ao invés de os remeter para a solução de requerem, eles próprios junto do processo de inquérito em causa, cópia das gravações, gravações que não se sabe se lhes serão entregues, nem em que data, ou se o serão em “tempo útil”.
87.º - É que, conforme consta dos autos, o Ministério Público conhece já as conversas interceptadas há vários anos, tendo optado por não as usar para a prova da acusação, sem que revelasse a sua existência ao Arguido, ora Recorrente.
88.º - Contudo, o Arguido - que pese embora tenha sido escutado não é sequer Arguido naqueles autos - só conhece das escutas o que consta dos resumos das conversas interceptadas, feitos pela Testemunha PS…, OPC em ambos os inquéritos.
89.º - Ou seja, conforme oportunamente invocado pelo Arguido, a situação é hoje, e desde há vários anos, de desigualdade de armas!
90.º - Ora, face a tal desigualdade de armas e à irregularidade processual arguida, daí decorrente, incumbia ao Tribunal “a quo” assegurar nos autos o imediato restabelecimento da mesma, e não remeter o Arguido – que não o é naqueles autos – para a tentativa de obter em tempo útil certidão das gravações, num momento em que o Julgamento dura há mais de cinco anos e que o termo da prova poderá acontecer no decurso das próximas semanas.
91.º - Da decisão ora recorrida resulta o risco de a certidão das gravações (já requerida, tendo o requerimento sido junto aos autos em 2.02.2016) não ser entregue ao Arguido, ora Recorrente, antes do final da produção de prova, o que consubstancia a adopção de uma solução normativa que, reconhecendo em abstracto o direito ao Arguido de requerer e transcrever as partes que entender como imprescindíveis para a sua defesa, não lhe garante, na prática, que o possa fazer em “tempo útil” a que se refere o artigo 20.º, n.º 5, da CRP, face ao princípio da continuidade da audiência de Julgamento.
92.º - Acresce que, a douta decisão recorrida, ao julgar prejudicado o conhecimento da irregularidade processual arguida pelo Recorrente, decorrente da violação do princípio da igualdade de armas, incorreu em omissão de pronúncia, da qual decorre a nulidade da mesma, nos termos do artigo 379.º, n.º 1, al. c), do CPP, que se deixa arguida e requer que seja declarada.
93.º - Porém, salvo o devido respeito, o conhecimento da irregularidade jamais se poderá considerar prejudicado, desde logo por, como é sabido, a verificação de uma irregularidade processual poder, face ao disposto no artigo 123.º, n.º 1, do CPP, dar azo a efeitos anulatórios daí resultantes para os “termos subsequentes que possa afectar”.
94.º- Donde, a limite, os efeitos da declaração da irregularidade processual poderiam (e deveriam) levar à anulação de todo o julgamento e até (embora duvidosamente por a fase de Instrução não ser da competência do Tribunal “a quo”) da própria decisão instrutória.
95.º - Como explica Maia Gonçalves, as irregularidades são geralmente vícios de pequena gravidade, mas a grande variedade de casos taxados como irregularidades pode incluir situações de grande gravidade, afectando direitos fundamentais dos sujeitos processuais, devendo então o julgador intervir oficiosamente, se não houver arguição tempestiva do vício (in CPP, anotação 3 ao artigo 123.º).
96.º - Verifica-se que:
a) O Ministério Público não revelou ao Arguido, ora Recorrente, que o havia escutado (no decurso do ano de 2008) num outro processo, em que não é sequer Arguido;
b) As escutas, nesse processo efectuadas, são imprescindíveis para a sua defesa em alguns segmentos da acusação proferida nos autos (como o da conta “A1” expressamente referida nas conversas interceptadas);
c) Donde, a violação da igualdade de armas perdurou durante a instrução e todo o Julgamento (durante mais de cinco anos), condicionando as provas que o Arguido poderia oferecer, quer num eventual requerimento de abertura de instrução, quer na sua contestação, onde poderia, por exemplo, ter arrolado como suas testemunhas os intervenientes nas conversas gravadas, com o objectivo de as confrontar com o teor dessas conversas, o que manifestamente não pode fazer!
97.º - Assim, uma das soluções jurídicas plausíveis é, desde logo, a anulação de todo o julgamento de forma a permitir ao Arguido, ora Recorrente, organizar a sua defesa em função da existência do meio de prova que, sendo em certas partes imprescindível para a defesa, nunca lhe poderia ter sido omitido pelo MP, sob pena de violação do artigo 32.º, n.os 1 e 5, da Constituição da República Portuguesa.
98.º - A questão da desigualdade de armas, mantida ao longo de todo o julgamento (com efeitos potenciais ao nível do efeito anulatório dos actos antecedentes), toma redobrada importância quando:
a) Na sessão de julgamento realizada em 15.11.2013, o Arguido, ora Recorrente, requereu que “a testemunha Dr.º PS… informe o Tribunal se tem no seu computador uma pasta designada por processo não oficial e qual o respectivo conteúdo.” (41.335 v., Vol. 131), testemunha (OPC nos inquéritos dos dois processos) que se sabe agora procedeu à audição, selecção e transcrição das escutas em causa, cuja existência nunca referiu ao longo de meses de interrogatório;
b) A este propósito respondeu o M.P. a fls. 41.361 que o requerido “além de carecer de qualquer fundamentação, quase se configura como uma absurda apreensão de conteúdos informáticos de um órgão de instrução criminal que, como é sabido, não confina a sua actividade de investigação a este processo.”; e
c) No douto despacho que consta de fls. 41.599 a fls. 41.627 dos autos, através do segmento decisório que consta de fls. 41.616 a fls. 41.617, Vol. 131, se decidiu que o requerimento carecia de qualquer fundamento, desconhecendo, naturalmente, a existência de provas não reveladas à defesa e, concretamente, de escutas telefónicas a diversos Arguidos e testemunhas.
99.º - Assim sendo, como é, a decisão recorrida deixou, indevidamente, de conhecer da irregularidade processual oportunamente arguida pelo Arguido, ora Recorrente, de fls. 53.171 a fls. 53.186, e determinar os efeitos anulatórios da mesma, com base no errado pressuposto de que a remissão do(s) Arguido(s) para a tentativa de obter cópia das gravações com o fito de, em “tempo útil”, as utilizar em sua defesa no Julgamento que dura há mais de cinco anos e está prestes a terminar, prejudicava o conhecimento de tal irregularidade, esquecendo que os putativos efeitos anulatórios da mesma não se esgotam, nem podem esgotar, na mera aparência da sua reparação, desacompanhada da ponderação da validade dos actos anteriores que a mesma contaminou (ou possa ter contaminado) e, sobretudo e antes de mais, da garantia de que a reposição da igualdade de armas – a assegurar oficiosamente pelo Tribunal - não prejudica nenhum direito de defesa do Arguido.
100.º - Pelo exposto, declarada a nulidade da decisão por omissão de pronúncia, deve ser ordenada a baixa dos autos ao Tribunal de primeira instância para que o mesmo conheça da irregularidade processual oportunamente arguida pelo ora Recorrente.

NOTAS:
[25]Disponível em: http://www.dgsi.pt/jstj.nsf/954f0ce6ad9dd8b980256b5f003fa814/94930927fa0f4039802576e800434c41?OpenDocument
[26]Conforme escreve Joaquim Fernando da Cunha Guimarães, em “Crise Financeira e as “Imparidades”, Revista Contabilidade & Empresas n.º 1296, de Maio de 2009, p. 18, “embora a “imparidade” possa ser interpretada de uma forma negativa (“custo” no POC ou “perda” no SNC) e de uma forma positiva (“proveito/rédito” no POC ou “rendimento/ganho” no SNC), no normativo contabilístico internacional (NIC/NIRF) e nacional (futuro SNC) apenas tem sido interpretada como “perda”, artigo disponível em: http://www.fd.unl.pt/docentes_docs/ma/mp_MA_13016.pdf
[27] A propósito da relevância dos contratos de cessão de créditos celebrados para os crimes patrimoniais imputados ao Arguido veja-se o douto despacho de fls. 45.706, datado de 22.04.2014 do Vol. 146.
[28] Paulo Pinto de Albuquerque, Comentário do Código de Processo Penal à luz da Constituição da República e da Convenção Europeia dos Direitos do Homem, 4.ª edição actualizada, Universidade Católica Editora, 2011, página. 528.

4. A fls. 55570 e segs. foi proferido despacho a admitir o recurso, com subida diferida, com o recurso da decisão que puser termo à causa, nos próprios autos e com efeito meramente devolutivo.

5. O Ministério Público respondeu ao recurso do arguido JO…, pugnando pela sua improcedência e extraindo das suas contra-alegações a seguinte conclusão (cfr. fls. 56242 a 56260):
Por tudo o que aqui se expõe e que está em total sintonia com o decidido pelo tribunal a quo, impõe-se entender a decisão recorrida como correctamente tomada, devendo a mesma ser mantida, indeferindo-se o presente recurso.

6. O arguido, no seu recurso, manifestou expressamente interesse na manutenção deste recurso interlocutório e na sua apreciação.

                                                    II.
Apreciando.
No caso do recurso ora em apreço, tendo presentes as conclusões alinhadas pelo recorrente, a apreciação passará pela resposta às seguintes questões:

A- Quanto ao primeiro segmento decisório:
A decisão de indeferimento do requerimento do arguido de fls. 53.053 a 53.065 para que fosse ordenada a notificação do BIC, S.A., para junção aos autos de documentos comprovativos da evolução do crédito dos dois balcões do Banco Insular entre 31 de Dezembro de 2001 e 2008, especificando ainda o volume do crédito dos mesmos em 30.06.2008, violou o preceituado no artigo 340º do Código de Processo Penal, por rejeitar diligência com interesse para a descoberta da verdade e para a boa decisão da causa, não sendo notoriamente supérflua ou irrelevante?;

B - Quanto ao segundo segmento decisório:
A decisão de indeferimento do requerimento do arguido de fls. 53.066 a 53.097 para que fosse ordenada a notificação do BIC, S.A., para juntar aos autos documentos comprovativos das sucessivas cessões de créditos concedidos pelos dois balcões do Banco Insular e, por outro lado, se procedesse à junção aos autos de dois contratos de cessão de crédito oferecidos pelo arguido, violou o preceituado no artigo 340º do Código de Processo Penal, por rejeitar diligências e elementos probatórios com interesse para a descoberta da verdade e para a boa decisão da causa, não sendo notoriamente supérflua ou irrelevante?

C. Quanto ao terceiro e último segmento decisório:
A decisão de indeferimento do requerimento para junção aos autos dos suportes técnicos das conversações ou comunicações gravadas no inquérito n.º …/…TELSB, violou o disposto no artigo 187º, nrs. 7 e 8, do Código de Processo Penal, ou o disposto no artigo 340º do mesmo código?
O Tribunal “a quo” não conheceu da irregularidade processual arguida, decorrente da violação da igualdade de armas e, dessa forma ocorreu nulidade da decisão recorrida?
Vejamos.

Segmentos A e B.

i. No que aos dois primeiros segmentos da decisão recorrida impugnados se reporta, convirá relembrarmos as considerações que já anteriormente se teceram (a propósito do recurso interposto também pelo arguido JO…, mas do despacho de fls. 46868) sobre a junção de documentos em processo criminal e o preceituado nos artigos 164º, 165º e 340º do Código de Processo Penal.

ii. O artigo 164º, nº 1, sob a epígrafe admissibilidade, estabelece que é admissível prova por documento, entendendo-se por tal a declaração, sinal ou notação corporizada em escrito ou qualquer outro meio técnico, nos termos da lei penal. O nº 2 desse artigo prevê que a junção da prova documental é feita oficiosamente ou a requerimento.
Não obstante a epígrafe de tal preceito, não é ali que se encontra o critério da admissibilidade dos documentos. Citando, uma vez mais, Paulo Pinto de Albuquerque, “Esse critério é o da regra geral fixada nos artigos 267º e 340º, nº 1. É admissível o documento cuja junção seja «necessária» para a descoberta da verdade ou para a boa decisão da causa, a verificação dos pressupostos das medidas de coacção e de garantia patrimonial e a determinação da competência do tribunal e da legitimidade dos sujeitos processuais”[102].
Por seu turno, o artigo 165º do Código de Processo Penal estipula que o documento deve ser junto no decurso do inquérito ou da instrução e, não sendo isso possível, deve sê-lo até ao encerramento da audiência (nº 1).
Por fim, o artigo 340º, na redacção introduzida pela Lei nº 20/2013, de 21 de Fevereiro, há muito vigente à data em que foram apresentados os requerimentos indeferidos, regia e rege do seguinte modo:
 “1. O Tribunal ordena, oficiosamente ou a requerimento, a produção de todos os meios de prova cujo conhecimento se lhe afigure necessário à descoberta da verdade e à boa decisão da causa.
2. Se o tribunal considerar necessária a produção de meios de prova não constantes da acusação, da pronúncia ou da contestação, dá disso conhecimento, com a antecedência possível, aos sujeitos processuais e fá-lo constar da acta.
3. Sem prejuízo do disposto no nº 3 do artigo 328º, os requerimentos de prova são indeferidos por despacho quando a prova ou o respectivo meio forem legalmente inadmissíveis.
4. Os requerimentos de prova são ainda indeferidos se for notório que:
a) As provas requeridas já podiam ter sido juntas ou arroladas com a acusação ou a contestação, excepto se o tribunal entender que são indispensáveis à descoberta da verdade e boa decisão da causa; 
b) As provas requeridas são irrelevantes ou supérfluas;
c) O meio de prova é inadequado, de obtenção impossível ou muito duvidosa; ou
d) O requerimento tem finalidade meramente dilatória”.

iii. Como já antes referimos, sobre este artigo 340º do Código de Processo Penal, o Tribunal Constitucional tem chamado a atenção para a circunstância de o preceito consagrar um verdadeiro poder-dever do Tribunal, orientado para a descoberta da verdade e para a boa decisão da causa.
Releia-se o acórdão do Tribunal Constitucional nº 137/2002[103], onde se explicitou que:
(…) o artigo 340º, nº 1 do Código de Processo Penal é o lugar de afirmação paradigmática do princípio da investigação ou da verdade material. Este princípio significa, mesmo no quadro de um processo penal orientado pelo princípio acusatório (artigo 32º, nº 5 da Constituição), que o tribunal de julgamento tem o poder-dever de investigar por si o facto, isto é, de fazer a sua própria "instrução" sobre o facto, em audiência, atendendo a todos os meios de prova não irrelevantes para a descoberta da verdade, sem estar em absoluto vinculado pelos requerimentos e declarações das partes, com o fim de determinar a verdade material (cfr. Cavaleiro de Ferreira, Curso de Processo Penal, I, 1955, p. 49; Figueiredo Dias, Direito Processual Penal, I, 1974, p.72; Roxin, Strafverfahrensrecht, 20ª edição, 1987, p. 76). É isto mesmo que diz, por outras palavras, o nº 1 do artigo 340º, atrás transcrito.

iv. Ora não há dúvida de que o princípio da investigação ou da verdade material, sem prejuízo da estrutura acusatória do processo penal português, tem valor constitucional. Quer os fins do direito penal, quer os do processo penal, que são instrumentais daqueles, implicam que as sanções penais, as penas e as medidas de segurança, apenas sejam aplicadas aos verdadeiros agentes de crimes, pelo que a prossecução desses fins, isto é, a realização do direito penal e a própria existência do processo penal só são constitucionalmente legítimas se aquele princípio for respeitado. (…)
O Código de Processo não admite – com ressalva dos direitos de defesa do arguido e dos preceitos legais imperativos sobre a admissibilidade de certas provas - qualquer restrição ao poder - dever do juiz de ordenar ou autorizar a produção de prova que considere indispensável para a boa decisão de causa – isto é, para a instrução de facto ou para a descoberta da verdade material acerca dele – como se vê quando prevê expressamente o seu exercício já depois de passado o período normal de produção de prova em audiência, durante as alegações orais, que terão de ser suspensas para o efeito (artigo 360º, nº 4). O Código de Processo Penal harmoniza assim o princípio da investigação ou da verdade material, o princípio do contraditório e as garantias de defesa, de tal forma que nem o primeiro princípio nem as garantias sofrem restrição durante a audiência, mas o segundo princípio não deixa de ser aplicado a qualquer prova que o juiz considere necessária para boa decisão de causa, apesar da posição de relativa desvantagem da acusação, que dessa prova tem posterior conhecimento.”.
 
v. Se é com toda a amplitude que se admite a possibilidade de junção de documentos aos autos, mesmo após preclusão do prazo normal para a apresentação dos meios probatórios, importa lembrar que tal possibilidade não é absoluta, tendo antes os seus contornos marcados pela necessidade (para a descoberta da verdade material e/ou para a boa decisão da causa) e pela proibição da prática de actos irrelevantes, supérfluos, inadequados, estéreis e/ou meramente dilatórios.
Ultrapassado o limiar constituído pelo termo final do prazo para apresentação dos meios de prova, qualquer requerimento para junção de documentos aos autos deverá ser cuidadosamente apreciado de acordo com tais parâmetros, não bastando para o deferimento que o documento diga respeito às circunstâncias do caso.
Vejamos, pois.

Segmento A.
i. Comecemos pelo indeferimento do requerimento relativo aos pretendidos documentos alegadamente comprovativos da evolução do crédito dos dois balcões do Banco Insular entre 31 de Dezembro de 2001 e 2008 e do volume do crédito dos mesmos em 30.06.2008 (primeiro segmento impugnado da decisão recorrida).

ii. Deverá, em primeiro lugar, atentar-se que a documentação pretendida pelo ora recorrente correspondia àquela que, estando na disponibilidade da assistente BIC, S.A., permitiria extrair, “de forma clara, o volume de crédito concedido através do Banco Insular em 31 de Dezembro de cada ano, desde 2001 até 2008, com discriminação do valor relativo ao balcão “dentro” e “fora de balanço”, especificando ainda o volume de crédito concedido pelos dois balcões à data de 30.06.2008, por ser a data considerada no artigo 218º da pronúncia”.
Considera o arguido recorrente que inexiste nos autos documento de onde se extraia de forma clara tal realidade, sendo o mesmo necessário para a apreciação da matéria de facto vertida nos artigos 212º a 219º da pronúncia.

iii. Como bem sintetizou o Ministério Público na sua resposta ao recurso: Relativamente ao teor de tais artigos da pronúncia, o recorrente alega nos termos referidos no requerimento de fls. 53.053 a 53.065, concluindo, em síntese, que nessa parte:
i. se efectua a soma de montantes não correspondentes com a realidade (arts. 215.º, 217.º e 218.º).
ii. se refere um valor de crédito como correspondendo à quantidade de crédito concedido através do balcão “fora do balanço” do Banco Insular que na realidade nunca aqui existiu de forma simultânea (art. 218.º).
iii. se estabelece uma associação entre a transição de uma conta/crédito do balcão “dentro do balanço” para conta/crédito “fora do balanço” e o imputado interesse em ocultar ou tornar não cobráveis os montantes em dívida (art. 219.º).”.

iv. O Tribunal a quo indeferiu o requerimento do arguido por entender que “dos autos constam elementos suficientes e bastantes em ordem a que o Tribunal possa aquilatar do teor daquela factualidade” e que, por isso, o requerido não se afigurava necessário à boa decisão da causa, sendo a diligência requerida irrelevante e supérflua face à prova documental e testemunhal reunida nos autos.

v. O grande argumento vertido nas conclusões do recurso que impugnou tal decisão de indeferimento é o de que mesmo uma análise cuidada dos elementos probatórios recolhidos, permitirá apenas retirar “ilações”, uma vez que tais elementos probatórios não são, reconhecida e manifestamente, “coincidentes entre si”. Perante essa discrepância entre os meios de prova reunidos, encontra o recorrente o fundamento da relevância da diligência por si requerida - a clarificação da matéria de facto em causa, face à discrepância entre as provas já recolhidas.
E é nessa argumentação que assenta a invocação de violação do disposto no artigo 340º, nº 1, do C.P.Penal, fazendo corresponder à decisão recorrida o efeito de privação de produção de meios de prova necessários ou úteis à decisão da causa, por si requerida no uso do direito a aditar meios de prova, face aos elementos probatórios apresentados pelo Ministério Público. Conclui que a decisão recorrida frustra o “due process of law” e invoca em seu apoio o decidido no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 10 de Fevereiro de 2010.

vi. Mas não tem razão, nem o referido Acórdão lhe dá respaldo para as suas conclusões. Em momento algum, no citado aresto se defende uma interpretação irrestrita do direito de aditar meios de prova.
No Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 10 de Fevereiro de 2010[104], delimita-se o âmbito do artigo 340º do Código de Processo Penal, sublinhando-se a circunstância de o poder-dever ali atribuído ao tribunal estar condicionado pelo princípio da necessidade. E mais – esclarece-se em que termos pode e deve ser sindicado pelo Supremo Tribunal de Justiça o juízo de necessidade/desnecessidade. Nessa decisão pode ler-se:
É certo que o princípio da investigação oficiosa em processo penal tem os seus limites previstos na lei e está condicionado, desde logo pelo princípio da necessidade (.v. desde logo, acórdão deste Supremo e desta Secção de 1 de Julho de 1993 in proc. nº 43022.)
O acórdão deste Supremo de 26 de Novembro de 1988, in proc.nº 504/98 (citado por Maia Gonçalves in Código de Processo Penal, 17ª edição, 2009, p. 782), considerou que o juízo de necessidade ou de desnecessidade de diligências de prova não vinculada, tributário da livre apreciação crítica dos julgadores na própria vivência e imediação do julgamento, constitui pura questão de facto, insusceptível de fiscalização e crítica do STJ.
Porém, isto não invalida que ao tribunal superior fique vedado sindicar a legalidade do modo de actuação do tribunal a quo, ou o circunstancialismo legal em que foi exercido, face à descoberta da verdade material, uma vez que (da valoração) das provas decorre a fixação da matéria de facto e, é esta que gera a decisão de direito, com repercussão nos direitos e deveres dos sujeitos processuais relativamente ao objecto do processo.
Na verdade deve atender-se a que:
- A norma do artº 340º nºs 1 e 4 do CPP, não é inconstitucional, conforme respectivamente Acórdão do Tribunal Constitucional nº 137/2002, de 3 de Abril de 2002, proc. nº 363/01, Diário da República, II Série de 26 de Setembro de 2002 e, Acórdão do TC nº 171/2005 de 31 de Março , proc. nº 764/2004, Diário da República II Série, de 6 de Maio de 2005.
- O tribunal – face aos princípios da verdade material e da investigação aludidos nos nºs 1 e 2 do artº 340º do CPP -, tem o poder-dever de investigar o facto sujeito a julgamento e construir por si mesmo os suportes da sua decisão, independentemente das contribuições dadas para tal efeito pelas partes em litígio, o que significa que, oficiosamente ou a requerimento dos sujeitos processuais, deve ordenar a produção de todos os meios de prova cujo conhecimento se afigure essencial à descoberta da verdade e à boa decisão da causa” – v. já Acórdão deste Supremo de 4 de Dezembro de 1996 in BMJ, 462, 286.
- O poder-dever dessa investigação é, por isso, de exercício obrigatório e, ao ser actuado fora do condicionalismo legal em sentido positivo ou negativo, pode ser sindicado e censurado pelo Supremo em sede de violação da lei conforme acórdão deste Supremo de 9 de Outubro de 2003, proc. nº 1670/03 da 5ª secção, in SASTJ, nº 74, 170”.

vii. Porque assim é, não se pode discordar do juízo de desnecessidade que o Tribunal a quo fez recair sobre a diligência pretendida pelo arguido. O Tribunal considerou:
Dos autos consta o “CD 13” através do qual se tem acesso a todas as contas bancárias, no banco insular, das sociedades identificadas nos arts. 215º e 217º da pronúncia, quer as do “balcão 1” quer as do balcão 2, alegada e respectivamente, “dentro e fora do balanço”.
Uma análise cuidada e exaustiva dessas contas permitirá aferir, com precisão, o volume do crédito concedido através daquele banco em 31.12. de cada ano, de 2001 a 2008, com discriminação do valor relativo ao balcão “dentro” e “fora do balanço”, bem como o volume de crédito concedido pelos dois balcões à data de 30.6.2008.

viii. O que o Tribunal a quo quis significar foi, obviamente, que à disposição do Tribunal e dos sujeitos processuais estavam já todos os elementos documentais cuja análise permitiria chegar à verdade dos factos vertidos na pronúncia quanto ao referido “volume de crédito”. Essa análise, baseada no confronto e exame dos movimentos extractados em cada uma das contas, constitui meio adequado, suficiente e bastante para se chegar aos factos em causa.
Mas mais. O Tribunal chamou a atenção para os outros elementos de prova que, para além dos documentos respeitantes a cada conta, se encontravam já à disposição. Assim referiu:
Outros elementos probatórios constantes dos autos permitirão extrair as devidas ilações quanto ao pretendido pelo arguido, designadamente:
1) Informação do OPC, PS…, com análise das transacções realizadas fora do balanço do BI (vol. 18, fls. 7436 a 7444 dos autos principais);
2) Informação do OPC, PS…, como movimentos a débito em c/c/c/ abertas no alegado balcão “fora do balanço” (vol. 18 dos autos principais, fls. 7536 a 7543, anexo 4);
3) Ficheiro que contém todo o crédito alegadamente concedido pelo Banco Insular sob a forma de c/c/c (v. apenso 33 – 11\CD DADOS 1|B 02.04.2009\Insular MOV 0132-CCC;
4) Cálculos do crédito global, contas correntes caucionadas e descoberto à ordem, eventualmente concedido no chamado “balcão virtual” do BI feitos pela testemunha Ajo… no âmbito do depoimento que prestou e que consta dos autos principais (vol. 118, fls. 35167 a 35169).”

ix. Desde logo, alertou o Tribunal a quo para o seu múnus de livre apreciação da prova, prevenindo que na formação da sua convicção atenderia aos meios de prova disponíveis, atentando nos dados objectivos fornecidos pelos documentos dos autos (designadamente os já aludidos documentos referentes às contas) e fazendo uma análise das declarações e depoimentos prestados. Efectivamente, toda a prova produzida deverá ser apreciada segundo as regras da experiência comum e lógica do homem médio, suposto pelo ordenamento jurídico, fazendo o Tribunal, no uso da sua liberdade de apreciação, uma análise crítica das provas. A apreciação da prova, ao nível do julgamento de facto, faz-se segundo as regras da experiência e a livre convicção do Tribunal, salvo quando a lei dispuser diferentemente (cfr. artigo 127º do Código de Processo Penal).
Liberdade de apreciação não se confunde com apreciação arbitrária da prova, nem com a mera impressão gerada no espírito do julgador pelos diversos meios de prova, exigindo-se antes, uma apreciação crítica e racional das provas, fundada nas regras da experiência, da lógica e da ciência. Para apurar a factualidade assente, os meios de prova são submetidos a um processo racional que desembocará na convicção do Tribunal, a quem se exigirá que descreva esse processo racional seguido, objectivando a análise e ponderação criticamente comparativa das diversas provas produzidas, para que se conheça a motivação que fundamentou a opção por certo meio de prova em detrimento de outro, ou sobre qual o peso que determinados meios de prova tiveram no processo decisório. Ao poder de apreciar livremente a prova, corresponde o dever de proceder à explanação do percurso lógico do Tribunal até chegar à decisão fáctica, para permitir aos destinatários da decisão e aos cidadãos em geral, um controle externo e democrático sobre o exercício da justiça.

x. Parece ser um receio de incapacidade do tribunal para formar a sua convicção que leva o arguido a apresentar o requerimento probatório em análise. Funda a necessidade da diligência requerida na circunstância de se constatarem discrepâncias entre meios de prova, temendo que isso apenas permita «retirar “ilações” (quererá referir indícios), uma vez que tais elementos probatórios não são, reconhecida e manifestamente, “coincidentes entre si”».

xi. Mas nenhuma razão lhe assiste para querer aportar ao processo elementos probatórios redundantes, com o simples propósito de clarificar aquilo que lhe parece de mais difícil apreensão, pelo simples facto de existirem elementos de prova que apontam em sentidos diferentes.
A coexistência de meios de prova que apontam para duas ou mais versões, mesmo que opostas e contraditórias, sobre os factos da causa é uma normalidade típica dos processos judiciais, que não deverá espantar ou perturbar - aos tribunais compete, naturalmente, tomar opções, fazendo o devido juízo crítico de análise da prova e expondo o caminho percorrido para chegar à sua convicção. É assim sempre e foi isso que o Tribunal a quo afirmou estar em condições de realizar, sem necessidade de nova documentação de carácter “clarificador” dos elementos já reunidos no processo.

xii. E esta afirmação, feita na decisão recorrida, não se mostra abalada pelas conclusões do recurso. Tal como ali se assinalou, também na apreciação do recurso se deve concluir que o arguido não só não especificou qual a documentação pretendida (pretendendo deixar esse ónus para a assistente BIC, S.A, a título de cumprimento do dever de colaboração na sequência da notificação que lhe seria dirigida), como não demonstrou minimamente a necessidade dessa nova documentação (jamais indicando que elementos novos aportaria aos autos, para além dos que neles já haviam sido adquiridos).
A falta de indicação de um específico e concreto documento contabilístico a atestar a evolução do volume de crédito que ao longo dos anos foi sendo concedido pelo Banco Insular, permite aliás concluir pela sua inexistência, obviamente relacionada com a imputada circunstância de o arguido ter decidido não proceder a uma contabilidade verdadeira e fidedigna, no que se refere às operações processadas por tal instituição bancária. De todo o modo, porque não cabe, nestes autos, realizar uma auditoria aos volumes de crédito concedidos pelo Banco Insular, a inexistência de um documento único englobador da evolução de crédito, tendo em atenção a factualidade que aqui cumpre apurar, mostra-se desnecessário para a boa decisão da causa, desde logo e como assinalou o Tribunal a quo, face aos restantes elementos probatórios existentes nos autos.

xiii. Não pode, como é evidente, falar-se da privação de produção de meios de prova necessários ou úteis à decisão da causa, e menos ainda em frustração do due processo of law – os elementos probatórios necessários, como bem assinalou o Tribunal a quo, estão reunidos e acessíveis aos sujeitos processuais para os discutirem e contraditarem, tal como disponíveis estão ao Tribunal para os analisar e apreciar criticamente, na tarefa de formar a sua convicção sobre os factos.

xiv. Desta forma, sem necessidade de ulteriores considerações, se conclui pelo acerto da decisão recorrida, que se deverá manter, julgando-se, nesta parte, improcedente o recurso.
                                                   
Segmento B.

i. Avancemos, então, para o segundo segmento decisório impugnado.
Requereu o arguido a notificação da assistente BIC, S.A. para juntar aos autos:
- (i) cópia de todos os contratos de dação em pagamento ou cessão de créditos que não se achem nos autos, e ou cessão de créditos que o BPN, S.A., o BPN IFI e ou o BPN Cayman tenham celebrado entre si ou com o Banco Insular relativamente aos créditos concedidos através do balcão 1 e 2;
- (ii) cópia de todos os contratos de dação em pagamento e ou cessão de créditos que o BPN, S.A., o BPN, IFI e ou BPN Cayman tenham celebrado entre si relativamente ao crédito (interbancário) concedido através das contas correspondentes (contas “nostro”) ao Banco Insular;
- (iii) subsidiariamente, na falta de contrato, “deliberação do Conselho de Administração ou o instrumento jurídico que tenha decidido ou suportado, a integração do valor remanescente do balanço do Banco Insular no balanço daqueles bancos, informando ainda a data de tal integração e se foi, ou não, realizada pelo valor do capital e juros;
Mais requereu o arguido a notificação da assistente BIC, S.A., para (iv) informar se, na sequência das diversas cessões de créditos celebradas, se verificou na contabilidade do BPN, S.A., do BPN IFI ou do BPN Cayman algum prejuízo decorrente da aquisição/integração dos créditos concedidos pelo Banco Insular; e para (v) juntar aos autos cópia do contrato de cessão de créditos pelo BPN, S.A. à Parvalorem, S.A. (…);
Requereu, por fim, o arguido (vi) a junção aos autos dos dois contratos de cessão celebrados entre BPN Cayma e BPN IFI e o BPN, S.A., datados de 13.03.2009.
O requerimento consta de fls. 53066 a 53077.

ii. Tendo sido indeferido, in totum, o requerimento apresentado, vem o arguido impugnar tal decisão, afirmando que o Tribunal a quo entendeu de forma errada e restritivamente que o propósito do requerente era “saber se a concessão de crédito através do balcão “fora do balanço” do Banco Insular se traduziu nalgum prejuízo efectivo para esta instituição, para o BPN Cayman e/ou BPN IFI”, quando o que se pretendia com o requerimento era “igualmente provar que nenhuma das instituições financeiras referidas na pronúncia como tendo estado, directa ou indirectamente, ligadas à concessão de crédito pelo Banco Insular, sofreu qualquer prejuízo com a concessão de crédito pelo Banco Insular ou ao Banco Insular”.

iii. Para demonstrar tal alegado erro do Tribunal a quo apresenta o recorrente um artificioso jogo de palavras, assente no uso do advérbio “designadamente”.
Não estando ao dispor do recorrente negar que tivesse apresentado o requerimento com os exactos termos que constam dos autos, pretende o recorrente que desses termos se faça uma leitura ampla – assim pretende que onde referiu interessar ao bom julgamento da causa apurar se “a concessão de crédito concedido através do Banco Insular (…)” se traduziu nalgum prejuízo, se deverá  ler “a concessão de todo o crédito concedido através do Banco Insular”. E refere que assim deverá ser porque utilizou o advérbio designadamente. Assim, onde escreveu “crédito concedido através do Banco Insular e, designadamente, através do balcão «fora de balanço», (…)” pretende que se leia todo o crédito concedido através do Banco Insular e, nomeadamente, através do balcão «fora de balanço».

iv. Em abono da sua tese gramatical, apresentou o Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 15 de maio de 2003, onde entre os fundamentos da decisão se pode ler que “O advérbio "designadamente" tem um sentido especificativo e indicativo com que se pretende particularizar algo ou alguém, de entre uma série de elementos indiscriminados de um conjunto.[105].
Mas como também se escreveu nesse Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, a “resposta não é isenta de dúvidas”.

v. Como resulta da consulta do Dicionário Priberam da Língua Portuguesa, o advérbio em questão pode ser usado como sinónimo de nomeadamente ou de especialmente, utilizando-se para acrescentar, destacar, especificar ou pormenorizar informação.[106]
Porque susceptível de ser utilizado com o propósito de especificar algo que se distingue de todos os demais elementos de um universo, não pode concluir-se, sem mais, que o uso do advérbio, implique sempre uma intenção meramente exemplificativa ou, se quisermos, não taxativa. Por isso, deverá buscar-se a correcta interpretação da expressão no contexto em que é utilizada.

vi. No caso concreto, o advérbio foi usado entre vírgulas, imediatamente após a conjunção coordenativa “e”, assim se separando a menção “através do Banco Insular” da menção “através do balcão «fora de balanço»”. A acrescer a esta estrutura frásica, e inseridas como notas de rodapé, surgem referências aos artigos 183º, 187º e 188º da pronúncia. 
Atento esse contexto, entendeu o Tribunal a quo que a interpretação correcta era esta: o que o arguido pretende é saber se a concessão de crédito através do balcão “fora do balanço” do Banco Insular se traduziu nalgum prejuízo efectivo para esta instituição, para o BPN Cayman e/ou BPN IFI.

vii. E, na verdade, todos os elementos apontam para a correcção da interpretação nesse sentido – pretendeu-se especificar entre os créditos concedidos através do Banco Insular, aqueles que o foram através do balcão “fora do balanço”. Não ocorreu erro de interpretação do Tribunal a quo, que não restringiu indevidamente o sentido do requerimento, apreciando-o em conformidade com o sentido normal e adequado dos termos usados para o formular. E de nada serve ao requerente, depois de apreciado o seu requerimento, vir em recurso modificá-lo, sugerindo que se leia nele algo que dele não consta. 

viii. Foi, pois, acertada a decisão de apreciar a relevância das diligências probatórias requeridas em face da factualidade vertida na pronúncia quanto aos créditos concedidos através do balcão “fora do balanço”.

ix. Diga-se, para além do mais que, no caso presente, o arguido se eximiu, ao apresentar o seu requerimento em audiência, de enumerar a concreta matéria de facto constante na pronúncia relativamente à qual entendia que a documentação em questão teria relevo probatório.
Assim, desde logo por ausência de concretização de qual a factualidade específica a que se dirigem os elementos probatórios cuja junção requer, tal omissão deveria ter determinado o indeferimento liminar do peticionado. Efectivamente, o uso da faculdade concedida pelo artº 340 do C.P.Penal não autoriza qualquer interveniente processual a pedir a junção de elementos, com fundamento em teses gerais, antes impõe que o requerente justifique em que medida e para que segmento da acusação/pronúncia considera que os mesmos se mostram essenciais para a descoberta da verdade.
Não cabe ao Tribunal, a quem tal pedido é apresentado, adivinhar o que o requerente pretende alcançar por meio de tal requerimento; cabe ao requerente fundamentá-lo.

x. No caso, o tribunal “a quo” entendeu que, pese embora tal omissão de fundamentação por parte do requerente, seria compreensível que pretenderia a junção de tais elementos, tendo em atenção o que se mostrava consignado no ponto 188 da pronúncia (que se insere na narração constante nos pontos 177 a 190 da pronúncia, a propósito do esquema de “funding” do Banco Insular e de quem teve de o suportar).
E pronunciou-se em conformidade.
Embora se não concorde com a interpretação que o tribunal “a quo” consignou, neste despacho, no que concerne à estrita e única correlação do ponto 188 da pronúncia com o seu ponto 187, a verdade é que, como se verá, os elementos probatórios cuja junção o recorrente requer mostram-se irrelevantes para a boa decisão da causa, independentemente desta questão.

xi. Na verdade, o ponto 188 da pronúncia afirma que quem procedeu ao financiamento do Banco Insular, foi o BPN. E faz essa afirmação no âmbito e no contexto do esquema de funding que se mostra narrado nos pontos 171 a 190.
Ora, a questão da captação de depósitos de origem angolana mostra-se narrada e inserida na descrição desse circuito de funding, sendo dentro do mesmo que tem de ser analisada.
De facto, não faria qualquer sentido afirmar-se que, por virtude do Banco Insular captar depósitos directos provenientes de Angola, ainda que aos mesmos fosse concedida alta rendibilidade, daí decorreria prejuízo para o BPN - que seria o que se teria de considerar, caso se interpretasse o ponto 188 como apenas reportado ao ponto 187 - já que o prejuízo seria para o Banco Insular.
Mas, na verdade, o que o ponto 188 afirma é que, era efectivamente o BPN quem assegurava o financiamento do Banco Insular, sendo que com o esquema de funding (sistema de geração de fundos fictícios) descrito nos pontos 171 a 190 da pronúncia (nele se incluindo, obviamente, o ponto 187) se pretendia ocultar tal realidade, de modo a que alguns arguidos (nesse grupo se incluindo o recorrente) pudessem ter fundos suficientes para a realização de determinadas operações de crédito.

xii. Retornando à questão.
O recorrente pretende a junção aos autos de documentos relativos a dações em pagamento e cessões de créditos para provar que nenhuma das instituições financeiras referidas na pronúncia como tendo estado directa, ou indirectamente, ligadas à concessão de crédito pelo Banco Insular sofreu qualquer prejuízo com a concessão de crédito pelo Banco Insular ou ao Banco Insular. Ou seja, o que se pretende provar é que nem o Banco Insular (enquanto entidade mutuante) em todas as operações narradas na pronúncia, nem o BPN, SA, o BPN Cayman e o BPN IFI (enquanto entidades que asseguravam o financiamento ao Banco Insular) sofreram qualquer prejuízo decorrente da concessão de crédito pelo ou ao Banco Insular.

xiii. Como já acima se referiu, o arguido não concretiza o que são todas…
Mas, na verdade, para efeitos de apreciação do por si requerido, fossem todas, fosse apenas alguma concreta, tal indefinição acaba por não ser relevante.
De facto, todos os contratos de dação em pagamento e/ou cessão de créditos que o BPN SA, o BPN IFI e ou o BPN Cayman terão celebrado entre si, mesmo de acordo com as alegações do recorrente, foram celebrados em datas posteriores ao termo final do exercício de funções do arguido OC… no grupo BPN/SLN, não servindo para se atribuir ao recorrente qualquer iniciativa de reparação dos prejuízos já efectivamente causados.

xiv. Mas, mais relevantemente, o recorrente confunde a reparação dos prejuízos com ausência de prejuízos – como é evidente, trata-se de realidades diferentes, sendo certo que a relevância dos contratos de dação em pagamento e/ou cessão de créditos surgem em momentos posteriores à ocorrência dos prejuízos típicos relevantes (e, também, porque posteriores a Fevereiro de 2008, ocorridos após a renúncia do arguido recorrente aos cargos que ocupava no grupo BPN/SLN).
Assim, a junção dos mesmos nunca teria qualquer relevo para apuramento da existência ou inexistência de prejuízo, por parte do BPN, por força do circuito de financiamento instaurado, em relação ao Banco Insular.

xv. No que concerne às informações que igualmente requer que a assistente forneça, assiste razão ao tribunal “a quo” quando afirma:
As informações que o arguido OC… pretende que sejam prestadas pelo assistente nunca constituiriam substrato probatório para a prova ou não dos factos constantes da pronúncia ou da sua contestação ou à dúvida/questão/pedido de informação por si colocado.
Não é pela circunstância de o mesmo informar, por exemplo, que se verificou um prejuízo, ou que não se verificou, ou que se verificou em “x” ou “y” que estas informações terão a virtualidade de provar ou não quaisquer factos.
As informações prestadas pelos assistentes, por escrito, nos autos, são inócuas em termos probatórios (afirmar o contrário, equivaleria a afirmar que os factos ou afirmações vertidos na sua acusação particular ou nas contestações dos arguidos só pela circunstância delas constarem teriam que ser considerados provados o que, como é unanimemente reconhecido, configuraria uma “aberração jurídica” de ordem processual e material).
A prova de um facto e a fundamentação do mesmo é alcançada pela conjugação dos diversos elementos probatórios carreados para os autos (declarações das testemunhas, dos arguidos, documentos, etc.) e não por quaisquer informações de natureza substantiva e declarativa que o assistente possa prestar.

xvi. Tudo visto, não pode deixar de concluir-se pelo acerto da decisão recorrida ao considerar de nenhuma importância para a descoberta da verdade material e boa decisão da causa as diligências probatórias requeridas e os documentos pretendidos juntar, por serem irrelevantes e supérfluos. O indeferimento do requerimento não acarretou qualquer violação do disposto no artigo 340º do Código de Processo Penal e, por isso, também nesta parte, deverá julgar-se improcedente o recurso.
                                                     
Segmento C.
i. Vejamos, por fim, o terceiro e último segmento decisório impugnado.
Nesta parte, o recurso interposto visa:
a. A revogação da decisão recorrida, na parte em que o Tribunal a quo indeferiu o requerimento para que se determinasse a junção de todas as intercepções telefónicas efectuadas no âmbito do processo n.º …/…TELSB, e a sua substituição por outra decisão que defira tal pedido;
b. A declaração, nos termos do artigo 379.º, n.º 1, al. c), do C.P.Penal, da nulidade da decisão recorrida por omissão de pronúncia quanto à verificação, ou não, da irregularidade processual, alegadamente decorrente da violação do princípio da igualdade de armas, ordenando-se a baixa dos autos ao Tribunal “a quo” para que tal irregularidade seja aí apreciada, aí se definindo os seus eventuais efeitos anulatórios;
c.  O deferimento, na íntegra, do requerido pelo arguido de fls. 53.238 a fls. 53.289 [autorizar a utilização pela defesa das escutas telefónicas interceptadas no âmbito do processo crime nº …/…TELSB, reconhecendo ao arguido o direito de vir aos autos indicar outros segmentos daquelas escutas que, após análise da respectiva gravação áudio, se venham a evidenciar como relevantes; oficiar ao DCIAP para juntar aos autos cópia certificada da gravação daquelas escutas telefónicas para que o arguido possa proceder à transcrição das mesmas, nos segmentos que pretenda utilizar; autorizar a reinquirição da testemunha MF… para que seja confrontada com o teor da escuta telefónica em causa com o objectivo de relatar em audiência de julgamento a conversa que terá mantido com o arguido e em que este lhe terá dito que “pagava”, reportando-se ao mútuo relativo à A1] ou, sem conceder, remeter a sua apreciação para momento posterior à junção aos autos da gravação das intercepções telefónicas efectuadas no processo n.º …/…TELSB e da sua análise pelo Tribunal “a quo”; e
d. A anulação de toda a tramitação posterior à decisão recorrida cuja manutenção seja incompatível com a sua revogação e, designadamente, o Acórdão final proferido sem a valoração das diversas provas requeridas a que reporta o objecto do presente recurso.  

ii. Apreciando.
Cumpre, desde logo, fazer uma chamada de atenção. A pretensão de ver aplicado ao caso dos autos o disposto nos números 7 e 8 do artigo 187º do Código de Processo Penal é, em absoluto, desprovida de sentido.
Tais preceitos legais disciplinam os denominados conhecimentos fortuitos e visam estabelecer os parâmetros e limites em que as intercepções telefónicas podem ser utilizadas no âmbito de nova incriminação contra o arguido em processo autónomo, ou seja, processo de objecto de investigação autónomo e distinto.
Como elucida Tiago Caiado Milheiro[107], “Para estes conhecimentos que extravasam o objecto da investigação em curso o legislador reservou os requisitos substanciais e procedimentais vertidos nos n.ºs 7 e 8. Enquanto requisitos de admissibilidade para a migração da prova oriunda de escutas para um outro processo estabeleceram-se três pressupostos: 1) O conhecimento fortuito reportar-se a um crime de catálogo; 2) A indispensabilidade do uso desse conhecimento fortuito em outro processo autónomo para efeitos probatórios. Será indispensável se for necessário para demonstrar ou corroborar os factos incriminatórios [incluindo a identificação do agente cfr. ac. STJ, 8.2.2012 (Souto Moura)] ou, pelo contrário, infirmá-los; 3) O conhecimento advier de uma intercepção a um meio de comunicação que efectivamente estiver a ser utilizado por suspeito, arguido, intermediário ou vítima; Não se verificando algum ou todos estes pressupostos (que são cumulativos) sempre poderá ainda o conhecimento fortuito servir como notícia do crime (cfr. 1ª parte do nº 7) para instaurar um novo processo (ou alargar o objecto de um pendente), mas sem qualquer aptidão probatória (sob pena de proibição de valoração).”.
Como igualmente explicita o autor que citamos, é também requisito de admissibilidade um despacho do juiz que fundamente a verificação dos pressupostos para a transmissibilidade probatória dos conhecimentos fortuitos.
Esse despacho é da competência do Juiz titular do processo onde se efectuaram as escutas, podendo ser provocado por solicitação fundamentada provinda do Juiz do processo de destino – tal solicitação deverá explicitar a verificação dos pressupostos de admissibilidade da migração probatória, desde logo, indicando quais os crimes que se visa provar e em que medida a utilização das intercepções é essencial para a demonstração dos mesmos (indispensabilidade probatória).

iii. Dito isto, como se assinalou na decisão recorrida, facilmente se constata que a pretensão do recorrente de ver migrada para os presentes autos a prova obtida através de intercepções telefónicas efectuadas no âmbito do processo-crime nº …/…TELSB não encontra fundamento no disposto no artigo 187º, nrs. 7 e 8, do CPP, desde logo por não se destinarem os elementos de prova aos fins para que está desenhado tal mecanismo processual de transmissão de prova.

iv. Note-se que, não sendo tal prova pretendida para a demonstração positiva de elementos essenciais de qualquer um dos crimes imputados ao arguido recorrente, também a circunstância de através das intercepções se visar a demonstração de uma alegada intenção de proceder a determinado pagamento, não se revela apta a preencher os requisitos de migração probatória por funcionamento da previsão do artigo 187º, nrs. 7 e 8, do Código de Processo Penal. Mais uma vez, longe de se referir a elementos essenciais para o preenchimento do crime (designadamente do crime de abuso de confiança), remete-nos o recorrente para o domínio da eventual intenção de reparação do mal do crime (circunstancialismo posterior que, como é óbvio, está fora do âmbito de aplicação daquele mecanismo de transmissão de prova).

v. Aqui chegados, e afastado o mecanismo próprio da transmissão de prova relativa a conhecimentos fortuitos importa, como fez a decisão recorrida, ponderar à luz do disposto no artigo 340º do C.P.Penal, da necessidade de obtenção de todas as intercepções telefónicas efectuadas no âmbito do processo n.º …/…TELSB para os fins dos presentes autos.

vi. Sem fechar a porta à utilização de elementos de prova obtidos por intercepções telefónicas no âmbito daqueloutro processo, desde que verificados os pressupostos legais de validade desse tipo de prova, a decisão recorrida estabeleceu como condição a sua indispensabilidade para a descoberta da verdade material.
Se o Tribunal recorrido mencionou, como inconveniente a evitar, a devassa da vida privada de pessoas que de modo algum estão conexionadas com os factos objecto destes autos, tal não foi apresentado como fundamento essencial da decisão impugnada.
O que se considerou, e bem, foi a notória e manifesta ausência de relevância de “todas as intercepções telefónicas efectuadas no âmbito do processo …/…TELSB”.
Não sendo aplicável o mecanismo previsto no artigo 187º, nrs, 7 e 8, do CPP e revelando-se de forma manifesta a desnecessidade de obtenção de todas as intercepções telefónicas, optou o Tribunal a quo pelo procedimento que, de forma mais séria, salvaguarda os direitos de defesa do arguido.
Obviamente não caberá ao Tribunal fazer qualquer selecção dos elementos probatórios a apresentar nos autos, quando o propósito desses elementos, como afirma o arguido recorrente, é o exercício da sua defesa, mediante a apresentação no processo de elementos colhidos noutros autos que possam ser relevados em seu benefício.

vii. A iniciativa de utilizar (ou não) determinado elemento probatório para defesa do arguido cabe, por inteiro, ao próprio, não podendo tal iniciativa ser precedida de actividade do Tribunal, sob pena de se inverter toda a lógica do due processo of Law. O arguido, utilizando o mecanismo previsto no artigo 340º do CPP, apresentará a prova que quiser, mas só a que quiser, sem previamente ter ocorrido qualquer intervenção censória do tribunal que apreciará a prova.

viii. Por ser assim, e sem necessidade de ulteriores considerações, importa concluir pelo acerto da decisão recorrida quando, como relatado, indeferiu o requerimento para junção aos presentes autos de “todas as intercepções telefónicas efectuadas no âmbito do processo …/…TELSB”, afastando a possibilidade de conceder autorização para a utilização pela defesa das escutas telefónicas interceptadas no âmbito daqueloutro processo crime nestes autos, negando-se a oficiar ao DCIAP para juntar aos autos cópia certificada da gravação daquelas escutas telefónicas e afastando a possibilidade de o Tribunal a quo proceder a uma análise de tais intercepções em bloco.

ix. E com isto não cerceou o Tribunal a quo as garantias de defesa do arguido, a quem, desde logo, foi apontado o caminho de, junto do processo onde foram efectuadas as escutas, processo esse não sujeito a segredo de justiça, obter o acesso aos meios de prova recolhidos por intercepções telefónicas, apresentando-os posteriormente para consideração nestes autos.

x. Não se diga, por outro lado, que com a decisão recorrida, se demitiu o Tribunal a quo do seu dever oficioso de busca da verdade material, imposto pelo artigo 340º do Código de Processo Penal.
Em face das informações trazidas aos autos sobre as intercepções telefónicas efectuadas no outro processo, não se vislumbra qualquer censurável inércia do Tribunal a quo na recolha de elementos para os presentes autos – como supra se afirmou, face aos princípios da verdade material e da investigação, aludidos nos nrs. 1 e 2 do artº 340º do C.P.Penal, tem o tribunal o poder-dever de investigar o facto sujeito a julgamento e construir por si mesmo os suportes da sua decisão, independentemente das contribuições dadas para tal efeito pelas partes em litígio, mas isso acarreta apenas a obrigação de oficiosamente (na ausência de requerimento dos sujeitos processuais) ordenar a produção dos meios de prova cujo conhecimento se afigure essencial à descoberta da verdade e à boa decisão da causa. Perante os elementos de consideração possível no âmbito do recurso, não se descortina qualquer razão para este Tribunal ad quem fulminar com um juízo de censurável inércia o procedimento da primeira instância.

xi. O indeferimento do requerimento apresentado quanto à junção das intercepções em bloco não pode, como é evidente, deixar de prejudicar a apreciação do pedido de autorização da reinquirição da testemunha MF… (para que a mesma fosse confrontada com o teor de uma escuta telefónica e com o objectivo de relatar em audiência de julgamento a conversa que alegadamente terá mantido com o arguido recorrente e em que este lhe terá dito que efectuava determinado pagamento).

xii. E o que dizer quanto ao pedido de declaração, nos termos do artigo 379.º, n.º 1, al. c), do C.P.Penal, da nulidade da decisão recorrida por omissão de pronúncia quanto à verificação, ou não, da irregularidade processual, alegadamente decorrente da violação do princípio da igualdade de armas?

xiii. Desde logo importa considerar que o Tribunal a quo não deixou de pronunciar-se sobre o pedido de declaração de irregularidade processual por violação do princípio de igualdade de armas.
O que o Tribunal a quo decidiu foi que tal pretensão se mostrava extinta por estar prejudicada pelo indeferimento do pedido de junção aos autos de todas as intercepções telefónicas efectuadas no âmbito do processo nº …/…TELSB.
Longe de omitir pronúncia sobre a questão colocada (e só isso constitui nulidade nos termos do preceito invocado) proferiu decisão.

xiv. Coisa diversa é a de saber se a decisão de considerar prejudicada a arguição de irregularidade corresponde à decisão acertada.
O arguido argumentou que o Ministério Público conhece já as conversas interceptadas no âmbito do processo nº …/…TELSB há vários anos, tendo optado por não as usar para a prova da acusação, sem que revelasse a sua existência ao arguido, ora Recorrente. Contrapõe o arguido que, pese embora tenha sido escutado, não é arguido naqueles autos e só conhece das escutas o que consta dos resumos das conversas interceptadas feitos pela Testemunha PS…, “OPC em ambos os inquéritos”.
Daí conclui o recorrente que a situação é, desde há vários anos, de desigualdade de armas – em seu entender a violação da igualdade de armas perdurou durante a instrução e todo o julgamento (durante mais de cinco anos), condicionando as provas que o arguido poderia oferecer, quer num eventual requerimento de abertura de instrução, quer na sua contestação, onde poderia, por exemplo, ter arrolado como suas testemunhas os intervenientes nas conversas gravadas, “com o objectivo de as confrontar com o teor dessas conversas, o que manifestamente não pode fazer.”

xv. Em resposta às alegações de recurso, argumentou o Ministério Público o seguinte:
O direito à igualdade de armas invocado pelo requerente (também designado de direito à identidade de posições no processo), significa que os sujeitos processuais devem estar em paridade de condições, quer quanto a direitos, quer quanto a deveres, ónus e cominações, isto, sempre que a sua posição no processo seja equiparável.
Ao decidir que o resultado das intercepções telefónicas realizadas no processo sobredito não relevam para a decisão a tomar nestes presentes autos, o Ministério Público não colocou os arguidos em qualquer tipo de desvantagem processual que aponte no sentido do afastamento do dito princípio. Tendo os arguidos, designadamente o ora recorrente, conhecimento das intercepções telefónicas em causa, e sendo-lhe, como é, garantido o acesso ao conteúdo das mesmas, pode, o mesmo, aquilatar da pertinência das mesmas, promovendo a junção a estes autos, para que seja considerado o respectivo conteúdo na decisão que aqui se há-de tomar.
Violar o princípio da igualdade de armas seria permitir que o Ministério Público utilizasse o resultado das intercepções telefónicas em causa para sustentar a tese da acusação, impedindo os arguidos, recorrente incluído, de proceder do mesmo modo na parte em que as mesmas sejam relevantes para demonstrar a da defesa. Tal não ocorre neste caso concreto.
Conforme atrás ficou bem claro, ao arguido ora recorrente não foi, com o indeferimento do por si requerido relativamente às supra mencionadas intercepções telefónicas, coarctado qualquer direito processual de defesa, na medida em que apenas lhe foi negada a junção de todas as intercepções telefónicas realizadas no âmbito do também atrás processo que corre no Departamento Central de Investigação e Acção Penal. Nunca, pela decisão ora recorrida, o tribunal negou ao arguido JO… ou qualquer outro o direito de requerer e obter junto de tal processo essas intercepções telefónicas (isto é, seus suportes técnicos e autos de intercepção e transcrição) e de requerer nestes autos a sua posterior junção.

xvi. Ao contrário do que sucede com os argumentos do arguido, a posição do Ministério Público mostra-se razoável e bem fundada nas razões subjacentes à lógica do princípio da igualdade de armas.
Convoca-se, nesta matéria, o esclarecedor Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 17 de Março de 2004[108], onde se pode ler:
O processo equitativo - noção acolhida na Constituição no artigo 20º, nº 4 - é noção que tem sido densificada a partir das definições dos elementos integrantes da garantia inscrita em instrumentos de protecção de direitos fundamentais, nomeadamente o artigo 6º, par. 1º da Convenção Europeia dos Direitos do Homem e o artigo 14º do Pacto Internacional sobre os Direitos Civis e Políticos.
O processo equitativo, no sentido de processo justo, "fair trial", "due process", supõe a conjugação de elementos orgânicos e elementos funcionais (relativos ao tribunal - independente e imparcial, mas também à organização e à dinâmica do processo -prazo razoável de decisão da causa) e elementos propriamente processuais ou intra-processuais. A enunciação descritiva dos elementos do processo equitativo, como meio de realização da boa justiça, permite afirmar tanto a complexidade deste direito fundamental, como a estruturação referida ao processo tomado no seu conjunto.
Na estruturação do direito podem destacar-se os elementos ou mecanismos de garantia; o domínio da garantia e respectivo conteúdo geral; e também especialmente alguns elementos do conteúdo específico que apresenta em matéria de processo penal.
As exigências especificamente processuais da garantia do processo equitativo (igualdade ou equilíbrio, causa apreciada publicamente e em prazo razoável) têm, por seu lado, que ser apreciadas, não numa perspectiva estratificada do processo, mas essencialmente na consideração do conjunto, ou da totalidade do processo.
A consideração do processo como um todo (diversas fases e instâncias de recurso) pode justificar uma modulação na compreensão de alguns elementos da garantia, de tal modo que a falta de algum dos elementos numa fase do processo pode ser corrigida numa fase posterior, se o órgão próprio dispuser de competência de reapreciação tal que permita compensar um determinado vício. Será essencial uma perspectivação global, tomando o processo no seu conjunto.
Mas a consideração do conjunto do processo, permitindo uma apreciação relativa da modulação das garantias, tem de satisfazer as exigências verdadeiramente caracterizadoras, de igualdade, de publicidade e de razoabilidade do tempo de decisão.
A apreciação e o controlo da efectividade da garantia do processo equitativo no domínio do processo penal deve operar por meio da análise dos chamados "reactivos" ou "detectores de iniquidade": o respeito dos direitos de defesa, a igualdade de armas, a imposição de debate contraditório, a presunção de inocência, a audiência pública.
A igualdade (ou equidade em sentido estrito) requer que cada uma das partes no processo possa sustentar a sua posição em condições tais que a não coloquem em desvantagem em relação à parte adversa; sendo uma das grandes aporias do moderno processo penal, a igualdade processual, ou a "igualdade de armas", deve assumir-se como instrumento de realização dos direitos estabelecidos a favor da acusação e da defesa, ganhando conteúdo a ideia de que a igualdade de armas significa a atribuição á acusação e à defesa de meios jurídicos igualmente eficazes para tomar efectivos aqueles direitos.
A igualdade de armas só pode ser entendida «quando lançada no contexto mais amplo da estrutura lógico-material global da acusação e da defesa e da sua dialéctica.
O que quer dizer que uma concreta conformação processual só poderá ser recusada, como violadora daquele princípio da igualdade, quando dever considerar-se infundamentada, desrazoável ou arbitrária, como ainda quando possa reputar-se substancialmente discriminatória à luz das finalidades do processo penal, do programa político-criminal que aquele está assinado ou dos referentes axiológicos que o comandam». Cfr., Figueiredo Dias, "Sobre os sujeitos processuais no Novo Código de Processo Penal", Jornadas de Processo Penal, 1988, pág. 30. (…).

xvii. Os argumentos expostos neste aresto do Supremo Tribunal de Justiça permitem enquadrar devidamente a situação dos presentes autos – considerado o processo no seu conjunto (e não apenas determinadas fases do processo, designadamente o inquérito e a instrução), não se pode afirmar a violação do princípio da igualdade de armas quando ao arguido é permitido o conhecimento das intercepções telefónicas em causa, sendo-lhe garantido o acesso ao conteúdo das mesmas, podendo o mesmo, aquilatar da pertinência daquelas para a sua defesa, promovendo, se o entender, a junção a estes autos de elementos de prova que considerar relevantes para tal fim.

xviii. Tanto basta para que, discordando-se da visão do Tribunal a quo, quanto a se achar prejudicado o pedido de declaração de irregularidade processual, se conclua pela manifesta improcedência daquela arguição de irregularidade.
Assim, e embora neste último particular, por razões diversas das consideradas pelo Tribunal a quo, importa concluir pela improcedência do recurso interposto, também neste terceiro segmento.

                                                    *
19º Recurso interposto pelo arguido lc…, do despacho de fls. 53.622 a fls. 53.650, no que concerne ao segmento decisório de fls. 53.636 a 53648, atinente ao indeferimento do requerimento da Arguida IC… de fls. 52.559 a fls. 52.948, para junção aos autos dos suportes técnicos de todas as conversações ou comunicações gravadas no inquérito n.º …/…TELSB, reiterado por aquele Arguido no seu requerimento de fls. 53.376 e segs..

1. Por despacho proferido em 16 de Dezembro de 2015, a fls. 53622 a 53650, cujo teor integral se mostra transcrito supra (na apreciação do antecedente recurso interlocutório, esse interposto pelo arguido JO…) foi decidido no segmento de fls. 53636 a 53648:
1) Indeferir o requerido pela arguida IC… a fls. 52559 a 52948, designadamente “determinar a junção de todas as intercepções telefónicas efectuadas no âmbito do processo n.º …/…TELSB e que correspondem aos autos constantes do documento n.º 4”;
(…)
3) Por se mostrar prejudicado, não tomar conhecimento das irregularidades, nulidades, inconstitucionalidade, violação do princípio da igualdade de armas, vícios invocados, na parte respeitante a cada um, pelos arguidos IC… (fls. 52559 a 52948), OC… (fls. 53171 a 53186) e LC… (fls. 53376 a 53384);
4) Consignar, para que dúvidas não subsistam, que no caso de algum sujeito processual pretender usar, neste processo, de alguma escuta telefónica realizada no identificado processo de inquérito, deverá requerer e obter junto do mesmo as intercepções/conversações (suportes técnicos) e transcrições que julgarem pertinentes e os despachos que fundamentaram as respectivas intercepções e, posteriormente, obtendo-as, requerer a sua junção aos presentes autos;.

2. Notificado e inconformado com o teor da decisão, o arguido LC… veio, em 16 de Fevereiro de 2016, a fls. 53885 e segs. interpor recurso, pugnando por que seja:
a) (…) revogada a douta decisão, datada de 16.12.2015, de fls. 53636 a 53648, na qual o Tribunal a quo indeferiu determinar a junção de todas as intercepções telefónicas efectuadas no âmbito do processo nº …/…TELSB, requerida pelo ora Recorrente, bem como toda a tramitação posterior à decisão recorrida cuja manutenção seja incompatível com a sua revogação;
b) [A douta Decisão, ora recorrida] (…) substituída por outra que defira na íntegra o requerido pelo Recorrente, com as legais consequências..  

3. O Recorrente LC… extraiu da sua motivação (cfr. fls. 53898 e segs.) as seguintes conclusões:
1. Vem o presente recurso interposto da Decisão datada de 16.12.2015, de fls. 53636 a fls. 53648, mediante a qual o Tribunal a quo decidiu indeferir o requerido pela Arguida IC… a que expressamente aderiu o ora Recorrente LC… e, consequentemente, não determinar a junção aos presentes autos dos suportes técnicos das conversações ou comunicações gravadas no âmbito do inquérito n.º …/…TELSB.
2. Entende o Tribunal a quo que, não obstante o artigo 187.º do CPP não impedir a utilização da gravação de conversações ou comunicações noutro processo em fase de julgamento, as conversações ou comunicações pertinentes para os presentes autos não serão todas as obtidas no processo onde a sua gravação foi autorizada, pelo que, à luz do disposto no artigo 340.º do CPP, não poderia determinar a junção da totalidade de tais conversações ou comunicações, como requerido pelo Recorrente.
3. Ademais, considerou a decisão recorrida que, se se determinasse a junção da totalidade de tais conversações ou comunicações aos presentes autos, correr-se-ia o sério risco de se juntar conversações ou comunicações que nada têm a ver com o objecto dos presentes autos, além de se poder potenciar uma devassa da vida privada de pessoas que de modo algum estão conexionadas com os factos sujeitos ao nosso julgamento.
4. Contrariamente, entende o Recorrente que tal decisão viola o disposto no artigo 340º do CPP, na medida em que o Tribunal a quo indeferiu a produção de meios de prova sem concretamente aferir da necessidade do conhecimento de tais meios de prova para a descoberta da verdade e boa decisão da causa, eximindo-se assim ao seu dever de investigação e de procura da verdade material.
5. Com efeito, a circunstância de o Tribunal a quo considerar que nem todas as escutas telefónicas serão relevantes para os presentes autos, não o desonera de aferir quais as escutas que poderão ser relevantes para os presentes autos, à semelhança do que é exigido ao tribunal onde as escutas são autorizadas – artigo 188, nºs 5 e 6 do CPP.
6. Do requerimento apresentado pelo Recorrente resulta, aliás, devidamente evidenciada a relevância para os presentes autos das matérias discutidas nas conversações ou comunicações em causa, nomeadamente referentes ao Banco Insular, às sociedades criadas através da PLANFIN, à operação CAMDEN, ao posicionamento de testemunhas que foram ouvidas nos presentes autos e à forma como se seleccionam depoimentos.
7. Por outro lado, defende o Recorrente que o risco invocado pelo Tribunal a quo, de se juntar conversações ou comunicações que nada têm a ver com o objecto dos presentes autos ou de se poder potenciar uma devassa da vida privada de pessoas que de modo algum estão conexionadas com os factos sujeitos ao nosso julgamento, desapareceria, na medida em que fosse o próprio Tribunal a fazer a “filtragem” dessas mesmas conversações ou comunicações,
8. Sendo que essa “filtragem” pressupõe necessariamente o poder/dever de destruir os respectivos suportes técnicos e relatórios manifestamente estranhos ao processo, sem necessidade de convocar os sujeitos processuais para esse efeito – à semelhança do poder/dever do Juiz de Instrução, ao abrigo do disposto no artigo 188º, nº 6 do CPP.
9. Por conseguinte, caberia, assim, ao Tribunal a quo (i) determinar a junção da totalidade de tais conversações ou comunicações aos presentes autos, (ii) inteirar-se do conteúdo das mesmas, e (iii) destruir os suportes técnicos e relatórios manifestamente estranhos ao processo.
10. Não o tendo feito, violou o disposto no artigo 340º do CPP e incumpriu o seu dever de investigação e de alcançar a verdade material, na medida em que não cuido [rectius, cuidou] de aferir da indispensabilidade dos meios de prova requeridos para a descoberta da verdade material dos presentes autos,
11. Paradoxal e simultaneamente não afirmando a respectiva irrelevância.

4. A fls. 55.570 e segs. foi proferido despacho a admitir o recurso, com subida diferida, com o recurso da decisão que puser termo à causa, nos próprios autos e com efeito meramente devolutivo.

5. O Ministério Público respondeu ao recurso do arguido LC…, pugnando pela sua improcedência e extraindo das suas contra-alegações a seguinte conclusão (cfr. fls. 56261 a 56265):
Por tudo o que aqui se expõe e que está em total sintonia com o decidido pelo tribunal a quo, impõe-se entender a decisão recorrida como correctamente tomada, devendo a mesma ser mantida, indeferindo-se o presente recurso.

6. O arguido, no seu recurso, manifestou expressamente interesse na manutenção deste recurso interlocutório e na sua apreciação.

7. Apreciando.
Sendo o objecto do recurso balizado pelas conclusões do Recorrente, nos termos preceituados pelos artigos 412º, nº 1, in fine, do C.P.Penal, sem prejuízo do conhecimento oficioso das questões enumeradas no artigo 410º, nº 2, do mesmo código, e mais considerando a apreciação que supra já se fez a propósito das irregularidades, nulidades, inconstitucionalidade, violação do princípio da igualdade de armas, invocados pelo arguido JO…, importa concluir que a apreciação do presente recurso se limita à questão de saber se a decisão de indeferimento do requerimento para junção aos autos dos suportes técnicos de todas as conversações ou comunicações gravadas no inquérito n.º …/…TELSB, violou o disposto no artigo 340º do Código de Processo Penal.
Deverá notar-se que o arguido Recorrente, não obstante os termos que utilizou a fls. 53885 para indicar o segmento decisório que visava impugnar[109], não verteu nas suas conclusões qualquer referência a propósito de irregularidades, nulidades, inconstitucionalidades, e designadamente de violação do princípio da igualdade de armas, arredando do objecto deste recurso a apreciação de argumentos novos sobre tais questões[110].
                                                   
8. A apreciação mostra-se facilitada, por um lado porque se procedeu já à apreciação do recurso interlocutório também interposto da decisão de fls. 53.636 a 53.648 pelo co-arguido JO…, e, por outro lado, porque as conclusões do ora Recorrente LC… não fazem aportar aos autos argumentos diversos dos que já foram analisados.

i. Afirma o recorrente que a decisão recorrida “viola o disposto no artigo 340º do C.P.Penal, na medida em que o Tribunal a quo indeferiu a produção de meios de prova sem concretamente aferir da necessidade do conhecimento de tais meios de prova para a descoberta da verdade e boa decisão da causa, eximindo-se assim ao seu dever de investigação e de procura da verdade material”.

ii. Trata-se de uma afirmação sem sentido.
Como já supra se mencionou, o artigo 340º do Código de Processo Penal consagra um poder-dever do Tribunal, orientado para a descoberta da verdade e para a boa decisão da causa. Trata-se de um poder-dever de investigar por si o facto, atendendo a todos os meios de prova não irrelevantes para o apuramento da verdade.
O que o preceito não impõe, seguramente, é que o Tribunal produza todos e quaisquer meios de prova, mesmo que irrelevantes. Em aplicação do preceito, mesmo depois de precludido o prazo para as partes indicarem a prova e independentemente do seu impulso, haverá de produzir-se a prova que o juiz considere necessária para a boa decisão da causa.

iii. A decisão recorrida foi tomada perante a afirmação de que nas intercepções telefónicas efectuadas no âmbito do Processo …/…TELSB haveria elementos com interesse para a demonstração de factos relacionados com a defesa dos arguidos e que, por isso, se justificava juntar aos presentes autos todas as intercepções ali efectuadas, para posterior exame.
O Tribunal a quo, com apego à lógica, decidiu no sentido de indeferir a requerida junção em bloco de um vasto conjunto de elementos probatórios, sem específica relevância para a boa decisão da causa, significando aos arguidos requerentes da junção que a possibilidade prevista no artigo 340º do C.P.Penal não é absoluta, tendo antes os seus contornos marcados pela necessidade (para a descoberta da verdade material e/ou para a boa decisão da causa) e pela proibição da prática de actos irrelevantes, supérfluos, inadequados, estéreis e/ou meramente dilatórios.

iv. E não se diga que o Tribunal a quo incumpriu o seu dever de investigação pela “(…) circunstância de (…) considerar que nem todas as escutas telefónicas serão relevantes para os presentes autos”, sem aferir quais as escutas que poderão ser relevantes para os presentes autos, “à semelhança do que é exigido ao tribunal onde as escutas são autorizadas – artigo 188, nºs 5 e 6 do CPP”.
Afastado o mecanismo próprio da transmissão de prova relativa a conhecimentos fortuitos (nos termos já anteriormente analisados a propósito do recurso interposto pelo co-arguido OC…), a ponderação à luz do disposto no artigo 340º do Código de Processo Penal, conduz, sem dúvida, à exclusão da necessidade de obtenção de todas as intercepções telefónicas efectuadas no âmbito do processo n.º …/…TELSB para os fins dos presentes autos. E por isso se indeferiu a sugestão de “arrastar” para os presentes autos todos os elementos disponíveis no outro processo.

v. Ao Tribunal a quo impunha-se a obrigação de ordenar a produção dos meios de prova cujo conhecimento se afigure essencial à descoberta da verdade e à boa decisão da causa – porém, como já antes referido, perante os elementos de consideração possível no âmbito do recurso, não se descortina qualquer razão para este Tribunal ad quem fulminar com um juízo de censurável inércia o procedimento da primeira instância.
Mais uma vez se refere que, como é evidente, não se comprometeram as garantias de defesa dos arguidos – não se negou a eventual utilização de elementos de prova obtidos por intercepções telefónicas no âmbito daqueloutro processo, desde que verificados os pressupostos legais de validade desse tipo de prova, e na condição a sua indispensabilidade para a descoberta da verdade material.
Como já antes se mencionou, o que “se considerou, e bem, foi a notória e manifesta ausência de relevância de “todas as intercepções telefónicas efectuadas no âmbito do processo …/…TELSB”.”.

vi. Perante tal desnecessidade de obtenção de todas as intercepções telefónicas, optou o Tribunal a quo pelo procedimento que, de forma mais séria, salvaguarda os direitos de defesa dos arguidos.
Obviamente não cabe ao Tribunal fazer qualquer selecção dos elementos probatórios a apresentar nos autos, quando o propósito desses elementos, como afirmam os arguidos, tal como o recorrente, é o exercício da sua defesa, mediante a apresentação no processo de elementos colhidos noutros autos que possam ser relevados em seu benefício.

vii. Como também já se escreveu, “a iniciativa de utilizar (ou não) determinado elemento probatório para defesa do arguido cabe, por inteiro, ao próprio, não podendo tal iniciativa ser precedida de actividade do Tribunal, sob pena de se inverter toda a lógica do due processo of Law. O arguido, utilizando o mecanismo previsto no artigo 340º do CPP, apresentará a prova que quiser, mas só a que quiser, sem previamente ter ocorrido qualquer intervenção censória do tribunal que apreciará a prova”.

viii. E, por isso, não pode deixar de sublinhar-se o desacerto da tese do recorrente quando argumenta que 7. (…) o risco invocado pelo Tribunal a quo, de se juntar conversações ou comunicações que nada têm a ver com o objecto dos presentes autos ou de se poder potenciar uma devassa da vida privada de pessoas que de modo algum estão conexionadas com os factos sujeitos ao nosso julgamento, desapareceria, na medida em que fosse o próprio Tribunal a fazer a “filtragem” dessas mesmas conversações ou comunicações” (…) 8. Sendo que essa “filtragem” pressupõe necessariamente o poder/dever de destruir os respectivos suportes técnicos e relatórios manifestamente estranhos ao processo, sem necessidade de convocar os sujeitos processuais para esse efeito – à semelhança do poder/dever do Juiz de Instrução, ao abrigo do disposto no artigo 188º, nº 6 do CPP..

ix. Tal sugerido procedimento, a ser aceite, enredaria o Tribunal a quo num trabalho penoso e improdutivo que, perdoe-se-nos a falta de originalidade, lembra uma vez mais em sede de prova por intercepções telefónicas, o suplício de Sísifo. Para que haveria o Tribunal a quo de proceder ao integral exame de todas as comunicações interceptadas e à destruição dos respectivos suportes técnicos e relatórios manifestamente estranhos ao processo?
Esse exame jamais poderia servir como modo de selecção dos elementos de prova “interessantes” sob o ponto de vista do recorrente, desde logo porque não tem o juiz a capacidade de adivinhar quais os elementos que o arguido poderá entender como relevantes para a sua defesa. Nem a si lhe cabe essa tarefa.
Ao juiz cabe julgar, não defender nem acusar.

x. Por outro lado, o propósito de destruição seria estéril – os elementos persistiriam no processo onde se realizaram as intercepções, estando ali à disposição dos arguidos.  
E, repita-se, com o repúdio de tal sugerido procedimento não cerceou o Tribunal a quo as garantias de defesa dos arguidos, antes apontado o caminho de, junto do processo onde foram efectuadas as escutas, obterem o acesso aos meios de prova recolhidos por intercepções telefónicas, apresentando-os posteriormente para consideração nestes autos.

xi. Como se escreveu no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 9 de Março de 2017 (acórdão de fixação de jurisprudência)[111]:
“A partir do encerramento do inquérito, o arguido tem acesso aos suportes técnicos das conversações ou comunicações, podendo examiná-los, de modo a inteirar-se do seu conteúdo, e obter, à sua custa, cópia das partes que pretenda transcrever para juntar ao processo, até ao termo dos prazos ali referidos, com vista a poderem ser utilizadas como meio de prova na instrução, se requerida, ou na audiência de julgamento, uma vez que, como resulta dos n.ºs 9 e 10, só as partes das conversações ou comunicações transcritas, por ele, pelo assistente, por determinação do juiz de instrução (n.º 7), do Ministério Público ou do tribunal do julgamento, podem valer como prova.
Damião da Cunha considera que este regime legal se justifica “por um princípio (ou garantia) de justo processo ou de justo tratamento, no sentido de que aquele que foi objecto de uma investigação (e, no caso, por via directa ou indirecta, de escutas telefónicas) deve poder ‘aproveitar’, em seu benefício, de eventuais elementos que possam ser úteis à sua defesa (incluindo o contraditório)” [O Regime Legal das Escutas Telefónicas, Algumas Breves Reflexões, revista do cej, 1º semestre 2008, nº 9, página 214]. E André Lamas Leite diz ter-se pretendido “que a conformação processual do material probatório resultante das escutas a levar em conta na aferição da responsabilidade criminal do arguido se constitua pelas apresentadas por este, pelo MP, ou pelo assistente”, porque o “legislador terá entendido inexistir outrem melhor que os directamente interessados na defesa da sua posição – o arguido e o assistente – e o MP, para introduzir nos autos a prova obtida através das escutas” [Entre Péricles e Sísifo: O Novo Regime Legal das Escutas Telefónicas, RPCC, Ano 17, página 651].”.

xii. E esse foi, precisamente, o entendimento do Tribunal a quo – o arguido, interessado em determinado elemento de prova para a sua defesa, encontra-se na melhor posição para assinalar ao tribunal a relevância desse meio e, desse modo, demonstrando positivamente a sua pertinência para a descoberta da verdade e boa decisão da causa, obter, com fundamento no disposto no artigo 340º do CPP, a sua aquisição nos autos.

xiii. O procedimento delineado pelo Tribunal a quo revela-se, aliás, consentâneo com a observância do princípio do contraditório, em conformidade com a amplitude que do mesmo tem, repetidas vezes, dado conta o Tribunal Constitucional. A exemplo disso, poderá ver-se o que foi decidido no Acórdão nº 70/2008[112]:
Uma das componentes específicas das garantias de defesa, aliás, também expressamente reconhecida na Lei Fundamental, é o princípio do contraditório (artigo 32º, n.º 5).
(…)
Este princípio abrange, como esclarecem GOMES CANOTILHO e VITAL MOREIRA, (a) o dever e direito de o juiz ouvir as razões das partes (da acusação e da defesa) em relação a assuntos sobre os quais tenha de proferir uma decisão; (b) o direito de audiência de todos os sujeitos processuais que possam vir a ser afectados pela decisão, de forma a garantir-lhes uma influência efectiva no desenvolvimento do processo; (c) em particular, o direito do arguido de intervir no processo e de se pronunciar e contraditar todos os testemunhos, depoimentos ou outros elementos de prova ou argumentos jurídicos trazidos ao processo, o que impõe designadamente que ele seja o último a intervir no processo; (d) a proibição de ser condenado por crime diferente do da acusação, sem o arguido ter podido contraditar os respectivos fundamentos (ob. cit., pág. 523).
Já vimos que as garantias de defesa, reconhecidas no texto constitucional, não vão além, na parte que agora mais interessa considerar, da previsão de um processo criminal com estrutura acusatória em que apenas a audiência de julgamento e certos actos instrutórios especialmente previstos na lei é que estão subordinados ao princípio do contraditório.
O princípio acusatório e o reconhecimento do direito de contraditoriedade tem, pois – como já foi amplamente exposto -, um sentido inteiramente diverso, que é o de assegurar ao arguido a possibilidade de, nas fases ulteriores do processo, contrabater as razões e as provas que tenham sido contra ele coligidas e tomar também iniciativas instrutórias e de realização de prova que considerar pertinentes.
No entanto, como é bem de ver, esse direito de contraditório existe em relação às provas em que se funda a acusação, as mesmas que serão ponderadas pelo juiz de instrução, para efeito de emitir o despacho de pronúncia, e levadas a julgamento, para efeito a condenação do réu.
É só em relação a essas provas – e não a quaisquer outras que os investigadores tenham considerado irrelevantes ou tenham abandonado por considerarem (bem ou mal) imprestáveis para os fins de indiciação da prática de ilícito -, que o arguido poderá responder, alegando as razões que fragilizam os resultados probatórios ou indicando outras provas que possam pôr em dúvida ou infirmar esses resultados.
É o exercício desse direito, nas fases processuais subsequentes à investigação, que permite justamente equilibrar a posição jurídica da defesa em relação à acusação e dar cumprimento ao princípio da igualdade das armas. E é esse – e apenas esse – o sentido do princípio do acusatório que decorre do disposto no artigo 32º, n.º 5, da Constituição.
É essa também a essência do processo equitativo ou do due process of law, que justamente envolve como um dos seus aspectos fundamentais (para além da independência e imparcialidade do juiz e a lealdade do procedimento) a consideração do arguido como sujeito processual a quem devem ser asseguradas as possibilidades de contrariar a acusação.
Todavia, o arguido não tem o direito nem interesse processual a contraditar as provas produzidas no inquérito que foram consideradas irrelevantes (e que não servem de fundamento à acusação), como não tem direito nem interesse processual em conhecer todos os expedientes ou diligências de que os órgãos de polícia criminal se serviram, segundo as estratégias de investigação que consideraram em cada momento adequadas ao caso e que podem, entretanto, ter sido abandonadas.

9. Aqui chegados, importa, sem necessidade de ulteriores considerações, concluir que o Tribunal a quo não se eximiu ao seu dever de investigação e de procura da verdade material, tendo antes assegurado aos arguidos o exercício do contraditório, com pleno respeito pelas garantias de defesa constitucionalmente previstas, não tendo a decisão recorrida violado o disposto no artigo 340º do C.P.Penal, pelo que o recurso se mostra improcedente.                                  
                                                       
20º Recurso interposto pelo arguido jo…, do despacho de fls. 54.713, datado de 26.04.2016, que apreciou o requerimento de fls. 54.021 a 54.029, especificamente no que concerne ao indeferimento da reinquirição da testemunha MF… relativamente a duas conversas telefónicas interceptadas.

1. Por despacho proferido em 26 de Abril de 2016, a fls. 54.713, foi decidido:
Defere-se a junção aos autos das escutas telefónicas referidas na alíneas a) e b) de fls. 54028 a 54029 do seu requerimento que poderão ter interesse para a descoberta da verdade material (artº. 340º do CPP).”
E, por outro:
Indefere-se a requerida reinquirição da testemunha MF… no que concerne aos pontos que o arguido pretende ver abordados por não se ver importante para a descoberta da verdade material na medida em que não é a circunstância de em 2008 o arguido OC… alegadamente ter comunicado a MF… que ia pagar os mútuos de que era beneficiário no Banco Insular, pois essa eventual declaração nada adianta em relação à motivação à data que contraiu o mútuo (artº 340º, n.º 4, al. a) do CPP).

2. Notificado e inconformado com o teor da decisão, o arguido JO… veio, em 10 de Fevereiro de 2016, a fls. 53.773 e segs. interpor recurso, pugnando por que seja:
(…) revogada a douta decisão recorrida e ordenada a baixa dos autos ao Tribunal de 1.ª instância para que se proceda a essa diligência de prova.
 Mais requereu que seja decidido que a revogação da douta decisão recorrida invalida o douto acórdão final que venha a ser proferido e implica a continuação da audiência de julgamento, para produção daquela prova, seguindo-se os demais termos processuais.

3. O recorrente JO… extraiu da sua motivação (cf. fls. 55.914 e segs.) as seguintes conclusões (encontrando-se reproduzidas, no final do bloco de conclusões, as respectivas notas de rodapé, cuja numeração originária se manteve):

1.º - O presente recurso incide sobre douta decisão, datada de 26.04.2016, que consta de fls. 54.713 dos autos, no que concerne ao indeferimento parcial do requerido a fls. 54.021 a 54.029, que determinou o indeferimento da reinquirição da Testemunha MF… relativamente a duas conversas telefónicas interceptadas naqueles autos relativas ao mútuo denominado como “A1” (conversas cuja transcrição foi admitida para ser junta aos autos).
2.º - O arguido OC… apresentou, a fls. 54.021 a 54.029, requerimento cujos termos aqui se dão como reproduzidos, peticionando a junção aos autos das transcrições de duas conversas telefónicas e requerendo a reinquirição da Testemunha MF… a fim de ser confrontada com o teor das escutas telefónicas em causa, com o objectivo de este relatar em Audiência de Julgamento a conversa que terá tido com o Arguido, ora Recorrente, aquando do almoço com o mesmo, alegadamente ocorrido em data anterior a 27.08.2008 e em que o Arguido lhe terá afirmado que “pagava”, reportando-se aquela conversa ao mútuo relativo à “A1”.
3.º - Conforme se pode ler no douto despacho de 16.12.2015, proferido pelo Tribunal “a quo”, a propósito da possibilidade legal de utilização de escutas telefónicas interceptadas num outro processo-crime (“in casu”, o processo n.º …/…TELSB): “(…) Ainda que o preceito invocado (art. 187º) refira que a gravação de conversações ou comunicações “só pode ser utilizada em outro processo, em curso ou a instaurar (…) e na medida em que for indispensável à prova de crime previsto no n.º 1”, admite-se que, desde que estejam verificados os respectivos pressupostos legais (n.ºs 1, 4 e 7 da mesma norma), as mesmas conversações ou comunicações possam ser usadas num processo crime já em fase de Julgamento, na medida em elas se possam revelar como absolutamente indispensáveis para a descoberta da verdade material, sob pena de, salvo o devido respeito por outra opinião, não se actuando deste modo, poderem ser postergados os mais elementares direitos de defesa do arguido.”
4.º - Por douto despacho, já transitado, o Tribunal Central de Instrução Criminal, enquanto titular dos autos onde foram efectuadas as escutas transcritas, autorizou que fosse passada e entregue ao ora Recorrente a certidão judicial que inclui o registo áudio das duas conversas em causa, que foram por aquele Tribunal consideradas “indispensáveis à prova”, conforme Doc.s 5 e 6, que inclui um CD, juntos ao requerimento de fls. 54021 a 44029.
5.º - Pese embora assim seja, o Tribunal “a quo”, na douta decisão recorrida, decidiu, por um lado, “Defere-se a junção aos autos das escutas telefónicas referidas na alíneas a) e b) de fls. 54028 a 54029 do seu requerimento que poderão ter interesse para a descoberta da verdade material (art. 340º do CPP).” e, por outro, “Indefere-se a requerida reinquirição da testemunha MF… no que concerne aos pontos que o arguido pretende ver abordados por não se ver importante para a descoberta da verdade material na medida em que não é a circunstância de em 2008 o arguido OC… alegadamente ter comunicado a MF… que ia pagar o mútuos de que era beneficiário no Banco Insular, pois essa eventual declaração nada adianta em relação à motivação à data que contraiu o mútuo (artº 340º, n.º 4, al. a) do CPP).
6.º - Face ao assim decidido, o próprio Tribunal “a quo” refere, no douto despacho de 16.12.2015, que o artigo 187.º do CPP só autoriza a utilização de escutas num outro processo crime “(…) na medida em elas se possam revelar como absolutamente indispensáveis para a descoberta da verdade material, (…)”, reconhecendo depois - na douta decisão recorrida - que aquelas conversas “poderão ter interesse para a descoberta da verdade material”.
7.º - Assim, não se percebe como é que, após o assim decidido, se pode afirmar (sobre as mesmíssimas conversas telefónicas) que “a requerida reinquirição da testemunha MF… no que concerne aos pontos que o arguido pretende ver abordados por não se ver importante para a descoberta da verdade material na medida em que não é a circunstância de em 2008 o arguido OC… alegadamente ter comunicado a MF… que ia pagar o mútuos de que era beneficiário no Banco Insular, pois essa eventual declaração nada adianta em relação à motivação à data que contraiu o mútuo (artº 340º, n.º 4, al. a) do CPP).”
8.º - De facto, as duas conversas transcritas e mandadas juntar aos autos pela própria decisão recorrida datam de 2008 (momento temporal que se afirma - agora - como irrelevante!) e apenas versão sobre o mútuo da “A 1” e sobre a circunstância da Testemunha MF… ter falado com o Arguido sobre o mesmo, tendo recebido do Arguido, ora Recorrente, um compromisso de pagamento, cujos termos se pretendiam apurar com a reinquirição daquela Testemunha.
9.º - No âmbito dos presentes autos é imputado ao arguido, ora recorrente, “Um crime de Abuso de confiança, com referência ao conjunto da sua actuação na retirada e apropriação, para si e para terceiros, de fundos do Grupo BPN/SLN,  p.p. pelo artº. 205º, nº1, nº 4 al. b) e nº 5 do C. Penal; (…)”, para o qual relevam os artigos 209.º, 215.º, 224.º, 230.º e 287.º a 296.º da douta pronúncia, que aqui se dão como reproduzidos, aí se alegando sobre o mútuo designado por “A1” que “o arguido nunca pretendeu repor” o valor mutuado. (“negrito” nosso)
11.º - Na contestação que apresentou o Arguido, ora Recorrente, negou a intenção de não pagar aquele mútuo.
12.º - O Arguido, ora Recorrente, já na fase final do julgamento dos presentes autos ficou a saber [5] que foram realizadas escutas telefónicas no âmbito do processo-crime n.º …/… (onde nem sequer foi constituído como arguido), de onde resulta que:
a) No dia 26.08.2008 foi interceptada conversa telefónica entre Ajo… e MF…, transcrita, por súmula, pelo Exm.º Senhor Inspector Dr. PS… da seguinte forma:
“M… questiona se a carta para o OC… foi enviada pelo Insular ao que A. D… diz que o Dr. M… não a enviou e que a carta tem de seguir porque ele antes era devedor e actualmente também o é ... M… afirma "no Banco Insular número 1".”, CD05B(1/3), citada a fls. 1364, do Vol. 4, do processo de inquérito n.º …/… (fls. 52.771 dos autos); e
b) No dia 27.08.2008 foi interceptada conversa telefónica entre Ajo… e MF…, transcrita, por súmula, pelo Exm.º Senhor Inspector Dr. PS… da seguinte forma:
“A. D… diz que tem a resposta do M…, sendo que não levantaram as cartas, porque viram A… que era do Banco Insular: "Caputo", "M…", A. D… diz que tem a resposta do M…, sendo que não levantaram as cartas, porque viram A… que era do Banco Insular: "Caputo", "M…", "Scalatrum" ... M… diz que almoçou com o OC… e que ele disse que pagava e que assumiu a posição de que é responsável pelo facto de ser presidente.”, CD05B (3/3), citada a fls. 1364, do Vol. 4, do processo de inquérito n.º …/… (fls. 52.771 dos autos).
13.º - A existência de tal meio de prova, que não foi trazido ao processo n.º …/…TDLSB pelo Ministério Público, é evidenciador do posicionamento do arguido (antes de assumir tal qualidade processual e dos presentes autos existirem sequer) no que concerne à assunção da dívida emergente da conta “A1” e à intenção de a pagar;
14.º - Os Exm.ºs Senhores Dr.s Ajo… e MF… foram ouvidos enquanto Testemunhas nos presentes autos não se tendo referido às conversas acima identificadas, e, naturalmente, não pôde a defesa confrontá-los com as mesmas por não constarem dos presentes autos;
15.º - Razão pela qual o arguido requereu e foi-lhe deferido, nos termos do artigo 187.º, n.º 7, do Código de Processo Penal, que lhe fosse permitido fazer uso no âmbito do presente processo daquelas escutas telefónicas quanto a estas duas concretas conversas.
16.º - Não se compreende, pelo exposto, que, por um lado, se considerem preenchidos os requisitos convocados pelo artigo 187.º, do CPP, da indispensabilidade das escutas transcritas que foram mandadas juntar aos autos (todas de 2008 e relativas ao mútuo “A 1”) e se afirme, em simultâneo, que tais conversas, por serem de 2008, não relevam para a descoberta da verdade material.
17. º - Salvo o devido respeito, que é muito, admitir as conversas qualificando-as como relevantes para a descoberta da verdade e defender, em simultâneo, que a sua contextualização e explicação pela Testemunha MF… é irrelevante para essa mesma verdade, é manifestamente contraditório.
18.º - Pelo que, a douta decisão recorrida incorreu no vício de contradição entre os seus fundamentos (artigo 410.º, n.º 2, al. b), do CPP), devendo por isso ser revogada.
Por outro lado, sem conceder:
19.º - Sobre a possibilidade de indeferimento de diligências probatórias requeridas pelos sujeitos em processo penal, além dos casos em que “a prova ou o respectivo meio forem legalmente inadmissíveis”, dispõe o artigo 340.º, n.º 4, do CPP:
“4 - Os requerimentos de prova são ainda indeferidos se for notório que:             
a) As provas requeridas já podiam ter sido juntas ou arroladas com a acusação ou a contestação, excepto se o tribunal entender que são indispensáveis à descoberta da verdade e boa decisão da causa;
b) As provas requeridas são irrelevantes ou supérfluas;
c)  O meio de prova é inadequado, de obtenção impossível ou muito duvidosa; ou
d) O requerimento tem finalidade meramente dilatória.”
20.º - No caso concreto, não só não se está perante uma diligência notoriamente irrelevante ou supérflua, como a mesma é absolutamente necessária para a clarificação da matéria de facto em causa.
21.º - Conforme se decidiu no douto Acórdão do STJ, datado de 10.02.2010 [6] a privação de produção de meios de prova necessários ou úteis à decisão da causa, que um dos sujeitos processuais tinha direito a aditar face aos elementos probatórios apresentados por outro sujeito processual oponente (a arguida), frustra o “due process of law”, a boa decisão da causa na apresentação e exame em audiência, de toda a prova relevante a ser submetida ao princípio do contraditório.
22.º - Ao julgar inútil para a boa decisão da causa a diligência requerida pelo Arguido, ora Recorrente, violou a douta decisão recorrida o disposto no artigo 340.º, n.ºs 1 e 4, al. a), do CPP.
23.º - De facto, ainda que reportada a 2008 (data anterior à constituição do Recorrente como Arguido e à autuação dos presentes autos, que só ocorreu em 8.10.2008), a rigorosa aferição do teor da conversa havida entre o Arguido e a Testemunha MF…, quanto à intenção do primeiro pagar ao Banco Insular o mútuo de que era beneficiário, é um facto penalmente relevante para a análise das intenções subjacentes à conduta imputada ao Arguido, e, assim, para a apreciação do elemento subjectivo do alegado crime de abuso de confiança.
24.º - Estando (como está) em causa um alegado crime de abuso de confiança, jamais a existência da intenção de pagar o mútuo (mesmo em data posterior à sua contracção mas anterior a qualquer constituição como Arguido ou à existência de um processo crime sobre o mesmo) poderá ser considerado um facto penalmente irrelevante para a boa decisão da causa!
25.º - É que, mesmo em 2008, a intenção de pagar ao Banco Insular (agora tida como cronologicamente irrelevante) é um facto evidentemente relevante, quer para a tentativa de determinação da vontade que existiria no momento da contracção do crédito, quer para o enquadramento dos factos e, a limite e sem conceder, no caso de condenação, para eventual atenuação da medida da pena (nos termos do artigo 71.º,  n.º 2, al. e), do Código Penal.
26.º - Efectivamente, em caso de condenação (que só por mera hipótese de raciocínio se concebe), uma das circunstâncias a ponderar pelo Tribunal para a determinação da eventual medida da pena é, evidentemente, a conduta que o Arguido assumiu (ainda antes de o ser ou de haver processo crime) quanto à dívida ao Banco Insular, pelo que, ao contrário do decidido, a diligência requerida é manifestamente relevante para a boa decisão da causa e diz respeito ao objecto do processo.
27.º - Assim, a decisão de que se recorre não é de manter, porquanto indefere o requerimento de prova apresentado pelo Arguido em violação do preceituado no artigo 340.º, n.ºs 1 e 4, do CPP.
28.º - Pelo que, deveria a requerida reinquirição da Testemunha MF… ter sido deferida, devendo ser revogada a douta decisão recorrida e ordenada a baixa dos autos ao Tribunal de 1.ª instância para que se proceda a essa diligência de prova.
29.º - Mais deverá ser decidido que a revogação da douta decisão recorrida invalida o acórdão final que venha a ser proferido e implica a continuação da audiência de julgamento, para produção daquela prova, seguindo-se os demais termos processuais.
NOTAS:
[5] Face ao teor dos documentos juntos ao requerimento dirigido aos presentes autos pela ali co-Arguida IC… em 9 de Setembro de 2015.
[6]Disponível em: http://www.dgsi.pt/jstj.nsf/954f0ce6ad9dd8b980256b5f003fa814/94930927fa0f4039802576e800434c41?OpenDocument

4. A fls. 56379 foi proferido despacho a admitir o recurso, com subida diferida, com o recurso da decisão que puser termo à causa, nos próprios autos e com efeito meramente devolutivo.

5. O Ministério Público respondeu ao recurso do arguido JO…, pugnando pela sua improcedência e extraindo das suas contra-alegações a seguinte conclusão (cfr. fls. 56.242 a 56.260):
Por tudo o que aqui se expõe e que está em total sintonia com o decidido pelo tribunal a quo, impõe-se entender a decisão recorrida como correctamente tomada, devendo a mesma ser mantida, indeferindo-se o presente recurso.

6. O arguido, no seu recurso, manifestou expressamente interesse na manutenção deste recurso interlocutório e na sua apreciação.

7. Apreciando.
No caso do recurso ora em apreço, tendo presentes as conclusões alinhadas pelo recorrente, a apreciação passará pela resposta às seguintes questões:
a. A decisão recorrida incorreu no vício de contradição entre os seus fundamentos (artigo 410.º, n.º 2, al. b), do CPP) ao admitir a junção das conversações telefónicas interceptadas, qualificando-as como relevantes para a descoberta da verdade, e, em simultâneo, considerar que a sua contextualização e explicação pela Testemunha MF… é irrelevante para essa mesma verdade?
b. A decisão recorrida violou o preceituado no artigo 340º do Código de Processo Penal, por rejeitar diligência com interesse para a descoberta da verdade e para a boa decisão da causa, não sendo notoriamente supérflua ou irrelevante?
                                                   
8. Vejamos.

a. Comecemos pelo invocado vício de contradição.

i. O recorrente argumenta que o Tribunal “a quo”, no despacho datado de 16.12.2015, referiu que o artigo 187.º do C.P.Penal só autoriza a utilização de escutas num outro processo crime “(…) na medida em elas se possam revelar como absolutamente indispensáveis para a descoberta da verdade material, (…)”, tendo reconhecido depois - na decisão recorrida - que aquelas conversas “poderão ter interesse para a descoberta da verdade material”.
Porém, o recorrente mostra-se incapaz de perceber “como é que, após o assim decidido, se pode afirmar (sobre as mesmíssimas conversas telefónicas) que “a requerida reinquirição da testemunha MF… no que concerne aos pontos que o arguido pretende ver abordados por não se ver importante para a descoberta da verdade material na medida em que não é a circunstância de em 2008 o arguido OC… alegadamente ter comunicado a MF… que ia pagar o mútuos de que era beneficiário no Banco Insular, pois essa eventual declaração nada adianta em relação à motivação à data que contraiu o mútuo (artº 340º, n.º 4, al. a) do CPP).”.
     A perplexidade do arguido é, pois, esta: “Não (…) compreende (…) que, por um lado, se considerem preenchidos os requisitos convocados pelo artigo 187.º, do CPP, da indispensabilidade das escutas transcritas que foram mandadas juntar aos autos (todas de 2008 e relativas ao mútuo “A 1”) e se afirme, em simultâneo, que tais conversas, por serem de 2008, não relevam para a descoberta da verdade material.”, argumentando que “admitir as conversas qualificando-as como relevantes para a descoberta da verdade e defender, em simultâneo, que a sua contextualização e explicação pela Testemunha MF… é irrelevante para essa mesma verdade, é manifestamente contraditório”.

ii. Cumpre, desde logo, desfazer um equívoco trazido aos autos pelo recorrente quando afirma que o Tribunal recorrido tomou decisões de sentido oposto “sobre as mesmíssimas conversas telefónicas”.
A decisão recorrida incidiu sobre diferentes meios de prova, não sobre os mesmíssimos meios de prova. Assim, deferiu a junção aos autos das escutas telefónicas referidas nas alíneas a) e b) do requerimento do arguido e, por outro lado, indeferiu a requerida reinquirição da testemunha MF….

iii. Não temos, pois, decisões de sentido oposto sobre o mesmíssimo substrato, mas sim decisões diferentes sobre meios de prova distintos (um documental, outro testemunhal).

iv. Desfeito este equívoco, cumpre, ainda assim, questionar se a coexistência daquelas decisões encerra o vício previsto no artigo 410º, nº 2, al. b), do Código de Processo Penal, como pretende o arguido.
Como se sabe, o vício surge quando, de acordo com um raciocínio lógico, se detecta nela uma irremediável contradição, que pode ocorrer entre os próprios fundamentos invocados ou, diversamente, entre a fundamentação e a decisão (surgindo no caso em que a fundamentação determina uma decisão oposta à que foi proferida).
Como se afirma no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 3 de Outubro de 2007, A contradição insanável da fundamentação, ou entre a fundamentação e a decisão, supõe que no texto da decisão, e sobre a mesma questão, constem posições antagónicas ou inconciliáveis, que se excluam mutuamente, ou não possam ser compreendidas simultaneamente dentro da perspectiva de lógica interna da decisão, tanto na coordenação possível dos factos e respectivas consequências, como nos pressupostos de uma solução de direito.

v. Facilmente se percebe que nenhuma daquelas contradições se encontra entre a admissão da prova documental integrada pelas intercepções telefónicas mencionadas e o indeferimento da requerida reinquirição da testemunha MM….
O Tribunal “a quo” deferiu a junção aos autos das escutas telefónicas referidas na alíneas a) e b) do requerimento do arguido apresentado a fls. 54028 a 54029, referindo que aquelas conversas “poderão ter interesse para a descoberta da verdade material”.
Tais conversas, cuja junção aos autos partiu, pois, de uma iniciativa da defesa, foram mantidas entre Ajo… e MM…, tendo o ora recorrente obtido certidão judicial do TCIC das respectivas transcrições e dos despachos que autorizaram e/ou prorrogaram as autorizações para as intercepções, bem como CD com o duplicado do registo áudio, e podem referir-se através das súmulas a que o próprio recorrente lançou mão:
a) Conversa telefónica do dia 26.08.2008 entre Ajo… e MF…, transcrita, por súmula, pelo Senhor Inspector Dr. PS… de seguinte forma: “M… questiona se a carta para o OC… foi enviada pelo Insular ao que A, D… diz que o Dr. M… não a enviou e que a carta tem que seguir porque ele antes era devedor e actualmente também o é… M… afirma «no Banco Insular nº 1». CD05B (1/3), citada a fls. 1364, do vol. 4, do processo de inquérito nº …/… (fls. 52771 dos autos), transcrita no doc. 7” e
b) Conversa telefónica do dia 27.08.2008 entre Ajo… e MF…, transcrita, por súmula, pelo Senhor Inspector Dr. PS… de seguinte forma: “(…) A. D… diz que tem a resposta do M…, sendo que não levantaram as cartas, porque viram A… que era do Banco Insular: «Caputo», «M…», «Scalatrum»… M… diz que almoçou com o OC… e que ele disse que pagava e que assumiu a posição de que é responsável pelo facto de ser presidente.”, CD05B (3/3), citada a fls. 1364, do vol. 4, do processo de inquérito nº …/… (fls. 52771 dos autos), transcrita no doc. 8”.

vi. Perante a posição da defesa de pretender utilizar tais meios de prova, acolheu o Tribunal “a quo” a relevância dos mesmos, por terem interesse para a descoberta da verdade material.
Como é óbvio, tal interesse, na perspectiva da defesa, decorre da circunstância de os meios de prova alegadamente permitirem a demonstração de que o arguido recorrente, perante terceira pessoa, afirmou a sua intenção de saldar a dívida referente ao mútuo relativo à conta “A1”. Mas, tal como refere o Ministério Público na sua resposta ao recurso, tal elemento probatório poderá relevar para se aferir da credibilidade das testemunhas MM… e Ajo…, designadamente quanto à revelação do conteúdo de conversas mantidas pela primeira com o arguido OC…, designadamente importantes no domínio da assumpção da dívida.

vii. O Tribunal “a quo” não se alongou na explanação das razões de eventual interesse daqueles meios probatórios para a descoberta da verdade, que admitiu. Daí não decorre que o Tribunal tenha desconsiderado todos os outros meios de prova relevantes sobre a matéria factual em causa ou que tenha aderido à visão da defesa sobre os factos.
O momento processual, como é evidente, não era o da formulação de juízos definitivos quanto à demonstração dos factos em causa, mas apenas o de admissão de elementos com interesse (mesmo que eventual, diremos nós) para essa formulação futura.

viii. Depois, o Tribunal “a quo” indeferiu a reinquirição da testemunha MF…, nos seguintes termos: Indefere-se a requerida reinquirição da testemunha MF… no que concerne aos pontos que o arguido pretende ver abordados por não se ver importante para a descoberta da verdade material na medida em que não é a circunstância de em 2008 o arguido OC… alegadamente ter comunicado a MF… que ia pagar o mútuos de que era beneficiário no Banco Insular, pois essa eventual declaração nada adianta em relação à motivação à data que contraiu o mútuo (artº 340º, n.º 4, al. a) do CPP).”.
Esta formulação do despacho confundiu a defesa, levando-a a afirmar que o Tribunal estava a desdizer a relevância que tinha acabado de reconhecer ao meio de prova obtido por intercepções telefónicas.
Mas não se tratou disso, nem isso resulta do teor da decisão recorrida.
O Tribunal “a quo” indeferiu a diligência de reinquirição da testemunha MF… no que concerne aos pontos que o arguido pretendia ver abordados, i. e. “a fim de ser confrontada com o teor da escuta telefónica em causa com o objectivo de este relatar em Audiência de Julgamento a conversa que terá tido com o Arguido, ora Requerente, aquando do almoço com o mesmo, alegadamente ocorrido em data anterior a 27.08.2008 e em que o Arguido lhe terá afirmado que “pagava”, reportando-se aquela conversa ao mútuo relativo à «A1»”.
E indeferiu tal reinquirição por não vislumbrar qualquer relevância da mesma para a descoberta da verdade material, avançando-se, desde logo, que a circunstância de em 2008 o arguido OC… alegadamente ter comunicado a MF… que ia pagar o mútuo de que era beneficiário no Banco Insular nada adianta em relação à motivação do arguido à data que contraiu o mútuo.

ix. Com esta formulação, o indeferimento da diligência de reinquirição da testemunha mostra-se assente em fundamentação específica que, não versando sobre a questão decidida através do deferimento da junção das intercepções telefónicas certificadas, não introduz na economia da decisão posições antagónicas ou inconciliáveis, que se excluam mutuamente, ou não possam ser compreendidas simultaneamente dentro da perspectiva de lógica interna da decisão.
Para assim se considerar basta, aliás, fazer o raciocínio linear que o Ministério Público mencionou na sua resposta ao recurso. Nada há de contraditório em deferir a junção das escutas e indeferir a reinquirição da testemunha, desde logo porque para prova do facto de ter ocorrido a conversa interceptada, não há necessidade de reinquirir MM…. Tal diligência redundaria numa inutilidade, na medida em que consistiria em perguntar a esta testemunha se disse aquilo que consta, já, da transcrição da intercepção telefónica da chamada em que foi interveniente. Se sim ou não MM… disse que havia almoçado com JO… e que este lhe disse que “pagava”, existe já suficiente elemento probatório, pelo que se revela evidentemente irrelevante, mais, completamente supérflua a diligência pretendida pelo ora recorrente..

x. Nesta perspectiva, admitida a junção aos autos de elementos de prova do facto “conversa mantida entre MF… e OC…” (a documentação da intercepção telefónica dessa conversação), o Tribunal “a quo” decidiu, outrossim, indeferir a requerida produção de ulterior prova testemunhal, oferecida não como prova sobre factos, mas como prova sobre um meio de prova.
Nenhuma posição antagónica ou inconciliável se vislumbra.

xi. E assim deve continuar a entender-se, mesmo perante o fundamento específico avançado pelo Tribunal “a quo” para indeferir a reinquirição com base no preceituado no artigo 340º, nº 4, al. a), do C.P.Penal.
Não podemos esquecer que, na pronúncia, vinha imputada ao arguido, desde o início, a intenção de apropriação, sendo nesse enquadramento que releva a afirmação de que “a circunstância de em 2008 o arguido OC… alegadamente ter comunicado a MF… que ia pagar o mútuos de que era beneficiário no Banco Insular nada adianta em relação à motivação do arguido à data que contraiu o mútuo”.

xii. Mas saber se a decisão recorrida violou o preceituado no artigo 340º do Código de Processo Penal, por rejeitar diligência com interesse para a descoberta da verdade e para a boa decisão da causa, não sendo notoriamente supérflua ou irrelevante, constitui já uma questão distinta da que nos ocupamos em primeira linha.
E quanto a essa primeira questão, supra enunciada, podemos com segurança concluir que a decisão recorrida não incorreu no vício de contradição entre os seus fundamentos (artigo 410.º, n.º 2, al. b), do C.P.Penal) ao admitir a junção das conversações telefónicas interceptadas e, em simultâneo, indeferir a reinquirição da testemunha MF….

b. Afastada a ocorrência do vício arguido, vejamos a segunda questão.
 
i. O recorrente entende que a diligência de reinquirição da testemunha MF… não é notoriamente irrelevante ou supérflua, mas, pelo contrário, é “absolutamente necessária para a clarificação da matéria de facto em causa”.
E entende assim, argumentando que:
(…) ainda que em 2008 (em data anterior à constituição do Recorrente como Arguido e à autuação dos presentes autos de 8.10.2008), a rigorosa aferição do teor da conversa havida entre o Arguido e a Testemunha MF…, quanto à intenção do primeiro pagar ao Banco Insular o mútuo de que era beneficiário, é manifestamente relevante para a análise das intenções subjacentes à conduta imputada ao mesmo, e, assim, para a apreciação do elemento subjectivo do alegado crime de abuso de confiança. (…)
Estando (como está) em causa um alegado crime de abuso de confiança, jamais a existência de intenção de pagar o mútuo (mesmo em data posterior à sua contracção mas anterior a qualquer constituição como Arguido ou à existência de um processo crime sobre o mesmo) poderá ser considerado um facto irrelevante para a boa decisão da causa!
É que, mesmo em 2008, a intenção de pagar ao Banco Insular (agora tida como cronologicamente irrelevante) é um facto com relevância penal óbvia, quer para a tentativa de determinação da vontade que existiria no momento da contracção do crédito, quer para o enquadramento dos factos e, a limite e sem conceder, em caso de condenação, para eventual atenuação da medida da pena.

ii. Não lhe assiste razão.
Na lógica da pronúncia a consumação do imputado crime de abuso de confiança ocorreu em data muito anterior a 2008. Tal consumação, como é sabido, ocorre no momento da “apropriação” e não se exclui mesmo quando, em momento posterior a ela, o agente do crime repara integralmente o prejuízo causado (e menos ainda quando o agente apenas propala a intenção de efectuar tal reparação).
Mesmo quando considerados os parâmetros do artigo 71º do Código Penal, a falta de razão do recorrente é manifesta.
Estabelece tal artigo, sob a epígrafe “determinação da medida da pena”:
1 - A determinação da medida da pena, dentro dos limites definidos na lei, é feita em função da culpa do agente e das exigências de prevenção.
2 - Na determinação concreta da pena o tribunal atende a todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, depuserem a favor do agente ou contra ele, considerando, nomeadamente:
a) O grau de ilicitude do facto, o modo de execução deste e a gravidade das suas consequências, bem como o grau de violação dos deveres impostos ao agente;
b) A intensidade do dolo ou da negligência;
c) Os sentimentos manifestados no cometimento do crime e os fins ou motivos que o determinaram;
d) As condições pessoais do agente e a sua situação económica;
e) A conduta anterior ao facto e a posterior a este, especialmente quando esta seja destinada a reparar as consequências do crime;
f) A falta de preparação para manter uma conduta lícita, manifestada no facto, quando essa falta deva ser censurada através da aplicação da pena.
3 - Na sentença são expressamente referidos os fundamentos da medida da pena.

iii. Note-se que o Tribunal “a quo” não indeferiu qualquer meio de prova destinado à demonstração de que o arguido reparara as consequências do crime ou, ao menos, empreendera determinada conduta destinada a efectuar tal reparação.
Do que tratava era da produção de meio de prova que o arguido reputa necessário a demonstrar que, perante terceira pessoa, afirmou a sua intenção de pagar.
Ora isso não integra uma “conduta (…) destinada a reparar as consequências do crime”.

iv. Se alguma relevância se poderia atribuir ao propalar de tal intenção, sempre seria a de a mesma implicar, necessariamente, a assumpção da dívida perante terceiros.
Mas desse facto - até pela admitida junção da certificação das intercepções telefónicas - encontra-se já reunida prova nos autos, trazida por outros meios que, com suficiência, tornam desnecessária mais produção de prova, fastidiosa e redundante.
Esse foi o entendimento do Tribunal “a quo” quando considerou que a reinquirição não era relevante para a descoberta da verdade. E bem andou o Tribunal ao indeferir a reinquirição por considerar que da mesma jamais resultaria qualquer esclarecimento quanto à motivação do arguido “à data que contraiu o mútuo”. E, de igual modo, quando entendeu que a mera putativa afirmação de intenção de pagar não constituiria, por si mesma, factualidade com relevo para efeitos de dosimetria da pena, por não consubstanciar qualquer acto de efectiva reparação.
Imperioso é, pois, concluir, que o indeferimento do requerimento de prova apresentado pelo arguido não violou o disposto no artigo 340º, nrs. 1 e 4, do Código de Processo Penal, sendo improcedente o recurso.
21º (segmento do despacho de fls. 54.713 vº) Recurso interposto pelo arguido lc…, do despacho de fls. 54.713vº, que, apreciando o teor do requerimento apresentado a fls. 54.636 a 54.640, entendeu que as considerações do arguido, ora recorrente, em nada colocam em causa o decidido a fls. 53.628 a 53.632 e a fls. 53.632 a 53.636 e, consequentemente, manteve aqueles despachos nos seus precisos termos.

1. Por referência aos requerimentos do arguido JO… de fls. 53053 a 53065 e 53066 a 53097 (ambos indeferidos por despacho proferido em 16 de Dezembro de 2015, a fls. 53622 a 53650), constatando-se que se reportavam a matéria de que também estava pronunciado o arguido LC…, foi determinada, por despacho de fls. 53968 e 53969, datado de 11 de Março de 2016, a notificação deste último arguido do teor daqueles requerimentos, para se pronunciar no prazo de dez dias.

2. Veio então, em 5 de Abril de 2016, o arguido LC… apresentar o requerimento de fls. 54636 a 54640, no qual pugnou pelo deferimento das pretensões vertidas naqueles requerimentos do co-arguido JO…. 

3. Em face deste último requerimento, na sessão de audiência de julgamento do dia 26 de Abril de 2016, o Juiz Presidente do Tribunal Colectivo, proferiu o seguinte despacho:
Requerimento de fls. 54636 a 54640 do arguido LC… na sequência do contraditório que lhe foi facultado a propósito dos requerimentos do arguido OC… de fls. 53053 a 53065 e 53066 a 53097:
As considerações vertidas pelo arguido LC… em nada colocam em causa o teor dos despachos anteriormente proferidos no seu conteúdo, alcance e decisão, designadamente os despachos de fls. 53628 a 53632 e 53632 a 53636.
Em conformidade com o ora exposto, mantêm-se aqueles despachos nos seus precisos termos.[113]

4. Notificado e inconformado com o teor da decisão, o arguido LC… veio, em 1 de Junho de 2016, a fls. 56171 e segs. interpor recurso[114], pugnando por que seja revogada a decisão recorrida, anulando-se toda a tramitação posterior à mesma cuja manutenção seja incompatível com a revogação da mesma.

5. O arguido LC… extraiu da sua motivação (cf. fls. 56199 e segs.) as seguintes conclusões (encontrando-se reproduzidas por alíneas, com a originária indicação, que aqui se inicia na letra V, por ser este o segundo “segmento recursório”):
V) A Decisão recorrida, confirmando e mantendo anteriores Despachos, apresenta um duplo fundamento, a saber: (i) a “circunstância de não se nos afigurar necessário à descoberta da verdade e à boa decisão da causa e” (ii) “de a diligência probatória requerida se apresentar como irrelevante e supérflua face à prova documental e testemunhal constante e produzida nos autos (art. 340º, n.ºs 1 e 4, al. a) do C.P.P.);”
W) A diligência a que o ora Recorrente aderiu não é irrelevante ou supérflua para a boa decisão da causa, sendo outrossim essencial aferir daquela evolução.
X) Existe, de facto, incongruência nos valores constantes de várias listagens do processo.
Y) Uma análise de elementos dos autos, supra indicados, permite destrinçar diferenças substanciais que foram, de resto, “confirmadas” pelos elementos juntos pela testemunha FLi….
Z) Numa análise do documento junto no Apenso Temático R (Processo BdP), Volume XL (40), fls. 9495 a 9497, reportado ao crédito em vigor em 30/06/2008, verifica-se forte discrepância entre os valores atribuídos às sociedades – v. quadro apresentado em sede de Motivações.
AA) A diferença ascende assim a € 191.270.552,27 sem que se compreendam as razões para o efeito.
BB) A Assistente GALILEI refere que algumas das sociedades referenciadas no artigo 215º da pronúncia têm activos: participações sociais em sociedades de direito português.
CC) Se assim for numa análise efectuada sobre a respectiva concessão de crédito, é mister verificar se o crédito foi utilizado (ou não) na aquisição de algun(s) bem(s) e em caso afirmativo qual o respectivo valor.
DD) A concessão de crédito, por si só, nada tem de ilícito sendo certo que o Arguido nada teve a ver com a mesma e/ou com qualquer transferência (ou decisão) de o conceder “fora do balanço” do Banco Insular.
EE) Acresce ainda que o Arguido desconhece por completo – sem ter qualquer possibilidade de conhecer – quais os momentos em que os créditos foram concedidos e o que justifica a forte discrepância de valores dos mesmos entre o art.º 215º e os quadros do art.º 210º.
FF) Desconhece ainda o Arguido a razão pela qual determinados créditos “passam a zero” e qual a decisão (ou decisões) que justifica a discrepância de valores que se referiu.
GG) O que foi requerido torna-se necessário para a clarificação da matéria de facto em causa face à discrepância entre as provas já recolhidas para os autos.
HH) Violou, assim, a Decisão recorrida, o artigo 340º, n.ºs 1 e 4, alínea a), do CPP.
II) Estando (como está) em apreciação nestes autos também o julgamento por um crime de falsificação, jamais a redução do volume de crédito concedido pelo balcão “fora de balanço” (leia-se, não contabilizado) do Banco Insular poderá ser considerado um facto irrelevante para a boa decisão da causa, mesmo considerando que a redução do balanço não venha alegada na pronúncia ou na contestação!
JJ) A redução do volume de crédito concedido pelo Banco Insular é uma circunstância relevante, desde logo, para o enquadramento dos factos e, a limite e sem conceder, nos casos de condenação, para eventual atenuação da medida da pena.
KK) Tal diminuição, se provada, evidenciará objectivamente que, a partir de determinado momento, existiu um esforço (necessariamente subjectivo) para a regularização da contabilização do crédito concedido pelo Banco Insular, isto é, uma redução do volume de crédito não contabilizado (“fora do balanço”).
LL) A decisão recorrida violou igualmente o artigo 71º do Código Penal e em particular o seu nº 2 e as alíneas c) e e) desse mesmo número.
MM) Deve o despacho recorrido ser revogado ordenando-se ao Tribunal recorrido que o substitua por outro que ordene a notificação do Assistente BIC, SA para juntar “aos autos o(s) documento(s) de onde se extraia, de forma clara, o volume do crédito concedido através do Banco Insular em 31 de Dezembro de cada ano, desde 2001 até 2008, com discriminação do valor relativo ao balcão «dentro» e «fora de balanço», especificando ainda o volume de crédito concedido pelos dois balcões à data de 30.6.2008, por ser a data considerada no artigo 218º da pronúncia”.
NN) Interessa ao bom julgamento do objecto do processo apurar se a concessão de crédito concedido através do Banco Insular e, designadamente, através do balcão “fora do balanço”, se traduziu nalgum prejuízo efectivo para esta instituição, para o BPN Cayman e ou BPN IFI (instituições que a pronúncia refere que suportariam o funding ao BI) e ou para o BPN, SA” (arts. 183º e 187º e 188º da pronúncia).
OO) O facto de o contrato de dação em pagamento “pro soluto”, celebrado em 13 de Março de 2009 entre o BPN SA e o BI não incluir os créditos concedidos a muitas entidades que constam dos artigos 215º e 217º da Pronúncia, bem como o volume de créditos cedidos ascender a um valor diverso do que se refere nos artigos 215.º, 217.º e 218.º (cfr. ponto 2 do requerimento do Arguido OC…) é da máxima relevância devendo merecer a atenção do tribunal e a necessidade de apurar – com todo o rigor – se não existem uns números apenas para constar do processo e outros – diversos – que reflectem, afinal, uma outra realidade.
PP) No contexto da pronúncia, a alegação de que um determinado crédito não foi pago abrange ou admite – considerando um sentido interpretativo normal – a invocação implícita de um prejuízo, ainda que potencial, de quem empresta, perda potencial esta que, em termos bancários, é normalmente denominada por “imparidade”.
QQ) Cabe no objecto do processo a demonstração de que a entidade que concedeu o financiamento (o Banco Insular) e aquelas que, por sua vez, financiaram a primeira, não sofreram, nem poderão vir a sofrer, qualquer perda/prejuízo efectivo decorrente daqueles financiamentos.
RR) Sendo “a gravidade das (…) consequências” do ilícito uma das circunstâncias a ponderar pelo Tribunal (em hipótese de condenação) para a determinação da medida da pena, é evidente que a existência de prejuízo patrimonial para o Banco Insular, BPN, SA, BPN-IFI e BPN Cayman (decorrente do financiamento ao primeiro) é, ao contrário do decidido, relevante para a boa decisão da causa e diz respeito ao objecto do processo.
SS) Se uma instituição financeira cede um ou mais créditos emergentes de uma, ou mais, operações financeiras, a uma entidade terceira, pelo valor de capital e juros, essa instituição não sofre qualquer prejuízo com a concessão de crédito que anteriormente efectuou, pela simples razão de que recuperou o capital mutuado, acrescido da respectiva remuneração.
TT) O Tribunal a quo, que agora não “descortina” a relevância dos contratos de cessão de crédito originariamente concedidos pelo Banco Insular e ao Banco Insular, escreveu já no douto despacho de fls. 45.706, datado de 22 de Abril 2014, neste segmento há muito transitado em julgado, que a pertinência na junção de tal documento está elencada na fundamentação apresentada pelo arguido e a que supra se fez referência, fundamentação essa que, face à criminalidade que é imputada ao mesmo – e a outros – na pronúncia, assume inteira pertinência, essencialmente no âmbito dos factos de 212º a 220º.
UU) O Tribunal a quo não podia deixar de analisar a relevância da diligência requerida a pretexto de não a “descortinar”, quando, por despacho já transitado, o mesmo Tribunal reconheceu já de forma expressa, ordenando diligência de prova similar à ora requerida, com referência a um contrato celebrado com a Parvalorem, SA.
VV) Os poderes-deveres que a lei atribui ao Tribunal em processo penal obrigam-no mesmo, face à verificação da relevância jurídica de um facto para a boa decisão da causa, a determinar e ordenar a diligência probatória que melhor se adeque à sua prova.
WW) Ao julgar irrelevantes, supérfluas e inadequadas para a descoberta da verdade e boa decisão da causa as diligências probatórias requeridas pelo Arguido, ora Recorrente, violou a douta decisão recorrida o disposto no artigo 340.º, n.ºs 1 e 4, alíneas a) e b), do CPP.
XX) Por outro lado, ao ordenar como ordenou, o desentranhamento dos dois contratos de cessão de créditos (de fls. 53.078 a fls. 53.097) cuja junção aos autos foi requerida pelo Arguido OC…, após ter reconhecido a relevância jurídica de contratos de dação de créditos à Parvalorem, S.A. (originariamente concedidos pelo Banco Insular) por douto despacho de 22.04.2014, violou a douta decisão recorrida o disposto no artigo 340.º, n.ºs 1 e 4, als. a) e b), do CPP, adoptando uma posição diametralmente oposta daquela que fez plasmar no douto despacho de 22.04.2014 (nesta parte transitado em julgado) quanto à mesma questão jurídica.
Acresce, por fim, o seguinte:
YY) O legislador quis reservar ao Presidente do Tribunal de julgamento e competência para a prática de actos essencialmente gestionários da tramitação do processo – v.g. os descritos no artigo 323º do CPP e no artigo 135.º, n.º 2, da Lei de Organização do Sistema Judiciário.
ZZ) Os actos processuais que imbricam em potenciais ingerências em direitos fundamentais do Arguido, por razões de princípio, são legalmente acometidos ao Tribunal Colectivo, e não apenas ao Magistrado que o preside.
AAA) A jurisprudência dos nossos Tribunais Superiores é pacífica nesse sentido.
BBB) Resulta de modo suficientemente claro da leitura da douta Decisão recorrida que a mesma foi tomada, única e exclusivamente, pela Mmo. Juiz que preside o Tribunal Colectivo afecto ao julgamento dos presentes autos.
CCC) Tal acto encontra-se, por isso, inquinado pelo vício de nulidade insanável, previsto no artigo 119.º, alínea e), do CPP, na medida em que foi violada a regra de competência que atribui ao Tribunal Colectivo – e não apenas ao seu Presidente – a competência para, nos termos do art.º 340.º, ordenar a produção dos meios de prova.
DDD) Por fim, é materialmente inconstitucional, por violação dos direitos de defesa do Arguido, do princípio do juiz natural e do princípio da legalidade, a interpretação da norma resultante dos artigos 14.º, 323.º e 340.º, do CPP, realizada pelo Tribunal recorrido, no sentido de ser permitido ao Juiz Presidente, em processos cujo julgamento é legalmente acometido ao Tribunal Colectivo, decidir singularmente sobre requerimentos complementares de prova apresentados pelo Arguido.
    
6. Foi proferido despacho a admitir o recurso, com subida diferida, com o recurso da decisão que puser termo à causa, nos próprios autos e com efeito meramente devolutivo.

7. O Ministério Público respondeu ao recurso do arguido LC…, pugnando pela sua improcedência e extraindo das suas contra-alegações a seguinte conclusão (cfr. fls. 56652):
Por tudo o que aqui se expõe e que está em total sintonia com o decidido pelo tribunal a quo, impõe-se entender as decisões recorridas como correctamente tomadas, devendo as mesmas ser mantidas, indeferindo-se o presente recurso.

8. O arguido, no seu recurso, manifestou expressamente interesse na manutenção deste recurso interlocutório e na sua apreciação.

9. Apreciando.
No caso do recurso ora em apreço, tendo presentes as conclusões alinhadas pelo recorrente, a apreciação mostra-se em grande medida facilitada pela prévia apreciação do recurso interposto pelo co-arguido JO… das decisões proferidas a fls. 53.628 a 53.632 e a fls. 53.632 a 53.636.

i. Se, como anotou o Tribunal a quo, as considerações vertidas pelo arguido LC… no seu requerimento de fls. 54636 a 54640 em nada colocam em causa o teor dos despachos anteriormente proferidos no seu conteúdo, alcance e decisão, designadamente os despachos de fls. 53628 a 53632 e 53632 a 53636, diremos agora nós que as conclusões extraídas das respectivas alegações de recurso não implicam, em grande medida, mais do que a revisitação das questões já supra apreciadas naqueloutro recurso, designadamente:
- a de saber se a decisão de indeferimento do requerimento do arguido para que fosse ordenada a notificação do BIC, S.A., para junção aos autos de documentos comprovativos da evolução do crédito dos dois balcões do Banco Insular entre 31 de Dezembro de 2001 e 2008, especificando ainda o volume do crédito dos mesmos em 30.06.2008, viola o preceituado no artigo 340º do Código de Processo Penal, por rejeitar diligência com interesse para a descoberta da verdade e para a boa decisão da causa, não sendo notoriamente supérflua ou irrelevante;
- a de saber se a decisão de indeferimento do requerimento do arguido para que fosse ordenada a notificação do BIC, S.A., para juntar aos autos documentos comprovativos das sucessivas cessões de créditos concedidos pelos dois balcões do Banco Insular e, por outro lado, se procedesse à junção aos autos de dois contratos de cessão de crédito oferecidos pelo arguido OC…, viola o preceituado no artigo 340º do Código de Processo Penal, por rejeitar diligências e elementos probatórios com interesse para a descoberta da verdade e para a boa decisão da causa, não sendo notoriamente supérflua ou irrelevante.

ii. A originalidade do presente recurso radica na apreciação da questão que surge vertida nas conclusões YY) a DDD), ou seja, a de saber se ocorreu nulidade insanável consistente em ter a decisão de fls. 54.713vº sido tomada pelo Juiz Presidente do Tribunal Colectivo, estando a competência para o efeito reservada ao Colectivo de Juízes, preenchendo-se, assim, a previsão do artigo 119.º, alínea e), do CPP e, pelo prisma da conformidade à Constituição, saber se é materialmente inconstitucional, por violação dos direitos de defesa do Arguido, do princípio do juiz natural e do princípio da legalidade, a interpretação da norma resultante dos artigos 14.º, 323.º e 340.º, do C.P.Penal, realizada pelo Tribunal recorrido, no sentido de ser permitido ao Juiz Presidente, em processos cujo julgamento compete ao Tribunal Colectivo, decidir singularmente sobre requerimentos complementares de prova apresentados pelo arguido.
 
10. Vejamos.

i. Mais uma vez relembramos que o artigo 340º do Código de Processo Penal consagra um verdadeiro poder-dever do Tribunal, orientado para a descoberta da verdade e para a boa decisão da causa (veja-se o que supra já se citou do Acórdão do Tribunal Constitucional nº 137/2002[115], que aqui nos escusamos de repetir).
Se é com toda a amplitude que se admite a possibilidade de introdução nos autos de novos meios de prova, mesmo após preclusão do prazo normal para a apresentação dos meios probatórios, importa, uma vez mais, lembrar que tal possibilidade não é absoluta, tendo antes os seus contornos marcados pela necessidade (para a descoberta da verdade material e/ou para a boa decisão da causa) e pela proibição da prática de actos irrelevantes, supérfluos, inadequados, estéreis e/ou meramente dilatórios.
Assim, ultrapassado o limiar constituído pelo termo final do prazo para apresentação dos meios de prova, qualquer requerimento para junção de documentos aos autos deverá ser cuidadosamente apreciado de acordo com tais parâmetros, não bastando para o deferimento que o documento diga respeito às circunstâncias do caso.
 
ii. Entende o recorrente LC… que o Tribunal “a quo” violou o disposto no artigo 340º do C.P.Penal, ao indeferir o requerimento relativo aos pretendidos documentos alegadamente comprovativos da evolução do crédito dos dois balcões do Banco Insular entre 31 de Dezembro de 2001 e 2008 e do volume do crédito dos mesmos em 30.06.2008.
Tal documentação, afirma o recorrente, teria vantagens clarificadoras.
Lembramos aqui que já o co-arguido OC… pretendia obter nos autos documentação que, estando na disponibilidade da assistente BIC, S.A., permitiria extrair, “de forma clara, o volume de crédito concedido através do Banco Insular em 31 de Dezembro de cada ano, desde 2001 até 2008, com discriminação do valor relativo ao balcão “dentro” e “fora de balanço”, especificando ainda o volume de crédito concedido pelos dois balcões à data de 30.06.2008, por ser a data considerada no artigo 218º da pronúncia”.
Considera também o arguido ora recorrente que existe nos autos documentação incongruente, sendo o requerido necessário para “a clarificação da matéria de facto em causa face à discrepância entre as provas já recolhidas para os autos”.

iii. Como já antes dissemos, o Tribunal a quo indeferiu o requerimento do arguido OC… por entender que “dos autos constam elementos suficientes e bastantes em ordem a que o Tribunal possa aquilatar do teor daquela factualidade” e que, por isso, o requerido não se afigurava necessário à boa decisão da causa, sendo a diligência requerida irrelevante e supérflua face à prova documental e testemunhal reunida nos autos.

iv. Seguindo o rumo já trilhado, considerou o Tribunal a quo que tais conclusões se mantinham perante a repetida argumentação do arguido LC….
O único argumento vertido nas conclusões do recurso do arguido LC… que impugnou tal decisão de indeferimento é o de que os elementos probatórios recolhidos revelam grandes incongruências, sendo que “(…) o Arguido desconhece por completo – sem ter qualquer possibilidade de conhecer – quais os momentos em que os créditos foram concedidos e o que justifica a forte discrepância de valores dos mesmos entre o art.º 215º e os quadros do art.º 210º”.

v. Sem qualquer originalidade em face da já apreciada pretensão do co-arguido OC…, é nessa discrepância entre os meios de prova reunidos que encontra o recorrente LC… o fundamento da relevância da diligência insistentemente requerida - a clarificação da matéria de facto em causa, face à discrepância entre as provas já recolhidas.
E, uma vez mais, é nessa argumentação que assenta a invocação de violação do disposto no artigo 340º, nº 1, do Código de Processo Penal, fazendo corresponder à decisão recorrida o efeito de privação de produção de meios de prova necessários ou úteis à decisão da causa.

vi. Porque a isto se reconduz a argumentação do recorrente, mais uma vez afirmaremos que não se pode discordar do juízo de desnecessidade que o Tribunal a quo fez recair sobre a diligência pretendida.
Veja-se, uma vez mais, que o Tribunal considerou:
Dos autos consta o “CD 13” através do qual se tem acesso a todas as contas bancárias, no banco insular, das sociedades identificadas nos arts. 215º e 217º da pronúncia, quer as do “balcão 1” quer as do balcão 2, alegada e respectivamente, “dentro e fora do balanço”.
Uma análise cuidada e exaustiva dessas contas permitirá aferir, com precisão, o volume do crédito concedido através daquele banco em 31.12. de cada ano, de 2001 a 2008, com discriminação do valor relativo ao balcão “dentro” e “fora do balanço”, bem como o volume de crédito concedido pelos dois balcões à data de 30.6.2008.

vii. E repetimos - o que o Tribunal a quo quis significar foi, obviamente, que à disposição do Tribunal e dos sujeitos processuais estavam já todos os elementos documentais cuja análise permitiria chegar à verdade dos factos vertidos na pronúncia quanto ao referido “volume de crédito”. Essa análise, baseada no confronto e exame dos movimentos extractados em cada uma das contas, constitui meio adequado, suficiente e bastante para se chegar aos factos em causa.
Sempre, e uma vez mais, sem prejuízo de o Tribunal ter chamado a atenção para os outros elementos de prova que, para além dos documentos respeitantes a cada conta, se encontravam já à disposição - Outros elementos probatórios constantes dos autos permitirão extrair as devidas ilações quanto ao pretendido pelo arguido, designadamente:
1) Informação do OPC, PS…, com análise das transacções realizadas fora do balanço do BI (vol. 18, fls. 7436 a 7444 dos autos principais);
2) Informação do OPC, PS…, como movimentos a débito em c/c/c/ abertas no alegado balcão “fora do balanço” (vol. 18 dos autos principais, fls. 7536 a 7543, anexo 4);
3) Ficheiro que contém todo o crédito alegadamente concedido pelo Banco Insular sob a forma de c/c/c (v. apenso 33 – 11\CD DADOS 1|B 02.04.2009\Insular MOV 0132-CCC;
4) Cálculos do crédito global, contas correntes caucionadas e descoberto à ordem, eventualmente concedido no chamado “balcão virtual” do BI feitos pela testemunha Ajo… no âmbito do depoimento que prestou e que consta dos autos principais (vol. 118, fls. 35167 a 35169).

viii. A existência de discrepâncias entre vários meios de prova não deve nem pode impressionar. O Tribunal exercerá o seu múnus de livre apreciação da prova, que não corresponde a mera absorção acrítica das “mensagens” transmitidas por cada meio de prova.
Parece ser, uma vez mais, o receio de incapacidade do tribunal para formar a sua convicção que leva o arguido a repetir, agora em seu nome, o requerimento probatório em análise. Como fizera o co-arguido OC…, funda a necessidade da diligência requerida na circunstância de se constatarem discrepâncias entre meios de prova. Mais uma vez se dirá que nenhuma razão lhe assiste para querer aportar ao processo elementos probatórios redundantes, com o único propósito de clarificar aquilo que lhe parece de mais difícil apreensão, pelo simples facto de existirem elementos de prova que apontam em sentidos diferentes.

ix. Como já antes se disse, a coexistência de meios de prova que apontam para duas ou mais versões, mesmo que opostas e contraditórias, sobre os factos da causa é uma normalidade típica dos processos judiciais, que não deverá espantar ou perturbar - aos tribunais compete, naturalmente, tomar opções, fazendo o devido juízo crítico de análise da prova e expondo o caminho percorrido para chegar à sua convicção. Foi isso que o Tribunal a quo afirmou estar em condições de realizar, sem necessidade de nova documentação de carácter “clarificador” dos elementos já reunidos no processo.

x. E esta afirmação, feita antes e mantida na decisão recorrida, não se mostra abalada pelas conclusões do recurso. Uma vez mais, também na apreciação deste recurso, e como afirmado na decisão mantida pelo despacho recorrido, se deve concluir que também o arguido LC… não só não especificou qual a documentação pretendida, como não demonstrou minimamente a necessidade dessa nova documentação, jamais indicando que elementos novos aportaria aos autos para além dos que neles já haviam sido adquiridos, nomeadamente na parte que a si lhe importa, isto é, no que concerne à sua imputada actuação (quer para efeitos de integração dos elementos do crime, quer para efeitos de mera dosimetria da pena).

xi. Repetimos - porque não cabe, nestes autos, realizar uma auditoria aos volumes de crédito concedidos pelo Banco Insular, a inexistência de um documento único englobador da evolução de crédito, tendo em atenção a factualidade que aqui cumpre apurar, mostra-se desnecessário para a boa decisão da causa, desde logo e como assinalou o Tribunal a quo, face aos restantes elementos probatórios existentes nos autos.
Desta forma e neste particular aspecto, sem necessidade de ulteriores considerações, se conclui pelo acerto da decisão recorrida.
 
11. Avancemos, então, para a segunda questão a apreciar.
O arguido LC… exarou no seu requerimento de fls. 54636 a 54640, para depois repetir na motivação de recurso a fls. 56186, que O ora recorrente concorda com os argumentos expendidos pelo arguido OC… no seu requerimento de fls. 53.066 a 53.097 cujos teor aqui se dá por reproduzido.

i. Pretendeu, pois, o arguido LC… ressuscitar o requerimento de notificação da assistente BIC, S.A. para juntar aos autos:
- (i) cópia de todos os contratos de dação em pagamento ou cessão de créditos que não se achem nos autos, e ou cessão de créditos que o BPN, S.A., o BPN IFI e ou o BPN Cayman tenham celebrado entre si ou com o Banco Insular relativamente aos créditos concedidos através do balcão 1 e 2;
- (ii) cópia de todos os contratos de dação em pagamento, e ou cessão de créditos que o BPN, S.A., o BPN, IFI e ou BPN Cayman tenham celebrado entre si relativamente ao crédito (interbancário) concedido através das contas correspondentes (contas “nostro”) ao Banco Insular;
- (iii) subsidiariamente, na falta de contrato, “deliberação do Conselho de Administração, ou o instrumento jurídico que tenha decidido, ou suportado, a integração do valor remanescente do balanço do Banco Insular no balanço daqueles bancos, informando ainda a data de tal integração e se foi, ou não, realizada pelo valor do capital e juros;
bem como o requerimento de notificação da assistente BIC, S.A. para:
- (iv) informar se, na sequência das diversas cessões de créditos celebradas, se verificou na contabilidade do BPN, S.A., do BPN IFI ou do BPN Cayman algum prejuízo decorrente da aquisição/integração dos créditos concedidos pelo Banco Insular; e para (v) juntar aos autos cópia do contrato de cessão de créditos pelo BPN, S.A. à Parvalorem, S.A. (…);
e, finalmente, o requerimento:
- (vi) para junção aos autos dos dois contratos de cessão celebrados entre BPN Cayma e BPN IFI e o BPN, S.A., datados de 13.03.2009.

ii. O requerimento apresentado pelo co-arguido JO… (que consta de fls. 53066 a 53077), foi indeferido, in totum. A argumentação vertida no requerimento do arguido LC… limitou-se à plena adesão e renovação dos argumentos já expendidos pelo co-arguido.

iii. Este Tribunal ad quem já apreciou o recurso interposto da decisão de indeferimento do requerimento apresentado pelo arguido OC… e, nessa sede, concluiu pelo acerto da decisão recorrida.
Nada de novo havendo a discutir, perante o teor das conclusões do recurso apresentado pelo arguido LC…, importa, agora, concluir pelo acerto da decisão que manteve o despacho de fls. 53632 a 53636.

12. O recorrente LC… pretende a junção aos autos de documentos relativos a dações em pagamento e cessões de créditos para provar que nenhuma das instituições financeiras referidas na pronúncia como tendo estado directa, ou indirectamente, ligadas à concessão de crédito pelo Banco Insular sofreu qualquer prejuízo com a concessão de crédito pelo Banco Insular ou ao Banco Insular. Ou seja, o que se pretende provar é que nem o Banco Insular (enquanto entidade mutuante) em todas as operações narradas na pronúncia, nem o BPN, SA, o BPN Cayman e o BPN IFI (enquanto entidades que asseguravam o financiamento ao Banco Insular) sofreram qualquer prejuízo decorrente da concessão de crédito pelo ou ao Banco Insular.

i. Não se pode ignorar que o arguido LC… alegou na sua contestação que integrou o Conselho de Administração da SLN SGPS no período compreendido entre 28.6.1999 e 31.8.2007 e, por outro lado, que integrou o Conselho de Administração da sub-holding BPN SGPS, S.A., no período compreendido entre 27.10.1999 a 31.12.2006.

ii. Como a propósito da apreciação do recurso do co-arguido JO… já se referiu, todos os contratos de dação em pagamento e/ou cessão de créditos que o BPN SA, o BPN IFI e ou o BPN Cayman terão celebrado entre si (mesmo de acordo com as alegações desse recorrente, aceites e renovadas por LC…), foram celebrados em datas posteriores ao termo final do exercício de funções do arguido LC… no grupo BPN/SLN, não servindo para se atribuir ao recorrente qualquer iniciativa de reparação dos prejuízos já efectivamente causados.

iii. Mas, mais relevantemente, o recorrente LC… volta a confundir a reparação dos prejuízos com ausência de prejuízos – como se disse e é evidente, trata-se de realidades diferentes, sendo certo que a relevância dos contratos de dação em pagamento e/ou cessão de créditos surgem em momentos posteriores à ocorrência dos prejuízos típicos relevantes.

iv. No que concerne às informações que igualmente requer que a assistente forneça, assiste razão ao tribunal “a quo” quando renovou a decisão em que se afirmou:
As informações que o arguido (…) pretende que sejam prestadas pelo assistente nunca constituiriam substrato probatório para a prova ou não dos factos constantes da pronúncia ou da sua contestação ou à dúvida/questão/pedido de informação por si colocado.
Não é pela circunstância de o mesmo informar, por exemplo, que se verificou um prejuízo, ou que não se verificou, ou que se verificou em “x” ou “y” que estas informações terão a virtualidade de provar ou não quaisquer factos.
As informações prestadas pelos assistentes, por escrito, nos autos, são inócuas em termos probatórios (afirmar o contrário, equivaleria a afirmar que os factos ou afirmações vertidos na sua acusação particular ou nas contestações dos arguidos só pela circunstância delas constarem teriam que ser considerados provados o que, como é unanimemente reconhecido, configuraria uma “aberração jurídica” de ordem processual e material).
A prova de um facto e a fundamentação do mesmo é alcançada pela conjugação dos diversos elementos probatórios carreados para os autos (declarações das testemunhas, dos arguidos, documentos, etc.) e não por quaisquer informações de natureza substantiva e declarativa que o assistente possa prestar.

v. Tudo visto, não pode deixar de concluir-se pelo acerto da decisão recorrida ao manter a decisão de fls. 53632 a 53636 e, consequentemente, considerar de nenhuma importância para a descoberta da verdade material e boa decisão da causa as diligências probatórias requeridas e os documentos pretendidos juntar, por serem irrelevantes e supérfluos. O indeferimento do requerimento do arguido LC… não acarretou qualquer violação do disposto no artigo 340º do Código de Processo Penal e, por isso, também nesta parte, deverá julgar-se improcedente o recurso.
 
13. Cumpre, por fim, apreciar a arguida nulidade insanável da decisão recorrida, enquadrada pelo recorrente na previsão do artigo 119.º, alínea e), do Código de Processo Penal, com a argumentação de que foi violada a regra que atribui ao Tribunal Colectivo – e não apenas ao seu Presidente – a competência para, nos termos do art.º 340.º, ordenar a produção dos meios de prova.

i. Antes de mais, vejamos os dados concretos que resultam dos autos.
A decisão recorrida foi proferida no decurso da sessão de audiência de julgamento da tarde de 26 de Abril de 2016 (684ª sessão da audiência de julgamento). Nessa sessão, não estando presente o arguido LC…, estava presente o respectivo Mandatário, Dr. PF….
Da acta de tal sessão consta, logo no início, que “Após deliberação do Tribunal Colectivo, pelo Mmº. Juiz Presidente foi proferido o seguinte despacho:
[termos da deliberação] …”.
Exarados na acta os termos da deliberação do Colectivo, consignou-se depois na mesma que: 
De seguida, pelo Sr. Juiz Presidente foi proferido o seguinte DESPACHO:
Requerimento de fls. 54636 a 54640 do arguido LC… na sequência do contraditório que lhe foi facultado a propósito dos requerimentos do arguido OC… de fls. 53053 a 53065 e 53066 a 53097:
As considerações vertidas pelo arguido LC… em nada colocam em causa o teor dos despachos anteriormente proferidos no seu conteúdo, alcance e decisão, designadamente os despachos de fls. 53628 a 53632 e 53632 a 53636.
Em conformidade com o ora exposto, mantêm-se aqueles despachos nos seus precisos termos. (…).

ii. Dessa mesma acta constam, depois do despacho do Juiz Presidente, três requerimentos, formulados perante o Colectivo:
- o primeiro, apresentado pela defesa do arguido RO…, no qual é formulado pedido de transcrição da decisão colegial que recaiu sobre o seu requerimento de fl. 53937 a 53944;
- o segundo, apresentado pela defesa do arguido JO…, no qual é formulado pedido de transcrição das decisões agora proferidas sobre os requerimentos por si formulados;
- o último, apresentado pela defesa do arguido LC…, com o seguinte teor:
Reproduzo exactamente nos mesmos termos, mas para o arguido LC…, requerendo adicionalmente que a propósito do memorial de fls. 54085 e seguintes seja esclarecido se esse desentranhamento agora doutamente decidido envolve ou não os documentos juntos, uma vez que, não obstante ter sido requerida a junção de documentos para facilidade de análise do Tribunal que já se encontravam juntos aos autos, foi também requerida a junção de 4 novos documentos. Pelo que se requer a V. Exa. Se digne esclarecer se o 54.085 tem única e exclusivamente a ver com o memorial ou se ele envolve os documentos, caso em que desde já se suscita a irregularidade por falta de pronúncia à junção dos documentos requerida dos 4 documentos novos cuja junção consta efectivamente da forma autónoma nesse requerimento de fls. 54085 e seguintes.”.

iii. No decurso dessa sessão de audiência de julgamento não foram apresentados quaisquer outros requerimentos e, após prestação de declarações pelo arguido FC…, a sessão foi declarada encerrada pelas 17H30. Até à interposição do recurso ora em apreço, não foi apresentado qualquer requerimento a suscitar a invalidade da decisão.

13. Linearmente, podemos então afirmar que a decisão cuja invalidade (nulidade) só se veio arguir no recurso ora em apreciação (interposto em 1 de Junho de 2016), foi proferida pelo Juiz Presidente, em sessão de audiência de julgamento perante o Tribunal Colectivo, na qual se encontrava presente o Ilustre Mandatário do arguido LC…, não tendo sido imediatamente suscitada a sua invalidade.
Quid iuris?

i. Dispõe o artigo 119º do Código de Processo Penal, sob a epígrafe Nulidades insanáveis:
Constituem nulidades insanáveis, que devem ser oficiosamente declaradas em qualquer fase do procedimento, além das que como tal forem cominadas em outras disposições legais:
(…) e) A violação das regras de competência do tribunal, sem prejuízo do disposto no n.º 2 do artigo 32.º; (…).

ii. A nulidade assim prevista diz respeito a eventuais violações das regras de competência material, funcional ou territorial dos tribunais.
A competência material – competência em razão da matéria – constitui a parcela de jurisdição distribuída pelos diversos tribunais de acordo com critérios de repartição fundados na natureza das causas submetidas a julgamento e decisão.
     (…)
     As regras sobre a competência em matéria penal têm uma finalidade essencial que preside e tem de conformar a organização: permitir determinar ex ante o tribunal que há-de decidir uma causa penal, respeitando o princípio do juiz natural, com dimensão constitucional na formulação do artigo 32º, nº 9, da Constituição, evitando-se o risco de manipulação da competência, e especialmente que a acusação possa escolher o tribunal que lhe parecer mais favorável.
A competência material de cada tribunal em questões penais está regulada no C.P.Penal e, subsidiariamente, nas leis de organização judiciária, e determina-se em razão da natureza das causas e, em certas circunstâncias muito contadas, também da qualidade das pessoas, e, ao mesmo tempo, de acordo com a repartição própria da predefinição das regras sobre competência territorial.
Para respeitar princípios essenciais tem de ser estabelecida uma organização dos tribunais, que deve ir ao ponto de regular o âmbito de actuação de cada tribunal, de modo a que o julgamento de cada concreto caso penal seja deferido a um único tribunal – concretização e determinação da competência do tribunal em matéria penal.
A competência material pode estar, porém, ordenada e delimitada no que respeita ao desenvolvimento do processo dentro de cada instância, mediante competências diversas conforme as fases da promoção e desenvolvimento processual: é o que se designa por competência funcional. No processo penal, designadamente, as diversas fases do processo (ou os actos normativamente delimitados) estão referidas a competências funcionais diversificadas: o inquérito; a instrução; o julgamento, estas sem possibilidade de cumulação funcional do juiz (artigo 40º do CPP).”[116].

iii. Há, pois, um núcleo de regras cuja violação acarreta o vício de nulidade insanável. Nesse sentido pode ler-se o que, em anotação ao artigo 119º do C.P.Penal, escreveu o Conselheiro Henriques Gaspar:
A violação das regras de competência do tribunal em matéria penal constitui também nulidade insanável – alínea e). As regras de competência predeterminadas constituem pressuposto e condição de garantia do respeito pelo princípio do juiz natural – determinação anterior do tribunal competente, de acordo com critérios gerais prefixados, para prevenir a manipulação da competência ou a determinação da competência ex post facto (artigo 32º, nº 9 da CRP). A competência referida é a competência material, mas também, com os limites referidos, a competência territorial: a violação das regras de competência territorial deixa, porém, de constituir motivo de nulidade após o início do debate instrutório, no caso do juiz de instrução, ou após o início da audiência, tratando-se do tribunal do julgamento – cf. Anotação ao artigo 33º. As normas sobre a atribuição de competência no caso de «desaforamento» - artigo 37º - são também, para este efeito, ainda normas de competência.[117]

iv. Daqui, facilmente se depreende que nem a todas as regras sobre atribuição de competência está associado, em caso de violação, o vício de nulidade insanável.
Não o está, designadamente, no caso das regras que estabelecem a distribuição de competências entre o tribunal colectivo (seja em processo julgado por tribunal colectivo, seja em processo julgado por tribunal do júri) e o juiz presidente, na audiência de julgamento (sendo certo que a lei prevê casos de competência exclusiva do juiz presidente, casos de competência exclusiva do tribunal colectivo, casos competência concorrente do tribunal colectivo e do juiz presidente, casos de competência de qualquer juiz togado e casos de competência de qualquer juiz togado ou jurado).
Como refere Paulo Pinto de Albuquerque, A consequência jurídica da violação destas regras é a da irregularidade, que deve ser arguida nos termos gerais.[118]

v. E esse não é caso único, podendo assinalar-se outros exemplos de violação de normas de atribuição de competência a que está associada como consequência, apenas, a irregularidade processual.
Um bom exemplo disso vem plasmado no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 4 de Julho de 2007 (processo nº 2079/07 – 3ª Secção), no qual se decidiu:
Estabelece o nº 1 do art. 372º do CPP que a sentença deverá ser elaborada pelo presidente ou, se este ficar vencido, pelo juiz mais antigo dos que fizerem vencimento; verificando-se que o acórdão foi elaborado pelo magistrado que, sendo embora o presidente do tribunal, ficou vencido na decisão quanto a aspectos essenciais, como a qualificação dos factos e a escolha e a medida das penas, foi claramente infringida essa norma.
Contudo, porque a lei não comina qualquer sanção para essa infracção, que não consta do elenco das nulidades insanáveis enunciado no art. 119º do CPP, nem sequer do das nulidades sanáveis do art. 120º do mesmo diploma, tem de entender-se que constitui mera irregularidade processual, cujo regime está previsto no art. 123º do CPP, estando a invalidade do acto irregular dependente de arguição pelos interessados, no próprio acto ou, não estando presentes, nos três dias seguintes ao conhecimento da irregularidade.
Não tendo a mesma sido arguida na sessão da leitura do acórdão ou posteriormente, tem de entender-se como sanada.[119]

vi. Tendo em consideração o preceituado no artigo 340º do C.P.Penal(em cujo nº 1 se lê: O tribunal ordena, oficiosamente ou a requerimento, a produção de todos os meios de prova cujo conhecimento se lhe afigure necessário à descoberta da verdade e à boa decisão da causa), o juízo de necessidade ou de desnecessidade de produção de um meio de prova requerido após a abertura da audiência de julgamento cabe, em exclusivo, ao tribunal colectivo, ou seja aos juízes que compõem o colectivo já constituído (ou aos juízes e jurados, se se tratar de tribunal de júri).
Como refere Paulo Pinto de Albuquerque: Pertence à competência exclusiva do tribunal colectivo: (…)
B. Decidir sobre a produção da prova:
i. Deferir ou indeferir a produção de meios de prova requerida na audiência de julgamento (artigo 340º, nº 1) (…); portanto, o juiz presidente defere ou indefere a produção de meios de prova requerida antes da audiência de julgamento, mas não tem competência para se pronunciar sozinho sobre os requerimentos de produção de prova feitos na audiência. (…)[120]
Diferentemente, como esclarece o mesmo autor, Pertence à competência concorrente do tribunal colectivo e do juiz presidente: A. Submeter meios de prova oficiosamente (a competência do juiz presidente funda-se no artigo 323º, als. a) e b), e a competência do tribunal colectivo funda-se nos artigos 327º, nº 2, e 340º, nº 2); portanto, a produção do meio de prova deve ser determinada pelo juiz presidente ou pelo conjunto dos juízes togados;
(…)
Portanto, no que respeita à produção de prova, quer o juiz presidente quer o tribunal colectivo têm competência para determinar oficiosamente a produção de meios de prova na audiência de julgamento e o tribunal colectivo tem competência para deferir ou indeferir os requerimentos de produção de prova feitos na audiência.[121]

vii. Verificando-se que o indeferimento de um requerimento de produção de prova apresentado já após o início da audiência de julgamento foi decidido pelo juiz presidente do tribunal colectivo, actuando sozinho (sem deliberação do colectivo de juízes), foi claramente infringida a norma do artigo 340º, nº 1, do CPP.
Porém, como a lei não comina qualquer sanção para essa infracção, sendo que ela não consta do elenco das nulidades insanáveis enunciado no art. 119º do C.P.Penal (com os limites que, como supra referimos, devem considerar-se quanto à previsão legal da respectiva alínea e), nem sequer do elenco das nulidades sanáveis do art. 120º do mesmo código, impõe-se entender que a violação da regra constitui mera irregularidade processual, sujeita ao regime previsto no art. 123º do C.P.Penal.

viii. Assim, a invalidade do acto irregular depende de arguição pelo interessado que, estando presente no próprio acto (como sucedeu no caso concreto, tal como supra se consignou), a deverá fazer até ao encerramento do mesmo.
Não tendo sido tempestivamente arguida a irregularidade, a invalidade do acto sana-se.

ix. No caso em apreço, a aplicação deste regime não nos merece qualquer dúvida (sendo, aliás, solução de razoabilidade evidente, sobretudo se considerada a circunstância de a decisão ter sido proferida em audiência de julgamento, com o Tribunal Colectivo constituído e presente, estando os juízes vogais em condições de suscitarem a deliberação do colectivo, em caso de discordância com o sentido da decisão do presidente).
Não tendo sido arguida a irregularidade da decisão na própria sessão de audiência de julgamento do dia 26 de Abril de 2016, podemos afirmar que a invalidade da decisão se sanou, não sendo tempestiva a sua arguição no recurso ora em apreciação, interposto apenas em 1 de Junho de 2016.

14. Aqui chegados, impõe-se concluir pela resposta negativa à questão de saber se ocorreu nulidade insanável por preenchimento da previsão do artigo 119.º, alínea e), do C.P.Penal.
Mas mais. Impõe-se concluir pela improcedência do recurso também nesta vertente, por ter ocorrido a sanação da invalidade (irregularidade), por ausência de arguição tempestiva.

15. Uma última nota para consignar que se mostra prejudicada a necessidade deste Tribunal ad quem tomar posição quanto à questão de inconstitucionalidade arguida.
Efectivamente, não perfilhando este Tribunal o entendimento que o recorrente considera ter estado subjacente à decisão recorrida  (a interpretação da norma resultante dos artigos 14.º, 323.º e 340.º, do C.P.Penal, no sentido de ser permitido ao Juiz Presidente, em processos cujo julgamento é legalmente atribuído ao Tribunal Colectivo, decidir singularmente sobre requerimentos complementares de prova apresentados pelo arguido), mas sobretudo perante a constatação da convalidação do acto irregular, por ausência de arguição tempestiva do vício, não subsiste para o Tribunal de Recurso a necessidade de se pronunciar sobre um sentido normativo que não tem aplicação no caso.

16. Resta apenas concluir pela improcedência do recurso.

                                                    *
21º.A (segmento do despacho de fls. 54.713), 22º, 23º e 25º - Recursos interpostos de decisões de indeferimento da junção de exposições/memoriais, a saber:
- recurso interposto pelo arguido lc…, da decisão de fls. 54.713, que indeferiu a junção aos autos do memorial subscrito pelo mandatário do arguido de fls. 54085 e seguintes;
- recurso interposto pelo arguido jo…, da decisão de fls. 55.881, que indeferiu a irregularidade processual e nulidade arguidas em 13-05-2016 da decisão colegial de fls. 55721vº a 55722vº, que por sua vez indeferiu a junção aos autos de três exposições/memoriais do arguido de fls. 55602 a 55606, 55618 a 55633 e 55583 a 55590;
- recurso interposto pelo arguido lc…, da decisão de fls. 55.713, que indeferiu a junção aos autos do memorial subscrito pelo arguido de fls. 54753 e seguintes;
- recurso interposto pelo arguido jo…, da decisão de fls. 56.721vº e segs., que indeferiu a junção aos autos das  exposições/memoriais do arguido de fls. 56659 e seguintes.
                                                   
I.

1. Na sequência de decisões proferidas no sentido de não admitir a junção aos autos de memoriais apresentados com fundamento no disposto no artigo 98º do Código de Processo Penal, foram interpostos quatro diferentes recursos.
A circunstância de a respectiva apreciação demandar o conhecimento de questões semelhantes ou próximas, justifica que se avance para tais recursos numa abordagem conjunta.
Relatemos, pois, os termos desses quatro recursos.

2. Recurso interposto da decisão de fls. 54.713:
a. Em 30 de Março de 2016, em nome do arguido LC…, mas subscrita pelo seu Mandatário, Dr. PF…, foi apresentada a exposição/memorial de fls. 54085 a 54104, em cujo intróito o requerente afirmava: “(…) após o seu interrogatório vem muito respeitosamente apresentar a seguinte exposição/memorial (artigo 98º CPP) sobre a matéria dos artigos 565º a 719º (…) do Despacho de Pronúncia (…). O presente requerimento destina-se a apresentar de forma organizada os factos tal como ocorreram elencando cronologicamente os respectivos processos de decisão e os eventos ocorridos facilitando – tanto quanto possível – o trabalho de análise de V. Exas.”.
O referido memorial, após tal intróito, integrava 71 pontos ou artigos e com ele foram apresentados 51 documentos, para junção.

b. Em face da apresentação de tal memorial, na sessão de audiência de julgamento do dia 26 de Abril de 2016, após deliberação do Tribunal Colectivo, o Juiz Presidente proferiu o seguinte despacho:
“Memorial do ilustre mandatário do arguido LC… de fls. 54085 e seguintes:
Não se admite a junção aos autos do memorial na medida em que a razão da norma (art. 98º do CPP) apenas se destina a possibilitar que o arguido pessoalmente se dirija directamente ao tribunal para exercer o seu direito de defesa, usando aquilo que normalmente se costuma designar por direito de petição, o que não é o caso.
Desentranhe e devolva-se ao apresentante.”.

c. Notificado e inconformado com o teor da decisão, o arguido LC… veio, em 1 de Junho de 2016, a fls. 56171 e segs. interpor recurso[122], pugnando por que seja revogada a decisão recorrida, anulando-se toda a tramitação posterior à mesma cuja manutenção seja incompatível com a revogação da mesma.
O Recorrente LC… extraiu da sua motivação (cf. fls. 56196 e segs.) as seguintes conclusões (encontrando-se reproduzidas por alíneas, com a originária indicação, que aqui se inicia na letra C, por ser o primeiro ponto especificamente relacionado com este primeiro “segmento recursório”, para terminar na letra U):
C) A decisão recorrida constitui uma manifestamente errada interpretação e aplicação da norma resultante do artigo 98º, nº 1, do CPP.
D) O chamado direito de petição a que se refere a Decisão recorrida, não serve para que o Arguido substitua a intervenção do respectivo advogado, devendo ser assistido por Defensor em todos os actos processuais em que participar, nomeadamente naqueles em que se colocam especiais exigência de rigor jurídico.
E) O defensor exerce os direitos que a lei reconhece ao Arguido, salvo os que ela reservar pessoalmente a este.
F) A lei reserva pessoalmente ao Arguido a prática ou a presença em actos respeitantes à própria individualidade, sendo inseparáveis da pessoa e por isso exclusivamente pessoais, insusceptíveis de representação judiciária.
G) No que respeita à apresentação de escritos que se contenham dentro do objecto do processo ou tenham por finalidade a salvaguarda dos direitos fundamentais do Arguido, inexiste qualquer razão, de facto ou de direito, que impeça o Defensor, em representação do Arguido, de redigir e assinar os referidos escritos e, consequentemente, apresenta-los no processo.
H) A lei diz que as exposições, memoriais e requerimentos podem ser apresentadas pessoalmente pelo próprio arguido; mas a lei não diz que devem ser apresentados pessoalmente pelo próprio Arguido.
I) O Defensor intervém no processo em representação do arguido, exercendo profissionalmente os direitos que a lei, incluindo a Lei Fundamental, reconhece como titulados por aquele.
J) A intervenção do Defensor é uma intervenção legalmente prevista, não decorrendo de modo algum do artigo 98º, nº 1, do CPP que este apenas se destina a possibilitar que o arguido pessoalmente se dirija directamente ao tribunal para exercer o seu direito de defesa, como incorrectamente considerou a Decisão recorrida.
K) É, assim, materialmente inconstitucional, por violação dos direitos de defesa do Arguido, previstos no artigo 32º, nºs 1 e 3, da CRP, a interpretação da norma resultante do artigo 98º, nº 1, do CPP, realizada pelo Tribunal recorrido, no sentido de não ser admitida a junção aos autos a exposição assinada pelo Defensor, em representação do Arguido, por não ser a mesma um exercício directo do Arguido do seu direito de se dirigir pessoalmente ao Tribunal.
L) Na única vez, anterior à Decisão recorrida, que o Recorrente apresentou nos autos uma exposição, no exercício do direito que a lei lhe reconhece, nomeadamente, por via do artigo 98º do CPP, por decisão singular do Mm.º Juiz Presidente do Tribunal a quo, constante de fls. 45.695, e no que respeita à admissibilidade e junção da exposição apresentada, consignou-se e determinou-se “Visto. Nos autos (art. 98º, nº 1 do C.P.P.)”.
M) Esta exposição apresentada há já dois anos, tal como a que agora se mandou desentranhar pela Decisão recorrida, é assinada única e exclusivamente pelo Defensor do Recorrente.
N) Existe, portanto, uma manifesta contradição de juízos sobre os contornos da admissibilidade das exposições apresentadas ao abrigo do artigo 98º do CPP e assinadas pelo Defensor.
O) A Decisão recorrida é uma decisão surpresa, que contraria com pouco cuidado e rigor técnico uma concreta interpretação que o Tribunal a quo, na pessoa do seu Mmº Juiz Presidente,  realizou do artigo 98º do CPP, e vinha acostumando os sujeitos processuais destes autos, nomeadamente no que se refere à obrigatoriedade de junção aos autos das exposições assinadas pelo Defensor que se contenham dentro do objecto do processo.
P) Para lá da primeira exposição que Recorrente apresentou no processo há mais de dois anos, outras foram igualmente apresentadas, por outros co-arguidos, todas elas assinadas pelos respectivos Defensores, não sendo nenhuma delas mandadas desentranhar!
Q) Desde 10 de Fevereiro de 2012 – data da primeira decisão tomada nos presentes autos no que diz respeito à apresentação de uma exposição – até à Decisão recorrida, o Recorrente, e demais sujeitos processuais intervenientes nos autos, foram confrontados com um modo de interpretar e aplicar o artigo 98º do CPP que a Decisão recorrida, em 4 linhas, decidiu afrontar, contrariar, assim surpreendendo tudo e todos!
R) Não é lícito que, decorridos mais de quatro anos, o Tribunal a quo ignore de modo ostensivo e grosseiro o que neste âmbito se vem decidindo!
S) O princípio do processo equitativo é integrado por vários elementos, um dos quais se traduz na confiança dos interessados nas decisões de conformação ou orientação processual e no seguimento do qual os interessados não podem sofrer limitação ou exclusão de posições ou direitos processuais em que legitimamente confiaram, nem podem ser surpreendidos por consequências processuais desfavoráveis com as quais razoavelmente não poderiam contar.
T) A Decisão recorrida configura um acto do Tribunal a quo que rompe, sem fundamento ou substrato bastante, a orientação processual concretamente adoptada há mais de quatro anos para cá, sobre a aplicação do artigo 98º, nº 1, do CPP, atingindo o núcleo essencial do direito do Arguido a participar na sua defesa e intervir no processo.
U) É assim, e também por isso, a Decisão recorrida inválida, por violar o princípio da confiança jurídica e as legítimas expectativas das quais o Recorrente é titular, o que resulta da incorrecta interpretação que o Tribunal a quo agora realiza – e não realizava no passado, de há mais de quatro anos para cá – do artigo 98º, nº 1, do CPP.

d. Foi proferido despacho a admitir o recurso, com subida diferida, com o recurso da decisão que puser termo à causa, nos próprios autos e com efeito meramente devolutivo.

e. O Ministério Público respondeu ao recurso do arguido LC…, pugnando pela sua improcedência e extraindo das suas contra-alegações a seguinte conclusão (cfr. fls. 56652):
Por tudo o que aqui se expõe e que está em total sintonia com o decidido pelo tribunal a quo, impõe-se entender as decisões recorridas como correctamente tomadas, devendo as mesmas ser mantidas, indeferindo-se o presente recurso.

3. Recurso interposto da decisão de fls. 55.881:
a. O arguido JO… requereu a junção aos autos de três exposições/memoriais, constantes de fls. 55. 602 a 55.606, 55.618 a 55.633 e 55.583 a 55.590.

b. Sobre a requerida junção aos autos daquelas três exposições/memoriais, após deliberação do Tribunal Colectivo, na sessão de audiência de julgamento de 13 de Maio de 2016 (cfr. fls. 55720 e segs.), foi decidido o seguinte:
Escrito apresentado pelo arguido JO… a folhas 55602 a 55606, nos termos do artº 98º nº 1 do CPP e documentos a eles anexos:
Compulsado tal escrito entregue e assinado pelo arguido nos termos do disposto no artº 98º nº 1 do CPP, decide-se o seguinte:
- As exposições referidas no art.º 98º do CPP, não se destinam a facilitar o trabalho de um qualquer Tribunal, nomeadamente como este, que visa apontar prova existente para dar como assente factos que alegou na sua contestação e que ali indica e requerendo também a junção de documentos, os quais se encontram já juntos aos autos.
Assim, face ao atrás expendido, decide-se não admitir o escrito apresentado pelo arguido JCo…, uma vez que este manifestamente extravasa o âmbito do disposto no artº 98º nº 1 do CPP, nos termos supra descritos, ao que acresce que, como estabelece o artº 127º do CPP, "Salvo quando a lei dispuser diferentemente a prova é apreciada segundo as regras da experiência e a livre convicção da entidade competente", que no caso é este Tribunal Colectivo, e entende-se que este dispõe de todos os mecanismos processuais e intelectuais para a prolação de uma decisão final, neste caso colegial, indeferindo-se a junção aos autos da exposição apresentada pelo arguido acima referido, o que se declara.
Conforme também já foi referido, os documentos anexos já se encontram juntos aos autos, sendo que para além de acto inútil, mais uma vez se enfatiza que a prerrogativa contida no artº 98º nº 1 do CPP não se destina "ab initio" a requerer a junção de qualquer documento, pelo que do atrás expendido decorre também naturalmente a sua não admissão, o que se declara.
*
Exposição apresentada pelo arguido JO… a folhas 55618 a 55633 nos termos do artº 98º nº 1 do CPP:
Com a presente exposição (artº 98º do CPP), para cujo conteúdo se remete, vem o arguido e utilizando este expediente processual, almejar "esclarecer" este Tribunal Colectivo, sobre "a dificuldade" da percepção de alguns dos factos "sub judice" e contidos nos artigos da pronúncia que indica no ponto 1 e na parte final do seu requerimento, proporcionando assim de forma organizada e metódica ao Tribunal Colectivo uma miríade de factos e de considerandos, bem como uma detalhada analise da prova produzida (veja-se a título de exemplo o ponto 8 do requerimento) que poderão eventualmente ser catalogados ou classificados, como uma vontade do arguido em "estratificar" ou não, factos a seu bel-prazer para "futura utilização deste Tribunal Colectivo", seja sob qual prisma for, e também, note-se para que este "perceba" por fim o que efectivamente aconteceu, perante a prova que o arguido indica claramente.
Ora esta não é certamente a finalidade consentida pelo artº 98º nº 1 do CPP, ou seja não cabe ao arguido dar lições de, como bem interpretar a prova com vista à estratificação de determinados factos que aponta claramente, de forma organizada e metódica.
Ora sem necessidade de tecer maiores considerações e considerando-se ainda que como estabelece o artº 127º do CPP " Salvo quando a lei dispuser diferentemente a prova é apreciada segundo as regras da experiência e a livre convicção da entidade competente", que no caso é este Tribunal Colectivo entende-se que este dispõe de, todos os mecanismos processuais e intelectuais para a prolação de uma decisão final, neste caso colegial, indeferindo-se a junção aos autos da exposição apresentada pelo arguido acima referido.
O arguido apresentou contestação e tem vindo a juntar documentos ao longo deste julgamento. No entanto a maior parte dos documentos anexos já se encontram juntos aos autos à excepção do doc. 21, sendo que para além de acto inútil (quanto aos documento já juntos), mais uma vez se enfatiza que a prerrogativa contida no artº 98º nº 1 do CPP não se destina "ab initio" a requerer a junção de qualquer documento nomeadamente o doc. 21 que mais uma vez constitui uma análise cronológica feita pelo arguido dos fluxos financeiros e documentos existentes realizada pela defesa, pelo que do atrás expendido decorre também naturalmente a sua não admissão, o que se declara.
*
Exposição apresentada pelo arguido JO… a folhas 55583 a 55590 nos termos do artº 98º nº 1 do CPP:
Com a presente exposição (artº 98º do CPP), para cujo conteúdo se remete, vem o arguido e utilizando este expediente processual, almejar "esclarecer" este Tribunal Colectivo, sobre "a dificuldade" da percepção de alguns dos factos "sub judice" e contidos nos artigos da pronúncia que indica no ponto 1 e na parte final do seu requerimento, proporcionando assim de forma organizada e metódica ao Tribunal Colectivo uma miríade de factos e de considerandos, bem como uma detalhada análise da prova produzida (veja-se a titulo de exemplo o ponto 8 e suas diversas alíneas e o ponto 9 do requerimento/bem como o vertido no ponto 2 que "rebate" até a técnica de alegação da pronúncia) que poderão eventualmente ser catalogados ou classificados, como uma vontade do arguido em "estratificar" ou não, factos a seu bel-prazer para "futura utilização deste Tribunal Colectivo", seja sob qual prisma seja, e também, note-se para que este "perceba" por fim o que efectivamente aconteceu, perante a prova que o arguido indica claramente.
Ora esta não é certamente a finalidade consentida pelo artº 98º nº1 do CPP, ou seja não cabe ao arguido dar lições de, como bem interpretar a prova com vista à estratificação de determinados factos que aponta claramente, de forma organizada e metódica .
Ora sem necessidade de tecer maiores considerações e considerando-se ainda que como estabelece o artº 127º do CPP "Salvo quando a lei dispuser diferentemente a prova é apreciada segundo as regras da experiência e a livre convicção da entidade competente", que no caso é este Tribunal Colectivo, entende-se que este dispõe de todos os mecanismos processuais e intelectuais para a prolação de uma decisão final, neste caso colegial, indeferindo-se a junção aos autos a exposição apresentada pelo arguido acima referido.
O arguido apresentou contestação e tem vindo a juntar documentos ao longo deste julgamento, sendo que os documentos anexos já se encontram juntos aos autos, pelo que para além de acto inútil (quanto aos documento já juntos), mais uma vez se enfatiza que a prerrogativa contida no artº 98º nº 1 do CPP não se destina "ab initio" a requerer a junção de qualquer documento pelo que do atrás expendido decorre também naturalmente a sua não admissão, o que se declara.
Desentranhem-se dos autos os escritos atrás referidos apresentados pelo arguido JO… e documentos que os acompanham e entreguem-se ao mesmo quando solicitado, determinando-se que fiquem apensos por linha cópia dos mesmos.
                     
c.  De seguida, nessa mesma sessão de audiência de julgamento, a defesa do arguido JO… apresentou requerimento a arguir a nulidade (ou, subsidiariamente, a irregularidade) da decisão colegial proferida, argumentando nos termos que constam da respectiva acta (e que se organizam em dois capítulos, a saber “a) Da violação dos princípios da segurança jurídica, da protecção da confiança dos cidadãos e da lealdade processual, com assento também no art.º 10.º da DUDH e 6.º da CEDH, vigentes em Portugal, art.º 8.º da Constituição; b) Nulidade insanável por incompetência do Tribunal Colectivo para deliberar sobre a admissibilidade da junção aos autos de memoriais e exposições apresentadas por Arguidos – arts. 119.º, n.º 1, al. e) e 122.º, do CPP).

d. Sobre tal arguição, após cumprimento do contraditório, recaiu, na sessão de audiência de julgamento de 18 de Maio de 2016 (cfr. fls. 55880 e segs.) a seguinte decisão (proferida após deliberação do Tribunal Colectivo):
Requerimento de JO… apresentado na última sessão de julgamento:
a) Arguição de nulidade da decisão proferida ou irregularidade processual da mesma, que requer que seja reparada nos termos do disposto no art. 123º do CPP:
As decisões que recaíram sobre a junção dos memoriais e exposições sobre diversos temas do processo, mesmo quando acompanhadas de documentação, a que o arguido alude no seu requerimento, foram tomadas apenas pelo Sr. Juiz Presidente, através de despacho singular proferido nos autos, não tendo sido objecto de prévia deliberação.
Assim sendo e tendo as 3 exposições recentemente apresentadas pelo arguido não sido admitidas pelo Tribunal Colectivo, não pode considerar-se que exista uma diferente tomada de decisões, relativamente a questões similares não havendo qualquer violação de caso julgado ou dos princípios invocados pelo arguido.
Pelo exposto, não se verifica qualquer nulidade ou irregularidade da decisão tomada.
b) Quanto à alegada nulidade insanável por incompetência do Tribunal Colectivo:
Entende este Tribunal que, quando o arguido, no âmbito do art. 98º, n.º 1 do CPP, apresenta memoriais, requer/expõe matéria atinente aos factos que lhe são imputados na pronúncia, aos factos descritos na contestação, à prova produzida sobre os mesmos (testemunhal, documental ou outra), cabe ao Tribunal Colectivo apreciar tais requerimentos e documentos a eles anexos e consequentemente decidir sobre a sua admissão ou não.
A triagem da necessidade da apreciação pelo Tribunal Colectivo de qualquer requerimento que seja apresentado na secretaria, cabe em primeira linha ao juiz presidente.
Ora, tendo os juízes adjuntos deste tribunal tido conhecimento dos requerimentos/exposições (art. 98º do CPP) cuja junção ora se requer e sendo os mesmos atinentes à matéria que cabe a final ao Tribunal Colectivo apreciar e sobre ela deliberar, mal se compreenderia que não fosse objecto de decisão colegial a apreciação dos mesmos.
Pelo exposto se conclui pela inexistência da invocada nulidade insanável por incompetência do Tribunal Colectivo, o que se declara.

e. Notificado e inconformado com o teor da decisão, o arguido JO… veio, em 15 de Junho de 2016, a fls. 56317 e segs. interpor recurso, pugnando por que seja revogada a decisão recorrida, “ordenando-se a baixa dos autos ao tribunal de 1ª instância para que a requerida junção dos três memoriais/exposições seja apreciada pelo Exmo. Senhor Juiz Presidente do Tribunal Colectivo”, e subsidiariamente, “Se assim não se entender, deve a junção requerida pelo Arguido, ora Recorrente, ser deferida, determinando-se que os três memoriais/exposições apresentados pelo mesmo passem a constar dos autos e que o respectivo conteúdo deverá ser tido em consideração em sede de elaboração do Acórdão final, Acórdão que deverá, para este efeito e se já tiver sido proferido, ser igualmente revogado”.
O Recorrente JO… extraiu da sua motivação (cf. fls. 56343 e segs.) as seguintes conclusões:
1.º - Ao contrário do decidido, salvo melhor opinião, deveria o Tribunal “a quo” ter declarado a irregularidade processual e a nulidade arguidas pelo ora Recorrente relativamente à decisão tomada por maioria e após deliberação do Tribunal Colectivo na sessão da manhã de 13.05.2016.
a) Da violação dos princípios da segurança jurídica, da protecção da confiança dos cidadãos e da lealdade processual, com assento também no art.º 10.º da DUDH e 6.º da CEDH, vigentes em Portugal, art.º 8.º da Constituição:
2.º - Se é verdade que “A triagem da necessidade da apreciação pelo Tribunal Colectivo de qualquer requerimento que seja apresentado na secretaria, cabe em primeira linha ao juiz presidente.” daí não poderá resultar que o sentido da decisão a tomar quanto à mesma questão jurídica possa, em contradição com anteriores decisões, depender do facto de “os juízes adjuntos deste tribunal tido conhecimento dos requerimentos/exposições (art. 98º do CPP) cuja junção ora se requer (…).”
3.º - Na verdade, se a prática processual anterior – leia-se, implementada ao longo de anos de julgamento pelo Mm.º Juiz Presidente – instituiu que a admissão dos memoriais/exposições do Arguido sobre matéria de facto atinente ao objecto dos autos era sempre apreciada pelo Mm.º Juiz Presidente e sempre deferida, nada justifica que se abandone tal prática processual, em detrimento dos direitos de defesa do arguido, passando a sorte da decisão da admissão, ou não, dos memoriais/exposições do arguido a depender da circunstância de “os juízes adjuntos” terem “tido conhecimento” da apresentação dos mesmos.
4.º - Face à nova metodologia, se as Exm.as Senhoras Juízes Adjuntas tiverem conhecimento do memoriais/exposições do arguido, deixa de ser certa a junção aos autos, se não tiverem, tal junção será “sempre” admitida, aliás, como determina o indiscutível enunciado do artigo 98.º, n.º 1, do CPP.
5.º - A aceitar-se tal inovadora prática processual, a sorte da junção dos memoriais/exposições sobre matéria de facto que é objecto dos autos passa a depender, não de uma qualquer critério legal objectivamente fixado pela lei, mas de uma circunstância que o Arguido/Requerente não controla, nem pode controlar, a saber: o grau de conhecimento e ou de atenção das Exm.ªs Senhoras Juízes Adjuntas que compõe o Colectivo quanto aos memoriais/exposições que dão entrada nos autos.
6.º - Assim, ao contrário do decidido, a decisão colegial proferida na sessão da manhã de julgamento realizada em 13.05.2016, que decidiu indeferir a junção aos autos de três exposições e memoriais apresentados pelo Arguido relativamente a temas que fazem parte do objecto dos autos, além de afrontar nitidamente a letra do artigo 98.º, n.º 1, do CPP, contende com diversas normas e princípios de onde resulta claramente uma obrigação para o Tribunal de dar cumprimento às regras e procedimentos pré-definidos nos autos, designadamente, quanto à competência para a admissão e junção aos autos de memoriais e exposições apresentadas por arguidos.
7.º - Efectivamente, tal obrigação decorre, desde logo, do princípio do Estado de Direito Democrático, expresso no artigo 2.º da Constituição da República Portuguesa, do princípio da tutela da confiança, bem como da tutela dos direitos adquiridos e das expectativas legítimas.
8.º - Como emanação do princípio do Estado de Direito Democrático, do princípio da justiça, da tutela da confiança legítima e do direito ao processo equitativo é reconhecido o princípio da lealdade processual, ao qual o Tribunal de julgamento, enquanto órgão de soberania do Estado, se encontra obrigado por via dos artigos 2.º, 9.º, al. b), 18.º, n.º 1 e 204.º da CRP.
9.º - O princípio da segurança jurídica concerne aos elementos objectivos da ordem jurídica, como a garantia de estabilidade jurídica e a realização do direito, enquanto a protecção da confiança se relaciona com as componentes subjectivas, nomeadamente, com a previsibilidade dos indivíduos relativamente aos poderes públicos.
10.º - Para os cidadãos, a actuação dos poderes públicos deve ser sempre uma actuação antevisível, calculável e mensurável, pelo que num Estado de Direito, as pessoas devem poder saber com o que contam.
11.º - As relações entre o poder e os seus destinatários têm que ser fundadas a partir da ideia segundo a qual o comportamento dos poderes públicos deve ser um comportamento confiável.
12.º - Da ideia do Estado de Direito, que a Constituição consagra logo no art.º 2.º, decorre o princípio da lealdade processual, com assento também no art.º 10º da DUDH e 6.º da CEDH, vigentes em Portugal, art.º 8º da Constituição.
13.º - Lealdade que se traduz sinteticamente na ideia de que o tribunal não pode entrar em contradição com posições por si anteriormente assumidas no processo e nas quais qualquer um dos restantes sujeitos processuais confiou: a situação de confiança que o tribunal criou proíbe-lhe afastar-se das posições que tomou.
14.º - Analisados os presentes autos verifica-se que, ao longo dos mais de cinco anos de julgamento, foram apresentados por diversos arguidos memoriais e exposições sobre diversos temas do processo, conforme quadro incluso nas alegações “supra” que se dá como reproduzido.
15.º - Conforme também resulta dos autos, todos os acima referidos memoriais foram admitidos e mandados juntar aos autos por decisão singular do Mm.º Juiz Presidente do Colectivo, mesmo quando, por facilidade de acompanhamento e de exposição, acompanhados de documentação que já se encontrava junta aos autos.
16.º - Não obstante tal prática processual consolidada, sobejamente conhecida por todos os sujeitos processuais e, não duvidamos, das Exm.ªs Senhoras Juízas Adjuntas que compõe o Tribunal Colectivo, os três memoriais apresentados pelo Arguido, ora Recorrente, não foram admitidos por decisão datada de 13.05.2016 tomada por maioria e após deliberação do Tribunal Colectivo.
17.º - Ora, independentemente de se discordar de toda a fundamentação que foi esgrimida para o efeito pelo Tribunal Colectivo (por afrontar a letra e o espírito do artigo 98.º, n.º 1, do CPP), o que é certo é que a inversão do procedimento processual implementado ao longo de vários anos pelo Tribunal viola o princípio da segurança jurídica, da protecção da confiança dos cidadãos e da lealdade processual, com assento também no art.º 10.º da DUDH e 6.º da CEDH, vigentes em Portugal, e nos art.ºs 2.º e 8.º da Constituição.
18.º - A este respeito cumpre recordar a previsão do artigo 5.º, n.º 2, al. b), do CPP, que, mesmo quando a lei processual penal é alterada no decurso do processo (e no caso concreto nem isso sucedeu), proíbe a “quebra da harmonia e unidade dos vários actos do processo”, o que a sequência contraditória de decisões agora constantes dos autos viola frontal e manifestamente, suscitando até problemas de tratamento desigual de situações materialmente idênticas.
19.º - Tal violação, prejudica os direitos de defesa do Arguido, ora Recorrente, e é equiparável à violação de caso julgado, provocando a nulidade da decisão proferida ou, se assim não se entender, irregularidade processual da mesma, que foi oportunamente arguida no acto, nos termos do artigo 123.º do CPP, que a douta decisão recorrida deveria ter reconhecido, e que se requer que seja declarada e reparada.
20.º - Em razão do exposto, verifica-se ainda que o Tribunal “a quo” aplicou interpretação normativa materialmente inconstitucional, que deixa arguida.
21.º- Os artigos 5.º, n.º 2, al. b), 98.º, n.º 1, ambos do CPP, interpretados, singular ou conjugadamente, no sentido de a junção aos autos de exposição do Arguido, que se contenha dentro do objecto do processo, poder ser indeferida com quebra da harmonia e unidade entre as várias decisões anteriormente proferidas no processo e já transitadas, é materialmente inconstitucional, por violação dos artigos 8.º, 18.º, n.º 1 e 32.º, n.ºs 1 e 3, da CRP e dos princípios da segurança jurídica e da protecção da confiança dos cidadãos.
b) Da nulidade insanável por incompetência do Tribunal Colectivo para deliberar sobre a admissibilidade da junção aos autos de memoriais e exposições apresentadas por Arguidos – arts. 119.º, n.º 1, al. e) e 122.º, do CPP:
22.º - Ao contrário do decidido, verifica-se a nulidade insanável por incompetência do Tribunal Colectivo para deliberar sobre a admissibilidade da junção aos autos de memoriais e exposições apresentadas por Arguidos – arts. 119.º, n.º 1, al. e) e 122.º, do CPP.
23.º - Conforme resulta dos despachos elencados no quadro das alegações “supra, proferidos nos autos pelo Mm.º Juiz Presidente, e transitados em julgado, que admitiram a junção aos autos dos memoriais/exposições anteriormente apresentados por diversos Arguidos, a competência para ordenar tal junção pertence ao Mm.º Juiz Presidente do Colectivo, e não ao Tribunal Colectivo que, por maioria, indeferiu a junção aos autos dos três memoriais apresentados pelo Arguido, ora Recorrente.
24.º - A decisão quanto à admissão de memoriais e exposições é, e sempre foi considerada como tal ao longo do presente julgamento, um acto que se reveste de manifesta simplicidade, que sempre dispensou qualquer fundamentação além da mera referência ao artigo em causa e a determinação de que a exposição/memorial “fique nos autos”.
25.º - Tal acto cabe, e sempre foi considerado que cabia, nos poderes atribuídos ao Mm.º Juiz Presidente do Colectivo nos termos do disposto no artigo 323.º do CPP.
26.º - Assim sendo, como o Mm.º Juiz Presidente sempre admitiu a junção aos autos de tais memorais/exposições, ainda que acompanhadas por documentos, prática processual consolidada, sobejamente conhecida por todos os sujeitos processuais e, não duvidamos, pelas Exm.ªs Senhoras Juízas Adjuntas que compõe o Tribunal Colectivo, deve ser declarada a nulidade da douta decisão de 13.05.2016 por incompetência do Tribunal Colectivo para decidir acerca da junção, ou não, de exposições e memoriais do Arguido aos autos, o que se requer para assegurar o exercício de todos dos direitos de defesa do arguido (artigo 32.º, n.º 1, da CRP) e com o objectivo de evitar a “Quebra da harmonia e unidade dos vários actos do processo.”, proibida pelo artigo 5.º, n.º 2, al. b), do CPP, mesmo em casos em que a lei processual penal é alterada na pendência do processo, o que não sucedeu.
27.º - A competência do Presidente do Tribunal para, nos termos do artigo 98.º, n.º 1, do CPP, determinar a junção aos autos das exposições apresentadas pelo Arguido é, invariavelmente, um exercício claramente gestionário da tramitação do processo, na medida em que, inclusivamente, o legislador retirou ao Presidente a discricionariedade para decidir em modo distinto.
28.º - Ao ser exercida uma análise discricionária, legalmente não permitida, sobre um concreto acto que o legislador determinou que sempre se deverá integrar no processo, o Tribunal Colectivo, por via da Decisão recorrida, exerceu uma competência que a lei lhe não reconhece, violando, assim, regras de competência legalmente predeterminadas.
29.º - A decisão de 13.05.2016 encontra-se, por isso, inquinada pelo vício de nulidade insanável, previsto no artigo 119.º, alínea e), do CPP, o que a douta decisão recorrida deveria ter declarado.
c) Da violação do artigo 98.º, n.º 1, do CPP/Da interpretação materialmente inconstitucional atribuída ao artigo 98.º, n.º 1, da CPP:
30.º - Acresce que, a decisão ora recorrida, viola de forma grosseira o disposto no artigo 98.º, n.º 1, do CPP.
31.º - Efectivamente, tal decisão reconhece que as três exposições/memoriais apresentadas pelo Arguido, ora Recorrente, são “atinentes à matéria que cabe a final ao Tribunal Colectivo apreciar e sobre ela deliberar (…)”.
32.º - Isto é, a decisão recorrida reconhece que as exposições/memoriais do Arguido se contêm “dentro do objecto do processo” (ou, de outra forma, não se afirmaria na mesma que são atinentes a matéria que a final o Tribunal irá apreciar), sendo este o critério legal de que o artigo 98.º, n.º 1, do CPP, faz de depender a injunção aí dirigida ao Tribunal, leia-se, a solução jurídica prevista na norma, de que as mesmas “são sempre integrados nos autos.”
33.º - Face ao enunciado da norma não restava ao Tribunal senão ordenar a requerida junção aos autos das exposições do Arguido, ao invés de a indeferir com o pretexto de as mesmas não se destinarem “a facilitar o trabalho de um qualquer Tribunal, nomeadamente como este, que visa apontar prova existente”.
34.º - Como é sabido, uma coisa é o Arguido expor o seu ponto de vista, organizando a prova e interpretando-a em sua defesa, outra, bem diferente, será aquela que, a final, caberá ao Tribunal, de forma independente e autónoma, a de apreciar a prova a final, à luz do disposto no artigo 127.º do CPP.
35.º - Salvo melhor opinião, o Tribunal “a quo” extraiu do artigo 98.º, n.º 1, da CPP, uma interpretação normativa materialmente inconstitucional, que se deixa arguida.
36.º - O artigo 98.º, n.º 1, do CPP, interpretado no sentido de não ser admitida a junção aos autos de exposição/memorial do Arguido que se contenha dentro do objecto do processo, é materialmente inconstitucional, por violação dos artigos 18.º, n.º 1, 29.º, 1 e 32.º, n.ºs 1 e 3, da CRP.
37.º - Tal interpretação normativa além de restringir de forma desnecessária “todos os direitos de defesa” a que alude o artigo 32.º, n.º 1, da CRP, extrai do artigo 98.º, n.º 1, do CPP, um sentido interpretativo que a redacção do mesmo não suporta, tolera ou consente, violando, por isso, de forma autónoma, o princípio da legalidade em matéria criminal (artigos 29.º, n.º 1, e 32.º, n.º 1, da Constituição da República Portuguesa).
38.º - Donde, deverá ser adoptada a interpretação “conforme à Constituição” do artigo 98.º, n.º 1, do CPP, e, consequentemente, deferida a junção aos autos dos três memoriais/exposições requerida pelo arguido, ora Recorrente, devendo o Tribunal “a quo” ter em consideração o respectivo conteúdo por a mesmas, face à complexidade do processo, serem essências para o exercício de todos os direitos de defesa por parte do Arguido.”
    
f. Foi proferido despacho a admitir o recurso, com subida diferida, com o recurso da decisão que puser termo à causa, nos próprios autos e com efeito meramente devolutivo.

g. O Ministério Público respondeu ao recurso do arguido JO…, pugnando pela sua improcedência e extraindo das suas contra-alegações as seguintes conclusões (cfr. fls. 56559 e segs.):
Assim, no caso em análise, o indeferimento em causa foi bem decidido, quer no que toca à decisão em si, quer à colegialidade de quem o tomou.
Como atrás se viu, razões houve para o indeferimento do requerido pelo arguido ora recorrente.
Igualmente, a decisão tomada encontra suporte na lei, independentemente de, noutras ocasiões, em face de outras diferentes concretas circunstâncias, se ter tomado decisão diferente.
Por fim, a decisão tomada competia a colectivo de M.º Juízes.
Deste modo, não se verificou qualquer nulidade ou irregularidade, das pretendidas pelo recorrente, designadamente das referidas pelos arts. 119.º, 120.º e 123.º, do Código de Processo Penal.
Por tudo o que aqui se expõe e que está em total sintonia com o decidido pelo tribunal a quo, impõe-se entender a decisão recorrida como correctamente tomada, devendo a mesma ser mantida, indeferindo-se o presente recurso.

4. Recurso interposto da decisão de fls. 55.713:
a. Em 29 de Abril de 2016, em nome do arguido LC…, mas agora por ele subscrita, foi apresentada a exposição/memorial de fls. 54753 a 54772, cujo conteúdo corresponde ipsis verbis àqueloutra apresentada em seu nome a fls. 54085 a 54104, voltando assim a afirmar o requerente, em intróito: “(…) após o seu interrogatório vem muito respeitosamente apresentar a seguinte exposição/memorial (artigo 98º CPP) sobre a matéria dos artigos 565º a 719º (…) do Despacho de Pronúncia (…). O presente requerimento destina-se a apresentar de forma organizada os factos tal como ocorreram elencando cronologicamente os respectivos processos de decisão e os eventos ocorridos facilitando – tanto quanto possível – o trabalho de análise de V. Exas.”.

b. Por outro lado, em 4 de Maio de 2016, também em nome do arguido LC… e por ele subscrita, foi apresentada outra exposição/memorial, que figura a fls. 55415 a 55430, afirmando o requerente, em intróito que “(…) após o seu interrogatório vem muito respeitosamente apresentar a seguinte exposição/memorial (artigo 98º CPP) sobre a matéria do controle accionista”, concluindo após setenta artigos que “Crê por isso o Arguido, com o presente ter conseguido explicitar aquilo que já resultava, de alguma forma, do seu depoimento mas que, desta forma organizada e sobretudo mais explícita, permite a conclusão de que a tese da pronúncia não faz qualquer sentido”.

c. Em face da apresentação de tais memoriais, na sessão de audiência de julgamento do dia 11 de Maio de 2016 (cfr. fls. 55712 e seguintes), após deliberação do Tribunal Colectivo, o Juiz Presidente proferiu o seguinte despacho:
Exposição/memorial apresentada pelo arguido LC… a fls. 54753 até 54772 e documentos a eles anexos:
Compulsada a exposição/memorial entregue e assinada pessoalmente pelo arguido nos termos do disposto no artº 98º do CPP, decide-se o seguinte:
- As exposições referidas no artº 98º do CPP, não se destinam a facilitar o trabalho de um qualquer Tribunal, nomeadamente como esta, ao organizar cronologicamente e redigir factos que o arguido entende terem ocorrido e “corrigindo” nalguns pontos a factualidade contida no despacho de pronúncia e ainda requerendo a junção de documentos, conforme, e a título de exemplo se constata logo no ponto 3.
Assim face ao atrás expendido decide-se não admitir a exposição/memorial apresentada pelo arguido LC… uma vez que esta manifestamente extravasa o âmbito do disposto no artº 98º do CPP, nos termos supra descritos, o que se declara.
Conforme também já foi referido em despacho anterior, a maior parte dos documentos anexos já se encontram juntos aos autos, sendo que quanto aos demais, mais uma vez se enfatiza que a prerrogativa contida no artº 98º do C.P.Penal não se destina “ab initio” a requerer a junção de qualquer documento, pelo que do expendido decorre naturalmente a sua não admissão (até porque na sua maioria mais não constituem do que uma duplicação dos documentos que já se encontram nos autos).
                                                    *
Exposição/memorial apresentada pelo arguido LC… a fls. 55415 a 55430:
Com a presente exposição/memorial (art.º 98º do CPP), que inclui nomeadamente uma transcrição parcial das declarações do arguido na audiência de discussão e julgamento, vem este e utilizando este expediente processual, almejar “esclarecer” este Tribunal Colectivo, sobre “a dificuldade” da percepção da alguns dos factos “sub judice” (vide claramente, p. ex. o ponto 12 da exposição/memorial), proporcionando assim de forma organizada e metódica ao Tribunal Colectivo uma miríade de factos e de considerandos, que poderão eventualmente ser catalogados ou classificados, como uma vontade do arguido em organizar factos a seu bel-prazer para “futura utilização deste Tribunal Colectivo” e também, note-se para que este “perceba” por fim o que efectivamente aconteceu.
Ora esta não é certamente a finalidade consentida pelo artº 98º do CPP, ou seja, não cabe ao arguido dar lições de como bem interpretar a prova com vista à estratificação de determinados factos que aponta claramente, de forma organizada e metódica.
Sendo certo que o arguido prestou declarações e apresentou contestação escrita, e sem necessidade de tecer maiores considerações e considerando-se ainda que como estabelece o artº 127º do CPP “Salvo quando a lei dispuser diferentemente a prova é apreciada segundo as regras da experiência e a livre convicção da entidade competente”, que no caso é o Tribunal Colectivo, entende-se que este dispõe de, todos os mecanismos processuais e intelectuais para a prolação de uma decisão final, neste caso colegial, indeferindo-se a junção aos autos da exposição apresentada pelo arguido acima referido.
Desentranhem-se as exposições/memoriais apresentadas e documentos anexos e entregue-se quando solicitadas pelo arguido, ficando apensa por linha cópia do desentranhado.”

d. Notificado e inconformado com o teor da decisão, o arguido LC… veio, em 16 de Junho de 2016, a fls. 56414 e segs. interpor recurso, pugnando por que seja revogada a decisão recorrida, anulando-se toda a tramitação posterior à mesma cuja manutenção seja incompatível com a revogação da mesma.
O Recorrente LC… extraiu da sua motivação (cf. fls. 56423 e segs.) as seguintes conclusões:
A) As decisões de que se recorre são os doutos Despachos de 11 de Maio de 2016, proferidos em acta na sessão de julgamento realizada nessa data, o primeiro deles, na parte em que decide, com referência à exposição apresentada pelo Arguido e constante de fls. 54.753 a 54.772, “não admitir a exposição/memorial apresentada pelo arguido LC… uma vez que esta manifestamente extravasa o âmbito do disposto no artº 98º do CPP”, e o segundo deles, na parte em que decide, com referência à Exposição apresentada pelo Arguido e constante de 55.415 a 55.430, “Desentranhem-se as exposições/memoriais apresentadas e documentos anexos e entregue-se quando solicitadas pelo arguido, ficando apensa por linha cópia do desentranhado”.
B) As decisões recorridas constituem uma manifestamente errada interpretação e aplicação da norma resultante do artigo 98º, nº 1, do CPP.
C) As exposições, memoriais e requerimentos do Arguido se contenham dentro do objecto do processo, ou tenham por finalidade a salvaguarda dos seus direitos fundamentais, são sempre integrados nos autos.
D) Essa integração – legalmente prevista para sempre se verificar – só não ocorrerá se, por pura lógica, a exposição/requerimento/memorial não se contiver dentro do objecto do processo ou não vise a salvaguarda dos direitos fundamentais do Arguido.
E) Não foi qualquer uma dessas razões indicada pelas Decisões recorridas como substrato para se não admitir o que foi pelo Arguido, aqui Recorrente, apresentado.
F) O que o Tribunal a quo realiza através das Decisões recorridas é assumir finalidades e objectivos das exposições referidas no artigo 98º do CPP que de modo algum têm o mínimo de correspondência verbal, ainda que imperfeitamente expresso.
G) A invalidade das decisões recorridas é encontrada no facto de, sem qualquer arrimo legal ou normativo, julgarem não admissíveis exposições apresentadas pelo Arguido  que, nos termos legais, deveriam ser sempre integradas nos autos, porquanto resulta à saciedade da sua simples e singela análise perfunctória que se contêm dentro do objecto do processo – o que é indicado desde logo – bem como, disso estamos certos, procuram a defesa de direitos fundamentais do mesmo – in casu, a defesa contra incorrectas e injustas imputações criminais realizadas na Decisão instrutória.
H) Devem, então, os doutos Despachos recorridos ser revogados e substituídos por outros que determinem a junção aos autos das exposições determinadas desentranhar pelas Decisões recorridas, como, na acção da lei, deve ocorrer “sempre”.
I) Na única vez, anterior à decisão recorrida de 26 de Abril de 2016, que o Recorrente apresentou nos autos uma exposição, no exercício do direito que a lei lhe reconhece, nomeadamente, por via do artigo 98º do CPP, por decisão singular do Mmº Juiz Presidente do Tribunal a quo, constante de fls. 45695, e no que respeita à admissibilidade e junção da exposição apresentada, consignou-se e determinou-se “Visto. Nos autos (art. 98º, nº 1 do C.P.P.).”.
J) Por força da anterior Decisão (também recorrida) de 26 de Abril de 2016, decidiu o Recorrente agora, pelo seu próprio punho, assinar as exposições que pretendia agora – novamente – apresentar.
K) Agora pouco importa que o próprio as tenha assinado.
L) Estas são, portanto, e para lá de outras realidades, verdadeiras decisões surpresa, que, com todo o devido respeito, contrariam com pouco cuidado e rigor técnico uma concreta interpretação que o Tribunal a quo , na pessoa do seu Mmº. Juiz Presidente, realizou do artigo 98º do CPP, e vinha acostumando os sujeitos processuais destes autos, nomeadamente no que se refere à obrigatoriedade de junção aos autos das exposições assinadas pelo Defensor que se contenham dentro do objecto do processo.
M) Para lá da primeira exposição que Recorrente apresentou no processo há mais de dois anos, outras foram igualmente apresentadas, por outros co-arguidos, todas elas assinadas pelos respectivos Defensores, não sendo nenhuma delas mandadas desentranhar!
N) Desde 10 de Fevereiro de 2012 – data da primeira decisão tomada nos presentes autos no que diz respeito à apresentação de uma exposição – até à Decisão recorrida de 26 de Abril de 2016, o Recorrente, e demais sujeitos processuais intervenientes nestes autos, foram confrontados com um modo de interpretar e aplicar o artigo 98º do CPP que aquela Decisão também recorrida, em 4 linhas, decidiu afrontar, contrariar, assim surpreendendo tudo e todos!
O) Não é lícito que, decorridos mais de quatro anos, o Tribunal a quo ignore de modo ostensivo e grosseiro o que neste âmbito se vem decidindo!
P) O princípio do processo equitativo é integrado por vários elementos, um dos quais se traduz na confiança dos interessados nas decisões de conformação ou orientação processual e no seguimento do qual os interessados não podem sofrer limitação ou exclusão de posições ou direitos processuais em que legitimamente confiaram, nem podem ser surpreendidos por consequências processuais desfavoráveis com as quais razoavelmente não poderiam contar.
Q) As Decisões recorridas configuram um ato do Tribunal a quo que rompe, sem fundamento ou substrato bastante, a orientação processual concretamente adoptada há mais de quatro anos para cá, sobre a aplicação do artigo 98º, nº 1, do CPP, atingindo o núcleo essencial do direito do Arguido a participar na sua defesa e intervir no processo.
R) São assim, e também por isso, as Decisões recorridas inválidas, por violarem directamente o princípio da confiança jurídica e as legítimas expectativas das quais o Recorrente é titular, o que resulta da incorrecta interpretação que o Tribunal  a quo agora realiza – e não realizava no passado, de há mais de quatro anos para cá – do artigo 98º, nº 1, do CPP. 
    
e. Foi proferido despacho a admitir o recurso, com subida diferida, com o recurso da decisão que puser termo à causa, nos próprios autos e com efeito meramente devolutivo.

f. O Ministério Público respondeu ao recurso do arguido LC…, pugnando pela sua improcedência e extraindo das suas contra-alegações a seguinte conclusão (cfr. fls. 56653 e segs.):
Por tudo o que aqui se expõe e que está em total sintonia com o decidido pelo tribunal a quo, impõe-se entender as decisões recorridas como correctamente tomadas, devendo as mesmas ser mantidas, indeferindo-se o presente recurso”.

g. O arguido, no seu recurso, manifestou expressamente interesse na manutenção deste recurso interlocutório e na sua apreciação.

5. Recurso interposto da decisão de fls. 56.721 a 56.723:
a. Produzidas que foram as alegações finais em sede de audiência de julgamento e declarada esta encerrada, o arguido JO… veio apresentar nos autos nova exposição (Cfr. fls. 56659 a 56719) cuja junção requereu, mais uma vez com fundamento no artigo 98º do Código de Processo Penal.

b. Sobre a requerida junção, recaiu o seguinte despacho (cfr. fls. 56721 e segs.):
Fls. 56659 a 56719 (exposição apresentada pelo arguido JO… ao abrigo do disposto no art. 98º do C.P.P.).
Apresenta-a com “o intuito de esclarecer alguns dos factos abundantemente abordados e deturpados pelos meios de comunicação social, e tendo em vista a melhor salvaguarda dos seus direitos fundamentais.”
A sua exposição divide-se em duas:
- a 1ª, de fls. 56559 a 56571, em que faz uma abordagem a vários temas (“o paradoxo dos prejuízos colossais do BPN; a nacionalização do BPN; a estratégia de desgraduação da qualidade do crédito do BPN; a contabilidade não julga, mas testemunha; a dinâmica do processo contabilístico; a generalização dos prejuízos da banca; a gigante CGD empurra prejuízos para o pequeno BPN; a lenta fermentação dos prejuízos da banca;);
- a 2ª, de fls. 56572 a 56619, na qual o arguido vai descrevendo aspectos da sua vida pessoal e profissional (“do nascimento à puberdade; o início da adolescência; Companhia Portuguesa de Celulose; Banco de Portugal Caixa Filial – Empregado de Carteira; Banco de Portugal – Empregado de Carteira; Banco de Portugal – Inspecções das Delegações; Direcção de Serviços de Estrangeiros; Estágio no Banque des Règlement Internationaux; um episódio singular; Banco de Portugal – Director da Inspecção Bancária; Director da Inspecção Bancária e Presidente do Conselho de Gestão da Sociedade Financeira Portuguesa; Banco Nacional Ultramarino; Banco Pinto & Sotto Mayor; Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais; A Reforma Fiscal de 1986-1989; Os falsos perdões fiscais; Caso Cerâmica Campos; Banco Europeu de Investimentos; Finibanco);
Dispõe o art. 98º, n.º 1 do C.P.P.:
“O arguido, ainda que em liberdade, pode apresentar exposições, memoriais (…), desde que se contenham dentro do objeito do processo ou tenham por salvaguarda dos seus direitos fundamentais. (…)”
A primeira exposição do arguido (fls. 56559 a 56571) de forma alguma se contém dentro do objeito do processo.
Por outro lado não pode o arguido usar o processo judicial (o presente) para esclarecimento de “factos abordados e deturpados pela comunicação social”, pela simples razão de que este processo não tem esse desiderato.
Com efeito, não se julga nada disso, mas tão simplesmente aqueles que são objeito da pronúncia.
Acresce que não se vislumbra qual o direito fundamental que o arguido pretende salvaguardar, até porque ele próprio não o identifica.
A segunda exposição (fls. 56572 a 56619) do arguido de certo modo poderá enquadrar-se no seu “percurso de vida e condições pessoais e económicas”.
Porém, ainda que se enquadre dentro do objecto do processo e, em sentido amplo, no exercício do seu direito de defesa, a mesma é manifestamente extemporânea.
Com efeito já ocorreu o encerramento da audiência de julgamento (art. 361º, n.º 1 do C.P.P. – v. acta de fls. 56448 a 56451).
Como tal, e estando o Tribunal em fase de deliberação (art. 361º, n.º 2 do C.P.P.), não são admissíveis quaisquer requerimentos probatórios nos autos ainda que sob a “roupagem” de exposição.
O arguido no exercício de um direito legal que lhe assiste ao longo de todo o julgamento usou do direito ao silêncio.
Não pode, agora, que a audiência de julgamento foi encerrada e o Tribunal se encontra na fase de deliberação, suprir, através da “exposição” em causa, o direito ao silêncio que usou sensivelmente durante 5 anos.
O que vale, igualmente, “mutatis mutandis” para a exposição de fls. 56559 a 56571.
Pelo exposto e razões aduzidas, decide-se:
1) Por ser inadmissível e extemporânea não se admite as exposições do arguido de fls. 56659 a 56719;[123]
2) Por conseguinte, desentranhe-se as mesmas dos autos e devolva-se ao apresentante.”.

c. Notificado e inconformado com o teor da decisão, o arguido JO… veio, em 28 de Novembro de 2016, a fls. 56781 e segs., interpor recurso, pugnando por que seja revogada a decisão recorrida, “ordenando-se a baixa dos autos ao tribunal de 1ª instância, ou para que a questão da admissibilidade das exposições/memoriais do Arguido seja apreciada pelo Tribunal Colectivo, o que se requer por mera cautela de patrocínio e para o caso de ser esse o entendimento do Tribunal “ad quem” relativamente à questão da competência di Tribunal (designadamente aquando da reapreciação da douta decisão colectiva, datada de 13.05.2016, no recurso interposto pelo Recorrente), ou, se assim não se entender, deve a junção requerida pelo Arguido, ora Recorrente, ser deferida, determinando-se que a exposição/memorial do Arguido constante de fls. 56.659 a 56.719 (entendida como dividida em duas exposições diversas, a primeira corresponde a fls.  56.659 a 56.671  e a segunda corresponde a fls. 56.672 a 56.719) passe a constar dos autos e que o respectivo conteúdo deverá ser tido em consideração pelo Tribunal de julgamento antes da elaboração do Acórdão final, Acórdão que deverá, para este efeito e se já tiver sido proferido, ser igualmente revogado”.

d. O Recorrente JO… extraiu da sua motivação as seguintes conclusões:
A - QUESTÃO PRÉVIA:
1.º - A douta decisão recorrida regressou ao entendimento de que a decisão sobre a admissibilidade da junção de memoriais e exposições apresentadas por Arguidos é do Mm.º Juiz Presidente do Colectivo, e não deverá ser tomada por decisão do Tribunal Colectivo, o que não pode deixar de ser anotado face à sucessão de contraditórias decisões judicias proferidas nos autos sobre a mesma questão jurídica, sucessão em que a presente decisão marca mais uma inversão, “in casu”, de regresso à competência do Mm.º Juiz Presidente “a quo”.
2.º - Face às decisões judiciais já proferidas nos autos, das duas uma, ou a decisão colectiva, datada de 13.05.2016, de que o Arguido recorreu (que indeferiu a junção de três memorais e exposições do mesmo), padece de nulidade insanável por incompetência do Tribunal Colectivo para deliberar sobre a admissibilidade da junção aos autos de memoriais e exposições apresentadas por Arguidos – arts. 119.º, n.º 1, al. e) e 122.º, do CPP (conforme oportunamente invocado), ou a decisão, ora recorrida, padece desse mesmo vício por incompetência do Mm.º Juiz Presidente “a quo”, o que, subsidiariamente e por mera cautela de patrocínio, se invoca para que possa ser apreciado e decidido, uniformizando-se, em sede de recurso, a questão da competência do Tribunal para o acto.
3.º - Assim, para o caso de se vir a entender que a competência para a admissão de exposições e ou memoriais do Arguido é do Tribunal Colectivo, o que terá de ser decidido aquando da apreciação, em sede de recurso e pelo Tribunal superior, da validade da decisão colectiva de 13.05.2016, dever-se-á proceder à anulação da decisão ora recorrida por, nesse caso, se verificar que a mesma está inquinada pelo vício de nulidade insanável, previsto no artigo 119.º, alínea e), do CPP, o que por mera cautela de patrocínio e de forma subsidiária se deixa arguido face à circunstância de existirem decisões contraditórias nos autos e ao respeito que não podem deixar de merecer os argumentos vertidos na douta decisão colectiva, datada de 13.05.2016.
II – QUANTO ÀS QUESTÕES DE FUNDO:
4.º - Salvo o devido respeito, que é muito, a douta decisão recorrida esquece que o artigo 89.º, n.º 1, do CPP, invocado pelo Arguido, ora Recorrente, está sistematicamente inserido no Código de Processo Penal na “Parte Primeira”, relativa às “disposições preliminares e gerais” e, dentro desta, no “Livro II” relativa aos “actos processuais” e não dentro do “Livro VII” relativo à fase do “julgamento”, consagrando um direito do Arguido exercitável ao longo de todas as fases do processo penal.
5.º - Assim, tal direito pode ser exercido na fase de inquérito, instrução, julgamento e ou recurso, nada obstando, ao contrário do decidido, a que o seja após “o encerramento da audiência de julgamento”.
6.º - Por outro lado, dir-se-á ainda que a decisão recorrida equipara – erradamente – a exposição do Arguido a um requerimento em que a defesa junta, ou requer a produção de prova, o que, salvo o devido respeito, não faz qualquer sentido, nem tem qualquer base legal.
7.º - O acto processual em causa não está sequer previsto no “Livro III” relativo à “prova”, não constando este concreto acto processual no elenco dos meios de prova processualmente admissíveis. 
8.º - Se assim fosse, e não é (leia-se, não está em causa um meio de prova), o artigo 98.º, n.º 1, do CPP, não estatuiria, como estatui, que “As exposições, memoriais e requerimentos do arguido são sempre integrados nos autos”, impondo apenas a lei como condições alternativas: “desde que se contenham dentro do objecto do processo ou tenham por finalidade a salvaguarda dos seus direitos fundamentais.”, requisitos de cuja verificação se cuidará “infra”.
9.º - Finalmente, refira-se que o segmento decisório recorrido precede outro que anuncia a reabertura da audiência de julgamento no dia 15 de Novembro de 2016, reabertura que se verificou efectivamente, razão pela qual não faz qualquer sentido que a douta decisão recorrida alegue como óbice para a admissibilidade da junção do memorial/exposição do Arguido o facto de já ter ocorrido o encerramento da audiência de julgamento e, por outro, anuncie formalmente a sua reabertura.
10.º - O mesmo é dizer que, mesmo que a decisão recorrida tivesse razão, o impedimento para a admissão da exposição/memorial do Arguido constante de fls. 56.659 a 56.719 (entendida como dividida em duas exposições diversas, a primeira corresponde a fls. 56.659 a 56.671 e a segunda corresponde a fls. 56.672 a 56.719) teria desaparecido com a reabertura da audiência de julgamento, sanando-se qualquer alegada extemporaneidade e ou irregularidade decorrente do facto de a exposição memorial ter sido apresentada no ínterim que mediou entre o encerramento e a reabertura.
11.º - Quanto à verificação dos requisitos legais de que depende a admissibilidade das exposições do Arguido, dos argumentos aduzidos na douta decisão recorrida verifica-se, desde logo, que a mesma reconhece que “A segunda exposição (fls. 56572 a 56619) do arguido de certo modo poderá enquadrar-se no seu “percurso de vida e condições pessoais e económicas”, logo, quanto a esta, não existe sequer qualquer possibilidade de deixar de se ordenar a sua junção aos autos.
12.º - No que se refere àquela que foi considerada a primeira exposição, entendeu-se que “A primeira exposição do arguido (fls. 56559 a 56571) de forma alguma se contém dentro do objecto do processo.”, discordando o Arguido que assim seja, considerando que o teor desta primeira exposição é ainda relativa ao objecto do processo, desde logo, quando nela se aborda, por exemplo, os “prejuízos colossais do BPN;” e “a nacionalização do BPN” e, simultaneamente, os prejuízos do BPN são, designadamente, referidos nos artigos 7.º e 188.º da douta pronúncia e a nacionalização no artigo 693.º da mesma.
13.º - Por outro lado, se é verdade que o Arguido não alega que direito constitucional justifica, além do direito de defesa do Arguido em processo penal, o direito de apresentar um memorial e ou exposição que não se cingisse, apenas, ao evidente objecto do processo, é manifesto que se deverá considerar que a exposição em causa é admissível, desde logo, para a defesa do bom nome do Arguido (artigo 26.º da CRP).
14.º - De facto, em processos mediáticos como o presente, têm-se entendido que o direito ao bom nome do Arguido é, muitas vezes, posto em causa, o que justifica que ao Arguido sejam concedidas garantias do Estado, quer de defesa em termos processuais, quer contra as agressões ao bom nome que advenham de uma exposição mediática prolongada.
15.º - Conforme anota Irineu Cabral Barreto “Note-se que uma campanha de imprensa dirigida contra o acusado poderia eventualmente vir a violar o n.º 2 do artigo 6.º, mas a Convenção não se aplica às relações entre particulares nem tão-pouco o princípio em si; não se esqueça, porém, que a responsabilidade do Estado pode ser estabelecida se as autoridades não tomarem oportunamente medidas para prevenir ou reprimir campanha desse género.” (anotação ao artigo 6.º da “Convenção Europeia dos Direitos do Homem, Wolkers Klumer/Coimbra Editora, 4.ª Edição, 2010, pág.s 204 e 205)
16.º - Assim sendo, se o Estado tem a obrigação de prevenir, ou reprimir, campanhas dos media contra o Arguido, dever-se-á entender que, por exigência do direito a um processo equitativo e em processos com elevada exposição mediática, se deve permitir a junção aos autos de memorial e ou exposição do Arguido que não se refira apenas a situações estritamente relacionadas o objecto do processo, mas a situações com ele interligadas e abordadas pela imprensa.”

e. Foi proferido despacho a admitir o recurso, com subida diferida, com o recurso da decisão que puser termo à causa, nos próprios autos e com efeito meramente devolutivo (cfr. fls. 56940vº).

f. O Ministério Público respondeu ao recurso do arguido JO…, pugnando pela sua improcedência e extraindo das suas contra-alegações a conclusão de que “o despacho recorrido não merece censura”.

g. O arguido, no seu recurso, manifestou expressamente interesse na manutenção deste recurso interlocutório e na sua apreciação.
                                                   
                                                    II.

1. Apreciando.
No caso dos recursos ora em apreço, tendo presentes as conclusões dos recorrentes, a apreciação passa pela resposta às seguintes questões:
A. É errada e materialmente inconstitucional (por violação dos direitos de defesa do arguido – artigo 32º, nrs. 1 e 3, da Constituição da República Portuguesa) a interpretação da norma resultante do artigo 98º, nº 1, do Código de Processo Penal, no sentido de não ser admitida a junção aos autos de exposição exclusivamente subscrita pelo defensor do arguido (ainda que em representação deste)?
B. As decisões recorridas são inválidas, por estarem afectadas por nulidade insanável nos termos do disposto nos artigos 119º, nº 1, al. e), e 122º do Código de Processo Penal, por terem sido tomadas com violação das regras de competência do tribunal?
C. As decisões recorridas são inválidas (nulas ou irregulares) por assentarem em violação dos princípios da segurança jurídica, da protecção da confiança dos cidadãos e da lealdade processual?
D. As decisões recorridas incorrem em violação do disposto no artigo 98º, nº 1, do Código de Processo Penal, designadamente assentando numa interpretação dessa norma que é materialmente inconstitucional?

2. Antes de respondermos directamente a qualquer uma das enunciadas questões, importa atentar na circunstância de o aqui sempre invocado artigo 98º do Código de Processo Penal ser norma integrada no Título II (“Da forma dos actos e da sua documentação”) do respectivo Livro II (“Dos actos processuais”).
A consideração de tal inserção sistemática facilitará a compreensão do alcance da norma e ajudará a encontrar solução para as questões a resolver.

a. Estabelece o artigo 98.º do CPP, sob a epígrafe “Exposições, memoriais e requerimentos”:
“1 - O arguido, ainda que em liberdade, pode apresentar exposições, memoriais e requerimentos em qualquer fase do processo, embora não assinados pelo defensor, desde que se contenham dentro do objecto do processo ou tenham por finalidade a salvaguarda dos seus direitos fundamentais. As exposições, memoriais e requerimentos do arguido são sempre integrados nos autos.
2 - Os requerimentos dos outros participantes processuais que se encontrem representados por advogados são assinados por estes, salvo se se verificar impossibilidade de eles o fazerem e o requerimento visar a prática de acto sujeito a prazo de caducidade.
3 - Quando for legalmente admissível a formulação oral de requerimentos, estes são consignados no auto pela entidade que dirigir o processo ou pelo funcionário de justiça que o tiver a seu cargo.”.

b. Como resulta do teor literal do preceito, a norma não visa regular um determinado e específico acto processual, próprio de uma particular fase do processo. Antes vale, literalmente, para uma vasta generalidade de actos, inseridos em qualquer fase do processo.
Interessando-nos particularmente o nº 1 do preceito, importa desde logo, sublinhar que ali se visa regular um dos vectores da autodefesa ou auto-representação do arguido em processo penal.
Como refere o Conselheiro Henriques Gaspar, “A norma tem uma função relevante, permitindo que através das intervenções pessoais do arguido, «que são sempre integradas nos autos», a autoridade judiciária possa tomar conhecimento de elementos relevantes para a defesa do arguido; a prática revela, por vezes, que a intervenção pessoal do arguido, dirigindo-se directamente ao juiz, permite que este se aperceba de situações de «carência de defesa», exigindo-lhe a intervenção adequada – cf. anotação ao artigo 67º, ponto 3”.[124]

c.  O nº 1 do artigo 98º do C.P.Penal confere ao arguido amplas possibilidades de, pessoalmente e sem a intervenção do defensor, apresentar no processo elementos que entenda serem úteis à sua defesa. “Exposições”, “memoriais” e “requerimentos” são modos e espécies de intervenção pessoal abertos ao arguido como diversas possibilidades de autodefesa.
Não só se permite ao arguido apresentar pessoal e directamente pedidos/petições dirigidos à autoridade judiciária (fim para que servirá a apresentação de “requerimentos”), como se lhe permite que chame a atenção para um pedido anteriormente formulado ou para circunstâncias que se reputam relevantes (finalidade a que se ajusta a apresentação de “memoriais”), como igualmente se lhe disponibiliza a faculdade de apresentar assuntos, narrar e/ou explicar factos (desiderato que se alcança através da apresentação de “exposições”).

d. Precisamente porque se trata de intervenção pessoal do arguido, desacompanhado do seu defensor, a lei processual manifesta especial preocupação com a documentação dos actos – assim, no nº 1 do preceito, estabelece-se que “As exposições, memoriais e requerimentos do arguido são sempre integrados nos autos”, enquanto no nº 3 se dispõe que “Quando for legalmente admissível a formulação oral de requerimentos, estes são consignados no auto pela entidade que dirigir o processo ou pelo funcionário de justiça que o tiver a seu cargo”.
Ao disciplinar a documentação desses actos de autodefesa, a lei processual, obviamente, não impõe a aceitação cega nem garante o deferimento de quaisquer pretensões. Actos “integrados nos autos” são apenas actos que figuram no processo como passos formalizados do iter processual. A expressão usada no preceito não tem, lógica e obviamente, o significado de deferimento, provimento ou acolhimento da pretensão apresentada.

e.  A inserção sistemática do artigo 98º do Código de Processo Penal, no Título que regula especificamente a forma dos actos e a sua documentação, a par dos preceitos que regem sobre a língua dos actos e a nomeação de intérprete (artigo 92º), a participação de surdo, de deficiente auditivo ou de mudo (artigo 93º), a forma escrita dos actos (artigo 94º), a assinatura (artigo 95º), a oralidade dos actos (artigo 96º), os actos decisórios (artigo 97º), o auto (artigo 99º), a redacção do auto (artigo 100º), o registo e transcrição (artigo 101º), a reforma de auto perdido, extraviado ou destruído (artigo 102º), não pode deixar de relevar na interpretação da norma.

f.  Depois, com significativo relevo interpretativo, devem sopesar-se os elementos históricos.
Como pode ler-se em recente estudo publicado por José Alfredo Gameiro Costa[125]:
«Não existia norma similar no CPP de 1929, já que a sua introdução no Direito Processual Penal representava um corte com o passado no que concerne ao estatuto processual do arguido, na vertente dos seus direitos de intervenção. Veja-se, a propósito, o Preâmbulo do Decreto-Lei n.º 78/87, de 17 de Fevereiro: “Na redefinição do estatuto do arguido começa logo por sobressair o cuidado e uma certa solenidade com que se rodeia a sua constituição formal. Por outro lado, não será difícil verificar que o regime do Código, globalmente considerado, redonda num inquestionável aumento e consolidação dos direitos processuais do arguido.” E mais à frente: “Também aqui, de resto, o respeito intransigente pelo princípio acusatório leva o Código a adoptar soluções que se aproximam de uma efectiva igualdade de armas, bem como à preclusão de todas as medidas que contendam com a dignidade pessoal do arguido.”.
Assim, a inclusão do artigo 98.º no CPP em vigor, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 78/87, de 17 de Fevereiro, que revoga expressamente o Decreto-Lei 16489, de 15 de Fevereiro de 1929, representou a opção de Portugal respeitar a sua “inserção nas comunidades e organizações supranacionais e da cada vez mais acentuada sintonia com o ritmo dos grandes movimentos ideológicos, culturais, científicos, político- -criminais e jurídicos que permanentemente agitam e renovam o rosto do mundo; os segundos, provenientes da experiência jurídica nacional e das idiossincrasias irrenunciáveis do nosso universo histórico-cultural” e, “Procurou-se, em particular, tirar vantagem dos ensinamentos oferecidos pela experiência dos países comunitários (Espanha, França, Itália, República Federal da Alemanha) com os quais Portugal mantém um mais extenso património jurídico e cultural comum; países de resto, todos eles, empenhados num processo de profunda renovação das instituições processuais penais”[…].»
E procurando as fontes inspiradoras do regime instituído no artigo 98º do Código de Processo Penal, o citado autor discorre sobre o quadro jurídico alargado que enquadra, de forma efectiva, os direitos do arguido:
“Na verdade, o artigo 6.º, n.º 3, alínea c), da Convenção Europeia dos Direitos do Homem, aprovada em Roma em 04.11.1950[…], estabelece que o acusado de uma infracção penal tem o direito de “defender-se a si próprio ou ter a assistência de um defensor da sua escolha e, se não tiver meios para remunerar um defensor, poder ser assistido gratuitamente por um defensor oficioso, quando os interesses da justiça o exigirem”. Também a alínea d) do artigo 14.° do Pacto Internacional sobre os Direitos Civis e Políticos, de 16 de Dezembro de 1966[…], preceitua “A apresentar-se em julgamento e a defender-se pessoalmente ou ser assistida por um defensor de sua escolha (…)”. Por sua vez, e no quadro do Direito Constitucional, o artigo 52.º da CRP de 2 de Abril de 1976[…], sob a epígrafe “Direito de petição e direito de acção popular”, refere no seu n.º 1 “Todos os cidadãos têm o direito de apresentar, individual ou colectivamente, aos órgãos de soberania, aos órgãos de governo próprio das regiões autónomas ou a quaisquer autoridades petições, representações, reclamações ou queixas para defesa dos seus direitos, da Constituição, das leis ou do interesse geral (…)”.
                                                   
A. É errada e materialmente inconstitucional (por violação dos direitos de defesa do arguido – artigo 32º, nrs. 1 e 3, da Constituição da República Portuguesa) a interpretação da norma resultante do artigo 98º, nº 1, do Código de Processo Penal, no sentido de não ser admitida a junção aos autos de exposição exclusivamente subscrita pelo defensor do arguido (ainda que em representação deste)?

1. Aqui chegados, temos já facilitada a resposta à primeira questão enunciada, i. e., saber se a boa interpretação da norma resultante do artigo 98º, nº 1, do Código de Processo Penal deve ir no sentido de não ser admitida a junção aos autos de exposição exclusivamente subscrita pelo defensor do arguido (tal como entendeu o Tribunal a quo).
Contra o que entende a defesa do arguido, a resposta, avançamos já, é necessariamente positiva.

2. Como vimos, o artigo 98º, nº 1, do Código de Processo Penal visa regular possibilidades de autodefesa ou auto-representação do arguido em processo penal, tendo a norma a função relevante de permitir intervenções pessoais do arguido, em qualquer fase do processo.

3. A defesa técnica do arguido, essa assegurada pelo seu defensor, está regulada noutros locais do Código de Processo Penal e as suas possibilidades não são – nem poderiam ser, sob pena de total subversão do sistema – ampliadas pelo disposto no artigo 98º.
A norma não confere qualquer acrescida possibilidade de defesa técnica, não legitimando intervenções do defensor, ainda que em nome do arguido.
Ultrapassado o prazo para a apresentação da contestação, não pode o defensor vir apresentar uma exposição escrita em que narra os factos que são objecto do processo, tal como entende a defesa terem sucedido. Essa intervenção da defesa técnica sempre seria extemporânea e inadmissível. Do mesmo modo, não pode o defensor, antes de lhe ser concedida a palavra para alegações finais (orais, como impõe o rito processual), atravessar nos autos uma exposição que verse sobre as conclusões a extrair dos meios de prova produzidos sobre os factos da causa. Também essa intervenção seria intempestiva, irregular e inadmissível, por violadora do rito processual definido na Lei. De nada servirá à defesa técnica ensaiar esses propósitos, sob o manto ilusório da representação dos interesses do arguido e com invocação do disposto no artigo 98º do C.P.Penal.

4. Defesa técnica e autodefesa não se confundem, nem podem confundir-se, não sendo legítimo ao defensor do arguido lançar mão das possibilidades que apenas ao próprio são concedidas no artigo 98º.[126]
Que os requerimentos, exposições e memoriais previstos no artigo 98º, nº 1, do Código de Processo Penal, não são assinados pelo defensor, resulta desde logo e de forma clara, do teor literal do preceito – “o arguido, (…), pode apresentar exposições, memoriais e requerimentos em qualquer fase do processo, embora não assinados pelo defensor, desde que (…)” (destacado nosso).
E nenhuma razão ocorre para se forçar a interpretação a ultrapassar o teor literal do preceito – o espírito da norma, no caso concreto, coincide com a letra da Lei, nenhum fundamento tendo a interpretação pretendida pela defesa do arguido LC….
O artigo 98º, nº 1, do Código de Processo Penal tem a sua raiz no direito de petição e no direito de intervenção probatória, ambos com garantia constitucional – cfr., respectivamente, os artigos 52º, nº 1, e 32º, nº 7, da Constituição da República Portuguesa[127].
Como expressão legal do direito de petição, o preceito não serve de suporte para o alargamento das possibilidades de defesa técnica. O que o preceito garante, indo ao encontro das garantias constitucionais e das previsões dos convénios internacionais a que Portugal se acha obrigado, é que o arguido pode exercer a sua defesa pessoal, em domínios que não estão reservados à defesa técnica[128].
Autodefesa e defesa técnica não se confundem, repete-se, encontrando-se devidamente previstos na lei adjectiva os respectivos domínios. A circunstância de se abrirem possibilidades para o exercício de autodefesa não implica qualquer alargamento de possibilidades de defesa técnica (quer ao nível do número de actos admissíveis, quer ao nível do tempo para a sua prática)[129].

5. Tanto basta para que se considere demonstrada a falta de razão do recorrente LC… quando advoga a possibilidade de subscrição pelo defensor de peças processuais apresentadas ao abrigo do artigo 98º do C.P.Penal. A interpretação que o Tribunal a quo fez do artigo 98º, nº 1, ao proferir a decisão de fls. 54.713 (que indeferiu a junção aos autos do memorial subscrito pelo mandatário do arguido de fls. 54085 e seguintes) mostra-se correcta e conforme à Constituição. Não constitui, de modo algum, interpretação violadora dos nrs. 1 e 3 do artigo 32º da Constituição, mas antes interpretação conforme à Constituição e aos seus artigos 52º, nº 1, e 32º, nº 7.

6. Deste modo podemos, desde já, concluir pela improcedência do recurso interposto da decisão de fls. 54713, sendo de manter, na íntegra, o decidido.
 
B. As decisões recorridas são inválidas, por estarem afectadas por nulidade insanável nos termos do disposto nos artigos 119º, nº 1, al. e), e 122º do Código de Processo Penal, por terem sido tomadas com violação das regras de competência do tribunal?

1. Avançamos agora para a segunda questão a apreciar, repetidamente suscitada nos vários recursos do arguido JO….
Basicamente coloca o recorrente em questão a competência do tribunal que proferiu as decisões recorridas nos seguintes termos:
- suscitando a incompetência do Tribunal Colectivo que proferiu a decisão colegial de fls. 55721vº a 55722vº, que indeferiu a junção aos autos das três exposições/memoriais do arguido JO… de fls. 55602 a 55606, 55618 a 55633 e 55583 a 55590;
- suscitando a incompetência do Juiz Presidente (rectius Juiz titular do processo) que proferiu a decisão singular de fls. 56.721, que indeferiu a junção aos autos das exposições/memoriais do arguido JO… de fls. 56659 e seguintes.
Desde já adiantamos que não assiste razão ao arguido em qualquer um dos supra referidos casos de arguição de incompetência.

2. Vejamos os dados concretos que resultam dos autos.
A decisão colegial de fls. 55721vº a 55722vº foi proferida no decurso da sessão de audiência de julgamento de 13 de Maio de 2016.
A decisão singular de fls. 56.721 foi proferida pelo Juiz titular do processo, em despacho proferido após os autos lhe serem feitos conclusos, em data posterior ao encerramento da audiência de julgamento (nos termos do artigo 361º, nº 2, do C.P.Penal), depois de produzidas todas as alegações finais e de concedida aos arguidos a possibilidade de prestação de últimas declarações – cfr. acta de fls. 56.448 a 56.451.

3. Dispõe o artigo 119º do Código de Processo Penal, sob a epígrafe “Nulidades insanáveis”:
“Constituem nulidades insanáveis, que devem ser oficiosamente declaradas em qualquer fase do procedimento, além das que como tal forem cominadas em outras disposições legais:
(…)
e) A violação das regras de competência do tribunal, sem prejuízo do disposto no n.º 2 do artigo 32.º;
(…)”.

4. Como já antes tivemos ocasião se salientar a propósito do recurso interlocutório interposto pelo arguido LC… do despacho proferido a fls. 54.713vº, a nulidade assim prevista no artigo 119º, al. e), do C.P.Penal, diz respeito a eventuais violações das regras de competência material, funcional ou territorial dos tribunais.
Há, pois, um núcleo de regras cuja violação acarreta o vício de nulidade insanável. Mas, como detalhadamente se esclareceu na apreciação do recurso da decisão de fls. 54.713vº, nem a todas as regras sobre atribuição de competência está associado, em caso de violação, o vício de nulidade insanável.
Não o está, como dissemos e designadamente, no caso das regras que estabelecem a distribuição de competências entre o tribunal colectivo (seja em processo julgado por tribunal colectivo, seja em processo julgado por tribunal do júri) e o juiz presidente, na audiência de julgamento (sendo certo que a lei prevê casos de competência exclusiva do juiz presidente, casos de competência exclusiva do tribunal colectivo, casos de competência concorrente do tribunal colectivo e do juiz presidente, casos de competência de qualquer juiz togado e casos de competência de qualquer juiz togado ou jurado).
Citando, uma vez mais, Paulo Pinto de Albuquerque, diremos que “A consequência jurídica da violação destas regras é a da irregularidade, que deve ser arguida nos termos gerais”[130].

5. O recorrente esgrime os seguintes argumentos sobre a incompetência do órgão que proferiu as decisões:
- a decisão de admissão de um memorial/exposição apresentado ao abrigo do artigo 98º, nº 1, do C.P.Penal, reveste-se de manifesta simplicidade, sendo acto que cabe nos poderes atribuídos ao juiz presidente do colectivo, nos termos do disposto no artigo 323º daquele código, por se tratar de exercício claramente gestionário da tramitação do processo (cfr. recurso da decisão colegial de fls. 55721vº a 55722vº, interposto pelo arguido JO…);
- para o caso de assim não se entender e se concluir que a competência para a admissão de exposições e/ou memoriais do arguido é do Tribunal Colectivo, a decisão proferida pelo Juiz Presidente do Colectivo a fls. 56.721 deverá ser anulada, por enfermar do vício de nulidade previsto no artigo 119º, al. e), do CPP, sob pena de subsistirem decisões contraditórias nos autos (cfr. questão que subsidiariamente foi colocada no recurso da decisão de fls. 56.721).

6. O recorrente JO… labora num erro que inquina todo o seu argumentário – pretende ser possível isolar como categoria de actos autónoma a apresentação, ao abrigo do artigo 98º, nº 1, do CPP, de exposições/memoriais pelo arguido. E para essa especial categoria de actos – cuja apreciação entende estar revestida de manifesta simplicidade – pretende ver definida na lei a competência exclusiva de um órgão.
Não é assim.

7. Como supra dissemos, resulta do teor literal do artigo 98º, nº 1, do C.P.Penal, que a norma não visa regular um determinado e específico acto processual, próprio de uma particular fase do processo. Antes vale, literalmente, para uma vasta generalidade de actos, inseridos em qualquer fase do processo.
Será a natureza do concreto acto de autodefesa que for praticado que nos dará a resposta quanto ao “tribunal competente” para a sua admissão.
Se o memorial for apresentado no decurso da fase de instrução, por exemplo, a competência para a sua admissão/apreciação caberá ao juiz de instrução criminal.
Se, diferentemente, for apresentado no decurso da fase de julgamento e no âmbito de um processo com intervenção de tribunal de estrutura colegial, impõe-se ter presentes as regras de repartição da competência entre o juiz presidente e o colectivo.

8. As regras de repartição dessa competência são muito claras quanto à apreciação dos actos que se prendem com a prova.    
Citando, uma vez mais, Paulo Pinto de Albuquerque, diremos que “Pertence à competência exclusiva do tribunal colectivo: (…)
B. Decidir sobre a produção da prova:
i. Deferir ou indeferir a produção de meios de prova requerida na audiência de julgamento (artigo 340º, nº 1) (…); portanto, o juiz presidente defere ou indefere a produção de meios de prova requerida antes da audiência de julgamento, mas não tem competência para se pronunciar sozinho sobre os requerimentos de produção de prova feitos na audiência. (…)”[131].
Diferentemente, como esclarece o mesmo autor, “Pertence à competência concorrente do tribunal colectivo e do juiz presidente: A. Submeter meios de prova oficiosamente (a competência do juiz presidente funda-se no artigo 323º, als. a) e b), e a competência do tribunal colectivo funda-se nos artigos 327º, nº 2, e 340º, nº 2); portanto, a produção do meio de prova deve ser determinada pelo juiz presidente ou pelo conjunto dos juízes togados;
(…)
Portanto, no que respeita à produção de prova, quer o juiz presidente quer o tribunal colectivo têm competência para determinar oficiosamente a produção de meios de prova na audiência de julgamento e o tribunal colectivo tem competência para deferir ou indeferir os requerimentos de produção de prova feitos na audiência.[132].

9. Verificando-se que a apreciação (da admissibilidade) dos memoriais /exposições do arguido JO… de fls. 55602 a 55606, 55618 a 55633 e 55583 a 55590 decorreu após o início da audiência de julgamento, mais precisamente em sessão realizada no dia 13 de Maio de 2016, a decisão não poderia deixar de caber ao tribunal colectivo – como acertadamente se afirmou na decisão recorrida, a fls. 55881vº, “quando o arguido, no âmbito do art. 98º, nº 1, do CPP, apresenta memoriais, requer/expõe matéria atinente aos factos que lhe são imputados na pronúncia, aos factos descritos na contestação, à prova produzida sobre os mesmos (testemunhal, documental ou outra), cabe ao Tribunal Colectivo apreciar tais requerimentos e documentos a eles anexos e consequentemente decidir sobre a sua admissão ou não. (…) tendo os juízes adjuntos deste tribunal tido conhecimento dos requerimentos /exposições (art. 98º do CPP) cuja junção ora se requer e sendo os mesmos atinentes à matéria que cabe a final ao Tribunal Colectivo apreciar e sobre ela deliberar, mal se compreenderia que não fosse objecto de decisão colegial a apreciação dos mesmos”.
Não ocorreu, pois, qualquer irregularidade.

10. Significa isto que, como pretende o recorrente, se deve concluir pela invalidade da decisão singular proferida pelo Juiz titular do processo a fls. 56.721? Incorre-se em contradição se não se deferir a competência para a sua prolação ao tribunal colectivo?
A resposta é negativa.

11. A exposição apresentada a fls. 56659 a 56719 pelo arguido JO… veio aos autos quando já ocorrera o encerramento da audiência de julgamento, nos termos previstos no artigo 361º, n.º 2, do C.P.Penal – cfr. acta de fls. 56448 a 56451.
As regras de repartição da competência entre o colectivo e o juiz presidente/titular do processo impõem que se conclua que, no caso em apreço, encerrada a audiência, a competência para a apreciação cabia a este último.
Tal como sucede quando ainda não se declarou aberta a audiência de julgamento (mesmo que já agendada) – caso em que compete ao juiz presidente, em decisão singular, deferir ou indeferir os requerimentos de produção de prova -, também quando já se declarou encerrada a audiência de julgamento (artigo 361º, nº 2, do C.P.Penal), será ao juiz presidente que compete apreciar quaisquer requerimentos/exposições que venham a ser apresentados nos autos.

12. O critério de repartição é claro na lei: tudo passa por se saber se os requerimentos foram apresentados no decurso da audiência de julgamento ou fora dela (antes do seu início ou após o seu encerramento), cabendo a competência no primeiro caso ao colectivo de juízes, ao passo que no último caberá ao juiz presidente.
E em nada altera os dados da equação a circunstância de se achar já agendada data para a reabertura da audiência. A audiência não está em curso e, por isso, tudo se passará como no caso de ainda não ter sido declarada aberta a audiência cujo início se agendou já.

13. Deste modo, nenhuma contradição há a registar, devendo concluir-se que não padece de irregularidade a decisão singular proferida pelo Juiz titular do processo a fls. 56.721.
Termos em que não se poderá deixar de concluir pela improcedência de todos os argumentos relativos às arguidas incompetências, naufragando os recursos nessa parte.
 
C. As decisões recorridas são inválidas (nulas ou irregulares) por assentarem em violação dos princípios da segurança jurídica, da protecção da confiança dos cidadãos e da lealdade processual?

1. Tendo em atenção as conclusões dos recorrentes LC… e JO…, a apreciação dos recursos não pode evitar a indagação sobre se as decisões recorridas constituíram violação do princípio da confiança e se, por essa via, devem ser revogadas.

2. Os recorrentes insurgem-se contra as decisões recorridas afirmando que as mesmas foram proferidas com inversão do procedimento processual implementado ao longo de vários anos pelo tribunal, segundo o qual todos os memoriais/exposições apresentados pelos arguidos, sobre diversos temas do processo, foram admitidos e mandados juntar aos autos por decisão singular do Juiz Presidente. Consideram que as decisões recorridas afrontam tal prática processual consolidada, sobejamente conhecida por todos os sujeitos processuais, numa inversão de procedimento que viola os princípios da confiança e da segurança jurídica e da lealdade processual.
Argumentam que tal violação ocorre em prejuízo dos direitos de defesa dos arguidos, sendo equiparável à violação do caso julgado e provocando a invalidade das decisões proferidas.

3. Importa assinalar que os recorrentes jamais argumentam que as decisões recorridas não tenham respeitado o caso julgado formal decorrente da consolidação de despachos anteriormente proferidos – a invocação de decisões anteriores não é feita com o intuito de assinalar a ocorrência de caso julgado formal e a sua violação pelas decisões recorridas.
Perante a ausência de invocação de violação de caso julgado, impõe-se analisar se as decisões recorridas enfermam do “equiparável” gravoso defeito que lhes é imputado pelos recorrentes.
Desde já se afirma que não lhes assiste razão.

4. Sobre a temática da violação dos princípios da confiança e da segurança jurídica é incontornável a leitura da sedimentada jurisprudência do Tribunal Constitucional, podendo dela colher-se boas referências nos Acórdãos nº39/04, 159/04, 722/04 e 3/2013[133].
Tal jurisprudência constitucional não surge em matéria relacionada com o domínio da autodefesa e o preceituado no artigo 98º do C.P.Penal. No entanto, da sua leitura é possível extrair-se um critério orientador em matéria de violação do princípio da confiança: não é legítimo que os efeitos de uma decisão anterior, ao abrigo da qual se constitua um direito de intervenção processual, ainda que baseada numa eventual interpretação errónea do direito, mas não arbitrária ou ela mesma flagrantemente violadora de direitos, venham a ser destruídos por decisão posterior que ponha em causa o prosseguimento com boa-fé da actividade processual do arguido, nomeadamente o exercício normal do seu direito de defesa.

5. Poderá afirmar-se que as decisões recorridas violam tal critério orientador?
Não.

a. Desde logo, da circunstância de terem sido admitidos anteriores memoriais/exposições não pode afirmar-se que em favor dos arguidos se constituiu um direito de intervenção processual.
O direito que assistia e assiste aos arguidos decorre da lei e não da prática referente a anteriores apresentações de memoriais nos presentes autos.

b. Por outro lado, não pode defender-se que as decisões anteriores sobre memoriais apresentados ao abrigo do artigo 98º do C.P.Penal tenham feito nascer uma legítima expectativa de deferimento/acolhimento de futuras pretensões baseadas em tal preceito legal.
Trata-se de uma ideia absurda, sem qualquer suporte legitimador. Levando o absurdo ao extremo, caberia perguntar se apenas uma semelhante decisão anterior seria suficiente para criar tais “legítimas expectativas” ou, não o sendo, quantas decisões, ao longo de quanto tempo, seriam susceptíveis de surtir esse efeito.

c. Na verdade, vendo as coisas como elas são, impõe-se sublinhar que os despachos proferidos, em anteriores ocasiões, sobre pretensões fundadas no artigo 98º do C.P.Penal não visaram a definição das bases de uma futura intervenção processual, passível de ser integrada, como um direito, no âmbito da defesa dos arguidos. Visaram sim, e tão só, os concretos actos de autodefesa praticados, sem pretensão de definição de direitos relativos a procedimentos futuros e, mais do que isso, sem alcance para isso.

6. Aqui chegados, podemos afirmar que as decisões recorridas, ao não acolherem as pretensões apresentadas ao abrigo do artigo 98º, não importaram a compressão de quaisquer direitos ou sequer expectativas legítimas, dos arguidos recorrentes.
Deverá, na verdade, sublinhar-se que os despachos proferidos sobre memoriais/exposições apresentados ao abrigo do artigo 98º, não estabeleceram garantias de acolhimento de ulteriores iniciativas, limitando-se a determinar para o caso concreto de um acto processual praticado.

7. Importa não perder isso de vista, concluindo pela inexistência de base para que os arguidos criassem a expectativa (a todos os títulos ilegítima) de que todos os futuros actos fundados no artigo 98º do C.P.Penal mereceriam pleno acolhimento pelo Tribunal. Porque a base para alimentar essa expectativa nunca existiu, não faz qualquer sentido afirmar que as decisões recorridas são violadoras da confiança depositada no Tribunal.

8. Tanto basta para que se arrede, em definitivo, a alegada quebra de expectativas e frustração da confiança depositada no Tribunal.
A bondade das decisões recorridas não depende da sua conformidade com anteriores decisões mas antes, como é evidente, da medida em que tenham respeitado os pressupostos de acolhimento das iniciativas de autodefesa ao abrigo do artigo 98º do Código de Processo Penal.
Não há, pois, como deixar de julgar improcedente todo o argumentário relacionado com a violação dos princípios da confiança e da segurança jurídica e da lealdade processual.

D. As decisões recorridas incorrem em violação do disposto no artigo 98º, nº 1, do Código de Processo Penal, designadamente assentando numa interpretação dessa norma que é materialmente inconstitucional?
 
1. No recurso que o arguido JO… interpôs da decisão de fls. 55.881 - que indeferiu a irregularidade processual e nulidade, arguidas em 13 de Maio de 2016, da decisão colegial de fls. 55721vº a 55722vº, que por sua vez indeferiu a junção aos autos das três exposições/memoriais do arguido de fls. 55602 a 55606, 55618 a 55633 e 55583 a 55590 - vem invocada a violação do artigo 98.º, n.º 1, do CPP.
Entende o recorrente que perante a circunstância de as exposições apresentadas se conterem “dentro do objecto do processo”, não restava ao Tribunal senão ordenar a requerida junção aos autos, que a lei impõe ao determinar que nessas circunstâncias tais escritos “são sempre integrados nos autos”, ao invés de a indeferir com o pretexto de o artigo 98º não legitimar a apresentação de peças destinadas “a facilitar o trabalho de um qualquer Tribunal, nomeadamente como este, que visa apontar prova existente”.
E argumenta o recorrente que “uma coisa é o Arguido expor o seu ponto de vista, organizando a prova e interpretando-a em sua defesa, outra, bem diferente, será aquela que, a final, caberá ao Tribunal, de forma independente e autónoma, a de apreciar a prova a final, à luz do disposto no artigo 127.º do CPP”.
Conclui o recorrente que a interpretação que o Tribunal a quo fez do artigo 98.º, n.º 1, do C.P.Penal, ao não admitir a junção aos autos das exposições do arguido, apesar de contidas dentro do objecto do processo, é materialmente inconstitucional, por violação dos artigos 18.º, n.º 1, 29.º, 1 e 32.º, n.ºs 1 e 3, da Constituição da República Portuguesa, restringindo de forma desnecessária “todos os direitos de defesa”.
Mas não tem razão.

2. Desde logo, confunde o arguido duas vertentes: a da documentação dos actos e a do acolhimento dos actos.

a. O artigo 98º estabelece, efectivamente, que “As exposições, memoriais e requerimentos do arguido são sempre integrados nos autos”.
Não pode isto deixar de significar que, uma vez apresentados ao abrigo do artigo 98º, os escritos que consubstanciam actos de autodefesa do arguido ficarão a constar do processo, nele sendo integrados e, dessa forma ficando documentada a prática do acto – recordemo-nos que o preceito se insere no capítulo que rege a documentação dos actos.
Por ser assim, não deixará o recurso interposto de merecer parcial acolhimento, sendo de revogar a decisão de desentranhamento das peças apresentadas.

b. Mas daí a pretender que o Tribunal “a quo”, ao não acolher a pretensão do arguido, violou o artigo 98º, nº 1, do CPP e frustrou direitos e garantias de defesa, vai um passo demasiado largo.
A pretensão do arguido, nas suas próprias palavras foi a de “expor o seu ponto de vista, organizando a prova e interpretando-a em sua defesa”. O Tribunal a quo interpretou o teor das exposições/memoriais que lhe foram apresentados atribuindo-lhes a pretensão de proceder a “detalhada análise da prova produzida (…) com uma vontade do arguido em «estratificar» ou não factos a seu belo prazer para «futura utilização deste Colectivo» (…) para que este «perceba» por fim o que efectivamente aconteceu, perante a prova que o arguido indica claramente”.

3. Desapaixonadamente poderá, após leitura integral dos escritos apresentados, afirmar-se que o claro intuito das três exposições em apreço foi o de expor conclusões de facto e de direito, extraídas da prova produzida.
Sendo essa a finalidade das alegações orais previstas no artigo 360º, nº 1, do Código de Processo Penal (alegações essas a produzir pelo defensor do arguido, em exercício técnico de valoração da prova produzida), cabe perguntar se tal desiderato também poderá integrar as possibilidades de autodefesa garantidas pelo artigo 98º, nº 1.
Entendemos que não.

4. Como se escreveu no Acórdão da Relação de Coimbra de 3 de Junho de 2015[134], “A norma invocada descende da que consta do artº 52º nº 1 da Constituição que confere aos cidadãos o direito de petição e tem em vista permitir ao arguido através da sua intervenção pessoal que a autoridade judiciária possa tomar conhecimento de elementos relevantes para a sua defesa, não colidindo nem substituindo a intervenção de advogado nos actos processuais consagrados na lei processual penal.”
Tal faculdade de o arguido intervir no processo, como se refere no citado Acórdão “não serve - não pode servir - para que substitua o seu defensor, que o deve acompanhar obrigatoriamente nos actos a que se reporta o nº1 do art.º 64º do CPP, designadamente desde que contra si seja deduzida acusação, nº2 do mesmo preceito legal”.
Convocando a decisão vertida no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 25.09.2008 (proc. 2300/08- 3ª Secção), argumenta-se no citado Acórdão da Relação de Coimbra que “Tal direito de petição não serve para que o arguido substitua a intervenção do respectivo advogado, devendo ser assistido por defensor em todos os actos processuais em que participar, nomeadamente naqueles em que se colocam especiais exigências de rigor jurídico.”.

5. E a razão para assim se entender radica na circunstância de o instituto da defesa não ser estabelecido ou consagrado apenas em favor dos interesses do arguido, mas também para garantir o bom funcionamento da justiça, interesse de ordem pública cuja prossecução só se consegue através do exercício da defesa técnica.[135]

6. Nenhuma dúvida nos assalta quanto à obrigatoriedade da assistência por defensor para a produção de alegações finais – seguros estamos que também o recorrente JO… não defenderia a possibilidade de, pessoalmente, de viva voz e em substituição do seu mandatário, produzir na audiência de julgamento, alegações orais, logo que chegado o momento previsto no artigo 360º, nº 1, do C.P.Penal.
Também não pode fazer essa substituição por escrito e em momento antecipado. O desiderato está reservado ao defensor, cuja intervenção na audiência de julgamento é feita no âmbito de assistência obrigatória.

7. Como se referiu no Acórdão da Relação de Évora de 24 de Setembro de 2013[136], acerca do disposto no artigo 32º, nº 3, da Constituição da República Portuguesa (“O arguido tem direito a escolher defensor e a ser por ele assistido em todos os actos do processo, especificando a lei os casos e as fases em que a assistência por advogado é obrigatória”): “Querendo-se com tal significar, na lição de Jorge Miranda e de Rui Medeiros, que se concede ao arguido o direito à escolha de defensor e a ser por ele assistido em todos os actos do processo, remetendo-se para a legislação ordinária a especificação dos casos em que a assistência por advogado é obrigatória.”.
E neste mesmo Acórdão consigna-se “que do texto constitucional resulta agora que há um núcleo de actos e fases do processo em que a defesa só pode ser assegurada por advogado, sendo de excluir não só defensores não advogados, mas também os advogados estagiários. É a lei ordinária que estabelecerá quais são esses casos”.

8. A prova é produzida em sede de audiência de julgamento, na qual o defensor exerce a sua intervenção técnica, de forma a serem assegurados os direitos de defesa do arguido.
Finda a produção da prova, o presidente concede a palavra, sucessivamente, ao Ministério Público, aos advogados dos assistentes e das partes civis e ao defensor, para alegações orais nas quais exponham as conclusões, de facto e de direito, que hajam extraído da prova produzida – cfr. o artigo 360º, nº 1, do C.P.Penal.
Estabelecendo este procedimento, no âmbito da audiência, é imperioso concluir que a lei adjectiva penal portuguesa impõe a defesa técnica (arts. 61.º, 62.º e 64.º, do C.P.Penal).

9. Mas mesmo se admissível fosse o exercício da autodefesa com o propósito prosseguido pelo arguido, sempre esbarraríamos num outro óbice ao acolhimento da pretensão do arguido.
Como vem sendo repetidamente assinalado na Doutrina e na Jurisprudência, “o arguido tem legitimidade para apresentar memoriais, exposições e requerimentos nas fases do inquérito, instrução e julgamento, desde que não suscite quaisquer questões de natureza jurídica, pois tal área de intervenção está-lhe vedada, (…) por serem questões eminentemente técnicas, as quais devem ser, exclusivamente, praticadas por advogados” (destacado nosso)[137].
Também no Acórdão da Relação de Guimarães de 9 de Janeiro de 2017, se decidiu no mesmo sentido[138]. Aí podemos ler: “É certo que o arguido pode apresentar, por si só, exposições, memoriais e requerimentos, no entanto, nestes não podem suscitar-se questões de natureza jurídica (cfr. artigo 40.º, n.º 2, do CPC), como ocorre, no requerimento de abertura de instrução apresentado nos autos no qual o arguido suscita, desde logo, a questão da “caracterização da negligência que lhe foi imputada” e a suspensão provisória do processo.”.

9. Ora no caso concreto das três exposições apresentadas nos autos pelo recorrente JO…, ao abrigo do artigo 98º, nº 1, do C.P.Penal, sempre com o fito de expor conclusões de facto e de direito, extraídas da prova produzida, o arguido suscita complexas questões técnico-jurídicas, designadamente sobre os efeitos de determinados negócios jurídicos onerosos ao nível da transmissão da propriedade de determinados bens e da titularidade de participações sociais.
Tais questões técnicas (sublinhando-se que não se limitou o arguido à enumeração de factos naturalísticos), são domínio reservado à defesa técnica.

10. Aqui chegados, importa concluir que bem andou o Tribunal a quo quando entendeu não dever tomar em consideração as três exposições apresentadas pelo arguido JO… a fls. 55602 a 55606, 55618 a 55633 e 55583 a 55590.
Apenas se discorda da ordem de desentranhamento, devendo nessa parte revogar-se a decisão, com vista a assegurar os propósitos de documentação dos actos supra esclarecidos.

11. Também no recurso que o arguido LC… interpôs da decisão de fls. 55.713 - que indeferiu a junção aos autos do memorial subscrito pelo arguido de fls. 54753 e seguintes - vem invocada a violação do artigo 98.º, n.º 1, do C.P.Penal.
Entende o recorrente que a decisão recorrida se baseou em errada interpretação da norma resultante do artigo 98º, nº 1, do C.P.Penal, pois as exposições, memoriais e requerimentos do arguido que se contenham dentro do objecto do processo ou tenham por finalidade a salvaguarda dos seus direitos fundamentais, são sempre integrados nos autos.
Mais argumentou que o Tribunal a quo assumiu finalidades e objectivos da exposição apresentada que de modo algum têm o mínimo de correspondência verbal, ainda que imperfeitamente expresso.
Mas não tem razão.

12. Também este recorrente incorre em confusão quanto a documentação dos actos e a acolhimento dos actos.
Tal como supra referimos quanto às exposições apresentadas pelo co-arguido OC…, também quanto ao escrito assinado por LC… e apresentado ao abrigo do artigo 98º, por consubstanciar acto de autodefesa do arguido, deverá ficar a constar do processo, nele sendo integrado e, dessa forma ficando documentada a prática do acto.[139]

13. Por ser assim, não deixará o recurso interposto de merecer parcial acolhimento, sendo de revogar a decisão de desentranhamento da peça apresentada.

14. Mas também quanto a ela não há base para sustentar que o Tribunal a quo, ao não acolher a pretensão do arguido violou o artigo 98º, nº 1, do CPP e frustrou direitos e garantias de defesa.

a. A pretensão do arguido, surge nas “suas” palavras como sendo a de “apresentar de forma organizada os factos tal como ocorreram elencando cronologicamente os respectivos processos de decisão e os eventos ocorridos facilitando – tanto quanto possível -o trabalho de análise de V. Exas.”.

b. O Tribunal a quo interpretou o teor da exposição que lhe foi apresentada atribuindo-lhe uma injustificada pretensão de “ajudar” a decidir quanto aos factos.

15. Também neste caso, após leitura integral do escrito apresentado, afirmamos que o evidente intuito da exposição em apreço foi o de expor conclusões de facto e de direito, extraídas da prova produzida – referem-se os pontos da pronúncia que se refutam e analisam-se os meios de prova que alegadamente justificam conclusão diversa, prosseguindo finalidade idêntica à das alegações orais previstas no artigo 360º, nº 1, do Código de Processo Penal.

16. Como já antes dissemos, entendemos que tal desiderato não poderá integrar as possibilidades de autodefesa garantidas pelo artigo 98º, nº 1, do C.P.Penal, dando aqui por integralmente reproduzidas as razões expostas quanto ao recurso do co-arguido OC….

17. No caso concreto, o defensor do arguido pretendeu antecipar as suas conclusões quanto a parte dos factos em discussão, apresentando antes do momento do artigo 360º, nº 1, um escrito em que verteu verdadeiras alegações.
Lançou mão do artigo 98º, nº 1, à míngua de outro apoio legal para tal antecipação.
Esse ensejo foi rejeitado pelo Tribunal a quo (e bem, como vimos, em apreciação ao recurso interposto da decisão de fls. 54713).
Naufragada tal pretensão, almejou a defesa outro caminho para o mesmo fim (apresentar alegações) – subscrevendo o próprio arguido o mesmo texto, com as vestes do artigo 98º, nº 1, do C.P.Penal, o objectivo ficaria cumprido.
Mas não pode ser assim. 

18. Como referimos, citando a decisão do Tribunal da Relação de Coimbra, a faculdade de o arguido intervir no processo “não serve - não pode servir - para que substitua o seu defensor (…)”. Sendo a produção de alegações função da defesa técnica, para ela está previsto um timing específico, tal como uma forma adequada (oralidade), não havendo fundamento para alterar as regras do iter processual.

19. E, uma vez mais afirmamos que, mesmo se admissível fosse o exercício da autodefesa com o propósito assumido pelo arguido LC… ao subscrever o escrito apresentado, sempre esbarraríamos no óbice que também assinalámos quanto às exposições do co-arguido OC….
Também no caso da exposição apresentada nos autos pelo recorrente LC…, sempre com o fito indesmentível de expor conclusões de facto e de direito, extraídas da prova produzida, a defesa suscita/aborda complexas questões técnico-jurídicas, designadamente e a título exemplificativo, sobre os efeitos de contrato-promessa de cessão de quotas celebrado com vista à aquisição de sociedade comercial, bem como a transformação de uma sociedade por quotas em sociedade anónima, designadamente quanto aos requisitos exigidos pelo artigo 273º do Código das Sociedades Comerciais.

20. Tais questões técnicas são domínio reservado à defesa técnica – as conclusões que a defesa pretende sobre elas extrair da prova têm um momento e modo próprio de serem reveladas.

21. Aqui chegados, importa concluir que bem andou o Tribunal a quo quando entendeu não dever tomar em consideração a exposição apresentada pelo arguido LC… a fls. 54753 e segs.
Apenas se discorda, uma vez mais, da ordem de desentranhamento, devendo nessa parte revogar-se a decisão recorrida, com vista a assegurar os propósitos de documentação dos actos supra referidos.
 
22. Por fim, também no recurso que o arguido JO… interpôs da decisão de fls. 56.721vº e segs. - que indeferiu a junção aos autos das exposições/memoriais do arguido de fls. 56659 e seguintes - vem invocada a violação do artigo 98.º, n.º 1, do C.P.Penal.
Também aqui soçobram as razões do recorrente.

23. Não se podendo concordar, mais uma vez, com a análise bipartida do escrito apresentado pelo arguido, impõe-se concluir, sem necessidade de aprofundamento, pelo acerto da decisão recorrida quanto à primeira parte da exposição – sendo absolutamente certo que o arguido, no seu texto, não invocou qualquer direito fundamental que pretendesse ver salvaguardado, certo é também que essa parte da exposição não se contém dentro do objecto do processo (ou seja do thema probandum e do thema decidendum[140]).

24. Por outro lado, a segunda parte da exposição, relativa a percurso de vida e condições pessoais e económicas do arguido, como bem se assinalou na decisão recorrida, refere-se a matéria integrada no objecto do processo.
No entanto, como bem se assinalou na decisão recorrida, constitui acto extemporâneo e que, por essa via, não poderá ser considerado.

25. Na verdade o recorrente labora em erro quando argumenta que a decisão está errada porque o artigo 98º pode ser usado em qualquer fase do processo. Jamais na decisão recorrida se disse o contrário.
Entende o recorrente que o artigo 98º, nº 1, do CPP, consagra um direito do arguido exercitável na fase de inquérito, instrução, julgamento e/ou recurso, e que nada obsta, ao contrário do decidido, que tal direito seja exercido após “o encerramento da audiência de julgamento”.

26. Se isso é verdade – e é – o mesmo não quer dizer que qualquer requerimento/exposição/memorial, desde que apresentado a coberto do artigo 98º, nº 1, do C.P.Penal tenha possibilidade de merecer acolhimento, independentemente da sua pertinência e relevância em face da etapa processual em que surge.
Se, usando como fundamento legal o disposto no artigo 98º, nº 1, do CPP, o arguido apresentar um requerimento de abertura de instrução, um ano depois de ter sido pessoalmente notificado da acusação deduzida e pela qual está a ser julgado, em processo em que a audiência se iniciou há seis meses, será evidente para todos que o seu requerimento não poderá ser acolhido.

27. Diz o recorrente que “a decisão recorrida equipara – erradamente – a exposição do Arguido a um requerimento em que a defesa junta, ou requer a produção de prova, o que, salvo o devido respeito, não faz qualquer sentido, nem tem qualquer base legal”. Mais afirma que “O acto processual em causa não está sequer previsto no “Livro III” relativo à “prova”, não constando este concreto acto processual no elenco dos meios de prova processualmente admissíveis”.

28. Mais uma vez se constata a incursão em erro ao considerar a apresentação de memoriais/exposições/requerimentos ao abrigo do artigo 98º do C.P.Penal como um especial acto processual, de conteúdo predeterminado, ontologicamente distinto de outros actos processuais.
Como já referimos, os actos que podem praticar-se ao abrigo do artigo 98º não constituem uma categoria de actos de conteúdo predefinido e, por essa simples razão, a sua regulamentação não pode merecer arrumação no “elenco dos meios de prova admissíveis” – o seu conteúdo poderá fazer com que nada tenham a ver com a actividade probatória.

29. Dado o conteúdo da exposição apresentada – narração de factos sobre percurso de vida e condições pessoais e económicas do arguido – o escrito constitui um documento elaborado pelo arguido que, óbvia e indesmentivelmente se destinava a ser considerado pelo Tribunal na determinação dos factos provados quanto a tal vertente do thema probandum.
Não se incorreu, pois, em qualquer erro ao considerar-se que o escrito consubstanciava um meio probatório oferecido ao abrigo do artigo 98º, nº 1, do C.P.Penal. E, por isso mesmo, forçoso seria que se considerasse extemporâneo tal acto, em face do encerramento da audiência de julgamento.

30. O acolhimento da pretensão do arguido não tinha fundamento, impondo-se, uma vez mais, concluir que bem andou o Tribunal a quo quando entendeu não dever tomar em consideração a exposição apresentada pelo arguido OC… após o encerramento da audiência.
Uma vez mais, somente se discorda, da ordem de desentranhamento, devendo nessa parte revogar-se a decisão recorrida, com vista a assegurar os propósitos de documentação dos actos, nos termos supra referidos.

31. Em sede final e encerrando a apreciação das questões aqui propostas, cabe-nos apenas referir que, como decorre do que se deixou exarado, as interpretações cuja inconstitucionalidade os arguidos reclamam não foram perfilhadas por este tribunal. Tais invocados sentidos normativos não tiveram, pois, aplicação no presente caso.

32. Pelo exposto, determinar-se-á:
- julgar improcedente o recurso interposto pelo arguido lc…, da decisão de fls. 54.713, que indeferiu a junção aos autos do memorial de fls. 54085 e seguintes, subscrito pelo mandatário do arguido, mantendo-se na íntegra tal decisão;
- julgar parcialmente procedente o recurso interposto pelo arguido jo…, da decisão de fls. 55.881, que indeferiu a irregularidade processual e nulidade arguidas em 13-05-2016 da decisão colegial de fls. 55721vº a 55722vº, revogando apenas a ordem de desentranhamento das três exposições/memoriais do arguido de fls. 55602 a 55606, 55618 a 55633 e 55583 a 55590, mas mantendo, no mais, o decidido;
- julgar parcialmente procedente o recurso interposto pelo arguido lc…, da decisão de fls. 55.713, revogando apenas a ordem de desentranhamento do memorial de fls. 54753 e segs., subscrito pelo arguido, mas mantendo, no mais, o decidido;
- julgar parcialmente procedente o recurso interposto pelo arguido jo…, da decisão de fls. 56.721vº e segs., revogando apenas a ordem de desentranhamento da exposição de fls. 56659 e seguintes, mas mantendo, no mais, o decidido.

                                                      *
24º Recurso interposto pelo arguido jo…, do despacho de fls. 55721vº, datado de 13.05.2016, que apreciou o requerimento de fls. 55.573 a 55.577 e indeferiu o pedido de notificação da assistente BIC, S.A. para juntar aos autos cópias das cartas de “put option” e/ou cartas de conforto, alegadamente emitidas pelo BPN, S.A. a favor do Banco Insular relativamente às entidades indicadas a fls. 55.577.

1. Por despacho proferido em 13 de Maio de 2016, na sessão de audiência de julgamento desse dia, pelo Juiz Presidente, após deliberação do Tribunal Colectivo, foi decidido (cfr. fls. 55.721vº):
Requerimento de folhas 55573 a 55577, apresentado pelo arguido JO…:
Vem o arguido JO…, requerer ao abrigo do disposto no artº 340º nº 1 do CPP e para boa decisão da causa e quanto à matéria de facto vertida nos pontos 519º a 530º e 841º e 842º da douta pronúncia, que a assistente BIC, S.A. seja notificada para juntar aos autos cópias das cartas de " put option" e ou cartas de conforto, alegadamente emitidas pelo BPN SA a favor do Banco Insular relativamente às entidades que indica a folhas 55577.
Ora tudo visto entende-se que o atrás requerido não se mostra essencial, necessário ou conveniente para a descoberta da verdade material dos factos supra identificados. De facto nos presentes autos e sob tal temática, foi já produzida basta prova testemunhal, bem como declarações de arguidos, ao que acresce também inúmeros documentos que já se encontram juntos aos autos e que permitem a este Tribunal apreciar esta questão.
A tal acresce que as "put options" terão sido prestadas alegadamente a favor do Banco Insular como garantia dos pagamentos dos créditos colocados nesta instituição pelo BPN S.A. Portanto, alegadamente o possuidor dessas mesmas "put options" será o Banco Insular (titular das garantias) e não o BPN, agora BIC S.A., sendo certo que o arguido não justifica por alguma forma a posse daquelas pelo BIC.
Ora o Banco Insular é um banco sediado na República de Cabo Verde, já liquidado, o que tornaria inviável a obtenção das mesmas, constituindo por isso e como refere a lei (artº 340º nº 4 al. b) do C.P.P.) um meio de obtenção da prova muito duvidoso.
Nestes termos, e considerando-se também que o presente julgamento já decorre há muito tempo e que a muito curto prazo irão ter início as alegações finais (e podendo questionar-se o "timing" da apresentação deste requerimento pelo arguido), este requerimento reveste uma clara natureza dilatória (vide o disposto no artº 340º nº 4 al. c) do C.P.P.), pelo que se indefere o mesmo tendo em conta o atrás expendido, o que se declara.

2. Notificado e inconformado com o teor da decisão, o arguido JO… veio, em 15 de Junho de 2016, a fls. 56.301 e segs. interpor recurso, pugnando por que seja julgado totalmente procedente e, consequentemente, revogada a douta decisão recorrida e ordenada a baixa dos autos ao Tribunal de 1.ª instância para que, nos termos do artigo 340.º, n.º 1, do Código de Processo Penal, para boa decisão da causa quanto à matéria de facto vertida nos artigos 519.º a 530.º e 841.º e 842.º da douta pronúncia, seja notificada a assistente BIC, SA para juntar aos autos cópia das cartas de “put option” e ou “cartas conforto” alegadamente emitidas pelo BPN, SA a favor do Banco Insular, relativamente às seguintes entidades Acle Holdings Inc, Jamaki Trading Ltd, Kemusa Holdings LLC, Marton Investments Inc., Quila Holdings Ltd., Ricia Investments Inc., Zala Holdings Ltd. e TR….
 Mais requereu que seja decidido que a revogação da douta decisão recorrida invalida o douto acórdão final que venha a ser proferido e implica a continuação da audiência de julgamento, para produção daquela prova, seguindo-se os demais termos processuais.

3. O recorrente JO… extraiu da sua motivação (cf. fls. 56.312 e segs.) as seguintes conclusões:
1.º - Salvo o devido respeito, a douta decisão recorrida violou o artigo 340.º, n.ºs 1 e 4, do CPP.
2.º - Sobre a possibilidade de indeferimento de diligências probatórias requeridas pelos sujeitos em processo penal, além dos casos em que “a prova ou o respectivo meio forem legalmente inadmissíveis”, dispõe o artigo 340.º, n.º 4, do CPP:
“4 - Os requerimentos de prova são ainda indeferidos se for notório que:
a) As provas requeridas já podiam ter sido juntas ou arroladas com a acusação ou a contestação, excepto se o tribunal entender que são indispensáveis à descoberta da verdade e boa decisão da causa;
b) As provas requeridas são irrelevantes ou supérfluas;
c) O meio de prova é inadequado, de obtenção impossível ou muito duvidosa; ou
d) O requerimento tem finalidade meramente dilatória.”
3.º - No caso concreto, não só não se está perante uma diligência notoriamente dilatória, irrelevante ou supérflua, como a mesma é absolutamente necessária para a clarificação da matéria de facto em causa.
4.º - Efectivamente, ao contrário do decidido, não existem nos autos meios de prova “basta” sobre as concretas cartas de “put option” a que alude o artigo 530.º da douta pronúncia (conjugado com os artigos antecedentes), pela simples razão de que apenas a carta alegadamente emitida quanto à entidade Rador se encontra junta aos autos.
5.º - Ou seja, não estão juntas aos autos as cartas de “put option” alegadamente emitidas pelo BPN, SA, relativas às outras sete entidades, a saber:
- Acle Holdings Inc;
- Jamaki Trading Ltd;
- Kemusa Holdings LLC;
- Marton Investments Inc;
- Quila Holdings Ltd;
- Ricia Investments Inc; e
- Zala Holdings Ltd.
6.º - De igual forma, não estão nos autos quaisquer cartas de conforto emitidas pelo BPN SA a favor de TR…, que concernem à matéria de facto constante nos artigos 841.º e 842.º da douta pronúncia.
7.º - Na ausência de tais documentos, fica-se sem saber se foram, ou não, emitidas cartas de “put option” e ou de conforto pelo BPN, SA, por quem, com que datas e valores, relativamente àquelas oito entidades.
8.º - A privação de produção de meios de prova necessários ou úteis à decisão da causa, que um dos sujeitos processuais tinha direito a aditar face aos elementos probatórios apresentados por outro sujeito processual oponente (a arguida), frustra o “due process of law”, a boa decisão da causa na apresentação e exame em audiência, de toda a prova relevante a ser submetida ao princípio do contraditório.
9.º - Ao julgar não essencial, necessária ou conveniente a prova requerida a fls. 55577 para a boa decisão da causa violou a douta decisão recorrida o disposto no artigo 340.º, n.ºs 1 e 4, al.s b), c) e d), do CPP.
10.º - Ao contrário do decidido, tendo os documentos requeridos sido emitidos pelo BPN, SA, mesmo que os originais tenham sido entregues ao Banco Insular, é verossímil que a entidade emitente tenha cópia das mesmas.
11.º - Por outro lado, conforme resultou da prova produzida em audiência de julgamento, o Arguido JV…, terá entregue ao BPN, SA as cartas emitidas por este a favor do Banco Insular.
12.º - Evidência de que o BPN, SA tem posse das referidas cartas de “put option” emitidas a favor do Banco Insular, e que se desconhece se foram efectivamente emitidas quanto às sete entidades atrás referidas e a que alude a pronúncia (Acle Holdings Inc, Jamaki Trading Ltd., Kemusa Holdings LLC, Marton Investments Inc., Quila Holdings Ltd., Ricia Investments Inc. e Zala Holdings Ltd.), é o teor do contrato de cessão de créditos celebrado entre o Banco Insular e o BPN, SA, constante do vol. 10, fls. 4238, onde se pode ler o seguinte: “d) Foram emitidas relativamente a esses créditos cartas em nome do BPN nas quais este Banco manifestava o seu consentimento na assunção da posição contratual do BANCO INSULAR, mediante mera interpelação deste (put option ).”
13.º - Assim, falece de qualquer razão o argumento de que estamos perante um meio de obtenção de prova muito duvidoso – artigo 340.º, n.º 4, al. b), do CPP, pelo facto de o Banco Insular ter sido liquidado.
14.º - Ao contrário do decidido, a diligência requerida é manifestamente relevante para a boa decisão da causa quanto à matéria de facto vertida nos artigos 519.º a 530.º e 841.º e 842.º da douta pronúncia.
15.º - Assim, a decisão de que se recorre não é de manter, porquanto indefere o requerimento de prova apresentado pelo Arguido em violação do preceituado no artigo 340.º, n.ºs 1 e 4, al.s b), c) e d), do CPP.

4. A fls. 56.441 foi proferido despacho a admitir o recurso, com subida diferida, com o recurso da decisão que puser termo à causa, nos próprios autos e com efeito meramente devolutivo.

5. O Ministério Público respondeu ao recurso do arguido JO…, pugnando pela sua improcedência e extraindo das suas contra-alegações a seguinte conclusão (cfr. fls. 56513 a 56558):
Por tudo o que aqui se expõe e que está em total sintonia com o decidido pelo tribunal a quo, impõe-se entender a decisão recorrida como correctamente tomada, devendo a mesma ser mantida, indeferindo-se o presente recurso.

6. O arguido, no seu recurso, manifestou expressamente interesse na manutenção deste recurso interlocutório e na sua apreciação.

7. Apreciando.
Tendo presentes as conclusões alinhadas pelo recorrente, a apreciação passará pela resposta à questão de saber se a decisão recorrida violou o preceituado no artigo 340º do C.P.Penal, por rejeitar diligência com interesse para a descoberta da verdade e para a boa decisão da causa e que não se traduz na tentativa de obtenção de um meio de prova supérfluo e de obtenção impossível ou muito difícil.
Vejamos.

8. O recorrente entende que a diligência de notificação da assistente BIC, S.A. para juntar aos autos cópias das cartas de "put option" e/ou cartas de conforto, alegadamente emitidas pelo BPN SA a favor do Banco Insular relativamente às entidades que indica a folhas 55577 não é notoriamente irrelevante ou supérflua, mas, pelo contrário, é absolutamente necessária para a clarificação da matéria de facto em causa. E entende assim porque, a seu ver, «não existem nos autos meios de prova “basta” sobre as concretas cartas de “put option” a que alude o artigo 530.º da douta pronúncia (conjugado com os artigos antecedentes), pela simples razão de que apenas a carta alegadamente emitida quanto à entidade Rador se encontra junta aos autos.».
Não lhe assiste razão.

9. Na lógica da pronúncia, as concretas questões relacionadas com as referidas cartas de put option e cartas de conforto, como bem assinalou o Ministério Público na sua resposta ao recurso e depois da longa descrição dos factos imputados, designadamente ao arguido JO… (descrição essa que aqui nos dispensamos de repetir), “surgem evidentemente de modo instrumental e com uma importância verdadeiramente secundária”.
É assim porque, na verdade, o “prejuízo decorrente da actuação dos arguidos supra mencionados – e, para o que aqui importa, de JO… - não emerge da emissão de qualquer carta de put option ou carta de conforto, mas sim de todo o conjunto de actuação supra descrito. As cartas de put option e as cartas de conforto, são, nesta medida, perfeitamente redundantes no contexto do BPN arcar com os prejuízos decorrentes da actuação dos arguidos, designadamente do recorrente. Efectivamente, não foi pelo facto de o BPN ter emitido qualquer carta de put option ou carta de conforto que originou o prejuízo a si causado pela actuação de qualquer arguido, designadamente do aqui recorrente. As operações em causa estavam suportadas ao nível das garantias gerais de crédito, não tendo sido a emissão de qualquer um desses documentos que originou o prejuízo sofrido por aquela instituição bancária”.

10.  Este carácter secundário estende-se ao meio de prova pretendido e não pode ser ignorado quando se avalia da eventual violação do disposto no artigo 340º do C.P.Penal.
Mais uma vez chamamos a atenção para o já citado Acórdão do Tribunal Constitucional nº 137/2002[141], onde se explicitou que o preceito visa dotar o tribunal de meios processuais para investigar o facto, atendendo a todos os meios de prova não irrelevantes para a descoberta da verdade.
E mais uma vez repetimos que se é com toda a amplitude que se admite a possibilidade de junção de documentos aos autos, mesmo após preclusão do prazo normal para a apresentação dos meios probatórios, tal possibilidade não é absoluta, tendo antes os seus contornos marcados pela necessidade (para a descoberta da verdade material e/ou para a boa decisão da causa) e pela proibição da prática de actos irrelevantes, supérfluos, inadequados, estéreis e/ou meramente dilatórios.

11. Como já antes afirmámos, ultrapassado o limiar constituído pelo termo final do prazo para apresentação dos meios de prova, qualquer requerimento para junção/obtenção de documentos para os autos deverá ser cuidadosamente apreciado de acordo com tais parâmetros, não bastando para o deferimento que o documento diga respeito às circunstâncias do caso.
Tudo isto foi sopesado pelo Tribunal a quo e surge expresso na decisão recorrida, quando ali se refere: “o presente julgamento já decorre há muito tempo e que a muito curto prazo irão ter início as alegações finais (e podendo questionar-se o "timing" da apresentação deste requerimento pelo arguido), este requerimento reveste uma clara natureza dilatória”.

12. Na realidade, atenta a circunstância de sobre a matéria em questão (como matéria descrita na pronúncia) terem sido produzidos diversos meios de prova – e atento o conteúdo de tais diligências probatórias - não se afigura merecedor de crítica o juízo de desnecessidade da diligência requerida.

a. Desde logo, contou o Tribunal com as declarações prestadas pelo arguido JV…, nas quais o mesmo afirmou que foram emitidas, nos anos de 2002 ou 2003, as “put option” a que alude o facto 530º da pronúncia na sequência de uma auditoria da “Ernst & Young” ao Banco Insular».

b. E em suporte dessas declarações do arguido foi colocada à disposição do Tribunal documentação, designadamente a carta de 6 de Fevereiro de 2009, na qual o mesmo se refere a tais instrumentos (cfr. apenso “R” do Banco de Portugal, vol. 39, fls. 9239 a 9241). Tal carta foi subscrita pelo arguido JV…, na qualidade de Administrador do Banco Insular, e foi remetida ao BPN, S.A..
Dessa missiva consta sobre tais instrumentos, além do mais, “(…) nunca a Administração do Banco Insular, a que presido, não quer, nem alguma vez teve a intenção de as invocar para exercer os direitos potestativos que nelas lhe são atribuídos. (…). Sempre entendidas como uma peça que adequadamente instruísse os processos de crédito na perspectiva de inspecções e auditorias, não constituíam para a Administração do BI uma garantia exequível, dada a sujeição do Banco ao Grupo SLN (…)”.

13. Se não constam dos autos as cartas de “put option” relativas às sete entidades indicadas a fls. 55.577, certo é que dos autos consta aqueloutra relativa ao empréstimo da offshore Rador (datada de 21.11.2002, data da concessão do crédito no Banco Insular), subscrita pelo arguido AF….
Efectivamente, como bem assinala o Ministério Público na sua resposta ao recurso, “no Apenso de Busca 7, documento 10.04, fls. 136 (pág. 34, do pdf), e documento 10.04, fls. 137 (pág. 35 do pdf), constam respectivamente carta de put option e carta de conforto, emitidas pelo BPN em 21/11/2002, remetidas ao Banco Insular, relativas ao crédito concedido à Rador Ltd, no montante de €4.600.000.”.

14. Não constam as “cartas conforto” das outras 7 sociedades offshore – os documentos em que a mesmas se consubstanciaram não estão nos autos.
No entanto, foi produzida prova sobre a emissão das mesmas – desde logo por declarações do arguido VM…, que afirmou que por cada um dos créditos abertos pelo grupo SLN/BPN no Banco Insular era sempre emitida a correspondente put-option.

15. Corroboram tal afirmação outros documentos juntos aos autos, tal como referido pelo Ministério Público na mencionada resposta ao recurso: “Igualmente, do Apenso Bancário 49, fls. 11 e 12 (págs. 13 e 14 do .pdf), constam cartas de conforto emitidas pelo BPN, respectivamente em 05/08/2004 e 28/01/2003, remetidas ao Banco Insular, relativas aos créditos concedidos ao arguido TR…, nos montantes respectivamente de €192.500 e €250.000. Por fim, do Apenso Bancário 48, fls. 12 (pág. 14 do .pdf), consta carta de conforto emitida pelo BPN em 26/03/2003, remetida ao Banco Insular, relativa ao crédito concedido ao arguido TR…, no montante de €1.250.000”.

16. E sobre a produção formal de cartas de put option contou o Tribunal, no decurso do julgamento, com a produção de prova testemunhal – cfr. as inquirições das testemunhas Ajo… e PS…, também elas mencionadas pelo Ministério Público na sua resposta.

17. Perante tal conjunto de meios probatórios produzidos – e não dependendo a demonstração da produção da totalidade das put option mencionadas na pronúncia da junção aos autos de prova documental da mesma (não é essa a única via de demonstração positiva do facto) – não pode deixar de considerar-se justificado e bem fundado o juízo de desnecessidade e inconveniência da diligência probatória requerida.  

18. Assim, bem andou o Tribunal a quo ao indeferir a requerida diligência, apresentada apenas quando se mostravam realizados mais de cinco anos de julgamento, no decurso dos quais sempre foram respeitadas as garantias de um due process of law, com apresentação e exame em audiência de toda a prova supramencionada, relativamente à qual se cumpriu rigorosamente o princípio do contraditório.

18. Imperioso é, pois, concluir, que o indeferimento do requerimento de prova apresentado pelo arguido não violou o disposto no artigo 340º, nrs. 1 e 4, do C.P.Penal, sendo improcedente o recurso.

                                                        *
26º - Recurso interposto pelo arguido jo…, da decisão de fls. 56778, datado de 15.11.2016, que apreciou e indeferiu o requerimento de arguição de irregularidade processual do despacho de comunicação de eventuais alterações não substanciais de factos de fls. 56772 e segs.

1. Na sessão de audiência de julgamento de 15 de Novembro de 2016 (cfr. acta de fls. 56771 e segs.) e após deliberação do Tribunal Colectivo, foi proferido o seguinte despacho:
Da prova produzida em sede de audiência de julgamento poderá eventualmente resultar uma alteração não substancial de factos, que de seguida se passam a enumerar:
Art. 4º - onde consta “contactados por si” poderá resultar provado “da sua confiança”;
Art. 16º - onde consta “30-10- 1998” poderá resultar provado “11.9.1998”; onde consta “pessoas da confiança do primeiro” poderá resultar provado “o primeiro, pessoa de confiança de OC…”;
Art. 17º - onde consta “optando o arguido OC… por fazer designar para o seu lugar o já referido LC…” poderá resultar provado “sendo substituído por LC…, o qual foi designado por cooptação em 28.06.1999”;
Art. 19º - onde consta “3-3- 1999” e “14-4- 1999” poderá resultar provado, respectivamente, “4.2.1999” e “9.4.1999”;
Art. 23º - onde consta “04.01.01” poderá resultar provado “15.12.2000” e onde consta “43” poderá resultar provado “53”;
Art. 58º - onde consta “PLANFIN” poderá resultar provado “SLN, SGPS, S.A.”;
Art. 72º - onde consta “A entidade MARAZION HOLDINSGS LLC, foi constituída a 27 de Novembro de 2000, nas Ilhas Virgens Britânicas, tendo tido como beneficiário inicial a PLANFIN, depois a SLN SGPS e por fim a SLN IMOBILIÁRIA SGPS SA a partir de 2 de Março de 2001” poderá resultar provado “A entidade MARAZION HOLDINGS LLC foi constituída a 27 de Novembro de 2000, nas Ilhas Virgens Britânicas, tendo tido como beneficiários iniciais a PLANFIN e a SLN SGPS, S.A., posteriormente, entre 2.3.2001 a 26.11.2007, a SLN IMOBILIÁRIA SGPS, S.A., e, por fim, a partir desta data a SLN SGPS, S.A.”;
Art. 73º - onde consta “se bem que nunca efectivamente pagos” poderá resultar provado “se bem que a maioria nunca efectivamente pagos”;
Art. 97º - onde consta “Tal separação entra a FINCOR e o Banco Insular, foi determinante para que o Banco de Portugal não deduzisse oposição” poderá resultar provado “O Banco de Portugal não deduziu oposição à aquisição”;
Art. 104º - onde consta “10.1.2002” poderá resultar provado “15.1.2002”;
Art. 118º - onde consta “conta” poderá resultar provado “conta n.º …”;
Art. 127º - onde consta “3 de Dezembro de 2003” poderá resultar provado “2 de Dezembro de 2003”;
Art. 145º - poderá resultar provado “Todas as operações que realizavam dependiam de instruções directas recebidas da Administração do BPN, do Banco Insular, da SLN SGPS, S.A. ou da Direcção de Operações do BPN”;
Art. 151º - onde consta “Ape…” poderá resultar provado “AS…”;
Art. 194º - onde consta “que ficavam à margem de qualquer registo contabilístico” poderá resultar provado “que não eram levadas ao balanço”;
Art. 204º - onde consta “desviados” poderá resultar provado “migrados”;
Art. 206º - onde consta “o desvio de 9,7 mil milhões de euros para fora do balanço” poderá resultar provado “a migração de operações no valor de 9,7 mil milhões de euros para fora do balanço”;
Art. 212º - onde consta “e portanto sem qualquer registo contabilístico” poderá resultar provado “que não eram levadas ao balanço”;
Art. 219º - onde consta “não cobráveis os montantes em dívida” poderá resultar provado “não cobráveis parte dos montantes em dívida”;
Art. 228º - onde consta “21.04.2008” poderá resultar provado “21.05.2008”;
Art. 231º - poderá resultar provado “Em Novembro de 2000, foi decidido em assembleia geral da SLN SGPS a realização de um aumento do seu capital social”;
Art. 234º - onde consta “30.000.000 acções” poderá resultar provado “35.000.000  acções”;
Art.º 235º - onde consta “decidiu então subscrever aquela quantidade máxima de acções” poderá resultar provado “decidiu então subscrever 29.000.000 de acções”;
Art. 245º:
No corpo do art.:
Onde consta “entre 30 de Dezembro de 1999” poderá resultar provado “entre 31 de Dezembro de 1999”;
No “quadro”, onde consta:

Data Acções SLN Preço/acção
EUR
Preço global Contraparte da operação
30.12.1999 1.363.272 1,315 1.792.438,92 Venice
BPN
12.05.2000 469.585 1,00 469.585,00 Venice
BPN
03.07.2000 5.198.395 1,385 7.198.087,45 Venice
BPN
TOTALEUR 9.460.111,37
TOTALPTE 1.896.582.047$68

Poderá resultar provado:

Data Acções SLN Preço/acção
EUR
Preço global Contraparte da operação
31.12.1999 1.363.272 1,31 359.351.740$00 (€1.792.432,92) SLN SGPS
12.05.2000 469.585 1,00 94.143.339$97
(€ 469.585,00)
Aumento de capital SLN SGPS de Março de 2000
30.06.2000 5.160.889 1,395 1.443.086.969$00
(€ 7.198.087,45)
SLN SGPS
TOTALEUR 9.460.105,37
TOTALPTE 1.896.582.048$97


       Art. 256º - Poderá resultar provado, em substituição do constante deste facto, o seguinte: “O arguido JO… instrumentalizou, em seu benefício pessoal, uma sociedade offshore do grupo, designadamente a INVESCO WORLDWIDE”;
Art. 257º - Poderá resultar provado, em substituição do constante deste facto, o seguinte: “O arguido JO… bem sabia que tal quantia, na data em que foi transferida para a sua conta, não lhe era devida, sabendo ainda que causou prejuízo patrimonial à INVESCO, consistente numa redução das mais-valias que esta offshore obteve aquando da venda das acções descrita no facto 250º”;
Art. 259º: onde consta “pela apropriação das mais valias originadas pelas vendas das acções efectuadas pela Invesco” poderá resultar provado “pela instrumentalização da sociedade offshore INVESCO WORLDWIDE” e onde consta “359.538.268$01” poderá resultar provado “379.538.268$01”;
Art. 260º: onde consta “30.000.000” poderá resultar provado “29.000.000”;
Art. 278º - onde consta “30.000.000” poderá resultar provado “29.000.000”;
Art. 303º - onde consta “17 de Dezembro de 2000” poderá resultar provado “15 de Dezembro de 2000”;
Art. 323º - no último quadro, pág. 609 da pronúncia, onde consta “30 de Maio de 2008” poderá resultar provado “26 de Maio de 2008”;
Art. 389º - onde consta “SLN SGPS” poderá resultar provado “SLN VALOR, SGPS”;
Art. 397º - onde consta “SLN” poderá resultar provado “SLN IMOBILIÁRIA SGPS”;
Art. 402º - onde consta “no ano de 2003” poderá resultar provado “23 de Janeiro de 2002;
Art. 404º - onde consta “Em Maio de 2001” poderá resultar provado “18 de Julho de 2001”;
Art. 408º - onde consta “o arguido LC…, com a colaboração do arguido LM…,” poderá resultar provado “o arguido LC…, através do arguido LM…”;
Art. 409º - onde consta “o arguido LC… com a colaboração do arguido LM…” poderá resultar provado “o arguido LC… através do arguido LM…”;
Art. 421º - onde consta “desde 18 de Agosto de 1998” poderá resultar provado “desde 5 de Agosto de 1999”;
Art. 424º - onde consta “Barclays” poderá resultar provado “BBVA”;
Art. 456º - onde consta “fizeram os cinco accionistas assinar um segundo protocolo” poderá resultar provado “entregaram aos cinco accionistas um segundo protocolo para assinar”;
Art. 457º - onde consta “um contrato de compra e venda de acções” poderá resultar provado “um contrato promessa de compra e venda de acções”;
Art. 459º - onde consta “29 de Dezembro de 2000” poderá resultar provado “31 de Dezembro de 2000”;
Art. 483º - onde consta “continuaram a afirmar” poderá resultar provado “afirmaram”;
Art. 496º - onde consta “3 de Outubro de 2000” poderá resultar provado “30 de Setembro de 2000”;
Art. 500º - onde consta “2.632.076.520,00€” poderá resultar provado “2.632.076.520$00”;
Art. 513º - onde consta “foram feitas repetir” poderá resultar provado “foram replicadas”;
Art. 572º - onde consta “VENICE” poderá resultar provado “INVESCO WORLDWIDE, LTD”;
Art. 573º - onde consta por duas vezes “VENICE” poderá resultar provado “INVESCO WORLDWIDE, LTD”;
Art. 574º - onde consta “VENICE” poderá resultar provado “INVESCO WORLDWIDE, LTD”;
Art. 576º - onde consta “VENICE” poderá resultar provado “INVESCO WORLDWIDE, LTD”;
Art. 577º - onde consta “VENICE” poderá resultar provado “INVESCO WORLDWIDE, LTD”;
Art. 578º - onde consta “VENICE” poderá resultar provado “INVESCO WORLDWIDE, LTD”;
Art. 580º - onde consta “VENICE” poderá resultar provado “INVESCO WORLDWIDE, LTD”;
Art. 581º - onde consta “VENICE” poderá resultar provado “INVESCO WORLDWIDE, LTD”;
Art. 582º - onde consta “VENICE” poderá resultar provado “INVESCO WORLDWIDE, LTD”;
Art. 584º - onde consta “estando em causa um financiamento determinado a débito da conta da VENICE junto do BPN” poderá resultar provado “estando em causa um financiamento determinado a débito da conta da INVESCO WORLDWIDE, LTD, conta esta que a partir de 29.9.2000 passou a estar titulada pela VENICE”;
Art. 585º - onde consta “que haviam parqueado na VENICE CAPITAL” poderá resultar provado “que haviam parqueado, ao tempo, na INVESCO WORLDWIDE LTD.”
Art. 587º - onde consta “VENICE” poderá resultar provado “INVESCO WORLDWIDE, LTD”;
Art. 589º - onde consta “VENICE” poderá resultar provado “INVESCO WORLDWIDE, LTD”;
Art. 595º - onde consta “o financiamento que a VENICE havia realizado no dia 31 de Maio de 2000 à SLN SGPS, (…), com o saque da conta da VENICE” poderá resultar provado “o financiamento que a INVESCO havia realizado no dia 31 de Maio de 2000 à SLN SGPS, (…), com o saque da conta daquela” e onde consta “(operação por transferência a débito da conta da VENICE no BPN”, poderá resultar provado “operação por transferência a débito da conta com o n.º … da INVESCO no BPN que entretanto foi renominada VENICE,”;
Art. 608º - onde consta “obtiveram a adesão ao mesmo do arguido RO…, a quem ofereceram a obtenção final de um ganho” poderá resultar provado “proporcionaram ao arguido RO… a obtenção de um ganho”;
Art. 610º - onde consta “esses negócios então pendentes traduziam-se em:” poderá resultar provado “acordaram nos seguintes negócios:”;
Art. 611º - onde consta “determinaram a aquisição por RO… de 1.250.000  acções” poderá resultar provado “colocaram na esfera pessoal de RO… 1.250.000  acções”;
Art. 612º - onde consta “aquisição” poderá resultar provado “colocação”;
Art. 613º - onde consta “30.10.2000” poderá resultar provado “31.10.2000”;
Art. 618º - onde consta “VENICE” poderá resultar provado “INVESCO WORLDWIDE, LTD”;
Art. 624º - onde consta por duas vezes “VENICE” poderá resultar provado “INVESCO WORLDWIDE, LTD” e onde consta, na parte final, “para a conta da VENICE n.º …” poderá resultar provado “para a conta agora titulada pela VENICE n.º …”;
Art. 625º - onde consta “VENICE” poderá resultar provado “INVESCO WORLDWIDE, LTD”;
Art. 650º - (erro material) – onde consta “resposta” deve ler-se “reposta”;
Art. 682º - onde consta “30 de Outubro de 2000” poderá resultar provado “31 de Outubro de 2000”;
Art. 686º - onde consta “WORLDWIDE” poderá resultar provado “nova VALIDUS”;
Art. 715º - onde consta “300.000,00€” poderá resultar provado “300.000.000$00”;
Art. 716º - onde consta “300.000.000$00 – valor da venda do imóvel da VALIDUS” poderá resultar provado “225.000.000$00 – mais valia da venda do imóvel da VALIDUS”;
Art. 780º - onde consta “cada um dos quatro assinou, na qualidade de mutuário, um contrato de crédito perante o Banco Insular, contratos nos quais, a Dra. IF…, com a concordância dos arguidos, fez constar, na cláusula de garantias, o penhor das 1.250.000 acções da LABICER a favor do Banco Insular” poderá resultar provado “o VV…, o EC… e o TR… assinaram, cada um deles, a 25.3.2003, na qualidade de mutuários, um contrato de crédito perante o Banco Insular, contratos nos quais a Dra. IF…, com a concordância dos arguidos, fez constar, na cláusula de garantias, o penhor das 1.250.000 acções da Labicer a favor do Banco Insular, sendo que o RC…, na mesma qualidade, só viria a assinar o contrato de crédito perante o Banco Insular no ano de 2008”;
Art. 785º - onde consta “no início do ano de 2003” poderá resultar provado “No ano de 2001, após a constituição da Labicer”;
Art. 789º - onde consta “ao longo do ano de 2003” poderá resultar provado “ao longo dos anos de 2001 e 2002”;
Art. 795º - onde consta “de duas facturas, com o descritivo «assessoria no desenvolvimento técnico do projecto da nova unidade de produção cerâmica conforme contrato oportunamente celebrado» e com os números 2160 e 2161” poderá resultar provado “de duas facturas, com os descritivos «assessoria no desenvolvimento técnico do projecto da nova unidade de produção de cerâmica conforme, contrato oportunamente celebrado» e «assessoria e acompanhamento jurídico no desenvolvimento do projecto da nova unidade de produção de cerâmica, conforme contrato oportunamente celebrado», respectivamente com os números 2160 e 2161”;
Art. 815º - onde consta “este fundo é ainda hoje gerido” poderá resultar provado “Este fundo era, à data da acusação, gerido”;
Art. 846º - onde consta “actuava sem o propósito de vir a pagar os respectivos juros nem o capital” poderá resultar provado “actuava com o propósito de protelar o pagamentos dos juros e capital”;
Art. 851º - onde consta “em Novembro de 2002” poderá resultar provado “em Novembro de 2000” e onde consta “de cerca de 12.500.000,00 USD” poderá resultar provado “de 12.500.000,00 USD”;
Art. 852º - onde consta “um descoberto à ordem de 365.789,71€” poderá resultar provado “um descoberto à ordem de 365.792,37 USD”;
Art. 855º - onde consta “7.753.613,80€” poderá resultar provado “€ 7.518.760,74”;
Art. 858º - onde consta “com a colaboração do arguido” poderá resultar provado “com a colaboração jurídica do arguido”;
Art. 906º - onde consta “em 27 de Dezembro de 2004” poderá resultar provado “em 29 de Dezembro de 2004”;
Art. 909º - onde consta “1.807.222,26€” poderá resultar provado “€ 1.807.222,66”;
Art. 910º - onde consta “1.832.840,00€” poderá resultar provado “€ 1.832.640,00”;
Art. 917º - onde consta “30.000.000 de acções da SLN SGPS” poderá resultar provado “29.000.000 de acções da SLN SGPS”;
Art. 918º - onde consta “30 milhões de acções” poderá resultar provado “29 milhões de acções”;
Art. 922º - onde consta “5%” poderá resultar provado “4,5%”;
Art. 975º - onde consta “n.º 45281389060” poderá resultar provado “n.º …”;
Art. 976º - onde consta “1.812.872,00€” poderá resultar provado “€ 1.800.000,00” e onde consta “n.º 45281389060” poderá resultar provado “n.º …”;
Art. 977º - onde consta “10 de Setembro de 2008” poderá resultar provado “9 de Setembro de 2008”;
Art. 992º - onde consta “na data de 24.11.2004” poderá resultar provado “na data de 1.6.2004”
Assim sendo, comunica-se aos arguidos esta eventual alteração não substancial de factos da pronúncia nos termos e para os efeitos do disposto no art. 358º, n.º 1 do C.P.P. 

2. Notificado, o arguido JO… veio arguir a irregularidade processual do acto, nos seguintes termos:
“I - ARGUIÇÃO DE IRREGULARIDADE PROCESSUAL:
A decisão ora notificada aos arguidos, que não é de mero expediente, encontrando-se sujeita ao disposto nos artigos 97.º, n.º 5 e 358.º, n.º 1, do CPP.
Conforme se pode ler no sumário do douto Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, datado de 13-12-2011: “A comunicação da alteração não substancial dos factos deve ser fundamentada, concretizando os novos factos indiciados e respectivos meios de prova de onde resulta essa indiciação, única forma e meio de salvaguardar ao arguido os seus direitos de defesa;”. (Disponível em: http://www.dgsi.pt/jtrc.nsf/c3fb530030ea1c61802568d9005cd5bb/b128b7f4d8e6dfc880257dcf00424113?OpenDocument )
A este respeito, ainda naquele douto aresto, pode ler-se a seguinte fundamentação, à qual, com a devida vénia, o Arguido não pode deixar de aderir:
“Também no que respeita à indicação dos meios de prova de onde resultam tais indícios, manifestamente a decisão não deu cumprimento ao exigido nem ao cumprimento fiel do que deve ser feito: a concretização dos meios de prova de onde resulta esta indiciação dos novos factos com relevo para a decisão.
Afirmar que tais indícios resultam de toda a prova documental e testemunhal que consta do processo, não é aceitável segundo o rigor da fundamentação que deve estar subjacente a qualquer despacho judicial.
Entendemos mesmo que esta questão deve ser linear e considerada evidente, pois a força de uma decisão judicial deve assentar na força da razão e não na razão da força.
Com esta afirmação queremos dizer que a decisão do juiz, ao ser proferida, ao chegar aos seus receptores, deve ser percebida quanto ao iter e à lógica do julgador para chegar a essa mesma decisão. O visado, neste caso, o arguido, até poderá discordar do decidido, mas tem o direito de saber que o julgador chegou a tal decisão, segundo umas determinadas provas, valorações e conclusões que deve explicitar no processo[7].
Neste concreto caso da comunicação da alteração não substancial dos factos, ainda não se está perante uma valoração final da prova com vista a dar os factos que estão “na mente do julgador” como assentes ou não. Este apenas percepciona que, segundo determinados elementos de prova já produzidos, podem e devem ser dados como provados, para além dos factos que já integram a acusação, mais alguns factos com relevo para a sentença. São exactamente esses os factos que devem integrar a tal comunicação. Com certeza que são ainda e apenas factos indiciários, porque sujeitos ainda ao contraditório. A valoração do julgador não é ainda definitiva. Pode acontecer que com a produção de novos elementos de prova, tais indícios percam consistência ou apontem noutro sentido. A comunicação e o exercício do direito de defesa do arguido podem levar a esse efeito. Que pode ser conseguido ou simplesmente manter e reforçar os indícios já existentes. Ora, nos mesmos termos que, na sentença, o julgador deve indicar os meios de prova com o respectivo exame crítico em que se apoiou para dar os factos como provados ou não provados, assim esclarecendo e convencendo da bondade do decidido, para os sujeitos processuais ficarem a saber o raciocínio seguido pelo julgador na valoração da prova produzida – constituindo nulidade esta não explicitação ou fundamentação -, também a quando do cumprimento desta comunicação, tem o julgador o dever de indicar ao arguido, que os factos (novos) se mostram indiciados com base em determinados e concretos meios de prova. Só esta concretização permitirá ao arguido identificar o objecto da sua defesa, contraditando os meios de prova já produzidos e oferecendo quiçá outros que, em seu entender, possam abalar os indícios até então existentes. Mas, mais uma vez, temos que distinguir entre o exercício pleno e efectivo do arguido deste seu direito, do resultado final de toda a sua defesa, que tanto pode abalar os indícios como não os afectar, de todo.
Sempre se devendo raciocinar e julgar no sentido de que, apesar de já produzida prova sobre a matéria, o raciocínio feito sobre os novos factos, é sempre um raciocínio provisório, só adquirindo a forma de definitivo, com a prolação da sentença. É neste espaço que medeia entre a comunicação e a sentença, que é dada a oportunidade ao arguido do exercício legítimo da sua defesa, de poder contrariar os indícios, a propensão do julgador para confirmar esses indícios, quer criando dúvida sobre a sua prática quer contrariando mesmo a sua efectiva ocorrência[8].
De todos estes considerandos resulta clara a necessidade de o julgador a quo dar cumprimento ao artigo 358º, nº 1, do CPP, não só com rigor mas também segundo uma leal transparência para com a defesa. A qualidade e a posição de arguido, independentemente da responsabilidade e consequências que lhe possam advir da prática dos factos é, por natureza do funcionamento das regras processuais, uma parte mais débil[9], sujeita ao cumprimento de prazos no exercício dos seus direitos, podendo a todo o momento ser surpreendido com novos factos e mesmo prova de que terá que se defender.”.
Assim, considerando a imensidão de prova junta ao processo e produzida ao longo de vários anos em Audiência de Julgamento, entende o Arguido que o Tribunal, na douta decisão que precede, incorreu na violação dos artigos 97.º, n.º 5 e 358.º, n.º 1, do CPP, por insuficiente fundamentação de facto por ausência de especificação das concretas provas que, na óptica do Tribunal, indiciam os factos que são alterados na pronúncia.
Face ao exposto, verifica-se a irregularidade processual daí decorrente, que se deixa arguida e se requer que seja declarada nos termos do artigo 123.º do CPP, decorrente da ausência de completa fundamentação relativamente às provas que ditam as alterações ordenadas, devendo a irregularidade em causa ser suprida pelo Tribunal, proferindo-se nova decisão onde se passe a indicar, de forma especificada e para cada facto alterado, qual a prova produzida em audiência de julgamento do qual resulta, no entender do Tribunal, a indiciação dos factos que se pretende ver alterados na pronúncia. (…).

3. Sobre tal requerimento, veio a recair, após deliberação do Tribunal Colectivo, a seguinte decisão:
No tocante à irregularidade suscitada pelo arguido OC…: o artigo 358º, manda só comunicar a alteração de factos, não exige fundamentação ou indicação dos meios de prova.
     Não faz qualquer sentido indicar os meios de prova relativamente a factos indiciados. O dever de fundamentação só existe relativamente aos factos provados e não provados em sede de decisão, isto é, sentença ou Acórdão.
     Do que se trata nesta fase é uma alteração a um despacho de pronúncia o qual também não identifica/indica os meios de prova por referência a cada um dos factos indiciados.
     Aliás como se decidiu também no Acórdão da Relação de Coimbra no processo n.º 72/11.2GDSRT.C1 em data mais recente do que o indicado pelo arguido OC…, ou seja, proferido a 14.01.2015: “a lei não impõe aquando da comunicação de alteração de factos nos termos do art. 358º n.º 1, a indicação dos meios de prova o que bem se compreende por se tratar de factos indiciados e não provados perante os quais a defesa se assim o entender ainda pode apresentar novos meios de prova”.
     Por conseguinte indefere-se as irregularidades/nulidades suscitadas pelos arguidos RO… e OC….”.

4. Notificado e inconformado com o teor da decisão, o arguido JO… veio, a fls. 56.908 e segs. interpor recurso, pugnando por que seja julgado totalmente procedente e, consequentemente, declarada, nos termos do artigo 123.º do CPP, a irregularidade processual em que incorreu a decisão colegial de 15.11.2016, que comunicou ao Arguido a alteração não substancial dos factos da pronúncia, devendo ser ordenado que o Tribunal “a quo” supra a referida irregularidade, proferindo nova decisão onde se passe a indicar, de forma especificada e para cada facto alterado, qual a prova produzida em audiência de julgamento da qual resulta, no entender do Tribunal, a indiciação dos factos que foram alterados na pronúncia, ordenando-se ainda a anulação de toda a tramitação posterior à decisão recorrida e que não possa ser aproveitada.

5. O recorrente JO… extraiu da sua motivação (cf. fls. 56.930 e segs.) as seguintes conclusões:
1.º - Ao contrário do decidido, salvo melhor opinião, deveria o Tribunal “a quo” ter declarado a irregularidade processual arguida pelo ora Recorrente, relativamente à decisão tomada, após deliberação do Tribunal Colectivo, na sessão da manhã de 15.11.2016.
2.º - A douta decisão recorrida interpretou o artigo 358.º, n.º 1, em conjugação com os artigos 97.º, n.º 5 e 283.º, n.º 3, alínea f), “ex vi” do artigo 308.º, n.º 2, todos do CPP, no sentido de o Tribunal ter apenas a obrigação de comunicar a alteração dos factos, mas não a de fundamentar ou indicar os meios de prova dos quais tal alteração resulta, defendendo, na base dessa interpretação, que apenas relativamente aos factos provados e não provados existe tal obrigação.
3.º - Porém, a decisão que comunicou a alteração não substancial dos factos da pronúncia é um acto decisório, estando, como tal, sujeita a um dever de fundamentação de facto e de direito, nos termos do artigo 97.º, n.º 5 do CPP e do artigo 205.º da CRP, tal como oportunamente defendido pelo Recorrente.
4.º - O artigo 307.º, n.º 1, segunda parte, para o qual remete o artigo 308.º, n.º 2, ambos do CPP, possibilita, é certo, que no despacho de pronúncia, o juiz fundamente remetendo para as razões de facto e de direito enunciadas na acusação ou no requerimento para abertura de instrução, sendo que, também neste caso, ainda que por via remissiva, se exige uma fundamentação de facto e de direito, aliás, em conformidade com o artigo 205.º da CRP.
5.º - Não sendo a decisão recorrida de mero expediente, outrossim, constituindo uma alteração aos factos imputados ao Arguido na pronúncia, a alteração efectuada carece de fundamentação, pois estão em causa os direitos de defesa do mesmo, consagrados no artigo 32.º, n.º 1, da CRP, e a possibilidade que lhe é dada de efectivamente os exercer.
6.º - Devendo em sede de recurso ser sufragada a posição do douto Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, datado de 13-12-2011.
7.º - Face à dimensão dos presentes autos e à ausência de indicação das provas em que se baseiam as alterações decididas, o Arguido não consegue: (i) controlar ou contraditar todas as provas que terão ditado tais alterações, nem (ii) seleccionar e oferecer eficazmente aquelas que poderão vir a ser valoradas para a prova das mesmas.
8.º - A ausência de uma indicação concreta dos meios de prova relevantes para a determinação das alterações da pronúncia viola os direitos de defesa do Arguido, constitucionalmente consagrados no artigo 32.º, n.º 1, da CRP.
9.º - Os documentos constantes no denominado apenso informático 33 são, pelo seu elevadíssimo número, capazes de provocar a maior das dificuldades ao completo e/ou suficiente conhecimento das provas em que, pelo menos formalmente (que não certamente de facto num filme pornográfico, anedotas e poemas) se alicerça a douta pronúncia alterada pela decisão de 15.11.2016, provas (leia-se, “meios de prova”) essas que deveriam ser expressamente indicadas como suporte para o juízo indiciário efectuado pelo Tribunal nas decididas alterações à pronúncia, nos termos e para os efeitos da al. f), do n.º 3, do artigo 283.º, aplicável “ex vi” artigo 308.º, n.º 2, conjugados com os artigos 97.º, n.º 5 e 358.º, n.º 1, todos do CPP, por estarem em causa alterações à pronúncia que devem, necessariamente, obedecer aos requisitos legalmente convocados para a mesma.
10.º - Ao julgador cumpre sempre atender às especificidades do caso concreto, à luz do princípio do processo equitativo, constante do artigo 20.º, n.º 4, da CRP e do artigo 6.º da Convenção Europeia dos Direitos do Homem (aplicável em Portugal, por via do artigo 8.º da CRP), e tudo quanto se defendeu “supra” ganha particular relevância perante processos de elevada complexidade e volume de prova produzida, o que, como bem se sabe, é o caso.
10.º - O artigo 358.º, n.º 1, interpretado, em conjugação com os artigos 97.º, n.º 5 e 283.º, n.º 3, alínea f), “ex vi” do artigo 308.º, n.º 2, todos do CPP, no sentido de que, em processos de elevada complexidade e grande volume, a decisão que procede à alteração não substancial dos factos constantes da pronúncia não tem de enumerar, de forma expressa, os meios de prova de onde resultam as alterações é materialmente inconstitucional, por violação dos artigos 18.º, n.º 1, 20.º, n.º 4, 29.º, n.º 1 e 32.º, n.º 1 e 205.º da CRP.
11.º - Como tal, deveria a aplicação da norma em causa ter sido recusada pelo tribunal “a quo”, à luz do artigo 204.º da CRP.
12.º - O artigo 358.º, n.º 1, deve ser interpretado, em conjugação com o artigo 97.º, n.º 5, 283.º, n.º 3, alínea f), “ex vi” do artigo 308.º, n.º 2, todos do CPP, no sentido de que, em processos de elevada complexidade e grande volume, a decisão que procede à alteração não substancial dos factos constantes da pronúncia tem necessariamente de enumerar, de forma expressa, os meios de prova de onde resulta a referida alteração, permitindo assim a sua contradição pelo Arguido.
13.º - Deverá, portanto, ser adoptada a interpretação “conforme à Constituição” do artigo 358.º, n.º 1, em conjugação com os artigos 97.º, n.º 5 e 283.º, n.º 3, alínea f), “ex vi” do artigo 308.º, n.º 2, todos do CPP, e, consequentemente, declarada, nos termos do artigo 123.º do CPP, a irregularidade processual em que incorreu a decisão colegial de 15.11.2016, que comunicou ao Arguido a alteração não substancial dos factos da pronúncia, devendo ser ordenado que o Tribunal “a quo” supra a referida irregularidade, proferindo-se nova decisão onde se passe a indicar, de forma especificada e para cada facto alterado, qual a prova produzida em audiência de julgamento da qual resulta, no entender do Tribunal, a indiciação dos factos que foram alterados na pronúncia.

6. A fls. 56.940vº e 56.941 foi proferido despacho a admitir o recurso, com subida diferida, com o recurso da decisão que puser termo à causa, nos próprios autos e com efeito meramente devolutivo.

7. O Ministério Público respondeu ao recurso do arguido JO…, pugnando pela sua improcedência e extraindo das suas contra-alegações a seguinte conclusão (cfr. fls. 56990):
Assim, no caso em análise, o despacho recorrido não merece censura. Por tudo o que aqui se expõe, deve a decisão recorrida ser entendida como correctamente tomada e, assim, mantida, indeferindo-se o presente recurso.

8. O arguido, no seu recurso, manifestou expressamente interesse na manutenção deste recurso interlocutório e na sua apreciação.

9. Apreciando.
Tendo presentes as conclusões que o recorrente extraiu da sua motivação, a apreciação do recurso passará pela resposta à questão de saber se ocorreu a irregularidade processual arguida, ou seja, pela indagação sobre se, nos termos do artigo 358.º, n.º 1, do CPP, designadamente em processos de elevada complexidade e grande volume, a decisão que procede à alteração não substancial dos factos constantes da pronúncia tem de enumerar, de forma expressa, os meios de prova de onde resultam as alterações.

10. O objecto do recurso comporta, conforme resulta das conclusões do recorrente, uma questão de inconstitucionalidade material, entendendo o arguido que a interpretação do Tribunal a quo importa violação dos artigos 18.º, n.º 1, 20.º, n.º 4, 29.º, n.º 1 e 32.º, n.º 1 e 205.º da Constituição da República Portuguesa.

a. A questão não é nova, tendo sido diversas vezes abordada em decisões dos nossos Tribunais Superiores.
A sua correcta abordagem impõe, como é evidente, que se desfaça um erro de raciocínio que está subjacente às conclusões do recorrente. Nelas, designadamente nas 5ª e 7ª, mencionam-se “as alterações decididas”, ficando claro que o recorrente entende que foram efectivamente efectuadas/decididas alterações aos factos imputados ao arguido na pronúncia.

b. Não é correcto tal entendimento, com o sentido de emissão de um juízo, positivo ou negativo, sobre a comprovação dos factos.
Como se decidiu no Acórdão da Relação de Coimbra de 14 de Janeiro de 2015, citado na decisão recorrida, “(…) a lei não impõe, aquando da comunicação da alteração de factos, nos termos do n.º 1 do artigo 358.º, a indicação dos meios de prova, o que bem se compreende por se tratar de factos indiciados e não factos provados, perante os quais a defesa, se assim o entender, ainda pode apresentar novos meios de prova, o que o arguido, no caso em apreço, não fez.

c. Frederico Isasca chama justamente a atenção para a circunstância de a produção da prova ser algo que pressupõe que os factos sobre que recai façam parte do objecto do processo o que, no caso do artigo 358º, só é possível após a comunicação ao arguido da alteração e da concessão dos direitos de defesa que o preceito impõe.
Assim refere este autor, “[n]ão é, pois, correcto, neste contexto, falar-se de factos provados ou não provados. O mais que se poderá afirmar é que estão indiciados ou fortemente indiciados”[142].

d. Aquando da comunicação efectuada nos termos do artigo 358º, nº 1, do Código de Processo Penal não há ainda decisão quanto aos factos, que permita considerar afastados uns e demonstrados outros.
Isso mesmo resulta da formulação utilizada pelo Tribunal a quo na comunicação efectuada – “Da prova produzida em sede de audiência de julgamento poderá eventualmente resultar uma alteração não substancial de factos (…)”.

e. Importa, pois, ter bem presente que a comunicação efectuada não constitui uma decisão quanto aos factos objecto da causa. Nada impõe que, feita a comunicação de uma eventual alteração, o Tribunal tenha que dar como provados os factos de tal alteração.  

11. O equívoco de que parte o recorrente fica facilmente desfeito, designadamente quanto às suas implicações nas questões de inconstitucionalidade suscitadas, se nos detivermos na leitura do muito recente Acórdão do Tribunal Constitucional nº 216/2019.[143]
Em tal decisão pode ler-se (sublinhados nossos):
Tendo em conta a explicitação, a que procedemos, sobre o sentido jurídico-constitucional dos princípios do acusatório, do contraditório e da plenitude das garantias de defesa, e sobre a susceptibilidade de uma alteração não substancial dos factos afectar tais princípios, cumpre agora determo-nos sobre a questão específica da omissão de referência aos elementos de prova indiciária em que se fundamenta a comunicação de uma alteração não substancial dos factos imputados ao arguido, efectuada no decurso da audiência de julgamento, vindo tais factos a ser inscritos, como fundamento, no julgamento do mérito da causa penal.
O Tribunal Constitucional já teve oportunidade de se pronunciar sobre a importância da comunicação dos elementos probatórios em que se alicerçou a imputação dos factos ao arguido, no âmbito do Acórdão n.º 416/2003. Porém, discutia-se, nesse aresto, um critério normativo extraído de diferente preceito, relativo ao primeiro interrogatório judicial de arguido detido. A norma sindicada correspondia à extraída do n.º 4 do artigo 141.º do Código de Processo Penal, na redacção originária (nesse número, não alterada pela Lei n.º 59/98, de 25 de agosto), interpretada no sentido de que, no decurso do interrogatório de ar­guido detido, a «exposição dos factos que lhe são imputados» poderia consistir na for­mulação de perguntas gerais e abstractas, sem concretiza­ção das circunstân­cias de tempo, modo e lugar em que ocorre­ram os factos que inte­gram a prática desses crimes, nem comunicação ao arguido dos elementos de prova que sustentam aquelas imputações e na ausência da apreciação em concreto da existência de inconveniente grave naquela concretização e na comunica­ção dos específicos elementos probatórios em causa.
A específica dimensão da não comunicação ao arguido dos elementos de prova determinantes das imputações foi, nesse contexto, analisada na perspectiva da audição de arguido detido, com o objectivo de apreciação judicial para restituição à liberdade ou imposição de medida de coacção adequada, sendo, nesse âmbito, sinalizada a necessidade de compatibilizar a impossibilidade de acesso irrestrito do arguido ao processo em fase de Inquérito, face ao segredo de justiça interno (nos termos do regime vigente na altura), e os seus direitos de defesa, minorando, na medida necessária à salvaguarda de tais direitos, a desigualdade inicial de que partiriam o Ministério Público e o arguido quanto ao conhecimento dos fatos investigados e da prova recolhida.
Assim, a não referência dos meios de prova em que se baseia a comunicação de novos factos indiciados, integrantes da categoria legal de alteração não substancial, traduz-se apenas numa não especificação dos mesmos, de entre todos os que, tendo sido produzidos ou sendo valoráveis em julgamento, se encontram na totalidade identificados.
Nesta perspectiva, a omissão de menção especificada não se reflecte, em bom rigor, e ao contrário do que sustenta o recorrente, numa diminuição das garantias de defesa face ao que goza o arguido perante a notificação da acusação. Desde logo porque, nos termos do artigo 283.º, também a peça de acusação não carece de relacionar especificadamente os factos imputados e os meios de prova, bastando-se com a indicação em rol das testemunhas a ouvir e a indicação de outros meios de prova, sem especificação dos concretos factos, isoladamente considerados ou agrupados segundo uma qualquer classificação, a que cada fonte probatória se reporta. O mesmo acontece com o despacho de pronúncia, ao qual são aplicáveis, nessa parte, os requisitos da acusação (artigo 308.º, n.º 2, do CPP).
Mais: a comunicação a que alude o n.º 1 do artigo 358.º do CPP não incorpora um juízo, positivo ou negativo, sobre a comprovação dos factos a que se refere. Apenas exterioriza que, no estado da prova produzida em julgamento, o princípio da descoberta da verdade obriga a que o tribunal se debruce sobre uma realidade não comportada na acusação ou na pronúncia, podendo tais factos vir a ser dados como provados ou não, em função da prova que for ulteriormente produzida ou examinada. Tratam-se, pois, de factos meramente sinalizados aos sujeitos processuais, de índole precária e indiciária, porque ainda sujeitos a eventual contraprova e ao crivo da discussão contraditória em audiência.
A valoração da prova produzida e a decisão sobre a verdade dos factos imputados (os factos que integram a acusação ou pronúncia, assim como os novos factos comunicados em cumprimento do n.º 1 do artigo 358.º do CPP), ocorre apenas com a emissão da sentença ou acórdão, juízo de facto sobre o qual recai uma exigência de fundamentação especificada e tanto quanto possível completa, ainda que concisa, das provas que serviram para formar a convicção do tribunal (artigo 374.º, n.º 2 do CPP), com cominação de nulidade do acto judicativo (artigo 379.º, n.º 1, alínea a), do CPP).
Desta forma, tendo em conta, por um lado, que, não obstante não existir uma indicação especificada dos meios de prova relevantes para o juízo de indiciação conducente à comunicação de factos prevista no artigo 358.º, n.º 1, do CPP, se encontra assegurada a identificação da totalidade dos meios de prova, produzidos ou valoráveis em fase de julgamento, e, por outro lado, que os factos comunicados são apenas indiciados, conclui-se que a interpretação normativa em sindicância não fere o núcleo essencial das garantias de defesa do arguido.
De facto, perante a comunicação da alteração não substancial dos factos, ainda que desacompanhada da referência aos meios de prova em que se fundamenta, a possibilidade de o arguido utilizar um prazo para preparar a sua defesa, nomeadamente arrolando novos meios de prova e proferindo alegações, a final, sobre toda a prova produzida, salvaguarda o direito do mesmo a poder pronunciar-se sobre todos os factos e questões que, directa ou indirectamente, se repercutem na pretensão punitiva do Estado e da qual ele é alvo.
Por tais razões, entendemos que a interpretação normativa extraída da conjugação dos artigos 358.º, n.º 1, e 379.º, n.º 1, alínea b), do CPP, que ora se sindica, no sentido de que a comunicação da alteração não substancial dos factos, efectuada no decurso da audiência de julgamento, nos termos dos citados preceitos, não carece de ser acompanhada da referência aos meios de prova indiciária em que se fundamenta, não impede uma defesa eficaz do arguido, não se mostrando, por essa razão, passível de censura jurídico-constitucional, por afectação das garantias de defesa do arguido, nomeadamente por inobservância do princípio do contraditório.

12. Perante a clareza da exposição dos argumentos relevantes, pouco mais há a acrescentar.
Resta-nos apenas sublinhar que a circunstância de se estar perante um processo de elevada complexidade e grande volume não altera a solução avançada pelo Tribunal Constitucional. Mesmo nesses casos, a decisão que comunique a possibilidade de alteração não substancial dos factos constantes da pronúncia não terá de enumerar, de forma expressa, os meios de prova de onde resultam as possíveis alterações.
Desde logo, tal enumeração não é necessária para assegurar as garantias de defesa do arguido. Todos os meios de prova valoráveis estão identificados e, tal como sucede na acusação ou no despacho de pronúncia, não é exigível que se relacione cada um dos factos imputados com concretos meios de prova.
Como expressamente menciona o Tribunal Constitucional, a comunicação a que alude o n.º 1 do artigo 358.º do C.P.Penal não incorpora um juízo, positivo ou negativo, sobre a comprovação dos factos a que se refere. Apenas revela que, perante a prova produzida em julgamento (acompanhada e contraditada pelos arguidos), o tribunal irá analisar factualidade que, como “pedaço de vida”, não está comportada na acusação/pronúncia.
Irá fazê-lo por força dos imperativos do princípio da descoberta da verdade, mas com respeito pelos demais princípios orientadores do processo penal, designadamente o do contraditório, facultando-se à defesa prazo para se preparar e a possibilidade de indicar novos meios de prova (para além daqueles cuja produção já acompanhou e pode contraditar).
Em função do conjunto da prova (anterior e, eventualmente, posterior à comunicação) poderão os factos comunicados vir a ser dados como provados ou não. Sempre com observância das garantias que decorrem da discussão contraditória em audiência.

13. Assim, bem andou o Tribunal a quo ao indeferir a arguição de irregularidade.
Imperioso é, pois, concluir, pela improcedência do recurso.
 
                                                        *
27º - Recurso interposto pelo arguido jo…, do despacho de fls. 56.941 que, apreciando requerimento do arguido, indeferiu a requerida extinção do procedimento criminal por aplicação do princípio do “ne bis in idem” (fls. 56875 — ponto 1°), indeferiu a instrução dos autos com os elementos mencionados pelo arguido a fls. 56875, ponto 1.1., indeferiu a requerida nulidade da pronúncia (fls. 56875, ponto 2°) e, por fim, indeferiu, na íntegra, as diligências probatórias requeridas pelo arguido a fls. 56.876, ponto 1°, als. a) e b) e a fls. 56876, ponto 2°, als, a), b), c) e d).

1. Após a comunicação de alterações não substanciais efectuada em 15 de Novembro de 2016, dentro do prazo que lhe foi concedido para o efeito, veio o arguido JO… “apresentar a defesa relativamente às mesmas (…) nos termos do artigo 358º, nº 1, do CPP” – para o efeito juntou aos autos o requerimento de fls. 56804 e seguintes, no qual formulou as seguintes pretensões:
Pelo exposto, requer a V. Ex.ª que de digne ordenar:
1 - A extinção do procedimento criminal para tutela da vertente processual e material do princípio do “ne bis in idem” (artigo 29.º, n.º 5, da CRP e artigo 4.º do Protocolo n.º 7 à CEDH).
1.1 - Para o efeito, desde já se requer que se digne ordenar a instrução dos autos com todos os elementos necessário à correcta apreciação da questão relativa ao “ne bis in idem”, devendo, para o efeito, ser ordenado que se oficie ao BdP, CMVM e ou Tribunais onde se venha a verificar que os processos punitivos identificados no ponto I da presente defesa tramitam, para que informem o estado daqueles processos, juntando aos autos certidões das decisões administrativas ou judicias que neles tenham sido proferidas e que não se achem já no processo.
Se assim não se entender:
2 – Declarar a nulidade da pronúncia alterada pela douta decisão de 15.11.2016, por violação da interpretação “conforme à Constituição” do artigo 283.º, n.º 3, alíneas b) e f), ex vi artigo 308.º, n.º 2, conjugados com o artigo 358.º, n.º 1, todos do CPP.
Se assim não se entender:
3 – Absolver o Arguido pela prática dos factos.
Relativamente aos factos requer a produção da seguinte PROVA suplementar:
1.º - Que seja oficiado à Assistente BIC, SA, para juntar aos autos:
a) o resultado de um pedido de informação ao sistema “bank manager” (vulgarmente designado como “query”) de onde resulte o volume do crédito concedido através do Banco Insular em 31 de Dezembro de cada ano, desde 2001 até 2008, com discriminação do valor relativo ao balcão “dentro” e “fora de balanço”; e
b) o resultado de um outro pedido de informação ao sistema “bank manager” (vulgarmente designado como “query”)  de onde resulte o volume de crédito concedido pelos dois balcões à data de 30.06.2008 (por ser a data considerada no artigo 218.º da pronúncia),  sendo que é relativamente a parte não especificada do volume de crédito elencado nos artigos 215.º a 218.º da pronúncia que o “novo” artigo 219.º da pronúncia alega que os Arguidos tinham a intenção de tornar parcialmente “não cobráveis”.
Destina-se o requerido à demonstração de que não só existia intenção de que os créditos fossem cobráveis, como se verificou efectivamente uma cobrança significativa dos mesmos, revelada pela diminuição do volume de ambos os balcões do Banco Insular, conforme alegado nos artigos 50 a 52 do ponto III da presente defesa, relativa aos factos.
2.º - Requer a V. Ex.ª que, prova da matéria de facto levada aos artigos 68 a 73 do ponto III da presente defesa, relativa aos factos, e para contraprova da matéria de facto vertida no alterado artigo 219.º da douta pronúncia, onde se alega que os Arguidos teriam agido com a intenção de tornar “não cobráveis” parte dos créditos elencados nos artigos 215.º a 218.º, se digne ordenar que se oficie à Assistente BIC, SA, para:
a) Juntar aos autos cópia de todos os contratos de dação em pagamento, e ou cessão de créditos, que não se achem nos autos, que o BPN, SA, o BPN-IFI e ou o BPN-Cayman tenham celebrado entre si ou com o Banco Insular, relativamente aos créditos concedidos através do balcão 1 e 2;
b) Juntar aos autos cópia de todos os contratos de dação em pagamento, e ou cessão de créditos, que não se achem nos autos, que o BPN, SA, o BPN-IFI e ou o BPN-Cayman tenham celebrado entre si relativamente ao crédito (interbancário), concedido através das contas correspondentes (contas “nostro”) ao Banco Insular;
c) Caso, nalguma situação, não exista contrato de dação em pagamento/cessão de créditos relativamente a alguns dos valores cedidos e ou integrados no balanço do BPN-IFI, BPN-Cayman e ou BPN, SA, requer que o BIC, SA junte aos autos a deliberação do Conselho de Administração, ou o instrumento jurídico que tenha decidido, ou suportado, a integração do valor remanescente do balanço do Banco Insular no balanço do BPN-IFI, BPN-Cayman e ou BPN, SA, informando ainda a data de tal integração e se foi, ou não, realizada pelo valor do capital e juros;
d) Informar se, na sequência das diversas cessões de créditos celebradas (e que acima se tentaram discriminar), se verificou na contabilidade do BPN-Cayman, do BPN-IFI ou do BPN, SA (entidades referidas na douta pronúncia com referência aos factos) algum prejuízo decorrente da aquisição/integração dos créditos concedidos pelo Banco Insular, ou se foi provisionada algum prejuízo potencial,
prova suplementar que se requer para prova da matéria de facto constante, designadamente, dos artigos 68 a 73, 125 e 127 do ponto III da presente defesa, relativa aos factos.
Pretende o Arguido, através da produção da mesma, demonstrar que não decorreu qualquer prejuízo da concessão de créditos elencada nos artigos 215.º a 218.º, a que se refere o alterado artigo 219.º da douta pronúncia.
A propósito da relevância dos contratos de cessão de créditos celebrados para os crimes patrimoniais imputados ao Arguido veja-se o douto despacho de fls. 45.706, datado de 22.04.2014 do Vol. 146, que aqui se dá como integralmente reproduzido e a cujo teor não pode o Arguido deixar de aderir..

2. Sobre tal requerimento recaiu a decisão colegial de fls. 56941 e segs., cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido, na qual se determinou:
“Pelo exposto e razões aduzidas, decide-se:
1) Indeferir a requerida extinção do procedimento criminal (fls. 56875 — ponto 1°);
2) Indeferir a instrução dos autos com os elementos mencionados pelo arguido a fls. 56875, ponto 1.1.);
3) Indeferir a requerida nulidade da pronúncia (fls. 56875, ponto 2°);
4) Indeferir, na íntegra, as diligências probatórias requeridas pelo arguido a fls.  56876, ponto 1°, als. a) e b) e a fls. 56876, ponto 2°, als, a), b), c) e d); (…).

3. Inconformado com o teor da decisão, o arguido JO… interpôs recurso, pugnando pela revogação da decisão recorrida e concluindo que, consequentemente deverá ser:
1 - Revogada na íntegra a douta decisão recorrida.
2 – Ordenada a baixa dos autos para que a questão da violação do “ne bis in idem” seja decida após o processo se achar instruído com base nas certidões a extrair dos diversos processos punitivos instaurados contra o Arguido, de natureza contra-ordenacional e ou penal, conforme requerido pelo mesmo a fls. 56.875, ponto 1.1.
2 – Se assim não se entender, deverá ser deferida a requerida extinção do procedimento criminal, nos termos requeridos pelo Arguido a fls. 56.875 — ponto 1º;
3 - Se assim não se entender, deverá ser declarada a arguida nulidade da pronúncia nos termos requeridos pelo Arguido a fls. 56.875 — ponto 2º, ou, alternativamente, as alteração a esse pronúncia efectuadas pelo Tribunal, determinando-se a baixa dos autos para que sejam concretizadas as imputações vagas e genéricas efectuadas nas alterações à pronúncia, bem como, a concretizadas as provas em que se baseiam tais alterações, concedendo-se prazo para o Arguido apresentar defesa relativamente à pronúncia alterada nesses termos;
4 – Se assim não se entender, deverão ainda ser deferidas, na íntegra, as diligências probatórias requeridas pelo Arguido a fls. 56.876, ponto 1º, als. a) e b) e a fls. 56.876, ponto 2º, als, a), b), c) e d), devendo a produção da prova em causa ser ordenada pelo Tribunal de recurso ao Tribunal “a quo”, ordenando-se para o efeito a baixa dos autos para esse efeito e a anulação dos actos processuais posteriores à decisão recorrida e, assim, do Acórdão final que venha a ser proferido.

4. O recorrente extraiu da sua motivação as seguintes conclusões (encontrando-se reproduzidas, no final do bloco de conclusões, as respectivas notas de rodapé, cuja numeração originária se manteve):
1.º - Como é público e notório, desde o ano 2008 e até à presente data (ou seja, durante cerca de oito anos), foram publicadas milhares de notícias nos meios de comunicação social portugueses sobre o denominado caso BPN, com a consequente divulgação pública de várias suspeitas que recaíam sobre o Arguido relacionadas com a alegada prática de crimes e contra-ordenações relacionados com a actividade da SLN e do BPN.
2.º - Face à evidente pressão mediática exercida sobre as diversas entidades a quem a lei conferiu poderes para supervisionar, sancionar, investigar e acusar, aqui se compreendendo o Banco de Portugal (doravante BdP), a Comissão do Mercado de Valores Mobiliários (doravante CMVM) e o Ministério Público, tais entidades multiplicaram esforços não conjugados, orientados individualmente para a demonstração pública de competentes iniciativas punitivas contra os alegados responsáveis pelos factos.
3.º - De tais esforços, não conjugados, orientados individualmente para a demonstração pública de competentes iniciativas punitivas contra os alegados responsáveis pelos factos, no que ao Arguido se reporta, foram até hoje, de forma meramente exemplificativa, instaurados contra o Arguido os seguintes processos punitivos: (a) contra-ordenação n.º …/…/CO movido pelo BdP, (b) processo-crime n.º …/…TELSB, (c) processo de contra-ordenação n.º …/…/CO movido pelo BdP, (d) processo de contra-ordenação n.º …/… movido pela CMVM, (e) processo-crime n.º …/…TELSB e (f) processo-crime n.º …/…TELSB.
A – QUANTO AO INDEFERIMENTO DA JUNÇÃO DOS CERTIDÕES DOS DEMAIS PROCESSOS PUNITIVOS:
4.º - Para a demonstração da flagrante violação do direito constitucional do Arguido a não ser repetidamente julgado pelos mesmos factos, através de sucessivos processos de natureza punitiva, requereu o Arguido que “1.1 - Para o efeito, desde já se requer que se digne ordenar a instrução dos autos com todos os elementos necessário à correcta apreciação da questão relativa ao “ne bis in idem”, devendo, para o efeito, ser ordenado que se oficie ao BdP, CMVM e ou Tribunais onde se venha a verificar que os processos punitivos identificados no ponto I da presente defesa tramitam, para que informem o estado daqueles processos, juntando aos autos certidões das decisões administrativas ou judicias que neles tenham sido proferidas e que não se achem já no processo.”
5.º - Sobre tal requerimento ajuizou o Tribunal “a quo” decidindo que “cabia ao arguido em ordem a sustentar a sua pretensão, a junção aos autos dos documentos correspondentes, i.e., as certidões narrativas dos “estados dos processos” e/ou “certidões administrativas ou judiciais que neles tenham sido proferidas”.
E isto porque, em termos legais/processuais, nada obstava que o arguido os compulsasse e neles requeresse o que tivesse por conveniente para ser junto aos presentes autos.”
6.º - Na douta decisão recorrida confunde-se a alegada possibilidade de o Arguido aceder aos diversos processos punitivos a que o Arguido faz referência (e cuja existência já está demonstrada nos autos), com o dever de o Arguido o fazer, ou, melhor dizendo, com o ónus da prova da circunstância preclusiva da possibilidade da manutenção de diversas acções punitivas (entenda-se, penais e ou contra-ordenacionais) sobre os mesmos factos, ou factos que sejam essencialmente os mesmos, por via do disposto no artigo 29.º, n.º 5, da CRP.
7.º - Assim, o Tribunal “a quo”, ao justificar, como justificou, o indeferimento da junção aos autos das certidões requeridas, adopta uma lógica civilística que até o Código de Processo Civil já abandonou, através do artigo 411.º, do NCPC, sendo que, se necessário fosse, até esta disposição seria subsidiariamente aplicável ao processo penal “ex vi” artigo 4.º do CPP.
8.º - O invocado princípio “ne bis in idem” tem consagração constituição no artigo 29.º, n.º 5, do CRP, sendo um “direito, liberdade e garantia pessoal” sujeito ao regime de tutela especial (leia-se, reforçado), conforme resulta do disposto no artigo 18.º, da CRP, por estar inserido no TÍTULO II da Constituição, relativo aos “Direitos, liberdades e garantias”, “CAPÍTULO I” relativo aos “Direitos, liberdades e garantias pessoais”.
9.º - O artigo 18.º, n.º 1, da CRP, esquecido na douta decisão recorrida, estatui que o respeito e a tutela do direito invocado pelo Arguido (artigo 29.º, n.º 5, da CRP) onera de forma directa as entidades públicas, leia-se, o próprio Tribunal “a quo”, sendo por isso uma questão que deve ser oficiosamente apreciada.
10.º - Ora, se se trata, no caso concreto, de apreciar a concreta situação processual dos demais processos punitivos (penais e contra-ordenacionais) intentados pelo Estado contra do Arguido, então, incumbia ao Tribunal, mesmo oficiosamente, ordenar a instrução dos autos com as certidões requeridas pelo Arguido, nos precisos termos em que tal foi requerido.
11.º - A solução adoptada na douta decisão recorrida esquece que o Tribunal “a quo”, enquanto entidade pública, está directamente obrigado a fazer cumprir o preceito constitucional invocado pelo Arguido, preclusivo da possibilidade legal de uma dupla sujeição a julgamento, e até, em rigor, de contra ele poder pender um segundo processo punitivo com o mesmo objecto.
12.º - Assim, a interpretação normativa aplicada viola flagrantemente o n.º 1 do artigo 18.º e o artigo 29.º, n.º 5, da CRP, pois configura uma restrição desadequada, desproporcional e desnecessária ao direito, liberdade e garantia invocado pelo Arguido.
13.º - Considerando que o Tribunal “a quo” não indica sequer a base legal de onde extraiu a interpretação normativa que veio a aplicar, no sentido de que deveria ser o Arguido, caso nada obstasse a tal, a obter e juntar aos autos as certidões dos processos para prova de que se encontra a ser sujeito a um duplo julgamento pelos mesmos factos, considera o ora Recorrente que tal interpretação, sendo materialmente inconstitucional, foi extraída do artigo 340.º, n.º 1, 2, 3 e 4, do CPP.
14.º - O artigo 340.º, n.º 1, do Código de Processo Penal, interpretado no sentido de que cabe ao arguido proceder à junção aos autos das certidões extraídas dos processos contra-ordenacionais ou penais invocados para sustentar a extinção do procedimento criminal, por requerida pela defesa, com base no princípio “ne bis in idem”, é materialmente inconstitucional por violação do artigo 18.º, n.ºs 1, 2 e 3 e 29.º, n.º 5, ambos da CRP.
Por outro lado:
15.º - O artigo 340.º, n.ºs 1, 2, 3 e 4, do Código de Processo Penal, interpretado no sentido de que, nos casos em que o Arguido não o faça, nem demonstre a impossibilidade de o fazer, não deve o Tribunal de julgamento ordenar a junção aos autos das certidões extraídas dos processos contra-ordenacionais ou penais invocados para apreciação da eventual violação do princípio “ne bis in idem”, é materialmente inconstitucional por violação do artigo 18.º, n.ºs 1, 2 e 3 e 29.º, n.º 5, ambos da CRP;
16.º - E isto porque, desde logo, o Estado tem o dever de unicidade processual, isto é, de constituir um único processo punitivo contra o Arguido pelos mesmos factos, evitando a repetição de processos punitivos, claramente proibida pelo princípio em causa, sendo esta a interpretação “conforme à Constituição” dos artigos em causa, que se acha violada.
17.º - Assim, deveria o Tribunal “a quo” ter recusado a sua aplicação, nos termos do artigo 204.º da CRP, que a douta decisão recorrida violou, ordenando a junção aos autos das certidões narrativas dos estados dos demais processos penais e ou de contra-ordenação e/ou das certidões administrativas ou judiciais que neles tenham sido proferidas, ou seja, do processos de (a) contra-ordenação n.º …/…/CO movido pelo BdP, (b) processo-crime n.º …/…TELSB, (c) processo de contra-ordenação n.º …/…/CO movido pelo BdP, (d) processo de contra-ordenação n.º …/… movido pela CMVM, (e) processo-crime n.º …/…TELSB e (f) processo-crime n.º …/…TELSB.
A.2 – QUANTO À POSSIBILIDADE DE CONHECER DA INVOCADA VIOLAÇÃO DO PRINCÍPIO “NE BIS IN IDEM” SEM PREVIAMENTE INSTRUIR OS AUTOS COM CERTIDÕES DOS DEMAIS PROCESSOS PUNITIVOS:
18.º - A questão do “ne bis in idem” é de conhecimento oficioso, gerando a preclusão da acção punitiva e a consequente extinção do procedimento criminal em cumprimento do artigo 29.º, n.º 5, da CRP.
19.º - Face à questão, expressamente invocada pelo Arguido, cabia ao Tribunal “a quo” instruir os autos com todos os elementos à sua correcta apreciação, devendo, para o efeito, ser ordenado que se oficie às diversas entidades e Tribunais que informem o estado dos processos acima identificados, juntando aos autos certidões das decisões que nele tenham sido proferidas e que não se achem já no processo, pretensão que o Tribunal “a quo” deveria ter deferido.
20.º - Antes de o fazer, por não dispor de informação certificada sobre o actual estado dos demais processos punitivos, não poderia o Tribunal “a quo” apreciar a eventual violação do princípio “ne bis in idem”.
21.º - Os artigos 7.º, 327.º e 340.º, n.º 1, do CPP, interpretados (singularmente ou de forma conjugada) no sentido de o Tribunal de julgamento poder apreciar a eventual violação do princípio “ne bis in idem” sem que que os autos estejam instruídos com certidões que determinem a abrangência, objecto e o actual estado dos demais processos de contra-ordenação e ou penais que corram contra o Arguido, é materialmente inconstitucional por violação dos artigos 18.º, n.º 2, 29.º, n.º 5 e 32.º, n.º 1, da CRP.
22.º - Ao julgar, como julgou, violou a douta decisão recorrida o artigo 204.º da CRP, bem como a interpretação “conforme à Constituição” dos artigos 7.º, 327.º e 340.º, n.º 1, do CPP.
B – QUANTO AO MOMENTO E À FORMA DA ALEGAÇÃO DA VIOLAÇÃO DO PRINCÍPIO “NE BIS IN IDEM”:
23.º - Invocada a violação do princípio “ne bis in idem” pelo Arguido na defesa relativamente às alterações (ditas) não substanciais dos factos veio o Tribunal “a quo” a decidir, por um lado, que: “Sendo o arguido confrontado com uma alteração não substancial de factos (atente-se: não estamos perante uma alteração substancial) não lhe assiste qualquer direito de clamar pela violação do princípio "ne bis in idem".”
24.º - Porém, sendo como é, o princípio “ne bis in idem” um princípio que proíbe o duplo julgamento pela prática dos mesmos factos o mesmo opera, ou devia operar, logo que se verifique, ou passe a verificar, uma duplicação de julgamentos, ou a pendência de sucessivos processos punitivos contra o mesmo.
25.º - O conhecimento de tal princípio é de conhecimento oficioso e deverá ocorrer a todo o tempo, leia-se, mesmo que o Arguido não o invoque nunca.
26.º - Logo, a invocação da sua violação por parte do Arguido não tem de ser integrada na contestação, ou na defesa formal contra qualquer alteração substancial ou não substancial, mas pode ocorrer a todo o tempo, desde que antes do trânsito em julgado!
27.º - Trata-se de uma causa de extinção do procedimento criminal que, tal como a prescrição, poderá, com o passar do tempo, vir a verificar-se, sendo que a verificação desta causa de extinção do procedimento apenas pode ocorrer em processos em curso quando o Estado tenha violado o dever de unicidade do processo punitivo, isto é, quando tenha promovido mais que um processo e ou julgamento contra o mesmo Arguido pelos mesmos factos, ou por factos que sejam essencialmente os mesmos.
28.º - Dizer o contrário, como resultado do entendimento perfilhado na decisão recorrida, redunda na preclusão do direito do Arguido à invocação do princípio “ne bis in idem”, ou seja, o Arguido, porque não invocou tal violação na sua contestação (e à data da mesma poderia ainda não existir), teria deixado de ter direito a invocá-la, o que é, no mínimo, surpreendente, uma vez que o Arguido veria precludir o direito a não ser julgado duas vezes pelos mesmos factos… e, consequentemente, o Estado teria deixado de estar “proibido” a não o julgar duas, ou mais vezes, pelos mesmos factos…, tudo à revelia do estatuído nos artigos 18.º, n.ºs 1, 2 e 3 e 29.º, n.º 5, ambos da CRP.
29.º - Mais uma vez o Tribunal não indica, para estribar a sua decisão, qualquer base legal que, desta feita, apenas poderá ter sido extraída do artigo 358º, n.º 1 do C.P.P.
30.º - O artigo 358.º, n.° 1 do C.P.P., quando interpretado no sentido de a defesa relativamente às alterações não substanciais não ser um meio ou momento processualmente adequado à suscitação, pelo Arguido, da violação do princípio “ne bis in idem”, é materialmente inconstitucional, por violação dos artigos 18.º, n.ºs 1, 2 e 3 e 29.º, n.º 5 e 32.º, n.º 1, todos da CRP.
31.º - Donde, deveria o Tribunal “a quo” recusar a aplicação da norma em causa nos termos do artigo 204.º da CRP, ao invés de (i) considerar, como considerou, que não podia o Arguido invocar o princípio em causa no momento e através do meio processual em que o fez, (ii) efectuando um conhecimento daquela questão de forma meramente subsidiária e para o caso de “assim não se entender”.
34. º - Ao julgar como julgou, violou a douta decisão recorrida o artigo 204.º da CRP, bem como a interpretação “conforme à Constituição” do artigo 358.º, n.º 1 do C.P.P.
C – DA EVIDENCIAÇÃO DA VIOLAÇÃO DO PRINCÍPIO “NE BIS IN IDEM” E DA DUPLICAÇÃO DOS PROCESSOS PUNITIVOS:
35.º - No douto Acórdão do Plenário do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem, datado de 10 de Fevereiro de 2009, este Tribunal fixou jurisprudência no sentido de “harmonizar a interpretação do conceito da “mesma infracção” – elemento idem do princípio non bis in idem – para os fins do artigo 4 do Protocolo n.º 7.”
36.º – Neste Acórdão do Plenário do TEDH, que a douta Decisão recorrida não faz qualquer alusão, concluiu-se que “o artigo 4 do Protocolo n.º 7 deve ser entendido como proibindo perseguir ou julgar alguém por uma segunda “infracção” na medida em que tem por origem factos idênticos ou factos que sejam essencialmente os mesmos.”
37.º – No caso em apreço naquele Acórdão do TEDH este Tribunal considerou “que o processo contra o requerente em conformidade com o artigo 213 § 2 b) do código penal respeitava essencialmente à mesma infracção pela qual o interessado já tinha sido condenado por julgamento definitivo, nos termos do artigo 158 do código das infracções administrativas.”, tendo condenado a Rússia pela violação do princípio “ne bis in idem” (previsto no artigo 4 do Protocolo n.º 7 à CEHD), apesar de, no segundo processo punitivo, (o processo crime, após cumprimento da decisão administrativa que o condenara) o Arguido ter sido absolvido.
38.º - O princípio “ne bis in idem” “(…) comporta duas dimensões: (a) como direito subjectivo fundamental, garante ao cidadão o direito de não ser julgado mais do que uma vez pelo mesmo facto, conferindo-lhe, ao mesmo tempo, a possibilidade de se defender contra actos estaduais violadores deste direito (direito de defesa negativo); (b) como princípio constitucional objectivo (dimensão objectiva do direito fundamental), obriga fundamentalmente o legislador à conformação do direito processual e à definição do caso julgado material, de modo a impedir a existência de vários julgamentos pelo mesmo facto”.[17]
C.1 – QUANTO À ALEGADA INEXISTÊNCIA DE SOBREPOSIÇÃO ENTRE O PRESENTE PROCESSO E OS PROCESSOS N.ºS …/…CO E …/…/CO DO BDP:
39.º - Sobre a sobreposição de acções punitivas entre os presentes autos e os processos do Banco de Portugal n.ºs …/…/CO e …/…/CO escreveu-se, numa primeira linha de argumentação, na douta decisão recorrida, o seguinte: “Ora, vista a matéria em causa e a que o arguido se refere nos arts. 16º, 41º a 45º, 47° a 54° não se vislumbra que a factualidade deles constantes, em termos concretos, ou seja, como realidade material, seja a mesma que está em julgamento nos presentes autos.”;
40.º - É absolutamente errado afirmar que não existe sobreposição da mesma realidade material entre os factos vertidos nos dois processos de contra-ordenação em causa e os presentes autos, afirmação que o Tribunal “a quo” não tenta sequer fundamentar.
41.º - A similitude entre o objecto processual dos presentes autos e do processo do Banco de Portugal n.º …/…/CO (onde já existe uma decisão administrativa e, pelo menos, uma decisão judicial sobre os mesmos factos) é manifesta, uma vez que ali está em causa todo o processo de financiamento do Banco Insular, o volume de crédito ali concedido, e a sua alegada não consolidação no grupo BPN/SLN, tendo o Banco Insular sido qualificado como filial da SLN.
42.º - Ora, discutindo-se nos presentes autos essa mesma matéria, directa ou indirectamente, não se percebe, e ainda menos à luz do critério adoptado pelo TEDH, que se possa afirmar que a realidade fáctica em causa não é a mesma, uma vez que: “o artigo 4 do Protocolo n.º 7 deve ser entendido como proibindo perseguir ou julgar alguém por uma segunda “infracção” na medida em que tem por origem factos idênticos ou factos que sejam essencialmente os mesmos.”, como é manifestamente o caso.
43.º - O processo n.º …/…/CO do BdP constitui o Apenso Temático “R” dos presentes autos, sendo que a prova documental aí constante foi repetidamente produzida em audiência de julgamento.
44.º - Sobre a identidade entre estes processos referiu já o M.P,. a fls. 38.936, que “E… e todas as demais pessoas que atrás de identificaram, são testemunhas arroladas neste processo crime, e, como é sabido, designadamente a partir do apenso temático R dos presentes autos que é constituído por cópia do processo n.º …/… do BdP, são arguidos no processo de contra-ordenação n.º …/…YUSTR do Tribunal da Concorrência, Regulação e Supervisão de Santarém cujos factos em apreciação poderão identificar-se ou estar conectados com factos em apreciação neste processo.”
45.º - Assim sendo, como é, não se compreende sequer que a douta decisão recorrida, de forma absolutamente infundamentada, afirme que “não se vislumbra que a factualidade deles constantes, em termos concretos, ou seja, como realidade material, seja a mesma que está em julgamento nos presentes autos.”, quando, em ambos os processos, está em causa a forma de financiamento do Banco Insular, com fundos provenientes do BPN IFI e BPN Cayman, e o volume de crédito aí concedido, bem como a ausência de revelação de tal crédito nas contas do BPN e da SLN.
46.º - Aliás, é a própria decisão condenatória do BdP que confessa a identidade de objecto entre o processo …/…/CO e os presentes autos na parte onde afirma que: “1.4 Em sede criminal, aos arguidos JO…, LC…, FS…, AF…, JV… e LM… foi também imputada na acusação deduzida pelo Ministério Público (no âmbito do NUIPC …/…TDLSB) - a prática do crime de falsificação de documento, previsto e punido pelas disposições conjugadas dos artigos 256.°, n.º 1, alíneas d) e e), por referência ao conceito de documento previsto no artigo 255.°, alínea a), todos do Código Penal, incidindo a falsificação também sobre os registos contabilísticos da SLN que omitiram quaisquer valores relacionados com a actividade do Banco Insular (folhas 17405, do Volume 64). Neste aspecto específico, considera-se, assim, existir entre os autos criminais acima referenciados e o presente processo de contra-ordenação a identidade factual que e pressuposto de aplicabilidade do disposto no artigo 208.º do RGICSF” (v.d. fls. 26.145 dos presentes autos, Vol. 93, do Ap. Temático “R”).
47.º - De igual forma, quanto ao processo de contra-ordenação n.º …/…/CO movido pelo Banco de Portugal, a douta decisão recorrida não fundamenta em nada a afirmação de que nela não está em causa a mesma realidade material que está em julgamento nos presentes autos.
47.º - No acima referido processo n.º …/…/CO, movido pelo BdP contra o Arguido e outros (entre os quais diversos dos demais Arguidos dos autos), relativamente à não contabilização do produto vulgarmente denominado como “contas de investimento”, cuja remuneração assegurada aos clientes do BPN, SA (e o risco do eventual prejuízo daí decorrente) não se encontrava reflectida no balanço do Banco, no Consolidado da BPN-SGPS, e, por último, na SLN-SGPS, sendo que o “custo” e proveitos emergentes deste produto terão sido recebidos/suportados pelas sociedades “off shore” Venice, Jared Finance e Solrac, através do financiamento a que se reporta o artigo 217.º da pronúncia proferida no processo-crime n.º …/…TDLSB, crédito a que se refere o posteriormente alterado artigo 219.º da mesma.
48.º - A origem da alegada viciação das mesmas contas do BPN, SA é, assim, abordada sob diferentes perspectivas nos presentes autos e no processo n.º …/…/CO do BdP;
49.º - Sendo que, nos dois processos de contra-ordenação em acima identificados, se imputa ao Arguido, no mesmo período temporal, a apresentação de uma contabilidade do BPN, SA, que não revelava a real situação patrimonial daquela instituição por si representada;
50.º - Nas concretas palavras da douta pronúncia dos presentes autos é alegado, por exemplo, no artigo 73 “As entidades VENICE, SOLRAC e JARED foram utilizadas como veículos de financiamento de outras sociedades e pessoas, através de saques a descoberto, bem como serviram de centros de custos, contribuindo de forma fictícia para o aumento dos resultados financeiros do grupo BPN/SLN, uma vez que permitiram a omissão do registo de custos e justificaram a contabilização de juros dos financiamentos concedidos, se bem que nunca efectivamente pagos.” e no artigo 762 “Através desta estratégia de ocultação da titularidade da LABICER e consequente exclusão do perímetro de consolidação do Grupo, visavam os referidos arguidos esconder a exposição creditícia que a própria Labicer detinha junto de instituições financeiras do Grupo SLN/BPN, o que se traduziria num aumento do consumo dos fundos próprios ao abrigo do aviso 10/94 do Banco de Portugal relativo a grandes riscos de crédito.”
51.º - Assim, ao contrário do decidido, naquele processo de contra-ordenação n.º …/…/CO o que está mais uma vez em causa é a falsificação da contabilidade do BPN, SA, não podendo o Arguido, ao contrário do decidido, ser sujeito a um novo processo punitivo sobre os mesmos factos, ou factos que são essencialmente os mesmos. 
52.º - Mas, prossegue a douta decisão recorrida afirmando, numa segunda linha de argumentação, que: “O que não podia, nem pode, propositadamente ou não, era deixar transitar os processos de contra-ordenação, bem como as coimas que lhe foram aplicadas para, agora, clamar pela violação do princípio "ne bis in idem" pela circunstância de, alegadamente, já ter sido condenado pelos mesmos factos, até porque, como vimos, a competência deste Tribunal é inexorável, assistindo-lhe toda a legitimidade legal e processual em ordem ao desiderato final que passa pela sua absolvição ou condenação pelos crimes de que se encontra pronunciado (neste sentido, v. tb. actual redacção do art. 208°, n.° 2 na redacção emergente do D.L. n.° 157/2014, de 24.10.)." ”
53.º - Salvo o devido respeito, o Tribunal “a quo” confunde (e trata da mesma forma) o caso de uma eventual condenação em concurso real entre contra-ordenação e crime no mesmo processo e o caso de uma condenação sucessiva do Arguido por contra-ordenação e por crime no âmbito de processos punitivos sucessivos e ou simultâneos, o que é inaceitável à luz do artigo 29.º, n.º 5, da CRP. Confunde, assim, a dupla penalização simultânea, com a dupla penalização sucessiva, sem que aparentemente se dê conta da gravidade jurídica da solução jurídica que defende.
54.º - Ora, nos termos da jurisprudência unânime do Tribunal Constitucional, o que se pode discutir, em abstracto, é se uma dupla penalização do Arguido no mesmo processo pela prática de uma contra-ordenação e de um crime viola, ou não, o princípio “ne bis in idem” na sua vertente material, utilizando-se para o efeito o critério enunciado no Ac. TC n.º 303/2005, e jamais se uma perseguição segmentada de crime e contra-ordenação com a organização de vários processos punitivos e julgamentos é constitucionalmente aceitável.
55.º - Assim, da jurisprudência do Plenário do TEDH e do Tribunal Constitucional, a sujeição do Arguido a julgamento no âmbito de processos punitivos sucessivos e ou simultâneos por infracções de natureza contra-ordenacional e penal viola frontalmente a vertente processual do princípio “ne bis in idem”, e, assim, a proibição da dupla sujeição a julgamento, sempre que estejam em causa os mesmos factos, como é o caso.
56.º - Pelo que, sendo os factos indissociáveis entre si quanto aos processos de contra-ordenação n.º …/…/CO e n.º …/…/CO e os presentes autos, deveria o Tribunal “a quo” ter ordenado a requerida extinção do processo-crime, nos termos do artigo 29.º, n.º 5, da CRP, por naqueles autos existirem já decisões condenatórias definitivas e em execução.
57.º - Verifica-se, assim, salvo o devido respeito e melhor opinião, que a interpretação normativa adoptada na douta decisão recorrida, não teve em conta o princípio ne bis in idem, previsto nos artigos 29.º, n.º 5 da C.R.P., e 4.º do Protocolo n.º 7 à C.E.D.H., na interpretação que lhe atribui o T.E.D.H. expressa no douto Acórdão do Plenário daquele Tribunal tirado no caso Zolotoukhine c. Rússia, datada de 10 de Fevereiro de 2009.
58.º - De facto, se este princípio constitui uma injunção dirigida ao Estado para organizar um único processo punitivo contra o arguido, onde se lhe imputem todas as infracções criminais ou contra-ordenacionais emergentes dos factos, face ao evidente incumprimento de tal injunção pelo Estado, ao invés de inverter a responsabilidade pelo sucedido quanto à multiplicação das acções punitivas, deveria a douta decisão recorrida reconhecer o efeito preclusivo decorrente da existência de várias condenações anteriores, a título de contra-ordenação, quanto à possibilidade manutenção da acção penal.
59.º- Ainda quanto à alegação de que caberia ao Arguido requerer o que tivesse por conveniente junto do processo de contra-ordenação refira-se que, na decisão condenatória do BdP no processo n.º …/CO/…, pág. 26.145, constante do Vol. 93 do Apenso Temático “R”, que foi isso mesmo que fez o ali co-Arguido LC…, sem qualquer sucesso, o que não foi ponderado pela douta decisão recorrida.
60.º - Na decisão condenatória do BdP, a fls. 26.145 e 26.153 dos presentes autos, Vol. 93, do Ap. Temático “R”, condenou-se o Arguido pela prática da contra-ordenação decorrente de “falsas informações” na coima de euros: 950.000,00 (novecentos e cinquenta mil euros) e, por todos os factos (v.d. ponto 1.7 da Parte X do Relatório da decisão), a sanção acessória de inibição do exercício de funções por um período de 10 anos, bem como, e de publicidade da punição definitiva [18].
61.º - Ou seja, a decisão condenatória do BdP no processo n.º …/CO/…, que quanto ao Arguido se tornou definitiva, foi publicada e está a ser executada, julgou o Arguido pela prática de todos os factos, punindo-o com sanção acessória por todos os factos e com coima pelos factos (aliás, indissociáveis dos demais) que se entendeu consubstanciarem a contra-ordenação de “falsas informações”, p. e p. no artigo 211.º, alínea r), do R.G.I.C.S.F (v.d. fls. 26.153 do Vol. 93, do Ap. Tem. “R”).
62.º - Por outro lado, ao invés de invocar a possibilidade (infraconstitucional) de decorrerem dois processos punitivos simultâneos sendo o do Banco de Portugal exclusivamente destinado à aplicação da sanção acessória, atendo o disposto no artigo 208.º, n.º 2, do D.L. n.° 31-A/2012, de 10.2. (actual art. 208°, n.° 2, na redacção emergente do D.L. n.° 157/2014, de 24.10), deveria o Tribunal “a quo” ter afirmado a inconstitucionalidade material de tal norma, recusando a sua aplicação nos termos do artigo 204.º da CRP.
63.º - Em processos de contra-ordenação, como os processos n.ºs …/…/CO e …/…/CO, sancionam-se infracções legalmente qualificadas como contra-ordenação (“in casu” o Arguido foi já condenado pela prática de condutas subsumíveis ao artigo 211.º, al.s g) e r), do R.G.I.C.S.F.) puníveis, ao nível das pessoas singulares, com coima entre 997,60 euros a 997.595,79 euros, sendo o valor máximo aplicável muito superior à maioria das multas aplicáveis com referência a diversos crimes previstos como tal no Código Penal Português, e com sanção acessória até dez anos de inibição de cargos e funções de administração, direcção, ou chefia de quaisquer instituições de crédito ou financeiras e ainda com a sanção acessória de publicação da punição definitiva.
65.º - Pelo exposto, torna-se evidente que as sanções acessórias de inibição de cargos e funções de administração, direcção, ou chefia de quaisquer instituições de crédito ou financeiras e de publicação da punição definitiva, previstas como aplicáveis pelo BdP nas normas acima citadas, assumem um valor e uma penosidade que é materialmente idêntico, senão superior, a tantas outras aplicáveis no âmbito do Direito Penal formal.
66.º - Destrate, ao contrário do decidido, para efeitos do disposto no artigo 29.º, n.º 5, da CRP, um processo contra-ordenacional onde sejam aplicável penas acessórias de 10 anos de inibição de exercício de actividade e coimas até euros: 1.000.000,00 (um milhão de euros) apresenta características punitivas materialmente penais e deve, por isso, ser qualificado como processo punitivo relevante para precludir a possibilidade de prosseguimento de um novo julgamento no âmbito de processo-crime, impondo a extinção do processo penal que se ache pendente, sendo esta a interpretação “conforme à Constituição” a aplicar ao caso concreto.
67.º - A própria cisão da competência para a aplicação da sanção principal e da sanção acessória pela mesma infracção implica um verdadeiro duplo julgamento da mesma infracção e uma injustificada excepção ao princípio da suficiência do processo penal.
68.º - Pelo exposto, os artigos 208.º, 212.º, n.º 1, al. c) e 211.º, do R.G.I.C.S.F., na sua redacção original, interpretados no sentido de, após se tornar definitiva a decisão condenatória do Banco de Portugal que aplicar ao Arguido a sanção acessória de inibição de exercício de actividade de 1 ano a 10 anos, permitirem o prosseguimento de acção penal pelos mesmos factos, é materialmente inconstitucional por violação dos artigos 18.º, n.º 1 e 29.º, n.º 5, ambos da CRP, e da vertente processual do princípio “ne bis in idem”.
Por outro lado:
C.2 - QUANTO À ABSOLUTA FALTA DE FUNDAMENTAÇÃO RELATIVAMENTE À AUSÊNCIA DE SOBREPOSIÇÃO ENTRE O OBJECTO DOS PRESENTES AUTOS E O PROCESSO DE CONTRA-ORDENAÇÃO N.º …/… MOVIDO PELO CMVM:
69.º - No que concerne ao processo de contra-ordenação n.º …/… movido pela CMVM contra o Arguido e outros, a douta decisão recorrida nada diz, nem aprecia em concreto.
70.º - De facto, a decisão recorrida, pese embora indefira a requerida extinção do procedimento criminal (requerido com base nos seis processos punitivos invocados pelo Arguido) não aprecia o objecto deste processo, sendo que, relativamente ao mesmo, não é sequer invocável o artigo 208.º do R.G.I.C.S.F., por estar em causa um processo instaurado pela CMVM, e não pelo Banco de Portugal.
71.º - Também este processo diz respeito à realidade das contas de investimento, cuja menos-valia (não reflectida no balanço/contabilidade) terá, alegadamente, sido suportada pela sociedade Jared Finance, através do financiamento a que se reporta o artigo 217.º da pronúncia dos autos.
72.º - Neste processo de contra-ordenação foi proferida acusação pela CMVM e, posteriormente, decisão administrativa condenatória definitiva pela CMVM, datada de 15 de Janeiro de 2015, que condenou o Arguido no pagamento de uma coima no valor de € 100.000,00 (cem mil euros) (v.d. Ap. Tem. “AN”).
73.º - Da decisão da CMVM foi, por outros Arguidos naqueles autos, interposto recurso jurisdicional para o Tribunal da Concorrência, Regulação e Supervisão, desconhecendo o Arguido a subsequente tramitação e, assim, se existe alguma decisão judicial sobre os factos aí discutidos, bem como, se a mesma transitou em julgado.
74.º - Assim, uma vez que nada se refere quanto ao objecto destes autos de contra-ordenação, deve ser declara a nulidade da douta decisão recorrida por absoluta falta de fundamentação relativamente à questão do “ne bis in idem” quanto à alegada ausência de sobreposição entre os presentes autos e o processo, nulidade da decisão recorrida, nulidade que se invoca e se requer que seja declarada.
C.3 – QUANTO À ALEGADA INEXISTÊNCIA DE SOBREPOSIÇÃO ENTRE O PRESENTE PROCESSO E O PROCESSO CRIME N.º …/…TESLB / DA SOLUÇÃO NORMATIVA A ADOPTAR FACE À SUA EXISTÊNCIA:
75.º - Quanto ao processo n.º …/…TESLB, para concluir para ausência de violação do princípio “ne bis in idem”, o Tribunal “a quo” limita-se a formular conclusões genéricas e não fundamentadas para negar a evidência de que os presentes autos se sobrepõem com ao objecto do processo-crime n.º …/…TELSB, quer em relação a factos ditos de enquadramento, quer em relação a operações financeiras concretas, mutuário, mutuante, datas e montantes, conforme resulta dos artigos 17.º a 27.º da defesa apresentada, que o Tribunal “a quo” simplesmente não analisa.
76.º - De facto, não explica o Tribunal “a quo”, e aliás seria manifestamente impossível fazê-lo, como é que conclui que “as situações concretas/factos concretos e que se subsumem a cada um dos ilícitos de que se encontra pronunciado em ambos os processos” quando, por exemplo e conforme alegado, existe completa identidade dos financiamentos descritos nos artigos 613.º a 659.º da pronúncia do processo n.º …/…TELSB, relativamente à off shore AUDEL, onde se alega que: “À data de 29/6/2007 a AUDEL, tinha em dívida no Banco Insular, balcão virtual, associada à aquisição das entidades BIRCHVIEW, CHAPELMOOR e BRIDGEDOWN a quantia de 58.409.069,10€, que incluía os financiamentos, despesas e juros.”, sendo que tal financiamento se acha totalmente abarcado no artigo 215.º da pronúncia do processo n.º …/…TDLSB pelo valor de 60.825.257,79€.
77.º - Todos os negócios imputados na pronúncia proferida no processo n.º …/…TELSB tiveram origem, ou acabaram por ser mantidos através de financiamentos junto do Banco Insular (balcão 1 e 2), repercutindo-se no valor total do financiamento especificado nos artigos 215.º a 219.º da pronúncia do processo n.º …/…TDLSB.
78.º - Assim, naqueles autos estão em causa os financiamentos efectuados pelo BANCO INSULAR, por valores e a sociedades já todas, ou quase todas, identificadas no processo n.º …/…TLSB, conforme devidamente assinalado nas alegações “supra” com base no quadro do artigo 215.º da pronúncia dos autos, que aqui se dá como reproduzido, onde se verifica identidade entre as sociedades mutuárias, mútuos e factos comuns a ambos os processos.
79.º - Acresce a isto que, a alegada “estratégia” da concretização dos negócios a que se refere de forma discriminada a pronúncia do processo n.º …/…TELSB é nitidamente a mesma que já se encontra referenciada no artigo 8.º do processo n.º …/…TDLSB, estando os factos de ambos os autos em nítida sobreposição.
80.º - Já no artigo 219.º da pronúncia do processo n.º …/…TDLSB se refere que os Arguidos C…, C… e S… teriam um putativo interesse em tornar os créditos identificados no artigo 213.º a 218.º “não cobráveis” (agora, fruto da alteração ao artigo 219.º da pronúncia, apenas parcialmente), o que configura, ao menos numa das hipóteses interpretativas, uma imputação àqueles Arguidos de uma intenção de não pagamento e ou de causarem um prejuízo que, agora, detalhada e simultaneamente lhes é imputado no processo n.º …/…TELSB.
81.º - Assim, a pronúncia do processo n.º …/…TELSB não é mais do que uma factura detalhada da pronúncia do processo n.º …/…TDLSB, reportando e repetindo os mesmos factos que são ainda objecto dos presentes autos e em vários de contra-ordenação, como especial incidência para o processo do BdP n.º …/…/CO, onde o Arguido já foi julgado e punido pelos factos relativos à detenção, instrumentalização e não consolidação do Banco Insular no grupo SLN/BPN, em nítida violação do princípio “ne bis in idem”, entendido como dever de unicidade da acção punitiva.
82.º - A matéria de facto do processo n.º …/…TELSB consubstancia - em relação àquela que consta do processo n.º …/…TDLSB - a imputação ao Arguido, dos “mesmos factos” e até da prática do mesmo crime de burla (continuada), abuso de confiança (continuado), e de uma conexa fraude fiscal, os quais não podem aqui e ali ser alvo de dois julgamentos, a pretexto ora de uma abordagem vaga e generalista, ora a pretexto de uma mais análise detalhada dos financiamentos já incluídos no objecto do processo n.º …/…TDLSB, financiamentos que, neste último, se afirma que os Arguidos pretendiam tornar parcialmente “não cobráveis”, repetindo-se uma alegação de um consequente prejuízo repetidamente imputado ao Arguido.
83.º - Assim, a acusação/pronúncia proferida no processo n.º …/…TELSB, pela qual o Arguido está a ser julgado, é uma mera densificação da pronúncia do processo n.º …/…TDLSB, sendo os factos imputados ao Arguido em ambos os processos absolutamente contemporâneos e indissociáveis entre si.
84.º - Face a esta materialidade, os factos inclusos na pronúncia proferida no processo n.º …/…TELSB formam com aqueles que foram levados à pronúncia no processo n.º …/…TDLSB, uma unidade jurídica e um “pedaço de vida” que só num processo poderia ser apreciado, verificando-se de forma nítida a existência de uma “parte comum entre o facto histórico julgado [leia-se, em julgamento nos dois processos na mesma fase processual] e o facto histórico a julgar” e que ambas as imputações têm “como objecto o mesmo bem jurídico ou formem, como acção que se integrem na outra, um todo do ponto de vista jurídico.".
85.º - Acresce que, a queixa que deu azo ao processo n.º …/…TELSB foi apresentada em 3 de Novembro de 2008 e a acusação proferida no âmbito do processo n.º …/…TDLSB encontra-se datada de 21 de Novembro de 2009 (mais de um ano volvido)! Ou seja, os factos densificados na pronúncia do processo n.º …/…TELSB já eram do conhecimento do MP à data em que acusou os Arguidos nos presentes autos.
86.º - Pelo exposto, os factos (ainda que detalhados ou complementados) que foram considerados nas duas pronúncias não poderão, no que concerne ao Arguido, continuar a ser julgados em dois processos penais simultâneos, sob pena de manifesta violação do princípio “ne bis in idem”.
87.º - O Ministério Público podia e devia ter incluído a imputação aos Arguidos dos factos de que depois “esmiuçou” na acusação proferida no processo n.º …/…TELSB, referindo, por exemplo, a existência de mais dois colaboradores na “estratégia” ali imputada ao Arguido, o que não fez.
88.º - Exemplo prático de que os negócios versados na douta pronúncia do processo n.º …/…TDLSB e na douta pronúncia do processo n.º …/…TELSB são matérias indissociáveis – consubstanciando o mesmo “pedaço de vida” - é que a própria DSIFAE, no Relatório elaborado sobre o negócio PALÁCIO DAS ÁGUIAS S.A., escreve que o valor recebido da KINASOL (a que aludem os artigos 348.º e seguintes da Pronúncia do processo n.º …/…TELSB) foi transferido pela “…GROUNDSEL para a SLN Investimento para pagamento de parte do preço de aquisição da VALIDUS – Imobiliária e Investimentos S.A.” (cfr. página 6 do Relatório Final junto sob Apenso Temático AC), negócio de aquisição da Validus que faz parte da pronúncia dos presentes autos.
89.º - Os factos vertidos na pronúncia do processo n.º …/…TELSB são assim “uma segunda «infracção»” que “tem na sua origem facto idênticos ou factos que são substancialmente os mesmos”. Ou, por outras palavras, “factos que constituam[em] um conjunto de circunstâncias factuais concretas que impliquem[cam] o mesmo infractor e que se encontrem[am] indissociavelmente ligados entre eles no tempo e no espaço” [Acórdão  Zolotoukhine c. Rússia, de 10.02.2009, queixa n.º 14939/03, ponto 82]
90.º - Destrate, ao contrário do decidido, além da nítida coincidência temática sobre a pretensa, mas fictícia, finalidade/“estratégia” que terá levado à alegada prática dos factos sempre em referência, existe uma evidente correspondência entre a matéria dos dois processos em diversas outras matérias, pelo que deveria o Tribunal “a quo” ter reconhecido a violação do princípio “ne bis in idem”, que se acha violado.
91.º - A douta decisão recorrida adopta uma frontal violação do princípio “ne bis in idem”, ignorando, mais uma vez, o segmento processual daquele princípio constitucional e defendendo uma atenuação da violação do seu segmento material aquando da prolação da segunda decisão condenatória em sede de “determinação da medida concreta da pena, mantendo ou aumentando a pena anteriormente imposta", ou seja, a pena imposta nos presentes autos.”.
92.º - Pelo exposto, como acima referido, os factos (ainda que detalhados ou complementados) que foram considerados nas duas pronúncias não poderão, no que concerne ao Arguido, continuar a ser julgados em dois processos penais simultâneos, sob pena de manifesta violação do princípio “ne bis in idem”.
93.º - S.m.o., deveria o Tribunal “a quo” ter ordenado a extinção do procedimento criminal relativamente aos factos comuns ou similares aos que lhe são imputados na pronúncia do processo n.º …/…TELSB e nos demais processos-crime e de contra-ordenação “supra” identificados, por estar proibida quanto aos mesmos o exercício plúrimo da acção punitiva do Estado.
94.º - Embora não se refira expressamente ao preceito em causa, ao julgar como julgou, atribuindo a qualquer anterior condenação penal, não o efeito extintivo de qualquer outro processo punitivo, mas apenas e só o de uma circunstância a ter em conta em sede de determinação da pena aquando de uma segunda condenação penal pelos mesmos factos,  o Tribunal “a quo” aplicou o artigo 71.º do Código Penal, atribuindo-lhe uma interpretação normativa materialmente inconstitucional, por manifesta violação do artigo 29.º, n.º 5, da CRP.
95.º - Em rigor, a interpretação normativa adoptada permite sujeitar o Arguido a julgamento com base numa acusação/pronúncia pela prática dos mesmos crimes, ou outros baseados nos mesmos factos, em casos em que os factos vertidos no outro processo sejam contemporâneos com os do processo mais antigo, e em que os factos, em ambos os processos, se reconduzam a uma alegada actuação do Arguido em execução de um alegado plano inicial, que sempre teria sido cumprido ao longo do tempo, e sempre com a mesma intenção, limitando-se a nova acusação/pronúncia a densificar a forma como o alegado esquema foi, ao longo o período temporal comum aos dois processos, implementado, e a concretizar circunstâncias em que tal terá sucedido, sendo que esse duplo julgamento apenas teria de ponderar a anterior condenação como uma circunstância a ponderar em sede de determinação da medida da pena.
96.º - O artigo 71.º, n.º 2, do CP, interpretado no sentido de uma primeira condenação pelos mesmos factos e ou crime continuado, constituir apenas uma circunstância a ter em conta em sede de determinação da pena aquando de uma segunda condenação penal, é materialmente inconstitucional por violação do artigo 29.º, n.º 5, da CRP e do princípio “ne bis in idem”.
97.º - Tal interpretação normativa torna-se ainda mais evidentemente inconstitucional, por violação do princípio da necessidade (artigo 18.º, n.º 2, da CRP), em casos em que os factos que sejam objecto de um segundo julgamento eram, ou podiam ser, do inteiro conhecimento do Ministério Público, desde logo por terem sido denunciados muito antes da data da primeira acusação, onde lhe era exigível dar cumprimento ao dever de unicidade de acção.
98.º - Assim sendo, o artigo 71.º, n.º 2, do CP, em casos em que o Ministério Público tenha tido conhecimento dos factos incluídos nos dois processos penais sucessivos antes da dedução de qualquer acusação, interpretado no sentido de uma primeira condenação pelos mesmos factos e ou crime continuado, constituir apenas uma circunstância a ter em conta em sede de determinação da medida concreta da pena aquando de uma segunda condenação penal, é materialmente inconstitucional por violação dos artigos 18.º, n.º 2 e 29.º, n.º 5, da CRP e do princípio “ne bis in idem”.
99.º - Face ao exposto, deveria o Tribunal “a quo” ter recusado a aplicação da interpretação normativa em causa, nos termos do artigo 204.º da CRP, que se acha violado a par da interpretação “conforme à Constituição” do artigo 71.º, n.º 2, do CP, que deverá ser fixada no sentido de a existência de uma condenação anterior pelos mesmos factos e ou crime não constituir uma mera circunstância a ter em conta em sede de determinação da medida concreta da pena, mas uma circunstância extintiva do procedimento criminal, por imposição do artigo 29.º, n.º 5, da CRP, aplicável directamente “ex vi” artigo 18.º, n.º 1, da CRP.
C.4 – QUANTO À ALEGADA INEXISTÊNCIA DE SOBREPOSIÇÃO ENTRE O PRESENTE PROCESSO E O CRIME N.º …/…TESLB / DA SOLUÇÃO NORMATIVA A ADOPTAR FACE À SUA EXISTÊNCIA:
100.º - Quanto ao processo-crime n.º …/…TELSB, distribuído para julgamento à Instância Local de Lisboa, Secção Criminal, J…, mais uma vez o Tribunal “a quo” limita-se à negação da evidência da coincidência de factos não apenas de enquadramento (como invocado na decisão de fls. 50.973 e 50.974, oportunamente impugnada pelo Recorrente), mas, também, quanto a concretas operações descritas em ambos os processos, com os mesmos mutuários, valores mutuados e período temporal.
101.º - A tabela comparativa entre o objecto dos dois processos, incluída nas alegações supra e que se dá como reproduzida, demonstra a nítida sobreposição do objecto do processo n.º …/…TELSB, com o objecto dos autos.
102.º - Assim, ao contrário do decido, a pronúncia proferida no processo n.º …/…TELSB é, no essencial, uma mera repetição da pronúncia do processo n.º …/…TDLSB, sendo os factos imputados ao Arguido em ambos os processos absolutamente contemporâneos.
103.º - Face ao quadro comparativo das duas pronúncias, não se compreende a afirmação não fundamentada de que, analisado o mesmo, “chega-se indubitavelmente à conclusão de que não há sobreposição de factos/crimes concretos em ambos os processos, embora haja factos gerais que se interligam.”, repete-se, uma vez que existe coincidência entre operações financeiras, mutuante, mutuário, valores e quanto ao período temporal em causa, realidade que a douta decisão recorrido não refere, nem analisa.
104.º - Face a esta materialidade, os factos inclusos na douta pronúncia proferida nos presentes autos formam com aqueles que foram levados à pronúncia no processo n.º …/…TELSB, uma unidade jurídica e um pedaço de vida que só pode dar origem a um único processo punitivo, verificando-se de forma nítida a existência de uma “parte comum entre o facto histórico julgado e o facto histórico a julgar” e que ambas as imputações têm “como objecto o mesmo bem jurídico ou formem, como acção que se integrem na outra, um todo do ponto de vista jurídico.".
105.º - Anota-se, a este propósito que o próprio Banco queixoso afirma, na queixa apresentada e constante de fls. 3 e 4 daqueles autos, que: “2.º O banco participante tem razões para acreditar e admitir como certo que tais factos possam estar relacionados ou em conexão com outros cuja investigação está actualmente a decorrer nesse Departamento Central de Investigação e Acção Penal DCIAP, respeitantes à actuação do Conselho de Administração do banco ora participante presidido pelo Dr. JO….”, e “3. Essa probabilidade, como se verá da descrição a seguir efectuada, recomendará seguramente unidade de investigação, em lugar do desdobramento em distintos processos, todos com idêntica realidade (a investigar, e que respeitam à mesma situação fáctica, à actuação das mesmas pessoas ao menos parcialmente), e á ponderação e tratamento das mesmas informações.”.
106.º - Aliás, relativamente ao processo n.º …/…TELSB o próprio Tribunal “a quo” decidiu já no douto despacho, datado de 6.01.14 e transitado em julgado, através do qual foi declarado, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 133.º, n.º 1, al. a), do CPP, absolutamente impedido de depor como testemunha RP… por ser co-Arguido no processo n.º …/…TELSB: “Não temos quaisquer dúvidas quanto à verificação desta conexão de processos. (…) O que é um facto indubitável é que esta matéria factual está vertida expressamente na pronúncia dos presentes autos, designadamente no artigo 530º onde consta: “como os arguidos não pretendiam liquidar os montantes que viessem a fazer sacar, não foram definidas quaisquer garantias particulares para os financiamentos concedidos, para além de um esquema de produção formal de uma «put option», destinada a fazer crer perante as entidades de supervisão do Banco Insular que o próprio BPN garantia a aquisição do crédito sobre clientes, caso não fosse liquidado o financiamento”. (v.d. fls. 44.119 a 44.120)
107.º - Assim sendo, o Tribunal “a quo” contradiz frontalmente o que já afirmou anteriormente, numa sua decisão transitada em julgado (!), quando afirma na decisão ora recorrida, a fls. 56.994, e passamos a citar: “chega-se indubitavelmente à conclusão de que não há sobreposição de factos/crimes concretos em ambos os processos, embora haja factos gerais que se interligam.”
108.º - Indubitável é, assim, que o Tribunal “a quo” contradiz uma sua decisão anterior, contrariando, de forma não fundamentada, a evidência de uma sobreposição de objectos entre os dois processos penais sucessivos, sobreposição que não poderá deixar de ser reconhecida pelo Tribunal de recurso.
109.º - Mas, prossegue a douta decisão recorrida aduzindo ainda um argumento formal, pondo em causa a possibilidade de o Arguido, nos presentes autos, poder invocar a sobreposição de acções penais, ao invés de o fazer junto do processo n.º …/…TELSB, por este ter sido autuado em data posterior.
110.º - Esquece o Tribunal “a quo”, sem que tenha diligenciado por o apurar, que o Arguido invocou já essa questão no âmbito daquele processo, até à data sem que tivesse logrado deixar de estar sujeito um duplo julgamento por factos, relativamente aos quais o próprio Tribunal “a quo” declarou já que: “É um facto indubitável é que esta matéria factual [leia-se, a emissão de cartas de opção, ou “put options”] está vertida expressamente na pronúncia dos presentes autos, designadamente no art.º 530.º”.
111.º - Ora, cabe ao Estado, como directo destinatário da obrigação emergente do princípio “ne bis in idem”, constituir um só processo punitivo quanto aos mesmos factos e, a limite, a Tribunal “a quo” obstar à submissão do Arguido a um segundo julgamento penal.
112.º - Assim sendo, como é, caso o segundo prossiga, como prosseguiu, para julgamento, qualquer um dos dois Tribunais passa a estar directamente obrigado a dar cumprimento ao artigo 29.º, n.º 5, da CRP, como resulta do disposto no artigo 18.º, n.º 1, da CRP, e, consequentemente, a ser titular do poder dever de assegurar que o Arguido não é duplamente julgamento pelos mesmos factos, e isto independentemente da data da concreta autuação de cada um dos processos. 
113.º - Dizer o contrário seria afirmar que a data de autuação do segundo processo punitivo impede o Tribunal que seja titular do primeiro processo de dar cumprimento ao princípio em causa. Ora, se assim fosse, caso o Arguido fosse condenado por Sentença anterior ao Acórdão final prolatado nos presentes autos, ou que viesse a transitar em data anterior, nada poderia o Tribunal fazer para obstar a uma segunda condenação, sendo esta solução normativa constitucionalmente inadmissível.
114.º - Efectivamente, ao contrário do decido, além de decisões administrativas punitivas que, pelo valor das coimas (de mais de 1 milhão de euros) e repercussões das sanções acessórias aplicadas (como a de inibição de exercício de funções por 10 anos), não podem deixar de ser consideradas como sanções “materialmente” penais para efeitos da CEDH, impeditivas da instauração ou prosseguimento de um novo processo punitivo, dever-se-á considerar que, existindo já diversas decisões judicias sobre os mesmos factos, eventualmente transitadas em julgado, as mesmas obstam a que o Tribunal possa, novamente, pronunciar-se sobre os esses factos, introduzindo na ordem jurídica diversas decisões judiciais sobre aqueles, com o consequente risco para a segurança jurídica através da potenciação de julgados contraditórios.
115.º - Os artigos 7.º e 327.º, do CPP, interpretados (singularmente ou de forma conjugada) no sentido de o Tribunal de julgamento não poder, no âmbito do processo primeiramente autuado e em caso de repetição de acções punitivas, apreciar a violação do princípio “ne bis in idem”, é materialmente inconstitucional por violação dos artigos 18.º, n.º 2, 29.º, n.º 5 e 32.º, n.º 1, do CRP, pelo que a mesma deveria ter sido recusada pelo Tribunal “a quo” nos termos do artigo 204.º, da CRP, que se acha violado.
II – QUANTO À NULIDADE DA PRONÚNCIA ALTERADA PELA DOUTA DECISÃO DE 15.11.2016, POR VIOLAÇÃO DA INTERPRETAÇÃO “CONFORME À CONSTITUIÇÃO”, DO ARTIGO 283.º, N.º 3, ALÍNEAS B e F), EX VI ARTIGO 308.º, N.º 2, CONJUGADOS COM O ARTIGO 358.º, N.º 1, TODOS DO C.P.P.:
116.º - O presente processo é actualmente composto por autos principais, apensos temáticos, apensos bancários, apensos de busca, um dos quais (a busca 33) apenas em formato digital, armazenado em disco externo, sendo originalmente toda esta farta prova indicada no final da douta pronúncia como sem prova a produzir.
117.º - No denominado apenso de busca 33 (apenso informático) encontram-se reunidos muitos milhares de documentos, com origem em diversas buscas efectuadas a diversos locais/computadores, muitos deles inúteis para o objecto dos autos.
118.º - A douta pronúncia indicava, genericamente, como prova a produzir inúmeros documentos que não têm qualquer utilidade para os factos vertidos na mesma, metodologia que, por osmose e na ausência de qualquer concretização de prova relevante para as alterações determinadas à pronúncia, o Tribunal manteve, uma vez que não refere sequer os meios de prova que as determinaram.
119.º - Tal ausência de selecção e indicação dos elementos probatórios relevantes para as alterações determinadas (e da consequente expurgação daqueles outros manifestamente irrelevantes para aquelas), impossibilita o Arguido de se poder defender relativamente a centenas de milhares de documentos que comportam o que interessa, e aquilo que nada interessa aos autos e para as alterações determinadas, numa nítida violação do direito a um processo equitativo e justo (artigo 20.º, n.º 4, do CRP e 6.º da CEDH);
120.º - Face à dimensão os presentes autos – face à ausência de indicação das provas em que se baseiam as alterações decididas – o Arguido não consegue: (i) controlar ou contraditar todas as provas que terão ditado tais alterações, nem (ii) seleccionar e oferecer eficazmente aquelas que poderão vir a ser valoradas para a prova das mesmas, o que conduz à nulidade da pronúncia, assim alterada, por violação da al. f), do n.º 3, do artigo 283.º, aplicável ex vi artigo 308.º, n.º 2, conjugados com o artigo 358.º, n.º 1, todos do CPP.  
121.º - A ausência de uma indicação concreta dos meios de prova relevantes para a determinação das alterações da pronúncia, viola os direitos de defesa do Arguido constitucionalmente consagrados no artigo 32.º, n.º 1, da CRP, sendo uma restrição desnecessária aos mesmos.
122.º - Os documentos contantes naquele apenso informático são, pelo seu elevadíssimo número, capazes de provocar a maior das dificuldades ao completo e/ou suficiente conhecimento das provas em que, pelo menos formalmente (que não certamente de facto num filme pornográfico, anedotas e poemas) se alicerça a douta pronúncia alterada pela decisão de 15.11.2016, provas (leia-se, “meios de prova”) essas que deveriam ser expressamente indicadas como suporte para o juízo indiciário efectuado pelo Tribunal nas decididas alterações à pronúncia, nos termos e para os efeitos da al. f), do n.º 3, do artigo 283.º, aplicável ex vi artigo 308.º, n.º 2, conjugados com o artigo 358.º, n.º 1, todos do CPP, por estarem em causa alterações à pronúncia que devem, necessariamente, obedecer aos requisitos legalmente convocados para a mesma.
123.º - Com relevo para a questão, no douto despacho, datado de 5 de Maio de 2013, a fls. 39.366 dos presentes autos, afirmou-se já que: “O “apenso 33” que faz parte integrante dos presentes autos é constituído por cerca de 2 milhões de documentos em suporte digital. Sem indicação das “pastas” e “caminhos” do apenso 33 onde se encontram esses documentos, é quase impossível encontra-los face à extensão da documentação constante deste apenso.”
Por sua vez;
124.º - No douto despacho, datado de 9 de Dezembro de 2013, a fls. 41.608, e nos despachos anteriores a fls. 36.259, reproduzido no despacho de fls. 38182/3, o Tribunal “quo” obrigou-se a não valorar os documentos juntos no apenso 33 sem notificar os sujeitos processuais dos mesmos, com a indicação dos artigos da pronúncia para os quais poderão ter relevo.
125.º - É nesse quadro legal e processual que, analisada a douta decisão de 15.11.2016, que alterou a pronúncia, se verifica que a mesma não indica quais os elementos da prova documental (mormente os que estão em formato digital) que consubstanciam a prova relevante para tais alterações, remetendo, assim, para a globalidade de todos eles como fazendo parte do acervo documental que poderá vir a ser valorado.
126.º - Face à argumentação aduzida pelo Arguido a douta decisão recorrida refugia-se numa argumentação de carácter meramente formal, segunda a qual, a pronúncia, por via das alterações efectuadas, não se pode tornar retroactivamente nula, ou o é originariamente, ou não poderá passar a sê-lo.
127.º - A lógica prosseguida pela decisão ora recorrida esquece, porém, que o regime para proceder a quaisquer alterações não poderá deixar de ser o mesmo que regula a dedução de qualquer acusação e ou pronúncia; Donde, a imputação de novos factos não poderá ser vaga e ou genérica, e a pronúncia alterada terá, necessariamente, de concretizar os meios de prova relativamente às alterações efectuadas.
128.º - Ora, verifica-se que a decisão de 15.11.2016, que determinou a alteração não substancial de factos à pronúncia, utiliza, na nova redacção atribuída à mesma, generalismos e expressões vagas, concretamente, os seguintes termos e ou expressões:
a) “pessoa de confiança” (artigo 16.º da nova pronúncia), que o Arguido não sabe se se trata de uma confiança profissional, pessoal ou outra;
b) “se bem que a maioria nunca efectivamente pagos” (artigo 73.º da nova pronúncia), sem que o Arguido saiba a que concretos créditos se pretende fazer alusão;
c)  “não cobráveis parte dos montantes em dívida” (artigo 219.º da nova pronúncia), sem que o Arguido saiba se se pretendeu aludir à cobrabilidade que emerge, por exemplo, do valor dos activos subjacentes, entendida como possibilidade prática de cobrar tais créditos ou a uma putativa intenção de não pagar tais créditos e quais;
d) “prejuízo patrimonial à INVESCO, consistente numa redução das mais-valias que esta offshore obteve aquando da venda das acções descrita no facto 250” (artigo 257.º da nova pronúncia), sem que o Arguido saiba qual a mais valia, qual a redução da alegada mais valia e, assim, qual o valor do alegado prejuízo patrimonial daquela sociedade; e
e) “instrumentalização” (artigo 259.º da nova pronúncia), sem que o Arguido saiba o que se pretendeu significar com o termo empregue.
129.º - Por tudo o exposto, ao contrário do decidido na douta decisão recorrida, verifica-se a nulidade da douta pronúncia alterada por decisão de 15.11.2016, ou, em alternativa com relevo meramente semântico, a nulidade das alterações à pronúncia determinadas nessa decisão, por violação da interpretação “conforme à Constituição” do artigo 283.º, n.º 3, al. b), aplicado ex vi do artigo 308.º, n.º 2, em conjugação com o artigo 358.º, n.º 1, todos do C.P.P., que proíbe a utilização de expressões vagas e genéricas, impeditivas do exercício de todos os direitos de defesa previstos no artigo 32.º, n.º 1, da CRP e violadoras do princípio do processo equitativo (artigo 6.º CEDH).
130.º - Pelo que, nos termos do artigo 204.º da CRP, deveria o Tribunal “a quo” ter recusado a aplicação das normas em causa, interpretadas pela forma “supra” assinalada, conhecendo e declarando a ora arguida nulidade da douta pronúncia alterada pela douta decisão de 15.11.2016, ou a nulidade das alterações nela determinadas, o que se requer que seja feito pelo Tribunal “ad quem”.
131.º - Ainda a propósito das alterações à pronúncia, não pode a mesma deixar de indicar a prova concreta relativa aos factos alterados, sob pena de remeter para a gigantesca quantidade de prova constante dos autos e de, nesse momento e dessa forma, violar os direitos de defesa do Arguido, sendo irrelevante para o efeito irrelevante saber se a pronúncia original já cometera a mesma violação.
132.º - Assim sendo, e ainda a este respeito, dir-se-á que o facto de a pronúncia não ter sido de imediato posta em causa após a sua prolação (e à data desconheciam os Arguidos o teor do apenso de busca [informático] 33) por não determinar as concretas provas a produzir, não dispensa o Tribunal “a quo”, quando decide operar alterações à mesma, de indicar essas mesmas provas, tendo em conta o grau de complexidade e a extensão do processo.
133.º - Ora, ao notificar o Arguido para se defender de alterações à pronúncia sem indicar, primeiro, os concretos meios de prova a produzir relativamente às mesmas, a decisão recorrida alterou a pronúncia dos autos, pelo que, ao nível da prova, “simplesmente se remete para o extenso acervo documental probatório constante dos autos (mais de 2 milhões de documentos) sem se cuidar, minimamente, de balizar a factualidade daquelas peças processuais a que se poderão reportar cada um ou um lote de documentos, deixando-se, assim, pela sua extensão, quase ao critério da “adivinhação” dos sujeitos processuais e do próprio Tribunal o “penoso” caminho da recíproca correspondência.”, crítica/afirmação constante do douto despacho, datado de 9 de Dezembro de 2013, a fls. 41.608, dirigida pelo Tribunal “a quo” à pronúncia original.
134.º - Ou seja, o Tribunal “a quo” cometeu a mesma falta que anteriormente assacou ao Tribunal de Instrução Criminal que proferiu a pronúncia, não podendo, salvo melhor opinião, alegar que, quando a altera, não está obrigado às mesmas normas que regem a prolação da pronúncia.
135.º - A posição da douta decisão recorrida equivale a dizer que por mais genéricas que sejam as novas imputações e por mais ausência de concretização das provas em que as mesmas se baseiam, não há sanção para esse procedimento, pois estar-se-ia a declarar uma nulidade “sequencial”, quando verdadeiramente se trata de declarar a nulidade da pronúncia alterada pela forma como o foi, ou, alternativamente, das alterações à mesma.
136.º - Face a tudo o exposto, cumpre concluir que ao julgar, como julgou, o Tribunal “a quo” aplicou o artigo 283.º, n.º 3, al. f), aplicado “ex vi” do artigo 308.º, n.º 2, em conjugação com o artigo 358.º, n.º 1, todos do C.P.P., todos do C.P.P., atribuindo-se uma interpretação material inconstitucional.
137.º - É materialmente inconstitucional, por violação do artigo 18.º, n.º 2, e 32.º, n.º 1, ambos da CRP, o artigo 283.º, n.º 3, al. f), aplicado “ex vi” do artigo 308.º, n.º 2, em conjugação com o artigo 358.º, n.º 1, todos do C.P.P., quando interpretados no sentido de, em processos de declarada elevada complexidade e grande volume, a decisão que procede à alteração não substancial de factos não tem de identificar os “meios de prova” que determinaram tal alteração, para que o Arguido os possa contraditar.
138.º - Por tudo o exposto, verifica-se a nulidade da douta pronúncia, por violação da interpretação “conforme à Constituição” do artigo 283.º, n.º 3, al. f), aplicado ex vi do artigo 308.º, n.º 2,  em conjugação com o artigo 358.º, n.º 1, todos do C.P.P., que exige que, em processos de declarada elevada complexidade e grande volume, os “meios de prova” que determinaram a alteração não substancial dos factos da pronúncia sejam expressamente concretizados na decisão que a determina, ao invés de se assumir tacitamente uma remissão genérica para toda a prova, impeditiva do exercício dos direitos de defesa previstos no artigo 32.º, n.º 1, da CRP e violadora do princípio do processo equitativo (artigo 6.º CEDH).
139.º - Pelo que, nos termos do artigo 204.º da CRP, deveria o Tribunal “a quo” ter recusado a aplicação das normas em causa, interpretadas pela forma “supra” assinalada, declarando a arguida nulidade da douta pronúncia alterada pela douta decisão de 15.11.2016, ou, alternativamente, a nulidade das alterações efectuadas, nulidade que se requer que seja declarada pelo Tribunal de recurso.
III - QUANTO AO INDEFERIMENTO DE TODAS AS DILIGÊNCIAS PROBATÓRIAS REQUERIDAS NA DEFESA PELO ARGUIDO, ORA RECORRENTE:
140.º - Na defesa que apresentou relativamente às alterações à pronúncia, requereu o Arguido, ora Recorrente, a produção de diversa prova suplementar, toda de natureza documental.
141.º - Para fundamentar o decidido quanto ao indeferimento das diligências destinadas à junção aos autos dos documentos evidenciadores da evolução dos balanços dos dois balções do Banco Insular remeteu o Tribunal para o douto despacho de fls. 53.628 a 53.632, relativamente ao qual o Arguido apresentou recurso já admitido, e onde se considerou que as provas requeridas eram “irrelevantes e supérfluas face à prova documental e testemunhal constante e produzida nos autos (art. 340º, n.ºs 1 e 4, al. a) do C.P.P.).”
142.º - Assim, o Arguido reitera os argumentos que oportunamente aduziu contra o despacho de fls. 53.628 a 53.632, no recurso que dele interpôs;
143.º - A prova documental constante dos autos não é coincidente entre si quanto à variação dos volumes de crédito dos dois balcões, o que a douta decisão recorrida não refuta, antes parece aceitar, através da remissão para o teor do despacho de fls. 53.628 a 53.632.
144.º - Neste conspecto, mesmo com base numa “análise cuidadosa dos elementos probatórios”, existindo, como existe, contradição entre as provas recolhidas no que tange à evolução do volume de crédito concedido pelo Banco Insular, a diligência requerida, ao contrário do decidido, apresenta interesse para a descoberta da verdade e para a boa decisão da causa, não sendo nem supérflua, nem irrelevante, e muito menos o é notoriamente, critério legal consagrado no n.º 4, do artigo 340.º do CPP para que se possa indeferir uma diligência de prova relativa ao objecto dos autos.
145.º - Ao contrário do decido, mesmo que se faça uma análise cuidada dos elementos probatórios recolhidos, consoante se atribua valor ou credibilidade a uma ou outra prova, daquelas que o Tribunal enumera, retirar-se-ão “ilações” diferentes uma vez que estes não são reconhecida e manifestamente “coincidentes entre si”.
146.º - Portanto, face à não coincidência/contradição entre as provas já recolhidas quanto à evolução do volume de crédito dos dois balcões do Banco Insular, a diligência requerida pelo Arguido é essencial para aferir daquela evolução.
147.º - No caso concreto, não só não se está perante uma diligência notoriamente irrelevante ou supérflua, como a mesma assume relevo evidente para a clarificação da matéria de facto em causa, face à discrepância entre as provas já recolhidas.
148.º - A privação de produção de meios de prova necessários ou úteis à decisão da causa, que um dos sujeitos processuais (“in casu”, o Arguido) tinha direito a aditar face aos elementos probatórios apresentados por outro sujeito processual oponente (o Ministério Público), frustra o “due process of law”, que impõe a boa decisão da causa e a apresentação e exame em audiência de toda a prova relevante submetida ao princípio do contraditório.
149.º - Não tendo os mesmos sido produzidos, é de revogar a decisão recorrida interlocutória por violação do disposto no art. 340.º, n.º 1, do CPP (neste sentido, v.d. o douto Acórdão do STJ, datado de 10.02.10 [19]).
150.º - Ao julgar inútil para a boa decisão da causa a diligência requerida pelo Arguido, ora Recorrente, no requerimento de fls. 53.053 a fls. 53.065, violou a douta decisão recorrida o disposto no artigo 340.º, n.ºs 1 e 4, al. a), do CPP.
151.º - Não procede a argumentação adoptada pela douta decisão recorrida na parte em que, por remissão para o despacho de fls. 53.628 a 53.632, questiona a relevância da diligência para “análise das alegadas intenções que existiam, ou não de pagar o crédito concedido no balcão «fora de balanço»”.
152.º - A rigorosa evolução do volume de crédito concedido no balcão do “fora de balanço” do Banco Insular é um facto relevante para a análise das intenções subjacentes à conduta imputada aos Arguidos, e, assim, para a apreciação do elemento subjectivo dos crimes imputados aos mesmos.
153.º - A este respeito, cumpre recordar que a pronúncia, no seu artigo 219.º, faz uma nítida associação entre “a prática de fazer transitar contas entre o “dentro de balanço” e o “fora de balanço”, conforme as conveniências em sede dos montantes globais de crédito concedido e o interesse em ocultar ou tornar não cobráveis os montantes em dívida”, pelo que é do legítimo interesse da defesa demonstrar através de forma indiscutível e clara que, quer o volume total de crédito concedido pelo Banco Insular, quer o volume de crédito do balcão “fora do balanço”, diminuiu a partir do ano de 2005 em diante.
154.º - Caso o volume de crédito concedido pelo Banco Insular (e pelo balcão “fora do balanço”) tenha decrescido, como decresceu (a partir do ano de 2005 e até à saída do Arguido da Presidência do Grupo (conforme se provou na decisão do Banco de Portugal no âmbito do processo de contra-ordenação n.º …/…/CO, pág. 66 e 67 - junta aos autos no Ap. Temático “R”), daí resultará não só o pagamento parcial do crédito concedido como, naturalmente, a intenção de o pagar, a menos que se defenda que o pagamento de um crédito pode ser um facto imotivado ou neutro ao nível das intenções.
155.º - Como não se pode aceitar a afirmação de que a questão do pagamento não se compreende nos artigos da pronúncia, nem na contestação do Arguido. Certamente por lapso, na decisão recorrida deixou de se considerar o que na pronúncia se pode ler, por exemplo: “564º - Na sequência dos factos supra narrados, a utilização das oito sociedades em off-shore com conta no Banco Insular, incluindo operações subsequentes de financiamento da VENICE e juros contados, geraram os seguintes passivos, com referência ao final do ano de 2008, nas contas daquelas sociedades (valores em euros): (…)”, ascendendo o valor do crédito (capital e juros) alegadamente não pago a euros: “68.344.846,37”.
156.º - Por outro lado, estando (como está) em causa um crime de falsificação, jamais a redução do volume de crédito concedido pelo balcão “fora de balanço” (leia-se, não contabilizado) do Banco Insular poderá ser considerado um facto irrelevante para a boa decisão da causa, mesmo considerando que a redução do balanço não venha alegada na pronúncia ou na contestação.
157.º - É que, a redução do volume de crédito concedido pelo Banco Insular é uma circunstância relevante, desde logo, para o enquadramento dos factos e, a limite e sem conceder, em caso de condenação, para eventual atenuação da medida da pena.
158.º - Salvo melhor opinião, tal diminuição evidencia objectivamente que, a partir de determinado momento, existiu um esforço (necessariamente subjectivo) para a regularização da contabilização do crédito concedido pelo Banco Insular, isto é, uma redução do volume de crédito não contabilizado (“fora de balanço”). 
159.º - A confirmarem-se os valores considerados naquela decisão do Banco de Portugal, é desde logo perceptível que o valor de crédito (788 milhões de euros), incluído no artigo 218.º da pronúncia, como correspondendo à quantidade de crédito concedido através do balcão do “fora do balanço” do Banco Insular, não foi nunca sequer um valor de crédito que existisse de forma simultânea naquele balcão.
160.º - Assim sendo, não existindo nos presentes autos um documento de onde resulte de forma clara o volume de crédito que, no final de cada ano civil, deixou de ser reflectido na contabilidade do Banco Insular (Relatório e Contas), por se encontrar “fora do balanço”, e do volume de crédito concedido pelo Banco Insular dentro do balanço, que – na tese da pronúncia – deixaram de ser incluídos no consolidado da própria SLN-SGPS, SA, considerando que o artigo 214.º da pronúncia se refere ao Banco Insular como “estrutura paralela não consolidada” da SLN, deverá ser considerado que a obtenção dessa documentação é relevante para a boa decisão da causa.
161.º - Pelo que, deve o despacho recorrido ser revogado, ordenando-se ao Tribunal recorrido que o substitua por outro que ordene a notificação do Assistente BIC, SA para juntar “aos autos o(s) documento(s) de onde se extraia, de forma clara, o volume do crédito concedido através do Banco Insular em 31 de Dezembro de cada ano, desde 2001 até 2008, com discriminação do valor relativo ao balcão «dentro» e «fora de balanço», especificando ainda o volume de crédito concedido pelos dois balcões à data de 30.6.2008, por ser a data considerada no artigo 218º da pronúncia”.
162.º - Mas, o Tribunal “a quo”, ao reproduzir o despacho de fls.  53.628 a 53.632, não teve em conta que parte dos argumentos utilizados naquele despacho não são sequer integralmente aplicáveis ao requerimento de prova do Arguido, uma vez que o Arguido, ora Recorrente, desta feita, especificou qual o concreto meio de obtenção de prova que considerava que deveria ser produzido para a obtenção e produção da prova que requereu: “o resultado de um pedido de informação ao sistema “bank manager” (vulgarmente designado como “query”)” comprovativo dos volumes de créditos concedidos por cada um dos balões do Banco Insular nos diversos momentos temporais relevantes.
163.º - Termos em que, violou a douta decisão recorrida o artigo 340.º, n.ºs 1 e 4, al. a), do CPP.
Acresce que:
164.º - Quando ao indeferimento das diligências probatórias requeridas nas alíneas a) a c) do ponto 2.º do requerimento de prova apresentada com a defesa (v. fls. 56.876; v. fls. 73 e 74 do requerimento) - junção de "cópia de todos os contratos de dação em pagamento, e ou cessão de créditos, que não se achem nos autos, que o BPN, S.A., o BPN-IFI e ou o BPN-Cayman tenham celebrado entre si ou com o Banco Insular, relativamente aos créditos concedidos através do balcão I e 2", "cópia de todos os contratos de dação em pagamento, e ou cessão de créditos, que não se achem nos autos, que o BPN, S.A., o BPN-IFI e ou o BPN- Cayman tenham celebrado entre si relativamente ao crédito (interbancário), concedido através das contas correspondentes (contas "nostro" ao Banco Insular"; e “não existindo contrato, a junção aos autos de "deliberação do Conselho de Administração, ou o instrumento jurídico que tenha decidido, ou suportado, a integração do valor remanescente do balanço do Banco Insular no balanço do BPN-IFI, BPN-Cayman e ou BPN, S.A., informando ainda a data de tal integração e se foi, ou não, realizada pelo valor do capital e juros" e "informar se, na sequência das diversas cessões de créditos celebradas, se verificou na contabilidade do BPN-Cayman, do BPN-IFI ou do BPN, S.A.,(..) algum prejuízo decorrente da aquisição/integração dos créditos concedidos  pelo  Banco   Insular, ou se foi provisionada algum prejuízo potencial.", o Tribunal “a quo” deu como reproduzido o douto despacho de fls. 53.632 a 53.636, do qual o Arguido interpôs recurso, por as entender "irrelevantes e supérfluas e inadequadas  ao propósito pretendido pelo arguido (...)" — "art. 340º n.'s 1 e 4, al. a) e b) do C.P.P."
165.º - Face ao assim decidido, resta ao Arguido, ora Recorrente, reiterar integralmente os fundamentos do recurso interposto do douto despacho de fls. 53.632 a 53.636.
166.º - Com efeito, interessa ao bom julgamento da causa apurar se a concessão de crédito concedido através do Banco Insular e, designadamente, através do balcão “fora do balanço”, se traduziu nalgum prejuízo efectivo para esta instituição, para o BPN Cayman e ou BPN IFI (instituições que a pronúncia refere que suportariam o funding ao BI) e ou para o BPN, S.A.” (arts. 183º e 187º e 188º da pronúncia).
167.º - Face ao assim requerido, a douta decisão recorrida errou de forma manifesta por reduzir a amplitude da eficácia do requerimento efectuado a “saber se a concessão de crédito através do balcão “fora do balanço” do Banco Insular se traduziu nalgum prejuízo efectivo para esta instituição, para o BPN Cayman e/ou BPN IFI.”.
168.º - Efectivamente, o que se pretende com o requerimento que veio a ser indeferido, é provar que nenhuma das instituições financeiras referidas na pronúncia como tendo estado directa, ou indirectamente, ligadas à concessão de crédito pelo Banco Insular sofreu qualquer prejuízo com a concessão de crédito pelo Banco Insular ou ao Banco Insular. Ou seja, o que se pretende provar é que nem o Banco Insular (enquanto entidade mutuante) em todas as operações narradas na pronúncia, nem o BPN, SA, o BPN Cayman e o BPN IFI (enquanto entidades que asseguravam o financiamento ao Banco Insular) sofreram qualquer prejuízo decorrente da concessão de crédito pelo ou ao Banco Insular.
169.º - Donde, o douto despacho recorrido erra manifestamente ao circunscrever o interesse invocado pelo Recorrente à demonstração da inexistência de prejuízo do crédito concedido no balcão “fora de balanço”, esquecendo que o ora Recorrente explicitou que “na óptica da defesa, interessa ao bom julgamento da causa apurar se a concessão de crédito concedido através do Banco Insular e, designadamente, através do balcão “fora do balanço”, se traduziu nalgum prejuízo efectivo para esta instituição, para o BPN Cayman e ou BPN IFI (instituições que a pronúncia refere que suportariam o funding ao BI) e ou para o BPN, S.A.” (arts. 183º e 187º e 188º da pronúncia).”.
170.º - Face à expressa alegação na pronúncia do não pagamento de crédito decorrente de mútuos e à ideia de “imparidade”/perda potencial daí decorrente, cabe no objecto do processo a demonstração de que a entidade que concedeu o financiamento (o Banco Insular) e aquelas que, por sua vez, financiaram a primeira, não sofreram, nem poderão sofrer, qualquer perda/prejuízo efectivo decorrente daqueles financiamentos.
171.º - A inexistência de qualquer prejuízo para o Banco Insular decorrente dos financiamentos que concedeu referidos na pronúncia, ou para as instituições que o financiaram (BPN, SA, BPN-Cayman e BPN-IFI), é uma circunstância de relevância evidente para o enquadramento dos factos e, a limite e sem conceder, para eventual atenuação da medida da pena.
172.º - Não tem igualmente razão a douta decisão recorrida quando, por remissão, afirma a irrelevância das cessões de créditos: “Até porque, os contratos de dação em pagamento ou cessão de créditos que o BPN SA, o BPN IFI e ou o BPN Cayman tenham celebrado entre si dizem respeito a datas posteriores ao exercício de funções do arguido OC… no grupo BPN/SLN (a renúncia data de 19.2.2008 e os contratos a que alude são todos de datas posteriores – v. seu requerimento a fls. 53072) não tendo os mesmos, por conseguinte, qualquer tipo de intervenção nesses mesmos contratos.”
173.º - A superveniência do facto que evidencia a ausência de perda/prejuízo potencial de um crédito de uma entidade que poderia ter sido patrimonialmente prejudicada, mas não o foi, não afasta a relevância do mesmo, designadamente, ao nível da ponderação da verificação do requisito da existência do prejuízo patrimonial (requisito convocado por diversos crimes imputados ao Arguido, ora Recorrido, como o crime de burla), como ao nível da ponderação da “gravidade das (…) consequências” do ilícito em caso de condenação (vide artigo 71.º, n.º 2, al. a), do CPP).
174.º - Neste contexto, a constatação de que o Arguido, ora Recorrente, não teve intervenção nos actos que revelaram, de forma superveniente mas objectiva, que aquela que era uma mera perda potencial do Banco Insular, ou das instituições que o financiaram, não se verificou, não afasta a relevância prática da questão, a saber: o acto que é imputado ao Arguido – a concessão de crédito – não causou qualquer prejuízo a nenhuma das entidades referidas na pronúncia, directa e indirectamente relacionadas com o mesmo.
175.º - Se uma instituição financeira cede um ou mais créditos emergentes de uma, ou mais, operações financeiras, a uma entidade terceira, pelo valor de capital e juros, essa instituição não sofre qualquer prejuízo patrimonial com a concessão de crédito que anteriormente efectuou, pela simples razão de que recuperou o capital mutuado, acrescido da respectiva remuneração.
176.º - O próprio Tribunal “a quo”, que agora, por remissão, não “descortina” a relevância dos contratos de cessão de crédito originariamente concedidos pelo Banco Insular, escreveu já no douto despacho de fls. 45.706, Vol. 146, datado de 22.04.2014, há muito transitado em julgado, que: “(…) a pertinência na junção de tal documento está elencada na fundamentação apresentada pelo arguido e a que supra se fez referência, fundamentação essa que, face à criminalidade que é imputada ao mesmo – e a outros – na pronúncia, assume inteira pertinência, essencialmente no âmbito dos factos de 212.º a 220.º. (…) Outrossim importa também ter em consideração que o Tribunal não tem qualquer interesse em conhecer a totalidade dos créditos cedidos, mas tão só os identificados naquela factualidade, porque só estes é que constituem objecto do processo.” (“negrito” nosso).
177.º - Assim, face à posição já adoptada pelo Tribunal “a quo” relativamente à relevância jurídica das cessões de créditos concedidos pelo Banco Insular e ao Banco Insular (pelo BPN, SA, BPN Cayman e BPN IFI), resta ao Arguido reiterar a fundamentação que foi adoptada no douto despacho acima citado, “fundamentação essa que, face à criminalidade que é imputada ao mesmo – e a outros – na pronúncia, assume inteira pertinência, essencialmente no âmbito dos factos de 212.º a 220.º.”, mas não apenas, porquanto relevam igualmente os efeitos jurídicos das cessões dos créditos concedidos ao Banco Insular pelo BPN, SA, BPN-Cayman e BPN-IFI (leia-se, daqueles que, transitando entre contas “nostro” e “vostro” (ou contas correspondentes), correspondiam ao crédito interbancário (“funding”) que financiava o Banco Insular, e que a douta decisão recorrida refere estarem na base da alegação de prejuízo para o BPN decorrente do artigo 188.º da pronúncia, sem que daí extraia conclusões.
178.º - Quanto à requerida notificação ao Assistente BIC, SA para que informe se “na sequência das diversas cessões de créditos celebradas, se verificou na contabilidade do BPN, S.A., do BPN IFI ou do BPN Cayman algum prejuízo decorrente da aquisição/integração dos créditos concedidos pelo Banco Insular” (fls. 53076, al. d)”, salvo o devido respeito por opinião contrária, se é verdade que as meras alegações de factos levadas a cabo pelas partes nos seus requerimentos e ou articulados não constituem prova, não é menos verdade que uma informação prestada, por escrito, pelo Assistente, na sequência de ordem do Tribunal, consubstancia um princípio de prova relevante, quando acompanhada dos contratos de cessão de crédito - cuja junção também foi requerida - e que o Tribunal “a quo” podia e devia fazer complementar com quaisquer outros elementos documentais, tais como os comprovativos do pagamento do preço da cessão ou a revelação contabilística da inexistência de prejuízo patrimoniais.
179.º - Por tudo o que se deixou exposto, ao julgar irrelevantes, supérfluas e inadequadas para a descoberta de verdade e boa decisão da causa as diligências probatórias requeridas pelo Arguido, ora Recorrente, violou a douta decisão recorrida o disposto no artigo 340.º, n.ºs 1 e 4, als. a) e b), do CPP, devendo a produção da prova em causa ser ordenada pelo Tribunal de recurso ao Tribunal “a quo”, ordenando-se para o efeito a baixa dos autos para esse efeito e a anulação dos actos processuais posteriores à decisão recorrida e, assim, do Acórdão final que venha a ser proferido.

NOTAS:
[17] Cfr, J. J. Gomes Canotilho e Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa Anotada, 4.ª Edição Revista, Volume I, Coimbra Editora, pág. 497, em anotação ao artigo 29.º, n.º 5, da CRP.
[18] Naquela decisão do BdP consta que:
“6. No caso em apreço, reputa-se de manifesta e excepcionalmente grave a ilicitude dos factos constitutivos das contra-ordenações praticadas e a culpa de vários dos seus autores, conforme explicitado no ponto 1.7 da Parte X do Relatório elaborado pelos Instrutores do presente processo o acentuado juízo de censura de que são merecedoras as condutas dos arguidos dadas como provadas nos autos (atento a elevado grau de danosidade emergente das mesmas) e as exigências de prevenção geral e de eficácia da dissuasão associadas a reacção sancionatória a tais condutas ilícitas justificam que, em complemento de uma sansão pecuniária, sejam as mesmos condenados - ao abrigo do disposto no artigo 212.º do RGICSF - nas seguintes sanções acessórias: (…)” – cfr. pág. 26.154, do Vol. 93, do Apenso Temático “R”.
[19] Disponível em: http://www.dgsi.pt/jstj.nsf/954f0ce6ad9dd8b980256b5f003fa814/94930927fa0f4039802576e800434c41?OpenDocument

5. A fls. 57059 a 57063 foi proferido despacho a admitir o recurso, com subida diferida, com o recurso da decisão que puser termo à causa, nos próprios autos e com efeito meramente devolutivo.

6. Respondeu o Ministério Público, a este recurso do arguido, formulando a seguinte conclusão (fls. 57205):
Por tudo o que aqui se expõe e que está em total sintonia com o decidido pelo tribunal a quo, impõe-se entender a decisão recorrida como correctamente tomada, devendo a mesma ser mantida, indeferindo-se o presente recurso.

7. No seu recurso, o arguido manifestou expressa vontade na manutenção da apreciação do presente recurso intercalar.

8. Apreciando.
Com a conformação que é dada ao objecto do recurso pelas conclusões do recorrente, podem sintetizar-se em três questões fundamentais as que se impõe solucionar:
a) Deverá revogar-se a decisão recorrida, por estarem verificados os pressupostos de que depende a extinção do procedimento criminal por aplicação do princípio do “ne bis in idem”?
b) Deverá revogar-se a decisão recorrida por estar verificada a nulidade da pronúncia alterada pela decisão de 15.11.2016, por violação da interpretação “conforme à constituição”, do artigo 283.º, n.º 3, alíneas b e f), ex vi artigo 308.º, n.º 2, conjugados com o artigo 358.º, n.º 1, todos do CPP?
c) Deverá revogar-se a decisão recorrida por se revelarem necessárias e pertinentes as diligências probatórias requeridas pelo arguido a fls.  56876, ponto 1°, als. a) e b) e a fls. 56876, ponto 2°, als, a), b), c) e d)?
Vejamos.
                                                   

9. O recorrente pugna pela extinção do procedimento criminal por aplicação do princípio do “ne bis in idem” em face da circunstância de terem sido instaurados contra si os seguintes processos punitivos: (a) contra-ordenação n.º …/…/CO movido pelo BdP, (b) processo-crime n.º …/…TELSB, (c) processo de contra-ordenação n.º …/…/CO movido pelo BdP, (d) processo de contra-ordenação n.º …/… movido pela CMVM, (e) processo-crime n.º …/…TELSB e (f) processo-crime n.º …/…TELSB.

i. Esta linha de defesa não constitui propriamente uma novidade na estratégia do arguido recorrente, tendo sido por si repetidas vezes esgrimida semelhante argumentação, ao longo do iter processual.

ii. Desta feita, a argumentação surge a coberto da oportunidade de apresentação de defesa relativa às alterações não substanciais comunicadas pela decisão datada de 15 de Novembro de 2016.
Insurge-se o recorrente perante o indeferimento do seu pedido de instrução dos autos com todos os elementos necessário à correcta apreciação da questão relativa ao “ne bis in idem”, devendo, para o efeito, ser ordenado que se oficie ao BdP, CMVM e ou Tribunais onde se venha a verificar que os processos punitivos identificados no ponto I da presente defesa tramitam, para que informem o estado daqueles processos, juntando aos autos certidões das decisões administrativas ou judicias que neles tenham sido proferidas e que não se achem já no processo.
Insurge-se com o reparo feito pelo Tribunal a quo no sentido de que cabia ao arguido em ordem a sustentar a sua pretensão, a junção aos autos dos documentos correspondentes (…).

10. Sucede que é nos próprios termos em que se insurge contra tal posição do Tribunal que se acha a solução para o problema da necessidade/desnecessidade de outros elementos para apreciação da questão colocada.

i. Como refere o recorrente, os diversos processos punitivos têm “existência demonstrada nos autos”. Acrescentamos nós que, para além da demonstração da sua existência, quando foi proferida a decisão recorrida já constavam dos autos elementos quanto ao objecto de cada um desses processos.

ii. Aliás, só perante tal circunstância foi possível ao Tribunal apreciar outros anteriores requerimentos relacionados com o princípio ne bis in idem e suas decorrências processuais.

iii. De tudo isso, como é evidente, não pode o recorrente invocar desconhecimento, desde logo por ter tomado iniciativa de junção aos autos de documentos comprovativos do teor de várias peças processuais desses processos punitivos[144], mas também por ter sido notificado das decisões judiciais que (por reporte aos factos da pronúncia) foram sendo tomadas a propósito daquele princípio.

iv. Para apreciar a concreta situação dos demais processos punitivos (penais e contra-ordenacionais) intentados pelo Estado contra do arguido, a fim de determinar as eventuais consequências ao nível da invocada violação do princípio ne bis in idem, não carecia o Tribunal de ordenar a instrução dos autos com as certidões pretendidas pelo arguido, pela simples razão de resultarem já dos autos todos os elementos necessários.

v. Note-se que o Tribunal a quo não indeferiu o requerimento de extinção do procedimento criminal por alegada violação do princípio ne bis in idem com o fundamento de ter o arguido incumprido um ónus de demonstração dos elementos doutros processos punitivos. Bem pelo contrário.

11. Carece assim de sentido a invocada violação do nº 1 do artigo 18º da Constituição, mostrando-se inaplicável no caso dos autos a interpretação normativa a que o recorrente faz referência.

12. Igualmente carece de sentido a alegada impossibilidade de conhecimento pelo Tribunal a quo da invocada questão da violação do ne bis in idem por carecer de “informação certificada sobre o actual estado dos demais processos punitivos” (destacado nosso). Estando disponível a informação certificada referente ao objecto de cada um deles, como adiante melhor se verá, estavam reunidas todas as condições para a apreciação da questão.

13. Carece, finalmente, de sentido, a argumentação utilizada pelo recorrente quanto à suposta interpretação que o Tribunal a quo fez do artigo 358.º, n° 1, do C.P.Penal, no sentido de a defesa relativamente às alterações não substanciais não ser um meio ou momento processualmente adequado à suscitação da violação do princípio ne bis in idem.
Jamais se afirmou isso na decisão recorrida.

14. A apreciação feita pelo Tribunal a quo ocorre em momento processual posterior àquele em que o Tribunal, em diversas ocasiões, proferiu decisões relacionadas com a matéria em questão, decisões essas reportadas aos factos tal como constavam da pronúncia.
E nessas decisões, como bem sabe o recorrente, concluiu-se pela ausência do “idem”. É nesse contexto que se insere a afirmação de que os factos novos introduzidos em juízo pela comunicação das alterações, correspondem a “alterações de pormenor que em nada contendem com o sentido e alcance global do teor da pronúncia”. Trata-se, pois, apenas da afirmação de que as alterações foram mínimas e são, por isso, insusceptíveis de fazer surgir o elemento “idem”. 

15. Avancemos, já com estas precisões, para a resposta à primeira das questões enunciadas - Deverá revogar-se a decisão recorrida, por estarem verificados os pressupostos de que depende a extinção do procedimento criminal por aplicação do princípio do “ne bis in idem”?

16. Entende o recorrente que ocorre sobreposição de acções punitivas entre os presentes autos e os processos do Banco de Portugal n.ºs …/…/CO e …/…/CO e da CMVM nº …/….

i. Com suplementar fundamentação sobre os processos do Banco de Portugal n.ºs …/…/CO e …/…/CO, mas sem entrar na especificação de detalhes sobre o objecto do processo da CMVM nº …/…[145], o Tribunal a quo entendeu que se estava perante realidades materiais diversas, negando, por isso a violação do ne bis in idem.

ii. O facto de a imputação naqueles processos ser de infracção qualificada como contra-ordenacional (como já antes referimos aquando da apreciação do recurso interposto da decisão de fls. 41633), não nos dispensa de aferir se ocorre identidade de objecto processual.
Assim é, desde logo, tendo em consideração a jurisprudência do TEDH sobre a aplicação do princípio ne bis in idem, designadamente naquilo que se reporta à condição de aplicação desse princípio consubstanciada pela identidade dos factos em juízo (idem). A circunstância de se organizarem vários processos (eventualmente a justificar que se fale de repetição de processos), não exclui que em todos eles se aprecie a mesma conduta (idem factum), mesmo que nem sempre sob a mesma qualificação jurídica (idem crimen).

iii. Importa, pois, saber se o objecto dos processos contra-ordenacionais invocados, nos coloca perante a imputação ao recorrente da mesma conduta (idem factum) que lhe é imputada neste processo, tendo em consideração as alterações aos factos da pronúncia que foram comunicadas.

iv. A resposta é negativa.
Tendo em conta as infracções imputadas nos processos contra-ordenacionais em questão, constata-se que visam a protecção da segurança e da confiança dos elementos que têm de ser entregues pelo regulado, no que respeita às funções de entidade supervisora exercidas pelo BdP ou pela CMVM.
A protecção conferida pelas normas de carácter sancionatório contra-ordenacional em causa naqueles referidos processos mostra-se muito específica (o que decorre da sua própria natureza e função, bem como do objectivo para o qual foram estabelecidas) e não abrange todo o universo tutelado pela incriminação criminal da adulteração da contabilidade, tal como vem imputada ao recorrente no caso dos autos, a qual visa a protecção dos vários grupos de destinatários com fundado e legítimo direito a verem tutelada a segurança e confiança do tráfico probatório desse documento.

v. Os bens jurídicos protegidos pelas normas administrativas e pelas normas penais são claramente distintos – isto é, as normas que fundam as sanções impostas ao arguido em sede contra-ordenacional protegem um bem jurídico diferente das normas de carácter criminal.
O bem jurídico protegido em sede de contra-ordenações cometidas em violação de normativos consignados no Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras (RGICSF) decorre do âmbito do próprio diploma que as regula e esse escopo ou fim mostra-se vertido no seu artº 1.º – o seu objecto é o de regular o processo de estabelecimento e o exercício da actividade das instituições de crédito e das sociedades financeiras.
Por outro lado, o escopo quer do BdP, quer da CMVM, no âmbito desse diploma, é o de proceder à supervisão e em especial à supervisão prudencial (incluindo a actividade exercida no estrangeiro) do processo de estabelecimento e do exercício da actividade dessas instituições de crédito e dessas sociedades financeiras, como determina o artº 93 do RGICSF; ou seja, estamos no âmbito de uma relação de “tutela”, de supervisão, num relacionamento entre regulador e regulado, supervisor e supervisionado.

vi. No âmbito dos processos de natureza contra-ordenacional o que determinou a condenação do arguido foi a falta de cumprimento de uma regra efectiva de conduta que, no caso, impunha que os elementos e as informações que incumbia aos regulados transmitir ao regulador, no âmbito dessa relação de supervisionamento e regulação, fosse verdadeira e completa, de modo a que a entidade supervisionadora e reguladora ficasse habilitada a exercer, de forma adequada, os seus poderes de supervisão prudencial. A tutela desse adequado exercício de supervisão esgota os limites do bem jurídico protegido pela incriminação.

vii. Diferentemente, quanto às infracções criminais imputadas nos autos, o bem jurídico tutelado é diferente, correspondendo desde logo à protecção da confiança e segurança, em sede de tráfico probatório, no que respeita a determinados tipos de documentos, de modo a que qualquer pessoa (ou mesmo o Estado), possa confiar na sua veracidade, em sede de relações jurídicas nos quais os mesmos se mostrem relevantes. 

17. Constata-se, pois, que não ocorre sobreposição de acções punitivas entre os presentes autos e os processos do Banco de Portugal n.ºs …/…/CO e …/…/CO e da CMVM nº …/…. Por isso, bem andou o Tribunal a quo ao entender que se estava perante realidades materiais diversas.

18. Acompanhando a decisão recorrida, conclui-se pela inexistência de violação do princípio ne bis in idem, em face da imputação criminal decorrente das alterações comunicadas e das condenações impostas ao arguido em sede contra-ordenacional (proc. …/…/CO e …/…/CO do BdP e nº …/… da CMVM).
                                                   
19. E o que dizer quanto aos invocados processos-crime n.º …/…TELSB, n.º …/…TELSB e n.º …/…TELSB?
Haverá sobreposição de acções punitivas como entende o recorrente?

i. No que se refere ao processo n.º …/…TELSB há apenas a registar que o mesmo foi arquivado em fase de inquérito, isto é, sem que tenha havido qualquer apreciação judicial sobre a matéria que aí se encontrava em exame. Tal arquivamento apenas releva para se poder afirmar que esses autos se mostram findos e nos mesmos ninguém foi alvo de acusação, não tendo havido lugar a qualquer decisão absolutória ou condenatória (não podendo, por isso, ter-se por verificado o elemento “bis”).

ii. No que se refere aos dois outros processos, as razões expostas pelo Tribunal a quo na decisão recorrida são claras e suficientes para afastar a possibilidade de sobreposição de acções punitivas, dando-se aqui por reproduzidas.

iii. Cumpre, por outro lado e quanto a tais dois processos, considerar acertada a decisão que negou a ocorrência de violação do princípio “ne bis in idem”, desde logo porque a mesma pressupõe a existência de uma condenação efectiva – transitada em julgado – pela prática de um determinado crime, enquadramento jurídico esse alcançado pela análise de factualidade concreta que determinou o entendimento de se mostrarem preenchidos os elementos constitutivos do tipo respectivo.

iv. Como resulta evidente dos autos, no caso, o arguido recorrente não se mostra definitivamente condenado pela prática de qualquer ilícito - não houve, ainda, lugar a condenação definitiva, com trânsito em julgado, anterior a este processo, em sede criminal. A questão do ne bis in idem só se suscitará caso, do confronto entre uma decisão já definitivamente transitada e outra a ser ainda apreciada ou igualmente já definitiva, se ajuíze verificarem-se os pressupostos que permitem concluir pela violação de tal princípio.

v. Registe-se que não seria esta a sede adequada a apreciar a questão, sob o prisma de eventual litispendência, face ao disposto no artº 582 do C.P.Civil (ex vi artº 4º C.P.Penal). A verificarem-se todos os requisitos que permitam concluir pela litispendência, essa questão - desde logo por razões de anterior esgotamento do poder jurisdicional e por critérios de competência impostos por lei, no que se refere ao julgador - tem de ser posta e resolvida no processo posterior àquele em que tal matéria foi inicialmente discutida.
                                                               
20. Tudo visto importa, sem necessidade de ulteriores considerações, concluir pelo acerto da decisão recorrida quanto à ausência dos pressupostos de que depende a extinção do procedimento criminal por aplicação do princípio do ne bis in idem, razão pela qual, nessa parte, se conclui pela improcedência do recurso.
                                                              
21. Avançando para a segunda questão enunciada – a de saber se se verificou a nulidade da pronúncia alterada pela decisão de 15.11.2016, por violação da interpretação “conforme à constituição”, do artigo 283.º, n.º 3, alíneas b e f), ex vi artigo 308.º, n.º 2, conjugados com o artigo 358.º, n.º 1, todos do CPP – diremos logo que, manifestamente, merece resposta negativa.

i. O recorrente argumenta que a pronúncia indicava, genericamente, como prova a produzir, inúmeros documentos que não têm qualquer utilidade para os factos vertidos na mesma, metodologia que, na ausência de qualquer concretização de prova relevante para as alterações determinadas à pronúncia, o Tribunal manteve, uma vez que não referiu sequer os meios de prova que as determinaram.

ii. Considera o recorrente que tal ausência de selecção e indicação dos elementos probatórios relevantes para as alterações determinadas (e da consequente expurgação daqueles outros manifestamente irrelevantes para aquelas), impossibilita o arguido de se poder defender relativamente a centenas de milhares de documentos que comportam o que interessa, e aquilo que nada interessa aos autos e para as alterações determinadas, numa nítida violação do direito a um processo equitativo e justo (artigo 20.º, n.º 4, do CRP e 6.º da CEDH).

iii. Argumenta que a ausência de uma indicação concreta dos meios de prova relevantes para a determinação das alterações da pronúncia, viola os direitos de defesa do arguido constitucionalmente consagrados no artigo 32.º, n.º 1, da CRP, sendo uma restrição desnecessária aos mesmos.

iv. Por fim, conclui que se verifica a nulidade da pronúncia alterada por decisão de 15.11.2016 ou, em alternativa, com relevo meramente semântico, a nulidade das alterações à pronúncia determinadas nessa decisão, por violação da interpretação “conforme à Constituição” do artigo 283.º, n.º 3, al. b), aplicado ex vi do artigo 308.º, n.º 2, em conjugação com o artigo 358.º, n.º 1, todos do C.P.P., que proíbe a utilização de expressões vagas e genéricas, impeditivas do exercício de todos os direitos de defesa previstos no artigo 32.º, n.º 1, da CRP e violadoras do princípio do processo equitativo (artigo 6.º CEDH).

22. Mais uma vez, não estamos perante uma questão nova, repetindo-se aqui o argumentário vertido no recurso igualmente interposto pelo arguido JO… da decisão de fls. 56778, datado de 15.11.2016, que apreciou e indeferiu o requerimento de arguição de irregularidade processual do despacho de comunicação de eventuais alterações não substanciais de factos de fls. 56772 e segs.

i. Como tal, impõe-se dar por reproduzidas as considerações que, na apreciação desse outro recurso, supra se teceram e que se mostram suficientes para justificar a improcedência do recurso nesta parte.

ii. Repetindo, uma vez mais, o que se decidiu no Acórdão da Relação de Coimbra de 14 de Janeiro de 2015 “(…) a lei não impõe, aquando da comunicação da alteração de factos, nos termos do n.º 1 do artigo 358.º, a indicação dos meios de prova, o que bem se compreende por se tratar de factos indiciados e não factos provados, perante os quais a defesa, se assim o entender, ainda pode apresentar novos meios de prova, o que o arguido, no caso em apreço, não fez.
Frederico Isasca chama justamente a atenção para a circunstância de a produção da prova ser algo que pressupõe que os factos sobre que recai façam parte do objecto do processo, o que, no caso do artigo 358º, só é possível após a comunicação ao arguido da alteração e da concessão dos direitos de defesa que o preceito impõe.
Assim refere este autor, “[n]ão é, pois, correcto, neste contexto, falar-se de factos provados ou não provados. O mais que se poderá afirmar é que estão indiciados ou fortemente indiciados”[146].

iii. Como se disse na apreciação daqueloutro recurso, aquando da comunicação efectuada nos termos do artigo 358º, nº 1, do Código de Processo Penal não há, ainda, decisão quanto aos factos, que permita considerar afastados uns e demonstrados outros.
Importa, pois, ter bem presente que a comunicação efectuada não constitui uma decisão quanto aos factos objecto da causa. E não o sendo, não carece de motivação que indique meios de prova como sustento.

iv. Mais uma vez, recomendamos a leitura do muito recente Acórdão do Tribunal Constitucional nº 216/2019[147], citado a propósito da apreciação daquele anterior recurso, sublinhando a clareza da exposição dos argumentos relevantes.

v. Como já antes fizemos, afirmamos que a circunstância de se estar perante um processo de elevada complexidade e grande volume não altera a solução avançada pelo Tribunal Constitucional. Mesmo nesses casos, a decisão que comunique a possibilidade de alteração não substancial dos factos constantes da pronúncia não terá de enumerar, de forma expressa, os meios de prova de onde resultam as possíveis alterações. Tal enumeração não é necessária para assegurar as garantias de defesa do arguido. Todos os meios de prova valoráveis estão identificados e, tal como sucede na acusação ou no despacho de pronúncia, não é exigível na comunicação de alterações não substanciais que se relacione cada um dos factos imputados com concretos meios de prova.

23. Não se mostra, pois, violado qualquer preceito legal, não ocorrendo a nulidade arguida, impondo-se concluir, também nessa parte, pela improcedência do recurso.
 
24. Cumpre, por fim, encontrar resposta para a questão de saber se se deverá revogar a decisão recorrida por se revelarem necessárias e pertinentes as diligências probatórias requeridas pelo arguido a fls. 56876, ponto 1°, als. a) e b) e a fls. 56876, ponto 2°, als, a), b), c) e d)

i. Na defesa apresentada em face das alterações à pronúncia, o recorrente requereu a produção de diversa prova suplementar, traduzida em documentos/elementos alegadamente na posse da assistente BIC, S.A..
Na decisão recorrida foram integralmente indeferidas as diligências de prova suplementar.

ii. Como refere o recorrente, para fundamentar o decidido quanto ao indeferimento das diligências destinadas à junção aos autos dos documentos relativos à evolução dos balanços dos dois balcões do Banco Insular, remeteu o Tribunal a quo para o despacho de fls. 53.628 a 53.632, relativamente ao qual o arguido também apresentou recurso, já supra apreciado.
E fê-lo explicando que tendo as diligências probatórias requeridas por base a eventual alteração do artigo 219º da pronúncia, tal eventual alteração é “de pormenor, de mais para menos” – assim, tal potencial alteração de pormenor não justifica qualquer entendimento diverso acerca das diligências probatórias que o arguido veio novamente requerer e cuja irrelevância já fora declarada pelo Tribunal.

iii. E bem andou o Tribunal a quo ao decidir assim.
De novo se repete que não cabe, nestes autos, realizar uma auditoria aos volumes de crédito concedidos pelo Banco Insular - um documento único englobador da evolução de crédito, tendo em atenção a factualidade que aqui cumpre apurar, mostra-se desnecessário para a boa decisão da causa, desde logo e como assinalou o Tribunal a quo, face aos restantes elementos probatórios existentes nos autos.
Mais uma vez que conclui, pois, pelo acerto da decisão recorrida que, também nesta parte, é de manter.

iv. Quando ao indeferimento das diligências probatórias requeridas nas alíneas a) a c) do ponto 2.º do requerimento de prova apresentada com a defesa suplementar - junção de "cópia de todos os contratos de dação em pagamento, e ou cessão de créditos, que não se achem nos autos, que o BPN, S.A., o BPN-IFI e ou o BPN-Cayman tenham celebrado entre si ou com o Banco Insular, relativamente aos créditos concedidos através do balcão I e 2", "cópia de todos os contratos de dação em pagamento, e ou cessão de créditos, que não se achem nos autos, que o BPN, S.A., o BPN-IFI e ou o BPN- Cayman tenham celebrado entre si relativamente ao crédito (interbancário), concedido através das contas correspondentes (contas "nostro" ao Banco Insular"; e “não existindo contrato, a junção aos autos de "deliberação do Conselho de Administração, ou o instrumento jurídico que tenha decidido, ou suportado, a integração do valor remanescente do balanço do Banco Insular no balanço do BPN-IFI, BPN-Cayman e ou BPN, S.A., informando ainda a data de tal integração e se foi, ou não, realizada pelo valor do capital e juros" e "informar se, na sequência das diversas cessões de créditos celebradas, se verificou na contabilidade do BPN-Cayman, do BPN-IFI ou do BPN, S.A.,(..) algum prejuízo decorrente da aquisição/integração dos créditos concedidos  pelo  Banco   Insular, ou se foi provisionada algum prejuízo potencial.", o Tribunal “a quo”, considerando que as diligências probatórias foram requeridas em face da comunicada eventual alteração do artigo 219º da pronúncia, concluiu, de novo, que tal eventual alteração não justifica qualquer entendimento diverso acerca das diligências probatórias já antes apreciadas e nas quais o arguido insiste. Por isso deu como reproduzido o despacho de fls. 53.632 a 53.636.

v. Também desse despacho o arguido interpôs recurso, supra apreciado e julgado improcedente.
Sendo correcto o entendimento do Tribunal a quo sobre a circunstância de se estar perante uma potencial alteração de mero pormenor dos factos da pronúncia (conclusão que, aliás, o recorrente não rebate), não há margem para qualquer alteração do entendimento que este Tribunal já expressou na anterior apreciação daqueloutro recurso.
Repete-se que de nada serve ao recorrente argumentar com a relevância das dações em pagamento e cessões de créditos para a determinação da ocorrência ou ausência de prejuízos. Todos os contratos de dação em pagamento e/ou cessão de créditos que o BPN SA, o BPN IFI e ou o BPN Cayman terão celebrado entre si, mesmo de acordo com as alegações do recorrente, foram celebrados em datas posteriores ao termo final do exercício de funções do arguido OC… no grupo BPN/SLN, não servindo para se atribuir ao recorrente qualquer iniciativa de reparação dos prejuízos já efectivamente causados.

vi. O recorrente pretende confundir a reparação dos prejuízos com ausência de prejuízos – como é evidente, trata-se de realidades diferentes, sendo certo que a relevância dos contratos de dação em pagamento e/ou cessão de créditos surgem em momentos posteriores à ocorrência dos prejuízos típicos relevantes (e, também, porque posteriores a Fevereiro de 2008, ocorridos após a renúncia do arguido recorrente aos cargos que ocupava no grupo BPN/SLN).

25. Uma vez mais, tudo ponderado, não pode deixar de concluir-se pelo acerto da decisão recorrida ao considerar de nenhuma importância para a descoberta da verdade material e boa decisão da causa as diligências probatórias requeridas e os documentos pretendidos juntar, por serem irrelevantes e supérfluos.
Por isso, também nesta parte, deverá julgar-se improcedente o recurso.
 
26. Encerrando a apreciação das questões aqui propostas, cabe-nos apenas referir que se mostra prejudicada a necessidade deste Tribunal ad quem tomar posição quanto às questões de inconstitucionalidade suscitadas pelo arguido nesta sede, uma vez que nem este Tribunal (nem o tribunal “a quo”) perfilharam os entendimentos que o recorrente considera terem estado subjacentes à decisão recorrida ou à presente, não subsistindo, pois, para este tribunal de recurso, a necessidade de se pronunciar sobre sentidos normativos que não têm aplicação no caso.

27. Assim, bem andou o Tribunal a quo ao indeferir o peticionado pelo arguido.
Imperioso é, pois, concluir, pela improcedência do recurso.

                                                    *

                                                    *

                                                    *

                                                    *

                                                    *

                                                    *

                                                    *

                                                    *

                                                    *

                                                    *

                                                    *

                                                    *

                                                    *

                                                    *
                                                    *
§§. dos recursos interpostos da decisão final.
A. Da admissibilidade dos documentos juntos aos autos pelo arguido JO…, juntamente com o requerimento de recurso que interpôs do acórdão proferido pelo tribunal “a quo”. Da admissibilidade dos documentos juntos pelo arguido TR…, no seu recurso.

I

1. O arguido JO… requereu o seguinte:
a. No recurso que apresentou em 11.09.2017:
14 - Mais requer que seja admitida a junção aos autos de dois documentos em anexo considerando o seguinte:
- O Doc. 1 é uma notificação do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem, em francês, com tradução para a língua portuguesa, recebida pelo Arguido no âmbito de queixa n.º …/… que o mesmo apresentou contra o Estado Português por violação do princípio “ne bis in idem” na sequência das diversas acções punitivas pelos mesmos factos movidas pelo Estado contra o Arguido, ora Recorrente, entre as quais os presentes autos.
- Tal junção, por ser relevante ao enquadramento da questão em causa ao nível da Convenção Europeia dos Direitos do Homem, só é requerida na presente data por o TEDH ter proferido a decisão que se junta, com a delimitação do objecto daquela queixa, ordenando a notificação para o Estado Português se pronunciar sobre a mesma, em 7 de Junho de 2017, ou seja, após ter sido proferido o douto Acórdão.
- O Doc. 2 é um despacho de arquivamento proferido pelo Ministério Público no dia 4 de Abril de 2017, que se junta e se dá como integralmente reproduzido, no âmbito do inquérito n.º …/…TELSB, que correu termos junto do DCIAP, onde se investigaram exaustivamente todos os fluxos financeiros que permitiram concretizar a aquisição da sociedade Biometrics em Porto Rico, despacho onde não se faz qualquer conexão entre as transferências utilizadas no denominado “caso Porto Rico/Biometrics” (que investigou o investimento da SLN na aquisição daquela sociedade, os fluxos que o permitiram e o prejuízo que daí decorreu), e o pretenso financiamento do Eng.º EN… como derradeiro destinatário daqueles fundos, verificando-se que o mesmo não foi sequer constituído como Arguido naquele processo, pese embora se encontrem naqueles autos os Apensos Bancários XLIV e XLV do mesmo e da sua sociedade Interstal (v.d. lista de Apensos Bancários a fls. 31), relevando este despacho para a aferição do excesso de pronúncia que se arguiu relativamente ao douto Acórdão recorrido, na parte em que aprecia os fluxos decorrentes daquela operação, no sentido de concluir que os mesmos permitiram, a final, financiar EN… para poder adquirir a sociedade Zemio ao Arguido, ora Recorrente.
- Tal despacho releva ainda, sobremaneira, para a boa decisão da causa uma vez que a prolação daquele arquivamento naquele processo pelo Ministério Público, por falta de indícios da prática de um crime que fosse imputável ao Arguido, constitui uma declaração do corpo único hierarquizado que também representa o Estado nos presentes autos, no sentido de não haver sequer indícios que sustentem a submissão do Arguido a julgamento e, consequentemente, a sua condenação com base nos factos que vieram a ser objecto de análise no douto Acórdão recorrido (leia-se, no sentido de concluir que a Zemio não pagou à Venice).
- A junção de tal documento só é realizada na presente data por a tese perfilhada no douto Acórdão recorrido, e os factos apreciados a seu propósito, não fazerem sequer parte do objecto dos presentes autos, não sendo, consequentemente, previsível ao Arguido, ora Recorrente, que a decisão proferida os viesse a apreciar.
b. No recurso que apresentou em 17.12.2018:
Para além da manutenção do pedido de junção já anteriormente formulado, requereu ainda a junção aos autos de:
3 - O Doc. 1 é uma acta de Audiência de Julgamento realizada no dia 22 de Novembro de 2018 no âmbito do processo …/…, que corre termos da Instância Local Criminal de Lisboa, J…, onde é imputada ao Arguido a prática de um crime de falsificação simples baseado em factos indissociáveis com aqueles pelos quais já fora anteriormente julgado nos presentes autos e condenado no processo de contra-ordenação …/CO/… do BdP e pelos factos incluídos nos presentes autos, tendo o processo …/… sido julgado materialmente conexo com os presentes autos através do douto despacho que julgou impedido de depor como testemunha RP…, por ser co-Arguido naquele processo, relevando este documento para a apreciação da questão relativa à violação do princípio “ne bis in idem”;
4 - Doc. 2 constitui cópia do douto Acórdão condenatório proferido no processo …/… no dia 12 de Novembro de 2018, e depositado no dia 23 de Novembro de 2018, que condenou o Arguido na pena de prisão de 12 (doze) anos, pela alegada prática de dois crimes de burla qualificada baseada em factos indissociáveis com aqueles pelos quais já fora anteriormente julgado e condenado, processo que foi considerado materialmente conexo com os presentes autos para efeitos do artigo 133.°, do CPP, designadamente, no despacho que julgou impedida de depor a testemunha ACo… pela circunstância de ser co-Arguido naqueles autos.

2. Cumpre decidir.
i. A questão aqui a decidir prende-se com a admissibilidade da junção dos quatro aludidos documentos.
O objectivo da mesma, na perspectiva do recorrente, é:
- No que se refere ao primeiro documento, entende ser o mesmo relevante ao enquadramento da questão em causa ao nível da Convenção Europeia dos Direitos do Homem.
- No que se refere ao segundo, relativo à aquisição da sociedade Biometrics em Porto Rico para a aferição do excesso de pronúncia que se arguiu relativamente ao douto Acórdão recorrido, na parte em que aprecia os fluxos decorrentes daquela operação, no sentido de concluir que os mesmos permitiram, a final, financiar EN… para poder adquirir a sociedade Zemio ao Arguido, ora Recorrente.
- No que se refere aos dois restantes documentos posteriormente apresentados, funda a tempestividade da sua apresentação no facto de terem sido produzidos em data posterior à prolação do acórdão condenatório destes autos (isto é, a 11. 9.2017), com os mesmos pretendendo fazer prova de parte do que alega em sede da questão do “ne bis in idem”.

ii. Decorre do nº 2 do artº 355 do C.P. Penal que podem valer em julgamento as provas contidas em actos processuais cuja leitura, visualização ou audição em audiência sejam permitidas, constituindo jurisprudência constante a que sustenta que “os documentos que se encontram juntos aos autos consideram-se examinados e produzidos em audiência, independentemente de nesta ter sido feita a respectiva leitura e menção em acta, pois estando os documentos juntos ao processo e neles se alicerçando a acusação, óbvio é que não podia o arguido razoavelmente alhear-se do que deles constava e dispensar-se de contrariar a prova que contra si deles pudesse resultar”[148].

iii. Por seu turno, determina o artº 165 do C.P. Penal o momento até quando se podem juntar documentos, sendo que a lei permite ainda a sua apresentação até um termo final – o encerramento da audiência de julgamento em 1ª instância.
Assim e em princípio, documentos que qualquer interveniente processual entenda que têm relevo para a descoberta da verdade material, deverão ser juntos até àquele momento ou, caso o julgador assim o decida, pode ser oficiosamente ordenada a sua junção, nos termos do artº 340 nº1 do C.P. Penal, igualmente até àquele limite processual.
 
iv. E a razão para haver um prazo limite para a apresentação de documentos com relevo para a decisão da causa não se funda numa mera arbitrariedade legal. A sua razão de ser prende-se, essencialmente, com a circunstância de caber ao julgador de 1ª instância a apreciação de toda a prova atinente a uma determinada causa, sendo que essa apreciação tem de ser feita com pleno cumprimento quer do princípio do contraditório, quer do princípio da imediação.
Nas palavras de Germano Marques da Silva, Curso de Processo Penal, I, 4ª Edição, pág. 77 e seguintes, “o processo estrutura-se na dialéctica entre a acusação e a defesa – audiatur et altera pars – e por isso o juiz, ainda que deva, autonomamente, buscar as bases necessárias à prolação da decisão – princípio da investigação ou da verdade material – deve também ouvir as razões, de facto e de direito, da acusação e da defesa, nisto se traduzindo o princípio do contraditório.
Este princípio consiste, em suma, no direito que assiste à acusação e à defesa de se pronunciarem sobre qualquer iniciativa processual tomada pela outra.

v. Na verdade, o recurso é um remédio jurídico, o que significa que a reapreciação de segmentos decisórios, por um tribunal superior, se terá de fundar na invocação da existência de algo de concretamente errado na decisão proferida em 1ª instância.
Efectivamente, o objecto dos recursos é a decisão recorrida e não a questão por esta julgada, sendo certo que com a sua interposição se abre apenas a possibilidade de reapreciação dessa decisão, com base na matéria de direito e de facto de que se serviu ou podia servir a decisão impugnada, pré-existente, pois, ao recurso.

vi. No caso dos autos, o recorrente vem invocar não lhe ter sido possível proceder à junção desses documentos, uma vez que os mesmos foram produzidos já após o encerramento da audiência em 1ª instância.

vii. O que decorre do que acima se mostra dito é que, por princípio, em sede processual penal, a junção de documentos que não puderam ser submetidos à apreciação do julgador de 1ª instância (independentemente de poderem até ser de conhecimento posterior por parte quer do tribunal, quer de qualquer interveniente processual), não podem ser admitidos em sede de recurso, por postergação quer dos princípios acima mencionados quer, essencialmente, por se traduzirem no aportar de uma nova dimensão de prova, que não se mostra contemplada em sede de recurso ordinário.

viii. Na verdade, e nos casos em que novas realidades surjam já após tal momento terminal, a lei processual penal portuguesa previne a possibilidade da sua apreciação através de instituto próprio, expressamente consignado nos artºs 449 e seguintes do C.P.Penal, ou seja, em sede de recurso de natureza especial – o recurso de revisão (Fundamentos e admissibilidade da revisão:
1 - A revisão de sentença transitada em julgado é admissível quando:
a) Uma outra sentença transitada em julgado tiver considerado falsos meios de prova que tenham sido determinantes para a decisão;
b) Uma outra sentença transitada em julgado tiver dado como provado crime cometido por juiz ou jurado e relacionado com o exercício da sua função no processo;
c) Os factos que servirem de fundamento à condenação forem inconciliáveis com os dados como provados noutra sentença e da oposição resultarem graves dúvidas sobre a justiça da condenação;
d) Se descobrirem novos factos ou meios de prova que, de per si ou combinados com os que foram apreciados no processo, suscitem graves dúvidas sobre a justiça da condenação.
e) Se descobrir que serviram de fundamento à condenação provas proibidas nos termos dos n.os 1 a 3 do artigo 126.º;
f) Seja declarada, pelo Tribunal Constitucional, a inconstitucionalidade com força obrigatória geral de norma de conteúdo menos favorável ao arguido que tenha servido de fundamento à condenação;
g) Uma sentença vinculativa do Estado Português, proferida por uma instância internacional, for inconciliável com a condenação ou suscitar graves dúvidas sobre a sua justiça.
2 - Para o efeito do disposto no número anterior, à sentença é equiparado despacho que tiver posto fim ao processo.
3 - Com fundamento na alínea d) do n.º 1, não é admissível revisão com o único fim de corrigir a medida concreta da sanção aplicada.
4 - A revisão é admissível ainda que o procedimento se encontre extinto ou a pena prescrita ou cumprida.).

viii. Este tem sido o critério maioritariamente adoptado, como nos dá conta Maia Gonçalves, em "Código de Processo Penal Anotado", pág. 422, da 17.ª ed., da Almedina (alterando posição anterior), bem como os acórdãos do S.T.J. de 30.11.1994, C.J. (Ac. do S.T.J.) Ano II, Tomo III, págs. 262, de 06.02.2008, de 22.10.2008 e de 12.10.2011, todos acessíveis em www.dgsi.pt; o acórdão do T.R. de Coimbra de 10.11.1999 (C.J., Ano XXIV, tomo 5, pág. 47) e acórdão do T.R. do Porto de 24.01.2007, acessível em www.dgsi.pt ).
Todavia, decisões houve já (como a do acórdão do S.T.J. de 10.12.2009, acessível em www.dgsi.pt) que admitiram, em sede de recurso, a título excepcional, a junção de documentos supervenientes, por os terem considerado imprescindíveis para a decisão da causa.

ix. Por seu turno, o T. Constitucional teve também já oportunidade de se pronunciar sobre tal questão (por diversas vezes), sendo que ainda recentemente (Acórdão 90/2013, de 3 de Maio, publicado no D.R - 2.ª Série, nº 85, de 03.05.2013, Pág. 14.014) manteve a sua jurisprudência constante, de decidir não julgar inconstitucional a norma constante do artigo 165.º, n.º 1, do Código de Processo Penal, interpretado no sentido em que não é admissível, após a prolação da sentença da 1.ª instância, a junção de documentos em sede de recurso que abrange a matéria de facto, mesmo quando esses documentos foram produzidos após aquele momento, só então sendo do conhecimento do arguido.
Permitimo-nos transcrever as razões para tal entendimento, para integral esclarecimento:
O Tribunal Constitucional já se pronunciou sobre esta questão de constitucionalidade nos Acórdãos n.º 392/2003 e 397/2006, nos quais não julgou inconstitucional o artigo 165.º, n.º 1, do Código de Processo Penal, tendo-se escrito o seguinte no primeiro destes arestos:
"... a intempestividade da junção de documentos supervenientes, na fase de recurso para a relação, está directamente conexionada com os termos em que a lei regula os recursos em processo penal, particularmente, no que concerne à reapreciação da matéria de facto.
A decisão em 2.ª instância, sobre matéria de facto, não significa um segundo julgamento no sentido de se deverem apreciar novos elementos de prova. O juízo do tribunal de recurso tem por objecto a decisão de 1.ª instância, com a possibilidade, em certos casos, de "renovação" da prova (não de apresentação de novos elementos da prova - novas testemunhas, novos documentos) com os mesmos elementos probatórios que serviram de base à decisão recorrida.
Escrevem, a propósito, Simas Santos e Leal Henriques ("Recursos em Processo Penal", 3.ª ed., pág. 58):
"Ao estatuir que "sem prejuízo do disposto no artigo seguinte, o recurso interposto de uma sentença (isto é, de uma decisão que conhece, a final, do objecto do processo) abrange toda a decisão", o artigo 402.º, consagra no seu n.º 1, o princípio do conhecimento amplo.
O objecto legal dos recursos é, assim, a decisão recorrida e não a questão por esta julgada; com o recurso abre-se somente uma reapreciação dessa decisão, com base na matéria de direito e de facto de que se serviu ou podia servir a decisão impugnada, pré-existente, pois, ao recurso".
Ora, a Constituição (maxime, artigo 32.º n.º 1), se assegura o direito ao recurso, deixa, no entanto, ao legislador ordinário uma margem de livre conformação na regulação do recurso, não impondo, de modo algum, que esta se traduza na permissão de um segundo julgamento da questão decidida em 1.ª instância.
Nesta lógica se compreende, sem vício de inconstitucionalidade, a proibição de junção de documentos supervenientes com vista a alterar a matéria de facto dada como provada em 1.ªinstância.»
É nítido que a interpretação sindicada está directamente conexionada com a perspectiva sobre os termos em que a lei ordinária define o âmbito dos recursos em processo penal, particularmente no que concerne à reapreciação da matéria de facto.
O Tribunal recorrido revela a sua visão sobre este tema quando disserta a propósito do disposto no n.º 1, do artigo 410.º, do Código de Processo Penal:
"Deste preceito legal resulta que os recursos dirigidos a um tribunal hierarquicamente superior não se destinam a apreciar questões novas, não visam avaliar em primeira linha questões que não tenham sido suscitadas na 1.ª instância. Pelo contrário, estes meios de impugnação das decisões judiciais visam a reanálise, a reapreciação, de questões que já tenham sido conhecidas pelo tribunal recorrido ou que podiam e deviam ter sido conhecidas, apesar de não terem sido apreciadas, com o intuito de correcção de vícios, de erros, de omissões ou de escolha da melhor solução jurídica para o caso.
A interposição de recurso deixaria de consubstanciar um meio de impugnação das decisões judiciais, de sindicância e de avaliação do seu mérito, com o intuito da sua modificação, para passar a ser um meio de vinculação do tribunal de recurso, do tribunal hierarquicamente superior, à decisão de questões novas, ainda não apreciadas pelo tribunal recorrido.
Deste modo, não ocorre qualquer vício da decisão judicial, susceptível de reparação pelo tribunal hierarquicamente superior através de recurso, quando o tribunal de 1.ª instância não teve a possibilidade de se pronunciar sobre a questão que motiva a interposição do recurso, muito em particular por essa questão nova não ser cognoscível à data da decisão impugnada, por ter sido suscitada após a sua prolação, sendo desconhecida para o tribunal a quo."
Em matéria penal, o direito de defesa pressupõe a existência de um duplo grau de jurisdição que, relativamente à sentença condenatória, se traduz na necessidade de assegurar ao arguido a faculdade de pedir a sua reapreciação, quer quanto à matéria de direito, como à matéria de facto, por um tribunal superior.
Mas, o direito ao recurso constitucionalmente garantido não exige que o controlo efectuado pelo tribunal superior se traduza num julgamento ex-novo da matéria de facto, com direito à produção de novos meios de prova, designadamente os supervenientes, podendo esse controlo limitar-se a aferir se a instância recorrida não cometeu um error in judicando, face às provas produzidas na 1.ª instância, conforme já se decidiu no Acórdão 59/2006 deste Tribunal (acessível em www.tribunalconstitucional.pt), onde se lê:
"Na verdade, seria manifestamente improcedente sustentar que o recurso para o Tribunal da Relação da parte da decisão relativa à matéria de facto devia implicar necessariamente a realização de um novo julgamento, que ignorasse o julgamento realizado em 1.ª instância. Essa solução traduzir-se-ia num sistema de "duplo julgamento". A Constituição em nenhum dos seus preceitos impõe tal solução...".
Daí que o direito do arguido recorrer da sentença condenatória, na parte em que decidiu a matéria de facto, possa não contemplar a possibilidade do tribunal de recurso apreciar novas provas que o arguido apresente em sede de recurso, mesmo que estas sejam supervenientes. É que tal fundamento de recurso já não se situa em sede de apreciação da correcção do julgamento da instância inferior que não teve a possibilidade de ponderar tais provas, visando antes a realização de um novo julgamento pelo tribunal de 2.ª instância, que também valore a prova apresentada já em sede de recurso.
Isto não quer dizer que a existência de novas provas não deva ser passível de utilização pelo arguido, de forma a que sejam assegurados, na plenitude, os seus direitos de defesa. Mas o mecanismo processual que possibilite essa utilização não passa necessariamente pela consagração do direito de solicitar a um tribunal de segunda instância, que está a decidir sobre a procedência de um recurso ordinário, que analise e pondere, em primeira mão, essas provas supervenientes ao julgamento em primeira instância.
O nosso sistema processual penal prevê desde logo um expediente, no artigo 449.º do Código de Processo Penal, que, no seu n.º 1, d), admite a revisão da sentença transitada em julgado quando "se descobrirem novos factos ou meios de prova que, de per si, ou combinados com os que foram apreciados no processo, suscitem graves dúvidas sobre a justiça da condenação".
Nesse recurso extraordinário, há lugar a uma fase preliminar que decorre no tribunal que proferiu a decisão a rever (artigo 451.º, n.º 1, do Código de Processo Penal), procedendo-se à produção da nova prova (artigo 453.º, do Código de Processo Penal). Terminada a realização destas diligências o processo é remetido ao Supremo Tribunal de Justiça, acompanhado de informação sobre o mérito do pedido de revisão (artigo 454.º, do Código de Processo Penal). No Supremo Tribunal de Justiça, após vista ao Ministério Público, é então decidido o pedido de revisão, podendo ser ordenada a realização de qualquer diligência (artigo 455.º, do Código de Processo Penal). Pondera-se se as novas provas oferecidas são susceptíveis de infirmar o decidido. Caso seja autorizada a revisão, o processo é reenviado ao tribunal de categoria e composição idênticas às do tribunal que proferiu a decisão a rever e que se encontrar mais próximo (artigo 457.º, n.º 1, do Código de Processo Penal). E se o condenado se encontrar a cumprir pena de prisão ou medida de segurança de internamento, o Supremo Tribunal de Justiça decide em função da gravidade da dúvida sobre a condenação, se a execução deve ser suspensa (artigo 457.º, n.º 2, do Código de Processo Penal). Se ordenar a suspensão da execução ou se o condenado não tiver ainda iniciado o cumprimento da sanção, o Supremo Tribunal de Justiça decide se ao condenado deve ser aplicada medida de coacção legalmente admissível no caso (artigo 457.º, n.º 3, do Código de Processo Penal). Após a baixa do processo e realizadas as diligências que se entenderem necessárias, procede-se a novo julgamento da causa que já atenderá aos novos meios de prova, sem quaisquer limitações quer quanto à apreciação da matéria de facto, quer quanto à sua subsunção às disposições legais, observando-se em tudo os termos do respectivo processo como se não tivesse existido a decisão revista (artigo 460.º, do Código de Processo Penal). Se a decisão revista tiver sido condenatória e o tribunal da revisão absolver o arguido, aquela decisão é anulada, trancado o respectivo registo e o arguido restituído à situação jurídica anterior à sua condenação (artigo 461.º, n.º 1, do Código de Processo Penal). A sentença que absolver o arguido no tribunal de revisão é afixada por certidão à porta do tribunal da comarca da sua última residência e à porta do tribunal que tiver proferido a condenação é publicada em três números consecutivos do jornal da sede deste último tribunal ou da localidade mais próxima, se naquela não houver jornais (artigo 461.º, n.º 2, do Código de Processo Penal). A decisão absolutória deve também arbitrar ao arguido uma indemnização pelos danos sofridos e ordenar a restituição das quantias relativas a custas e multas que este tiver suportado (artigo 462.º, do Código de Processo Penal). Note-se ainda que, quando o condenado a favor de quem foi pedida a revisão se encontrar preso ou internado, os actos judiciais que deverem praticar-se preferem a qualquer outro serviço (artigo 466.º, do Código de Processo Penal).
Ora, o critério sindicado se não admite que sejam apresentados, em sede de recurso ordinário, documentos supervenientes como novos meios de prova a apreciar pelo tribunal de recurso no âmbito da impugnação da decisão sobre a matéria de facto, não impede que esses documentos possam ser apresentados e valorados no âmbito de um recurso extraordinário de revisão que ponha em causa uma decisão condenatória já transitada em julgado.
Argumenta-se, porém, que a limitação a este meio de reacção "implica que o arguido tenha que aceitar passivamente o trânsito em julgado de uma sentença injusta, que lhe impõe o labéu de culpado contra a realidade de factos que suscitam "graves dúvidas" sobre a condenação recorrida. A obrigatória postergação para momento posterior ao trânsito em julgado de uma defesa que o arguido estava em condições de apresentar antes do trânsito constitui não só uma violação do princípio da presunção de inocência, como do princípio da celeridade processual. Dito de um modo simples, não é suficiente garantir o direito à revisão de um processo para quem já tem o labéu definitivo de culpado e entra logo a cumprir a pena aplicada (artigo 457.º, n.º 2), apesar de ele conhecer novos meios de prova que põem seriamente em causa a justiça da condenação. Impõe-se, portanto, nos casos de discussão dos referidos novos meios de prova uma audiência no tribunal de recurso logo na pendência do recurso ordinário (acórdãos do TEDH nos casos Helmers v. Suécia (plenário), Dondarini v. São Marino, Ekbatani v. Suécia (plenário), Pobornikoff v. Áustria, Kremzow v. Áustria, e Hermi v. Itália" (Paulo Pinto de Albuquerque, na ob. e loc. cit.).
Previamente à ponderação destes argumentos, não pode deixar, desde logo, de se mencionar que os arestos do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem acima identificados, que o Recorrente também invoca em defesa da sua tese, não têm por objecto a possibilidade de produção de novas provas nos tribunais de recurso, mas sim o direito dos arguidos estarem presentes e intervirem nas audiências que tenham lugar nesses tribunais, não sendo por isso convocáveis para a análise da presente questão de constitucionalidade.
Contudo, é verdade que a solução de fechar as portas dos recursos ordinários à avaliação de novas provas, mesmo que elas sejam supervenientes à prolação das decisões recorridas, e ao remeter a sua apreciação para um momento posterior ao trânsito em julgado da decisão final, introduz limitações temporais à produção dessas provas, permitindo que o processo termine com uma condenação e se inicie o cumprimento da respectiva pena, sem que elas tenham sido valoradas.
Todavia, há que ter presente que a possibilidade de novos meios de prova serem valorados pelo tribunal de recurso, o que, não se esqueça, poderia também acontecer por iniciativa da acusação, introduziria sérias perturbações e dilações à tramitação da instância recursória, pondo em causa a estabilidade e celeridade da sua tramitação, apresentando-se como uma solução dificilmente praticável.
Daí que, existindo interesses e valores dignos de tutela que justificam que se fixe um marco temporal na tramitação processual para a apresentação de provas, que exclua a fase de processamento do recurso ordinário, o legislador tenha liberdade para compatibilizar os diferentes valores em jogo, impedindo a produção de novas provas em sede de recurso ordinário, mesmo que supervenientes, mas assegurando, designadamente, que as mesmas poderão fundamentar a dedução imediata de um recurso de revisão, após o trânsito em julgado da sentença condenatória, com uma tramitação caracterizada pela celeridade e pela possibilidade de ser ordenada a suspensão do cumprimento da pena entretanto iniciada, como sucede com as regras do recurso extraordinário de revisão acima descritas. É uma solução de distribuição dos custos do sacrifício de valores que respeita as exigências de proporcionalidade e que preserva o conteúdo essencial daqueles.
Além disso, não está excluída também a possibilidade de documentos supervenientes, com determinadas características, poderem excepcionalmente relevar em mecanismos como o reenvio para novo julgamento ou de renovação da prova, em caso de detecção dos vícios referidos no artigo 410.º, n.º 2, do Código de Processo Penal, possibilidade que a decisão recorrida não deixa de encarar ao considerar que os documentos em causa não eram susceptíveis de "incontestavelmente influírem na decisão da causa".
Em suma, existindo no regime processual penal, quanto à matéria em questão, outros mecanismos, cujo regime confere ao arguido uma suficiente exequibilidade do seu direito de defesa perante a superveniência de provas, e não tendo a interpretação sindicada afastado o exercício desses meios de reacção, denota-se que tal interpretação não coloca em causa a garantia do direito de defesa do arguido, designadamente do direito ao recurso de uma sentença condenatória, nem do direito a um processo equitativo
Assim sendo, e pelas razões expostas, impõe-se concluir que a interpretação normativa objecto de fiscalização não viola o disposto nos artigos 32.º, n.º 1, e 20.º, n.º 4, da Constituição, nem se vislumbra que ofenda qualquer outro parâmetro constitucional, pelo que o recurso apresentado pelo arguido… não merece provimento nesta parte.

3. Não obstante, e no caso concreto, para além do que se deixa dito, há que constatar o óbvio – a junção de qualquer elemento de prova a um processo, incluindo um documento, seja em que momento processual for, depende da sua relevância para a decisão da causa; isto é, necessário se mostra que tal elemento cumpra os desideratos previstos no artº 340 nº1 do C.P.Penal, designadamente que se mostre necessário à descoberta da verdade e à boa decisão da causa.

i. De facto, um documento é um meio de prova, sendo que com o seu conteúdo se pretende demonstrar algo com relevância jurídica para o objecto da causa, para a matéria em discussão (seja ela de natureza factual ou jurídica).
Assim aliás se mostra expressamente consignado na lei, designadamente no artº 124 do C.P.Penal: Constituem objecto da prova todos os factos juridicamente relevantes para a existência ou inexistência do crime, a punibilidade ou não punibilidade do arguido e a determinação da pena ou da medida de segurança aplicáveis, em conjugação com o disposto no artº 164 do mesmo diploma legal.

ii. Ora, dois dos documentos juntos pelo recorrente padecem de omissão de relevância em sede destes autos; isto é, não têm qualquer interesse para a decisão do presente recurso, o que, desde logo determinaria a sua não admissibilidade, independentemente da questão da tempestividade da sua apresentação

4. De facto, o primeiro documento é uma notificação do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem, dirigida ao arguido ora recorrente, informando-o que, após exame preliminar, foi dado conhecimento ao Estado Português da petição (queixa) pelo primeiro apresentado, dirigindo o TEDH ao Estado algumas questões que, após resposta, serão notificadas ao recorrente.   

i. Independentemente da questão que aí está em discussão, a verdade é que tal notificação apenas serviria como prova do que aí se contém – o arguido interpôs uma queixa naquele Tribunal contra o Estado Português e este foi notificado para responder.

ii. Salvo o devido respeito, escapa-se-nos em que medida ou em que universo é que a prova do que se acaba de deixar explanado tem o mais ínfimo interesse para a apreciação “dos factos juridicamente relevantes para a existência ou inexistência do crime, a punibilidade ou não punibilidade do arguido e a determinação da pena ou da medida de segurança aplicáveis”, questões estas, naturalmente, que se reconduzem às suscitadas em sede de recurso.

iii. E a verdade é que o arguido também o não explica, limitando-se a uma referência genérica à decisão da questão do “ne bis in idem”, sem todavia fundamentar como é que a prova de uma notificação de resposta a uma petição interposta em tribunal internacional pode ter relevância para tal…
Nós, simplesmente, não a vislumbramos.

5. No que concerne ao segundo documento, o mesmo reporta-se a um despacho de arquivamento relativo à aquisição da sociedade Biometrics em Porto Rico.
Afirma o recorrente que esse despacho terá grande relevância para aferir a nulidade de excesso de pronúncia que invoca, relativamente ao douto Acórdão recorrido, na parte em que aprecia os fluxos decorrentes daquela operação, no sentido de concluir que os mesmos permitiram, a final, financiar EN… para poder adquirir a sociedade Zemio ao Arguido, ora Recorrente.

i. O que o recorrente afirma em tal ponto é o seguinte (procede-se à transcrição desse segmento das conclusões para melhor compreensão do que se dirá de seguida):
Conclusões de C.2.22.1 – DA NULIDADE DA DECISÃO RECORRIDA POR EXCESSO DE PRONÚNCIA (A FLS. 764 A 775 DO AC. REC.) QUANTO À PRETENSA ORIGEM DOS FUNDOS QUE PERMITIRAM PAGAR O EMPRÉSTIMO DA VENICE À ZEMIO (A PROPÓSITO DO JULGAMENTO DO PONTO 265 DA MATÉRIA DE FACTO, A FLS. 62 DO AC. REC.) – ARTIGO 379.º, N.º 1, AL. C), DO CPP/DA NULIDADE DA DECISÃO RECORRIDA POR CONDENAÇÃO DO ARGUIDO POR FACTOS DIVERSOS DOS DESCRITOS NA PRONÚNCIA, FORA DOS CASOS E DAS CONDIÇÕES PREVISTOS NOS ARTIGOS 358.º E 359.º DO CPP NO QUE SE REFERE À “OPERAÇÃO ZEMIO” E CONSIDERANDO A PRETENSA ORIGEM DOS FUNDOS QUE PERMITIRAM PAGAR O EMPRÉSTIMO DA VENICE À ZEMIO (A PROPÓSITO DO JULGAMENTO DO PONTO 265 DA MATÉRIA DE FACTO, A FLS. 62 DO AC. REC.) – ARTIGO 379.º, N.º 1, AL. C), DO CPP /DA VIOLAÇÃO DOS ARTIGOS 358.º E 359.º DO CPP.
446.º - Mas, a contradição insanável entre a decisão que julgou como provado o artigo 276.º da pronúncia e os seus fundamentos, não é o único vício em que incorre o douto Acórdão recorrido no que concerne à análise que fez da denominada “operação Zemio”.
447.º - Conforme resulta das conclusões antecedentes, o Tribunal “a quo”, para concluir, ainda que contraditoriamente, pelo não pagamento do empréstimo concedido pela Venice à Zemio (matéria que estava, como vimos, expressamente alegada no artigo 276 da pronúncia), apreciou e pronunciou-se sobre a verificação de um inúmero conjunto de factos que, em síntese, pretenderam apurar e demonstrar a origem do dinheiro utilizado pelo adquirente da Zemio (carregada com as acções da SLN por esta detidas) para pagar a dívida desta sociedade à Venice (juros incluídos).
448.º - A parte onde esta apreciação, refira-se, de manifesto “excesso de pronúncia”, é materializada a fls. 753 do Ac. rec: “A compra da offshore Zemio, com as 6.495.000 acções de que era titular da SLN SGPS, por EN… ao arguido OC… e a subsequente amortização/pagamento do crédito da Venice constituiu simplesmente mais uma manobra de diversão tendente a iludir qualquer incauto e a criar a aparência de que esse pagamento foi levado a cabo com quantias exteriores ao grupo SLN/BPN e, assim, levar a crer que a Zemio não ficou devedora à Venice do montante que esta lhe havia transferido, e também assim, de que o arguido OC…, a final, não se havia servido dela como modo de financiamento.”
449.º - Mais uma vez nesta passagem se afirma que o pagamento do crédito da Venice foi feito (na parte em que se lê “a subsequente amortização/pagamento do crédito da Venice”), mas, à revelia da delimitação temática contida na pronúncia, passou-se, sem mais (leia-se, sem dar cumprimento aos artigos 358.º e ou 359.º do CPP), a julgar a origem do dinheiro utilizado pelo adquirente da Zemio para pagar à Venice, a pretexto de a mesma constituir “simplesmente mais uma manobra de diversão tendente a iludir qualquer incauto e a criar a aparência de que esse pagamento foi levado a cabo com quantias exteriores ao grupo SLN/BPN”.
450.º - Assim, o Arguido que se encontrava acusado de se ter financiado, através de uma sua offshore, a Zemio, através de uma sociedade do Grupo, a Venice, que alegadamente nunca teria recebido (e daí o prejuízo e a acusação de que o Arguido se apropriara desse valor – v.d. artigo 917.º da pronúncia), passa, sem saber e sem qualquer acusação ou contraditório, a ser julgado e condenado por ter vendido a Zemio a um terceiro que, segundo a surpreendente tese investigada, apreciada e considerada demonstrada no douto Acórdão recorrido, se terá financiado para o efeito com fundos do Grupo SLN, através de um confuso e não alegado processo de financiamento.
451.º - A longa – e refira-se, desde já, incorrecta – apreciação para o efeito pelo douto Acórdão recorrido, na investigação e apreciação de inúmeros factos que não constam da pronúncia, constam de fls. 764 a 775 do Ac. rec., que aqui se dão como reproduzidas.
452.º - Tal excesso de pronúncia é, basicamente, operado pelo Tribunal “a quo” após formular a seguinte questão, que não faz parte do objecto dos autos e, muito menos, da “operação Zemio”, tal como vinha imputada ao Arguido: “A Interstal/EN… pagou a aquisição da Zemio a OC…, carregada com as 6.495.000 acções da SLN SGPS, S.A., com dinheiro próprio ou os fundos que serviram para fazer esse pagamento vieram de sociedades do grupo SLN/BPN?” (v.d. fls. 763 e 764 do Ac. rec.)
453.º - Acresce que, pese embora o Tribunal “a quo” não tenha expressamente incluído na matéria dada como provada a pretensa e não alegada matéria de facto relativa à proveniência dos fundos que teria permitido realizar o pagamento do empréstimo concedido pela Venice à Zemio, o que é certo é que, materialmente e a pretexto do julgamento da matéria de facto julgada como provada no ponto 265 (a fls. 62), se pronunciou a fls. 764 a 775 sobre toda essa “nova” factualidade, sem que tal pronúncia fosse precedida da notificação, nos termos e para os efeitos dos artigos 358.º e ou 359.º do CPP.
454.º - Ora, como é reconhecido na douta decisão recorrida, o artigo 275.º da pronúncia é fundamental para a apreciação da “operação Zemio” e para a aferição de qualquer pretenso prejuízo dela decorrente, razão pela qual a sua prova fundamentou a condenação do Arguido pela prática do crime de burla com base nesta operação.
455.º - Ou seja, ainda que não formalmente referida nos factos provados, o que é certo é que, o Tribunal “a quo”, alicerçou a sua decisão sobre o facto constante do ponto 265 da matéria dada como provada e, assim, a condenação do Arguido com fundamento na “operação Zemio”, em “factos diversos dos descritos na acusação ou na pronúncia, se a houver, fora dos casos e das condições previstos nos artigos 358.º e 359.º”, incorrendo, por isso, o douto Acórdão recorrido na nulidade prevista no artigo 379.º, n.º 1, al. c), do CPP.
456.º - Ao julgar, como julgou, violou o douto Acórdão recorrido os artigos 358.º e 359.º do CPP, o que fez ao apreciar a nova factualidade relativa à pretensa proveniência dos fundos que permitiram pagar o empréstimo da Venice à Zemio.
457.º - Ao apreciar, como apreciou, e ao julgar verificados inúmeros factos nunca alegados na pronúncia, ou alterados pelo Tribunal “a quo” nos termos do artigo 358.º ou 359.º do CPP, relativos às diversas operações/transferências que constituiriam a pretensa proveniência dos fundos que permitiram ao Eng.º EN…, enquanto adquirente e Zemio e na sequência da aquisição desta sociedade ao Arguido, pagar à Venice o valor que a Zemio lhe devia, incorreu o douto Acórdão recorrido na nulidade por excesso de pronúncia, por ter conhecido “de questões (leia-se, procedido à apreciação de factos) de que não podia tomar conhecimento”, prevista no artigo 379.º, n.º 1, al. c), do CPP, nulidade que se requer que seja declarada.

ii. Vejamos então.
No despacho constante no documento cuja junção o arguido agora pretende, relata-se a origem do dito inquérito, bem como se delimita a matéria que foi alvo de apreciação naquele processo (NUIPC …/…TELSB):
Iniciaram-se os presentes autos com uma certidão extraída do processo com o NUIPC …/…TDLSB, face à separação da investigação de parte da factualidade ali indiciada, nos termos do seguinte despacho proferido autos, a lis. 1517 e ss.:
“Separação de processos - extracção de certidão
Factos relativos à sociedade BIOMETRICS, de Porto Rico.
Alguns dos documentos apreendidos nos autos, na diligência de folhas seguintes e com descriminação a folhas 1032 e seguintes, bem como os documentos transferidos por certidão do NUIPC …/…TELSB, enquadrados com alguns dos depoimentos recolhidos, caso de folhas 826, permitem que, em termos de indícios liminares, se possam alinhar os seguintes factos relativos à participação da SLN na sociedade BIOMETRICS, de Porto Rico:
A SLN recebeu, por via da integração da sociedade Pleiade, a participação rum negócio em Marrocos, detido através da sociedade local REDAL, onde também, participava a sociedade nacional EDP, que se reportava ao desenvolvimento", saneamento básico junto de algumas cidades daquele país.
Tal negócio terá começado a apresentar dificuldades, pelo que foi decidido procurar encontrar interessados na aquisição do mesmo.
É nesta fase que se afigura ter surgido (...) ARA… que apresentou a possibilidade de arranjar um adquirente para a participação SLN na REDAL que, no caso, seria a empresa francesa VIVENDI, mas que condicionava tal colaboração ao facto de a SLN aceitar participar num negócio que o mesmo AAS… tinha projectado para uma empresa da área tecnológica domiciliada em Porto Rico.
A EDP, parceira do negócio, em cerca de 30%, da REDAL, procedeu também, na mesma época, ano de 2001, à venda da sua participação à VIVENDI, desconhece-se se com a intervenção ou não do mesmo AAS….
Certo é que a administração da SLN em particular através de JO… e de DL…, acabou por aceitar a dupla colaboração de AAL…, quer no sentido do mesmo proporcionar a venda da participação na REDAL à VIVENDI, quer no sentido de participar com o mesmo na aquisição de uma participação de 25% na sociedade BIOMETRICS, sita em Porto Rico.
O negócio de Porto Rico consistiria em aproveitar licenças de novas tecnologias, detidas através da BIOMETRICS para constituir uma nova empresa que fosse explorar as referidas tecnologias no desenvolvimento de equipamentos ligados à actividade bancária, afigurando-se máquinas tipo ATM e de validação electrónica de cheques.
O negócio passava pela constituição em Porto Rico de uma nova empresa, a NOVA TECH, detida através de uma sociedade do Reino Unido, a NEW TECH, sendo esta uma associação entre a SLN e a referida BIOMETRICS, detendo a sociedade nacional 75% do capital da nova empresa e a BIOMETRICS os restantes 25%.
O investimento seria realizado através da aquisição pela SLN de uma participação de 25% num designado EXCELLENCE ASSETS FUND que se afigura poder já então ser detido por interesses conexos com os do AAL….
Mais uma vez, as entradas de meios financeiros da SLN no referido Fundo foram realizadas através de uma sociedade veículo, a FINANCIAL ADVISORY, cujo beneficiário final seria a SLN.
Os fundos movimentados pela SLN teriam atingido valores elevados, estimando-se, desde já, os seguintes:
-   31 milhões USD para a aquisição de 25% da BIOMETRICS;
-   10 milhões de USD para a constituição da NEW TECH;
- 35 milhões de USD para a aquisição e remuneração das licenças das tecnologias detidas pela BIOMETRICS;
A tais custos acresceram ainda os relacionados com financiamentos concedidos ao AAS… pelo BPN, possivelmente relacionados com a participação directa do mesmo e das suas empresas no referido negócio, designadamente através de uma entidade designada MIRAFLORES, afigurando-se que o BPN terá concedido empréstimos num total de 42 milhões de euros, com intervenção do Banco Insular, que não foram pagos.
Acresce ainda que, ao longo de 2001, a SLN foi levada a realizar suprimentos na nova sociedade criada, a NEW TECH, indiciando-se que terão atingido um valor superior a 10 milhões de euros, realizados através de uma sociedade offshore, a SEAFORD HOLDINGS, detida pela MARAZION HOLDINGS, com financiamento através do BPN CO.1117017.
O negócio terá assim implicado para o BPN/SLN o envolvimento de verbas superiores a 120 milhões de euros, cujo retorno terá sido praticamente nulo.
Com efeito, existem indícios de que a BIOMETRICS terá envolvido alguma encenação, criando a aparência de instalações grandiosas e de potenciais interessados na compra dos equipamentos, mas que na realidade se não confirmaram, não tendo sido desenvolvidos quaisquer equipamentos eficazes e comercialmente viáveis.
Assim, a partir do final de 2002 e em 2003, deu-se nova necessidade de saída de findos da SLN/BPN, desta vez destinada a desfazer a nova sociedade criada e a vender a participação na sociedade BIOMETRICS.
Indicia-se que intervém aqui uma nova entidade conexa com o AAS…, o grupo LA GRANJILLA que começa por adquirir a totalidade do capital do Fundo EXCELLENCE, mas com o compromisso assumido pelo BPN de vir a recomprar a totalidade do referido Fundo.
Para tal efeito, já em 2003, terão sido debitados cerca de 35 milhões de euros e de 5 milhões de USD de contas junto do Banco Insular, designadamente de contas tituladas por entidades como as offshores DELAS e A UDEL, com destino à conta do BPN Cayman junto do ABN AMRO, em Amesterdão.
Tal operação terá porém representado apenas a criação de fundos para alimentar fluxos de retorno, no sentido inverso ao supra referido, eventualmente com o fim de iludir as entidades de supervisão quanto a perdas e riscos assumidos.
Indicia-se que as verdadeiras e definitivas operações a débito terão ocorrido posteriormente, envolvendo uma transferência de cerca de 14 milhões de euros da conta da referida DELAS no BPN Cayman para uma conta de uma entidade designada EAF, ao que se afigura junto do Banco Edmond Rothschild, no Luxemburgo.
Ainda outra transferência terá sido ainda realizada a débito de zuna conta junto do Banco Insular titulada pela MARDELL 1NVESTMENTS LLC que acabou na conta titulada pela já referida LA GRANJILLA, junto do Banco Zaragozano, envolvendo um valor de 20 milhões de USD.
Tais factos teriam ocorrido entre os anos de 2001 e de 2003, pelo menos, podendo a obtenção de benefícios por terceiros originada na precipitação da SLN para um negócio ruinoso
À mesma certidão, foi, ainda, junta cópia certificada de documentos entregues pelo BPN, no âmbito do processo-crime com o NUIPC …/…TELSI3, como se constata, também, no mencionado despacho de fls. 1517 e ss..
 
iii. Como se vê, da mera leitura do que se deixa transcrito, em contraposição com a matéria de facto dada como assente pelo tribunal “a quo” acima reproduzida (vide supra neste acórdão: II. Transcrição dos segmentos (…), 1-A), tal matéria factual – os negócios relativos à sociedade Biometrics, ocorridos entre 2001 e 2003 - não faz parte do elenco de actos cuja prática se mostra em análise nestes autos. Tanto assim é, que não consta do rol nem dos factos provados nem dos não provados e, em sede de fundamentação realizada pelo tribunal “a quo”, debalde se procurará por qualquer referência à mesma.

iv. Efectivamente, a matéria que o recorrente refere (a constante nos pontos 250 a 265 dos factos provados, que correspondia à vertida nos pontos 260 a 276 da pronúncia), prende-se com o modo como foi financiada a aquisição, por parte do arguido JO…, de milhões de acções da SLN SGPS, via offshore Zemio (que se financiou através de fundos da offshore Venice), o que ocorreu no dia 29 de Dezembro de 2000, momento temporal em que o arguido era o beneficiário final da dita Zemio.
Bem assim, o que consta no dito ponto 265 é que, nesse mesmo momento temporal, a Zemio ficou devedora à Venice do montante que aquela lhe tinha transferido – ou seja, que foi a Venice (cujo beneficiário final era o grupo SLN) quem financiou tal aquisição.

v. É isso e só isso que foi dado como assente.
E em sede de fundamentação, o que o tribunal “a quo” refere é a posterior venda da Zemio, com as 6.495.000 de que era titular da SLN SGPS, pelo arguido OC…, a EN….
Ora, em parte alguma do despacho de arquivamento que consta no documento nº 2 há a mais remota referência a tal questão, sendo certo que nem sequer foi ouvido, nesse âmbito, a qualquer título, EN…, tanto quanto resulta da cópia junta.

vi. O que aí se investigou prendia-se com as suspeitas quanto ao verdadeiro objectivo de celebração dos negócios redal e biometrics e a eventualidade de terem por único propósito o enriquecimento ilícito de terceiros à custa do prejuízo do Grupo BPN, nomeadamente de e, pelo menos, DL…, OC… e Aas…, enriquecimento este sob a forma de pagamento de comissões (vide. fls. 61.149)
Não se vislumbra, pois, que o conteúdo de tal documento tenha qualquer interesse para a descoberta da verdade ou para a decisão de qualquer questão suscitada neste recurso, porque estranha ao objecto do presente processo, quer a nível factual, quer de fundamentação da convicção do tribunal “a quo”.

6. Face a tudo o que se deixa exposto, resta-nos concluir pela inadmissibilidade deste dois documentos apresentados pelo recorrente JO…, com o recurso que interpôs da decisão final, por uma dupla ordem de razões:
Quer pela sua extemporaneidade (atento o disposto no artº 165 do C.P.Penal);
Quer pela sua irrelevância para a boa decisão do recurso interposto (ao abrigo do disposto na al. b) do nº 4 do artigo 340 do C.P.Penal);
Ordenando-se, consequentemente, o seu desentranhamento e a sua devolução ao recorrente, ficando cópia junto dos duplicados.

7. No que concerne aos dois novos documentos (3 e 4 - vide supra) apresentados pelo mesmo arguido em 17.12.2018, uma vez que a situação que a estes se reportam (pendência de dois processos-crime contra si interpostos) havia já sido por si invocada no recurso apresentado em 11.9.2017, a propósito da questão que suscitou relativa ao “ne bis in idem” e por se tratarem de meras actualizações de informações processuais que já se encontravam nos autos (pendência de dois processos-crime, um com decisão proferida em 1ª instância, de cariz condenatório, embora não transitado em julgado - no que ao recorrente se reporta - e outro, dando conta do início do julgamento em 1ª instância), admite-se a sua junção.

                                                    II.

1. O arguido TB… “juntou”, com o seu recurso, três documentos.

2. Como se constata pela sua mera leitura, esses três documentos mais não são do que a reprodução (cópia) de elementos que já há muito se mostram juntos aos autos – vide Vol. 29, pdf: fls. 210 a 212.

3. Dado este circunstancialismo, nada há a decidir quanto à junção de tais cópias, em sede de recurso.
                                                    *
                                                    *
                                                    *
b. nulidades da sentença previstas no artº 379 do C.P.Penal (falta de fundamentação, omissão de pronúncia, excesso de pronúncia e condenação por factos diversos dos descritos (…) na pronúncia (…) fora dos casos e das condições previstos nos artigos 358.º e 359 do C.P.Penal).

1. Os recorrentes infra indicados extraíram das motivações de recurso que apresentaram as seguintes conclusões, a propósito desta questão (uma vez que se procedeu já supra - vide ponto II. Transcrições dos segmentos (…) 2. - à transcrição integral das conclusões apresentadas por cada um dos recorrentes, opta-se por aqui se indicar apenas os números referentes às mesmas, que importam à decisão das questões que neste segmento cabe apreciar):

Arguido JO…
Pontos 269º a 272º; 386º a 389º; 419º a 430º; 716º a 721º; 820º a 824º; 1008º a 1018º; 1075º a 1087º; 1313º a 1321º.

Arguido JV…:
Pontos 4.109 a  4.181.

Arguido LC…
Pontos 166º a 170º e 178º.

Arguido FS…
Pontos 7º a 49º; 72º a 74º; 174º a 180º; 212º a 223º; 235º a 254º,ponto i.

Arguido LM…
Pontos 92º a 94º.

Arguido LAl…
Pontos168º a 172º e 192º.
 
Arguida IC…
Pontos 130º a 134º e 152.
 
Arguido LA…
Pontos 7º; 212º; 236º e 238º.

Arguido RD…
Pontos XV A XIX, XLVI a XLIX, CLXXX a CLXXXIII.

2. O MºPº apresentou resposta a tais conclusões, todas no sentido do indeferimento da verificação das nulidades apontadas.
Consignou tais respostas nos seguintes pontos:

No que concerne ao arguido JO…:
Pontos XXIV. XLII. XXXV. XLIII. XLVI. XVIII.

No que concerne ao arguido JV…:
Pontos III. 1. III. 2 (…)
 
No que concerne ao arguido LC…
Ponto 4.

No que concerne ao arguido FS…
Pontos 2. 3. 5. VIII. Crime de fraude fiscal.

No que concerne ao arguido LM…
Resposta conjunta à arguição de nulidade do acórdão recorrido por alegada insuficiência de fundamentação e erro notório na apreciação da prova, entendendo ser a mesma de rejeitar.

No que concerne ao arguido LAl…
Resposta conjunta à arguição de nulidade do acórdão recorrido por alegada insuficiência de fundamentação e erro notório na apreciação da prova, entendendo ser a mesma de rejeitar.

No que concerne à arguida IC…
Resposta conjunta à arguição de nulidade do acórdão recorrido por alegada insuficiência de fundamentação e erro notório na apreciação da prova, entendendo ser a mesma de rejeitar.

No que concerne ao arguido LA…
Transcreve os segmentos que entende relevantes, em sede de acórdão, no que se refere à fundamentação aí exarada (quer de facto, quer de direito) em relação a este arguido.

No que concerne ao arguido RD…
Do exposto resulta que a impugnação da factualidade dada por provada sob o ponto 745 improcede, sendo certo que não foram especificadas concretas provas que imponham decisão diversa; ademais, inexiste qualquer falta de fundamentação da decisão de facto no que toca à factualidade do mesmo ponto 745, e, por isso, deve ser rejeitada a arguida de nulidade – arts. 374.º, n.º 2, e 379,º n.º 1, a), do Código de Processo Penal.
3. Apreciando.
i. O artº 374 do C.P.Penal abrange uma ampla consignação de deveres que recaem sobre o julgador, em sede de fundamentação da convicção e de enquadramento jurídico, no que concerne a três instâncias decisórias, que constituem em grande medida a sentença/acórdão que terá de ser proferida em sede final. Pese embora tais deveres se mostrem (dada a sede em que têm de ser cumpridos, isto é, no texto decisório final) interligados, a verdade é que se distinguem entre si.
Vem isto a propósito dos recursos interpostos pelos arguidos, sendo certo que do teor dos mesmos se constata que se mostra invocado o incumprimento, por parte do julgador, do dever de fundamentação (quer quanto à sua convicção em relação à matéria de facto, quer quanto a questões de direito) bem como do dever de pronunciamento, em ambas as vertentes – omissão e excesso. Finalmente – como seria expectável nas omnipresentes alegações de nulidade em sede de recurso – invoca-se ainda o vício previsto na al. b) do nº 1 do artº 379 do C.P.Penal.
Por se tornar mais facilmente compreensível e de modo a evitar repetições desnecessárias, opta-se por se proceder à apreciação simultânea das questões avançadas pelos arguidos, subdividindo-as nos três grandes grupos em que se integram, a saber:
(4) - Inobservância do dever de fundamentação;
(5) - Excesso ou omissão de pronúncia.
(6) - Condenação por factos diversos dos descritos na pronúncia, fora dos casos e das condições previstos nos artigos 358.º e 359.º.
Vejamos então.

4. Inobservância do dever de fundamentação.
i. Determina o artº 374 nº2 do C.P.Penal que “ao relatório segue-se a fundamentação, que consta da enumeração dos factos provados e não provados, bem como de uma exposição tanto quanto possível completa, ainda que concisa, dos motivos, de facto e de direito, que fundamentam a decisão, com indicação e exame crítico das provas que serviram para formar a convicção do tribunal”.

ii. Como tem jurisprudencialmente vindo a ser entendido, de modo pacífico, o dever de fundamentação da decisão traduz-se em assumir uma síntese intelectualmente honesta e suficientemente expressiva do resultado do exame contraditório sobre as distintas fontes de prova. O juiz examina a prova e depois manifesta uma opção de sentido e valor e essa tarefa não o dispensa de, ao fixar os seus elementos de convicção, o fazer de forma clara, numa exposição das razões de facto e de direito da sua decisão (art. 374.º, n.º 2, do CPP) – Ac. STJ, proc. 7/10.0TELSB.L1.S1, de 8.01.2014; V - Através da fundamentação da matéria de facto da sentença há-de ser possível perceber como é que, de acordo com as regras da experiência comum e da lógica, se formou a convicção do tribunal. VI - O exame crítico deve indicar no mínimo, e não tem que ser de forma exaustiva, as razões de ciência e demais elementos que tenham na perspectiva do tribunal sido relevantes, para assim se poder conhecer o processo de formação da convicção do tribunal. VII - A nulidade, resultante da falta ou insuficiência da fundamentação, só ocorre quando não existir o exame crítico das provas e não também quando forem incorrectas ou passíveis de censura as conclusões a que o tribunal a quo chegou posto que, percebidas as razões do julgador, podem os sujeitos processuais, com recurso, quando tal for necessário, ao registo da prova, argumentar para que o tribunal de recurso altere a matéria de facto fixada mas aqui já se está em sede de impugnação da matéria de facto e não de nulidade da sentença.” Acórdão do T.R Coimbra, Proc:72/11.2GDSRT.C1, de14-01-2015; “IV – A lei não exige que em relação a cada facto se autonomize e substancie a razão de decidir, como também não exige que em relação a cada fonte de prova se descreva como a sua dinamização se desenvolveu em audiência, sob pena de se transformar o acto de decidir numa tarefa impossível. V – A fundamentação a que se reporta o art. 374º, nº 2, do CPP, não tem de ser uma espécie de “assentada” em que o tribunal reproduza os depoimentos das testemunhas ouvidas, ainda que de forma sintética, sob pena de violar o princípio da oralidade que rege o julgamento feito pelo tribunal colectivo de juízes». VI – Não dizendo a lei em que consiste o exame crítico das provas, esse exame tem de ser aferido com critérios de razoabilidade, sendo fundamental que permita avaliar cabalmente o porquê da decisão e o processo lógico-formal que serviu de suporte ao respectivo conteúdo. VII - A nulidade, resultante da falta ou insuficiência da fundamentação, só ocorre quando não existir o exame crítico das provas e não também quando forem incorrectas ou passíveis de censura as conclusões a que o tribunal a quo chegou posto que, percebidas as razões do julgador, podem os sujeitos processuais, com recurso, quando tal for necessário, ao registo da prova, argumentar para que o tribunal de recurso altere a matéria de facto fixada mas aqui já se está em sede de impugnação da matéria de facto e não de nulidade da sentença”. Acórdão T. R. de Lisboa, Proc. 36/14.4JBLSB.L1-5, de 02-10-2018, sendo todos estes acórdão consultáveis no site dgsi.pt.

iii. Temos assim que, se é verdade que a fundamentação da convicção do tribunal não pode ser entendida como um resumo alargado de tudo o que cada testemunha disse ou fez, de qual o conteúdo integral de cada um dos elementos de prova documental ou pericial, seguido de um exaustivo debate sobre tal conteúdo, a realidade é que a lei exige que através da sua leitura, seja perceptível o processo de formação de convicção do tribunal, designadamente no que se reporta à matéria factual que constitui o cerne da integração jurídica do ilícito.

iv. Tal dever cumpre-se então, nesta sede, pela enunciação sintética e intelectualmente honesta da prova que foi produzida, com uma análise que se revele suficientemente elucidativa do resultado do exame contraditório sobre as distintas fontes de prova, de tal forma que se mostre possível avaliar o processo lógico que serviu para alcançar o juízo expresso, em termos factuais.
De igual modo, esse dever também se mostrará cumprido quando, perante o texto, seja possível compreender - ainda que discordando - as razões que levaram o julgador a, com base naquela matéria factual assente, extrair as suas consequências jurídicas.

v. Daqui decorre que, em sede de apreciação desta específica nulidade, se terá de atender apenas aos segmentos dos recursos que se restringem à mesma; isto é, em que se afirma a incompreensibilidade da fundamentação realizada ou a sua ausência, mas já não a discórdia quanto à apreciação feita, por tal ser matéria que se prende ou com reapreciação probatória ou com questões de enquadramento jurídico e de direito, que serão todas infra atendidas, em sede própria.

vi. Analisando.
a. O recorrente JO… entende que o tribunal “a quo”, no que se refere à concessão do empréstimo à Galeria, não só não fundamentou a sua decisão como não atendeu à versão do arguido e errou ao dar como provado que este pretendia dar uma nova justificação à proveniência do dinheiro (inserimos aqui, por uma questão de coerência e interligação, a questão relacionada com a Galeria, em que o recorrente invoca omissão de pronúncia).

a. No caso dos autos, o recorrente não prestou declarações em audiência de julgamento, remetendo-se ao silêncio, no exercício de um direito que lhe assiste. Não obstante, apresentou o requerimento a que faz referência, pedindo a junção aos autos de alguns elementos probatórios, tendo o tribunal “a quo” deferido parcialmente esse pedido, determinando a junção de balancetes analíticos do BPN - Banco Português de Negócios, S.A., relativos aos meses de Agosto, Setembro e Outubro de 2006 e o extracto da conta que revela que a Galeria Filomena Soares & Santos, Ld.ª, apresentava um débito para com o BPN, S.A., de € 2.132.640,00, com referência à factura n.º 3069 de 30.11.2004, no valor de € 3.132.640,00 e que tal débito foi regularizado nas contas do BPN, S.A., em Setembro de 2006.
E em sede de fundamentação da sua convicção quanto à matéria fáctica, o tribunal “a quo” expôs os elementos probatórios relativos à questão da “Galeria” e debateu-os. Basta ler fls. 1306 a 1317 e 1318 a 1324, com especial ênfase para a secção relativa a fls. 1.324 a 1.334 do acórdão. 
Assim, o que sucede é que o recorrente não concorda com a fundamentação que o tribunal apresenta a esse propósito. Mas não se vislumbra que a não tenha entendido ou que a mesma se mostre sem argumentação que a sustente. Essa crítica dirige-se à apreciação feita, não à ausência de justificação, que nem sequer se sabe qual seria…pois o recorrente limita-se a dizer que o tribunal “a quo” não acreditou na versão do arguido – mas qual versão e sustentada em que elementos probatórios concretos? O que faltou ao tribunal relacionar ou ponderar? Ignora-se.

b. Entende ainda o arguido JO… que o tribunal “a quo” deu como provadas imputações genéricas e insuficientemente concretizadas quanto ao elemento subjectivo dos crimes nos pontos 939, 940, 941, 942, 948, 949, 950, 953 e 958 da matéria de facto, nomeadamente:
No ponto 939 por não se indicar que accionistas foram “ludibriados”, em que circunstâncias de tempo, forma e lugar, ou de que concreta sociedade, não se indica quais os “falsos cenários” criados, nem as concretas “entidades de supervisão” enganadas, as “estratégias de negócio pessoais” e finalmente que “entidades por si administradas” se conclui que os Arguidos fizeram “pagar e sofrer perdas para criar os referidos cenários e formas de engano de terceiros;”.
No ponto 941 por não se discriminar a que empréstimos e ou sociedades beneficiárias dos mesmos se reporta o propósito de não pagar capitais e juros;
No ponto 942 por não se discriminar a que concretos “registos contabilísticos” se reporta e que concretas “actuações de apropriação de fundos e de obtenção de ganhos” quanto à VENICE e à JARED e a que demais situações se refere a utilização da expressão “em particular”, ou seja, que outras sociedades se pretende significar que foram prejudicadas com “apropriações de fundos e de obtenção de ganhos”;
No ponto 948 por não se discriminar a que concretos “cenários” e operações se refere, quais os “terceiros” que foram enganados e quais os concretos documentos forjados para esse efeito;
No ponto 949 por não discriminar a que concretos “documentos” se reporta e a que concretas “apropriações de fundos alheios” se refere;
No ponto 950 por não discriminar a que “cenários” se reporta e quais os “terceiros” que com eles foram “ludibriados” (o que releva no contexto da prova para saber se o Arguido, é ou não, um deles, ou de outra forma, se também ludibriou tais terceiros);
No ponto 953 por não discriminar a que entidades terceiras se refere;
No ponto 958 por não discriminar anteriormente quais as concretas actuações em que cada Arguido agiu livre e conscientemente sabendo da ilicitude das suas condutas.

b. Os factos provados a que o arguido faz referência têm o seguinte teor:
939) Os arguidos OC…, LC… e FS… actuaram com o propósito de impor os seus interesses individuais, em sede de conquista de controlo accionista, de perpetuação nos cargos e de prevalência dos negócios por si idealizados, sobre os interesses das sociedades que lhes competia administrar;
940) Os arguidos OC…, LC… e FS… conjugaram esforços no sentido de ludibriar accionistas e criar falsos cenários às entidades de supervisão de forma a fazerem impor estratégias de negócio pessoais, aceitando fazer as entidades por si administradas pagar e sofrer perdas para criar os referidos cenários e formas de engano de terceiros;
941) Os arguidos OC… e LC… actuaram ainda com o propósito de deitarem a mão a fundos criados ou disponíveis nas instituições que geriam, como se fossem beneficiários de empréstimos, mas sem o propósito de pagar juros e amortizar as quantias recebidas, apesar de saberem que se tratava de fundos que não lhes pertenciam e que deviam actuar perante esses fundos como entidades autónomas;
942) Os arguidos OC…, LC… e FS… actuaram ainda com o propósito de forjar documentos e alterar registos contabilísticos de forma a ocultar e a justificar as suas actuações de apropriação de fundos e de obtenção de ganhos, em particular ocultando o seu benefício e a utilização de contas junto do Banco Insular e do BPN Cayman tais como as da JARED FINANCE e as da VENICE CAPITAL;
953) O arguido JMo… actuou com o propósito de, em conjunto com os arguidos OC…, LC… e FS…, permitir a apropriação e a retirada de fundos das sociedades IMONAÇÕES e VILLAS D’ÁGUA, em benefício de entidades terceiras;
958)Todos os arguidos actuaram livre e conscientemente, sabendo os arguidos OC…, VM…, LC…, FS…, LM…, IC…, LAl…, TR…, Jau…, LA…, AF… e RC… que as suas condutas eram proibidas e punidas por Lei;

c. Como o próprio arguido reconhece e como consta na epígrafe dessa secção dos factos dados como provados, essa factualidade reporta-se à imputação subjectiva; isto é, descreve qual a intenção que presidiu às diversas actuações protagonizadas pelo arguido. E, como é óbvio, refere-se aos actos que se mostram anteriormente dados como provados, tendo de ser lida na decorrência dos mesmos, como é técnica habitual e pacífica em sede de direito e como é normal na interpretação básica de qualquer texto, nomeadamente de uma acusação, de uma pronúncia, de uma contestação ou de um acórdão.
Assim, o que decorre da sua leitura, no seguimento da exposição factual anterior, é simples – é a intenção, o intuito com que o arguido actuou, no decurso das várias actividades anteriormente dadas como assentes e descritas, as razões porque o fez e a constatação de que tinha pleno conhecimento de que tal tipo de actuações era proibida por lei.
Não se vislumbra pois, qualquer dificuldade ou imprecisão para -correlacionando o que se mostra dito nesses pontos com o que para trás ficou descrito - se perceber que se está a fazer referência a todos os actos que o arguido praticou, à forma como se apropriou do controlo de tal grupo, ao uso que fez dos fundos desse grupo (através de diversas sociedades que no mesmo se integravam e que foram anteriormente especificadas), aos fundos de que se apropriou ao mesmo grupo pertencente, aos documentos que falsificou e ao prejuízo que causou precisamente aos accionistas das empresas pertencentes ao grupo SLN/BPN e às sociedades que o constituíam (haviam de ser quais, dado o thema decidendum destes autos?).

vii. Entendem ainda os arguidos JO…, LC…, LM…, LAl…, IC… e RD…, que a decisão proferida pelo tribunal “a quo”, na determinação das penas parcelares e única:
a. Só “dedicou 20 páginas do acórdão a esse tema”, limitando-se a uma enunciação tabular de algumas circunstâncias atenuantes e agravantes, sem que as consequências de cada uma delas na pena concreta aplicada se perceba. (arguido JO…).
b. Peca pelo seu generalismo e insuficiente concretização, pois não é possível depreender da análise do Acórdão recorrido o quê concreto determinante de cada pena. Assim, embora admitam que o acórdão procede à identificação dos factores de medida da pena que deponham a favor ou contra os Arguidos, entendem que se exime totalmente de realizar os exercícios que devem proceder a essa identificação: ponderação de cada um desses factores em função do seu concreto significado e sua recíproca avaliação em função da quantificação da pena aplicada. (arguidos LC…, LM…, LAl…, IC…).
c. - A condenação do arguido no pagamento de €30.000 logo à partida não tem qualquer fundamento, (…) revelando-se um valor cuja lógica não se alcança de todo, dado que a decisão não justifica o porquê desta imposição, nem é possível da leitura de outras passagens retirar qualquer sentido para a mesma, e de todo o modo a condenação nesta quantia apresenta-se como extremamente severa face às necessidades de prevenção. A imposição dos deveres e regras de conduta deve respeitar sempre os princípios da proporcionalidade e da exigibilidade, que são princípios básicos do Estado de Direito, com consagração constitucional, o que não se verifica na presente condenação. E pelo prisma duma condenação penal cumulativa com a pena de prisão, tratar-se-á sempre duma condenação surpresa, na medida em que o contraditório não foi de todo respeitado (arguido RD…).
d. O tribunal na, imposição da condição resolutiva, não efectuou o juízo de prognose da razoabilidade acerca da satisfação da condição.

a. Salvo o devido respeito, a constatação das 20 páginas não é argumento, pois não tem qualquer utilidade em sede jurídica, já que não é manifestamente o número de páginas que determina a existência de uma nulidade de fundamentação, mas sim o conteúdo das mesmas (pode-se dizer muito em pouco e nada em muito…).

b. No que se refere à tipologia e dosimetria das penas, dir-se-á que, compulsadas fls.1.558 a 1.576 aí se mostram enunciados e preenchidos, de modo sintético mas bastante, os critérios que a lei penal impõe em tal sede, nos artºs 70, 71 e 50 a 54, todos do C.Penal, de forma que se mostra apreensível qual o caminho lógico-jurídico seguido pelo julgador, quer em sede de penas singulares, quer de pena única.
Tanto assim é que, ao longo dos seus recursos, os arguidos discutem as escolhas tomadas pelo tribunal “a quo”, enunciando erros de ponderação e pedindo alterações nessa sede. Essa é obviamente matéria para discussão infra, no local próprio, mas bem demonstra que os arguidos não tiveram dificuldade em entender os fundamentos avançados pelo julgador (não concordam é com eles).

c. e d. De igual modo, é apreensível a opção tomada pelo tribunal “a quo” no que concerne à tipologia das penas aplicadas (opção por penas privativas da liberdade ou não), bem como os critérios que determinaram - nos casos das penas não privativas - a imperiosidade da sua sujeição a deveres e que se resume à responsabilização pela conduta adoptada, face à gravidade das consequências da mesma, como resulta de fls. 1.574 e 1.575, no caso e especificamente, na obrigação de pagamento de quantias ao Estado Português (no seu sentido lato), isto é, aos cidadãos portugueses que têm vindo a pagar com os seus impostos o descalabro financeiro que a actuação dos arguidos determinou. De igual modo aí se mostram referidos os critérios que nortearam o julgador na imposição das condições de suspensão.
E no que concerne à alegação do arguido RC… (E pelo prisma duma condenação penal cumulativa com a pena de prisão, tratar-se-á sempre duma condenação surpresa, na medida em que o contraditório não foi de todo respeitado), cabe mencionar que se mostra incompreensível o por si invocado.
Na verdade, a suspensão de uma pena, sujeita a deveres ou regras de conduta, não é uma condenação cumulativa com a pena de prisão, desde logo pela sua própria natureza, já que tais obrigações não são penas – são, repete-se, obrigações, a que pode ser subordinada a suspensão de uma pena (chamamos a atenção ao arguido para a epígrafe do Capítulo II, Penas, Secção I do C.Penal – “Penas de prisão, de multa e de proibição do exercício de profissão, função ou actividade” que, aparentemente, lhe passou despercebida, bem como o teor dos artºs 41 a 49 e 50 a 53, todos do C.Penal).
 Em segundo lugar, o arguido não foi condenado numa pena de prisão, isto é numa pena privativa da liberdade – foi condenado numa pena de prisão suspensa na sua execução (vide, para mais aprofundado esclarecimento da questão, querendo, acórdão do S.T.J. n.º 13/2016, publicado no D.R. n.º 193/2016, Série I de 7.10.2016: “A condenação em pena de prisão suspensa na sua execução integra o conceito de pena não privativa da liberdade referido no n.º 1 do artigo 17.º da Lei n.º 57/98, de 18 de Agosto, com a redacção dada pela Lei n.º 114/2009, de 22 de Setembro.”).
Em terceiro lugar, não se vê qual o contraditório que se mostra por cumprir. Efectivamente, quando a um agente é imputada a prática de um crime, a tipologia e a moldura das penas que lhe podem abstractamente vir a ser impostas (e das obrigações a que podem ser subordinadas) decorrem imperativamente da lei penal, aí se mostrando taxativamente enunciadas.
Assim, embora se possa compreender, de um ponto de vista muito subjectivo e pessoal – num exercício de empatia sem qualquer relevância no foro jurídico - que o agente fique surpreendido por ser condenado, a verdade é que os termos em que tal condenação se consubstanciará (a ocorrer) estão predefinidos legalmente, nada havendo pois de novo ou de surpreendente.

e. Em nota final dir-se-á que, se a escolha de tais tipologias ou dosimetrias, bem como as respectivas condições de suspensão (no que toca às penas não privativas da liberdade) se mostra correcta ou não, já é algo que ultrapassa o âmbito da nulidade invocada e, como tal, não é matéria para apreciação nesta sede.
 
viii. Prosseguindo.
a. Entende o recorrente JV… que o tribunal “a quo” deveria ter procedido a uma fundamentação de direito correcta e precisa quanto aos elementos objectivos do tipo incriminador do crime de abuso de confiança, p. e p. pelo artigo 205.º, n.ºs 1 e 4, al. b) do C.Penal; bem como no que respeita ao tipo legal de crime de burla qualificada, onde remete para “as considerações já desenvolvidas supra, à análise dos elementos objectivos e subjectivos”, quando o dever de fundamentação (n.º 2 do artigo 374.º, n.º 4 do artigo 97.º, ambos do CPP, e artigo 205.º da CRP) exige que relativamente a cada arguido ou a cada grupo de arguidos, caso entenda haver co-autoria e comparticipação, conexão objectiva e subjectiva, se proceda uma análise jurídica em concreto. Igualmente, no seu entender, o Tribunal “a quo” não identifica, em concreto, o local da prática dos factos, nem fundamenta, quanto ao crime de burla qualificada.

a. Apreciando, dir-se-á:
No que respeita aos tipos legais (integração dos elementos do tipo dos crimes de abuso de confiança e de burla):
O tribunal “a quo” debruça-se sobre os mesmos, enumerando tais elementos, descrevendo-os, discutindo-os e integrando a realidade fáctica apurada, ao longo de fls. 1.485 a 1.490 e 1.490 a 1.509 (note-se, aliás, que até exclui do âmbito da integração no tipo alguma factualidade dada como assente, por entender que, nessa parte, a conduta do arguido não se mostra infractora de previsões de carácter penal – vide fls. 1.485 e 1.486, a propósito dos factos 217 e 218: remunerações acordadas), sendo certo que igualmente absolve o mesmo arguido da prática de um segundo crime de abuso de confiança (aparentemente, quanto a esta absolvição, o acórdão já não padece das nulidades que o recorrente imputa às condenações; ou seja, as razões para estas absolvições foram por si compreendidas, as outras é que não…).
No que se refere ao local da prática dos factos, o mesmo resulta da factualidade assente, relativamente a cada um dos actos que preenchem os elementos dos tipos de ilícitos pelos quais foi condenado. Assim, no que se reporta ao crime de abuso de confiança, por apropriação ilegítima de quantias creditadas na conta B1 do Banco Insular, a sua localização resulta do descrito nos factos 213 a 222 (a partir da dita conta, foram realizados pagamentos e transferências para outras contas); no que se refere ao crime de burla qualificada, à indução em erro ou engano das entidades (accionistas), cujo património lhes competia administrar, directa ou indirectamente, bem como ao crime de falsificação, a sua localização resulta da análise dos factos 1 a 6, 7 a 14, 15 a 31, 32 a 34, 40 a 43, 48, 50, 53, 54, 58, 59, 60 a 63, 69, 70, 71 a 74, 75 a 80, 81, 82, 84, 85, 86 a 103, 104 a 121, 122, 123 a 132, 133 a 148, 149 a 151, 152 a 164, 165 a 184, 185 a 200, 201, 202, 204 a 207, 208, 209 a 212, 945, 948. E se é verdade que parte dos actos de execução foram pelo arguido praticados em Cabo Verde, resulta igualmente da decisão recorrida que a consumação de tais ilícitos ocorreu em Portugal, como infra melhor se analisará, em sede de enquadramento jurídico dos factos (para além da circunstância de os crimes de burla e de falsificação terem sido cometidos em co-autoria e de todos os ilícitos terem violado bens jurídicos de lesados que se encontravam tutelados pela ordem jurídica portuguesa – accionistas, depositantes, Estado e sociedades em Portugal residentes ou sediados).
Temos pois que, o que decorre da leitura das suas conclusões é a pessoal discordância do arguido quanto à análise jurídica que é realizada pelo tribunal “a quo”, no âmbito destes enquadramentos jurídicos, apenas na parte que determinou o entendimento de preenchimento do tipo. Mas essa discordância não é fundamento da nulidade que invoca, como acima já se esclareceu (será infra objecto de discussão, em sede própria).
De igual modo, a remissão (que ainda agora se acabou de fazer, neste acórdão) para o que se deixou já anteriormente dito, não constitui qualquer fundamento de nulidade desde que, ao apreciar uma determinada sequência de acontecimentos, em que tiveram intervenção vários protagonistas – agentes do crime – o tribunal “a quo” (como é o caso) mencione, refira e discuta o conjunto desse segmento temporal, no qual todos vão tendo intervenção. Remeter para o que já ficou debatido e exposto nada mais é do que evitar inúteis e cansativas repetições, sendo certo que a exposição fica registada (escrita), o que permite que o interessado a revisite as vezes que entender e necessitar, para obter compreensão do que lê (não existe qualquer obstáculo constitucional ou legal ao recurso à remissão em sede de fundamentação de decisões[149]).

b. Alega ainda o arguido JV… que o tribunal “a quo” omite qual a redacção do artº 256 do C.Penal que serviu de base à sua condenação, designadamente se foi a anterior ou a posterior a 2007.
Mais afirma que, no que diz respeito a este crime, a decisão do Tribunal “a quo”, em relação à questão da prescrição, só pode ser aferida em concreto, se da mesma constarem os momentos em que o processo se encontrou ou se encontra suspenso, para fins de contagem de prazo de prescrição, sendo que a interpretação efectuada segue uma mera lógica matemática. Mais adianta que a mera indicação da data de cessação de funções do arguido OC… (Fevereiro de 2008) não parece o critério jurídico adequado e enquadrável na linha do que se entende por fundamentação.

b. Salvo o devido respeito, mostram-se incompreensíveis estas alegações, como fundamento da nulidade que invoca.
Senão, vejamos:
O arguido foi condenado pela prática de um único crime de falsificação de documento, por o Tribunal “a quo” ter considerado que a sua actuação se integrava na figura jurídica do crime de execução continuada, enquadrável na categoria de crime permanente (questão que não é passível de discussão nesta sede em que se averiguam nulidades da sentença, mas que o será, em momento próprio, infra).
Neste tipo de ilícitos, a infracção verifica-se assim que o facto é praticado, mas persiste até que o estado e o interesse que a norma protege tenham cessado; ou seja, a execução mantém-se enquanto perdurar o estado de compressão do interesse, objecto jurídico do crime. Assim, a sua consumação inicia-se com o primeiro facto praticado, mas só termina com a execução do último. Há uma voluntária manutenção da situação antijurídica, que só termina quando a execução cessa, ficando então o crime exaurido, momento em que a licitude é reposta.
Ora, esse último momento (que é aquele que determina a aplicabilidade da lei em vigor à data da prática do acto, pois corresponde ao da consumação do ilícito) ocorreu, no entendimento do tribunal “a quo”, em Fevereiro de 2008.
Assim, o único normativo aplicável era o que então se encontrava em vigor – o constante no artº 256, na versão resultante da Lei n.º 59/2007, de 04/09 (vide artº 2º nº1 do C.Penal).
De facto, a fls. 1.508 mostra-se vertido o entendimento perfilhado pelo tribunal “a quo” quanto à data do último acto relevante para tal efeito - Fevereiro de 2008 - bem como as razões para tal entendimento (data em que o arguido JO… saiu do grupo SLN/BPN, sem que a verdade contabilística tivesse sido reposta).
A discussão quanto à correcção da decisão jurídica relativa a esse termo final, bem como a questão de saber se estamos ou não perante um único crime, por se tratar de um ilícito de execução permanente, é tema que não se coloca nesta sede, pois não integra o conceito de nulidade previsto no artº 374 do C.P.Penal (quer a nível de ausência de fundamentação, quer a nível de omissão de pronúncia). São questões de eventual erro de apreciação jurídica, isto é, raciocínios que se prendem com a discórdia do recorrente quanto a essa apreciação de carácter eminentemente jurídico.
Finalmente, e no que respeita ao “cálculo matemático” dos prazos de prescrição, a verdade é que o instituto da prescrição funciona em termos aritméticos; isto é, pressupõe que se proceda a cálculos matemáticos, de soma e de subtracção (que nem sequer são particularmente complexos), para que se possa concluir se já decorreu ou não um determinado período temporal concreto, fixado por lei. Para o cômputo desse prazo terão de ser calculados os períodos de início de contagem, subtraídos os períodos temporais determinados por factores interruptivos e/ou suspensivos e constatar-se se os limites temporais legalmente consignados se mostram ou não ultrapassados. No caso, é o que se mostra feito, de modo sintético mas bastante, pois mostra-se compreensível o raciocínio lógico que o tribunal “a quo” seguiu na abordagem de tal questão. Assim, a eventual discórdia do arguido, quanto ao modo como esse cálculo foi realizado, será matéria não de nulidade, mas de crítica em sede de apreciação jurídica.

c. Finalmente, alega ainda o arguido JV… que se verifica falta de fundamentação de direito correcta e precisa quanto aos elementos objectivos e subjectivos do tipo incriminador falsificação de documento simples, p. e p. pelo artigo 256.°, n.° 1, alíneas a) e e) do C.Penal, atentando que estamos numa relação de concurso aparente de crimes cuja solução passa pelo princípio da consumpção:
 
c. O recorrente suscita esta questão quer nesta sede, quer em sede de “ne bis in idem”.
 No âmbito deste ponto – nulidade da fundamentação – é a própria argumentação do recorrente que determina a manifesta improcedência da mesma. Na verdade, o recorrente não afirma que não entendeu o que se mostra escrito a este propósito pelo tribunal “a quo” – acha é que é pouco… 
Salvo o devido respeito, pouco ou muito têm algo de subjectivo e uma nulidade tem de ser objectiva e objectivável. Assim, se entendeu, embora critique a escassez do conteúdo ou a decisão em si mesma, não estamos perante uma nulidade.
Infra, quando nos debruçarmos sobre a questão do ne bis in idem, teremos oportunidade de nos pronunciarmos sobre as críticas que o recorrente dirige no que se reporta ao entendimento de inexistência de consumpção, por ser essa a sede própria e para a qual remetemos.
 
ix. Entende o recorrente FS… que o tribunal “a quo” cometeu nulidade de falta de fundamentação porque (pontos que seguem, A. e B.):
A. A descrição dos factos dados como provados é, em si mesma, genérica ou conclusiva, deixando por revelar, com o rigor exigível a uma sentença penal, a necessária circunstanciação de tempo, modo e lugar indispensável à fixação da materialidade subjacente. O acórdão recorrido deixa por efectuar o adequado enquadramento jurídico-penal dos factos, prescindindo da necessária e indispensável articulação dos factos concretos com as normas aplicáveis. Ficam por apurar, com a nitidez indispensável, os contornos da actuação do recorrente, essenciais à determinação do grau da sua participação no facto ou até a forma da sua contribuição para a prática do crime. As referências à sua intervenção não aparecem temporalmente concretizadas, nem a partir da factualidade assente se consegue compreender cabalmente a actuação imputada ao recorrente. No crime de falsificação de documento, p.e p. pelo art.º 256 nº. 1, als. a) e e) do CP, foi remetido para toda a conduta do recorrente descrita nos factos provados, pelo que resulta comprometida, em concreto, a necessária fundamentação do acórdão.

A. O que se mostra dito pelo arguido – de forma genérica e global, diga-se - não resiste, pura e simplesmente, à mera leitura do texto prolatado pelo tribunal “a quo”.

i. De facto, a sua actuação – que se prolongou por um vasto período temporal – tem início em 1998, quando começa a exercer as funções de chefe de gabinete do arguido JO… e prolonga-se até à sua saída do Grupo, em 2008. Mostra-se descrita a natureza concreta dos actos que praticou, ao longo do tempo, com indicação das datas em que se verificaram, a colaboração que prestou, sendo que tal narrativa é acompanhada não só da exposição especificada do que fez, como e quando o fez, bem como a que título o fez (vide factos provados 1 a 6, 7 a 14, 15 a 31, 32 a 34, 40 a 43, 48, 50, 53, 54, 58, 59, 60 a 63, 69, 70, 71 a 74, 75 a 80, 81, 82, 84, 85, 86 a 103, 104 a 121, 122, 123 a 132, 133 a 148, 149 a 151, 152 a 164, 165 a 184, 185 a 200, 201, 202, 204 a 207, 208, 209 a 212, 945, 948, 694 a 741, 753 a 779, 830 a 842 e 894 a 907, 704, 710, 764, 765, 767, 779, 835 e 838 e 780 a 829, 940, 950 e 958).
Mais: em sede de enquadramento jurídico da factualidade quanto a si apurada, o tribunal “a quo” – à semelhança do que sucedeu no que respeita aos restantes arguidos – enumerou especificadamente quais os factos que integrariam cada um dos ilícitos que lhe vinham imputados, em sede de pronúncia, bem como aqueles que, face à matéria fáctica dada como assente, efectivamente preenchiam os elementos do tipo (vide fls. 1.447 a 1.452; 1.463 a 1.469, 1.490 a 1.505, 1.512 a 1.542).

ii. Assim, não se vislumbra qual a dificuldade do arguido (para além da óbvia, que se prende com a extensão factual deste processo, mas que decorre da circunstância de a actividade ilícita dos arguidos se ter mantido durante largos anos…) em saber quais os factos cuja prática o tribunal “a quo” deu como assentes e porque razão, face ao seu conteúdo, entendeu mostrarem-se preenchidos os elementos constitutivos do tipo. Basta ler, com um pouco de atenção, o que se mostra consignado nos factos assentes do acórdão e resumido nas folhas supra indicadas.

iii. De igual modo e no que se refere à questão da consolidação do Banco Insular (do balcão 2000 (dentro do balanço) e 2001 (fora de balanço) no BPN, S.A., BPN, SGPS, S.A., e na holding SLN, SGPS, S.A.), ao inverso do que o recorrente invoca, o que o arguido faz é querer afirmar que a fundamentação realizada pelo tribunal “a quo”, a esse propósito, é errada, porque o não convence. Mas essa é questão a ser apreciada infra, em sede própria, designadamente em IV. Fundamentação, §§, I. Questões de Direito (…) deste acórdão.
Tudo o mais que o arguido invoca nesta sede é, mais uma vez, algo que à mesma é estranha, pois o que pretende é criticar a apreciação fáctica e jurídica a que o tribunal “a quo” chegou a seu respeito, porque discorda dela, embora claramente decorra que a compreende. Tanto assim é que refuta, pelo menos parcialmente, os argumentos e os raciocínios que se mostram vertidos no acórdão.
Essa matéria terá, todavia, de ser apreciada infra, em sede própria.

iv. Finalmente, e no que se refere a comungar o acórdão recorrido dos graves vícios da pronúncia, sendo que o acórdão recorrido é nulo na medida em que assenta na pronúncia, à qual essencialmente adere, a qual por sua vez padece de nulidade, dir-se-á apenas o seguinte:
O momento próprio para ser suscitada a nulidade da pronúncia já há muito se mostra ultrapassado, como a propósito de tal questão se refere mais aprofundadamente na decisão relativa à rejeição do recurso interlocutório interposto pelo arguido RO…, a propósito de tal assunto e para cujo teor remetemos (vide supra IV- Fundamentação, §. Dos recursos interlocutórios, 1º. Da intempestividade e da manifesta improcedência…).

v. Efectivamente, se o recorrente entendia que a pronúncia padecia do vício que afirma, cabia-lhe ter oportunamente (isto é, em 2010, quando foi do seu teor notificado) suscitado tal questão, sendo certo que a mesma já não é de passível apreciação por este tribunal, neste âmbito.
Assim, o que nesta sede recursiva será passível de apreciação não se prende já com o que consta na pronúncia mas, isso sim, com o que se mostra vertido no acórdão, na decisão que é alvo de recurso. E se de facto se verificar que a matéria factual dada como assente será insuficiente para o preenchimento dos elementos do tipo, é questão que se porá em sede de enquadramento jurídico e sobre a qual, em sede própria (vide infra) a ser o caso, nos pronunciaremos.

B. Alega ainda o arguido FS… que, no facto provado 213 se afirma que “Os arguidos OC…, LC… e FS…, com a colaboração do JV…, utilizaram, ainda, uma faculdade concedida pela legislação de Cabo Verde para designar contas bancárias através de uma terminologia alfanumérica”, mas que o tribunal “a quo” não concretizou em que é que se materializou, pela sua parte, a utilização de tal faculdade, isto é, relativamente a que conta ou contas bancárias em concreto o mesmo utilizou tal faculdade e em que actos materiais, externos, se revelou a actuação ali atribuída ao recorrente consistente na utilização da mencionada faculdade.

B. Como se constata pela mera leitura desse facto, o que aí se diz é precisamente – e única e exclusivamente – que este arguido foi um dos que utilizou aquela faculdade; isto é, foi um dos arguidos que determinou que se procedesse à abertura de contas alfanuméricas. Trata-se da mera constatação de um facto que, em si mesmo, até seria legal perante a legislação de Cabo Verde, que previa tal possibilidade.

i. A utilização para seu benefício pessoal directo de tal faculdade (isto é, a criação de uma conta alfanumérica de que fosse titular), não lhe é aí imputada, nem em nenhum outro ponto factual, nem o arguido foi condenado por tal prática.
Basta aliás ler-se, com um mínimo de atenção, a restante factualidade provada no qual se insere este facto, para a tal conclusão se chegar, nomeadamente os pontos 214 (Com tal prática visavam os arguidos aumentar o nível de confidencialidade das contas em causa, quer no que se refere ao beneficiário das mesmas, quer para efeito de diminuir a exigibilidade de regularização dos créditos concedidos), 215 (Assim, tal designação de contas era utilizada para compensar pessoas próximas do arguido OC…, para além de ser uma forma de o próprio se financiar, contornando as limitações à concessão de crédito a Administradores) e 216 (Foram assim, identificadas as seguintes contas com designação alfanumérica, relativas aos seguintes beneficiários: A1 – OC…, Presidente do Grupo BPN/SLN; A2 – FCo…, administrador do BPN; A3 – JMa…, administrador do Banco Insular e do Banco Efisa; A4 – AF…, Director da DOP e administrador do BPN; B1 – JV…, Presidente do Banco Insular).

ii. Assim, nada há aqui de omissivo, em sede de fundamentação.

x. Alega o arguido LA… que o tribunal “a quo” não afirma em que meio probatório funda o conhecimento por parte do arguido, que as facturas 2160 e 2161 eram forjadas (questão inserida na descrição constante nos pontos 733 a 752 da matéria de facto dada como assente).

a. Permitimo-nos recordar-lhe o que se mostra exarado, a esse propósito, no acórdão, em sede de fundamentação da convicção dos julgadores (fls. 1.233 e segs):
(…) Daí que TR… tenha informado por fax, em 17.03.2003, o arguido OC… da quantia que lhe faltava receber, fax esse do qual foi dado conhecimento aos arguidos LA… e RC…:
- Apenso temático AJ, fls. 29 e 30, págs. 30 e 31 pdf – 31.12.2002 – fax da DEEF, com texto manuscrito de MMo…, que anexa declaração-minuta para o arguido TR… relativa ao pagamento que este fez dos terrenos, da alteração dos terrenos e com nota que despendeu € 934.800,00, valor superior àquele que a Labicer lhe disponibilizou (€ 572.900,00);
Essa declaração foi assinada, na mesma data, pelo arguido TR… (v. fls. 31, pág. 32 pdf do mesmo apenso).
Com importância, assinala-se que do identificado mapa (v. apenso temático P, vol. 10, fls. 34, pág. 36 pdf) elaborado pela testemunha MJo… (directora de contabilidade do BPN), consta: “o diferencial entre o valor real dos terrenos e o valor escriturado foi regularizado com as facturas do BPN nºs 2160 e 2161” (bold nosso).
Esse diferencial, como foi explicado, corresponde ao montante de € 416.965,00.
- Apenso de busca 18 (efectuada na residência do arguido de LA…), doc.7, págs. 562 e 568 – 17.03.2003 - Fax do arguido TR… dirigido ao arguido OC…, com conhecimento aos arguidos LA… e RC…, no qual o arguido TR… refere as quantias que já despendeu e as quantias que recebeu ficando a faltar a quantia de € 416.965, ou citando “para poder concretizar a escritura dos terrenos descritos ser disponibilizado o diferencial entre o valor total e o já despendido ou seja (989.865,00 – 572.900,00 Euros) = 416.965,00 Euros”;
- Processo, vol.107.2, fls. 34.997 a 34.999, págs. 77 a 79 – 31.05.2012 – informação da PT nos termos da qual o n.º 225432798 (n.º que consta do fax mencionado como sendo do arguido RC…) teve por data de início de facturação o dia 23.04.2003;
- Apenso F, fls. 216, pág. 217 pdf – demonstração de resultados da sociedade offshore Jared - tem como custo o pagamento de € 426.965,00 à Labicer por conta do arguido TR…;
“En passant”, recorde-se que a Jared servia de “central de custos” ou “saco azul” do grupo SLN/BPN.
- Processo, vol. 158, fls.48700, fls. 48700, pág. 184 pdf (documento junto pela defesa do arguido em sede de julgamento) – 03.04.2003 – Nota de crédito do Banif da quantia de € 426.965,00 na conta do arguido TR… com parte manuscrita do seguinte teor:
 “LABICER – Pagamentos Terrenos – (Extra)
416.965,00 - deveria ter sido
426.965,00 – Pagaram
10.000,00 - Troco para pagamento p/conta dos juros que eu suportei”
(…) - Apenso de busca 18 (busca na residência do arguido LA…), doc.7, págs. 527 e 528 – 28.03.2003 - As facturas n.ºs 2160 e 2161 do BPN com anotações manuscritas “terrenos e aumento do capital”, as quais evidenciam, em pé de página e às avessas, elementos dos quais resulta que foram enviadas por fax do BPN – Presidente;         
(…)
Face a tudo que se deixou exposto, não subsistem quaisquer dúvidas de que o arguido TR… informou os arguidos LA… e RC…, os outros administradores da Labicer, que as facturas não correspondiam a reais serviços mas que se destinavam a compensar o BPN, SA pelo financiamento da aquisição dos terrenos.
Não obstante, os mesmos arguidos determinaram o pagamento das referidas facturas (ordem de 01.04.2003 assinada pelos arguidos TR… e LA…), o que só veio a ocorrer em 13.08.2003 (antes a conta da Labicer não tinha provisão) mediante transferência bancária para o BPN.
Tal quantia não reentrou na conta da Jared, no BPN Cayman, daí decorrendo que o pagamento inicial desta sociedade contribuiu para aumentar o débito a descoberto em tal conta:
- Apenso temático P, vol. 2, fls. 37, pág. 40 pdf – 01.04.2003 – fax do arguido TR… para o arguido FS…, com conhecimento aos arguidos LA… e RC…, solicitando transferência para pagamento das facturas “que enviou”, i.e., que o arguido FS… havia enviado anteriormente, e bem assim o envio dos originais das facturas;
- Apenso temático P, vol. 2, fls. 38, pág. 41 pdf – 01.04.2003 – fax remetido e assinado pelos arguidos TR… e LA… para o BPN, S.A. (RPe… – agência da Av. da República), solicitando, por débito da conta n.º … (conta da Labicer no BPN, S.A.), o pagamento das facturas do BPN;
- Apenso bancário 36, fls. 4 e 5, págs. 6 e 8 pdf – conta titulada pela da Labicer no BPN, S.A.:
- 02.04.2004 – débito do montante de € 508.088,35 (valor total das duas facturas, incluindo IVA), pagamento que viria a ser anulado no próprio dia, como decorre do respectivo extracto;
- 13.08.2003 – débito de igual quantia com o descritivo “PAGT Fact. 2160 e 2161 do BPN” e que corresponde ao efectivo pagamento das facturas;
E mais determinaram que as referidas facturas fossem contabilizadas pela Labicer como imobilizado incorpóreo, sendo consideradas despesas de instalação/ implementação da sociedade:
- Apenso temático AJ, fls. 56, pág. 57 pdf – 28.03.2003 - extracto de contas da contabilidade da Labicer – conta 243210 – IVA Ded (€ 39.900,00 + € 41.223,35), valores estes que correspondem aos montantes constantes das facturas n.ºs 2160 e 2161 a título de IVA;
E determinaram, ainda, que a Labicer deduzisse o IVA pago no montante de € 81.123,35, quando é certo que o mesmo não era dedutível:
- Apenso temático AJ, fls. 57 e 58, págs. 58 e 59 pdf – 12.05.2003 - declaração periódica do IVA com dedução de € 81.123,35 subscrito pela administração;
A nível da prova testemunhal, são relevantes as seguintes declarações:
MFe… (Foi administrador da Labicer no processo de criação da empresa e, passado 1 ou 2 anos saiu do Conselho de Administração. Foi administrador no início da Labicer até cerca de 1 ano depois):
A escolha, compra e pagamento dos terrenos foi um processo conduzido exclusivamente por TR…, que ia dando conta dos avanços das negociações.
Relativamente às facturas, referiu que quando havia a necessidade de se proceder a algum pagamento, havia uma ficha da sua direcção que era enviada para a contabilidade.
Confrontado com as facturas constantes do anexo AJ, pág. 36, explicou que não conhecia as facturas e tem a certeza que elas não saíram da sua direcção.
JF… (Trabalhou na Labicer entre 2002 e 2009. Era o responsável pela área de sistemas de informação que engloba toda a parte informática e todo o sistema de apoio à gestão):
Confirmou que foram feitos contratos-promessa de compra e venda dos terrenos em nome de TR… que passaram para a Labicer aquando das escrituras finais.
 TR… liquidava inicialmente os valores (financiamento directo da Labicer pelo BPN e depois Labicer reembolsava-o – havia uma conta corrente).
Confirmou os dados respeitantes aos adiantamentos feitos, preços declarados e preços da escritura.
Referiu ainda que a última coluna do documento exibido, (valores efectivamente pagos pela Labicer), contém o valor que ficou acordado pela venda dos terrenos. Tem conhecimento disso porque acompanhou as negociações e apontou os valores (teve acesso aos contratos-promessa e procurações).
A memória que tem daqueles valores (reais) corresponde à realidade porque, além de ter acompanhado as escrituras, procurações e até os próprios cheques, muitos deles foi a secretária que os passou e depois passou-os para as procurações.
Considera os valores como certos.
Todos os valores que estão no mapa foram pagos em cheque, sacados sobre a conta do Banif de TR…, cheques esses sacados pelo valor real.
MJo… (trabalhou na Labicer desde a sua fundação (2001) até 18.10.2013. Durante este tempo sempre foi directora financeira e responsável pelas contas da empresa (TOC). Todas as questões contabilísticas da empresa passavam por si.).
Quanto à compra dos terrenos:
Explicou que TR… tinha “carta branca” para negociar a compra dos terrenos (chegou a haver procuração com plenos poderes para ele comprar os terrenos).
Recorda-se de ter havido várias transferências do BPN para a Labicer e depois desta para TR… para ele poder negociar os terrenos.
Ouviu falar de pagamentos por fora relativamente às escrituras, muito mais tarde (2009). Nunca ouviu falar disso aquando das escrituras e das negociações.
Nunca lhe foi apresentado o valor de € 934.800,00.
O imobilizado corpóreo ficou sempre pelo valor próximo dos 570 mil euros.
Quanto aos faxes (facturas 2160 e 2161):
Sabe que que o indicativo 289 é do Algarve, sendo que o LA… trabalhava na Marina de Albufeira.
O indicativo 22 é do Porto e RC… trabalhava no Porto.
Relativamente ao documento constante do apenso P, vol. 10, pág. 36, explicou:
Não se recorda do documento em si, recorda-se da situação.
Havia uma diferença entre o valor escriturado e o valor pago aos vendedores.
Considerando que houve pagamentos suplementares aos vendedores, para regularizar este valor, foram emitidas estas facturas (2160 e 2161).
Recorda-se de umas facturas que vieram do BPN por fax, sendo que os originais nunca foram remetidos.
A propósito disso, referiu que havia documentos que não passavam pelo departamento financeiro, iam directamente para a administração que tratava deles e depois mandava “para dentro para eles contabilizarem”.
No que concerne a outros documentos:
- apenso AJ págs. 41, 39 (o último está assinado por TR… e LA…).
- busca 18, doc. 7, pág. 526 pdf:
Este layout era típico do seu departamento.
Esta tramitação de pagamentos “na hora” não era normal.
Isto foi um caso excepcional.
As facturas fazem referência a “contrato oportunamente celebrado” mas, pessoalmente, não conhece nenhum contrato.
As facturas necessitam da documentação de suporte, porém, não a conhece.
Era da responsabilidade do departamento financeiro ter a documentação de suporte.
À partida o IVA destas facturas foi deduzido.
A Labicer beneficiou do crédito do IVA pago naquelas facturas.
Mais esclareceu, relativamente às facturas:
Pediu os elementos de suporte à administração das facturas 2160 e 2161, mas nunca lhe deram.
Admitiu, em julgamento, que pudessem ser confidenciais.
Perguntada, respondeu que tinha acordo de confidencialidade com a empresa Labicer durante 20 anos, não encontra explicação para o facto de, como directora financeira, não lhe terem dado esses elementos, caso existissem.
Já na parte final da sua inquirição, mudou um pouco a sua versão, referindo que não se lembra se pediu ou não à administração os documentos de suporte das facturas, esclarecendo que esse seria o comportamento normal a adoptar por si.
Referiu ainda que a situação daquelas facturas foi “especial” porque veio por fax e foram logo pagas.
LP… (foi presidente do Conselho de Administração da Labicer entre 3.4.2009 e 30.11.2011):
Explicou que foi para a Labicer com 3 objectivos específicos que lhe foram definidos:
1) Apurar tudo o que se tinha passado desde a sua constituição;
2) Tomar medidas de gestão para a empresa a nível operacional ser viável do ponto de vista económico/financeiro;
3) Se viável, vender a empresa;
Quanto aos terrenos adquiridos para a construção da unidade fabril apurou:
Foram entregues € 572.900,00 a TR… para ele, a título particular, começar a comprar terrenos numa determinada zona, na expectativa de que a Câmara autorizasse a instalação nesses terrenos da unidade fabril.
Da conta da Labicer, após a sua constituição, foram retiradas várias verbas para a conta de TR… que perfazem aquele montante.
Confirmou as contas de TR… quanto aos 416.965 euros, face aos registos constantes da empresa.
Mais referiu que, do ponto de vista jurídico e contabilístico, a Labicer apenas pode registar na contabilidade aquilo que está na escritura.
Alguém teve que suportar o diferencial entre o valor das escrituras e valor real pago, mas não sabe quem foi.
No que concerne às facturas 2160 e 2161:
Quando obteve na empresa a fotocópia destas facturas, teve a iniciativa de procurar saber se havia ou não os desenvolvimentos técnicos da cerâmica ou a assessoria jurídica e os contratos a que elas faziam referência.
GS… era o responsável pela direcção de contabilidade do BPN e, em 28.9.2009, enviou um mail a MMo… em que perguntou pelos documentos subjacentes a estas facturas, designadamente dos contratos.
Obteve resposta de MMo… no sentido de que não conhecia os contratos, sendo certo que este prestou apoio à empresa em candidaturas.
Por telefone contactou GS… (director de contabilidade do BPN) que lhe disse que emitia as facturas consoante as ordens que lhe davam e não tinha conhecimento de qualquer contrato. Limitou-se a emitir as facturas em consonância com as ordens internas do Banco que lhe tinham sido dadas.
Afirmou também a testemunha que na Labicer não consta qualquer documento de suporte destas facturas.
Mais explicou:
Estas facturas apareceram inicialmente por fax enviados pela administração do BPN na Avenida da República.
Na sequência da recepção por fax, TR…, no mesmo dia, emitiu uma ordem de transferência para pagamento das facturas, que ele próprio assinou, e mandou por fax para a Marina de Albufeira onde estava LA…. Este assina e devolve o fax no mesmo. Ainda no mesmo dia, TR… envia um fax o FS…, com conhecimento a LA… e RC…, que, pelo conteúdo, indica que o fax inicial foi enviado por FS….
Especificou ainda que MJo… o informou que os três “vistos”/”certos” manuscritos é a confirmação típica de TR… de que enviou o fax a 3 pessoas.
AFo… (Na Socerfin era o director de assuntos jurídicos e contencioso, funções que manteve no banco até ser nomeado administrador em 2003. Foi administrador do BPN, S.A., desde 2003 até 24.6.2008. Tinha o pelouro da direcção de assuntos jurídicos e contencioso e recuperação de crédito):
Quanto às facturas 2160 e 2161 pronunciou-se no seguinte sentido:
Neste caso, da Labicer, da facturação de serviços jurídicos prestados, MMo… disse à testemunha que isso foi feito a pedido do Presidente do BPN.
A sua direcção não elaborava facturas autónomas de serviços jurídicos prestados. Os serviços jurídicos eram incluídos nos serviços económico-financeiros.
As facturas em questão foram emitidas pela contabilidade e a decisão de facturar foi do Presidente (OC…).
O descritivo de uma das facturas não é o mais exacto (a empresa Labicer já estava constituída, o que precisava era de operar, a análise foi essencialmente técnica; a assessoria jurídica foi essencialmente a nível de negociações com os italianos).
Não foi a testemunha que determinou que a facturação fosse feita, a descrição não se ajusta e o texto não foi indicado pela sua direcção.
As reuniões, embora penosas, não justificavam este montante de facturação.
Também nunca indicou à contabilidade uma relação dos serviços jurídicos prestados à Labicer, tipo nota de honorários.
Nunca faziam facturas autónomas de prestação de serviços jurídicos, esses valores eram sempre incluídos na facturação dos serviços técnicos.
Houve necessidade de recorrer a especialistas em matéria fiscal, designadamente GS… e um quadro do BCP.
No fundo, existiu uma assessoria jurídica a nível fiscal.
Não consegue quantificar o valor destes serviços.
Por todos os serviços prestados da sua parte e da sua equipa na assessoria jurídica à Labicer e a TR…, entende que um valor de honorários de 120 mil euros seria bem pago.
Voltou a frisar que não elaborou a factura 2161 e não deu quaisquer indicações para a sua elaboração.
Aquela factura pelos serviços prestados pelo banco, por todos os serviços prestados a nível jurídico, 120 mil euros já era “muito bom”.
De toda a prova produzida, não subsistem quaisquer dúvidas, como salientado e explicado, de que as 2 facturas não correspondem a quaisquer serviços prestado à Labicer.
Questão que será um pouco mais controversa prende-se com o saber se os arguidos LA… e RC… tinha conhecimento deste circunstancialismo e, apesar disso, determinaram o pagamento das facturas por acordo com o arguido TR….
Os elementos probatórios evidenciados apontam inequivocamente nesse sentido.
Em reforço, dir-se-á:
Os arguidos RC… e LA… outorgaram as escrituras de compra e venda dos terrenos, logo, sabiam dos valores que tinham sido pagos aos vendedores.
As cópias das facturas foram apreendidas na residência do arguido LA…, o que é demonstrativo de que, de facto, elas foram enviadas ao próprio e ao arguido RC… como delas consta.
E eram administradores da Labicer, essencialmente por conta do grupo SLN/BPN, que era quem detinha a maioria do capital social da Labicer.
Mais sabiam dos valores que o arguido TR… reclamava receber, valores coincidentes com o valor global das facturas, sem IVA.
Perante este circunstancialismo e demais elementos probatórios indicados, não podiam desconhecer que as facturas não correspondiam a quaisquer serviços prestados e, apesar disso, não se opuseram ao seu pagamento. Pelo contrário, o arguido LA… até solicitou esse pagamento em conjunto com o arguido TR….
Afirmar que nada sabiam seria um contra-senso ao arrepio de elementares regras da experiência comum, da lógica e máximas da vida.
Em suma: face ao exposto, conclui-se pela prova integral dos factos 794º a 804º da pronúncia (v. factos provados 742 a 752).”

b. Face ao que se deixa transcrito é manifesta a sem razão do por si invocado.

xi. Alega o arguido RD… que o tribunal “a quo”, apesar de referir a fls. 1228 que “Mais tarde, como será analisado a propósito de outra factualidade para cuja motivação se remete, formularam o propósito de vir a tirar proveitos pessoais em troca da colaboração ao BPN e das facilidades dadas ao financiamento da LABICER (art. 784º da pronúncia; v. facto provado 732 e facto não provado 254), jamais estabelece tal motivação.
Não lhe assiste razão.
Na verdade, o ponto 732 dos factos provados tem a seguinte redacção:
“Dos referidos accionistas formais da Labicer, os também arguidos TR… e RD… passaram a exercer cargos de administração na Labicer, formulando o propósito de vir a tirar proveitos pessoais da colaboração prestada ao BPN e das facilidades de financiamento que este concedia ao projecto da Labicer”.
Ora, a concretização desse plano mostra-se consignada – no que a este arguido se refere – nos pontos 908 a 922 e devidamente debatido a fls. 1.453 a 1.460.
Tudo o demais que o arguido argui, nesta sede, reporta-se à sua crítica quanto à convicção alcançada pelo tribunal “a quo” (o que a apreciação da prova deveria ter determinado e não determinou), o que não é fundamento de nulidade.
Não assiste pois razão ao recorrente no que afirma.

xii. Assim, em síntese final e a propósito desta sub questão (nulidade por falta de fundamentação):
a. Na esteira do acórdão do STJ de 8.1.2014, dir-se-á que o dever de fundamentar as decisões judiciais mostra-se plenamente observado quando a decisão recorrida assenta num amplo leque de provas, desde a documental, testemunhal, à pericial e por reconhecimento, a que se associam e conjugam, interagindo, meios de obtenção de prova, deles se servindo para, depois de lhes atribuir o valor que merecem e repudiando, em valoração subsequente, o que não comportam, fixar em definitivo, os factos relevantes à decisão da causa, sem deixar de pôr, portanto a descoberto o processo lógico-racional que norteou o tribunal.
O juiz examina a prova e depois manifesta uma opção de sentido e valor, e essa tarefa não dispensa que ao fixar os seus elementos de convicção o faça de forma clara. Por isso a fundamentação decisória deve reconduzir-se a uma exposição tanto quanto possível completa, porém concisa das razões de facto e de direito - art.º 374.º n.º 2, do CPP - evitando uma alongada reprodução da matéria de facto, exigindo-se só um trabalho de síntese, de selecção, conexo e explicativo do processo decisório, dispensando a enumeração pontual, à exaustão das fontes em que o julgador se ancorou. Exige-se, assim, um exame crítico das provas que serviram para formar a convicção probatória, de valoração livre, porém racional, à margem do capricho do julgador, antes objectivada e apoiada num processo lógico que analisa e confronta os elementos recolhidos, exame este balizado pelas regras da lógica e da experiência comum (ou seja, daquilo que comummente sucede).

b. No caso vertente, as críticas que os recorrentes apontam como fundadoras de tal nulidade de fundamentação mostraram-se, como acima se expôs, sem bases que as sustentem.
De facto, basta ler a fundamentação da convicção, explanada pelo tribunal “a quo”, para se poder concluir, sem qualquer dificuldade, que os requisitos legais acima expostos se mostram integralmente cumpridos, pois aí se mostra vertida a prova produzida, bem como o seu conteúdo, procedendo-se ao debate e confrontação do mesmo, correlacionando-o entre si, com apelo às regras de experiência comum.

c. Torna-se assim claramente exequível, mesmo para quem não assistiu ao julgamento, perceber as razões que levaram a 1ª instância a decidir a matéria fáctica que deu como provada e não provada, bem como os fundamentos para as integrações jurídicas que realizou.
E tanto assim é que, ao longo dos seus recursos, se mostra igualmente perfeitamente perceptível que os próprios recorrentes compreenderam a fundamentação – o que sucede é que não a aceitam como correcta.

d. Mas essa discórdia não é fundamento para assacarem as nulidades que invocam.
De facto, na apreciação da nulidade por falta de fundamentação não se trata de discutir o bem-fundado da decisão exarada na sentença, mas apenas de saber se o tribunal formulou juízo lógico-racional, de forma a afastar a crítica da arbitrariedade. Assim, se a fundamentação realizada pelo tribunal “a quo” se apresenta como detalhada e compreensível o seu conteúdo, mostra-se cumprido o encargo de fundamentar, sendo que a discordância quanto à convicção ou quanto à análise jurídica não permite afirmar que não foi (ou não foi suficientemente) efectuado o exame crítico.

e. Conclui-se, assim que se mostra cumprido o dever de enunciação previsto no artº 374 nº2 do C.P.Penal, pelo que, nesta parte, se terá de entender inexistirem as invocadas nulidades, previstas no artº 379 nº1 al. a) do mesmo diploma legal.

5. Da nulidade do acórdão por omissão e por excesso de pronúncia.

i. O vício de omissão de pronúncia traduz-se numa ausência, numa lacuna, quer quanto a factos, quer quanto a consequências jurídicas; isto é, verificar-se-á quando se constatar que o tribunal não procedeu ao apuramento de factos, com relevo para a decisão da causa que, de forma evidente, poderia ter apurado e/ou não investigou, na totalidade, a matéria de facto, podendo fazê-lo ou se absteve de ponderar e decidir uma questão que lhe foi suscitada ou cujo conhecimento oficioso a lei determina.
Assim, para que se verifique a nulidade da sentença por omissão de pronúncia, é necessário que o Tribunal deixe de se pronunciar sobre questões pertinentes para o objecto do processo, tal como delimitado pela acusação e pela contestação (bem como, em existindo, pelos articulados relativos ao pedido de indemnização civil).
A eventual não ponderação de algum argumento, tese ou doutrina esgrimidos pelos sujeitos processuais escapa ao referido vício decisório, desde que a questão colocada e em cuja discussão se insira seja efectivamente apreciada e decidida. Este é um entendimento pacífico e generalizado, a nível jurisprudencial, como nos dá conta, entre muitos outros, o Ac. do STJ de 02/02/2006; vide ainda Pº 05P2646, relator Cons. Simas Santos. - A nulidade resultante de omissão de pronúncia verifica-se quando o tribunal deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento (al. c) do n.º 1 do art. 379.°), sendo certo que não se tem por verificada quando o tribunal deixa de apreciar algum ou alguns dos argumentos invocados pela parte tendo em vista a decisão da questão ou questões que a mesma submete ao seu conhecimento, só ocorrendo quando o tribunal deixa de se pronunciar sobre a própria questão ou questões que lhe são colocadas ou que tem o dever de oficiosamente apreciar, entendendo-se por questão o dissídio ou problema concreto a decidir e não os simples argumentos, razões, opiniões ou doutrinas expendidos pela parte na defesa da sua pretensão e acórdão do STJ de 24.10.2012, processo nº 2965/06.0TBLLE.E1). 
Por seu turno, o excesso de pronúncia configura-se como o vício que decorre do facto de o tribunal conhecer questões de que não podia tomar conhecimento, por ultrapassarem o thema decidendum e/ou por não serem de conhecimento oficioso.

ii. Em sede criminal considera-se que, para efeitos de averiguação da violação de qualquer um daqueles dois limites que a lei impõe ao julgador, se terá de atender ao objecto do processo, sendo entendimento pacífico que o mesmo se fixa com a acusação ou, existindo, com a pronúncia. Ficam então delimitados os poderes de cognição do tribunal, assim se consubstanciando os princípios da identidade, da unidade e da indivisibilidade do objecto do processo penal.

iii. Isso significa que a actividade do tribunal, quer no que respeita à investigação quer à prova da verificação factual, não pode sair fora dos limites traçados pela acusação, tendo de se confinar à mesma, sob pena de nulidade (excepto nos casos especificamente ressalvados pela lei processual penal, em que é admissível proceder-se a uma alteração dos factos – arts. 303.º, 309.º, 358.º e 359.º). Por isso se diz que o objecto do processo tem de se manter o mesmo – eadem res – desde a acusação até ao trânsito em julgado.

iv. O excesso de pronúncia consubstancia-se então no conhecimento de uma questão ou de matéria factual que se mostre vedada à apreciação do tribunal, por não ter sido suscitada e/ou não ser de conhecimento oficioso.
Assim, para que se verifique esta nulidade, é necessário que o Tribunal tenha proferido decisão não abrangida pelo objecto do processo, consoante resulta da acusação. De igual modo, para que ocorra omissão de pronúncia, necessário se mostra que o julgador tenha deixado de se pronunciar sobre matéria factual relativa ao objecto do processo ou sobre questão directamente decorrente do mesmo (ainda que de foro estritamente jurídico).
Posto este intróito, vejamos então.

v. Alega o arguido JO… que ocorre omissão de pronúncia:
a. No que concerne à inexistência de qualquer prejuízo para o BPN, SA emergente da concessão dos créditos pelo Banco Insular e/ou da celebração com este Banco do contrato da cessão daqueles créditos e as posteriores cessões de créditos celebradas entre o BPN, SA e a PARVALOREM – artigo 379.º, n.º 2, al. c), do CPP, expressamente reconhecida no ac. rec. a fls. 647 e alegada nos artigos 69.º a 74.º da defesa relativa à alteração não substancial dos factos (sendo a pertinência da questão reconhecida por despacho de fls. 45.706, vol. 146, de 22.04.2014).

a. Não assiste razão ao recorrente.
O tribunal “a quo” não deixou de apreciar a questão que o recorrente suscita – a de que inexistiria prejuízo para qualquer das sociedades pertencentes ao Grupo SLN/BPN, em especial para o BPN, por virtude das operações de concessão de mútuos, de descoberto autorizado ou através de c/c/c que a factualidade apurada descreve, realizadas via Banco Insular.
O que o tribunal “a quo” fez foi entender que esse prejuízo efectivamente se verificava, uma vez que a enorme maioria dos montantes “financiados” nunca foram pagos. E que, à data da acusação, se encontravam em dívida perante o BPN SA, por força da dação de créditos, após cessação da licença bancária conferida ao Banco Insular.
E esta é uma constatação que é igualmente suportada pela apreciação do teor quer do contrato de dação de créditos ao BPN, quer do contrato de cessão de créditos à sociedade Parvalorem, uma vez que toda esta documentação se mostra junta aos autos.
Na verdade, o arguido demitiu-se das suas funções no grupo SLN/BPN em Fevereiro de 2008 e a acusação foi proferida em 21 de Setembro de 2009.
Por seu turno, a cessão de créditos que invoca (venda do crédito mal parado do BPN. SA, entre o qual se encontrava o crédito originariamente concedido pelo Banco Insular, que havia sido transferido para o BPN por dação, também após a saída do Grupo do arguido JO… e independentemente da vontade ou iniciativa deste) à sociedade Parvalorem (sociedade veículo detida a 100% pelo Estado) ocorre em 23 de Dezembro de 2010.
Como expressamente decorre da respectiva escritura (vide vol. 130, fls. 41.177 e segs.), essa cessão destinou-se a:
Tomar medidas que permitissem a reprivatização do BPN (após nacionalização de todas as acções do capital social ocorrida em 12.11.2008), o que implicava a necessária capitalização de tal instituição (ou seja, pressupunha a sua presente descapitalização) e reposição de capitais próprios a nível regulamentar;
Para esse fim foi constituída a Parvalorem, a quem foram cedidos – após segregação – um conjunto de activos do balanço individual e consolidado do BPN designadamente créditos, sendo certo que os critérios de selecção dos mesmos foram: crédito vencido superior a 90 dias, crédito em contencioso, créditos com taxa de imparidade superior a 25% e com imparidades superiores a 500 mil euros e créditos em grau de vigilância “extinção”.
O que daqui decorre, desde logo, é que os créditos cedidos à Parvalorem eram, manifestamente, os que se encontravam, em tal data, por cobrar e, sejamos claros, cuja futura cobrança se mostrava duvidosa – basta atentar nos critérios que presidiram à sua segregação. Por seu turno, o preço da cessão de créditos foi pago com fundos obtidos pela Parvalorem junto da CGD, designadamente no quadro e para os efeitos do artigo 65 da Lei n.º 3-EI/2010. E esta cedência foi realizada de modo a viabilizar a venda do BPN, minimamente capitalizado, a terceiros.
Como resulta igualmente da leitura do sobredito contrato, nomeadamente das suas cláusulas 2ª nº4 e 3ª nº1, o preço da transmissão de cada crédito correspondeu ao respectivo preço do crédito.
Daqui decorre que o valor aí constante (venda ao par) não corresponde ao seu efectivo valor de mercado, tendo sido apenas um “preço de conveniência”, cujo objectivo era o de evitar que, caso fosse inferior (ou seja, mais próximo da real valia de tais créditos) o BPN acumulasse ainda maiores prejuízos e necessitasse, por virtude de tal, de ainda maior recapitalização.
Assim, constata-se que essa cessão à Parvalorem, no que ao objecto do processo se refere, é absolutamente indiferente, pois da mesma não resulta (ao inverso do que o arguido pretendeu convencer) que os ditos créditos teriam, em 2010, realística e verdadeiramente, o valor pelos quais foram cedidos; isto é, que inexistiria a situação de prejuízo que o tribunal “a quo” afirma verificar-se.
Tendo o tribunal apreciado os elementos probatórios e explicado porque razão entendeu que tal prejuízo se verificava, é manifesto que tal corresponde à fundamentação da sua convicção em sentido inverso àquele que o arguido propugna, o que não integra qualquer omissão de pronúncia, antes se reconduzindo ao alcançar de um convencimento que vai em sentido diverso do que o arguido defende.
Não ocorre, portanto, nenhuma omissão de pronúncia a ser suprida.
 
b. No que concerne à questão da dedução dos custos diferidos lançados na contabilidade da LABICER de forma a que, no ponto 808 da matéria de facto, o valor contabilístico das acções passe a ser negativo à data do negócio com TR… – artigo 379.º, n.º 1, al. c), do CPP.
 Como se constata pela leitura da pronúncia, o artº 861º tinha a seguinte redacção:
Por esse motivo, as acções da LABICER foram avaliadas a 2,60€ por acção, valor que os arguidos sabiam ser desfasado com a realidade, uma vez que as acções tinham um valor contabilístico negativo e a empresa se encontrava em falência técnica, de tal forma que, cerca de um ano depois, os mesmos arguidos consideraram que as acções já só valiam 1,60€ cada.”
Como se constata pela leitura do ponto 808 da matéria de facto dada como provada, o seu teor é o seguinte:
Por esse motivo, as acções da LABICER foram avaliadas a 2,60€ por acção, valor que os arguidos OC…, FS… e TR… sabiam ser desfasado com a realidade, uma vez que as acções tinham um valor contabilístico negativo e a empresa se encontrava em falência técnica, de tal forma que, cerca de um ano depois, os mesmos OC… e FS… consideraram que as acções já só valiam 1,60€ cada.”
O que decorre da confrontação entre as duas redacções, no que ao arguido JO… concerne, é que a matéria factual cuja prática lhe era imputada nesse ponto se manteve inalterada, entre a pronúncia e o acórdão condenatório.
O que sucede é que o arguido não concorda com a convicção alcançada pelo tribunal “a quo” quanto a esse facto (pois pretende discutir qual o real valor de tais acções) mas isso é matéria para reapreciação probatória e não para nulidade.
Não existe, pois, no que a esta questão se refere, omissão de pronúncia.

vi. Prossigamos.
a. Entende o recorrente JV… que o tribunal “a quo” deveria ter aferido da competência jurisdicional territorial da lei penal portuguesa, quanto aos factos praticados fora do território português e da jurisdição penal portuguesa (artigos 4º, 5º, 6º e 7º do C.Penal), no que concerne às condenações de que foi objecto (falsificação, burla e abuso de confiança), o que consubstancia uma nulidade.

b. Não se verifica a nulidade arguida, uma vez que no rol de exigências constante no nº2 do artº 374 do C.P.Penal não se mostra incluída a questão que o arguido apenas agora, em sede de recurso, menciona. Se a queria ver debatida, deveria tê-lo feito oportunamente, uma vez que desde a pronúncia – logo na sua primeira página– houve decisão a propósito da competência do tribunal para o julgamento da integralidade dos factos que se mostravam vertidos na acusação (nos quais se incluíam, obviamente, os relativos ao arguido).
Na verdade, as nulidades na legislação portuguesa conformam-se ao princípio da legalidade, expresso no artº 118 do C.P.Penal (a lei adjectiva penal consagrou, em matéria de invalidades, o princípio da legalidade, segundo o qual a violação ou a inobservância das disposições da lei do processo penal só determina a nulidade do acto quando esta for expressamente cominada na lei, sendo que nos casos em que a lei não cominar a nulidade o acto ilegal é irregular – nºs 1 e 2 do art. 118° do C.P.Penal).
Por seu turno, não foram suscitadas questões de competência ou de aplicação de lei no espaço, cujo conhecimento o tribunal “a quo” tenha omitido.
E não estamos perante questão de conhecimento oficioso imposta ao julgador “a quo”, uma vez que a atribuição de competência já se mostrava definitivamente determinada à data em que ocorreu a prolação da decisão condenatória ora alvo de recurso.

c. Diga-se, apenas, “en passant”, que  aqui se reafirma o que já se deixou supra mencionado a este respeito - se é verdade que parte dos actos de execução foram pelo arguido praticados em Cabo Verde, resulta igualmente da decisão recorrida que a consumação de tais ilícitos ocorreu em Portugal, como infra melhor se analisará, em sede de enquadramento jurídico dos factos (para além da circunstância de os crimes de burla e de falsificação terem sido cometidos em co-autoria e de todos os ilícitos terem violado bens jurídicos de lesados que se encontravam tutelados pela ordem jurídica portuguesa – accionistas, depositantes, Estado e sociedades em Portugal residentes ou sediados).
De facto, o próprio tribunal “a quo” debruça-se sobre esta questão, ao entender que o Banco Insular é um activo do Grupo SLN/BPN, uma sua filial, para todos os efeitos, desde Dezembro de 2001, sendo certo que esse grupo é uma pessoa colectiva com sede em território português – vide artº 5 do C.Penal. E mais: de acordo com o que se mostra exarado na fundamentação da convicção do tribunal “a quo”, o arguido JM…, em julgamento, admitiu precisamente ser essa a situação do Banco Insular: “Na prática, o que acabou por acontecer foi um controlo do Banco Insular pelo grupo BPN/SLN sem que este estivesse ligado formalmente a esse controlo. (…) Tinha consciência perfeita de que o BPN através do parqueamento de operações no Banco Insular estava a tentar evitar o controle pelo Banco de Portugal.Tinha conhecimento das operações de crédito que eram lançadas pelo BPN, procedia ao seu registo e aprovava-as em acta do Banco Insular.”.

d. Inexiste, pois, o vício de nulidade imputado.
6. Da nulidade do acórdão por condenação por factos diversos dos descritos na pronúncia, fora dos casos e das condições previstos nos artigos 358.º e 359.º.

i. Cumpre fazer um pequeno preâmbulo à apreciação das questões propostas nesta sede, destrinçando, desde logo, as diferenças entre o vertido no artº 358 e o constante no artº 359, ambos do C.P.Penal (sem prejuízo do que supra já se mencionou, no âmbito da decisão do recurso interlocutório nº 26; bem como do que  infra se dirá – porque esta é uma questão recorrente em termos dos recursos apreciados no âmbito deste acórdão – a propósito desta questão, em sede da apreciação das questões de direito, a propósito do crime de falsificação de documentos: vide I. §. A., para cujo teor aqui se remete).
De facto, consoante estejamos perante uma situação prescrita no artº 358 ou no artº 359 do C.P. Penal, o legislador determina os procedimentos e as consequências que daí advirão, impondo ao juiz o cumprimento de certos requisitos e exigências.
E, diga-se, mesmo no âmbito de situações que se englobam na mesma previsão – como é o caso das situações em que ocorre alteração substancial dos factos (artº 359 do C.P. Penal) - dependendo das circunstâncias, a solução jurídica não é unívoca.
Expliquemos sucintamente porquê.

ii. Ao abrigo da nossa legislação processual penal, constata-se que a alteração da qualificação jurídica, por poder ser determinada por factores diversos, tem um tratamento jurídico distinto.

iii. Estaremos no âmbito do disposto no artº 358 do C.P. Penal (vide, a contrario, artº 359 e artº 1º al. f) do mesmo diploma legal) se essa alteração resultar da factualidade que já consta ou da acusação ou da pronúncia - sem que os factos que aí se mostram vertidos sofram qualquer modificação - ainda que da mesma venha a resultar condenação por crime mais fortemente punido.

iv. Estaremos no âmbito de uma alteração substancial de factos, consignada no artº 359 do C.P. Penal se essa alteração resultar de uma modificação factual face à acusação ou à pronúncia - designadamente, por virtude do aditamento de factos, para além dos que já constavam nas imputações - e se tal modificação determinar que, em sede de enquadramento jurídico, o crime que vinha imputado ao arguido será mais fortemente punido.

vi. Estipula o art 359 do C.P. Penal o seguinte:
1 - Uma alteração substancial dos factos descritos na acusação ou na pronúncia não pode ser tomada em conta pelo tribunal para o efeito de condenação no processo em curso, nem implica a extinção da instância.
2 - A comunicação da alteração substancial dos factos ao Ministério Público vale como denúncia para que ele proceda pelos novos factos, se estes forem autonomizáveis em relação ao objecto do processo.
3 - Ressalvam-se do disposto nos números anteriores os casos em que o Ministério Público, o arguido e o assistente estiverem de acordo com a continuação do julgamento pelos novos factos, se estes não determinarem a incompetência do tribunal.
4 - Nos casos referidos no número anterior, o presidente concede ao arguido, a requerimento deste, prazo para preparação da defesa não superior a 10 dias, com o consequente adiamento da audiência, se necessário.

vii. Tem vindo a ser entendimento constante dos tribunais superiores, em especial do STJ (vide C.P. Penal Comentado, António Henriques Gaspar e outros, comentário aos artºs 358 e 359, Juiz-conselheiro Oliveira Mendes, cujo teor seguiremos de perto), que nos casos de alteração substancial - isto é, no âmbito das situações que se integram no disposto no artº 359 do C.P.Penal - haverá que distinguir entre duas situações, consoante os novos factos, resultantes da audiência de julgamento, sejam ou não autonomizáveis em relação ao objecto do processo, a saber:
A. Se essa nova factualidade poder ser autonomizada daquela que já se mostra em apreciação pelo tribunal, isto é, se estivermos perante factos que, em si mesmos, integram a prática de um tipo criminal, quando isoladamente considerados:
a. O tribunal deve dar conta aos sujeitos processuais de tal potencial ocorrência (potencial porque a mesma só se confirmará ou infirmará, isto é, só terá concretização jurídica na decisão condenatória que haverá de vir a ser proferida) e daí, das duas uma:
b. Se todos os sujeitos a tal derem o seu expresso consentimento, o julgamento poderá prosseguir para apreciação desses novos factos, podendo ser dado ao arguido um prazo de até 10 dias (caso o requeira) para preparar a sua defesa (cumprindo-se, obviamente, as questões relativas à competência do tribunal ou fazendo o Mº Pº uso do disposto no artº 16 nº3 do C.P. Penal);
c. Se não houver unanimidade no consentimento (isto é, para tal bastando que um dos sujeitos processuais não dê o seu expresso consentimento), o tribunal “a quo”, em sede decisória (sentença ou acórdão, pois apenas nesse momento processual se fixa a convicção do julgador, em termos de matéria factual apurada), deve dar conta dessa nova matéria, das consequências jurídicas que daí decorrem, da comunicação feita aos sujeitos e falta de consentimento para a prossecução do julgamento por esses novos factos, comunicando os mesmos ao Mº Pº, comunicação esta que tem o mesmo valor da denúncia, para instauração do inquérito.
B. No caso inverso – isto é, quando os novos factos não são autonomizáveis, porque não podem ser isolada e autonomamente considerados como preenchendo a prática de um ilícito, antes se mostrando estreitamente correlacionados com a factualidade que já constava na acusação ou na pronúncia, a solução é algo diversa, a saber:
a. O tribunal, após dar conhecimento da potencial alteração e do teor desses factos, bem como da sua natureza não autonomizável, face ao processo que tem de julgar, deverá perguntar se os sujeitos processuais dão ou não o seu acordo para que possa atender a essa nova factualidade:
b.  Havendo consentimento unânime, terá os mesmos em consideração em sede decisória;
c. Não havendo consentimento unânime, o tribunal procederá à elaboração da decisão (sentença ou acórdão), mas na mesma apenas poderá considerar a factualidade que já constava ou da acusação ou da pronúncia; isto é, não poderá atender (embora tenha de os consignar em sede de matéria de facto provada, caso entenda que se mostram assentes face à prova produzida) a tal alteração, para efeitos de condenação.
Estamos agora em condições de proceder à apreciação das questões que os arguidos propõem.

viii. Entende o arguido JO…:
A. Que ocorreu a violação prevista no artº 379.º, n.º 1, al.b), do C.P.Penal porque (pese embora todos os pontos que refere tenham sido objecto do despacho proferido em 15.11.2016 - comunicação ao arguido de alteração da qualificação jurídica) o valor julgado como provado no ponto 210 da matéria de facto (fls. 55 do Ac.) foi alterado, passando de “788 milhões de euros” (artigo 219.º da pronúncia) para “725 milhões de euros;” de igual modo ocorreu tal violação, no que se refere ao ponto 211 da matéria de facto provada no acórdão, tendo ao arguido apenas sido comunicado que, no artigo 219.º da pronúncia onde consta “não cobráveis os montantes em dívida” poderá resultar provado “não cobráveis parte dos montantes em dívida” sem especificação da eventual alteração do valor do crédito concedido ali alegado.

A’. Salvo o devido respeito, é manifesta a sem razão do recorrente.
a. Na verdade, o tribunal “a quo”, ao proceder à apreciação do primeiro ponto de facto que o recorrente refere (218 da pronúncia e 210 dos factos provados do acórdão), deu como assente um valor inferior ao que vinha imputado e que era de 788 milhões de euros (210) Assim, por intervenção dos arguidos OC…, LC… e FS…, foi concedido em fora de balanço, um montante total de crédito de 725 milhões de euros).

b. Basta a leitura da pronúncia para se concluir que a averiguação do quantitativo em causa se engloba na matéria fáctica a apurar. Daqui decorre que essa apreciação não é, propriamente, um facto novo, mas uma mera decorrência da obrigatoriedade de apuramento de uma das partes que constituem o thema decidendum, fixado na pronúncia.
No caso concreto, essa averiguação determinou que o tribunal “a quo” desse como assente que o valor em dívida seria inferior, em cerca de 53 milhões de euros, ao que vinha imputado em sede de pronúncia.

c. De igual modo, mutatis mutandis se dirá, no que se refere à inserção, no âmbito do segundo ponto a que o recorrente alude (219 da pronúncia e 211 dos factos provados do acórdão), da palavra “parte”, pois o que essa inserção determina é um minus em relação ao que lhe vinha imputado. E essa inserção mostra-se necessária precisamente porque, face à apreciação probatória realizada, o tribunal “a quo” concluiu que os arguidos não tiveram, em relação a todos os montantes em dívida transitados dentro e fora do balanço, interesse em os tornar não cobráveis, sendo certo que, face à análise da matéria dada como assente, resulta quais os montantes que correspondem a essa parte.

d. Ora, essas diferenças quantitativas não alteram a qualificação jurídica dos factos, nem – em bom rigor – trazem nenhuma novidade à descrição constante na pronúncia, no que respeita ao comportamento típico imputado ao arguido.
Para além do mais, essas diferenças reconduzem-se, em última instância, em benefício do próprio arguido, uma vez que o valor em dívida é inferior ao que lhe imputava a pronúncia e o interesse em os tornar não cobráveis é também menor.

e. A razão de ser do vertido no artº 358 do C.P. Penal prende-se com a sustentação de dois elementos basilares, pressupostos de um processo penal justo, que se reconduzem à estabilidade temática e à possibilidade do exercício do contraditório. 
No caso que apreciamos não se vislumbra, de todo, em que é que as referidas rectificações podem abalar, infimamente que seja, qualquer um destes pressupostos. Nem, de igual modo, se consegue sequer conceber em que é que a mesma pode afectar a mais mínima das garantias de defesa do arguido, já que, de facto, o arguido defendeu-se do mais (o que constava na pronúncia), neste mais se incluindo todos os créditos individualizados concedidos fora do balanço. E foi pelo menos parcialmente bem sucedido, já que se provou menos do que o que lhe era aí imputado.
Assim, se se podia defender quanto à existência de todos, não vemos como seria sequer exigível a comunicação prevista em tal artigo 358 do C.P.Penal e ainda menos divisamos como se pode alegar que a ausência de fixação de uma expressão numérica, nessa comunicação, a invalidaria…

f.  Entendemos pois que, quanto a estes pontos e a estas modificações, nem sequer era exigível o cumprimento da comunicação prevista no artº 358 do C.P.Penal (o que, no caso, nem sequer tem grande relevância, uma vez que o tribunal “a quo” procedeu a tais comunicações).

g. Na verdade, o artº 358 do C.P. Penal apenas tem aplicação nos casos em que a alteração não substancial tenha relevo para a decisão da causa ou se verifique uma alteração da qualificação jurídica e esta se mostre mais gravosa para o arguido mas, como se viu, não é de todo o que sucede nestes casos.

h. E, neste circunstancialismo, é jurisprudência pacífica, já há muito firmada, que não há lugar ao cumprimento do disposto em tal artigo, como refere (por todos) o acórdão do STJ de 12.11.2003, proc. nº 1216/03-3ª, SASTJ nº75, 93: “Não há alteração, substancial ou não, dos factos da acusação, quando os factos provados representam um minus relativamente àqueles, não sendo sequer necessária, nestes casos, a comunicação a que alude o artº 358 do C.P. Penal.”[150]

Conclui-se pois que, quanto a estas questões, não assiste razão ao recorrente.
 
B. Alega o recorrente JO… que, em sede de fundamentação da convicção, o tribunal “a quo” valorou factos que não foram alegados, nem provados, a pretexto da apreciação dos artigos 256.º, 257.º e 259.º da pronúncia (matéria relativa à Invesco).

i. Essa factualidade tinha, em sede de pronúncia, a seguinte redacção:
256º - Com esta operação, o arguido JO… beneficiou directamente de mais valias na venda das acções, no montante de  213.775.420$00, geradas pelas transacções efectuadas por um veículo offshore detido informalmente pela SLN SGPS.
257º - O arguido JO… bem sabia que tal quantia não lhe era devida e que deste modo causava um prejuízo patrimonial à INVESCO e à SLN SGPS, sua beneficiária.
259º - quantia que foi gerada pelas supra descritas operações de venda de acções pessoais do arguido à Emka e pela apropriação das mais valias originadas pelas vendas das acções efectuadas pela Invesco, e em prejuízo do grupo SLN, operações estas que haviam gerado ganhos ilegítimos totais de 359.538.268$01.

ii. Em sede de acórdão, a factualidade dada como assente, nos pontos de facto correspondentes, tem o seguinte teor:
246) O arguido JO… instrumentalizou, em seu benefício pessoal, uma sociedade offshore do grupo, designadamente a INVESCO WORLDWIDE;
247) O arguido JO… bem sabia que tal quantia, na data em que foi transferida para a sua conta, não lhe era devida, sabendo ainda que causou um prejuízo patrimonial à INVESCO, consistente numa redução das mais-valias que esta offshore obteve aquando da venda das  acções descrita no facto 240º;
249) quantia que foi gerada pelas supra descritas operações de venda de  acções pessoais do arguido à Emka e pela instrumentalização da sociedade offshore Invesco Worldwide, e em prejuízo do grupo SLN, operações estas que haviam gerado ganhos ilegítimos totais de 379.538.268$01;

iii. Basta a mera leitura dessa factualidade, inserindo-a no contexto do iter que descreve, para se poder facilmente constatar que o que resultou provado pelo tribunal “a quo” não consistiu em qualquer aditamento de factos; antes ocorreu uma supressão, pois houve materialidade fáctica que constava na pronúncia a este propósito e que foi dada como não provada.

iv. De facto, a pronúncia, para além da questão da instrumentalização, imputava ainda ao arguido a apropriação directa de mais-valias (recebidas na sua conta bancária), provenientes da Invesco.
 O que sucedeu é que o tribunal “a quo” entendeu que se não provou tal apropriação, mas apenas a instrumentalização da Invesco, consistente numa redução das suas mais-valias.

v. O que se discutia, em sede de pronúncia, é se houve ou não (por parte do arguido OC…) uma apropriação de fundos da Invesco, que causou prejuízo a esta e se a mesma se destinou a indevido proveito pessoal do arguido, sem ter por base qualquer negócio.

vi. E o que ficou provado foi que houve uma retirada indevida de fundos dessa sociedade, pelo arguido JO… (recebimento de uma quantia monetária sem que, à data, houvesse qualquer negócio que a justificasse, através do uso de um descoberto), bem como que a Invesco ficou privada de poder dispor desse montante, sem por tal razão ter recebido então qualquer contrapartida, durante vários meses; que essa situação lhe gerou, obviamente, um prejuízo e que o arguido beneficiou do uso dessa quantia, muito antes de à mesma ter direito.

vii. O que não se provou foi que, para além dessa retirada, o arguido se tenha apropriado de tal montante (já que acabou por entregar as acções à Invesco), como lhe era também imputado em sede de pronúncia, mas apenas que fez uso dessa retirada antecipada (o que igualmente se continha na pronúncia), o que causou prejuízo à Invesco e benefício para si.

viii. Tudo isto se situa dentro do thema decidendum e do mesmo não sai, sendo que o que sucedeu é que apenas uma parte da factualidade no iter apreciado se não provou - a da apropriação.

ix. E o tribunal “a quo” procedeu à comunicação dessa alteração factual ao arguido, nesses termos, pelo que manifestamente não assiste qualquer razão ao recorrente no vício que a este respeito invoca.

C. Alega o arguido JO… que, em sede de fundamentação da convicção, o tribunal “a quo” por um lado, excedeu-se em termos de pronúncia e, por outro, condenou o arguido por factos diversos, em incumprimento do preceituado nos artºs 358 e 359 do C.P.Penal, no que se refere à origem dos fundos que permitiram pagar o empréstimo da Venice à Zemio (ponto 265 da matéria de facto).

C’. Esse ponto tem a seguinte redacção:
265. Certo é que a Zemio ficou devedora à Venice Capital do montante que esta lhe havia transferido, servindo esta empresa como modo de financiamento do arguido JO…;
Por seu turno, no ponto 276 da pronúncia lia-se:
Certo é que a Zemio ficou devedora à Venice Capital do montante que esta lhe havia transferido, servindo esta empresa como modo de financiamento do arguido JO….
Isto é, no que a este ponto factual concerne, o tribunal “a quo” não fez qualquer alteração ou modificação ao seu teor, face ao que constava na pronúncia.
Assim, no que se refere à argumentação relativa à fundamentação da convicção do tribunal (que consta a fls. 753 do acórdão recorrido), é manifesta a sem razão do recorrente, pelos motivos que acabámos de deixar enunciados imediatamente supra  - a fundamentação não corresponde à enunciação de um facto provado, antes se reporta à enumeração e debate de meios probatórios e exposição de raciocínios lógico-dedutivos ao conteúdo dos mesmos relativos.
De igual modo, não existe excesso de pronúncia quanto a tal matéria, pelas singelas razões que igualmente supra já deixámos expostas a propósito de tal vício – o excesso prende-se com a apreciação de algo que se não compreende no objecto do processo. Tal não é manifestamente o caso das questões relacionadas com as relações entre a Venice e a Zemio (o financiamento da segunda pela primeira, através do uso de um descoberto, que era matéria que constava na pronúncia), razão pela qual o Tribunal manifestamente não proferiu qualquer decisão não abrangida pelo objecto do processo, consoante resulta da acusação ou da pronúncia.
O que se constata é que o arguido discorda da convicção alcançada pelo tribunal “a quo” a este propósito, mas isso corresponde juridicamente a algo de diverso de uma nulidade.
Diga-se, aliás, que a seguir-se o raciocínio que o recorrente enuncia e explana, ao longo do seu recurso, se teria de considerar que toda e qualquer fundamentação da convicção do julgador corresponderia sempre a “excesso de pronúncia”, pela singela razão de que, quando este enuncia as razões e os raciocínios lógicos que o levaram a considerar determinado facto como provado ou não provado, tem de referir segmentos de prova e razões (exame contraditório sobre as distintas fontes de prova) que, pela sua própria natureza, não se mostram nunca vertidos nem na pronúncia nem na acusação (aí só constam factos e rol de prova, como a Lei determina – vide artº 283 nº3 e artº 308 nº2, ambos do C.P.Penal).

D. Finalmente, alega o recorrente JO… que houve indevida apreciação da matéria de facto contida no ponto 961 julgado como provado, pois tal factualidade não consta na pronúncia, não resulta da contestação de nenhum arguido e não foi objecto de qualquer contraditório. De igual modo não foi alvo de qualquer comunicação, por parte do tribunal, nos termos do artº 358 do C.P.Penal.

D’. O ponto 961 da matéria de facto provada (que se mostra inserido num conjunto de outros factos, numerados de 959 a 968, com a epígrafe “Provou-se ainda que:”) tem o seguinte teor:
961) A interveniente “Galeria” procedeu ao prévio depósito à ordem deste Tribunal/Processo da quantia de € 1.020.870,00, encontrando-se ainda apreendido à ordem dos autos a quantia de € 388.265,80, sendo que ambas constituem vantagens obtidas pelo arguido OC… na sequência de toda conduta por si perpetrada e dos factos provados 213 a 216, 272 a 286 e 865 a 893;

i. Por seu turno, os pontos factuais a que aí se faz referência, têm o seguinte conteúdo:
213) Os arguidos OC…, LC… e FS…, com a colaboração do JV…, utilizaram ainda uma faculdade concedida pela legislação de Cabo Verde para designar contas bancárias através de uma terminologia alfanumérica;
214) Com tal prática visavam os arguidos aumentar o nível de confidencialidade das contas em causa, quer no que se refere ao beneficiário das mesmas, quer para efeito de diminuir a exigibilidade de regularização dos créditos concedidos;
215) Assim, tal designação de contas era utilizada para compensar pessoas próximas do arguido OC…, para além de ser uma forma de o próprio se financiar, contornando as limitações à concessão de crédito a Administradores;
216) Foram assim, identificadas as seguintes contas com designação alfanumérica, relativas aos seguintes beneficiários:
A1 – OC…, Presidente do Grupo BPN/SLN;
A2 – FCo…, administrador do BPN;
A3 – JMa…, administrador do Banco Insular e do Banco Efisa;
A4 – AF…, Director da DOP e administrador do BPN;
B1 – JV…, Presidente do Banco Insular
Financiamento do Fortis (arts. 282º a 296º da pronúncia):
272) Já em meados de 2001, o arguido OC… tinha que realizar a liquidação financeira dos restantes 70% do preço do referido lote de acções, o que significava o pagamento de um montante de 15.225.000,00€ (correspondente a 3.052.338 de contos);
273) Para efeito de obter fundos para realizar tal pagamento, além de proceder à venda de acções, o arguido OC… contraiu um empréstimo junto do FORTIS BANK, na sequência do qual veio a receber, na sua conta junto do BPN, na data de 29-6-2001, o montante de 12.500.000,00€, equivalente a 2.506.025 contos;
274) O restante pagamento foi retirado do montante de EUR 6.561.393,80, que foi creditado na conta pessoal do arguido JO… e que proveio de vendas de acções da SLN, realizadas no período entre Janeiro e Junho de 2001;
275) No dia 29 de Junho de 2001, foram apresentados a pagamento os restantes 70% das acções subscritas pelo arguido JO…;
276) Para tal, foi debitada na sua conta com o nº …, a quantia de EUR 15.225.000,00, correspondente a PTE 3.052.338.450$00;
277) Tal empréstimo junto do FORTIS veio a ser parcialmente liquidado através de movimentação a débito que o arguido determinou sobre a conta A1 do Banco Insular;
278) Com efeito, conforme já acima narrado, a conta com a designação A1 veio a ser aberta no Banco Insular na data de 26-6-2002, por determinação e tendo como beneficiário o arguido OC…, com a colaboração do arguido VM…;
279) O arguido OC… aproveitou a referida conta para nela fazer creditar, através de pretensos contratos de conta corrente caucionada, os montantes necessários para proceder à amortização do empréstimo contraído junto do FORTIS;
280) Tais financiamentos por conta-corrente caucionada nunca foram reduzidos a escrito nem definida a data de vencimento, uma vez que o arguido OC… não pretendia vir a liquidar tais débitos;
281) Por esse mesmo motivo, o arguido OC… fez transitar a referida conta A1, na data de 11-6-2004, para o designado Balcão 2 do Banco Insular, deixando portanto as operações de estar registadas nas contas daquele Banco;
282) Assim, o arguido OC… fez as seguintes utilizações a débito da referida conta A1:
- a 27-6-2002, no montante de 2.200.000,00€, via ordem de pagamento;
- a 27-6-2002 no montante de 2.000.000,00€, via conta do Banco Insular no Montepio Geral,
- a 27-6-2003 no montante de 2.000.000,00€, via ordem de pagamento;
- a 27-6-2003 no montante de 2.166.666,66€, via ordem de pagamento directamente para o FORTIS;
283) Assim, o arguido conseguiu que a maior parte do financiamento concedido pelo FORTIS viesse a ser liquidado através de montantes sacados sobre o Banco Insular, num total de 8.366.666,66€, sem qualquer contratualização de suporte e que o arguido nunca pretendeu repor;
284) O arguido aproveitou ainda a conta da A1 para sacar sobre a mesma, com o mesmo procedimento narrado supra, o montante de 886.580,43€, no dia 29-12-2003;
285) Tal montante destinou-se a creditar a conta da JARED FINANCE, junto do mesmo Banco Insular, uma vez que, anteriormente, o arguido havia determinado que sobre essa mesma conta fosse pago o montante dos referidos 886.580,43€, que correspondiam a uma dívida de IRS do próprio arguido OC…;
286) O arguido OC… fez transitar a própria conta designada A1 do Balcão 1 para o Balcão 2 (fora de balanço) do Banco Insular, visando retirar a conta dos registos do próprio Banco, de forma a ocultar a sua utilização;
865) Conforme narrado supra, o arguido OC… havia adquirido um total de 29.000.000 de acções da SLN SGPS com base em operações de apropriação de fundos que envolveram as entidades EMKA, INVESCO e ZEMIO e com base num financiamento pelo Banco FORTIS, que havia sido pago pelo saque de fundos de uma conta designada A1, junto do Banco Insular;
866) O arguido OC… sabia assim, as circunstâncias em que se tinha feito financiar para adquirir as referidas 29 milhões de acções, ao preço de 1,00 €, títulos que foi vendendo ao longo do tempo;
867) De forma a incentivar tais vendas e fazer acrescer o preço por acção, o arguido OC… concebeu uma forma de garantir um ganho a quem lhe viesse a adquirir as acções, para o que, utilizando a sua qualidade de administrador da SLN VALOR, celebrava com os referidos adquirentes de acções contratos de obrigação de recompra das acções, dentro de um determinado prazo e por um valor superior;
868)Tais contratos de opção de venda e obrigação de recompra, transformavam as aquisições de acções numa verdadeira aplicação financeira, com rentabilidade certa, permitindo, nos casos em que o vendedor era o próprio OC…, aumentar o valor unitário das acções e as mais-valias a realizar, em prejuízo da entidade do Grupo BPN que viesse a consumar a recompra;
869) Assim, em 21 de Setembro de 2005, o arguido OC… vendeu 821.429 acções da SLN SGPS ao preço de 2,80 € a JVe…, sendo o produto da venda de 2.300.001,20 € creditado na sua conta BPN …;
870) Porém, tal venda de acções, tinha subjacente uma aplicação financeira, firmada a 23 de Agosto de 2005, entre JVe… e OC…, em representação da SLN Valor e com intermediação de CM…, que se traduzia na aplicação do montante de 2.300.000,00 € na compra de acções SLN SGPS, contra a obrigação de recompra, com uma rentabilidade garantida de 4,5% findo o prazo de 307 dias;
871) Para efeito dessa aplicação, o JVe… depositou na sua conta BPN … o referido montante de 2.300.000,00 €, que permitiu proceder à aquisição das 821.429 acções SLN ao preço de EUR 2,80 €;
872) Segundo o contrato de aplicação financeiro firmado, a SLN VALOR assumiria a recompra das mesmas acções, por 2,91 €, sendo o vencimento desta opção em 26 de Junho de 2006;
873) Tal obrigação de recompra foi sendo renovada e remetida para data futura, ao mesmo tempo que eram associadas outras tranches de acções adquiridas pelo mesmo JVe…, sendo a última renovação realizada, na pendência da administração liderada pelo Dr. C…, com o pagamento de juros ao mesmo JVe…, sendo remetida para 2010 a data do vencimento da obrigação de recompra;
874) Por esta via, o arguido OC… induzia a verificação de encargos futuros para a sociedade do Grupo SLN, que ficava obrigada a recomprar as acções, de forma a obter uma valorização para as próprias acções que detinha e aumentar os seus ganhos, à custa do grupo SLN;
875) Por via desta actuação, o arguido OC… dispunha de fundos nas suas contas, à data de Setembro de 2006, de forma a poder colocar o montante referido supra na conta da “Filomena Soares e Santos, Lda., uma vez que sabia que o mesmo poderia ser recuperado e com nova justificação, logo que o BPN procedesse à recompra dos quadros;
Recompra das obras de arte pelo BPN e o gerar de fundos disponíveis na conta da Galeria (arts. 928º a 936º da pronúncia):
876) Conforme o inicialmente acordado entre o arguido OC… e MSa…, o primeiro veio a determinar que o BPN e REAL SEGUROS SA procedessem à recompra das obras de arte à Galeria “Filomena Soares e Santos, Lda”, por um preço acrescido à compra inicial em 5%;
877) Assim, na data de 9 de Julho de 2007, por determinação do arguido OC…, o BPN realizou uma transferência para a conta BES da Galeria, no montante de 1.427.750,00 €, recebendo, conforme combinado entre os arguidos, uma factura da Galeria, documentando a venda de um conjunto de quadros, que integravam parte dos inicialmente vendidos pelo BPN;
878) Na data de 16 de Julho de 2007, a REAL SEGUROS, ainda por indicação do arguido OC…, procedeu a uma nova transferência para a conta BES da Galeria, no montante de 1.861.272,00 €, recebendo igualmente duas facturas da “Filomena Soares e Santos, Lda”, relativa à venda dos restantes quadros, inicialmente vendidos pelo BPN;
879) Uma vez realizado o pagamento pelo BPN e pela REAL SEGUROS, num total de 3.289.022,00 €, ainda conforme o combinado entre o arguido OC… e o MSa…, os montantes pagos à Galeria foram concentrados numa conta, pelo que, no dia 3 de Agosto de 2007, o MSa… depositou na conta BPN nº … um cheque BES, que fez sacar sobre a conta naquele Banco da Galeria “Filomena Soares e Santos Lda.”, no montante de 3.000.000,00 €;
880) Deste modo, com a recompra pelo BPN das obras de arte à Galeria “Filomena Soares e Santos”, os fundos inicialmente colocados nas contas da mesma com origem na conta da JARED junto do Banco Insular e com origem nas contas do arguido OC…, ficaram livres e aparentemente com uma nova justificação, tal como pretendia o arguido OC…, uma vez que, aparentemente, eram provenientes das transacções entre a Galeria e o BPN;
881) Assim, por solicitação do arguido OC…, o MSa… aplicou os referidos fundos em depósito a prazo no BPN, sendo após movimentados, conforme as instruções e conveniências do arguido OC…, que assim veio a determinar ao MSa… que fossem executadas as seguintes operações:
Data de Movimento                 Montante         Conta/Beneficiário                   Referência
22.08.2007           Eur 1.000.000,00                ch3500700110000587712           brunner.decurtinsope207/26702
11.09.2007      Eur 250.000,00            …                                                  JAb…
12.09.2007              Eur 1.750.000,00      Filomena Soares e Santos Lda    Conta no BES da mesma sociedade Ch.Comp. Nº 28637244
882) Deste modo, na sequência do acima narrado, o arguido OC… conseguiu movimentar o montante de 1.000.000,00 €, movimento datado de 22-8-2007 referido no quadro supra, para dar início à constituição do capital necessário para que a entidade instrumental, a constituir na Suíça, pudesse adquirir as acções LABICER detidas em nome do VV…;
883) O beneficiário da transferência de 250.000,00 €, determinada pelo arguido OC…, o referido JAb…, era genro do próprio arguido OC…, tendo recebido os fundos para negócios de comum interesse com o arguido;
884) A transferência de 1.750.000,00 € foi determinada de comum acordo entre o arguido OC… e o MSa…, visando satisfazer necessidades financeiras do MSa… junto da sua conta no BES;
Outras saídas de fundos das contas da “Galeria Filomena Soares e Santos, Ld.ª (arts. 937º a 945º):
885) Logo em 1 de Outubro de 2007, o arguido OC… solicitou nova disposição de fundos a partir das contas da “Filomena Soares e Santos, Lda”, desta feita no montante de 250.000,00 €;
886) Tal pedido, deu origem a uma transferência da conta BES da “Filomena Soares e Santos, Lda” para a conta domiciliada no BCP, em nome do arguido OC…, no referido montante e data;
887) Na data de 30-10-2007, o arguido OC… autorizou novo débito sobre os fundos de que dispunha nas contas da “Filomena Soares e Santos, Lda”, desta vez autorizando o débito para pagamento de uma factura da mesma galeria à identificada MY…, esposa do arguido, no montante de 61.770,00 €;
888) Realizadas tais operações, o arguido OC… continuava a dispor nas contas da “Filomena Soares e Santos, Lda.” do montante total de 1.570.870,00 €;
889) Para justificar tal permanência de fundos, o arguido OC… propôs e o MSa… aceitou, subscreverem um acordo pelo qual se estabelecia a prestação de consultadoria pelo MSa… ao arguido, no domínio da pintura e da escultura contemporânea;
890) O arguido OC… aceitou então que, parte dos fundos detidos pela “Filomena Soares e Santos, Lda”, no seu interesse, poderiam ser aplicados em obras de arte, escolhidas pelo MSa…, tendo em vista a rentabilização daquele capital, sem prejuízo de continuar o MSa… a ter que disponibilizar os fundos de que o OC… viesse a ter necessidade;
891) Já na pendência dos presentes autos, o arguido OC… fez chegar ao MSa… nova instrução para a mobilização de fundos, desta vez no montante de 550.000,00 €, que vieram a ser mobilizados, na data de 11-3-2009, da conta BES da “Filomena Soares e Santos, Lda.” para a conta da sociedade “Paço dos Infantes – Sociedade Agrícola, Comercial e Turística, Lda.”, conta junto da CCAM de Beja, nº …;
892) Tais fundos vieram a ser bloqueados à ordem dos presentes autos, quer na conta da referida “Paço dos Infantes” quer nas contas da “Filomena Soares e Santos, Lda”, vindo posteriormente a ser apreendidas obras de arte adquiridas pelo MSa…, no valor dos restantes 1.020.870,00 € que eram pertença do arguido OC..., mas que o MSa… já havia aplicado em várias obras de arte;
893) O MSa… nunca foi informado pelo arguido OC… da origem dos fundos e da razão de ser do procedimento do mesmo arguido, aceitando o MSa… a permanência dos fundos nas contas da “Filomena Soares e Santos, Lda.” face à perspectiva de ganho possibilitada pela operação inicial, atendendo a que o grupo BPN era o seu principal cliente e pela possibilidade de dispor dos fundos para a aquisição de obras de arte;

a. Como se constata pela leitura do que deixámos exposto, não estamos perante qualquer nova factualidade cuja prática seja imputada ao arguido, nem da qual decorra qualquer alteração de enquadramento jurídico ou imputação ex novo de um ilícito.
Trata-se, tão-somente, da actualização do registo de actos processuais subsequentes à pronúncia, de carácter organizativo e administrativo, a saber: a indicação de que um interveniente processual (a Galeria) procedeu ao depósito à ordem deste Tribunal/Processo da quantia de € 1.020.870,00, bem como a informação de que se encontra ainda apreendida nos autos uma quantia (€ 388.265,80), sendo que ambas constituem vantagens obtidas pelo arguido OC… na sequência de toda conduta por si perpetrada e dos factos provados 213 a 216, 272 a 286 e 865 a 893.
Ora, que o arguido havia ilegitimamente obtido tais quantias já decorria do teor de tais pontos dados como assentes, mostrando-se apenas consignado no ponto 961 que parte de tais montantes se encontram presentemente depositados à ordem do Tribunal.

b. Em resumo: resultava da factualidade constante na pronúncia (e foi dado como assente) que o arguido obteve de modo ilegítimo determinados quantitativos, devidamente concretizados e especificados, que lhe advieram em superavit, por virtude das operações que realizou para obter fundos para adquirir 29 milhões de acções da SLN SGPS, no aumento de capital realizado em Dezembro de 2000), sendo que neste artigo 961 apenas se dá conta onde parte dessas quantias monetárias presentemente se encontram (à ordem destes autos, por depósito e por apreensão). 

c. Não é assim, com base neste ponto, que se avalia a actuação do arguido, que se determina a sua culpa, que se altera a dosimetria da sua pena ou que se impõe a perda das vantagens – a tudo isto é o mesmo alheio, pois a factualidade que releva para tais fins é a que se mostra descrita na matéria de facto dada como provada e que já constava da pronúncia, designadamente (entre outros), nos nºs 213 a 216, 272 a 286 e 865 a 893.

d. Assim sendo, constata-se que o conteúdo deste ponto se destina a pormenorizar ou a concretizar os factos que já constavam da pronúncia, sem acrescentar nada de novo à descrição da acção típica relevante, não aditando qualquer nova factualidade que determine, perante o arguido, um agravamento da sua situação processual, pelo que não estamos perante nenhuma das situações previstas quer no artº 358, quer no artº 359 do C.P.Penal.
A realidade histórica vertida na pronúncia mantém-se intocada.

e. Diga-se, para além do mais, que mesmo em sede de direito ao contraditório, o que se mostra vertido em tal ponto em nada ofende tal exercício, uma vez que o seu conteúdo não constitui uma surpresa para o arguido JO…, já que teve pleno conhecimento quer da apreensão da quantia monetária realizada, quer do depósito feito pela interveniente Galeria, tendo sido devidamente notificado de ambos os actos.
Conclui-se, pois, não assistir razão ao recorrente nesta parte.

ix. Invoca o arguido FS… que, não lhe sendo imputada, em sede de pronúncia, a prática de um crime de fraude fiscal qualificada, p. e p. pelos arts. 103, n.º1, als. a) e c) e 104, n.º 2, al. a) do RGIT, pelo qual veio a ser condenado na pena de 2 (dois) anos e seis meses de prisão, nem qualquer outro ilícito, no que respeita à matéria constante nos pontos de facto 733 a 752, não poderia o tribunal “a quo”, invocando o disposto no artº 358 do C.P.Penal, determinar a sua condenação pela sua prática. Funda esse seu raciocínio no entendimento que o disposto no artº 358 nºs 1 e 3 apenas se mostra aplicável em casos de convolação; isto é, quando determinados factos vêm enquadrados em sede jurídica, na acusação ou na pronúncia, como integrando a prática de um determinado crime, enquadramento este de que o tribunal discorda, alterando assim tal qualificação jurídico-penal para outra diversa.
Vejamos então.

a. A materialidade fáctica que o arguido refere tem o seguinte teor:
733) No ano de 2001, após a constituição da Labicer, o arguido TR… assumiu, com a concordância do arguido OC…, a negociação com vários pequenos proprietários rurais tendo em vista a aquisição de um conjunto de prédios rústicos, sitos em Bustos, Oliveira do Bairro, numa perspectiva de vir a proceder à unificação das diversas parcelas para posterior utilização industrial pela LABICER;
734) O arguido TR… procurava firmar, em nome da LABICER, contratos promessa de compra e venda com os diversos proprietários;
735) De forma a aliciar tais proprietários, o arguido TR… concebeu uma estratégia que passava pela realização dos pagamentos com base nos contratos promessa, ao mesmo tempo que prometia a realização de um pagamento real superior ao declarado;
736) O arguido TR… apresentou tal estratégia ao arguido OC… que concordou com a mesma, traçando os dois um plano para garantir o financiamento dos pagamentos a realizar, incluindo os que não viriam a ser manifestados contratualmente;
737) Assim, conforme o acordado entre os arguidos TR… e OC…, o financiamento para a realização dos pagamentos declarados contratualmente foi realizado pela própria LABICER, sobre cuja conta, ao longo dos anos de 2001 e 2002, o próprio arguido fez emitir diversos cheques que atingiram o montante de 572.900,00 €;
738) Para a realização dos pagamentos não declarados, conforme o combinado com o arguido TR… e segundo os valores de pagamento declarados por este, o arguido OC…, com a colaboração do arguido FS…, fez movimentar a débito, com data de 1 de Abril de 2003, a conta da Jared Finance LLC, junto do Banco Insular, no montante de 426.965,00 €;
739) Assim, na referida data, foi realizada uma transferência de 426.965,00 €, por débito da conta da JARED FINANCE LLC junto do Banco Insular, conta nº …, a favor da conta do arguido TR…, conta domiciliada no BANIF;
740) Na referida data da transferência, a conta BANIF do arguido TR… já se encontrava a descoberto pela emissão de cheques num valor de 112.692,90 €, e posteriormente com o crédito verificado foram passados cheques para pagamentos não manifestados a vários vendedores dos terrenos, somando o total dos pagamentos não declarados o montante de 416.965,00 €;
741) Deste modo, segundo as contas apresentadas pelo próprio TR…, este arguido acabou por ficar na sua esfera com um montante de 10.000,00 € relativamente às verbas que lhe foram confiadas para a realização de pagamentos aos vendedores dos terrenos – recebeu 426.965,00 € e fez pagamentos não manifestados num total de 416.965,00€;
742) O arguido OC… entendeu porém, que a LABICER deveria suportar a totalidade dos pagamentos, pelo que, em conjunto com o arguido FS… e com o TR…, foi concebida uma forma de forjar uma justificação para a LABICER realizar um pagamento que pudesse compensar o montante adiantado pela JARED;
743) Assim, seguindo o acordado pelos três arguidos, os dois primeiros, OC… e FS…, determinaram a emissão pelo BPN de duas facturas, com os descritivos “assessoria no desenvolvimento técnico do projecto da nova unidade de produção de cerâmica conforme, contrato oportunamente celebrado” e “assessoria e acompanhamento jurídico no desenvolvimento do projecto da nova unidade de produção de cerâmica, conforme contrato oportunamente celebrado”, respectivamente com os números 2160 e 2161, com data de 28-3-2003, que foram dirigidas à LABICER, onde chegaram via Fax, no dia 1-4-2003;
744) Tais facturas não correspondiam a serviços efectivamente prestados, tendo os arguidos feito produzir as mesmas com um montante total, sem IVA, de 426.965,00 €, correspondente ao montante sacado sobre a conta da JARED no Banco Insular;
745) O arguido TR… transmitiu aos seus colegas de Administração da LABICER, arguidos LA… e RJ… que as referidas facturas não correspondiam a reais serviços e que se destinavam a compensar o BPN pelo financiamento da aquisição dos terrenos;
746) Não obstante tal conhecimento, os arguidos TR…, LA… e RD… determinaram o pagamento das referidas facturas pela LABICER, o que veio ocorrer na data de 13 de Agosto de 2003, através de transferência para conta bancária do próprio BPN;
747) O arguido OC… nunca determinou a reentrada dos referidos fundos na conta da JARED, aumentando assim o volume de crédito concedido a terceiros por débito a descoberto na referida conta do Banco Insular;
748) As referidas facturas emitidas pelo BPN foram contabilizadas pela LABICER, por determinação dos arguidos, seus administradores, como imobilizado incorpóreo, sendo consideradas despesas de implementação da sociedade, as quais só viriam a gerar o dever de amortizar três anos depois, com a consequente integração fraccionada nos custos da sociedade;
749) No entanto, dado estarem em causa facturas que os arguidos sabiam serem forjadas, as mesmas nunca poderiam ser aceites como custos, facto que os arguidos administradores da LABICER e os arguidos OC… e FS… também conheciam;
750) Verifica-se porém, que, nos exercícios de 2006 a 2008, em que tais facturas podiam ser integradas como custos, a LABICER registou resultados líquidos negativos, ao que acresce o facto de, por via de contrato de concessão de benefícios fiscais celebrado na sequência de contrato de investimento firmado com a Agência Portuguesa para o Investimento (API), a LABICER gozava de um crédito de imposto, em sede de IRC;
751) Os arguidos administradores da LABICER fizeram porém, a sociedade deduzir o IVA pago nas referidas facturas, no montante de 81.123,35 €;
752) Por outro lado, pese embora a contabilização das referidas facturas pudesse influenciar a situação fiscal da LABICER em IRC, os arguidos sabiam que a sociedade era beneficiária do referido crédito de imposto;
 
b. Esta factualidade correspondia à que constava nos arts. 785º a 804º da pronúncia. Na pronúncia não consta a imputação a este arguido do crime de fraude fiscal.

c. Por despacho constante a fls 56.772 e seguintes dos autos, em sede de audiência de julgamento (após encerramento da produção da prova e alegações e antes da prolação do acórdão), o tribunal “a quo” deu conhecimento ao arguido do seguinte:
 “Ao arguido FS… são-lhe imputados os factos constantes dos artigos 794 a 804, 1001 a 1002 da pronúncia, os quais se resultarem provados poderão consubstanciar a imputação ao mesmo de um crime de fraude fiscal qualificada, p. e p. pelos arts. 103, als. a) e c) e 104 nº 2 do RGIT, crime pelo qual não se encontra pronunciado, ao contrário do que ocorre relativamente aos arguidos OC…, TR…, LF… e RD…, todos indiciados pela mesma factualidade. Pelo exposto, comunica-se ao arguido FS… a presente alteração da qualificação jurídica nos termos e para os efeitos do disposto do disposto no artigo 358º, n.ºs 1 e 3 do CPP.”

d. Analisando.
Em primeiro lugar caberá dizer que o arguido propõe a presente questão como não tendo enquadramento ou resposta em sede criminal.
Não obstante, é o próprio que admite e assume que os factos que determinaram o enquadramento jurídico realizado pelo tribunal “a quo” se mostram vertidos na pronúncia e foram dados como provados. Todavia, entende que, pura e simplesmente se terá de considerar tal situação como não existente – isto é, defende que a mesma não vem prevenida em nenhuma disposição legal (pese embora, para além de teses gerais quanto a interpretações inconstitucionais, não avance um único fundamento legal em que funde a desconsideração jurídica de tal situação, que não obstante defende).
No caso, e ao inverso do que o arguido entende, cremos que a situação terá de ser resolvida juridicamente, por aplicação do normativo previsto no artº 358 do C.P.Penal, como entendeu o tribunal “a quo”.
Vejamos porquê.

e. Embora a acusação ou a pronúncia (como é o caso dos autos), delimitem o objecto do processo, não circunscrevem o âmbito da discussão, como aliás se constata pela mera leitura do n.º 4 do art.º 339º do C.P.Penal.
Significa isto que o tribunal não se mostra estritamente vinculado, confinado ou espartilhado ao mero teor da pronúncia. O que efectivamente o vincula é o objecto do processo constante na pronúncia (cujo âmbito não pode extravasar) e que a jurisprudência e doutrina definem, cremos que unanimemente “como o facto, o acontecimento global da vida, o acontecimento histórico, incluindo todos os acontecimentos com ele ligados, do qual deriva a acusação admitida” (vide Frederico Isasca, Alteração Substancial Dos Factos E Sua Relevância No Processo Penal Português, Almedina, 2.ª edição, p. 84); isto é, o objecto do processo é a realidade histórica que se mostra vertida na pronúncia.

f. O que sucede é que tal acontecimento pode ser constituído por um único facto ou por uma multiplicidade de actos, que se conjugam e interligam entre si, manifestando-se como algo que é apreensível como um episódio de vida, dotado de características próprias que o individualizam e o tornam num todo com relevo jurídico-penal.
Assim, se a apreciação realizada pelo tribunal “a quo”, que incidiu sobre tal episódio, respeitou a unidade de sentido ao mesmo relativa, expressa em sede de pronúncia, não se pode falar em alteração do objecto fixado na pronúncia. E se, ao proceder à fixação dos actos assentes, o tribunal “a quo” não realizar alterações que possam incluir-se no vertido no artº 1 al. f) do C.P.Penal, teremos de concluir estarmos perante uma operação de apuramento perfeitamente válida face à lei.

g. No caso presente, foi precisamente isso que sucedeu.
Compulsado o texto acusatório, o que se constata é que os factos que foram dados como assentes na matéria de facto provada correspondem ipsis verbis ao que aí se mostrava consignado.
E, compulsada igualmente a mesma pronúncia, verifica-se que eram as seguintes as imputações criminais que eram dirigidas ao arguido:
  Cometimento em autoria material de:
- Um crime de Abuso de confiança, com referência ao conjunto da sua actuação na retirada e apropriação, para si e para terceiros, de fundos do Grupo BPN/SLN, p.p. pelo artº. 205º, nº1, nº 4 al. b) e nº 5 do C. Penal;
- Um crime de Abuso de confiança, com referência ao conjunto da sua actuação narrada nos arts. 544º a 563º, da pronuncia, com referência às sociedades IMONAÇÕES e VILLAS D’ÁGUA ,  p.p. pelo artº. 205º, nº1, nº 4 al. b) e nº 5 do C. Penal.
- Um crime de burla qualificada, com referência ao conjunto da sua actuação no que se reporta à indução em erro ou engano das entidades que lhe competia administrar, directa ou indirectamente, p.p. pelo artº. 217º, 218º, nº1 e nº 2 al. a) do C. Penal;
- Um crime de falsificação de documento, com referência ao conjunto da sua actuação no que se refere ao forjar de documentos e de registo de movimentos bancários e contabilísticos, p.p. pelo artº 256º, nº 1 al. a) e e) e nº 3 do Código Penal;
- Um crime de infidelidade, com referência ao conjunto da sua actuação no que se reporta à violação das normas de gestão, com a consequente lesão dos interesses patrimoniais das entidades administradas, p. e p. no art. 224º-1 do Cod. Penal;
- Um crime de aquisição ilícita de acções, com referência aos factos narrados nos arts. 297º a 357º, da pronuncia, p. e p. no art. 510º-1 por referência aos arts. 317º-2 e 325º-1 do Cod. das Sociedades Comerciais;

h. Ora, no que se refere ao crime de burla qualificada, constata-se que a integração jurídica de tal ilícito reporta-se ao conjunto da actuação do arguido FS… – isto é, a apreciação realizada em sede de pronúncia integrou, aí inserindo nesse enquadramento jurídico (uma vez que se não mostra excluído) o vertido nos arts. 785º a 804º  (que em sede de acórdão, vieram a consubstanciar os pontos 733 a 752 dos factos provados).
Não autonomizou, portanto, essa factualidade, em termos de enquadramento jurídico, no que a este arguido concerne, considerando que a mesma se mostrava incluída, nessa sede, naquele tipo de crime.

i. Por seu turno, o tribunal “a quo” discordou desse entendimento, considerando que tal matéria fáctica preenchia os elementos constitutivos do crime de fraude fiscal, praticado pelo arguido FS…. E, por tal razão, cumpriu o disposto no artº 358 do C.P.Penal, comunicando ao arguido que esse seria, provavelmente, o entendimento que faria constar em sede de acórdão, dando-lhe assim oportunidade para se pronunciar e se defender de tal avaliação jurídica; isto é, anunciou que havia a possibilidade de assim entender e efectivamente procedeu a uma convolação, a uma alteração do enquadramento jurídico de parte dos factos que haviam sido englobados em sede de outro ilícito (operação que o próprio recorrente admite como legalmente admissível).

j. Estamos pois perante uma questão que se engloba precisamente no disposto em tal artigo, uma vez que nenhum facto novo (isto é, que não constasse já da pronúncia) foi aditado pelo tribunal “a quo” – manteve-se assim a vinculação temática ao objecto da pronúncia.
O que sucede é que o julgador discordou da análise jurídica realizada em sede de pronúncia e procedeu a uma alteração da qualificação jurídica de uma parte dos factos que constavam na mesma.
Mas fê-lo mantendo, repete-se, a vinculação temática a que estava obrigado e assegurou os direitos de defesa do arguido, cumprindo, precisamente, a comunicação legalmente prevista para tal desiderato, no artº 358 do C.P.Penal.
Na verdade, “O instituto da alteração dos factos descritos na acusação ou na pronúncia visa assegurar as garantias de defesa do arguido. O que a Lei pretende é que aquele não (…) venha a ser censurado jurídico-criminalmente com violação do princípio do acusatório, sem que haja tido a possibilidade de adequadamente se defender” (vide C.P.Penal Comentado, António Henriques Gaspar e outros, nota 3 ao artº 358 desse diploma legal).

k. Mas, ainda que se entendesse que, em sede de pronúncia, essa factualidade – embora enunciada – não foi alvo de qualquer tipo de enquadramento jurídico, de igual modo teríamos de concluir que tal situação se reconduz a uma questão de qualificação jurídica, prevista no dito artº 358 do C.P.Penal.

l. De facto, questão similar a esta foi já enfrentada e decidida no âmbito do Acórdão de Fixação de Jurisprudência, proferido pelo STJ, em 25.06.2008, no processo nº 07P4449, in DR, Iª Série, nº 146, de 30-07-2008, P. 5138-5145, que pela sua pertinência, passamos a transcrever no que aqui nos importa (sublinhados nossos):
De há muito se vem reconhecendo e entendendo que a cadeia de actividades e procedimentos dirigidos à constatação, positiva ou negativa, do facto criminoso, para fins de aplicação da sanção penal ao seu autor, tem de respeitar rigorosamente o Direito Constitucional, com destaque para os direitos, liberdades e garantias pessoais, bem como os princípios gerais de processo penal, nomeadamente os decorrentes de textos de Direito Internacional, designadamente a Declaração Universal dos Direitos do Homem, a Convenção Europeia para a Protecção dos Direitos do Homem e das Liberdades Fundamentais e o Pacto Internacional sobre os Direitos Civis e Políticos.
Daí que a investigação e a procura da verdade, no âmbito do procedimento penal, se hajam de processar de acordo com as garantias constitucionais e os princípios gerais de processo penal.
De entre estes, à questão que ora nos ocupa, interessa, em primeira linha, o princípio da comunicação da acusação, segundo o qual deve ser dada a conhecer ao arguido, tempestivamente, ou seja, em tempo que lhe permita preparar e organizar uma defesa adequada, a acusação que contra si foi deduzida. A comunicação da acusação, como refere Bettiol, é um instituto inteiramente apontado para salvaguarda do direito de defesa do arguido, o que significa que ao arguido (através da acusação) deve ser dado a conhecer qualquer facto ou qualquer elemento essencial (momento constitutivo do crime) e acidental (circunstância) de que possa derivar a sua responsabilidade ou um seu agravamento.
Daqui que sobre a entidade a quem cabe acusar recai o estrito dever de no respectivo requerimento consignar (alíneas a) a g) do n.º 3 do artigo 283º do Código de Processo Penal), sob pena de nulidade:
- As indicações tendentes à identificação do arguido;
- A narração, ainda que sintética, dos factos que fundamentam a aplicação ao arguido de uma pena ou de uma medida de segurança, incluindo, se possível, o lugar, o tempo e a motivação da sua prática, o grau de participação que o agente neles teve e quaisquer circunstâncias relevantes para a determinação da sanção que lhe deve ser aplicada;
- A indicação das disposições legais aplicáveis;
- O rol com o máximo de vinte testemunhas, com a respectiva identificação, discriminando-se as que só devam depor sobre os aspectos referidos no n.º 2 do artigo 128º, as quais não podem exceder o número de cinco;
- A indicação dos peritos e dos consultores técnicos a serem ouvidos em julgamento, com a respectiva identificação;
- A indicação de outras provas a produzir ou a requerer;
- A data e assinatura.
Narração ou descrição factual e indicação normativa da maior importância, visto que o objecto do processo é o objecto da acusação, o qual se mantém até ao trânsito em julgado da sentença, protegendo o arguido contra arbitrários alargamentos da actividade cognitória e decisória do tribunal, assegurando os direitos ao contraditório e à audiência, direitos essenciais à defesa do arguido e à democraticidade do processo penal, que se traduzem no direito de o arguido ser ouvido pelo tribunal ou pelo juiz de instrução sempre que eles devam tomar qualquer decisão que pessoalmente o afecte (alínea b) do n.º 1 do artigo 61º do Código de Processo Penal), bem como no direito a que todos os actos e procedimentos processuais, na fase de julgamento, sejam susceptíveis de oposição e de discussão, o que implica uma efectiva participação neles, com possibilidade de os discretear, mediante a apresentação de razões e argumentos de facto e de direito.
A vinculação do tribunal, porém, quer no que concerne aos factos descritos na acusação quer no que tange ao enquadramento jurídico dos mesmos ali operado, não é absoluta.
Com efeito, em certos casos e situações, por razões várias, já depois de deduzida a acusação, algumas vezes no decurso do julgamento, outras já na fase de recurso, vêm-se a descobrir novos factos ou a constatar que os factos constantes da acusação foram deficientemente ou insuficientemente descritos ou deficientemente ou incorrectamente qualificados, possibilitando a lei, limitadamente, desde que salvaguardadas as garantias de defesa do arguido, a alteração dos factos e/ou a alteração da sua qualificação jurídica, para que o processo possa alcançar o seu concreto fim, isto é, a descoberta da verdade e a realização da justiça.
É através do instituto denominado da alteração dos factos, instituto previsto nos artigos 358º e 359º, do Código de Processo Penal, que se estabelece e regula a possibilidade de alteração dos factos descritos na acusação e na pronúncia, bem como a alteração da sua qualificação jurídica.
(…)
Prevê a lei, ainda, a possibilidade de alteração da qualificação jurídica, situação em que, não ocorrendo alteração factual, se verifica, porém, necessidade de modificar a qualificação jurídica que na acusação ou na pronúncia se atribuiu aos factos nas mesmas descritos, situação que o legislador entendeu submeter ao regime aplicável à alteração não substancial dos factos – n.º 3 do artigo 358º.
No caso ora em apreciação não se estando perante qualquer alteração factual, vejamos, no entanto, se estamos face a situação que deva ser considerada de alteração da qualificação jurídica dos factos descritos na acusação, a implicar o cumprimento do disposto no n.º 3 do artigo 358º.  
 (…) No cumprimento dessa tarefa cabe em primeiro lugar verificar se a condenação do arguido em pena acessória, concretamente de proibição de conduzir veículos motorizados, perante acusação ou pronúncia omissas no que concerne à possibilidade de aplicação daquela pena acessória, designadamente a ausência de indicação da disposição legal que a prevê, se deve considerar como integrante de alteração da qualificação jurídica dos factos descritos na acusação ou na pronúncia.
Caso a resposta seja positiva, cumprirá determinar se a alteração da qualificação jurídica implica ou não a necessidade de comunicação prevista no artigo 358º.
Qualificar juridicamente os factos é subsumi-los ao direito constituído, ou seja, aplicar a lei aos factos, verificar se os mesmos possuem ou não relevância jurídica e em que termos devem ser integrados no respectivo ordenamento.
Verificada a relevância jurídica dos factos e feita a sua integração no ordenamento jurídico ficam os mesmos qualificados, isto é, identificados do ponto de vista normativo, dando-nos a exacta medida do tratamento que a lei lhes confere.
Em processo penal, ex vi artigos 283º, n.º 3, alíneas b) e c), 308º, n.º 2 e 374º, n.ºs 2 e 3º, alínea a) em sede de acusação, de pronúncia e de sentença, a qualificação jurídica dos factos opera-se mediante a indicação das disposições legais que lhes são aplicáveis, indicação que, obviamente, a lei manda se faça a seguir à narração ou descrição daqueles.
No caso vertente verifica-se que, perante os mesmos factos, o Ministério Público na acusação que deduziu indicou como disposições legais aplicáveis o artigo 292º, do Código Penal, enquanto que o juiz na sentença mencionou como disposições legais aplicáveis os artigos 292º e 69º, n.º 1, alínea a), do Código Penal, tendo ao abrigo do primeiro normativo condenado o ora recorrente na pena de 80 dias de multa à taxa diária de € 5 e, com fundamento no segundo, condenado aquele na pena acessória de proibição de conduzir pelo período de 4 meses.
Ora, não sendo coincidente a indicação das disposições legais aplicáveis aos factos feita na acusação e na sentença, dúvidas não restam de que se verifica uma alteração da qualificação jurídica dos factos.
Consabido haver ocorrido em sentença uma alteração na qualificação jurídica dos factos descritos na acusação, vejamos se tal alteração implica ou não a necessidade de comunicação prevista no artigo 358º.
(…) A qualificação jurídica dos factos em sede de acusação não se circunscreve à indicação da norma que prevê o tipo de crime ou crimes que aqueles preenchem.
Com efeito, a lei – alínea f) do n.º 3 do artigo 283º – impõe a indicação das disposições legais aplicáveis, ou seja, de todas as disposições legais aplicáveis.
(…) Pretende a lei que ao arguido seja dado conhecimento do exacto conteúdo jurídico-criminal da acusação, ou seja, da incriminação e da precisa dimensão das consequentes respostas punitivas, dando-se assim expressão aos princípios da comunicação da acusação e da protecção global e completa dos direitos defesa, este último estabelecido no n.º 1 do artigo 32º da Constituição Política, princípios a que já fizemos referência.
Só assim o arguido poderá preparar e organizar a sua defesa de forma adequada.
É que o arguido não tem que se defender apenas dos factos que lhe são imputados na acusação. A vertente jurídica da defesa em processo penal é, em muitos casos, mais importante. E esta para ser eficaz pressupõe que o arguido tenha conhecimento do exacto significado jurídico-criminal da acusação, o que implica, evidentemente, lhe seja dado conhecimento preciso das disposições legais que irão ser aplicadas.
Por isso, qualquer alteração que se verifique da qualificação jurídica dos factos feita na acusação ou na pronúncia (com excepção dos casos atrás referidos), nomeadamente qualquer alteração que importe um agravamento, terá necessariamente de ser dada a conhecer ao arguido para que este dela se possa defender, sob pena de se trair o favor defensionis.
Por outro lado, como deixámos assinalado nas considerações preliminares tecidas, a declaração do direito do caso penal concreto é tarefa conjunta do tribunal e dos sujeitos processuais, na qual o arguido é também chamado a intervir, porém, para isso terá de participar e de ser ouvido, nos diversos actos processuais, de acordo com o quadro jurídico pelo qual vai ser julgado e não com base noutro quadro jurídico. Assim, se o quadro jurídico que lhe foi dado a conhecer através da comunicação da acusação ou da pronúncia é alterado, disso terá de ser informado para que possa influir, se assim o entender, na declaração do direito.
Aliás, o processo penal é um processo equitativo e justo, não sendo configurável, num Estado de direito, a possibilidade de ao arguido ser aplicada uma pena sem que disso seja prevenido, isto é, sem que lhe seja dado oportuno conhecimento da possibilidade de que nela pode vir a ser condenado.          

m. Como decorre de tudo o que anteriormente deixámos exposto, teremos de concluir que o tribunal “a quo”, perante a necessidade de decidir quanto à integração jurídica daquela matéria de facto e constatando que seria outra que não a que decorria da pronúncia, utilizou os mecanismos legais adequados, que têm por objectivo permitir o efectivo exercício do direito de defesa por parte do arguido, procedendo à comunicação prevista no artº 358 do C.P.Penal (note-se, aliás, que o próprio recorrente admite que esse exercício lhe foi concedido).

n. E se assim é, como é, caberá concluir que a alteração da qualificação jurídica realizada pelo tribunal “a quo”, que determinou a condenação do arguido pela prática de um crime de fraude fiscal qualificada, se mostra plenamente válida e legal, não merecendo a censura que lhe dirige o recorrente.

                                                    *
7. Encerrando a apreciação das questões aqui propostas (nulidades da sentença previstas no artº 379 do C.P.Penal), cabe-nos apenas referir que se mostra prejudicada a necessidade deste Tribunal ad quem tomar posição quanto às questões de inconstitucionalidade suscitadas pelos arguidos, nesta sede, uma vez que nem este Tribunal (nem o tribunal “a quo”) perfilharam os entendimentos que os recorrentes consideram terem estado subjacentes à decisão recorrida ou à presente, não subsistindo, pois, para este tribunal de recurso, a necessidade de se pronunciar sobre sentidos normativos que não têm aplicação no caso.

8. Finalmente, teremos de concluir que as nulidades invocadas pelos arguidos não foram demonstradas e, por tal razão, os pedidos que nas mesmas fundavam, terão de ser considerados como improcedentes.
 
                                                    *

                                                    *

                                                    *

                                                    *

                                                    *

                                                    *
    
                                                    *

                                                    *


c. violação do princípio ne bis in idem.

1. Os recorrentes adiante indicados extraíram das motivações de recurso que apresentaram as seguintes conclusões, a propósito desta questão (uma vez que se procedeu já supra - vide ponto II. Transcrições dos segmentos (…) 2. - à transcrição integral das conclusões apresentadas por cada um dos recorrentes, opta-se por aqui se indicar apenas os números referentes às mesmas, que importam à decisão das questões que neste segmento cabe apreciar):

Arguido JO…:
Pontos 2.º a 74º; 1214º e 1215º;  1286º a 1292º.

Arguido JM…
Pontos 4.162 a 4.164; 4.182 a 4.205; 4.239 e 4.240.

Arguido LC…
Pontos 127º a 165º; 173 1.º - 2.º e 174º.

Arguido FS…
Pontos 139º a 173º.

Arguido LM…
Pontos 79.º a 91.º

Arguido LAl…
Pontos 110.º  a 144.º; 185.º e 186.º.

Arguida IC…
Pontos 92.º a 129.º; 146.º e 147.º

2. O MºPº. avançou os seus argumentos, nos seguintes pontos das respostas respectivas a cada um dos recorrentes:

Ao arguido JO…:
Ponto II.

Ao arguido JM…:
Ponto 4. Concurso aparente ou concurso efectivo.
Ponto 5. Ne bis in idem.

Ao arguido LC…:
Ponto 3. Crime de falsificação de documento.
Violação do princípio do ne bis in idem.
 
Ao arguido FS…:
Ponto VII. Crime de falsificação de documento.
1.  Ne bis in idem.
 
Ao arguido LM…:
Ponto 3. Crime de falsificação de documento.
Violação do princípio do ne bis in idem.

Ao arguido LAl…:
Ponto 3. Crime de falsificação de documento.
Violação do princípio do ne bis in idem.

À arguida IC…:
Ponto 3. Crime de falsificação de documento.
Violação do princípio do ne bis in idem.

3. Apreciando.

i. A Constituição da República Portuguesa (doravante C.R.P.) determina, no seu artº 29 nº5, a propósito da aplicação da lei criminal, que ninguém pode ser julgado mais do que uma vez pela prática do mesmo crime.

ii. Por sua vez, em termos internacionais, regem a propósito desta matéria:

a. O Protocolo n.º 7 anexo à Convenção Europeia dos Direitos do Homem (doravante CEDH) que, no seu artº 4.º estabelece o “direito a não ser julgado ou punido mais de uma vez” (assinado em Estrasburgo em 22 de Novembro de 1984), regulando aquele artº 4º nos seguintes termos:
1. Ninguém pode ser penalmente julgado ou punido pelas jurisdições do mesmo Estado por motivo de uma infracção pela qual já foi absolvido ou condenado por sentença definitiva, em conformidade com a lei e o processo penal desse Estado.
2. As disposições do número anterior não impedem a reabertura do processo, nos termos da lei e do processo penal do Estado em causa, se factos novos ou recentemente revelados ou um vício fundamental no processo anterior puderem afectar o resultado do julgamento.
3. Não é permitida qualquer derrogação ao presente artigo com fundamento no artigo 15.º da Convenção.

b. O artº 50 da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia determina:
Ninguém pode ser julgado ou punido penalmente por um delito do qual já tenha sido absolvido ou pelo qual já tenha sido condenado na União por sentença transitada em julgado, nos termos da lei.

c. Por seu turno, o artº 51 da mesma Carta regula o seu âmbito de aplicação:
1. As disposições da presente Carta têm por destinatários as instituições, órgãos e organismos da União, na observância do princípio da subsidiariedade, bem como os Estados‑Membros, apenas quando apliquem o direito da União. Assim sendo, devem respeitar os direitos, observar os princípios e promover a sua aplicação, de acordo com as respectivas competências e observando os limites das competências conferidas à União pelos Tratados.
2. A presente Carta não torna o âmbito de aplicação do direito da União extensivo a competências que não sejam as da União, não cria quaisquer novas atribuições ou competências para a União, nem modifica as atribuições e competências definidas pelos Tratados.

d. Finalmente, o artº 52 dessa mesma Carta define o âmbito e a interpretação dos direitos e princípios aí consagrados, nos seguintes termos:
1. Qualquer restrição ao exercício dos direitos e liberdades reconhecidos pela presente Carta deve ser prevista por lei e respeitar o conteúdo essencial desses direitos e liberdades. Na observância do princípio da proporcionalidade, essas restrições só podem ser introduzidas se forem necessárias e corresponderem efectivamente a objectivos de interesse geral reconhecidos pela União, ou à necessidade de protecção dos direitos e liberdades de terceiros.
(…)
3. Na medida em que a presente Carta contenha direitos correspondentes aos direitos garantidos pela Convenção Europeia para a Protecção dos Direitos do Homem e das Liberdades Fundamentais, o sentido e o âmbito desses direitos são iguais aos conferidos por essa Convenção. Esta disposição não obsta a que o direito da União confira uma protecção mais ampla.
4. Na medida em que a presente Carta reconheça direitos fundamentais decorrentes das tradições constitucionais comuns aos Estados‑Membros, tais direitos devem ser interpretados de harmonia com essas tradições.
(…)
6. As legislações e práticas nacionais devem ser plenamente tidas em conta tal como precisado na presente Carta.

4. Em resumo do modo como o Tribunal Europeu dos Direitos do Homem (doravante TEDH) tem vindo a interpretar os normativos supra enunciados em 3.ii. desta secção deste acórdão, bem como o Tribunal de Justiça da União Europeia (doravante TJUE) em sede de reenvio prejudicial - pese embora essencialmente em matéria relativa a questões do âmbito fiscal (mas que apresentam algumas similitudes com as que aqui nos cumpre apreciar) - permitimo-nos transcrever parcialmente as conclusões do Advogado‑Geral, Manuel Campos Sánchez‑Bordona, apresentadas em 12 de Setembro de 2017, no Processo C‑524/15, Menci Luca, junto do TJUE (consultável em https://eur-lex.europa.eu/legal-content/PT/TXT/HTML/?uri=CELEX:62015CC0524&from=PT):
A. Jurisprudência do Tribunal de Justiça relativa à aplicação do artigo 50.o da Carta ao cúmulo de sanções fiscais e penais

27.O princípio ne bis in idem aparece no direito da União com diversas variantes ( 12 ) cujo tratamento não foi ainda homogeneizado pelo Tribunal de Justiça, apesar dos pedidos nesse sentido de alguns advogados‑gerais ( 13 ). Não me dedicarei à análise da jurisprudência, mais restritiva, que o interpreta no campo das regras relativas à defesa da livre concorrência nem à que diz respeito ao artigo 54.o da Convenção de Aplicação do Acordo de Schengen, mais extensiva e protectora dos direitos dos arguidos nesta matéria.



28.A jurisprudência do Tribunal de Justiça relativa à aplicação do princípio ne bis in idem ao cúmulo de sanções fiscais e penais como resposta do Estado ao não pagamento de impostos (concretamente, do IVA) foi estabelecida no acórdão Åkerberg Fransson. Após utilizar os critérios Engel para clarificar quando é que uma sanção fiscal reveste, verdadeiramente, «carácter penal», apesar da sua configuração nominal como de natureza administrativa, o Tribunal de Justiça incluiu uma referência explícita à efectividade das sanções, cuja conexão com a jurisprudência do TEDH pode ser de difícil articulação.



29.No acórdão Åkerberg Fransson ( 14 ), após aceitar a sua competência para responder ao reenvio prejudicial ( 15 ), o Tribunal de Justiça afirmou que o princípio ne bis in idem «não se opõe a que um Estado‑Membro imponha, para os mesmos factos de inobservância das obrigações de declaração em matéria de IVA, sucessivamente uma sobretaxa fiscal e uma sanção penal, desde que a primeira sanção não revista carácter penal, o que compete ao órgão jurisdicional nacional verificar» ( 16 ). A liberdade de escolha de sanções por parte dos Estados‑Membros justifica‑se pela necessidade de garantir a cobrança da totalidade das receitas provenientes do IVA e, assim, a protecção dos interesses financeiros da União ( 17 ).



30.Mas o Tribunal de Justiça estabeleceu um limite ao cúmulo de sanções fiscais e penais: «quando a sanção fiscal reveste carácter penal, na acepção do artigo 50.o da Carta, e transita em julgado é que a referida disposição se opõe a que seja intentado um processo‑crime pelos mesmos factos contra a mesma pessoa». É, portanto, possível cumular as sanções fiscais e as sanções penais, mas não aplicar uma sanção nominalmente administrativa que, na realidade, seja de índole repressiva, conjuntamente com outra penal ( 18 ).



31.Por seu turno, para determinar quando é que uma sanção fiscal reveste carácter penal, o Tribunal de Justiça utilizou, como já referi, os «critérios Engel», que tinha adoptado anteriormente no processo Bonda ( 19 ). Mas, em vez de os aplicar por si próprio a uma legislação como a sueca, remeteu esta tarefa para o tribunal nacional de reenvio ( 20 ), com o caveat de apenas se poder concluir que o cúmulo de sanções fiscais e penais era contrário ao artigo 50.o da Carta se as restantes sanções fossem efectivas, proporcionadas e dissuasivas ( 21 ).



32.A eficácia no combate à fraude e a protecção dos interesses financeiros da União surgem, portanto, como contraponto para analisar a incompatibilidade do cúmulo de sanções fiscais e penais com o princípio ne bis in idem, quando se trata de tributos que afectam os referidos interesses.



33.A exigência de efectividade das sanções converte‑se numa condição, segundo o acórdão Taricco e o. ( 22 ), que condiciona a liberdade de escolha dos Estados‑Membros, uma vez que «podem ser indispensáveis sanções penais para combater, de forma efectiva e dissuasora, certos casos [graves] de fraude ao IVA». A limitação encontra, além disso, fundamento no artigo 325.o TFUE, nos termos do qual os Estados combaterão as actividades ilegais lesivas dos interesses financeiros da União com medidas dissuasivas e efectivas e, em particular, terão de adoptar, para lutar contra a fraude lesiva dos interesses financeiros da União, medidas análogas às que tomarem para combater as fraudes lesivas dos seus próprios interesses ( 23 ).



34.Finalmente, com os acórdãos Bonda ( 24 ) e Åkerberg Fransson o Tribunal de Justiça interpretou o artigo 50.o da Carta em sintonia ( 25 ) com a jurisprudência até então dominante do TEDH no que diz respeito ao ne bis idem ( 26 ). Esta convergência era lógica, dada a semelhança entre a regulação do ne bis in idem do artigo 4.o do Protocolo n.o 7 e do artigo 50.o da Carta ( 27 ).

B. Jurisprudência do TEDH relativa ao princípio ne bis in idem e ao cúmulo de sanções fiscais e penais

35.A protecção do princípio ne bis in idem no âmbito do Conselho da Europa não está isenta de complicações. Este direito não foi consagrado na CEDH, assinada em Roma em 4 de Novembro de 1950, e a sua protecção foi efectuada posteriormente pelo Protocolo n.o 7, ratificado por quarenta e quatro dos quarenta e sete Estados‑Membros do Conselho da Europa. O Reino Unido não o assinou e a Alemanha e os Países Baixos estão relutantes em ratificá‑lo. A Alemanha, no momento da sua assinatura, tal como diversos outros países durante a sua conclusão (Áustria, França, Portugal ou Itália) formularam reservas ou declarações nos seus instrumentos de ratificação, para limitar a competência do TEDH ao âmbito estritamente penal, por forma a poderem manter a dualidade de sanções administrativas e penais pelos mesmos factos ( 28 ).



36.A jurisprudência do TEDH limitou os efeitos destas reservas ou declarações ao exigir, em conformidade com o artigo 57.o da CEDH, o respeito das seguintes condições para a sua validade: formulação no momento da assinatura do Protocolo, referência a normas em vigor na data da ratificação, carácter geral e inclusão de uma breve descrição das normas contempladas ( 29 ). Por considerar que estas condições não se encontravam preenchidas, o acórdão do TEDH Grande Stevens e o. c. Itália ( 30 ) considerou inválida a declaração da Itália no instrumento de ratificação do Protocolo n.o 7, que pretendia reduzir a sua aplicação apenas às sanções e procedimentos qualificados como penais pelo direito italiano.



37.Segundo a jurisprudência do TEDH, o princípio ne bis in idem proíbe a instauração de dois ou mais processos de carácter penal (dupla acusação) e a aplicação de duas ou mais sanções penais definitivas (dupla punição) contra a mesma pessoa e pelos mesmos factos. O objectivo deste princípio consiste em impedir a repetição de processos penais já terminados, bem como garantir a segurança jurídica do indivíduo, protegendo‑o contra a incerteza de poder ser submetido a uma dupla acusação, um duplo processo ou uma dupla punição. Boa parte desta jurisprudência do TEDH diz respeito, em particular, à duplicação de sanções tributárias e penais.



38.A aplicação do princípio ne bis in idem pelo TEDH exige a verificação de quatro condições: 1) a identidade da pessoa julgada ou punida, 2) a identidade dos factos em juízo (idem), 3) a duplicação dos processos sancionatórios (bis) e 4) o carácter definitivo de uma das duas decisões. As condições relevantes para este processo, que suscitaram jurisprudência mais numerosa e controvertida do TEDH, são a identidade dos factos (idem) e a duplicação dos processos (bis).

1. Identidade dos factos (conceito de idem)

39.Este elemento do princípio ne bis in idem implica determinar se os processos que se repetem devem dizer respeito apenas à mesma conduta (idem factum) ou se é necessário, também, que se aplique a mesma qualificação jurídica (idem crimen).



40.A jurisprudência inicial do TEDH foi muito heterogénea e, em algumas situações de cúmulo de sanções penais e fiscais, considerou que os mesmos factos podiam ser objecto de sanção penal e de sanção administrativa, porque não tinham em conta os mesmos elementos ( 31 ).



41.Por influência da jurisprudência do Tribunal de Justiça relativa ao artigo 54.o da Convenção de Aplicação do Acordo de Schengen ( 32 ), o TEDH efectuou uma revisão e ordenação da sua jurisprudência no crucial acórdão Zolotoukhin c. Rússia ( 33 ), no qual afirmou que o artigo 4.o do Protocolo n.o 7 proíbe que uma segunda infracção seja punida com fundamento em actos idênticos, ou substancialmente iguais, aos que serviram de fundamento à primeira, qualquer que seja a sua qualificação jurídica (opção clara pelo idem factum e negação do idem crimen). O TEDH descreve a identidade dos factos como um conjunto de circunstâncias fácticas concretas que envolvem o mesmo infractor e estão indissociavelmente ligadas no tempo e no espaço ( 34 ).



42.Na sua jurisprudência posterior ( 35 ), o TEDH manteve esta posição, favorável às garantias dos indivíduos, consistente em apreciar o idem factum em face do idem crimen. No seu acórdão da Gran Sala A e B c. Noruega ( 36 ), voltou a confirmá‑lo.

2. Repetição dos processos sancionatórios (conceito de bis)

43.A duplicação de processos sancionatórios de carácter penal é o elemento que mais dificuldades suscitou na aplicação do artigo 4.o do Protocolo n.o 7. Quando se cumulam processos ou penas relativas a  acções idênticas, instruídos por órgãos jurisdicionais do ordenamento penal, a aplicação deste princípio não suscita grandes dificuldades. Contudo, existem regras de natureza repressiva que os legisladores nacionais podem configurar como sendo de direito administrativo sancionatório, e não de direito penal, para evitar a aplicação das salvaguardas e das garantias próprias dos processos penais ( 37 ).

a) Jurisprudência geral do TEDH

44.A proliferação de regras de direito administrativo sancionatório de carácter repressivo explica que o TEDH tenha desenvolvido critérios específicos e autónomos, desde o seu acórdão Engel e o. c. Países Baixos ( 38 ), para clarificar o conceito de «acusação em matéria penal» do artigo 6.o do CEDH e o conceito de «pena» do artigo 7.o do CEDH. Concretamente, para interpretar o artigo 4.o do Protocolo n.o 7, recorreu também aos denominados «critérios Engel» ( 39 ), a saber, a qualificação jurídica da infracção no direito nacional, a natureza da infracção e a natureza e intensidade ou gravidade da sanção aplicada ao infractor. Os dois últimos critérios são alternativos, mas o TEDH pode, em função das especificidades do processo, apreciá‑los de forma cumulativa ( 40 ).



45.No seu acórdão A e B c. Noruega, o TEDH reafirmou a utilização exclusiva dos critérios Engel, apesar de alguns Estados intervenientes no referido litígio terem sugerido outros critérios adicionais para endurecer a sua aplicação, para além das estritas fronteiras do direito penal ( 41 ).



46.O primeiro critério «Engel» diz respeito à qualificação da infracção em conformidade com o direito nacional, que o TEDH considera apenas como ponto de partida para determinar se uma sanção tem «carácter penal». É uma regra não determinante, excepto se o próprio direito nacional qualificar ambas as sanções como penais, em cujo caso o princípio ne bis in idem é, logicamente, aplicável. Se, pelo contrário, o ordenamento interno qualifica a sanção como administrativa, é realizada a sua análise à luz dos outros dois critérios, em função dos quais se irá decidir se, no entanto, a referida sanção tem «carácter penal» para efeitos do artigo 4.o do Protocolo n.o 7.



47.O segundo critério «Engel» diz respeito à natureza da infracção. Na jurisprudência do TEDH, para determinar se uma infracção fiscal de carácter administrativo tem, na realidade, natureza penal, recorre‑se a factores como: a) os destinatários da regra sancionatória, sendo que se se destinar ao público em geral, e não a um grupo de destinatários bem delimitado, terá, geralmente, «carácter penal» ( 42 ); b) o objectivo da referida regra, uma vez que a infracção não terá a referida natureza se a sanção prevista pretender reparar apenas os danos patrimoniais ( 43 ) e tê‑la‑á quando a sua tipificação sirva finalidades de repressão e de prevenção ( 44 ); e c) o bem jurídico protegido pela disposição nacional sancionatória, que terá carácter penal se o seu objecto consiste na salvaguarda de bens jurídicos cuja protecção é garantida normalmente por regras de direito penal ( 45 ).



48.O terceiro critério «Engel» diz respeito à natureza e ao grau de severidade da sanção. As penas privativas de liberdade revestem, por si próprias, carácter penal ( 46 ) e o mesmo se verifica com as sanções pecuniárias cujo incumprimento se possa traduzir numa prisão de substituição ou que impliquem uma inscrição no registo criminal ( 47 ).



49.Ao aplicar estes critérios a sanções fiscais em cúmulo com sanções penais, o TEDH considerou, diversas vezes, que as primeiras revestem «carácter penal», na acepção dos artigos 6.° e 7.° do CEDH e, por extensão, do artigo 4.o do seu Protocolo n.o 7 ( 48 ). Assim o considerou, concretamente, nos casos de sanções pecuniárias aplicadas em procedimentos administrativos por não pagamento de impostos, mesmo que o seu montante seja reduzido ( 49 ). Para chegar a esta conclusão, examina a natureza e a severidade da sanção apreciando a possibilidade da sua aplicação integral, isto é, sem ponderar o montante final produto de eventuais reduções decididas pela Administração Tributária ( 50 ). Neste sentido, declarou irrelevante que a primeira das sanções tenha sido descontada da segunda para atenuar a dupla sanção ( 51 ).



50.Pelo contrário, o TEDH afirmou que não têm carácter penal os procedimentos e as medidas fiscais que visem a recuperação dos impostos não pagos e a cobrança dos juros de mora, independentemente do seu montante ( 52 ).



51.Noutras decisões, o TEDH confirmou que a garantia inerente ao ne bis in idem é aplicável não apenas aos casos de dupla condenação, mas também aos de dupla acusação, ou seja, a quem tenha sido objecto de acusações que terminem sem condenação. Confirmou, também, que é indiferente que o procedimento administrativo seja anterior ou posterior ao processo penal, que a primeira sanção seja compensada com a aplicada no segundo, ou que a pessoa afectada tenha sido ilibada no termo do segundo ou do primeiro processo ( 53 ).



52.A vis expansiva desta jurisprudência do TEDH favoreceu a protecção dos particulares perante o poder repressivo das autoridades nacionais. Talvez esta circunstância explique a reacção de alguns Estados, perceptível nas teses que defenderam no processo A e B c. Noruega ( 54 ), a que o Tribunal foi sensível.

b) Excepção nos casos de processos mistos com uma relação temporal e material suficientemente estreita: o acórdão A e B c. Noruega

53.No acórdão A e B c. Noruega, o TEDH aceita que, perante sanções formalmente administrativas que tenham carácter penal, o artigo 4.o do Protocolo n.o 7 não é violado pelo cúmulo de processos penais e administrativos sancionatórios, sempre que exista uma relação material e temporal suficientemente estreita entre eles. Se o Estado prova que estes processos têm essa relação temporal e material, não existirá «repetição de processos ou de penas (bis)» ( 55 ).



54.Segundo o TEDH, para determinar se existe um nexo material suficientemente estreito entre os processos penais e administrativos sancionatórios, devem ser ponderados, especialmente, os seguintes critérios ( 56 ):


As finalidades complementares dos processos e a sua relação com diferentes aspectos da conduta lesiva para a sociedade. A complementaridade e a coerência serão tanto maiores quanto mais as sanções do procedimento administrativo estiverem afastadas do «núcleo duro do direito penal» e vice-versa ( 57 ).




A dualidade, jurídica e na prática, dos processos quando constitua uma consequência previsível da mesma conduta censurada.




A complementaridade na instrução dos processos que evite, quando seja possível, repetições na recolha e apreciação dos elementos de prova, graças à interacção entre as diversas autoridades, por forma a que o apuramento dos factos realizado num dos processos seja incorporado no outro.




O cômputo e a consideração da sanção proferida no primeiro processo, no momento da aplicação da sanção do segundo, de modo que a sanção ao particular não implique uma punição excessiva, sendo a existência de um processo de compensação adequada para evitar este risco.



55.No que diz respeito às orientações para demonstrar a relação temporal suficiente entre os processos, o TEDH é menos preciso. Limita‑se a indicar que não é necessário que o processo penal e o administrativo decorram simultaneamente, do início até ao fim, e acrescenta que a prova será tanto mais difícil para o Estado quanto maior for o desfasamento temporal entre os dois processos ( 58 ).



56.A comparação dos factos julgados no acórdão A e B c. Noruega, por um lado, e no acórdão posterior de 18 de maio de 2017, Jóhannesson e o. c. Islândia ( 59 ), por outro, demonstra os obstáculos quase insuperáveis que os juízes nacionais deverão enfrentar para, com um mínimo de certeza e previsibilidade, determinar a priori quando é que existe essa relação temporal.

C. Incidência do acórdão A e B c. Noruega no direito da União

57.Nos termos do artigo 52.o, n.o 3, da Carta, o sentido e o âmbito do seu artigo 50.o serão «iguais aos conferidos» na disposição correspondente da CEDH. Não se pode dissociar, na sua interpretação, o direito protegido pelo artigo 50.o da Carta do artigo 4.o do Protocolo n.o 7, sem que a ausência de ratificação ou as reservas e as declarações de determinados Estados ( 60 ) relativas a este último sejam relevantes para o Tribunal de Justiça.



58.Esta é a orientação implicitamente seguida no acórdão Åkerberg Fransson, em que não se aceitou que o nível de ratificações de um Protocolo do CEDH devesse incidir na sua utilização como orientação para interpretar o artigo 50.o da Carta, apesar das cautelas expressas neste sentido ( 61 ).



59.As Anotações ao artigo 52.o, n.o 3, da Carta afirmam que «[a] referência à CEDH visa tanto a Convenção como os respectivos protocolos». Não faz nenhuma distinção em função do facto de estes últimos vincularem ou não todos os Estados‑Membros da União ( 62 ). Além disso, esta diferenciação poderia resultar numa interpretação e numa aplicação da Carta não uniformes ( 63 ), em função do facto de o Estado estar ou não vinculado por um protocolo anexo à CEDH.



60.Ora, a alteração jurisprudencial realizada pelo TEDH com o seu acórdão A e B c. Noruega suscita um desafio importante ao Tribunal de Justiça. O respeito institucional entre os dois Tribunais impede qualquer comentário de sentido crítico ( 64 ), mas não impede considerar que, com a sua nova posição, o TEDH alterou de forma relevante o âmbito que tinha até agora conferido ao princípio ne bis in idem.



5. Em 20 de Março de 2018, foi proferido acórdão do TJUE (Grande Secção), no sobredito Processo C‑524/15, Menci Luca, com o seguinte dispositivo:
Pelos fundamentos expostos, o Tribunal de Justiça (Grande Secção) declara:
1) O artigo 50 da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia deve ser interpretado no sentido de que não se opõe a uma regulamentação nacional nos termos da qual podem ser instaurados processos penais contra uma pessoa, por não pagamento do imposto sobre o valor acrescentado devido nos prazos legais, apesar de já lhe ter sido aplicada, pelos mesmos factos, uma sanção administrativa definitiva de natureza penal na acepção do referido artigo 50, na condição de esta regulamentação visar um objectivo de interesse geral que seja susceptível de justificar esse cúmulo de procedimentos e de sanções, a saber, a luta contra as infracções em matéria de imposto sobre o valor acrescentado, devendo esses procedimentos e essas sanções ter finalidades complementares,
– conter regras que assegurem uma coordenação que limite ao estritamente necessário o encargo adicional que para as pessoas em causa resulta de um cúmulo de procedimentos, e
– prever regras que permitam assegurar que a severidade do conjunto de sanções aplicadas se limite ao estritamente necessário face à gravidade da infracção em causa.
2) Cabe ao órgão jurisdicional nacional certificar‑se, tendo em conta o conjunto de circunstâncias no processo principal, de que o encargo que resulta concretamente para a pessoa em causa da aplicação da regulamentação nacional em questão no processo principal e do cúmulo de procedimentos e de sanções que esta autoriza não é excessivo face à gravidade da infracção cometida. (disponível em http://curia.europa.eu/juris/liste.jsf?num=C-524/15&language=PT#).

6. Mostrou-se este prólogo necessário para enquadrar, em termos sintéticos, a posição jurisprudencial externa (TEDH e TJUE), no que concerne à questão de existência de regulamentação nacional, que prevê e permite a instauração simultânea de processos de carácter administrativo e penal, que incindem sobre um conjunto de factos que, em termos naturalísticos, se interligam entre si.
O que decorre do que se deixa dito é que as instâncias judiciais internacionais não têm deliberado no sentido da inadmissibilidade da opção por tal tipo de solução, no âmbito das legislações internas, antes enunciando alguns parâmetros de análise, perante o caso concreto, para averiguação da existência ou não de eventual duplicação de condenação.

7. Em Portugal, há já largas décadas que se faz a aplicação concreta do princípio ne bis in idem, pelo recurso a institutos próprios quer, exclusivamente, do direito criminal (caso da consumpção) quer através da aplicação subsidiária de normas que se mostram, em grande parte, consignadas em sede cível, como o caso julgado e a litispendência, por exemplo (aplicáveis ao processo penal ex vi artº 4º do C.P.Penal), o que implica um esforço de adaptação desses normativos a um processado em que se não pretende dirimir, em primeira linha, os interesses das partes (como sucede, maioritariamente, no âmbito civil).
À análise de tais institutos aditaremos ainda a atenção aos critérios que acabámos de enunciar - em sede da mais recente jurisprudência emitida pelo TEDH e pelo TJUE a propósito desta questão - com especial ênfase para os que constam da decisão cujo dispositivo se mostra supra transcrito, dada a sua actualidade.
De igual modo não se perderá de vista que tais parâmetros e decisões proferidas por Tribunais não nacionais, não obstante algum grau de similitude com a questão aqui em apreciação nos autos, reconduzem-se a problemáticas do foro exclusivamente fiscal (isto é, condenações por questões fiscais no âmbito administrativo e em sede criminal), que têm pontos de apreciação específicos, face aos que aqui temos de analisar.
E, finalmente, atender-se-á ainda que, como resulta da decisão acabada de transcrever, mesmo as instâncias internacionais entendem que a questão deverá ser solucionada, em primeiro lugar, por recurso ao estudo e enquadramento da legislação nacional, dos parâmetros na mesma definidos e das soluções legislativas – ajustadas pela interpretação jurisprudencial e doutrinária portuguesas – na mesma consignadas (uma vez que as legislações nacionais europeias têm enquadramentos e deliberações diversas em resposta a este tema), havendo então a final que ponderar se a solução alcançada ataca ou sequer belisca os princípios gerais ínsitos na legislação acima transcrita, designadamente na CEDH e na Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia, interpretada segundo os parâmetros também supra expostos.
 
8. Vejamos então.
Em síntese apertada do que os recorrentes invocam, constatamos que estamos em presença de três situações em concreto, relativamente às quais haverá que averiguar se ocorre, por virtude da decisão proferida nestes autos, violação de tal normativo constitucional, vertido no nº5 do seu artº 29, designadamente:

i. No que se refere ao arguido JO…, entende o mesmo que, dado o que invoca, os presentes autos constituem uma violação do principio ne bis in idem, pelo que pretende que haja lugar à extinção do procedimento criminal pendente nestes autos, relativamente a todos os crimes que lhe são imputados.
Invoca então os seguintes argumentos:
a. O primeiro, que se reporta a processos movidos em sede contra-ordenacional, nomeadamente, o processo de contra-ordenação n.º …/…/CO movido pelo BdP (contra os arguidos JO… e JV…, entre outros) e o processo de contra-ordenação n.º …/…/CO (movido pelo BdP (contra o 1º arguido e o arguido FS…, entre outros), relativamente à matéria relacionada com a viciação da contabilidade do BPN, SA, que não revelava a real situação patrimonial daquela instituição. Invoca ainda o processo de contra-ordenação n.º …/… movido pela CMVM contra si.
b. O segundo, relativo à questão da correlação entre os presentes autos e o processo-crime n.º …/…teslb (os negócios versados em ambos os processos são matérias indissociáveis), bem como o processo-crime n.º …/…TELSB e ainda o proc. nº …/…TELSB.

ii. No que se refere ao arguido JV…:
- À circunstância de ter sido já punido no âmbito do processo contra-ordenacional n.º …/…/CO, que correu termos junto do Banco de Portugal e do Tribunal da Concorrência, Regulação e Supervisão;
- À circunstância de não poder ser condenado, no âmbito dos presentes autos, pela prática, em concurso real, de um crime de falsificação e um crime de burla, uma vez que estamos perante um caso de relação de valor entre crime-meio e crime-fim, existindo um concurso aparente de crimes subsumível ao princípio da conjunção impura entre o crime de burla qualificada e o crime de falsificação de documento simples. Ocorreria, pois, consumpção do crime de falsificação pelo crime de burla (por mais fortemente punido).

iii. No que se refere aos arguidos LC…, FS…, LM…, LAl… e IC…:
A questão é apenas proposta no que se refere ao crime de falsificação de documentos, pelo qual foram condenados nos presentes autos, entendendo que a violação ao princípio acima citado se refere à circunstância de terem já sido condenados e punidos no âmbito do processo contra-ordenacional n.º …/…/CO, bem como do proc. n.º …/CO/CMVM (arguido FS…), que correram termos junto do Banco de Portugal e do Tribunal da Concorrência, Regulação e Supervisão.

9. Decidindo.
Comecemos pelas questões propostas pelos arguidos JO… e JV… e que apenas a estes concernem, isto é, retiremos, neste momento, da equação, a vertente da questão relativa ao crime de falsificação pelo qual foram ambos (bem como os restantes arguidos/recorrentes) condenados, na sua correlação com os restantes processos contra-ordenacionais e com os processos-crime n.º …/…teslb e n.º …/…TELSB.

10. O arguido JO… foi condenado nestes autos pela prática dos seguintes crimes (para além do crime de falsificação):
Um crime de burla – que abrangeu toda a factualidade relativa ao congeminar e à obtenção, por meio de erro ou engano, do controlo do grupo BPN/SLN, de modo secreto e encoberto, por si e em colaboração, em determinados actos, com vários arguidos, em seu benefício e em prejuízo de outrem (consoante as medidas que tinham de ser tomadas, face a cada acto de concretização dessa estratégia e as funções que esses arguidos tinham no grupo e que determinavam a necessidade da sua intervenção).
Um crime de abuso de confiança – Apropriação de montantes que lhe haviam sido entregues por título não translativo da propriedade, com os mesmos enriquecendo o seu património pessoal.
Um crime de branqueamento de capitais – Parqueou e fez transitar através da Galeria Filomena Soares montantes de que ilegitimamente se apropriou, por esse modo conseguindo que os mesmos reentrassem na sua esfera jurídica, como se de rendimentos obtidos por forma legal se tratassem.
Um crime de fraude fiscal qualificada – Fez emitir pelo BPN duas facturas falsas (porque não correspondiam a serviços efectivamente prestados), no seguimento de questões relacionadas com a aquisição de terrenos rústicos para instalação da Labicer.
11. O arguido JV… foi condenado nestes autos pela prática dos seguintes crimes (para além do crime de falsificação):
 Crime de burla qualificada – que abrangeu a factualidade relativa ao congeminar e à obtenção, por meio de erro ou engano, do controlo do grupo BPN/SLN, de modo secreto e encoberto, em colaboração com vários arguidos, em seu benefício e em prejuízo de outrem, através da instrumentalização de uma sociedade bancária (o Banco Insular);
Crime de abuso de confiança – Apropriação de montantes que lhe estavam confiados, por virtude das funções que desempenhava enquanto presidente do Banco Insular, por título não translativo da propriedade, com os mesmos enriquecendo o seu património pessoal.
12. Comecemos então pela questão do concurso de normas.
Um concurso de normas reconduz-se à “aptidão de várias normas para serem aplicadas ao mesmo facto. A aplicação de uma norma implica a qualificação, a valoração de facto, isto é, a atribuição a esse facto de efeitos jurídicos (Direito Penal Português, Parte Geral I, Cavaleiro de Ferreira, pág.162.).

i. A forma como tal concurso poderá ser resolvido pressupõe que se averigue, face ao caso concreto, qual a relação em que se encontram as normas em apreço, designadamente se estamos perante uma relação de especialidade, subsidiariedade ou consumpção (para usarmos a terminologia mais habitual nesta sede) ou se se está perante uma pura progressão criminosa.
Significa isto que se pretende aferir se estamos perante um concurso ideal – em que uma das normas se torna prevalente em relação às restantes – ou perante um concurso real – em que ambas as normas são aplicáveis ao facto, entendido na sua unidade.

ii. Defende o recorrente JV… que, neste caso concreto, se verificaria o fenómeno da consumpção, uma vez que o crime de burla consumiria, abarcaria, os actos de falsificação que o tribunal “a quo” deu como provados, por estes se tratarem de crimes-meio ou crimes-instrumento; ou seja, os factos potencialmente integradores dessa norma em concurso teriam de ser entendidos como acompanhantes, concomitantes, factos prévios não puníveis.
Como refere Figueiredo Dias, Direito Penal, Parte Geral, I, pág. 1020, a consumpção surge quando “os sentidos e os conteúdos singulares dos ilícitos se interceptam e se cobrem mutuamente, de tal modo que valorá-los na sua integralidade significaria violação da proibição da dupla valoração”, isto é, consistiriam na infracção ao princípio do “ne bis in idem”.

iii. Operação essencial à determinação da ocorrência ou não dessa subsidiariedade, é a apreciação e valoração de todo o iter criminis.
Isto significa que necessário se mostra (para que se possa concluir pela consumpção), que a análise da matéria fáctica dada como assente – que descreve o agente em movimento – nos permita afirmar que uma determinada actividade consubstanciou o meio estritamente necessário para que aquele alcançasse o seu objectivo, que o mesmo actuou prosseguindo uma unitária intenção criminosa e que se verifica a intercepção de conteúdos acima referida.
Assim, e no caso dos autos, a actuação querida (na tese que o recorrente propugna) seria exclusivamente a factualidade que integra o ilícito de burla (crime-fim), sendo que a demais actividade assente, reportada à falsificação de documentos, apenas teria ocorrido com vista a tal fim (crime-meio), inexistindo uma vontade autónoma que tenha presidido à sua individual prossecução e não existindo outro meio para obter o pretendido resultado.
 
iv. Sucede, todavia, que não se vislumbra onde o recorrente pode ancorar tal entendimento.
Efectivamente, o que a narração dos factos nos descreve são autónomas intenções criminosas, que se consubstanciam na prática de ilícitos que protegem bens jurídicos também eles autónomos.
Na realidade (e aqui seguiremos de perto o Acórdão de Uniformização de Jurisprudência do S.T.J., processo nº 29/04.0JDLSB-Q.S1, de 5 de Junho de 2013, DR, I SÉRIE, 131, 10.07.2013, P. 4015, de onde se extraíram as citações a seguir transcritas, com sublinhados nossos), “no caso do crime de burla e falsificação estamos em face de tipos legais distintos que visam proteger bens jurídicos diversos, nomeadamente, na burla, o agente, actuando com a intenção de conseguir um enriquecimento ilegítimo (próprio ou alheio), induz outra pessoa em erro, fazendo com que esta, por esse motivo, pratique actos que causam a si mesma (ou a terceiro) prejuízos de carácter patrimonial. O bem jurídico aqui protegido consiste, pois, no património, globalmente considerado. A burla é um crime de dano, cuja consumação só ocorre com a efectiva lesão do património. Por seu turno, a burla apresenta-se como um crime de resultado cortado ou parcial, já que no plano objectivo basta o prejuízo patrimonial (ou de terceiro) e, no plano subjectivo, exige-se que o agente actue com a intenção de obter (para si ou para outrem) um enriquecimento ilegítimo que não carece de concretização objectiva, bastando para o efeito que se observe o empobrecimento da vítima. (…)” Por seu turno o “crime de falsificação de documento é um crime contra a vida em sociedade, em que é protegida a segurança e confiança do tráfico probatório, a verdade intrínseca do documento enquanto tal, como bem jurídico. É um crime de perigo (o mero acto de falsificação põe em perigo a segurança e credibilidade no tráfico jurídico probatório) abstracto (basta que o documento seja falsificado para que o agente possa ser punido). Um crime intencional em que o agente necessita de actuar com «intenção de causar prejuízo a outra pessoa ou ao Estado, ou de obter para si ou para outra pessoa benefício ilegítimo» não se exigindo no entanto, uma específica intenção de provocar um engano no tráfico jurídico. Mas é um crime em que deve ser devidamente enfatizada a essencialidade da existência ou possibilidade de um prejuízo a outra pessoa ou ao Estado, sendo que o benefício e o prejuízo podem ser de ordem económica ou moral.
Sublinha-se ainda no mesmo Acórdão que exigindo-se que o agente actue com intenção de causar um prejuízo ou de obter um benefício ilegítimo mantém-se o crime de falsificação de documentos ainda em estreita ligação com o crime de burla». Com efeito, é um crime intencional: para que as condutas desenhadas nas alíneas a) a c) do n.º 1 do art. 256.º sejam puníveis é necessário que o agente tenha actuado com «intenção de causar prejuízo a outra pessoa ou ao Estado, ou de obter para si ou para outra pessoa benefício ilegítimo». É, pois essa especial inclinação da vontade do agente que faz toda a diferença, determinando (se existente) a punição que, assim, fica dela dependente.“

v. Similarmente entendeu o Tribunal Constitucional no acórdão nº 76/02 de 26.2.2002 (proc. n.º 647/98) que, «também nestes casos, os bens jurídicos protegidos (a segurança e a credibilidade no tráfico jurídico probatório relacionado com documentos no primeiro caso e a realização da justiça no segundo caso) tem claramente uma natureza supra individual, residindo a sua titularidade no EstadoNa verdade, se é certo que a falsificação pode constituir o meio, o artifício fraudulento que está no cerne da burla, igualmente é exacto que, na comparação dos dois tipos, existe uma bipolaridade de bens jurídicos protegidos o que aliás se revela na sua diferente natureza (pública e semi-pública), reflectindo tal diversidade. Consequentemente, à pluralidade de tipos legais integrados deve corresponder uma pluralidade de crimes. Aliás, importa realçar que, independentemente da proximidade que exista entre os bens jurídicos protegidos pelos tipos em causa, a pluralidade de resoluções prévias significa uma pluralidade de crimes cometidos pois que se violam as determinações de diferentes normas e, consequentemente, são autónomos os fundamentos para o juízo referencial de censura em que a culpa se analisa.”
 
vi. Ora, no caso que nos ocupa, verifica-se a existência de uma intencionalidade dirigida não só à obtenção de um benefício ilegítimo (ponto 945 dos factos provados), mas ainda uma vontade de prosseguir outras actividades (ponto 947 dos factos provados) intencionalidade esta que perseverou ao longo de um período temporal de vários anos em que, para além do benefício pessoal que logrou alcançar, o recorrente quis e pôs em perigo a segurança e confiança do tráfico probatório, a verdade intrínseca do documento enquanto tal, como bem jurídico.

vii.  Na verdade, a aquisição, destinada a instrumentalizar o Banco Insular, com a subsequente falsificação dos seus registos contabilísticos, não eram o único meio possível para ser alcançado o desiderato pretendido, de benefício e prejuízo, através de engano astuciosamente provocado, como aliás demonstra o período anterior e mesmo o posterior à aquisição de tal entidade bancária, em que tal propósito foi sendo alcançado pelo recurso a outros meios (BPN Cayman e BPN IFI).
Desta mera constatação decorre que a opção pela falsificação, na modalidade escolhida, atento o modo como os factos decorreram e o período temporal em que se processaram - que começa com a decisão de aquisição do Banco Insular, com o modo como foi adquirido, o fim de tal aquisição e a sua específica forma de operacionalização, a adulteração a que as contas do BI foram sujeitas, que foi sendo realizada nos vários anos em que tal entidade bancária esteve sob a presidência do arguido JV…, como se mostra espelhado na factualidade dada como assente (falsificação essa que se não limitou a um incidente concreto e único, mas sim a uma multiplicidade deles, ao longo de cerca de 8 anos) – bem demonstra a pluralidade de resoluções em relação ao crime de burla, pois para se obter o resultado pretendido com esta última (controlo de gestão encoberta de um grupo financeiro), não se mostrava intrinsecamente necessária a realização dos actos de falsificação como os que foram, efectivamente, praticados.

viii. Na verdade, para a concretização do crime de burla não se mostrava necessária e forçosa a aquisição encapotada de toda uma entidade bancária – o Banco Insular – e a posterior adulteração da sua contabilidade. O desiderato pretendido (a burla) poderia ser alcançado através de uma série de outros mecanismos (como aliás decorre da matéria de facto dada como assente que o foi, designadamente através do recurso a sociedades offshore, à utilização do BPN IFI e do BPN Cayman, por exemplo), de onde resulta que outras soluções houve antes da compra do BI, assim como durante o período em que este esteve em funcionamento, bem como que outros modos de alcançar tal objectivo seriam possíveis, designadamente através do recurso a modos de financiamento externos ao Grupo.

ix. Assim, os actos praticados pelo arguido, em sede de falsificação contabilística, não se mostram, por um lado, estritamente necessários para a obtenção do resultado pretendido e, por outro, ainda que o fossem, teriam consequências que ultrapassariam a mera obtenção do almejado fim.
Na realidade, tal falsificação teve repercussões que vão muito além das que decorreram por virtude da burla, através da qual foram induzidos em erro ou engano as entidades que aos arguidos cabiam administrar, directa ou indirectamente.
A burla (como infra mais pormenorizadamente se referirá, quando analisarmos as questões de direito propostas em recurso pelos arguidos – vide I., §§. C.) consistiu no uso de meios enganosos que permitiram que algumas pessoas agissem em nome e em representação dos accionistas, mas fizeram-no enganando-os, para atingirem os seus propósitos de controlo efectivo de um Grupo, o que os accionistas desconheciam, não se apercebendo da efectiva dimensão e realidade desse controlo, nem do prejuízo efectivo que daí lhes advinha, para si e para o Grupo.
 Por seu turno, a falsificação determinou uma alteração da realidade quanto às verdadeiras circunstâncias financeiras do grupo, que era ignorada por accionistas, depositantes e público em geral, levando-os a tomar decisões - quer de aquisição ou de retenção de venda de acções, quer de depósito e subscrição de produtos – com base nessa adulteração da verdade, pois confiavam na veracidade probatória da contabilidade apresentada.
 
x. O que decorre do que se deixa dito é que tal actuação violou, efectiva e autonomamente, o bem jurídico que a lei quis proteger através da criminalização da falsificação, pois pôs em perigo a segurança e credibilidade no tráfico jurídico probatório e causou prejuízo, quer a outras pessoas (em particular, aos accionistas e depositantes) quer ao Estado (que na sua dimensão ampla necessita desse elemento contabilístico seguro, que lhe fornece informações a respeito do património da empresa, nomeadamente para fins fiscais).
Na verdade, a contabilidade tem por fim a possibilidade de controlo financeiro de uma organização, auxilia na distribuição de lucros, evita fraudes e garante a segurança do património empresarial, sendo ainda uma ferramenta de gestão empresarial e permitindo que terceiros possam tomar decisões de investimento (ou depósito) informadas.

xi. Daqui decorre que a viciação da contabilidade neste caso concreto – especialmente com a amplitude da que decorre da actuação deste arguido, que foi peça essencial no encobrimento da existência de uma filial (um banco inteiro, o Banco Insular, durante quase uma década) do Grupo SLN/BPN – viola bens jurídicos que se mostram fora do âmbito do crime de burla, que tutela, protege, não a veracidade do tráfico probatório, mas antes a propriedade.

xii. Assim, há que constatar, como se afirma no acórdão do TC. acima transcrito que, no caso, se é certo que a falsificação pode constituir o meio, o artifício fraudulento que está no cerne da burla, igualmente é exacto que, na comparação dos dois tipos, existe uma bipolaridade de bens jurídicos protegidos (…). Consequentemente, à pluralidade de tipos legais integrados deve corresponder uma pluralidade de crimes. Aliás, importa realçar que, independentemente da proximidade que exista entre os bens jurídicos protegidos pelos tipos em causa, a pluralidade de resoluções prévias significa uma pluralidade de crimes cometidos pois que se violam as determinações de diferentes normas e, consequentemente, são autónomos os fundamentos para o juízo referencial de censura em que a culpa se analisa.

xiii. E se assim é, há que concluir pela inexistência de consumpção deste ilícito com o crime de burla, verificando-se uma situação de concurso real, pelo que a decisão proferida a este propósito pelo tribunal “a quo” deve ser mantida.
13. Prosseguindo.

i. No que respeita ao arguido JO…, o que se deixa dito aplica-se, mutatis mutandis, à condenação a si relativa no que se refere aos crimes de burla e falsificação.

ii. No que concerne aos crimes de abuso de confiança, burla e branqueamento de capitais, pese embora o arguido defenda a “extinção do procedimento criminal” com fundamento na violação do princípio “ne bis in idem”, ultrapassa-nos, francamente, quais os argumentos concretos em que tal violação se poderia fundar.
Senão, vejamos:

a. A matéria a que o arguido alude reporta-se a diversos actos que foram praticados, tendo em vista um triplo propósito – a “aquisição” para a esfera do arguido de 29 milhões de acções da SLN SGPS, no âmbito do aumento de capital realizado em Dezembro de 2000, a obtenção de quantitativos monetários adicionais, para este arguido e a dissimulação da origem ilícita de todos estes fundos.

b. Assim, na condenação pela prática de um único crime de burla, bem como na condenação pela prática do crime de abuso de confiança, foi incluída a factualidade relativa ao modo como obteve fundos para proceder ao pagamento dos iniciais 30% relativos ao preço de aquisição das ditas acções (venda de acções próprias à EMKA, obtendo mais-valias ilegítimas; instrumentalização da Invesco, aproveitando e usando as mais-valias que esta havia obtido sem que, no momento em que assim actuou, tivesse qualquer título que legitimasse tal operação; venda à Zemio - de que era então beneficiário efectivo - de acções que tinha em carteira, através de fundos sacados à Venice), assim como o modo como se apropriou ilegitimamente de quantitativos monetários, que não só lhe permitiram proceder ao pagamento de 70% do preço de aquisição de 29 milhões de acções da SLN SGPS, como arrecadar proventos em dinheiro para si, aí se descrevendo igualmente a forma como tal propósito foi alcançado – através do pagamento do empréstimo que havia contraído junto do Fortis Bank, com financiamentos do Banco Insular, sob a forma de contas correntes caucionadas associadas à conta alfanumérica A1.

c. Finalmente, a condenação pela prática do crime de branqueamento de capitais funda-se nos factos referentes ao modo como procedeu à “lavagem” do dinheiro que obteve ilegitimamente; isto é, à forma como dissimulou a origem ilegítima dos proventos que ilicitamente alcançou, através dessas operações de obtenção de fundos para aquisição de 29 milhões de acções da SLN SGPS, de modo a que os pudesse usar como se os mesmos lhe pertencessem legalmente.

iii. É verdade que entre estes três crimes - este segmento do crime de burla (que é apenas uma pequena parte da totalidade de actos que vieram a ser unificados em sede do cometimento deste ilícito), abuso e branqueamento - existe correlação, pois o branqueamento de capitais surge, precisamente, da necessidade que o arguido sentiu de voltar a fazer entrar no circuito económico capitais de que se tinha ilegalmente apossado.

a. Sucede, todavia, que não só estes três crimes protegem bens jurídicos diversos (no crime de abuso de confiança, o bem jurídico protegido é a propriedade sobre coisas móveis alheias, recebidas por título que determine a obrigação de as restituir, contra os comportamentos ilícitos apropriativos das mesmas; no crime de branqueamento de capitais é a tutela da pretensão estadual ao confisco das vantagens do crime, concretamente, o interesse da justiça na detecção e perda das vantagens de certos crimes; vide infra quanto ao crime de burla), como a própria Lei impõe, no caso do terceiro - branqueamento de capitais - como elemento integrante do tipo, a existência de crime precedente (vide artº 368-A do C.Penal); isto é, o crime de branqueamento de capitais exige sempre a prática de um outro crime, daí surgindo a vontade do agente do crime de dar uma aparência de origem legal a bens de proveniência ilícita, de modo a encobrir a sua verdadeira fonte.
E daí, desde logo, que se tenha de concluir pela inexistência de consumpção entre este crime e os restantes, por manifesta tutela autónoma e diversa de bens jurídicos.

b. De igual modo assim se terá de entender (inexistência de relação de consumpção) entre o crime de abuso de confiança e o crime de burla qualificada pois, embora em ambos os crimes o bem jurídico protegido seja a defesa do património, a tutela legal diversa e autónoma é dirigida aos diferentes modos como se processa o alcançar de tal desígnio - o ataque aos bens de outrem.
Enquanto no crime de abuso de confiança a apropriação incide sobre uma coisa entregue licitamente ao agente, na expectativa, portanto, da sua oportuna devolução ao seu legítimo proprietário, sendo tal entrega realizada no contexto de uma relação de fidúcia entre o agente e o proprietário, no crime de burla a actividade astuciosa que provoca o erro ou engano sobre os factos, tem de determinar essa entrega, esse prejuízo patrimonial, nunca se verificando pois, qualquer inicial transmissão lícita.
Assim, na burla, o desapossamento, o empobrecimento da vítima resulta de um acto de engano, enquanto que no abuso de confiança tudo se inicia e processa sem qualquer erro ou ardil, pelo que a actividade ilícita apenas se verifica quando se inicia a apropriação ilegítima.
São acções e intenções que, embora violem a protecção do bem jurídico propriedade, são autónomas entre si, pois requerem do agente que as pratica a formulação de vontades de agir, independentes e diversas, para poder alcançar os seus propósitos, sendo cada uma delas dirigida à dita violação da tutela do bem jurídico protegido.

iv. Finalmente, no que toca ao crime de fraude fiscal, o enquadramento jurídico de tal ilícito funda-se na factualidade relativa à emissão de duas facturas falsas, actividade esta correlacionada com a aquisição de terrenos rústicos para implantação da fábrica onde a Labicer viria a exercer a sua actividade.
O bem jurídico aqui protegido é o regular funcionamento do sistema fiscal.

v. Ora, considerando os factos que o tribunal “a quo” deu como assentes e que entendeu preencherem os elementos constitutivos dos crimes cuja prática assacou ao arguido:
a. No crime de burla: indução em erro ou engano das entidades cujo património lhe competia administrar, directa ou indirectamente;
b. No crime de abuso de confiança: retirada e apropriação, para si e para terceiros, de fundos do grupo SLN/BPN;
c. No crime de fraude fiscal: não liquidação, entrega ou pagamento da prestação tributária, susceptível de causar diminuição das receitas tributárias;
d. No crime de branqueamento de capitais: dissimulação, transferência ou conclusão de uma operação destinada a dissimular a identificação da proveniência ilícita,
analisando-os à luz dos bens jurídicos que, cada um deles, pretende proteger, resulta a manifesta inaptidão de qualquer outra norma poder ser aplicada a cada um daqueles conjuntos de factos; isto é, é patente a inexistência de concorrência normativa em relação aos mesmos.

vi. Do que se deixa dito retira-se que, no que concerne aos arguidos e crimes sobre os quais nos acabámos de pronunciar, não assiste razão aos recorrentes na invocação da violação do princípio “ne bis in idem”, sucumbindo pois, em consequência, os pedidos de extinção do procedimento criminal, bem como os pedidos absolutórios que em tal argumentário se fundavam.

14. Apreciemos agora a questão relativa ao crime de falsificação.
A. Antes de entrarmos na apreciação da questão da proibição do “ne bis in idem” que os arguidos JO…, JM…, LC…, FS…, LM…, LAl… e IC… formulam quanto a este crime, convirá deixar esclarecidos os seguintes pontos:

i. Desde logo, caberá referir que, no que respeita a todos os arguidos acabados de mencionar, a condenação determinada pelo tribunal “a quo”, no que respeita a este ilícito, não abrangeu apenas actos directos de falsificação contabilística, mas igualmente a sua actividade, em sede de celebração de contratos que eram falsos.

ii. Efectivamente, face à matéria fáctica provada, constata-se que os arguidos praticaram os seguintes actos:

a. Produção de contratos de conveniência, celebração de protocolos e contrato de promessa de compra e venda falsos, relativos à pretensa cisão, através da qual a SLN Imobiliária e suas participadas deixavam de constar (falsamente) como integrando o Grupo SLN/BPN (venda à Camden), em que tiveram intervenção os arguidos JO…, FS…, LC… e IC… (vide, entre outros, factos 412 a 454);

b. Contrato de pretensa aquisição de créditos à Keresley, pela SLN Investimentos, em que tiveram intervenção os arguidos JO…, FS…, LC…, IC…, LM… e LAl… (factos 560 a 571);

c. Contratos relativos à pretensa cisão da Validus, em que tiveram intervenção JO…, FS…, LC…, IC…, LM… e LAl… (factos 588 a 592);

d. Contrato relativo à pretensa venda de 1.250.000 acções da SLN SGPS pela Invesco à nova Validus, em que teve intervenção o arguido JO… (factos 635 a 644);

e. Contrato de pretensa compra e venda de quadros pelo BPN à Galeria Filomena Santos, em que teve intervenção o arguido JO… (facto 850);

f. Contratos de pretensa venda de acções da Insular Holdings a quatro accionistas, em que tiveram intervenção os arguidos JO… e JM… (factos 126 a 130).

iii. Essa factualidade foi integrada juridicamente no âmbito de um único crime de falsificação de documento, relativamente a cada um dos arguidos, em sede de acórdão proferido pelo tribunal “a quo”, por ter este entendido que “Vários arguidos estão pronunciados só por um crime de burla, abuso de confiança ou falsificação. No entanto, vimos que as suas condutas integram-se nestes crimes, em momentos temporais distintos e negócios distintos.  Concurso real? Não. “Maxime” seria crime continuado. Mas entendemos que o correcto enquadramento passa pelo crime único. Tivemos oportunidade de ver que os propósitos delineados foram estabelecidos, logo no início, aquando da constituição do grupo SLN/BPN. As condutas posteriores integram-se todas nesses propósitos formulados inicialmente, sendo mera consequência deles. Ou seja, às plúrimas condutas activas e omissivas que se foram prolongando por vários anos presidiu uma única resolução criminosa. As várias condutas são, assim, englobadas num todo, num crime, não um crime continuado de acordo com o conceito que deste vem acolhido na lei substantiva, mas de execução continuada em que o estado de antijuridicidade criado com a primeira foi sendo mantido e prolongado por vários anos pelas outras que lhe foram sucedendo.”
 
iv. O que daqui decorre é simples: ainda que se verificasse uma situação de violação do princípio “ne bis in idem”, no que concerne aos actos directos de falsificação da contabilidade da SLN SGPS SA (situação que, adiantamos desde já, se não verifica), a verdade é que a restante factualidade relativa à celebração de falsos contratos, em que os arguidos intervieram, ganharia autonomia e teria sempre de ser alvo de apreciação nestes autos.

B. Por seu turno, há ainda que atender às seguintes circunstâncias.

i. No que respeita aos arguidos LC… e IC…, o tribunal “a quo”, ao proceder ao enquadramento jurídico da factualidade que quanto a ambos julgou provada, englobou numa única incriminação (crime único), quer a actuação relativa à falsificação de movimentos bancários e contabilísticos do grupo BPN/SLN, quer uma outra mais específica – a relativa à sua intervenção na escritura pública de mútuo da Breslan à Plexpart, pois considerou que, em termos de direito, a incriminação resultante dos factos relativos ao contrato de mútuo consumiu a que resultaria da colaboração na falsificação dos registos contabilísticos, por a primeira ser mais fortemente punida e por se tratar do mesmo ilícito (1º falsificação qualificada, 2º simples). A segunda factualidade (isto é, a concernente aos restantes actos de adulteração) apenas foi atendida para efeitos de dosimetria da pena.

ii. Tendo havido lugar à consumpção (o crime mais fortemente punido consumiu o crime da mesma natureza menos fortemente incriminado), haverá que constatar que se mostra já cumprido o princípio a que ambos os arguidos aludem, sendo certo que a factualidade relativa à escritura de mútuo não foi ponderada ou sequer referida, para efeitos de enquadramento jurídico, em qualquer um dos processos a que os arguidos fazem referência nos seus recursos (designadamente os processos de natureza contra-ordenacional nºs …/…/CO e …/…/CO, onde foram condenados em coimas e sanções acessórias, nos precisos e idênticos termos, em sede de enquadramento jurídico, dos restantes arguidos e a que infra faremos mais detalhada referência).

iii. Assim, quanto a estes dois arguidos (LC… e IC…) e no que respeita à questão de violação do princípio “ne bis in idem”, temos de concluir não lhes assistir razão pelo que, nesta parte, terão de improceder os pedidos que da verificação dos argumentos pelos arguidos avançados dependiam.

C. Merece ainda menção separada a questão proposta pelo arguido LAl….

i. Pese embora o arguido LAl… tenha invocado a questão do “ne bis in idem” no que se refere ao crime de falsificação pelo qual foi condenado nestes autos, a verdade é que não foi o mesmo condenado, absolvido ou sequer considerado como arguido (vide fls. 13259 – apenso R, fls. 3 e Apenso AN) no âmbito de nenhum dos processos contra-ordenacionais instaurados pelo BdP ou pela CMVM, especificamente nunca tendo tido tal qualidade, nem tendo sido alvo de qualquer condenação, no processo de contra-ordenação n.º …/…/CO, que correu termos junto do Banco de Portugal e do Tribunal da Concorrência, Regulação e Supervisão que expressamente menciona no âmbito das suas conclusões.
De igual modo, não é arguido no proc. nº …/…, nem no procº nº …/… TELSB.

ii. Assim, o recurso que apresenta, nesta parte, mostra-se incompreensível e manifestamente improcedente, por ausência de matéria que o suporte.

D. Finalmente, e encerrando este prólogo, haverá que referir o seguinte, no que concerne à questão proposta nesta sede pelo arguido LM….

i. Efectivamente, pese embora venha aqui invocar a questão do “ne bis in idem”, a verdade é que, nos presentes autos, foi declarado extinto, por prescrição, o procedimento criminal no que concerne à prática de um crime de falsificação de documento que lhe era imputada, em sede de pronúncia. Não se mostra, pois, condenado a este título, neste processo.

ii. Assim, o recurso que apresenta, nesta parte, mostra-se incompreensível e manifestamente improcedente, por ausência de matéria que o suporte.

E. Apreciemos então a questão proposta, no que concerne ao crime de falsificação pelo qual foram condenados os restantes arguidos – JO…, JV… e FS… - sendo que a mesma, como já acima expusemos, apenas se refere à parte da matéria fáctica dada como assente que se reporta a actos directos de adulteração de contabilidade

i. Processos de natureza contra-ordenacional.
O BdP (Banco de Portugal) instaurou dois processos de natureza contra-ordenacional, designadamente o proc. n.º …/…/CO, movido contra os arguidos JO…, JV…, FS…, LG…, LC… e IC… (entre outros) e o processo n.º …/…/CO, contra o arguido JO… e o arguido FS….
Por seu turno, a CMVM instaurou o proc. nº …/…, movido contra vários arguidos, sendo JO…, de entre os ora recorrentes, o único arguido que aí foi condenado pela prática da contra-ordenação imputada.
Todas as decisões já transitaram em julgado.
Vejamos então.

ii. No proc. n.º …/…/CO, a decisão condenatória, na parte que nos importa aqui, tem o seguinte teor (vide Apenso Temático AN):
“ (…) em sede criminal, aos(…) arguidos(…) foi também imputada na acusação deduzida pelo Ministério Público (no âmbito do NUIPC …/…TDLSB) a prática do crime de falsificação de documento, previsto e punível pelas disposições conjugadas dos arts. 256.º, n.º 1, alíneas d) e e), por referência ao conceito de documento previsto no artigo 255.º, alínea a), todos do Código Penal, incidindo a falsificação também sobre os registos contabilísticos da SLN que omitiram quaisquer valores relacionados com a actividade do Banco Insular (…). Neste aspecto específico, considera-se, assim, existir, entre os autos criminais acima referenciados e o presente processo de contra-ordenação a identidade factual que é pressuposto de aplicabilidade do disposto pelo art. 208.º, do RGICSF, pelo que relativamente às contra-ordenações identificadas nos anteriores pontos 1.2 e 1.3 da Parte IX deste Relatório e no caso do(…) (…) arguido(…) acima identificado(…) apenas poderá o Banco de Portugal, se tal se justificar, exercitar as suas competências sancionatórias através das sanções acessórias consignadas no art. 212.º do RGICSF.
(…) No caso particular do(…) arguido(…) JO… (…), e não obstante considerar-se ter(…) o(…) mesmo(…) praticado tais infracções, pelas contra-ordenações previstas na alínea g) do artigo 211.º do RGICSF (falsificação de contabilidade) apenas ser[á] (…) punív[el] com alguma ou algumas das sanções acessórias elencadas no artigo 212.º daquele Regime Geral pelas razões expostas no ponto 1.4 da Parte X do Relatório Final (existência do concurso de infracções previsto no artigo 208.º RGICF). Nessa medida, apenas poder[á] o(…) arguido(…) em causa ser(…) sancionado(…) a título de sanção principal», com a coima parcelar no montante de 950.000 €, pela prática da contra-ordenação de falsas informações, prevista e punível pelo art. 211.º, r), do Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras, na redacção então em vigor, introduzida pelo Decreto-Lei n.º 31-A/2012, de 10/02. (São as seguintes as contra-ordenações identificadas nos pontos 1.2 e 1.3 da Parte IX dessa decisão administrativa: (i.) a prevista e punível pelo artigo 211.º, g), desse diploma legal, «consubstanciada na falsificação da contabilidade da SLN (no plano consolidado), concretamente ao não se proceder à consolidação de contas do Banco Insular na situação financeira da SGPS arguida (de modo a aparentar não serem desta os prejuízos gerados na actividade daquele) e ao não se reconhecer atempadamente, na contabilidade da SLN, as perdas que ocorreram nos respectivos exercícios, não os reflectindo nas suas contas, resultando, assim, desvirtuada e falsa informação constante das demonstrações financeiras apresentadas entre 2001 e 2007»; e (ii.) a prevista pelo art. 211º, g), do mesmo diploma legal, «consubstanciada na falsificação da contabilidade da SLN (no plano consolidado), concretamente ao fazer constar das contas consolidadas da SLN (entre 2003 e 2007), valores que não traduziam adequadamente a realidade patrimonial e financeira do BPN Cayman e do BPN IFI, filiais cujas contas individuais não reflectiam os depósitos de clientes que haviam sido indevidamente mobilizados para financiamento de operações de crédito a entidades associadas ao Grupo SLN (com subsequente anulação do registo contabilístico das responsabilidades representadas por aqueles depósitos e inscrição dos correspondentes valores num registo marginal à contabilidade das instituições e associado a um fictício "balcão virtual"). (sublinhados nossos)

iii. A final, em sede do proc. nº …/…/CO, foram os arguidos condenados nos seguintes termos:
Arguido JO…: pela prática, como autor, de uma contra ordenação prevista e punida pelo art. 211.º, r), do Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras (RGICSF), na coima no valor de 950.000 € e pela prática dessa contra-ordenação e da prevista na al. g) do mencionado artº 211, nas sanções acessórias de publicação da punição definitiva, de inibição do exercício de cargos sociais e de funções de administração, direcção, gerência ou chefia em quaisquer instituições de crédito ou sociedades financeiras, por um período de dez anos, além do pagamento de custas processuais no valor de 423,11 €. 
Arguido JV…: pela prática, como autor, de uma contra ordenação prevista e punida pelo art. 211.º, r), do RGICSF, na coima de 900.000 € (novecentos mil euros) e pela prática dessa contra-ordenação e da prevista na al. g) do mencionado artº 211, nas sanções acessórias de publicação definitiva e de inibição do exercício de cargos sociais e de funções de administração, direcção, gerência ou chefia em quaisquer instituições de crédito ou sociedades financeiras por um período de 10 (dez) anos.
Arguido FS…: pela prática, como autor, da contra-ordenação prevista e punida pelo art. 211.º r), do RGICSF, nas coimas de 800.000 € e 140.000 € e pela prática dessa contra-ordenação e da prevista na al. g) do mencionado artº 211, nas sanções acessórias de publicação definitiva e de inibição do exercício de cargos sociais e de funções de administração, direcção, gerência ou chefia em quaisquer instituições de crédito ou sociedades financeiras por um período de 10 anos.

iv. Como decorre do que se deixa dito, no âmbito deste processo de contra-ordenação, o BdP não aplicou coima pela prática das contra-ordenações previstas pelo art. 211.º, al. g) do RGICSF (isto é, pela falsificação da contabilidade, consubstanciada na falsificação da contabilidade da SLN (no plano consolidado), concretamente ao fazer constar das contas consolidadas da SLN (entre 2003 e 2007), valores que não traduziam adequadamente a realidade patrimonial e financeira do BPN Cayman e do BPN IFI, filiais cujas contas individuais não reflectiam os depósitos de clientes que haviam sido indevidamente mobilizados para financiamento de operações de crédito a entidades associadas ao Grupo SLN (com subsequente anulação do registo contabilístico das responsabilidades representadas por aqueles depósitos e inscrição dos correspondentes valores num registo marginal à contabilidade das instituições e associado a um fictício "balcão virtual"), na redacção então em vigor, introduzida pelo Decreto-Lei n.º 31-A/2012, de 10/02, tendo apenas aplicado coima relativamente à contra-ordenação de falsas informações, prevista e punível pelo art. 211.º, al. r) do RGICSF (isto é, pela prestação ao BdP de informações falsas) do Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras, na redacção então em vigor, introduzida pelo Decreto-Lei n.º 31-A/2012, de 10/02, concluindo-se igualmente que aplicou sanções acessórias por todas as contra-ordenações que entendeu terem sido cometidas (als. g) e r)).

v. No proc. nº …/…/CO do BdP, a decisão condenatória, na parte que nos importa aqui, tem o seguinte teor (sublinhados nossos):
O arguido JO… foi condenado pela prática, a título doloso, de uma contra-ordenação consubstanciada na inobservância de regras contabilísticas, determinadas por lei ou pelo Banco de Portugal, prejudicando essa inobservância gravemente o conhecimento da situação patrimonial e financeira da sociedade, conduta prevista e punida pela segunda parte da alínea g) do artigo 211.° do RGICSF,  no pagamento de uma coima no valor de € 300.000,00 (trezentos mil euros).
O arguido FS… foi condenado pela prática, a título doloso, de uma contra-ordenação consubstanciada na inobservância de regras contabilísticas, determinadas por lei ou pelo Banco de Portugal, prejudicando essa inobservância gravemente o conhecimento da situação patrimonial e financeira da sociedade, conduta prevista e punida pela segunda parte da alínea g) do artigo 211.° do RGICSF, no pagamento de uma coima no valor de € 180.000,00 (cento e oitenta mil euros).
 
 vi. No proc. nº …/… da CMVM, a factualidade relativa ao mesmo reportou-se a questões concernentes ao exercício de actividade de intermediação financeira sem registo prévio na CMVM (celebração de contratos de "Aplicação Financeira" com os clientes).

 vii. À data da prática dos factos, o RGICSF continha as seguintes normas que têm interesse para a decisão da questão ora em apreciação:

Artigo 1.º (Objecto do diploma)
1 - O presente diploma regula o processo de estabelecimento e o exercício da actividade das instituições de crédito e das sociedades financeiras.

Artigo 93.º (Supervisão)
1 - A supervisão das instituições de crédito, e em especial a sua supervisão prudencial, incluindo a da actividade que exerçam no estrangeiro, incumbe ao Banco de Portugal, de acordo com a sua Lei Orgânica e o presente diploma.
2 - O disposto no número anterior não prejudica os poderes de supervisão atribuídos à Comissão do Mercado de Valores Mobiliários pelo Código do Mercado de Valores Mobiliários.

Artigo 94.º (Princípio geral)
As instituições de crédito devem aplicar os fundos de que dispõem de modo a assegurar a todo o tempo níveis adequados de liquidez e solvabilidade.

Artigo 116.º (Procedimentos de supervisão)
1 - No desempenho das suas funções de supervisão, compete em especial ao Banco de Portugal:
a) Acompanhar a actividade das instituições de crédito;
b) Vigiar pela observância das normas que disciplinam a actividade das instituições de crédito;
c) Emitir recomendações para que sejam sanadas as irregularidades detectadas;
d) Tomar providências extraordinárias de saneamento;
e) Sancionar as infracções.
2 - O Banco de Portugal pode exigir a realização de auditorias especiais por entidade independente, por si designada, a expensas da instituição auditada.

As als. g) e r) do artº 211 do RGICSF, tinham a seguinte redacção:
g) A falsificação da contabilidade e a inexistência de contabilidade organizada, bem como a inobservância de outras regras contabilísticas aplicáveis, determinadas por lei ou pelo Banco de Portugal, quando essa inobservância prejudique gravemente o conhecimento da situação patrimonial e financeira da entidade em causa;
r) A prestação ao Banco de Portugal de informações falsas, ou de informações incompletas susceptíveis de induzir a conclusões erróneas de efeito idêntico ou semelhante ao que teriam informações falsas sobre o mesmo objecto

À mesma data, o artigo 208.º do Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras, sob a epígrafe “Concurso de infracções”, determinava:
Se, pelo mesmo facto, uma pessoa responder simultaneamente a título de crime e a título de ilícito de mera ordenação social, seguir-se-á o regime geral, mas instaurar-se-ão processos distintos respectivamente perante o juiz penal e no Banco de Portugal, cabendo a este último a aplicação, se for caso disso, das sanções acessórias previstas no presente diploma.

O artigo 232.º do RGICSF (Aplicação do regime geral) determinava que às infracções previstas no presente capítulo é subsidiariamente aplicável, em tudo que não contrarie as disposições dele constantes, o regime geral dos ilícitos de mera ordenação social.

Por seu turno, estatuía e ainda estatui o art. 20.º, do Decreto-Lei n.º 433/82, de 27/10, sob a epígrafe “Concurso de infracções”, que se o mesmo facto constituir simultaneamente crime e contra-ordenação, será o agente sempre punido a título de crime, sem prejuízo da aplicação das sanções acessórias previstas para a contra-ordenação.

viii. Prosseguindo.
Postos estes considerandos, cumpre apenas verificar se as anteriores condenações sofridas pelos arguidos acima enumerados, em sede de decisão de natureza contra-ordenacional (proferidas pelas autoridades administrativas, no uso das competências que lhes são conferidas por Lei e que mantém tal natureza mesmo quando sujeitas a recurso para os tribunais competentes, pois estes julgam tais decisões no estrito âmbito dos normativos sancionatórios contra-ordenacionais) determina que, neste processo, a sua condenação pela prática de um crime de falsificação de documentos constituirá violação do princípio ne bis in idem.
Adianta-se, desde já, que a resposta será negativa.
Expliquemos porquê.

ix. O Direito de Mera Ordenação Social foi introduzido no sistema jurídico português pelo Dec. Lei nº 239/79, de 24 de Julho, que veio a ser substituído pelo Dec. Lei nº 433/82, de 27 de Setembro.
Por ter relevância para a matéria que ora nos ocupa e por aí se mostrar vertido o pensamento do legislador, quanto a questões de correlação entre o direito criminal e este tipo de direito muito específico, passamos a transcrever parte do preâmbulo desse segundo diploma (sublinhados nossos):
Resumidamente, o aparecimento do direito das contra-ordenações ficou a dever-se ao pendor crescentemente intervencionista do Estado contemporâneo, que vem progressivamente alargando a sua acção conformadora aos domínios da economia, saúde, educação, cultura, equilíbrios ecológicos, etc. Tal característica, comum à generalidade dos Estados das modernas sociedades técnicas, ganha entre nós uma acentuação particular por força das profundas e conhecidas transformações dos últimos anos, que encontraram eco na Lei Fundamental de 1976.
A necessidade de dar consistência prática às injunções normativas decorrentes deste novo e crescente intervencionismo do Estado, convertendo-as em regras efectivas de conduta, postula naturalmente o recurso a um quadro específico de sanções.
Só que tal não pode fazer-se, como unanimemente reconhecem os cultores mais qualificados das ciências criminológicas e penais, alargando a intervenção do direito criminal. Isto significaria, para além de uma manifesta degradação do direito penal, com a consequente e irreparável perda da sua força de persuasão e prevenção, a impossibilidade de mobilizar preferencialmente os recursos disponíveis para as tarefas da prevenção e repressão da criminalidade mais grave. Ora é esta que de forma mais drástica põe em causa a segurança dos cidadãos, a integridade das suas vidas e bens e, de um modo geral, a sua qualidade de vida.
(…) com a revisão constitucional aprovada pela Assembleia da República o direito das contra-ordenações virá a receber expresso reconhecimento constitucional (cf. v. g. os textos aprovados para os novos artigos 168.º, n.º 1, alínea d), e 282.º, n.º 3). Por outro lado, o texto aprovado para o artigo 18.º, n.º 2, consagra expressamente o princípio em nome do qual a doutrina penal vem sustentando o princípio da subsidiariedade do direito criminal. Segundo ele, o direito criminal deve apenas ser utilizado como a ultima ratio da política criminal, destinado a punir as ofensas intoleráveis aos valores ou interesses fundamentais à convivência humana, não sendo lícito recorrer a ele para sancionar infracções de não comprovada dignidade penal.
Também o novo Código Penal, ao optar por uma política equilibrada da descriminalização, deixa aberto um vasto campo ao direito de ordenação social naquelas áreas em que as condutas, apesar de socialmente intoleráveis, não atingem a dignidade penal. Mas são, sobretudo, as necessárias reformas em domínios como as práticas restritivas da concorrência, as infracções contra a economia nacional e o ambiente, bem como a protecção dos consumidores, que tornam o regime das contra-ordenações verdadeiramente imprescindível.
Só ele, com efeito, viabilizará uma política criminal racional, permitindo diferenciar entre os tipos de infracções e os respectivos arsenais de reacções.
(…) Para atingir estes objectivos, importava introduzir algumas alterações no regime geral das contra-ordenações. Tratava-se, fundamentalmente, de colmatar uma importante lacuna, estabelecendo as normas necessárias à regulamentação substantiva e processual do concurso de crime e contra-ordenação, bem como das vicissitudes processuais impostas pela alteração da qualificação, no decurso do processo, de uma infracção como crime ou contra-ordenação. 
(…) Apesar de se tratar de um diploma de enquadramento, manifesta-se a vontade de progressivamente se caminhar no sentido de constituir efectivamente um ilícito de mera ordenação social.
Manteve-se, outrossim, a fidelidade à ideia de fundo que preside à distinção entre crime e contra-ordenação. Uma distinção que não esquece que aquelas duas categorias de ilícito tendem a extremar-se, quer pela natureza dos respectivos bens jurídicos quer pela desigual ressonância ética. Mas uma distinção que terá, em última instância, de ser jurídico-pragmática e, por isso, também necessariamente formal.

x. Haverá igualmente que deixar claro, em primeiro lugar, que no universo legislativo contra-ordenacional a que acima fizemos referência, o elenco de sanções que as autoridades administrativas podem impor (e que poderão ser sujeitas a escrutínio, em sede de recurso, por um tribunal judicial, que de igual modo apenas poderá aplicar sanções de tal jaez) tem mera natureza pecuniária ou temporalmente inibidora do exercício de determinadas actividades ou funções; isto é, não têm nunca natureza privativa da liberdade, pois a Lei não as prevê, nem permite a sua substituição por sanções de outro cariz.

a. Em síntese: as sanções previstas em sede de contra-ordenações, ainda que ocorra incumprimento, nunca podem ser “transformadas”, substituídas, por qualquer mecanismo legal, em penas privativas da liberdade.

b. Em segundo lugar, constata-se igualmente que o âmbito de tal legislação de cariz contra-ordenacional, no caso que ora nos ocupa (correlacionado com a questão de prestação de falsas informações e de adulterações de natureza contabilística) se restringe a um campo muito específico de protecção de um bem jurídico que não é o mesmo que se mostra salvaguardado pelo ilícito penal no que se refere ao crime de falsificação de documento e que se analisa no presente processo.

c. De facto, essa tutela, na parte relativa quer à prestação de informações falsas, quer à falsificação de elementos contabilísticos, relativamente ao Banco de Portugal (ou à CMVM, nos casos aplicáveis), recai sobre a protecção da segurança e da confiança dos elementos que têm de ser entregues pelo regulado, no que respeita às funções de entidade supervisora exercidas pelo BdP (ou pela CMVM).

d. Ora, as funções de supervisão têm um alcance e um fim limitados pela sua própria função, uma vez que o seu escopo é o que se mostra definido no artº 116 supra transcrito (a) Acompanhar a actividade das instituições de crédito; b) Vigiar pela observância das normas que disciplinam a actividade das instituições de crédito; c) Emitir recomendações para que sejam sanadas as irregularidades detectadas; d) Tomar providências extraordinárias de saneamento; e) Sancionar as infracções).

e. Assim, no caso presente, o que as falsas informações fornecidas pelo grupo BPN/SLN e a adulteração da contabilidade determinaram, face ao Banco de Portugal (BdP), foi a impossibilidade de aquele proceder a uma avaliação correcta e atempada, em termos de riscos prudenciais e exercer os poderes administrativos de que dispunha para determinar a correcção dos comportamentos que violassem essa regulação administrativa aplicável às instituições de crédito e às sociedades financeiras.

xi. Sucede, todavia, que a contabilidade de um grupo financeiro não tem apenas como escopo (embora este seja relevante) demonstrar, face à entidade de supervisão, o cumprimento dos rácios prudenciais e demais exigências que àquela entidade cumpra supervisionar.

a. Na realidade, tem ainda outras relevantíssimas funções (a que supra já aludimos), entre as quais a de dar a conhecer, desde logo aos accionistas (e também aos potenciais futuros investidores, aos depositantes, aos trabalhadores da sociedade e ao Estado, designadamente no âmbito das suas competências em sede tributária), a real situação financeira da sociedade a quem confiam o seu dinheiro, permitindo-lhes acompanhar o modo como o mesmo está a ser usado e a ajuizar as capacidades dos órgãos que o administram.

b. De facto, é através da apresentação dos resultados de uma empresa (que é, aliás, obrigatória, nos termos do Código das Sociedades Comerciais), que os seus accionistas podem concluir se estão ou não satisfeitos com a forma como está a ser gerida a sociedade em que investiram e, caso a resposta seja negativa, tomarem uma decisão informada, quer de venda das acções, quer participando em sede de deliberações relativas à aprovação (ou não) do relatório e contas ou ainda manifestar a sua desconfiança ou proceder à destituição dos membros da administração, por exemplo (vide CSC, à data e presentemente).

c. Reflectindo, aliás, essa diversidade de tutela de bens jurídicos (entre o tipo previsto no regime contra-ordenacional e o consignado no ordenamento criminal) atente-se que, para efeitos do preenchimento do tipo, em sede de contra-ordenações, é irrelevante a existência de benefício ou de prejuízo patrimonial para alguém.
Na verdade, e ao inverso do que sucede no crime de falsificação, em que é elemento do tipo a intenção de causar prejuízo ou benefício patrimonial a outrem, no tipo contra-ordenacional (designadamente na al. g) do artº 211 acima mencionado), apenas se exige o prejuízo grave do conhecimento da situação patrimonial e financeira da entidade em causa (independentemente de tal actuação ter determinado ganho ou perda patrimonial para quem quer que seja), o que bem se compreende, dado que o bem jurídico que se protege se reporta apenas ao cumprimento de deveres de informação, verdadeira e completa, perante o Regulador.
Assim, a tutela desse adequado exercício de supervisão esgota os limites do bem jurídico protegido pela incriminação.

xii. Do dito se conclui que a protecção conferida pelas normas de carácter sancionatório contra-ordenacional acima mencionadas se mostra muito específica (como aliás decorre da sua própria natureza e função, bem como do objectivo para o qual foram estabelecidas), perante o universo de adulteração probatória de um documento com a relevância que tem a contabilidade, especificamente nos casos como os dos autos, em que existem vários grupos de destinatários com fundado e legítimo direito a verem tutelada a segurança e confiança do tráfico probatório de tal documento e que foram patrimonialmente prejudicados por virtude da actuação dos arguidos.

a. E daí decorre que a tutela desse bem jurídico reside, precisamente, na incriminação em sede de direito penal, que previne, proíbe e sanciona tal tipo de condutas, designadamente a norma relativa ao crime de falsificação de documento - artº 256 do C.Penal.

xiii. Face ao que se deixa exposto, estamos agora habilitados a decidir.
Aplicando os critérios que o TEDH tem vindo a enunciar (como resulta da breve síntese supra exposta), bem como os que decorrem da apreciação que sobre esta questão tem resultado, em sede de reenvio prejudicial, por parte do TJUE) temos que:

a. A legislação nacional caracteriza de forma diversa as infracções imputadas aos arguidos nos processos …/…/CO, …/…/CO e …/… CMVM, relativamente ao crime de falsificação de documento (em apreciação nos presentes autos), sendo que os primeiros têm natureza meramente contra-ordenacional e o segundo natureza penal, o que aliás resulta não só da sua inserção e tratamento em termos legislativos, como do confronto entre o tipo e a natureza das sanções previstas em cada um deles.
De facto, as contra-ordenações são apreciadas e impostas por via administrativa e as sanções têm apenas natureza pecuniária ou inibidora de exercício temporal e específico de determinados cargos.
Por seu turno, os ilícitos criminais são apreciados e decididos exclusivamente por via judicial e são cominados com sanção que prevê a possibilidade de imposição de pena privativa da liberdade.

b. Os destinatários das regras sancionatórias aqui em apreciação são igualmente diversos pois, no caso das previsões contra-ordenacionais, os destinatários da norma são apenas as Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras (vide RGICSF), enquanto que no caso dos tipos de crime de falsidade de documento, os destinatários são qualquer pessoa.

c. A natureza das sanções impostas, nos dois âmbitos, são também dissimilares, sendo a coima (aplicável nas contra-ordenações) vocacionada mais no sentido de reparação, enquanto que a pena de prisão (prevista no crime) tem uma orientação mais repressiva e de prevenção.
Essa dissimilitude realça-se face à mera circunstância de as sanções previstas em sede contra-ordenacional nunca poderem ser substituídas por penas privativas da liberdade e não serem inscritas em sede de registo criminal.

xiv. Para além de todas estas circunstâncias, caberá deixar claro que os bens jurídicos protegidos pelas normas administrativas e pelas normas penais são claramente distintos – isto é, as normas que fundam as sanções impostas aos arguidos em sede contra-ordenacional protegem um bem jurídico diferente das normas relativas ao crime de falsificação de documento.

a. De facto, o bem jurídico protegido em sede de contra-ordenações cometidas em violação de normativos consignados no Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras (RGICSF) decorre do âmbito do próprio diploma que as regula e esse escopo ou fim mostra-se vertido no seu artº 1.º – o seu objecto é o de regular o processo de estabelecimento e o exercício da actividade das instituições de crédito e das sociedades financeiras.

b. E, por seu turno, o escopo quer do BdP, quer da CMVM, no âmbito desse diploma, é o de proceder à supervisão e em especial à supervisão prudencial (incluindo a actividade que exerçam no estrangeiro) do processo de estabelecimento e do exercício da actividade dessas instituições de crédito e dessas sociedades financeiras, como determina o mencionado artº 93 do RGICSF; ou seja, estamos no âmbito de uma relação de “tutela”, de supervisão, num relacionamento entre regulador e regulado, supervisor e supervisionado.

c. Assim, o bem jurídico tutelado pelas normas de natureza contra-ordenacional que determinaram a condenação dos arguidos, por ter sido por estes violado, foi a falta de cumprimento de uma regra efectiva de conduta (daí estarmos perante uma contra-ordenação e não um crime) que, no caso, impunha que os elementos e as informações que incumbia aos regulados transmitir ao regulador, no âmbito dessa relação de supervisionamento e regulação, fosse verdadeira e completa, pois a fidelidade dos mesmos mostra-se essencial para que a entidade supervisionadora e reguladora fique habilitada a exercer, de forma adequada, a sua função neste contexto, os seus poderes de supervisão prudencial.

xv. Efectivamente, nas infracções contra-ordenacionais a que acima se alude, apenas se atende à relação específica entre instituição financeira e autoridade supervisora, no sentido de se pretender que haja transparência e verdade nos elementos que a primeira fornece à segunda, de modo a habilitar esta última a ajuizar se as regras de carácter administrativo que impõe para o exercício da actividade daquelas instituições e sociedades, estão a ser cumpridos; isto é, a finalidade da norma sancionatória é a de cumprimento pelas sociedades bancárias e financeiras, das regras de conduta que lhe são administrativamente impostas. A tutela desse adequado exercício de supervisão esgota os limites do bem jurídico protegido pela incriminação.

xvi. Por seu turno, no crime de falsificação de documento, o bem jurídico tutelado é outro, nomeadamente a protecção, o assegurar de que possa haver confiança e segurança, em sede de tráfico probatório, no que respeita a determinados tipos de documentos, de modo a que qualquer pessoa (ou mesmo o Estado), possa confiar na sua veracidade, em sede de relações jurídicas nos quais os mesmos se mostrem relevantes.

xvii. Não existe, em relação ao Banco de Portugal e à CMVM, dentro desta função supervisionadora e reguladora, nenhuma questão de tráfico probatório, no sentido da utilização, como meio de prova, de uma declaração que, além de corporizada num documento, é também idónea para provar um facto jurídico relevante.
 
xviii. Assim, os bens tutelados pelas normas em confronto e que foram aplicadas aos arguidos em sede administrativa e em sede penal, são diversos, já que, com as primeiras (administrativas) se pretendeu assegurar o cumprimento de uma regra de conduta – no caso, a comunicação verdadeira e fiável dos elementos que o regulado tem obrigação de prestar perante o regulador, como modo de garantir a tutela e a salvaguarda da credibilidade das instituições de crédito e da boa supervisão bancária - enquanto que na segunda se pretendeu proteger a veracidade e credibilidade de certos documentos, a que a Lei atribui grande relevância jurídica para efeito de prova de certos estados ou relações jurídicas, prevenindo-se assim que, com a sua adulteração, possa ser causada uma ofensa séria aos interesses fundamentais da convivência humana (o que em muito ultrapassa a mera violação de uma regra de conduta de natureza administrativa), desde que se demonstre que de tal violação resulta prejuízo ou benefício patrimonial para alguém.

xix. Constata-se, pois, que a conduta dos arguidos acima mencionada preenche normas que protegem bens jurídicos autónomos, não existindo entre elas qualquer relação de subordinação ou de hierarquia, de especialidade, de consumpção, subsidiariedade, alternatividade ou subsunção impura.
E se assim é, daqui resulta a inexistência de um concurso ideal de infracções, não havendo pois lugar à aplicação das normas relativas à consumpção que, aliás, determinam sempre a integração do ilícito menos grave pelo mais grave (isto é, a existir uma relação de consumpção – que não ocorre - as contra-ordenações é que seriam consumidas pelos crimes e não vice-versa, ao contrário do que os recorrentes parecem defender…).

xx. Finalmente, aditar-se-á ainda que, ao inverso do que os arguidos alegam, se terá de concluir que as sanções impostas em ambas as sedes não se revelam desproporcionais, atenta a enorme gravidade do conjunto da sua actuação, que se prolongou por quase uma década e que determinou (ainda hoje, mais de dez anos depois da queda do Grupo) consequências de relevante danosidade, em primeira linha para os accionistas e depositantes do Grupo e, em segunda linha, para todos os cidadãos deste país.
De facto, se tivermos apenas em atenção os resultados, em termos de prejuízos para o Grupo, determinados pela actuação dos arguidos, no âmbito dos presentes autos, ele aproxima-se dos mil milhões de euros. 
Todavia, se alargarmos o espectro de avaliação, integrando o prejuízo que resultou da globalidade da conduta dos arguidos, apreciada também em sede contra-ordenacional (e procedemos a este englobamento, atendendo, precisamente, às circunstâncias a que o TJUE manda ponderar), o valor escala para os mais de 6 mil milhões de euros que, até ao momento (como é facto notório, de conhecimento público e decorre de avaliações realizadas por entidades oficiais) tiveram de ser injectados pela generalidade dos cidadãos deste país (após a nacionalização das acções do capital social do BPN, em 12.11.2008) para resgate do grupo financeiro SLN/BPN.
Não se vislumbra pois como, perante tais dados, as condenações impostas aos arguidos, até ao momento, na sua globalidade, se possam revelar minimamente desproporcionais ao mal infligido.

xxi. Assim, conclui-se pela inexistência de violação do princípio ne bis in idem, no que concerne à condenação dos arguidos pela prática de crime de falsificação de documentos e às condenações aos mesmos impostas em sede contra-ordenacional (proc. …/…/CO e …/…/CO do BdP e nº …/… da CMVM).
 
15. Resta então apreciar a questão relativa à violação do princípio ne bis in idem, em relação aos processos-crime nº …/…TELSB, nº …/…TELSB e nº …/…TELSB.

i. No que a este último se refere, o mesmo foi arquivado ainda em fase de inquérito, isto é, sem que tenha havido qualquer apreciação judicial sobre a matéria que aí se encontrava em exame. Assim, tal arquivamento, apenas releva no sentido de se poder afirmar que esses autos se mostram findos e nos mesmos não foi ninguém sujeito a acusação, não tendo havido lugar a nenhuma decisão em sede absolutória ou condenatória.

ii. No que se refere aos dois restantes processos:
A violação do princípio “ne bis in idem” (artº 29 nº 5 da CRP: Ninguém pode ser julgado mais do que uma vez pela prática do mesmo crime) pressupõe a existência de uma condenação efectiva – isto é, transitada em julgado – pela prática de um determinado crime, enquadramento jurídico esse alcançado pela análise de factualidade concreta que determinou o entendimento de se mostrarem preenchidos os elementos constitutivos do tipo respectivo.

iii. Ora, no caso, nenhum dos arguidos aqui recorrentes se mostra definitivamente condenado pela prática de nenhum ilícito; isto é, não houve ainda lugar à condenação definitiva, com trânsito em julgado, anterior a este processo, de qualquer um dos arguidos, em sede criminal (apenas houve condenações transitadas em sede contra-ordenacional, a que supra já nos referimos).

iv. E se assim é, como é, não se mostra a este Tribunal possível apreciar o que ainda não se mostra definitivamente fixado juridicamente, uma vez que a questão do ne bis in idem só se suscitará caso, do confronto entre uma decisão já definitivamente transitada e outra a ser ainda apreciada ou igualmente já definitiva, se ajuíze verificarem-se os pressupostos que permitem concluir pela violação de tal princípio.

v. Mas ainda que se entendesse que a questão deveria ser analisada independentemente da verificação de trânsito em jugado, nunca seria este o tribunal habilitado a poder apreciar tal questão, mesmo sob um prisma de eventual litispendência, face ao disposto no artº 582 do C.P.Civil (ex vi artº 4º C.P.Penal).
Efectivamente, a verificarem-se todos os requisitos que permitam concluir pela litispendência (e que têm de ser enunciados e comprovados por quem reclama a sua verificação, não sendo bastante a mera alusão a uma correlação genérica com actividades prosseguidas durante um período temporal superior a 8 anos, nem com a enunciação de uma tipologia similar de crimes), essa questão - desde logo por razões de anterior esgotamento do poder jurisdicional e por critérios de competência impostos por lei, no que se refere ao julgador - tem de ser proposta e resolvida no processo posterior àquele em que tal matéria foi inicialmente discutida.
Ora, no caso dos autos – como aliás resulta dos próprios documentos que o arguido JO… apresentou em 17.12.2018 (3. e 4.) – a verificar-se litispendência, esta ocorreria nos processos nº …/…TELSB, nº …/…TELSB, ambos posteriores aos presentes autos.
E, assim sendo, por imperativo legal, mostra-se vedado ao julgador destes autos a sua apreciação.

vi. Diga-se, “ad latere”, o seguinte:
a. Um dos fundamentos que os arguidos avançam nem sequer se verifica nos presentes autos pois, como se constatará pela leitura do que infra exporemos a propósito da questão do enquadramento jurídico dos crimes cometidos, nenhum dos arguidos será condenado nos presentes autos pela prática de um crime na forma continuada.
b. Esta questão (“ne bis in idem”) foi já proposta ao tribunal “a quo”, que sobre a mesma oportunamente se pronunciou (despachos de fls. 48.843 e 50.973), desatendendo a pretensão do requerente. Foi interposto recurso de tal decisão que, como se constata pela leitura da apreciação supra realizada nos recursos interlocutórios nºs 13 e 14, desatendeu a pretensão do recorrente (remetendo-se ainda para o que aí se mostra consignado).
c. Por seu turno (como bem ressalta o MºPº na sua resposta) e no que se refere à questão da sobreposição dos factos em apreciação nestes autos e no proc. n.º …/…TELSB, caberá realçar que, ainda em sede de inquérito, foi determinada a separação de processos, relativamente aos factos que envolviam os arguidos RO…, JO…, LM…, JMo…, LC… e IC…, no desenvolvimento do negócio da validus/groundsel e, na parte conexa, da astroimóvel, para serem apreciados em conjunto com os já objecto do presente inquérito. 
 Pretendeu-se, com tal separação, evitar, precisamente, a sobreposição factual, de modo a que no proc. n.º …/…TELSB ficassem abrangidos os factos relativos aos financiamentos para aquisição de bens imóveis ou de sociedades detentoras de imóveis e neste processo (n.º …/…TDLSB) se apreciassem os factos relacionados com os financiamentos para aquisição de acções e visando o controlo accionista das entidades holding e das principais entidades operacionais do grupo BPN/SLN.
16. Finalmente, e no que respeita às interpretações materialmente inconstitucionais que os recorrentes invocam, nesta sede, cabe-nos apenas referir que se mostra prejudicada a necessidade deste Tribunal ad quem tomar posição quanto às mesmas, uma vez que nem este Tribunal (nem o tribunal “a quo”) perfilharam os entendimentos que os recorrentes consideram terem estado subjacentes à decisão recorrida ou à presente, não subsistindo, pois, para este tribunal de recurso, a necessidade de se pronunciar sobre sentidos normativos que não têm aplicação no caso.
17. Em síntese final, e a propósito desta questão, dir-se-á que os argumentos que fundavam as pretensões dos recorrentes se mostraram insubstanciados e, como tal, os pedidos que dos mesmos dependiam, soçobram.
  
                                                    *
                                                    *
                                                    *
d. questões relativas à validade da prova contida no apenso informático 33.

D.1. - Da impossibilidade legal de valoração da prova contida no apenso de busca 33 (informático), por violação de caso julgado.
D.2 - Da proibição de valoração das mensagens de correio electrónico constantes nesse apenso, por inobservância dos requisitos que a lei exigia para a apreensão de correio electrónico, o que determina a sua nulidade.
 
1. Os arguidos extraíram as seguintes conclusões a propósito das questões supra enunciadas (uma vez que se procedeu já supra - vide ponto II. Transcrições dos segmentos (…) 2. - à transcrição integral das conclusões apresentadas por cada um dos recorrentes, opta-se por aqui se indicar apenas os números referentes às mesmas, que importam à decisão das questões que neste segmento cabe apreciar):

Arguido jo…:
Pontos 81º a 94º.

Arguido lc…
Pontos 2º a 33º; 145.º a) b), 171º e 172º.

Arguido fs…:
Pontos 75º a 91º.

Arguido lg…
Pontos 2º a 33º; 145.º - a) b).

Arguido lmi…
Pontos 2º a 33º, 145.º - a) b)., 184º.

Arguida im…
Pontos 2º a 33º; 145.º - a) b).

2. O MºPº apresentou respostas nos seguintes termos:

Ao arguido jo…:
IV. Impossibilidade legal de valoração de prova contida no Apenso 33.

Ao arguido LC…:
1.  Violação da proibição de valoração de mensagens de correio electrónico.

Ao arguido fs…:
V. Ilegalidade da fundamentação do acórdão recorrido por recurso à prova digital (Apenso 33).

Ao arguido lg…:
1.  Violação da proibição de valoração de mensagens de correio electrónico.

Ao arguido lmi…:
1.  Violação da proibição de valoração de mensagens de correio electrónico.

À arguida im…:  
1.  Violação da proibição de valoração de mensagens de correio electrónico.

3. Apreciando.
A. Da impossibilidade legal de valoração da prova contida no apenso de busca 33 (informático), por violação de caso julgado.

i. Os arguidos jo… e fs… vieram, em sede de conclusões de recurso do acórdão final, suscitar a questão da impossibilidade legal de valoração da prova contida no apenso de busca (informático) 33, sem cumprimento dos procedimentos determinados no despacho judicial proferido a 13.12.2012, a fls. 36.258 e seguintes, por violação do caso julgado, violação do exercício do contraditório e dos direitos de defesa assegurados aos arguidos por tal despacho.

ii. Mais concretamente alegam que no despacho de 13.12.12, o tribunal “a quo” ordenou a realização de determinados procedimentos e regras para facilitar o aceso aos milhares de documentos contidos no apenso de busca (informático) 33, garantindo, assim, o exercício cabal do contraditório e dos direitos de defesa dos arguidos e que, não obstante o trânsito em julgado de tal decisão, o tribunal “a quo” proferiu, posteriormente, despacho em sentido contrário, afirmando, designadamente, que o tribunal não poderia garantir que todos, alguns, ou muitos dos documentos daquele apenso em que se estribará para fundamentar o Acórdão venham a ser incorporados nos autos em suporte físico (papel) e notificados aos sujeitos processuais, violando, com tal decisão, a imutabilidade do anteriormente decidido, conferida pelo caso julgado e que a todos vincula e, ainda, os direitos de defesa assegurados aos arguidos pelos procedimentos de acesso à prova estabelecidos em tal despacho.

ii. Requerem, a final, que seja ordenada a imediata execução do despacho de 13.12.2012, de fls. 36.258 e seguintes e, em consequência, que a documentação referida naquele despacho e que consta do apenso informático 33, seja incorporada nos autos principais em suporte papel e notificada aos sujeitos processuais, com a indicação dos “caminhos” para a localização da documentação no referido apenso (informático 33) em ordem a que os arguidos e, ora, recorrentes possam exercer cabalmente o contraditório e os seus direitos de defesa.

iv. A questão concreta que ora é suscitada, em sede de recurso do acórdão final, foi já apreciada por este tribunal a propósito da decisão do recurso interlocutório interposto pelo arguido jo…, do despacho de fls. 46.951 a 46.958 - recurso interlocutório nº 6 - que indeferiu o requerimento de fls. 46.920 a 46.926 (no qual peticionava a incorporação nos autos da documentação constante do “apenso informático 33”, bem como a notificação da mesma ao arguido).

v. E, relativamente ao arguido fs…, tal questão mostra-se igualmente já decidida, no âmbito da decisão do recurso interlocutório por este arguido interposto, do despacho judicial de fls. 46.962, proferido na sessão de julgamento de 11 de Julho de 2014 (despacho esse que deu por integralmente reproduzido o despacho de fls. 46.951 a 46.958, na parte em que indeferiu o por si requerido a fls. 46961, mediante adesão ao requerido pelo arguido OC… a fls. 46920 a 46926 – especificamente quanto ao requerido na 1ª parte de fls. 46.926 - recurso interlocutório nº 12).

vi. No que respeita à natureza e aos efeitos do despacho de fls. 36.258 a 36.260 - que os arguidos alegaram ter sido violado com a prolação de despacho judicial posterior, em sentido contrário - remete-se, por razões de mera economia processual (uma vez que aí se mostram debatidos e refutados todos os argumentos que os recorrentes ora de novo aqui avançam, a propósito deste tema) para o já consignado neste acórdão, nas decisões proferidas nos recursos interlocutórios acima mencionados, que julgaram totalmente improcedentes os recursos interpostos pelos arguidos JO… e FS… (vide recursos intercalares nºs 6 e 12 respectivamente), concluindo que o despacho recorrido foi proferido de acordo com as regras processuais.
Sinteticamente, entendeu-se que o despacho inicial (bem assim como os posteriores) se trata de mero despacho de expediente, logo modificável e insindicável em sede de recurso[151], sendo certo, para além do mais, que os recursos apresentados pelos recorrentes - designadamente no que toca à invocação de meios de prova que se encontram em tal apenso 33, alguns dos quais nem sequer mencionados no acórdão recorrido[152] [153]- bem demonstram que a ausência de incorporação física dos documentos ali constantes, em nada afectou o direito ao contraditório, nem qualquer outro seu direito de defesa.

vi. Como se deixou já vertido, em sede de apreciação dos ditos recursos interlocutórios, não ocorre “(…) violação de caso julgado formal e/ou violação do princípio da confiança (…)”, uma vez que os sucessivos despachos datados de 13.12.12, 26.3.13 e 9.12.13, são despachos “processualmente orientadores” (despachos de expediente), de cariz não vinculativo, não admitindo, dada a sua natureza, recurso e, por isso, não constituem caso julgado formal.

vii. Nestes termos e quanto a esta questão, nada mais há a acrescentar, mantendo-se nos seus precisos termos o decidido por este tribunal em sede da decisão dos recursos interlocutórios interpostos pelos arguidos jo… (recurso intercalar nº 6) e fs… (recurso intercalar nº 12), para cujo teor se remete na íntegra.

B. Da proibição de valoração das mensagens de correio electrónico constantes no apenso informático 33, por inobservância dos requisitos que a lei exigia para a apreensão de correio electrónico, o que determina a sua nulidade.

i. Os arguidos lc…, lg…, lmi… e im… vêm, em sede de recurso do acórdão final, invocar a proibição de valoração das mensagens de correio electrónico que integram o apenso 33, por inobservância dos requisitos que a lei exigia para a apreensão de correio electrónico, o que determina a sua nulidade.

ii. Alegam, em síntese, que em sede de audiência de julgamento, o Ministério Público apresentou, como meio de prova da acusação que deduziu, o denominado “Apenso 33”, o qual constitui o resultado das diversas apreensões de material informático no decurso da investigação sendo que, dentro deste apenso, se encontram milhares de mensagens de correio electrónico.
À data em que a acusação foi deduzida a apreensão de correio electrónico era regulada nos termos do C.P.Penal, mais concretamente pelo artigo 189.º que, por sua vez, remetia para o regime das escutas telefónicas, previsto nos artigos 187.º e 188.º.
No decorrer dos autos, veio a verificar-se uma alteração de regime legal no que concerne à apreensão de mensagens de correio electrónico, passando a apreensão de tal tipo de conteúdos, por força da dita alteração legislativa, a seguir os procedimentos típicos do regime de apreensão de correspondência e não o regime das escutas telefónicas.
Da comparação de ambos os regimes verifica-se que, actualmente, a apreensão de correio electrónico e a sua posterior utilização como prova, é muito mais facilitada que o regime das escutas telefónicas, em vigor à data da acusação, que era mais garantístico sob o ponto de vista dos direitos do arguido, uma vez que dificultava a obtenção deste tipo de prova, determinando, nomeadamente, que apenas podiam valer como prova as mensagens de correio electrónico transcritas e expressamente indicadas pelo MºPº nesse despacho, ao invés do que sucede nos procedimentos adoptados para apreensão de correspondência (artigo 179.º do C.P.Penal.)
Mais alegam que, apesar de o Juiz de Instrução (alegadamente) ter analisado as várias mensagens de correio electrónico apreendidas e, simultaneamente, ter ordenado a destruição daquelas que considerou estranhas ou irrelevantes para o processo, consultados os autos resulta que tal ordem não foi cumprida.
Concluem, face ao exposto, que o não cumprimento do requisitos e condições que a lei exigia para a obtenção de correio electrónico durante a investigação, supra referidos, determinam a nulidade da prova obtida, nos termos do artigo 190.º do C.P.Penal, o que implica, por decorrência lógica o disposto no n.º 3, do artigo 126.º do C.P.Penal, que tem como consequência a proibição de valoração da prova recolhida, por se estar perante a utilização de um método proibido de prova, que inquinou o acórdão condenatório, o qual, consequentemente, deve ser declarado inválido, por estar assente em provas cuja utilização e valoração são proibidas.
Mais requerem que seja reconhecida e declarada a inconstitucionalidade material da interpretação dos artigos 126.º, n.º 3, 188.º e 190.º, todos do C.P.Penal, ou de qualquer outra disposição legal, no sentido de considerar válidas, utilizáveis, e não proibidas de valoração em sede de acórdão condenatório das mensagens de correio electrónico apreendidas antes da entrada em vigor da Lei do Cibercrime, sem que o Ministério Público, até e na acusação, as haja transcrito e sem que as tenha indicado, individualizada e expressamente, nesse acto, bem como, no caso de o Tribunal de julgamento, oficiosamente, não ter ordenado a respectiva transcrição e junção aos autos, por violação do artigo 32.º, n.º 8, da CRP.

iii. Vejamos então.
No momento em que foram realizadas as apreensões de conteúdos informáticos nos presentes autos - nos mesmos se incluindo as mensagens de correio electrónico – a captura deste tipo de conteúdos (mensagens de correio electrónico) era regulada pelo artigo 189.º do C.P.Penal que, por sua vez, remetia para o regime das escutas telefónicas, previsto nos artigos 187.º e 188.º do C.P.Penal.
Posteriormente, no dia 15 de Outubro de 2009, entrou em vigor a designada Lei do Cibercrime, aprovada pela Lei n.º 109/2009, de 15/09, que transpôs para a ordem jurídica interna a Decisão Quadro nº 2005/222/JAI, do Conselho da Europa, de 24 de Fevereiro, relativa a ataques contra sistemas de informação e adaptou o direito interno à Convenção sobre Cibercrime do Conselho da Europa, de 23 de Novembro de 2001.

iv. O art.º 17º, da Lei do Cibercrime, com pertinência no caso dos autos, veio regular a “Apreensão de correio electrónico e registos de comunicações de natureza semelhante”, nos termos seguintes:
Quando, no decurso de uma pesquisa informática ou outro acesso legítimo a um sistema informático, forem encontrados, armazenados nesse sistema informático ou noutro a que seja permitido o acesso legítimo a partir do primeiro, mensagens de correio electrónico ou registos de comunicações de natureza semelhante, o juiz pode autorizar ou ordenar, por despacho, a apreensão daqueles que se afigurem ser de grande interesse para a descoberta da verdade ou para a prova, aplicando-se correspondentemente o regime da apreensão de correspondência previsto no Código de Processo Penal.”

v. Como resulta expressamente do disposto neste artigo, por força da alteração legislativa ocorrida, a apreensão das mensagens de correio electrónico passou a estar regulada directamente pelo artigo 17º da Lei do Cibercrime e, subsidiariamente (por remissão do mesmo) pelos pressupostos e requisitos legais relativos à apreensão de correspondência, previstos no art.º179º do C.P.Penal e não já pelo regime das escutas telefónicas (artigos 189º, 187.º e 188.º do CPP).

vi. A acusação dos presentes autos foi proferida em 21/11/2009, isto é, quando já se encontrava em vigor a designada lei do Cibercrime, Lei n.º 109/2009, de 15/09.

vii. Os recorrentes fundam a existência de nulidade, na circunstância de o MºPº não ter procedido à transcrição das mensagens de correio electrónico que entendeu como relevantes para efeitos de prova, nem à data em que foi formulada acusação, nem posteriormente.

viii. Deste raciocínio decorre que, no entender de tais recorrentes, a Lei do Cibercrime não é aplicável aos presentes autos, pelo que a questão teria de ser solucionada apenas nos termos previstos no C.P.Penal, com recurso às regras relativas às escutas telefónicas.

ix. Ora, ainda que se considerasse que esse entendimento seria o correcto (e, como infra melhor se explicitará, tal não é o caso), o que decorreria da própria fundamentação que os recorrentes apresentam, seria a sucumbência do que peticionam.

x. Efectivamente, os recorrentes invocam um incumprimento de um formalismo previsto no artº 188 nº9 do C.P.Penal – a transcrição do conteúdo dos mails considerados com relevo probatório pelo MºPº.
Tal incumprimento determinaria a existência de uma nulidade, por força da aplicação conjugada do disposto nos artºs 188 nº9, 189 e 190, todos do C.P.Penal.

xi. Dispõe o artº 118.º do C.P.Penal que:
1 - A violação ou a inobservância das disposições da lei do processo penal só determina a nulidade do acto quando esta for expressamente cominada na lei.
2 - Nos casos em que a lei não cominar a nulidade, o acto ilegal é irregular.
3 - As disposições do presente título não prejudicam as normas deste Código relativas a proibições de prova.

xii. Mostra-se expressamente consignado no artº 119 do C.P.Penal, que apenas constituem nulidades insanáveis:
- As que como tal forem cominadas em outras disposições legais;
- As que se mostram especificamente consignadas no próprio corpo do dito artº 119 (a) A falta do número de juízes ou de jurados que devam constituir o tribunal, ou a violação das regras legais relativas ao modo de determinar a respectiva composição; b) A falta de promoção do processo pelo Ministério Público, nos termos do artigo 48.º, bem como a sua ausência a actos relativamente aos quais a lei exigir a respectiva comparência; c) A ausência do arguido ou do seu defensor, nos casos em que a lei exigir a respectiva comparência; d) A falta de inquérito ou de instrução, nos casos em que a lei determinar a sua obrigatoriedade; e) A violação das regras de competência do tribunal, sem prejuízo do disposto no n.º 2 do artigo 32.º; f) O emprego de forma de processo especial fora dos casos previstos na lei.)

xiii. Por seu turno, o artº 126 do mesmo diploma legal, na parte que aqui nos importa, determina que as provas obtidas mediante intromissão na correspondência ou nas telecomunicações sem o consentimento do respectivo titular, ressalvados os casos previstos na Lei, são nulas, não podendo ser utilizadas, porque obtidas através de um método proibido de prova.

xiv. Face ao exposto, no que à questão que ora apreciamos concerne, temos que:

a. Nesta sede, apenas existirá nulidade insanável, nos casos de intercepções telefónicas que sejam obtidas sem autorização judicial, face ao vertido no artº 126 nº3 do C.P.Penal, em seguimento do comando ínsito no artº 32 nº8 da CRP.

b. Não estando em causa, no presente processo, tal ausência de autorização (pois os recorrentes não a afirmam e decorre da leitura dos autos que tal autorização foi efectivamente dada), a verificar-se alguma circunstância incumpridora do regime legal de apreensão de tais conteúdos, tal reconduzir-se-ia a uma situação passível apenas de integrar o conceito de nulidade e não de nulidade insanável.

c. Como é jurisprudência pacífica (inclusive do T.Constitucional), o prazo para invocação da nulidade das intercepções telefónicas (aplicável ao presente caso, segundo a tese dos recorrentes) é o previsto no artº 120 nº 3 al. c) do C.P.Penal, por remissão do disposto no artº 190 do mesmo diploma legal.

d. Assim, a inobservância dos requisitos e condições referidos nos artºs 187 a 189 do C.P.Penal acarretaria apenas a sua nulidade relativa, pelo que tal questão teria de ter sido suscitada dentro dos prazos legais – no caso, até ao encerramento do debate instrutório.

e. Como se constata pela mera leitura dos autos, nenhum dos arguidos suscitou tal nulidade até àquele momento processual. 

f. Tal significa, desde logo, que tendo tal putativa nulidade sido arguida tão-somente em sede de recurso, quando o prazo se mostrava há muito findo, ainda que essa nulidade se verificasse, estaria já sanada (artº 121 nº1 do C.P.Penal).

xv. Do que se deixa dito ter-se-á de concluir que, ainda que a argumentação expendida pelos recorrentes e o enquadramento legal que propugnam fosse o seguido por este Tribunal – aplicabilidade retroactiva à apreensão de correspondência electrónica das disposições vigentes no C.P.Penal respeitantes a escutas telefónicas, por inaplicabilidade da Lei do Cibercrime – daí resultaria a manifesta improcedência do peticionado pois, a existir nulidade, esta já há muito se mostraria sanada, precisamente porque, tempestivamente, os arguidos a não invocaram.

5. Não obstante, sempre se dirá que, efectivamente, tal nulidade nem sequer existiria, pela singela razão de, ao caso, ser aplicável o regime processual decorrente da Lei do Cibercrime.
Senão, vejamos.

i. Relativamente à aplicação da lei processual no tempo, estatui o art.º5.º do C.P.Penal:
“1 - A lei processual penal é de aplicação imediata, sem prejuízo da validade dos actos realizados na vigência da lei anterior.
2 - A lei processual penal não se aplica aos processos iniciados anteriormente à sua vigência quando da sua aplicabilidade imediata possa resultar:
a) Agravamento sensível e ainda evitável da situação processual do arguido, nomeadamente uma limitação do seu direito de defesa; ou (...)..”

ii. Neste artigo consagra-se o princípio do tempus regit actus, isto é a lei processual penal é de aplicação imediata, aplicando-se mesmo aos processos iniciados antes da sua vigência, a não ser que haja agravamento sensível e ainda evitável da posição processual do arguido ou conflito entre as normas.

iii. Ora, compulsados os autos verifica-se que a apreensão das mensagens de correio electrónico seguiu todas as formalidades legais previstas para as escutas telefónicas, cumprindo assim o regime legal a que estava sujeita à data da sua apreensão (arts. 188.º e 189.º, do Código de Processo Penal). 

iv. E, do mesmo modo, depois da entrada em vigor da Lei do Cibercrime, ou seja, à data em que foi proferida a acusação, foram igualmente respeitados os procedimentos legais previstos na Lei n.º 109/2009, de 15/09, designadamente a aplicação do regime previsto para a apreensão de correspondência, consignado no art.179º do C.P.Penal, que não impõe qualquer obrigação de transcrição do conteúdo dessas mensagens, pelo MºPº.

v. Ora, se os arguidos entendiam que tais transcrições eram obrigatórias e necessárias para poderem apresentar a sua defesa, mostra-se incompreensível a razão porque não suscitaram tal questão, precisamente logo após serem notificados da acusação.
E mais incompreensível se mostra ainda que, no âmbito da instrução que quatro destes ora recorrentes então requereram (lc…, lg…, lmi… e im…), não lhes tenha ocorrido mencionar sequer tal questão, até ao encerramento do debate instrutório, sendo que a decisão instrutória foi prolatada em 18.03.2010.

vi. Não se vislumbra, assim, qualquer desrespeito dos regimes processuais legais em vigor à data de cada uma das ocorrências.
E não se vislumbra, igualmente, em que medida é que a alteração legal que se sucedeu relativamente a esta matéria veio agravar e em que termos a posição processual dos arguidos, ora recorrentes, nomeadamente, por limitação do seu direito de defesa, porquanto estes, antes e depois da entrada em vigor da Lei do Cibercrime, sempre poderiam ser confrontados com tal meio de prova ao qual tiveram acesso, bem sabendo, igualmente, que os mesmos se mostravam juntos aos autos e que não havia, a seu respeito, qualquer transcrição.

vii. Por outro lado, como bem salienta o Mº.Pº. na sua resposta ao recurso, o exemplo do acórdão invocado pelos recorrentes, proferido pelo T.R.C., em 24/02/2010, não é aplicável ao caso concreto dos autos.
Efectivamente, em tal processo estava em causa a hipótese de realização de uma diligência de prova, à luz da Lei do Cibercrime, que antes da entrada em vigor desta não era de todo admitida. O caso dos presentes autos é, assim, totalmente diverso do tratado em tal acórdão, o que inviabiliza sequer a confrontação dos argumentos naquele aresto expendidos, por total ausência de similitude.

viii. Em síntese temos pois que, antes e depois da entrada em vigor da Lei do Cibercrime, era já legalmente admissível a apreensão das mensagens electrónicas e o seu uso em termos probatórios.
Deste modo, e não se vislumbrando qualquer agravação da posição processual dos arguidos, à data em que foi proferida a acusação dos presentes autos deve ser aplicado, como foi, o regime que então se encontrava em vigor para a apreensão das mensagens de correio electrónico, isto é, o regime do art.º 17.º, da Lei do Cibercrime e não já a do art.º 188.º, n.º 9, do Código de Processo Penal, por força do princípio geral da aplicação imediata no tempo da lei processual penal (artigo 5º do C.P.Penal).

6. Invocam ainda os arguidos lc…, lg… e im…, que não foram destruídas as mensagens de correio electrónicas apreendidas que não tinham interesse para os autos, conforme foi determinada pelo Mm.º Juiz de Instrução Criminal, alegando que, por essa razão, se depararam nas suas respectivas defesas com uma “imensidão de mensagens” que lhes limitou o pleno exercício de tal direito.

i. Mais uma vez não lhes assiste razão.

a. Em primeiro lugar, os arguidos, apesar de alegarem que não foi cumprido o despacho do Mm.º Juiz de Instrução Criminal que ordenou a destruição das mensagens estranhas ao processo, não demonstraram que tal não tenha sido efectuado.

b. Por outro lado, relativamente à “imensidão” de mensagens electrónicas apreendidas nos autos, certo é que, após o despacho do Mm.º Juiz de Instrução Criminal, os arguidos ficaram a saber quais as que tinham relevância para a prova dos factos objecto do processo e quais as que não tinham.

c. E tanto assim foi que, ao longo dos quase seis anos em que se prolongou o julgamento dos autos, nunca os arguidos ora recorrentes vieram invocar qualquer dificuldade em descortinar quais as mensagens electrónicas apreendidas nos autos com relevância para a prova, nem qualquer dificuldade na sua defesa em face deste referido meio de prova, nem requereram ao tribunal “a quo” - e poderiam tê-lo feito - qualquer esclarecimento nesse sentido, sendo que a defesa dos arguidos sempre foi assegurada ao longo de quase seis anos de julgamento sem qualquer aparente dificuldade.

ii. Carece, assim, de qualquer justificação que, só agora, em sede de recurso e ao fim de quase mais de seis anos de julgamento, venham os arguidos suscitar esta questão, quando a mesma deveria ter sido proposta ao tribunal “a quo”, para que sobre aquela se pronunciasse, sendo certo que a este tribunal se mostra apenas possível conhecer de questões que tenham sido suscitadas e resolvidas em sede de 1ª instância quando, como é o presente caso, não estejamos perante temas de conhecimento oficioso.

iii. Para além do mais, há que constatar que os recorrentes nem sequer concretizam, especificando, quais as comunicações que deveriam ter sido apagadas e o não foram, nem quais os caminhos que viabilizam ainda hoje a sua consulta, sendo certo que as extensas motivações de recurso e a amplitude de impugnação que fazem à matéria de facto, contradizem as dificuldades de defesa por si invocadas, por serem bem demonstrativas de que os arguidos têm um profundo e amplo conhecimento de toda a prova dos autos (incluindo meios probatórios documentais que invocam e que não foram apresentados pela acusação, nem se mostram vertidos no acórdão proferido pelo tribunal “a quo”), o que implica um pleno acesso à mesma.

7. Em conclusão final dir-se-á que:

a. No caso dos autos, a apreensão da correspondência electrónica foi legalmente efectuada, à data da sua ocorrência, pelas normas então vigentes e, posteriormente, isto é, à data em que foi proferido o despacho de acusação, pela legislação que entretanto já se mostrava em vigor (Lei do Cibercrime);

b. Ainda que assim se não entendesse; isto é, mesmo que se seguisse a tese jurídica propugnada pelos arguidos (de não aplicação aos autos da Lei do Cibercrime), o prazo para arguição da nulidade da falta de transcrição das mensagens de correio electrónico já há muito se mostraria esgotado (há mais de 7 anos, para sermos mais precisos, quando os presentes recursos foram interpostos);

c. O direito de defesa dos arguidos mostra-se respeitado em todas as suas vertentes, não se vislumbrando qualquer agravamento ou limitação, ainda que sensível, dos seus direitos de defesa, nem se tendo procedido a qualquer interpretação contrária às normas legais processuais e/ou constitucionais, designadamente, à violação do artigo 32.º, n.º 8, da CRP;

8. Nada obsta, assim, que sejam valoradas as mensagens de correio electrónico apreendidas nos autos, que constituem prova válida e legal, inexistindo qualquer inconstitucionalidade material, designadamente, de interpretação dos artigos 126.º, n.º 3, 188.º e 190.º, todos do C.P.Penal.
De facto, e no que respeita às restantes interpretações materialmente inconstitucionais que os recorrentes invocam, nesta sede, cabe-nos apenas referir que se mostra prejudicada a necessidade deste Tribunal ad quem tomar posição quanto às mesmas, uma vez que nem este Tribunal (nem o tribunal “a quo”) perfilharam os entendimentos que os recorrentes consideram terem estado subjacentes à decisão recorrida ou à presente, não subsistindo, pois, para este tribunal de recurso, a necessidade de se pronunciar sobre sentidos normativos que não têm aplicação no caso.

9. Improcedem pois, nesta parte, os recursos interpostos pelos arguidos acima enunciados, pelo que soçobram, em consequência, os pedidos que no argumentário refutado se fundavam.

                                                    *
                                                    *
                                                    *

E. da proibição da “reformatio in pejus” (artigo 409.°, n.° 1, do cpc)/da violação do artigo 32.°, n.° 1, da crp, do artigo 6.° da cedh, do artigo 14.° do pacto internacional sobre direitos civis e políticos e da interpretação “conforme à constituição” do artigo 409.°, n.° 1, do c.p.penal).

1. O arguido JO… extraiu as seguintes conclusões a propósito das questões supra enunciadas (uma vez que se procedeu já supra - vide ponto II. Transcrições dos segmentos (…) 2. - à transcrição integral das conclusões apresentadas por cada um dos recorrentes, opta-se por aqui se indicar apenas os números referentes às mesmas, que importam à decisão das questões que neste segmento cabe apreciar):
Pontos 75º a 80º; 1212º e 1213º; 1377º a 1382º; 1395º.

2. O MºPº apresentou resposta no ponto III. Violação da proibição de Reformatio in Pejus.

3. Apreciando.
Em breve síntese, alega o recorrente que o tribunal “a quo”, após fixar a pena parcelar imposta ao arguido pela prática do crime de abuso de confiança (4 anos de prisão), englobou a mesma em sede de cúmulo jurídico, o que determinou o agravamento da pena única imposta, que passou para 15 anos de prisão, sendo que anteriormente tal pena era de 14 anos de prisão.
Considera não ser legalmente admissível, por violação do princípio da reformatio in pejus, o agravamento de tal pena única.
Assim, cumpre saber se, em sede de pena única, a decisão proferida pelo tribunal “a quo” violou ou não o princípio da proibição da reformatio in pejus.

4. Determina o artº 409 do C.P.Penal que, interposto recurso de decisão final somente pelo arguido, pelo Ministério Público, no exclusivo interesse daquele, ou pelo arguido e pelo Ministério Público no exclusivo interesse do primeiro, o tribunal superior não pode modificar, na sua espécie ou medida, as sanções constantes da decisão recorrida, em prejuízo de qualquer dos arguidos, ainda que não recorrentes. (sublinhados nossos).

i. Pese embora a formulação do artigo pareça referir-se, tão-somente, à chamada proibição da reformatio in pejus directa - ou seja, aquela que resulta da análise realizada por um tribunal superior, em sede de recurso -  a verdade é que se tem de entender que tal preceito é aplicável por via indirecta, isto é, quando se esteja não perante uma apreciação em sede de recurso, mas quando a questão surge por virtude da realização de novo julgamento após a anulação do primeiro, em sede de decisão a proferir pela 1ª instância.

ii. Nas palavras de Jorge Dias Duarte (Proibição de reformatio in pejus, Consequências proces­suais, in Maia Jurídica – Revista de Direito, ano I, n.º 2, Julho‑Dezembro de 2003, págs. 205‑221):  (…) a actual compreensão do processo penal como um pro­cesso equitativo, em que está constitucionalmente consagrada a estrutura acusatória do pro­cesso, com pleno relevo do princípio da acusação, implica o entendimento da proibição de reformatio não, apenas, como um princípio dos recursos, mas como um princípio de todo o processo; de tal compreensão resulta nítida a conclusão de que, interposto recurso apenas pelo arguido (ou pelo Ministério Público no exclusivo interesse do arguido), tal recurso esta­belece um limite à actividade jurisdicional do tribunal ad quem, que, assim, não poderá alte­rar a decisão em desfavor do arguido (repete‑se, único) recorrente; tal limite será plena­mente operante mesmo para os casos em que o arguido tenho suscitado uma questão que implique a anulação do julgamento ou o reenvio para outro tribunal, que não poderá(ão) condenar em pena mais grave do que aquele que é posta em causa no recurso, pois esta é, aliás, a única forma a obviar à possibilidade da reformatio indirecta, isto é, consiste na única forma de impedir que o tribunal do novo julgamento ou de reenvio tenho mais poderes que o tribunal de recurso não tinha”.

iii. É, aliás, esse o entendimento expresso no acórdão do T.Constitucional que o recorrente cita (Acórdão n.° 236/2007), onde se afirma:
2.3. Entende-se, com efeito, que as razões que têm estado subjacentes à jurisprudência deste Tribunal Constitucional relativamente à proibição da reformatio in pejus, referenciada em 2.1., implicam que, também no presente caso, se emita um juízo de inconstitucionalidade, quer com base em específica violação do direito de recurso, quer fundada numa mais abrangente consideração da plenitude das garantias de defesa.
Na verdade, é igualmente inibidora do exercício do direito de recurso a possibilidade de, embora por via indirecta (na sequência de anulação do primeiro julgamento), o arguido, em situações em que é o único recorrente (ou na situação equiparada de o Ministério Público interpor recurso no exclusivo interesse da defesa), ver, a final, a sua posição agravada com uma condenação mais pesada do que a inicialmente infligida, apesar de o Ministério Público se haver conformado com esta.
 O entendimento da proibição da reformatio in pejus não apenas como dirigida ao tribunal de recurso, mas antes como um princípio geral do processo criminal, encontra a sua base constitucional na conjugação da plenitude das garantias de defesa, do princípio do acusatório e das exigências do processo equitativo.

iv. E, no seguimento desse entendimento, determinou aquele aresto Julgar inconstitucional, por violação do artigo 32.º, n.º 1, da Constituição da República Portuguesa, a norma do artigo 409.º, n.º 1, do Código de Processo Penal, interpre­tada no sentido de não proibir o agravamento da condenação em novo julgamento a que se procedeu por o primeiro ter sido anulado na sequência de recurso unicamente interposto pelo arguido.

5. Resta todavia apurar se o caso dos autos se mostra abrangido por este entendimento.
Adianta-se desde já que a resposta é negativa, por uma série de razões que, de seguida, se enumeram.

i. Em primeiro lugar, nestes autos não houve qualquer anulação de julgamento.
Na verdade, o primeiro acórdão prolatado por este TRL limitou-se a determinar a nulidade parcial do acórdão, por omissão de pronúncia, precisamente porque o tribunal “a quo”, embora tivesse a obrigação legal de determinar a pena a impor ao arguido pela prática de um crime de abuso de confiança, não o fez. Não estamos assim perante qualquer vício ou erro de julgamento mas sim perante uma omissão em sede de acórdão.

ii. Em segundo lugar, porque embora o arguido tenha, de facto, suscitado tal questão de omissão de pronúncia, no seu recurso, a verdade é que, ainda que o não tivesse feito, sempre este tribunal de recurso teria de oficiosamente conhecer da existência de tal nulidade.
Efectivamente, não estamos aqui perante um erro que o recorrente aponte ao decidido, no sentido de não concordar com o que se mostra exarado (erro este com que todos os demais se conformaram), mas antes perante uma lacuna que, face ao imperativo legal – o juiz é obrigado a pronunciar-se sobre a natureza e a dosimetria da sanção a impor pela prática de um crime pelo qual um arguido foi acusado e pelo qual entende que deve ser condenado, como resulta expressamente do vertido nos artº 379 nº1 al. c) e artº 374 e artº 375 nº1, todos do C.P.Penal – tem forçosamente de ser preenchida.
Do dito decorre que, pelo facto de o arguido ter interposto recurso, invocando a omissão de pronúncia – afirmando que embora tenha sido condenado, desconhecia qual a pena que lhe havia sido imposta – não viu a final, e por tal motivo, a sua posição ser agravada, pela simples razão de que já sabia que havia sido condenado: desconhecia apenas o quantum da pena.

iii. Em terceiro lugar, porque decorre desse obrigatório e legalmente imposto suprimento, que seja fixado algo que antes nunca existiu – isto é, que seja definida a sanção a aplicar. Ora, se nenhuma pena antes foi estabelecida, não se vê como se possa argumentar que a sua fixação inicial, em sede de suprimento, modifica em prejuízo do arguido (e é essa a estipulação constante no artº 409 do C.P.Penal) sanção anterior. Não a modifica pela simples razão de que a mesma não havia sido fixada (o que não se confunde com absolvição), pelo que nada há para comparar, para avaliar em termos de detrimento.
É óbvio que nada (ausência de fixação de pena) é diferente de algo (a sua concretização), mas nada, no caso concreto, é uma impossibilidade jurídica, pois a Lei não permite ao julgador tal omissão.
E dessa impossibilidade jurídica não pode nascer uma expectativa jurídica válida no sentido de que o “nada” se manterá, nem se pode fazer apelo à noção de processo equitativo para tanto (por esse princípio, tal omissão teria forçosamente de determinar, em sede de suprimento, a absolvição…).
Na verdade, sabendo o arguido desde o momento em que é acusado, quais os crimes pelos quais terá de responder e, sendo condenado, quais as sanções que lhe podem ser impostas, não se vislumbra em que belisca sequer os princípios de justiça e de equidade que devem presidir ao processo penal (ou, como agora é apanágio dizer-se, ao due process of law, que mais não é senão o respeito pelos normativos processuais penais, bem como pela própria estrutura acusatória e contraditória do processo) a mera constatação de que a lacuna existente tinha de ser preenchida e que a fixação agora determinada pelo tribunal “a quo” é a primeira sanção que este fixou pela prática de um crime de que vinha pronunciado e que havia já decidido que pelo mesmo deveria ser condenado (vide acórdão proferido por este TRL, em Setembro de 2018).
Consequentemente, essa determinação terá reflexos a nível de aplicação do princípio da reformatio in pejus directa (por este tribunal de apelo), no sentido de que não poderá este tribunal determinar o agravamento da pena imposta pelo tribunal “a quo” pelo crime de abuso de confiança, já que da mesma não foi interposto qualquer recurso, mas não pode ter reflexos por via indirecta, precisamente porque – repete-se mais uma vez – nada se mostrava anteriormente fixado, a nível de sanção.

iv. Em quarto lugar se dirá que, ainda que assim se não entendesse, sempre haveria que atender ao seguinte:
Pressuposto da aplicação do princípio da reformatio in pejus (seja directa, seja indirecta), é que tenha havido apenas recurso interposto pelo arguido ou pelo MºPº em seu benefício.
Ora, tal não sucede no caso dos autos.
De facto, o MºPº recorreu e não foi em benefício do arguido, já que pretende que haja lugar ao agravamento da pena única que lhe foi imposta.
Assim sendo, desde logo daqui resulta que o acima mencionado pressuposto se não verifica no caso em apreciação nestes autos, pelo que afastada se mostra a aplicação do dito princípio no que respeita à pena única a impor.

6. Finalmente ainda se aditará que, mesmo que se entendesse que a proibição da reformatio in pejus se manteria, no que concerne ao impacto, em sede de pena única, da condenação parcelar imposta ao crime de abuso de confiança – isto é, que o limite de 14 anos de prisão nunca poderia ser ultrapassado por virtude da inclusão, na pena única, da pena parcelar relativa à condenação pela prática daquele ilícito - a verdade é que, sendo de deferir a questão jurídica proposta pelo MºPº no seu recurso, no que se refere ao crime de fraude fiscal, a pena única a impor, após reformulação do cúmulo jurídico, não sofre a limitação decorrente da proibição da reformatio in pejus.

i. De facto, merecendo procedência o recurso interposto pelo MºPº, no que concerne ao enquadramento jurídico relativo a tal ilícito (fraude fiscal), por se dever entender que se está perante a sua forma qualificada (como constava da pronúncia) e não perante a sua forma simples (como foi decidido pelo acórdão proferido pelo tribunal “a quo”), tal determinará a efectiva condenação do arguido numa pena parcelar (por não verificação do fenómeno da prescrição) e, decorrentemente, a inclusão da mesma em sede de cúmulo jurídico.

ii. Assim e dentro deste circunstancialismo, é inaplicável a proibição consignada no artº 409 do C.P.Penal, pela singela razão de que é seu pressuposto que o recurso tenha sido interposto apenas pelo arguido ou pelo MºPº, em seu benefício, o que não é obviamente o caso.

iii. E desde já se adianta (como infra melhor se explicitará – vide HA. Recursos interpostos pelo MºPº), que cabe razão ao MºPº no recurso que interpôs quanto à questão do enquadramento jurídico do crime de fraude fiscal, pelo que, no caso que nos ocupa, o limite máximo da pena a impor, em sede de cúmulo jurídico, ao arguido JO…, não se mostra limitado pela questão de omissão de pronúncia relativamente à pena do crime de abuso de confiança, o que resulta da inaplicabilidade ao caso do disposto no artº 409 nº1 do C.P.Penal, por não preenchimento de um dos requisitos da sua aplicação (recurso interposto apenas pelo arguido ou pelo MºPº, em seu benefício).

7. Assim, ainda que se entendesse que as anteriores razões não afastariam a aplicabilidade do princípio da proibição da reformatio in pejus no caso presente, a verdade é que esta última determinará, por força de lei expressa, o seu afastamento, já que é o próprio artº 409 do C.P.Penal (como aliás o próprio arguido reconhece), que estipula o seu próprio campo de aplicação, o seu âmbito.

8. E se assim é, como é, não fez este tribunal, nem o tribunal “a quo”, qualquer interpretação do sobredito artigo, nos termos que o recorrente propõe, em violação de qualquer preceito constitucional. Uma vez que este Tribunal não perfilhou os entendimentos que o recorrente considera inconstitucionais, não subsiste a necessidade de pronúncia sobre sentidos normativos que não têm (e não tiveram), aplicação no caso.

 9. Prosseguindo.
O recorrente entende ainda que o tribunal “a quo” teria violado o acima mencionado princípio, ao proceder à condenação do arguido pelo crime de branqueamento de capitais.
Não lhe assiste qualquer razão.
Senão, vejamos.

10. Como decorre do acórdão proferido pelo tribunal “a quo” (inalterado, nessa parte, pelo suprimento da omissão que veio posteriormente a ser realizada pelo acórdão de Novembro de 2018), aí se mostra vertido, em sede de enquadramento jurídico:
Não olvidando o que agora de referir, não subsistem quaisquer dúvidas que o arguido OC… praticou o tipo-de-ilícito em questão.
Verificou-se o crime precedente, neste caso, dois: burla qualificada e abuso de confiança.
Estão verificados os pressupostos a que alude a parte final do n.º 1 do art. 368º-A do C.P..
O arguido tinha pleno conhecimento que estava a dissimular a proveniência ilícita das quantias:
862) Ao fazer a transferência da sua conta pessoal para a conta da Galeria, o arguido OC… não pretendia realizar uma liberalidade em benefício do Banco, uma vez que sabia que o BPN teria que recomprar as obras de arte, até com um preço acrescido, pelo que sabia que o seu dinheiro seria sempre recuperado na conta da Galeria;
863) Com efeito, o arguido OC…, sabia que a origem dos fundos que transferiu para a conta da Galeria lhe poderia vir a ser censurada e o poderia fazer incorrer em responsabilidade, razão pela qual visava que os fundos transferidos para a Galeria, depois de utilizados para criar a aparência de um pagamento ao BPN e depois de recebido do BPN o dinheiro correspondente à recompra, permanecessem na Galeria, à sua disposição;
864) O que o arguido OC… visava era cortar a ligação dos referidos fundos com os factos que sabia lhe terem dado origem e que eram os que se passam a narrar;(…)
Resta só aferir se ocorreu conversão e/ou transferência de vantagens (dinheiro) com o fim de dissimular a sua origem ilícita.
Os factos mencionados enunciam-no.
E, de facto, assim ocorreu.
Considere-se:
O arguido obteve substanciais mais-valias nas operações Emka, Invesco e Zemio.
Ficou, em carteira, com milhões de acções da SLN, SGPS, S.A., realizadas nas circunstâncias atrás referidas.
Grande parte dessas acções foram pagas com o valor do empréstimo do Fortis Bank (mais de € 8.000.000,00) que, por sua vez, foi pago com financiamentos do Banco Insular sob a forma de contas correntes caucionadas associadas à conta alfanumérica A1 que não foram formalizados e que nunca foram pagos quer quanto ao capital mutuado quer quantos aos respectivos juros (865 e 866).
Posteriormente vendeu acções da SLN SGPS que tinha em carteira.
Avulta aquela em que o arguido OC…, prevalecendo-se das posições que detinha no grupo SLN/BPN, designadamente presidente do BPN, SA, presidente da SLN, SGPS e da SLN VALOR, SGPS, SA, realizou com JVe…, respeitante a 821.429 acções da SLN, SGPS (867 a 869).
Com efeito, em 21.09.2005, o arguido OC… vendeu 821.429 acções da SLN, SGPS pelo preço unitário de € 2,80 a JVe…, tendo o produto global da venda de € 2.300.001,20 sido creditado na sua conta pessoal no BPN, S.A. (869).
Estamos, neste caso, perante a conversão (venda das acções e recebimento do dinheiro) das vantagens obtidas, de modo ilícito, nos termos narrados supra.
Por via desta actuação, o arguido OC… dispunha de fundos nas suas contas, à data de Setembro de 2006, de forma a poder colocar o montante referido na conta da “Filomena Soares e Santos, Lda., uma vez que sabia que o mesmo poderia ser recuperado e com nova justificação, logo que o BPN procedesse à recompra dos quadros (875).
O simulado acordo de 30.11.2004 (compra e venda com acordo de recompra) outorgado entre o arguido OC… e a Galeria Filomena Soares previa a obrigação do BPN recomprar as obras de arte.
Por conseguinte, a 9.07.2007, na sequência de determinação do arguido OC…, o BPN, SA realizou uma transferência para a conta da Galeria, no BPN, SA, no montante de € 1.427.750,00 (877).
Por outro lado, em 16.07.2007, a Real Seguros transferiu para a conta da Galeria, no BES, a quantia de € 1.861.272,00 (878).
Deste modo, com a recompra pelo BPN das obras de arte à Galeria “Filomena Soares e Santos”, os fundos inicialmente colocados nas contas da mesma com origem na conta da JARED junto do Banco Insular e com origem nas contas do arguido OC…, ficaram livres e aparentemente com uma nova justificação, tal como pretendia o arguido OC…, uma vez que, aparentemente eram provenientes das transacções entre a Galeria e o BPN.
Ou seja, estamos perante a transferência da vantagem (dinheiro) anteriormente obtida de modo ilícito e, concomitantemente, na sua dissimulação.
A transferência, dissimulação e ocultação da vantagem obtida continuou, primeiro, através da aplicação dos fundos em depósito a prazo no BPN e, depois, através das operações descritas no facto provado 881 (11.09.2007 e 12.09.2007) e nos factos 883 e 884.
Com o dinheiro já completamente dissimulado, ocorreram posteriormente, novas disposições de fundos a solicitação do arguido (885 a 887).
No entanto, apesar de todas estas movimentações, o arguido OC… continuava a dispor nas contas da Galeria o montante de € 1.570.870,00.
Havia que justificar a permanência dos fundos nas contas da Galeria, o que não deixa de ser uma nova dissimulação/ocultação.
Para tanto:
O arguido OC… propôs e o MSa… aceitou, subscreverem um acordo pelo qual se estabelecia a prestação de consultadoria pelo MSa… ao arguido, no domínio da pintura e da escultura contemporânea (889).
Aceitou ainda que parte dos fundos detidos pela “Filomena Soares e Santos, Lda”, no seu interesse, poderiam ser aplicados em obras de arte, escolhidas pelo MSa…, tendo em vista a rentabilização daquele capital, sem prejuízo de continuar o MSa… a ter que disponibilizar os fundos de que o OC… viesse a ter necessidade (890).
Tanto assim é que já na pendência dos presentes autos, o arguido OC… fez chegar ao MSa… nova instrução para a mobilização de fundos, desta vez no montante de 550.000,00 €, que vieram a ser mobilizados, na data de 11-3-2009, da conta BES da “Filomena Soares e Santos, Lda.” para a conta da sociedade “Paço dos Infantes – Sociedade Agrícola, Comercial e Turística, Lda.”, conta junto da CCAM de Beja, nº … (891).
Tais fundos (€ 550.000,00) vieram a ser bloqueados à ordem dos presentes autos, quer na conta da referida “Paço dos Infantes” quer nas contas da “Filomena Soares e Santos, Lda”, vindo posteriormente a ser apreendidas obras de arte adquiridas pelo MSa…, no valor dos restantes 1.020.870,00 € que eram pertença do arguido OC…, mas que o MSa… já havia aplicado em várias obras de arte na sequência do acordo que, os dois, tinham estabelecido (893).
Dúvidas não subsistem, pois, da prática pelo arguido OC… de um crime de branqueamento de capitais devendo, consequentemente, ser condenado por este tipo de ilícito.

11. Por seu turno, diz-se ainda no acórdão prolatado pelo tribunal “a quo” (redacção que se manteve inalterada desde Maio de 2017):
Arguidos OC…, JV…, LC…, FS…, LM…, LAl…, AF… e IC… (em conjunto):
Importa, agora, proceder à análise dos crimes que na pronúncia são imputados aos arguidos “com referência ao conjunto da sua actuação”.
São os seguintes:
- burla qualificada (arts. 217º e 218º, n.ºs 1 e 2);
- abuso de confiança (205º, n.º 1, n.º 4, al. b) e n.º 5 do C.P.);
- infidelidade (art. 224º, n.º 1 do C.P.);
- falsificação de documento (256º, n.ºs 1, als. a) e e) e 3 do C.P.);
É de todo conveniente proceder à análise, em conjunto, da restante factualidade da pronúncia.
Com efeito, poderão configurar-se situações de concurso aparente ou consumpção de crimes.
A nível de direito, remete-se para as considerações já desenvolvidas supra, relativas à análise dos elementos objectivos e subjectivos dos crimes de burla qualificada, abuso de confiança e falsificação de documento. (…)
Da restante responsabilidade criminal do arguido OC…:
Excluindo os tipos-de-ilícito já apreciados e decididos, está ainda pronunciado pela prática de:
um crime de abuso de confiança, “com referência ao conjunto da sua actuação na retirada e apropriação, para si e para terceiros, de fundos do Grupo BPN/SLN”, p. e p. pelo art. 205º, n.º 1, n.º 4, al. b) e n.º 5 do C.P.;
(…)
                                                      *
O valor das 29.000.000 acções subscritas por OC… ao preço unitário de € 1,00 impunha o pagamento do valor global de € 29.000.000,00.
Como sobredito, o arguido já havia pago a 29.12.2000 as quantias de 1.453.494.500$00 (€ 7.250.000,00) e 1.308.145.050$00 (€ 6.525.000,00), restando-lhe, pois, o pagamento de 3.052.388.450$00 (€ 15.225.000,00) – art. 282º da pronúncia (v. facto provados 269 e 272).
Por outro lado, tendo o período de subscrição do aumento de capital decorrido entre 12 e 27 de Dezembro de 2000, daqui decorre, como consta do art. 282º da pronúncia (v. facto provado 272), que este pagamento final (70% do preço) teria de ocorrer até meados de 2001.
Vejamos o modo como foi efectuado este pagamento:
273) Para efeito de obter fundos para realizar tal pagamento, além de proceder à venda de acções, o arguido OC… contraiu um empréstimo junto do FORTIS BANK, na sequência do qual veio a receber, na sua conta junto do BPN, na data de 29-6-2001, o montante de 12.500.000,00€, equivalente a 2.506.025 contos;
274) O restante pagamento foi retirado do montante de EUR 6.561.393,80, que foi creditado na conta pessoal do arguido JO… e que proveio de vendas de acções da SLN, realizadas no período entre Janeiro e Junho de 2001;
275) No dia 29 de Junho de 2001, foram apresentados a pagamento os restantes 70% das acções subscritas pelo arguido JO…;
276) Para tal, foi debitada na sua conta com o nº …, a quantia de EUR 15.225.000,00, correspondente a PTE 3.052.338.450$00;
277) Tal empréstimo junto do FORTIS veio a ser parcialmente liquidado através de movimentação a débito que o arguido determinou sobre a conta A1 do Banco Insular;
Isto é, o arguido pagou parcialmente o empréstimo do Fortis Bank com quantias movimentadas a débito na conta alfanumérica A1 de que era titular no Banco Insular (277, 282 e 283).
O arguido nunca pretendeu pagar a quantia (€ 8.366.666,66) que “sacou” da sua conta no Banco Insular para amortizar o empréstimo que havia obtido no Fortis Bank (280).
Por outro lado os financiamentos, por conta corrente caucionada, não foram reduzidos a escrito (280).
Acresce que, o arguido fez transitar a conta A1, na data de 11.6.2004. para o designado Balcão 2 do Banco Insular (balcão que nunca foi objecto de reporte às autoridades de supervisão), deixando as operações (financiamento) de estar registadas nas contas daquele Banco (281).
Já defendemos que a simples violação dos direitos de crédito não integra o elemento objectivo do crime de abuso de confiança.
Ou seja, com tal queremos significar os casos de mútuos bancários ou quaisquer outros empréstimos entre sociedades que, simplesmente, não sejam pagos decorrido que esteja o respectivo prazo.
A não restituição atempada, só por si, não integra o conceito de apropriação.
Todavia, esta não é a situação que ocorre no caso em apreço.
Desde logo, o elemento volitivo: o arguido não pretendia vir a liquidar tais débitos.
O facto de a pretensa conta corrente caucionada nunca ter sido reduzida a escrito nem ter sido definida data para a sua liquidação.
Não se olvida que, em tese, seria sustentável que não havendo essa conta corrente caucionada, o saque dos fundos traduzir-se-ia num empréstimo através de um descoberto à ordem.
Não obstante, no caso presente, há um acto concludente que revela a apropriação, i.e., a inversão do título da posse.
Consiste na passagem da conta e do financiamento para o designado Balcão 2 do Banco Insular ficando, deste modo, completamente oculto e sem a possibilidade de ser detectado.
Isso é revelador que o arguido que até então era possuidor alieno domine passou a comportar-se em possuidor aliena dominas, integrando, assim, definitivamente a quantia no seu património.
Igual entendimento se impõe face ao teor dos factos provados 284 a 286 relativos ao saque da quantia de € 886.580,43.
É que esse montante destinou-se a creditar a conta da JARED FINANCE, junto do mesmo Banco Insular, uma vez que, anteriormente, o arguido havia determinado que sobre essa mesma conta fosse pago o montante dos referidos 886.580,43€, que correspondiam a uma dívida de IRS do próprio arguido OC…;
Os demais pressupostos do crime de abuso de confiança também estão verificados.
E, a nível subjectivo, provou-se:
941) O arguido OC… actuou ainda com o propósito de deitar a mão a fundos criados ou disponíveis nas instituições que geria, como se fosse beneficiário de empréstimo, mas sem o propósito de pagar juros e amortizar as quantias recebidas, apesar de saber que se tratava de fundos que não lhe pertencia e que devia actuar perante esses fundos como entidade autónoma;
958) O arguido actuou livre e conscientemente, sabendo que a sua conduta era proibida por lei;
Considerando o teor dos factos provados, em nosso entender, no que concerne ao arguido JO…, estão verificados os pressupostos objectivos e subjectivos configurantes do crime de abuso de confiança.
O montante de que o arguido se apropriou é “valor consideravelmente elevado” (€ 9.253.247,09) – arts. 202º, n.º 2 e 205º, n.º 4, al. b), ambos do C.P..
Não se verifica a qualificativa do n.º 5 do art. 205º do C.P..
O arguido não recebeu o dinheiro “em depósito imposto por lei em razão de ofício, emprego ou profissão”.
Face ao exposto e razões aduzidas, deve o arguido ser condenado pela prática, como autor material, na forma consumada e a título doloso (directo), de um crime de abuso de confiança, p. e p. pelo art. 205º, n.ºs 1 e 4, al. b) do C.P..
*
Para a cabal compreensão da factualidade que ora se analisará será curial recordar:
O arguido OC… na subscrição das 29 milhões de acções da SLN, SGPS, S.A., em sede de aumento de capital desta sociedade, ficou a dever a quantia de € 15.950.000,00 (3.197.687.900$00) à Venice.
E isto porque, à data dos factos, o arguido era o “dono” (último beneficiário) da Zemio (v. factos provados 253 e 265).
Por outro lado, por causa da mesma operação, ficou devedor da quantia de € 8.366.666,66 ao Banco Insular (277, 280, 282 e 283).
Após realizar o pagamento das 29 milhões de acções ficou ainda com uma diferença monetária a seu favor de 815.586.618$01 (€ 4.068.129,00) – v. facto provado 271.
No ano de 2003, o arguido OC… e o MSa…, sócio-gerente da Galeria Filomena Soares, acordaram uma operação formal de compra e venda de obras de arte com recompra que teve por intervenientes o BPN Creditus, como vendedor, a Galeria Filomena Soares, como compradora e revendedora, e a Sociedade Agrícola Valle Flor, S.A., como nova compradora (843 a 848).
O preço combinado da primeira compra e venda foi de € 1.200.000,00 e o preço combinado da segunda foi de € 1.248.000,00 (847 e 848).
Assim, o pagamento do preço realizado pela Sociedade Agrícola à Galeria permitiu que esta, então, tivesse pago o preço de aquisição ao BPN Creditus, ficando para si com a diferença de € 48.000,00, que correspondia à ajustada compensação da Galeria que perfazia 4% do valor da compra e venda (845).
Obviamente, as obras de arte aparentemente transaccionadas não passaram pelas mãos da Galeria.
Esta simulada operação visou apenas aumentar os resultados apresentados pelo BPN (844).
Já em 2004 seguiu-se um outro “negócio” com contornos semelhantes, diferindo deste somente na perspectiva de que não visou qualquer aumento de resultados financeiros do BPN.
De facto, a 30.11.2004, o arguido OC…, em representação do BPN, SA, e MSa…, em representação da Galeria Filomena Soares, acordaram uma operação semelhante, subscrevendo um designado “contrato de compra e venda com acordo de recompra” (850)
Nele previa-se que se a Galeria não conseguisse vender as obras de arte a terceiros até Julho de 2007, o BPN obrigava-se a recompra-las, directamente ou por entidade participada, por um preço equivalente ao da venda, acrescido de 5% (850).
Não era propósito do arguido OC… que os quadros fossem vendidos pela Galeria Filomena Soares.
É que, em nenhum momento as obras de arte foram objecto de tradição, mantendo-se sempre na posse do BPN, SA. (851).
Porém, para dar total credibilidade ao negócio, mostrava-se necessário compor a movimentação financeira correspondente nos termos acordados, i.e., transferir fundos para as contas bancárias da Galeria para que esta pudesse realizar um movimento financeiro a favor do BPN referente ao “pagamento” das obras de arte (853).
Movimento financeiro que, de facto, ocorreu.
No que aqui e agora importa, em ordem a que a Galeria pagasse o “preço” acordado de € 3.132.640,00, o arguido OC… determinou, em 29.12.2004, que a conta da sociedade offshore Jared (“central de custos”, “saco-azul”) no Banco Insular, fosse debitada pelo montante de € 1.000.000,00, donde foi feita uma transferência que passou pela conta do Banco Insular no Montepio Geral e chegou à conta da Galeria, no BES (854).
De seguida, em 30.12.2004, MSa… emitiu um cheque no montante de € 1.000.000,00 sobre a conta da Galeria, no BES, o qual foi depositado na conta do BPN, no próprio BPN, ficando assim paga a 1ª tranche do preço (855).
O financiamento da Galeria para o pagamento da 2ª tranche do preço, no montante de € 2.132.640,00 foi realizado pelo arguido OC… através das suas contas pessoais.
Assim, em 15.09.2006, o arguido OC… emitiu um cheque sobre a sua conta no BPN, SA, no montante de € 1.807.222,66 que foi depositado conta da Galeria no BES a 18.09.2006 (856 e 857).
A par do depósito deste cheque no montante de € 1.807.222,66 foi também depositado pelo arguido OC…, na conta da Galeria, no BES, um cheque no montante de € 25.417,34 emitido pelo arguido FS…, em 04.09.2006, sacado sobre a conta por si titulada no BPN, S.A. (858).
Faltava o montante de € 300.000,00 para que a conta da Galeria estivesse munida de fundos suficientes para pagar o valor de € 2.132.640,00.
Para tanto, em 18.09.2006, o arguido OC… determinou a realização de uma transferência de € 300.000,00 a partir da sua conta pessoal no BCP para a conta da Galeria, no BES, sendo certo que aquela conta havia sido creditada em Janeiro de 2006 com o montante de € 200.000,00 proveniente de uma outra conta por si titulada, no BPN, S.A. (859 e 860).
Por sua vez, em 18.09.2006, a conta da Galeria, dispondo de fundos suficientes, foi debitada por saque de um cheque de € 2.132.640,00 e, correspondentemente, foi creditada a conta do BPN, SA, através do depósito desse cheque.
Deste modo, foi efectuado o pagamento da 2ª tranche do ajustado preço da “fictícia” compra e venda das obras de arte (861).
Os factos provados 862 a 866 e 880 estabelecem uma relação inequívoca entre estes fundos colocados pelo arguido OC… na Galeria – excluindo, obviamente, pelas circunstâncias, o montante de € 25.417,34 - e o total de 29 milhões de acções da SLN, SGPS, S.A., que tiveram por base as operações de apropriação de quantias que envolveram as entidades Emka, Invesco e Zemio, e o financiamento pelo Banco Fortis que havia sido pago pelo descrito saque de fundos da conta alfanumérica A1 por si titulada no Banco Insular.
Note-se, que grande parte deste saque de fundos do Banco Insular estava em dívida (€ 8.366.666,66 – factos provados 277, 280, 282 e 283).
Igualmente estava por pagar a quantia de € 15.950.000,00 “sacada” pela Zemio (arguido) da conta da offshore Venice (253 e 265).   
O arguido OC… em lugar de saldar as suas dívidas, pelo menos a que estava em seu nome pessoal na conta A1 no Banco Insular, fez uso das quantias sacadas em datas anteriores nos termos que ficaram descritos, colocando-as na conta da Galeria Filomena Soares.
Se dúvidas houvesse – e não as há - quanto à prática, pelo arguido, do crime de abuso de confiança, com esta operação “fictícia” de compra e venda com acordo de recompra dos quadros e disponibilização de valores pessoais, elas ficariam definitivamente dissipadas.
Já antes sustentamos que o arguido se apropriou daquelas quantias, na medida em que inverteu o título da posse.
Se já era claro na altura, agora mostra-se inquestionável.
O arguido tinha disponibilidade financeira para, pelo menos, pagar parte das quantias “sacadas”.
Não o fazendo, pelo contrário, ao dar o referido destino a parte dessas quantias, isso é mais que revelador, também aqui, que o arguido passou a comportar-se em possuidor aliena dominas, integrando, assim, definitivamente a quantia no seu património.

12. Finalmente, consta no acórdão proferido pelo tribunal “a quo” o seguinte, a propósito da tipologia e dosimetria das penas (texto inalterado do acórdão prolatado em Maio de 2017):
(…)
- pena de prisão de 2 a 8 anos – crime de branqueamento (art. 368°-A, n°s 2 e 10, conjugado com o limite máximo das molduras penas dos crimes de burla qualificada e abuso de confiança – arts. 218°, n.° 2, al. a) e 205°, n.° 4, al. b), todos do C.P.);
(…)
Dentro destes limites teremos, portanto, de elaborar a dosimetria cingidos à regra do art. 71° do C.P. vigente, valorando: a culpa do agente, a concorrência de circunstâncias agravantes ou atenuantes estranhas à tipicidade e a satisfação das exigências preventivas (geral e especial).
No âmbito da prevenção geral entende-se relevar o seguinte:
As exigências e prevenção geral são muito elevadas, atenta a grande incidência deste tipo de crimes e a sua nefasta repercussão na comunidade.
Há também que atender na grande sensibilidade que a comunidade apresenta relativamente a este tipo de crimes, considerando que os mesmos estão também na génese da ainda actual situação económica, não compreendendo a sua pouca punibilidade nos nossos Tribunais.
Perante esta realidade, as necessidades de prevenção geral aumentam exponencialmente, competindo aos Tribunais colocar um travão nesta ideia que se tem vindo a enraizar na sociedade de que o crime económico compensa.
Refira-se que o comportamento dos arguidos OC…, LC…, FS… e JV… assume uma especial gravidade e integra-se na criminalidade chamada de “colarinho branco”, protagonizada pelos estratos mais elevados da sociedade, o que representa, em termos de política criminal, uma preocupação cada vez maior.
Importa também não esquecer o gravíssimo dano causado à imagem e à credibilidade do sistema financeiro e da economia nacional pela actuação dos arguidos OC…, LC…, FS… e JV… que protagonizaram as condutas infractoras em apreço, tendo resultado sensivelmente afectados os níveis de confiança depositados no sistema bancário, em geral, e no BPN, em particular, mormente pela instrumentalização a que foi sujeito pelos autores das infracções em apreço.
As necessidades de prevenção geral são pois, no caso, enormes, essencialmente no que concerne à conduta dos quatro arguidos identificados, sem que, evidentemente, os mesmos possam ser usados, como mero instrumento, ao serviço daquela política, o que ocorreria caso viessem a sofrer uma pena para além do que a sua responsabilidade pessoal comporta.
Por fim, no campo da prevenção especial, afigura-nos dever salientar o seguinte circunstancialismo:
1) Arguido OC…
a) Contra o arguido,
- a culpa elevada, assumindo a modalidade de dolo directo;
- os factos denotam uma ilicitude muito elevada, atenta a forma de comissão dos crimes;
- o valor do benefício pretendido a título de IVA aquando da emissão das facturas n.ºs 2160 e 2161 (€ 81.123,35);
- o montante do prejuízo provocado (€ 6.106.817,22) com a venda à Etrapanob das 2.350.000 acções da Labicer tituladas pelo arguido TR…;
- a excepcionalmente grave ilicitude dos factos, atendendo ao modo de execução da estratégia, pensada, delineada e estruturada ao pormenor, e que permitiu durante cerca de 8 anos a omissão de registos contabilísticos, quer do Banco Insular, quer das sociedades offshore e, assim, fora do controlo dos accionistas do grupo SLN/BPN e das autoridades de supervisão (Banco de Portugal e Banco Central de Cabo Verde);
- o comportamento delituoso que passou por vários negócios concretos (subscrição de 29 milhões de acções da SLN SGPS, S.A., compra e venda da SLN Imobiliária pela Camden, Astroimóvel, Validus e Labicer);
- o montante de € 9.253.246,09 de que se apropriou através da conta A1 por si titulada no Banco Insular;
- as funções que exerceu em várias instituições bancárias ao longo da sua carreira profissional, as exercidas ao serviço do Estado Português, e os seus conhecimentos (licenciatura em economia) impunham que o arguido, mais do que ninguém, tivesse conhecimento das responsabilidades que sobre si impendiam e que, também por causa delas, tivesse uma conduta irrepreensível à frente do Grupo SLN/BPN;
b) A favor do arguido,
- a ausência de antecedentes criminais;
- a sensibilidade à pena que dele se espera pelo facto de ser primário;
- o exercício de actividade profissional desde que concluiu a escolaridade obrigatória;
- o relacionamento familiar estável e apoio que tem do cônjuge e filhos;
- a doença de que padece (doença hepática crónica);
- a sua idade (81 anos);
- a circunstância de já terem passado 16 anos desde a emissão daquelas facturas;
- o tempo decorrido entre a prática dos restantes factos e a presente data, sem esquecer a extrema complexidade do processo que também para isso contribuiu;

13. O que daqui decorre é simples:
a. O arguido JO… sabe, desde Maio de 2017, que o tribunal “a quo” entendeu, em sede de enquadramento jurídico, que os factos dados como assentes consubstanciavam (além de outros) a prática de um crime de abuso de confiança agravado, de burla qualificada e um crime de branqueamento de capitais.
b. Sabe, igualmente, desde aquela data, que ao proceder à condenação pelo crime de branqueamento de capitais, entendeu o tribunal “a quo” que os dois crimes precedentes eram o de burla qualificada (um seu segmento) e abuso de confiança agravado, uma vez que os montantes que dissimuladamente fez reentrar no circuito económico, via Galeria, correspondiam a vantagens patrimoniais por si ilegitimamente obtidas através da prática dos ditos ilícitos, como se refere no capítulo C. da Fundamentação deste acórdão (Violação do princípio “ne bis in idem”), ponto 13, para o qual se remete.
c. Sabe qual a moldura penal decorrente, sendo certo que a mesma é idêntica, quer se entenda que o único crime precedente seria o crime de burla agravado ou ambos.
d. Sabe que, ainda que se aceitasse a sua tese, o preenchimento dos elementos do tipo de crime de branqueamento de capitais se manteriam, por persistir o crime precedente burla.
e. Sabe quais as circunstâncias que foram atendidas para efeitos de apuramento da tipologia e da dosimetria das penas.
 
14. Assim, não há qualquer novidade ou surpresa quanto a estas matérias, resultantes do suprimento do vício de omissão de pronúncia, uma vez que o crime de branqueamento de capitais já havia sido apreciado e o arguido pelo mesmo já havia sido condenado em pena de prisão fixada em cinco anos (bem como lhe havia já sido fixada a pena, resultante da condenação pela prática de um crime de burla), não tendo havido lugar a qualquer nova reapreciação, por virtude do suprimento referido.

15. E, como resulta da lei, a condenação pelo crime de branqueamento de capitais, embora dependa de uma condenação por crime precedente, é um crime autónomo em si mesmo, sendo certo que a pena a impor, decorrente da sua prática, não se mostra condicionada pelas restantes penas parcelares, pois cada uma destas terá de ser alcançada individualmente, através da aplicação dos parâmetros legalmente definidos por lei (artºs 40 a 74 do C.Penal e, em especial, artº 71 do mesmo diploma legal).

16. E a verdade é que nada do que se mostra escrito no acórdão permite ao arguido inferir algo que, do ponto de vista técnico, nem sequer seria correcto ou legal – isto é, que a pena imposta pelo tribunal “a quo” pela prática de um crime de branqueamento de capitais tenha atendido à pré-existência de dois crimes precedentes e não apenas um, servindo tal dupla condenação prévia como circunstância agravante em sede de dosimetria da pena.
Salvo o devido respeito, não se mostra discernível em que segmento do decidido o arguido ancora tal entendimento, pois a verdade é que embora o afirme, não fundamenta de todo de onde retira tal conclusão…

17. De igual modo, e no que concerne à declaração de perdimento a favor do Estado do produto desse crime de branqueamento de capitais, essa decisão mostra-se consignada no acórdão proferido em Maio de 2017, sendo que o seu teor se manteve desde então intocado.
Rezava então e reza agora, o seguinte:
Da perda de bens:
Dispõe o art. 111º, n.º 2 do C.P.:
“São também perdidos a favor do Estado (…), as coisas, direitos ou vantagens que, através do facto ilícito típico, tiverem sido adquiridos, para si ou para outrem, pelos agentes e representem uma vantagem patrimonial de qualquer espécie”;
Provou-se:
961) A interveniente “Galeria” procedeu ao prévio depósito à ordem deste Tribunal/Processo da quantia de € 1.020.870,00, encontrando-se ainda apreendido à ordem dos autos a quantia de € 388.265,80, sendo que ambas constituem vantagens obtidas pelo arguido OC… na sequência de toda a conduta por si perpetrada e dos factos provados 213 a 216, 272 a 286 e 865 a 893;
A quantia global de € 1.409.135,80 constitui, pois, um proveito do arguido OC… resultante dos factos ilícitos por si praticados (crimes de burla qualificada, abuso de confiança e branqueamento).
Assim sendo, ao abrigo da citada norma, será perdida a favor do Estado.

18. Em síntese final dir-se-á então que, no que toca à questão da reformatio in pejus, não assiste razão ao recorrente, uma vez que:

i. No que concerne à pena única alcançada em sede de cúmulo jurídico, a mesma mostra-se posta em crise pelo recurso interposto pelo MºPº, o que afasta a aplicação do disposto no artº 409 do C.P.Penal (já que não estamos perante recurso apenas interposto pelo arguido ou pelo MºPº em seu benefício);

ii. No que concerne às restantes questões relativas ao crime de branqueamento de capitais, à pena imposta a este título e à declaração de perda de bens, nenhuma destas decisões foram prolatadas em consequência ou na decorrência de recurso pelo arguido interposto, pois eram todas pré-existentes à data da interposição do mesmo, uma vez que tais matérias se mostravam já apreciadas e decididas no acórdão proferido pelo tribunal “a quo” em Maio de 2017 (tais decisões não sofreram assim qualquer alteração posterior, por virtude do recurso que o arguido JO… apresentou).

19. Finalmente, e no que respeita às interpretações materialmente inconstitucionais que o recorrente invoca, nesta sede, cabe-nos apenas referir que se mostra prejudicada a necessidade deste Tribunal ad quem tomar posição quanto às mesmas, uma vez que nem este Tribunal (nem o tribunal “a quo”) perfilharam os entendimentos que o recorrente considera terem estado subjacentes à decisão recorrida ou à presente, não subsistindo, pois, para este tribunal de recurso, a necessidade de se pronunciar sobre sentidos normativos que não têm aplicação no caso.

                                                    *
                                                    *
                                                    *
f. breve explanação dos critérios orientadores, no que se reporta à análise das questões relativas à matéria de facto, no âmbito deste acórdão, relativamente aos recursos apresentados pelos arguidos e pelo MºPº nesta sede.

Nesta secção F. atender-se-á ao que se mostra vertido nas conclusões dos arguidos que de seguida se enumeram:
Arguido JO… – conclusões 95.º a 101º;
Arguido LC… – conclusões 179º a 200º;
Arguido LM… – conclusões 102º a 122º
Arguido LAl… – conclusões 193º a 212º
Arguida IC… - conclusões 153º a 173º
Arguido LA… – conclusões 1º a 15º

1. Um recurso é o mecanismo jurídico de reapreciação de uma decisão.
Assim, e à semelhança do que ocorre com a sentença ou o acórdão alvo de recurso – que têm de obedecer a um determinado número de regras e requisitos, sob pena de invalidade – também um requerimento de recurso só pode alcançar a sua função se for feito de forma a que o tribunal de apelo possa compreender, concretamente, de que é que cada recorrente discorda e porquê.
Para tanto, necessário se mostra que também os recorrentes cumpram os requisitos e pressupostos legais que enformam tal tipo de requerimento, de modo a habilitar a decisão.
As questões relativas à matéria de facto podem ser sindicadas essencialmente por duas vias:
A. Por recurso à chamada revista alargada, que se reconduz à invocação de ocorrência de qualquer um dos vícios consignados no artigo 410º nº2 do C.P. Penal;
B. Ou através da impugnação ampla da matéria de facto, a que se refere o artigo 412º nºs 3, 4 e 6, do mesmo diploma legal.

A. No caso da revista alargada, estamos perante a arguição dos vícios decisórios previstos nas diversas alíneas do nº 2 do referido artigo 410º do C.P.Penal, cuja indagação tem que resultar da decisão recorrida, por si mesma ou conjugada com as regras da experiência comum, não sendo por isso admissível o recurso a elementos àquela estranhos, para a fundamentar, nomeadamente excertos de prova testemunhal produzida em julgamento.

i. Tais vícios terão de resultar da mera leitura do texto decisório, à luz das regras de experiência comum, tendo os mesmos de ser de tal forma evidentes, que serão detectáveis por um homem médio.
Consubstanciam-se, grosso modo, na invocação de segmentos decisórios que demonstrem que se retirou de um facto provado uma conclusão logicamente inaceitável, arbitrária, contraditória ou notoriamente violadora das regras de experiência comum, que se tenha dado como assente algo notoriamente errado ou se tenham violado as regras da prova vinculada (caso do erro notório) ou quando se verifica que os factos dados como assentes são insuficientes para se poder formular um juízo seguro de condenação ou absolvição (no caso da insuficiência) face, única e exclusivamente, ao que consta no texto decisório.

ii. Especificando:
Para verificação da ocorrência de tais vícios, o tribunal de recurso deverá apreciar se do texto da decisão recorrida (ou seja, sem recurso a qualquer outro elemento externo – declarações, depoimentos, etc.), por si só ou conjugada com as regras de experiência comum e de uma forma tão patente que não escape à observação do homem médio, emerge alguma das situações previstas nessa disposição legal, nomeadamente:

a) Insuficiência da matéria de facto para a decisão:
Esta verifica-se quando os factos dados como assentes na primitiva decisão são insuficientes para se poder formular um juízo seguro de condenação ou absolvição; ou seja, quando os factos provados são insuficientes para poderem sustentar a decisão recorrida ou quando o tribunal recorrido, devendo e podendo fazê-lo, não investigou toda a matéria de facto com relevo para a decisão da causa, o que determina que a matéria dada como assente não permite, dada a sua insuficiência, a aplicação do direito ao caso.
Note-se, todavia, que só há insuficiência para a decisão da matéria de facto quando existe uma lacuna no apuramento da matéria de facto, necessária para a decisão de direito, ou quando há uma lacuna por não se apurar o que é evidente que se podia apurar, ou quando o tribunal não investiga a totalidade da matéria de facto, podendo fazê-lo.
Assim, tal insuficiência – definida por Manuel Simas Santos e Manuel Leal-Henriques, in Recursos Penais, 8.ª Edição 2011, Rei dos Livros, página 74, precisamente, como uma “lacuna no apuramento da matéria de facto indispensável para a decisão de direito” – tem de existir internamente, no âmbito da decisão.

b) Contradição insanável da fundamentação ou entre a fundamentação e a decisão:
Este vício ocorre quando, de acordo com um raciocínio lógico, se tenha de concluir que a decisão não fica suficientemente esclarecida, por existir irremediável contradição entre os próprios elementos fundamentadores invocados ou quando essa fundamentação determina uma decisão precisamente oposta à que foi proferida.
Como se esclarece no Ac. do STJ de 3/10/2007, Pº07P1779, relator Cons. Henriques Gaspar, www.dgsi.pt A contradição insanável da fundamentação, ou entre a fundamentação e a decisão, supõe que no texto da decisão, e sobre a mesma questão, constem posições antagónicas ou inconciliáveis, que se excluam mutuamente, ou não possam ser compreendidas simultaneamente dentro da perspectiva de lógica interna da decisão, tanto na coordenação possível dos factos e respectivas consequências, como nos pressupostos de uma solução de direito. A contradição e a não conciliabilidade têm, pois, de se referir aos factos, entre si ou enquanto fundamentos, mas não a uma qualquer disfunção ou distonia que se situe unicamente no plano da argumentação ou da compreensão adjuvante ou adjacente dos factos.
Verificar-se-á igualmente o vício previsto na alínea b), do n.º 2 do art. 410.º quando há contradição entre os vários pontos da matéria de facto dada como provada; entre a matéria de facto dada como provada e a matéria de facto dada como não provada; em sede de fundamentação probatória da matéria de facto, e ainda entre a fundamentação e a decisão[154].
Porém, o vício da contradição insanável entre a fundamentação e a decisão não se verifica quando o resultado a que o juiz chegou na sentença advém, não de qualquer oposição entre os fundamentos e a decisão, mas da subsunção legal que entendeu corresponder aos factos provados. Se o tribunal a quo entende que os factos provados não corporizam todos os elementos do tipo legal de crime imputado ao agente, não está em causa uma questão de facto – contradição insanável da fundamentação - mas sim uma questão de direito: erro de subsunção dos factos ao direito[155].

c) Erro notório na apreciação da prova:
Este vício ocorre quando se retira de um facto provado uma conclusão logicamente inaceitável; quando se dá como assente algo patentemente errado; quando se retira de um facto provado uma conclusão ilógica, arbitrária, contraditória ou notoriamente violadora das regras de experiência comum; quando se violam as regras da prova vinculada, as regras da experiência; as legis artis ou quando o tribunal se afasta, sem fundamento, dos juízos dos peritos.

iii. E, em termos de consequências jurídicas, a verificação da ocorrência de algum vício determina a necessidade do seu suprimento podendo, em última ratio, ter como consequência o reenvio dos autos à 1ª instância.

B. Por seu turno, outros são os fundamentos, o campo de acção, os parâmetros e as consequências, na apreciação a realizar pelo tribunal “ad quem” no âmbito da impugnação ampla, fundada na noção já não de ocorrência de vício, mas antes de erro de julgamento na apreciação da prova relativa aos factos em questão nos autos.

i. Assim e desde logo, tal apreciação não se restringe ao texto da decisão, alargando-se à análise da prova documentada produzida em audiência – nesta se incluindo quer a de natureza testemunhal, quer documental, quer pericial ou de outra natureza - mas esta balizar-se-á sempre dentro dos limites recursivos expressos pelo recorrente, no estrito cumprimento do ónus de especificação imposto pelos nºs 3 e 4 do artº 412 do C.P. Penal.

ii. Haverá que deixar claro que este poder reapreciativo da 2ª instância não é equivalente ao poder original atribuído ao juiz do julgamento, não podendo a sua convicção ser arbitrariamente alterada apenas porque um dos intervenientes processuais expressa o seu desacordo face àquela, pois o poder reapreciativo concedido a este tribunal de recurso não é absoluto nem se reconduz à realização integral de um novo julgamento da matéria de facto, substituto do já realizado em 1ª instância.
Na verdade, sendo um recurso um remédio jurídico, um instrumento de reparação de algo que foi errada ou deficientemente apreciado e decidido, daqui decorre que só poderá haver lugar a uma alteração da decisão quanto à matéria factual já apurada pelo julgador “a quo”, nos casos em que, dentro dos poderes que a lei concede ao tribunal de revista, se tenha de concluir que um “mal” inelutavelmente se verifica.

iii. Assim, a reapreciação só determinará uma alteração à matéria fáctica provada quando, do reexame realizado dentro das balizas legais, se concluir que os elementos probatórios impõem uma decisão diversa, mas já não assim quando esta análise apenas permita uma outra decisão; isto é, quando se constate que o apuramento fáctico não se mostra suportado pelos elementos probatórios constantes nos autos.

iv. Cumpre então enunciar quais são os poderes de reapreciação de matéria de facto, atribuídos por lei a este tribunal de apelo, bem como os seus limites e os seus condicionalismos

v. Há que começar por constatar que compete ao Tribunal decidir a matéria de facto, segundo os ditames previstos no artº127 do C.P.Penal, nomeadamente, segundo as regras da experiência e a livre convicção do julgador (desde que se não esteja perante prova vinculada), sendo estes os parâmetros determinantes do acto de julgar. Na realidade, embora este acto tenha sempre, forçosamente, um lado subjectivo (o julgador não é uma máquina), a verdade é que estas regras, complementadas ainda pelo disposto no artº374 nº2 do C.P.Penal determinam que este acto de julgar não se possa fundar em arbitrariedade ou discricionariedade, balizando pois os fundamentos da decisão.
Daqui decorre que a livre convicção não se confunde com a íntima convicção do julgador, uma vez que a lei lhe impõe que extraia das provas um convencimento lógico e motivado, sendo que a avaliação probatória deve ser realizada com sentido da responsabilidade e bom senso.
O art. 127° do C.P.Penal determina, pois, um limite à discricionariedade do julgador: as regras da experiência comum e da lógica do homem médio suposto pela ordem jurídica. Daqui decorre que sempre que a convicção seja uma convicção possível e explicável pelas regras da experiência comum, deve acolher-se a opção do julgador de 1ª instância, até porque o mesmo beneficiou da oralidade e da imediação na recolha da prova (vide Acórdão do STJ de 13.2.08, no proc. 07P4729, em www.dgsi.pt.).

vi. Temos, pois, que a lei não considera relevante a pessoal convicção de cada um dos intervenientes processuais, no sentido de a mesma se sobrepor à convicção do Tribunal – até porque se assim não fosse, não haveria, como é óbvio, qualquer decisão final. O que a lei permite é que, quem entenda que ocorreu um erro de apreciação da prova, o invoque, fundamentadamente, em sede de recurso, para que tal questão possa ser reapreciada por uma nova instância jurisdicional.

vii. Para além de a lei determinar a forma como tal reapreciação deve ser pedida, estabelece igualmente os limites de tal reapreciação – ou seja, os poderes de cognição que confere ao tribunal de apelo.
Mesmo nos casos em que exista documentação dos actos da audiência, o recurso para o Tribunal da Relação não constitui um novo julgamento, no sentido de haver lugar a reapreciação integral da prova.
O que esta instância pode e deve fazer em tal matéria, em sede de recurso (precisamente porque o seu propósito é, essencialmente, o de remédio jurídico), é verificar, ponto por ponto, se os erros concretos de julgamento, indicados pelo recorrente, de facto existem e, na afirmativa, proceder à sua correcção.

viii. A razão de ser desta forma de funcionamento do instituto do recurso, nomeadamente em sede de reapreciação de matéria de facto, prende-se com o princípio da oralidade, uma vez que este implica uma imediação, um contacto directo entre o julgador e os elementos de prova (sejam eles pessoas, coisas, lugares, sons, cheiros, timbre e entoação), sendo que este interagir pessoal, presencial, directo e imediato, facilita ao julgador formar a sua livre convicção.
 Este tipo de contacto só existe, de facto, na primeira instância, pois a imediação permite ao julgador ter uma percepção dos elementos de prova que é muito mais próxima da realidade do que qualquer posterior análise, a realizar pelo tribunal de recurso, mesmo que se socorra da documentação dos actos da audiência.
E em matéria de credibilidade de depoimento, esta imediação revela-se, muitas vezes, de importância fulcral, já que o desenrolar do depoimento, a posição corporal, os gestos, as hesitações, o tom de voz, o olhar, o embaraço ou desembaraço, enfim, todas as componentes pessoais ligadas ao acto de depor, que são muitas vezes insusceptíveis de serem registadas, mas que ficam na memória de quem realizou o julgamento e que se mostram objectiváveis em sede de fundamentação (mas, na maioria dos casos, insusceptíveis de documentação para apreciação posterior), servem como elemento inestimável de formação da convicção do julgador, mas são muitas vezes insusceptíveis de serem reapreciadas em sede de recurso, pois o momento não se repete, relembra-se.  

ix. Face ao que se deixa exposto, haverá que concluir que, em tal matéria, cabe apenas ao tribunal de recurso verificar, controlar, se o tribunal “a quo”, ao formar a sua convicção, fez um bom uso do princípio de livre apreciação da prova, aferindo da legalidade do caminho que prosseguiu para chegar à matéria fáctica dada como provada e não provada, sendo certo que tal apreciação deverá ser feita com base na motivação elaborada pelo tribunal de primeira instância, na fundamentação da sua escolha – ou seja, no cumprimento do disposto no artº 374 nº2 do C.P.Penal.

x. Mas dentro destes parâmetros de reexame, haverá ainda que atender a um outro limite que já acima aflorámos – a lei refere que, ainda assim, tal reapreciação só determinará uma alteração à matéria fáctica provada quando, do reexame realizado dentro das balizas acima mencionadas, se concluir que os elementos probatórios impõem uma decisão diversa, mas já não assim quando esta análise apenas permita uma outra decisão.
Neste último caso, havendo duas (ou mais) possíveis soluções de facto, face à prova produzida (o que sucede, com algum grau de frequência, nomeadamente nos casos em que os elementos de prova recolhidos são totalmente opostos ou muito contraditórios entre si), se a decisão de primeira instância se mostrar devidamente fundamentada e couber dentro de uma das possíveis soluções face às regras de experiência comum, é esta que deve prevalecer, mantendo-se intocável e inatacável, pois tal decisão foi proferida de acordo com as imposições previstas na lei (artºs127 e 374 nº2 do C.P.Penal), inexistindo assim violação destes preceitos legais.

xi. Prosseguindo.
Determina o artº 412 nº3 e 4 do C.P.Penal que, quando impugne a decisão proferida sobre matéria de facto, o recorrente deve especificar:
a) Quais os pontos de facto que considera incorrectamente julgados;
b) Quais as provas que impõem decisão diversa da recorrida,
c) Sendo que o deve fazer concretizando tais matérias e fazendo referência às passagens constantes nos suportes técnicos de gravação, devendo tais especificações serem feitas por referência ao consignado na acta.

xii. O que decorre destes requisitos legais é algo simples – cabe ao recorrente enunciar qual a factualidade concreta que se mostra mal apreciada e discutir os diversos segmentos probatórios que, no seu entender, deveriam fundar uma diversa apreciação relativamente a tais pontos de facto.
Efectivamente, não basta afirmar sumariamente que A. ou B. disse isto ou aquilo, que não corresponde ao que foi dado como assente; necessário se mostra que o recorrente, com base nesses elementos probatórios, os discuta face aos restantes e demonstre que o raciocínio lógico e conviccional do tribunal “a quo” se mostra sem suporte, na análise global a realizar da prova, enunciando concretamente as razões para tal.

xiii. No fundo, exige-se que o recorrente – à semelhança do que a lei impõe ao juiz – fundamente a imperiosa existência de erro de julgamento, desmontando e refutando a argumentação expendida pelo julgador.
Assim, o que é pedido ao recorrente que invoca a existência de erro de julgamento é que aponte na decisão os segmentos que impugna e que os coloque em relação com as provas, concretizando as partes da prova gravada que pretende que sejam ouvidas (se tal for o caso), quais os documentos que pretende que sejam reexaminados, bem como quaisquer outros concretos e especificados elementos probatórios, demonstrando com argumentos a verificação do erro judiciário a que alude.

2. Estabelecidas que se mostram as regras gerais relativas aos dois fundamentos de recurso de matéria de facto que os recorrentes invocam, haverá agora que debruçarmo-nos sobre alguns pontos de natureza genérica, que se referem aos recursos apresentados e ao modo como os fundamentos acima referidos aí se mostram invocados.

i. Como se constata pela sua mera leitura (e como resulta, aliás, do teor das conclusões apresentadas), quase todos os recorrentes invocam quer a ocorrência dos vícios previstos no artº 410 nº2 do C.P.Penal, quer a existência de erro de julgamento quanto à matéria de facto apurada.

ii. Em termos estritos de lógica jurídica, a apreciação das questões atinentes às nulidades consignadas no artº 410 nº2 do C.P.Penal deveria preceder a reapreciação probatória, fundada em erro de julgamento da matéria de facto.
Todavia, no caso dos autos, tendo em atenção a extensão da impugnação realizada pelos recorrentes, assim como o seu número, bem como a circunstância de, no caso de alguns dos recursos interpostos, se constatar que tais matérias se mostram suscitadas na decorrência umas das outras (ou mesmo indiscriminadamente misturadas), optar-se-á por se proceder à análise das questões relativas à matéria de facto, nestas duas vertentes, em simultâneo, seguindo-se (sempre que possível) a ordem lógica de numeração da factualidade apurada.

iii. Em sede de reapreciação probatória com fundamento em erro de julgamento, proceder-se-á do seguinte modo (consoante os casos):

a. Caso o recorrente tenha indicado pretender que este tribunal de recurso proceda à audição de determinados segmentos da prova testemunhal produzida em audiência, referenciando as passagens constantes nos suportes técnicos de gravação cuja audição pretende, como consignado em acta, o tribunal procederá a tal audição, bem como, obviamente, à análise das restantes provas de carácter não testemunhal que igualmente tenha indicado.
 
b. Nos casos em que o recorrente entenda que o resumo da prova realizado pelo tribunal “a quo” se mostra correcto, não lhe merecendo crítica (isto é, não fundando a sua discordância quanto ao decidido na circunstância de o tribunal “a quo” ter entendido erradamente ou ignorado o que por alguém foi testemunhado, mas em que o seu desacordo se funda na confrontação desses conteúdos com os resultantes de prova não documental ou por postergação das regras de apreciação probatória), o tribunal procederá à reapreciação pedida, no que concerne à prova testemunhal, com base nos resumos de prova que o tribunal “a quo” deixou explanados na fundamentação da sua convicção, procedendo ainda, igual e obviamente, à análise das restantes provas de carácter não testemunhal que igualmente o recorrente tenha indicado, confrontando-os com a fundamentação realizada pelo tribunal “a quo”.

iv. Estamos, nesta sede, perante um tipo de apreciação cujas balizas dependem dos fundamentos que servem de base à crítica que é formulada pelo recorrente; isto é, a maior ou menor abrangência da materialidade probatória a analisar está dependente, nesta sede, apenas da manifestação de vontade, expressa por cada recorrente.

v. Na verdade, atendendo aos limites que a lei impõe à apreciação em sede de recurso (e que já acima deixámos expostas), não cabe a este tribunal proceder oficiosamente à audição integral da prova testemunhal produzida, uma vez que a operação a realizar em sede de recurso não se reconduz à repetição, na sua totalidade, da audiência de julgamento realizada em 1ª instância.
E daí surge a necessidade de (sendo essa a vontade do recorrente) este ter de indicar concretamente as passagens em que funda a sua impugnação, fazendo-o com referência ao concreto dia em que os depoimentos e declarações foram prestados, com referência ao constante em acta (o que se mostra especialmente necessário no caso, como o dos presentes autos, em que o julgamento se prolongou por um período de vários anos).

vi. Assim, para que o tribunal “ad quem” possa apreciar qual o “mal” que o recorrente aponta ao decidido, necessário se mostra que aquele lhe forneça os elementos em que baseia essa alegação, desde logo por uma singela razão – não é humanamente exigível a qualquer mortal que este disponha de poderes de adivinhação.
E se assim é com qualquer mortal, esse truísmo não muda de figura quando o julgador se inclui, precisamente, nesse grupo de mortais que não têm a capacidade de ler o pensamento alheio.
E, perante essa humana incapacidade, o mero mortal julgador poderá apenas conhecer e apreciar aquilo que quem critica invoca, nos casos, como sucede na reapreciação probatória, em que não estamos perante matéria de conhecimento oficioso.

vii. Não obstante, não pretendendo os recorrentes questionar a bondade e a suficiência, em sede de impugnação ampla, do resumo probatório que o próprio tribunal “a quo” realizou e consignou, no que concerne à prova testemunhal, não há qualquer razão que imponha que sejam indicados excertos concretos de gravação (bem como as indicações tendentes à sua localização), uma vez que tais recorrentes não pretendem a audição de nenhum segmento específico, já que não é na omissão da sua consideração pelo tribunal “a quo” que fundam a crítica que dirigem ao decidido.

6. Caberá ainda mencionar, no que concerne à prova a apreciar neste contexto que, como decorre da decisão supra já realizada neste acórdão, a pretensão dos recorrentes de afastamento de elementos de prova constantes no Apenso 33 destes autos não obteve provimento.
Isso significa que, na reapreciação a realizar, se atenderá ao teor da prova que no mesmo se mostra colidida, prova esta que é invocada, quer pelo tribunal “a quo” quer, em certos casos, pelos próprios arguidos, como fundamento conviccional reportado à apreciação da matéria de facto dos presentes autos.

 7. Finalmente, e no que respeita aos critérios relativos à ponderação probatória, haverá ainda que enfrentar uma última questão.

i. Os recorrentes LC…, IM…, LMi… e LG…, suscitaram uma questão prévia, que intitularam o indevido e incorrecto apelo às regras da experiência para julgar provados factos ao arrepio do princípio da presunção de inocência.
Em breve síntese, alegam existirem inúmeros casos em que inexiste prova directa dos factos, sendo que nesses “inúmeros” casos o tribunal funda a sua convicção com base na experiência comum.
Entendem que se está assim perante prova por presunção que, embora admissível nesta sede, tem sempre de ser conjugada com o princípio in dubio pro reo, cedendo as presunções perante a simples dúvida sobre a sua exactidão no caso concreto. E terminam afirmando que o acórdão descurou inúmeras provas que ou quebram a relação entre os indícios e a prova directa, ou demonstram a relação por demais longínqua entre si e que impede qualquer presunção.
Acrescentam ainda que se exige que os indícios sejam periféricos relativamente ao facto a provar, assim como estejam interligados com o facto nuclear carecido de prova e que não percam força pela presença de contra-indícios que neutralizem a sua eficácia probatória e que são mais os contra-indícios que o Acórdão recorrido ignora que os putativos indícios que apresenta.

ii. Vejamos.
A circunstância de o tribunal “a quo”, para chegar à certeza jurídica quanto à ocorrência de um determinado facto, se servir de prova indirecta, não é algo de proibido por lei (basta ler-se o disposto no artº 126 do C.P. Penal).[156]
Efectivamente, este tipo de prova resume-se ao raciocínio lógico imposto ao julgador, na conjugação dos diversos elementos probatórios de, a partir de determinados factos assentes, retirar a ilação da verificação de outros, com base nas regras da experiência e nas presunções judiciais. É, aliás, uma mera decorrência do princípio da livre apreciação da prova (consignado no artº 127 do C.P. Penal) e uma ferramenta fundamental na busca da verdade material.

iii. Na verdade, em muitas situações a prova dos factos tem de resultar de outros factos que não se comprovam em si próprios, mas de ilações, retiradas face ao facto e às circunstâncias concretas do seu cometimento – cfr., a este respeito, M. Cavaleiro de Ferreira, Lições de Direito Penal, Vol. I, Lisboa/S. Paulo, Ed. Verbo, 1992, págs. 297 e 298.
Tais normas da experiência são, por conseguinte, definições ou juízos hipotéticos, de conteúdo genérico, independentes do caso concreto “sub judice”, assentes na experiência comum e, por isso, independentes dos casos individuais em cuja observação se alicerçam, mas para além dos quais têm validade (Cavaleiro Ferreira, Curso Proc. Penal, II, 30).

iv. E não se diga, igualmente, que a prova é débil ou inexistente, por ser meramente circunstancial.
Praticamente toda a prova tem essa característica, pois mesmo nos casos de confissão integral, de depoimento testemunhal ou de registo fotográfico, videográfico, sonoro ou digital de um determinado acto praticado por “um agente em acção” (na expressão do Prof. Cavaleiro de Ferreira), mostra-se sempre necessário que exista um raciocínio lógico (fundado em qualquer outro elemento probatório ou em regras da experiência comum) que permita determinar a verosimilhança dessa actuação.

v. De facto, apenas um único meio probatório nos dá certezas, a cem por cento, quanto à identidade de alguém e esse meio é o da análise dos vestígios lofoscópicos uma vez que, ao longo de mais de século e meio, não foi encontrada nenhuma identidade entre espécimes analisados, obtidos a partir de dois indivíduos diferentes, nem mesmo nos casos de gémeos monozigóticos (nem os testes de ADN oferecem tal resultado, pois permitem obter apenas um valor percentual que, todavia, por ser muito elevado - da ordem de um para vários milhões - torna virtualmente impossível a existência de alguém com características idênticas às encontradas).
Mas mesmo nos casos em que, num local de crime, é encontrada uma impressão digital que só pode pertencer, seguramente, a um determinado sujeito, isso não significa, de forma automática, que terá sido ele o autor do ilícito. Dependerá do local onde foi feita a recolha, bem como da existência de razões justificativas da sua passagem por aquele local, por exemplo.

vi. Todos os restantes meios probatórios, sejam eles periciais, documentais, testemunhais ou outros, têm um valor de certeza muito mais reduzido e estão sujeitos, como resulta das regras de experiência comum, a uma série de circunstâncias objectivas e subjectivas, por vezes de difícil análise.

vii. Isto não significa, obviamente, que se possa prescindir de toda e qualquer prova que não apresente um grau de certeza a cem por cento.
Significa apenas que deverá ser tomado em consideração, ponderando-se com muito cuidado e muito bom senso, a totalidade do acervo probatório obtido, tendo-se em especial atenção, no que se refere à prova testemunhal, a existência de razões para crer que a testemunha, ainda que não querendo faltar conscientemente à verdade, está a ser (ou foi) indirectamente orientada ou sugestionada para afirmar determinados factos ou que a sua recolecção dos mesmos, embora resultado de um esforço genuíno, se mostra deturpada por circunstâncias endógenas ou exógenas.

viii. Do que se deixa sumariamente enunciado decorre a quase forçosa circunstancialidade de cada elemento probatório que, não obstante, apreciado no seu conjunto e em correlação, nos poderá dar a dimensão do efectivamente ocorrido, com recurso ao raciocínio lógico e à formulação de ilações, decorrentes das regras de experiência comum.
Como sintetiza Sérgio Poças “Da sentença penal – fundamentação de facto”, em Revista Julgar nº 3, pág. 38 “Se as provas credíveis se ajudam umas às outras – mutuamente se fortalecendo nesta comunicação – a prova resultado, por força deste factor de comunicação, é necessariamente maior de que a mera junção daquelas provas”.
Assim, na apreciação probatória, não há que isolar ou menorizar este ou aquele elemento probatório, considerando cada um dos mesmos como insuficientes para fundarem uma convicção probatória. É que a apreciação da prova não é feita por segmentos isolados, opacos e incindíveis entre si, mas antes através da análise de todo o acervo produzido e da sua ponderação à luz dos critérios estabelecidos no artº 127 do C.P. Penal.
É esse o comando ínsito naquela norma e é isto que constitui a dificuldade e o desafio do acto de julgar.

ix. Diga-se, para além do mais, que em muito recente acórdão proferido pelo Tribunal Constitucional (Acórdão nº 521/2018, Processo n.º 321/2018, 3ª Secção, de 17 de Outubro de 2018, consultável no site do Tribunal Constitucional) se refere, precisamente a propósito da validade e da força probatória da chamada prova indirecta, o seguinte (sublinhados nossos):
(…) não se vislumbra de que modo a admissibilidade do recurso a prova indiciária e presunções judiciais, em fase julgamento e como fundamento probatório de uma decisão condenatória, contende com a estrutura acusatória do processo penal.
Por um lado, os factos probandos que possam ser provados através de prova indiciária são exclusivamente os enunciados na peça acusatória previamente deduzida, quer se trate de acusação pública, de acusação particular ou de decisão instrutória de pronúncia. Em suma, a não taxatividade dos meios de prova não implica a elasticidade do objecto do processo, tal como delimitado pelo titular da acção penal.
Por outro lado, não se verifica qualquer diluição da distinção entre instrução, acusação e julgamento, na medida em o estalão probatório a que a condenação penal está sujeita – o mais exigente que se pode conceber − não é modificado em função do tipo de prova admissível.
Reitere-se que a distinção entre prova directa e indirecta é, do ponto de vista epistemológico, perfeitamente inerte.

x. Para além do mais, e em última análise, o próprio sistema fornece um mecanismo de salvaguarda: a aplicação do princípio in dubio pro reo.
Mas, salvo o devido respeito, esse princípio não funciona, como parecem pretender os recorrentes, a partir do momento em que existe uma mera dúvida.
Estranho aliás seria que assim fosse, uma vez que o estado de dúvida é aquele do qual deve partir o julgador.
Efectivamente, perante uma factualidade vertida quer numa acusação, quer numa pronúncia, o pressuposto legal é precisamente o de dúvida quanto à sua verificação, decorrência directa da mera aplicação do princípio constitucional ínsito no artº 32 nº2 da CRP: Todo o arguido se presume inocente até ao trânsito em julgado da sentença de condenação.
Será através da produção da prova e da sua posterior apreciação, que caberá então ao julgador concluir se, por virtude da mesma, essa sua dúvida inicial se mostra esclarecida, se ficou convencido, perante todos os elementos probatórios de que dispõe, se conseguiu alcançar a certeza jurídica de que os factos imputados efectivamente se verificaram nos termos descritos.

xi. E essa certeza obtém-se quando, sopesados os diversos elementos probatórios se constata que, por muito contraditórios que prima facie até se possam apresentar (é o caso habitual de duas versões factuais totalmente opostas entre si), a análise realizada permite ultrapassar, facto a facto, tal dúvida.

xii. Assim, a aplicabilidade do princípio in dubio pro reo verifica-se e impõe-se, não nos casos em que ocorre mera dúvida, mas isso sim nos casos de dúvida irresolúvel, insuperável, inultrapassável; isto é, quando apreciada a prova, o julgador se mostra incapaz de se convencer, face à mesma, se um determinado facto ocorreu ou não. Nessas situações e por imposição de tal princípio, a dúvida deve ser resolvida em benefício do arguido.

xiii. Permitimo-nos, pois, em síntese final, transcrever uma nova passagem do Acórdão do Tribunal Constitucional que acima já identificámos, por subscrevermos integralmente o seu conteúdo e melhor não sabermos dizer, reafirmando que a reapreciação a realizar seguirá, precisamente, os parâmetros aí enunciados (sublinhados nossos):
O Tribunal Constitucional já se debruçou sobre problemas de constitucionalidade de normas que estabelecem presunções legais em matéria penal, tendo concluído pela sua admissibilidade, desde que seja conferida ao arguido a possibilidade de abalar os fundamentos em que a presunção se sustenta e que baste para tal a contraprova dos factos presumidos, não se exigindo a prova do contrário.
(…)
Todas estas decisões revelam que concluir-se pela prova de um facto em resultado do funcionamento de uma presunção é compatível, em processo penal, com uma presunção geral de inocência e com o princípio in dubio pro reo.
O princípio da presunção da inocência, tendo sido consagrado pela primeira vez na Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, veio a ter posterior acolhimento no artigo 11.º da Declaração Universal dos Direitos do Homem e no artigo 6.º da Convenção Europeia dos Direitos do Homem, encontrando-se previsto no n.º 2, do artigo 32.º, da Constituição, no qual se dispõe que «todo o arguido se presume inocente até ao trânsito em julgado da sentença de condenação, devendo ser julgado no mais curto prazo compatível com as garantias de defesa».
Da consagração constitucional do princípio da presunção de inocência decorre que o processo penal tem de ser estruturado de forma a assegurar todas as garantias de defesa do arguido, tido à partida como inocente, por não haver qualquer fundamento para que aquele não se considere como tal enquanto não for julgado culpado por sentença transitada em julgado. Em matéria de prova, este princípio é identificado por muitos autores com o princípio in dubio pro reo, o qual se traduz numa imposição dirigida ao julgador no sentido de que qualquer situação de dúvida a respeito dos factos relevantes para a decisão da causa ou da culpabilidade do arguido deve ser valorada a favor deste, resolvendo-se desta forma os casos de non liquet em matéria de prova (sobre as diferentes opiniões defendidas na doutrina acerca das relações entre o princípio da presunção de inocência e o princípio in dubio pro reo, cfr. Helena Magalhães Bolina, «Razão de ser, significado e consequências do princípio da presunção da inocência (art. 32.º, n.º 2, da CRP»), Boletim da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra, Vol. LXX, Coimbra, 1994, págs. 440-442).
No entanto, mesmo a nível probatório, ele tem um sentido e alcance mais amplos que o princípio in dubio pro reo, como explica Helena Magalhães Bolina (cit., págs. 443-446):
«O princípio in dubio pro reo só se aplica no caso de surgir a dúvida quanto à apreciação da matéria de facto. O princípio da presunção de inocência, atento o objectivo que visa atingir, intervém em momento anterior, condicionando o surgimento dessa dúvida, impondo-o em todas as situações em que, à luz da verdade material, a culpabilidade do arguido não possa considerar-se afirmada com certeza.
A dúvida é, assim, por imposição do princípio de presunção de inocência, uma dúvida legal: uma dúvida que deve surgir em determinadas circunstâncias e constitui também matéria de direito, não só a questão de saber se a dúvida surgida na apreciação da prova foi resolvida favoravelmente ao arguido – caso em que se está perante a verificação do respeito do princípio in dubio pro reo –, mas também se, em face da prova produzida, a dúvida surgiu quando devia, ou, noutra perspectiva, se o juízo de certeza foi bem fundado. Nesse caso, o princípio cujo respeito se avalia é, não já o in dubio pro reo, mas, mais rigorosamente, o princípio da presunção de inocência.
O princípio da presunção de inocência distingue-se, assim, do princípio in dubio pro reo, não só pela sua relevância no tratamento do arguido ao longo de todo o processo e pelo seu reflexo extra-processual como critério dirigido ao legislador ordinário, mas também, em sede de prova, impondo que a dúvida surja em determinadas circunstâncias, assim possibilitando, em momento lógico posterior, a aplicação do princípio in dubio pro reo».  
No presente recurso não se trata de verificar a constitucionalidade de uma qualquer previsão legal de determinada presunção de facto, como ocorreu com os anteriores Acórdãos acima referidos, incidindo a fiscalização de constitucionalidade sobre a possibilidade de, nos termos da interpretação normativa sindicada, se entender ser genericamente admissível o recurso a presunções judiciais como meio de prova em processo penal.
Segundo se depreende das alegações do Recorrente, este sustenta que, no domínio do processo penal, na insuficiência de prova directa, o julgador estaria impedido, por força do princípio da presunção da inocência, de recorrer a presunções judiciais. Ou seja, nesses casos de inexistência de prova directa, impor-se-ia, segundo o Recorrente, por força do princípio da presunção de inocência, o surgimento da dúvida a respeito dos factos relevantes para a decisão, dúvida essa que, por força do princípio in dubio pro reo, teria de ser valorada em favor do arguido.
Ora, na prova por utilização de presunção judicial, a qual pode sempre ser infirmada por contraprova, na passagem do facto conhecido para a prova do facto desconhecido, intervêm juízos de avaliação através de procedimentos lógicos e intelectuais que permitem fundadamente afirmar, segundo as regras da normalidade, que determinado facto, que não está directamente provado é a natural consequência, ou resulta com toda a probabilidade próxima da certeza, ou para além de toda a dúvida razoável, de um facto conhecido.
Quando o valor da credibilidade do id quod e a consistência da conexão causal entre o que se conhece e o que não se apurou de uma forma directa atinge um determinado grau que permite ao julgador inferir este último elemento, com o grau de probabilidade exigível em processo penal, a presunção de inocência resulta ilidida por uma presunção de significado contrário, pelo que não é possível dizer que a utilização deste meio de prova atenta contra a presunção de inocência ou contra o princípio in dubio pro reo. O que sucede é que a presunção de inocência é superada por uma presunção de sinal oposto prevalecente, não havendo lugar a uma situação de dúvida que deva ser resolvida a favor do Réu.
Se, no caso concreto, houve lugar à utilização de presunções sem a necessária credibilidade ou consistência é uma questão que o Tribunal Constitucional não tem competência para avaliar.
Mas, no entender do Recorrente, a norma do artigo 127.º do Código de Processo Penal, na interpretação que lhe foi dada pela decisão recorrida, seria ainda inconstitucional, por violação “dos princípios do Estado de direito democrático, da vinculação à Lei e da fundamentação das decisões dos tribunais, consagrados respectivamente nos artigos 2.º, 203.º e 205.º, n.º 1, da Constituição da República Portuguesa”.
O que está em causa na questão de constitucionalidade suscitada no presente recurso é, essencialmente, a alegada violação da exigência constitucional de fundamentação das decisões judiciais, consagrada no art. 205.º, n.º 1, da Constituição, o qual determina que "as decisões dos tribunais que não sejam de mero expediente são fundamentadas na forma prevista na lei".
Como já acima se disse, no ponto 2.2., constitucionalmente é exigível que na fundamentação seja visível uma racionalização dos motivos da decisão, revelando-se às partes e à comunidade o conhecimento das razões que subjazem ao concreto juízo decisório, devendo, para isso, a fundamentação revelar uma aptidão comunicativa na exteriorização das premissas que presidem à sua conclusão, assim como o respectivo juízo de valoração, de modo a transmitir, como condição de inteligibilidade, a intrínseca validade substancial do decidido.
Ora, tendo em consideração as características acima apontadas à utilização de presunções judiciais, verifica-se que a prova indirecta ou por presunções assenta num processo lógico de inferência que não pode ser entendido como uma operação puramente subjectiva, emocional e motivável, mas sim como uma valoração racional e crítica, de acordo com as regras comuns da lógica, da razão, das máximas da experiência e dos conhecimentos científicos, que permita ao julgador objectivar a apreciação dos factos e proceder a uma efectiva motivação da decisão. Daí que a utilização de presunções judiciais não seja incompatível com o dever de fundamentação das decisões judiciais, antes exigindo uma explicação mais rigorosa que seja claramente explicitadora do processo lógico que lhe é inerente.
Se no caso concreto o rigor exigível foi ou não observado já é uma questão que excede as competências do Tribunal Constitucional.
Por estas razões se conclui que a interpretação da norma constante do artigo 127.º do Código de Processo Penal, na interpretação de que a apreciação da prova segundo as regras da experiência e a livre convicção do julgador permite o recurso a presunções judiciais em processo penal não viola qualquer parâmetro constitucional.»
Esta argumentação é inteiramente transponível para os presentes autos e deve ser reiterada.
Ao contrário do que afirma o recorrente nas suas alegações, o juízo firmado no citado aresto, a propósito da admissibilidade constitucional do recurso a presunções judiciais em processo penal, não está delimitado às fases processuais do inquérito ou da instrução, valendo antes para todas as fases, nomeadamente para o julgamento. Assim é porque, no plano probatório, o que distingue essas fases não é o universo dos meios de prova que podem ser considerados para a formação da convicção subjacente às decisões finais que os encerram. É o estalão probatório exigido em cada uma delas que é radicalmente diferente nas fases de inquérito e instrução, por um lado, e na fase de julgamento, por outro.
9. Acresce que a distinção entre prova directa e indirecta não se baseia num predicado epistemológico – a idoneidade ou o valor do meio de prova -, mas num predicado lógico – a relação entre a prova e o facto. A distinção justifica-se, essencialmente, por razões de comodidade analítica. Possui ainda a virtude metodológica de permitir discriminar processos inferenciais de complexidade diversa, na medida em que a prova indirecta implica, por natureza, uma cadeia de raciocínio entre o facto probatório e o facto probando, ao passo que a prova directa do facto probando decorre imediatamente da adesão do julgador ao facto probatório.
Porém, tal distinção nada de relevante encerra sobre a força probatória dos meios de prova que através dela se classificam, como se demonstra através da comparação entre o depoimento de uma testemunha de credibilidade duvidosa no sentido de que o arguido estava em determinado local a determinada hora e a inferência de que tal não é possível porque o arguido integra a lista de passageiros de um voo que decorria a essa hora.
A solidez do raciocínio probatório não é uma função da tipologia da prova, senão da verosimilhança dos factos e da validade das inferências deles extraídas.
Nesta medida, só perante os contornos do caso concreto e os elementos probatórios disponíveis no processo se poderá aferir da maior ou menor força dos meios de prova directos e indirectos que se tenham produzido, nada obstando à prevalência de uns sobre os outros e mesmo à possibilidade de uma prova indirecta constituir fundamento suficiente para a demonstração judicial da verdade. Indispensável é que a prova indirecta atinja o limiar de certeza exigível para uma condenação em processo penal.
Refira-se ainda que o Tribunal Europeu dos Direitos do Homem já se pronunciou sobre a admissibilidade do recurso a prova indirecta em processo penal, designadamente no caso John Murray v. Reino Unido, decidido por Acórdão de 08 de Fevereiro de 1996.
A formulação de juízos de inferência incriminatórios encontra-se, segundo o TEDH, condicionada à verificação de determinados pressupostos: (i) a acusação deverá estabelecer previamente, através de prova directa, as circunstâncias que permitem o juízo de inferência; (ii) estas deverão permitir que nelas se apoie a conclusão inferida; e (iii) a conclusão inferida (de que se encontram provados os elementos essenciais do crime) deverá ser estabelecida para além de dúvida razoável. A estes requisitos devem acrescer garantias processuais destinadas a assegurar que o juízo de inferência seja racionalmente exposto e sindicável por via de recurso.
Onde tais exigências se mostrem cumpridas – como é o caso do ordenamento processual penal português −, a prova indirecta é perfeitamente admissível à luz do artigo 6.º da Convenção Europeia dos Direitos do Homem.
Importa, pois, concluir que o recurso a prova indiciária, designadamente a presunções judiciais, não contende com o princípio da presunção de inocência do arguido
 
8. Encerrando a apreciação das questões aqui propostas, cabe-nos apenas referir que se mostra prejudicada a necessidade deste Tribunal ad quem tomar posição quanto às questões de inconstitucionalidade suscitadas pelos arguidos nesta sede, uma vez que este Tribunal não perfilhou as interpretações cuja inconstitucionalidade os recorrentes suscitam a este propósito, não subsistindo, pois, para este tribunal de recurso, a necessidade de se pronunciar sobre sentidos normativos que não têm aplicação no caso.

9. Procederemos, de seguida, nos pontos G. e H., à análise dos recursos interpostos pelos arguidos (G.) e pelo MºPº (H.), respectivamente, em sede de matéria factual.

                                                    *
                                                    *
                                                    *
g. recursos apresentados pelos arguidos relativos à apreciação da matéria de facto.
ga. recurso apresentado pelo arguido jo…:

i. O recorrente extraiu das motivações de recurso que apresentou as seguintes conclusões, a propósito desta questão (uma vez que se procedeu já supra - vide ponto II. Transcrições dos segmentos (…) 2. - à transcrição integral das conclusões apresentadas por cada um dos recorrentes, opta-se por aqui se indicar apenas os números referentes às mesmas, que importam à decisão das questões que neste segmento cabe apreciar):
Pontos 102º a 268º; 273º a  385º; 390º a 418º; 431º a 715º; 722º a 819º; 825º a 1007º; 1019º a 1052º; 1088º a 1100º, 1102º a 1111º; 1263º a 1267º; 1293º a 1295º.

ii. O MºPº apresentou resposta a tais conclusões, no sentido do indeferimento da verificação das nulidades apontadas, bem como da improcedência das reapreciações fácticas pedidas (vide transcrição integral supra, em respostas a recursos).

iii. Proceder-se-á à apreciação da matéria sintetizada nas conclusões, nos termos já expostos supra em “F. Critérios da apreciação da matéria de facto.”

iv. Apreciando.
Como supra já se mencionou, procede-se à apreciação das questões colocadas pelo recorrente, seguindo-se a ordem numérica factual.
Assim:

1. Ponto 5 da matéria julgada provada da pronúncia:
Entende o recorrente que não há prova no que se refere a “restrito” e “de confiança” e que tal consignação se mostra em oposição com o vertido nos pontos 1, 2 e 3 dados como assentes e relativos à sua contestação. De igual modo alega que há contradição entre a matéria de facto dada como assente e a fundamentação, porque o arguido convidou para accionistas pessoas que não conhecia.

i. O ponto 5 tem a seguinte redacção:
Nessa sequência o arguido JO… deu conhecimento aos accionistas de referência do Grupo da necessidade de concentração de um núcleo de acções num conjunto de pessoas restrito e de confiança, que pudessem ser utilizados para apoiar a definição de estratégias do grupo;

ii. Por seu turno, os ditos pontos 1, 2 e 3 têm o seguinte teor:
1) O arguido ensaiou testar a possibilidade de reunir investidores para concretizar a operação de compra do BPN, S.A.;
2) O arguido questionou o Dr.º RS…, que conhecia como Director Comercial do Finibanco, se, de entre os seus conhecimentos, havia possibilidade de interessar investidores para o projecto BPN, que lhe foi, em tal contexto, explicado;
3) Entre finais de Outubro e durante Novembro de 1997, o arguido JO… contactou novos potenciais investidores/empresários para o projecto, alguns dos quais não conhecia;

iii. O acórdão explica e justifica as razões para ter dado tal matéria como assente, fundando-a, designadamente, em vários documentos e no seu teor, a saber:
- “mandato e acordo de investimento” outorgado entre a “Tiner – Construção e Obras Públicas, S.A.” (na qualidade de “Investidor”) e o arguido OC… (na qualidade de “Gestor”), a 10 de Outubro de 1997, no “considerando” “b)” previa-se expressamente o “convite” ao mesmo para concretizar o projecto de investimento “consistente na formação de um bloco estável de controlo da «IC»” (instituição de crédito), “através do «Gestor»”, i.e., do arguido OC…, o que pressuponha, como consta do mesmo considerando, “no mínimo, que a globalidade dos investidores associados ao «Gestor»”, – o que não se pode deixar de entender como investidores da confiança do arguido OC… –, “detenham a maioria do capital social da «IC», para assumir a liderança da gestão da «IC», - doc. constante do apenso de busca 7, pasta 51, doc. 4.14.. “Convite”, aliás, que, como resulta da cláusula “1.1.”, culmina, da parte de OC…, na aceitação da “nomeação” (v. mesmo doc.).
-  “protocolo de gestão”, outorgado entre a “Tiner” (na qualidade de “Investidor” e o arguido “OC…” (na qualidade de “Gestor”), em 10 de Outubro de 1997, no qual se prevê na sua cláusula “1ª, n.° 1” o compromisso do “Investidor (...) perante o «Gestor» a tudo fazer para que o «Gestor» seja nomeado, na primeira oportunidade, presidente do conselho de administração da «IC», já para o corrente triénio de 1996 a 1998, bem como para os triénios subsequentes, no quadro deste acordo (...)” o que, efectivamente, viria a ocorrer, uma vez que o arguido OC… foi nomeado Presidente do BPN, S.A., a 8.1.1998 (v. protocolo de gestão outorgado entre a Tiner e OC… - doc. constante do apenso de busca 7, pasta 51, doc. 4.14; e cópia da certidão do registo comercial - doc. constante do apenso de busca 7, pág. 148, doc. 42.2.).
Aliás, neste “mandato e acordo de investimento” prevê-se, desde logo, o controlo maioritário do capital do BPN, S.A., a concretizar através da aquisição de acções por novos investidores da confiança do arguido OC….
(…)
- Este entendimento resulta igualmente de forma nitidamente expresso nos “considerandos” “e), n.° i” na medida em que se prevê como tarefa primordial do arguido OC… o seu empenho, “em associação com o «Investidor» e com cada uma das demais pessoas ou entidades componentes do primeiro grupo de investidores, em reunir um conjunto de novos investidores que estejam dispostos ,conjuntamente entre si e com cada um dos primeiros investidores a adquirir e manter de forma estável (...) um número de acções que, adicionadas às acções cuja aquisição está já garantida, permitam a detenção da maioria do capital social da «IC», podendo essa maioria ir até 75% do capital social da «IC»”, sendo certo, também, que já nessa altura, como resulta do “considerando” “g)”, o arguido OC… havia estabelecido “os contactos necessários com um número adicional de investidores que se espera possam permitir a tomada da posição accionista referida em e) acima”, ou seja, a “detenção da maioria do capital social da «IC»” (BPN, S.A.) – v. mesmo documento.
- Refere, igualmente, a cláusula 2.1. do identificado doc.;
-  “as «acções» adicionais a adquirir e/ou acordos a celebrar (...), têm como objectivo a formação de um bloco estável de controlo da «IC», através do «Gestor», o que pressupõe, no mínimo, que a globalidade dos investidores associados ao «Gestor»” – i.e., ao arguido OC… – “detenham a maioria do capital social da «IC»” e, por fim, que “o «Investidor» mandata, assim, o «Gestor» para que este ou a pessoa ou pessoas ou entidades por si nomeadas, em regime de exclusividade, possam fazer adquirir, por terceiros, novas acções representativas do capital social da «IC» (...)” – v. mesmo doc..
(…)
Refira-se, ainda, que o objectivo de controlo maioritário do BPN, S.A. (“IC”), pela SLN SGPS, S.A. (“SR”) é confessadamente expresso no “ponto 7º da ordem de trabalhos prevista para a reunião da assembleia geral convocada para 29 de Novembro de 1999” (v. ponto 7 da ordem de trabalhos da assembleia geral da SLN SGPS de 29.11.1999) - doc. 2.51 constante do apenso de busca 7, pasta 26, incluído numa pasta da “assembleia geral” de 29.11.1999, na parte em que se refere:
“A SLN – Sociedade Lusa de Negócios, SGPS, S.A., existe e existirá para deter, de modo institucional e integrado, o controlo maioritário do capital social do BPN – Banco Português de Negócios, S.A..
E, neste sentido, a SLN detém já 66,7% do capital social do BPN.
(...).E é neste âmbito que foi constituída a BPN – SGPS, S.A., que se destina a ser controlada pela SLN e, por seu turno, a controlar o BPN, as empresas de crédito especializado, as seguradoras e as empresas de renting, além de outras que se revelem bem-sucedidas e lucrativas.”
Em consequência, no mesmo ponto da ordem de trabalhos, era proposto que fosse “deliberada a alienação, a favor da BPN – SGPS, S.A., por venda ou por entradas em espécie para realização de capital, da totalidade das acções detidas pela SLN no capital social do BPN – Banco Português de Negócios, S.A.”.
No mesmo sentido, atente-se ainda no doc. n.º 2 XXXVI (págs. 807 a 812 pdf), constante da caixa 1, pasta 8 do apenso de busca 3 com o nome “necessidade de uma entidade de controlo e sua influência na redução do esforço financeiro dos investidores” - datado de 9.11.1997 e com o nome “OC…” na sua parte final -, querendo referir-se a uma Sociedade Gestora de Participações Sociais (SGPS), até porque dele consta: “a presente nota procura pôr em evidência como é possível assegurar o controlo de uma instituição de crédito, em desenvolvimento vivo, com o mínimo esforço financeiro dos investidores que se dispuserem a associar-se ao projecto através da SGPS”.
A mencionada e desenvolvida intenção de domínio está devidamente vincada no mesmo documento quando a propósito das sociedades gestoras de participações sociais (SGPS) se consigna: “mecanismo societário que melhor se adequa à criação de força, por parte dos pequenos e médios investidores, tornando-os protagonistas de projectos de envergadura, é a criação de SGPS(s), pois além de proporcionar uma unidade de comando especializada e institucionalizada (...), actuando, em sede do Grupo maior, onde podem dominar, tem ainda o ganho associado à posição de controlo do respectivo Grupo, traduzido na conhecida mais valia de domínio (...)).

iv. Apreciando.
Os elementos probatórios a que o tribunal “a quo” faz referência não se mostram impugnados pelo recurso interposto, no que concerne ao seu conteúdo objectivo, pelo que se impõe a sua apreciação e valoração.
Uma leitura minimamente atenta dos diversos documentos que constituem o Doc. 4.14, pasta 51, Busca 7, em que uma série de diversos investidores (Felcapital, Didáctica Editora, António de almeida & Filhos. Têxteis SA, JAg…, Labesfal, entre outros), declaram querer participar “na aquisição de um lote de acções do BPN (lote que, no global, representa 35% do capital social do BPN)”, sendo que em cada um desses diversos documentos, cada um dos adquirentes refere ainda “sem prejuízo do acerto final do preço das acções decorrente da aquisição de outros lotes de acções a um preço mais favorável, integrando-se assim na estratégia que prevê o controlo maioritário do BPN”/ou “na estratégia que prevê a criação de um grupo estável de controlo maioritário do BPN”, corrobora a correlação e as inferências a que alude o tribunal “a quo”.

v. O que daqui decorre (e do demais que, a esse respeito, o tribunal “a quo” refere e que já se mostra oportunamente transcrito e para o qual se remete, por meras razões de economia processual) é que não restam dúvidas que o arguido deu conhecimento aos accionistas de referência do Grupo da necessidade de concentração de um núcleo de acções num conjunto de pessoas restrito e de confiança, que pudessem ser utilizados para apoiar a definição de estratégias do grupo.
E estes accionistas, bem como o próprio arguido, trataram de angariar esse grupo restrito e de confiança.

vi. Efectivamente, que o grupo era forçosamente restrito não restam dúvidas, face ao propósito manifestado – controlo maioritário. Se assim não fosse, esse fim seria inexequível.

vii. Por outro lado, pretender a associação de um grupo de confiança, não implica forçosamente que daí decorra que o arguido tivesse de conhecer pessoalmente cada um desses accionistas; bastaria que alguém da sua confiança os indicasse como merecendo esse crédito, vindo a aceitá-los nesse contexto – daí o apelo aos accionistas de referência.
 A confiança não pressupõe amizade ou sequer conhecimento pessoal; pressupõe que alguém em quem o arguido confie lhe indique outras pessoas ou entidades em que esses próximos tenham confiança. E assim sucessivamente.
Note-se, aliás, que o próprio texto do requerimento apresentado por cada um dos proponentes adquirentes (como acima já se transcreveu), expressa, precisamente, que sabem que pertencem a um círculo restrito – a quem foi dado o conhecimento do objectivo proposto – e que estão dispostos a nele colaborar, expressando essa sua vontade.

viii. Inexistem, pois, os vícios apontados e, no que se refere à reapreciação probatória pedida, a fundamentação realizada pelo tribunal “a quo” demonstra ter reflectido sobre os elementos probatórios adquiridos para os autos e não se mostra em desacordo com as regras de experiência comum, pelo que não se impõe a sua alteração.

2. Ponto 7 da matéria julgada provada da pronúncia:
Entende o recorrente que o aí consignado no que se refere ao trecho “conceder a terceiros que com ele colaborassem, dividendos retirados do BPN ainda que em prejuízo do mesmo” se mostra em contradição com a matéria de facto que o tribunal “a quo” deu como assente nos pontos 12 e 14 a 18, provenientes da contestação do arguido.

i. O ponto 7 (factos provados da pronúncia) tem a seguinte redacção:
7) Desde o início da sua liderança que JO… definiu como estratégia a obtenção de poder pessoal e influência nas áreas financeira e realização de negócios, aceitando conceder a terceiros que com ele colaborassem, dividendos retirados do BPN ainda que em prejuízo do mesmo.

ii. Os pontos 12 e 14 a 18 (factos provados da contestação do arguido) têm a seguinte redacção:
12) O destinatário dos dividendos do BPN era a BPN-SGPS, S.A., como sua accionista a 100% que os repassava para a SLN-SGPS, S.A., a qual, por sua vez, distribuiu dividendos aos seus accionistas nos exercícios de 2000 e 2001;
13) O arguido convidou investidores para participarem no projecto BPN;
14) As empresas do grupo BPN/SLN estavam agrupadas em sub-holdings, especializadas por áreas de actividade económica;
15) As acções do BPN eram detidas a 100% pela BPN – SGPS, S.A. e esta sub-holding era, por sua vez, detida a 100% pela SLN-SGPS, SA.;
16) A SLN-Valor, SGPS, S.A., foi constituída para deter uma participação na SLN-SGPS, S.A.;
17) Logo a seguir, a cúpula do grupo era constituída por uma holding, a SLN-SGPS, S.A., detentora de todas as participações e detida, por sua vez, pelos investidores seus accionistas;
18) As sub-holdings, especializadas por áreas de negócios e/ou actividades afins, eram detidas a 100% pela SLN, SGPS, S.A., e destinavam-se a ser detentoras das participações em sociedades operativas;

iii. Apreciando.
Como se constata pela sua mera leitura, nos pontos provados da contestação do arguido acima transcritos é feita uma descrição genérica da estrutura societária do grupo – que sociedades são detidas por que sociedades e em que termos, bem como quais são as sociedades que deveriam receber dividendos e de onde os mesmos provinham.

iv. Por seu turno, no ponto 7 proveniente da pronúncia, o que se afirma é que, não obstante ser essa a estrutura societária, o arguido aceitou conceder a terceiros que com ele colaborassem, dividendos retirados do BPN ainda que em prejuízo do mesmo; ou seja, não se questiona que a estrutura societária é a que se mostra definida nos pontos 12 e 14 a 18 (para além de outros, ao longo do texto), bem como que sociedades deveriam receber dividendos e qual a sua proveniência. O que se afirma é que o propósito do arguido era o de conceder dividendos retirados da sociedade que os devia receber, em benefício de determinadas pessoas - isto é, ao arrepio da estrutura que ajudou a criar e a estabelecer em termos societários.
Trata-se, pois, de um facto de síntese, que resume matéria factual que, infra, se mostra dada como assente (isto é, a concessão de tais benefícios a quem aos mesmos não tinha direito).

v. Assim, estabelecer-se qual é a estrutura societária de um grupo (que é o que consta nos pontos 12, 14 a 18 da contestação do arguido dados como provados) não contradiz ou invalida que se possa dar como assente que, não obstante tal estrutura, o arguido decidiu ignorá-la, desviando dividendos das sociedades a que eram devidos.
Não há contradição – são duas afirmações com conteúdos distintos.

vi. Inexiste, pois, qualquer contradição entre tais matérias provadas.

3. Ponto 8 da matéria julgada provada da pronúncia:
Entende o recorrente que se verifica erro notório na apreciação da prova e contradição quer entre factos (o teor do dito artº 8º e os factos provados 15, 18 19, 20 e 70 dos factos provados provenientes da pronúncia), quer entre o facto provado 8 e a fundamentação realizada pelo tribunal “a quo”.

i. O ponto 8 tem a seguinte redacção:
8) Definiu essa estratégia baseada em três pilares:
1) Controlo accionista:
Efectuado através da aquisição de acções do BPN em nome pessoal, através de sociedades offshore constituídas para o efeito, através de empresas do Grupo ou através de entidades e pessoas próximas que a isso se dispunham a troco de benesses.
Através da constituição em pirâmide de holdings das empresas do Grupo, com afunilamento de accionistas cada vez mais próximos de si;
2) Criação de sociedades offshore:
A secreta criação de inúmeras sociedades em Offshore, relativamente às quais o “último beneficiário” fosse uma empresa do Grupo ou uma pessoa colectiva ou singular que a isso se dispunha a troco de benesses;
3) A instrumentalização de uma entidade bancária:
A instrumentalização de uma entidade bancária sediada no estrangeiro, que funcionaria como um verdadeiro “Shellbank”, ou seja, um Banco Instrumental que pudesse financiar a aquisição de acções próprias das várias holdings, através de entidades offshore e entidades pessoais que a isso se dispusessem a troco de benesses, fora do controlo da Supervisão pelo Banco de Portugal;

ii. Os pontos 15, 18 19, 20 e 70 provenientes da pronúncia, têm o seguinte teor:
15)Na concretização do referido primeiro pilar da estratégia concebida pelo arguido OC…, veio a ser constituída uma sociedade holding, destinada a servir de sociedade mãe quer para o Banco que para o sector não financeiro;
18)Iniciou-se, assim, a montagem de um estrutura em cascata de participações, sendo o BPN, S.A., detido pelo BPN SGPS e este veio a ser adquirido pela SLN SGPS;
19)Para o efeito da aquisição do BPN SGPS, a SLN SGPS procedeu a um primeiro aumento do capital social, na data de 4.2.1999, para o valor doze milhões e quinhentos mil escudos e, depois, um segundo aumento de capital a 9.4.1999, passando o capital social da SLN SGPS para o valor de € 106.000.000,00;
20)A partir da SLN SGPS e recorrendo à criação de uma cadeia de entidades sub-holding, os arguidos JO…, LC… e FS… determinaram, como pretendiam, a segmentação das actividades desenvolvidas pelo grupo económico, com a criação de sub-holdings dedicadas a sectores específicos de actividade de forma a separar e melhor manobrar as operações de contabilização;
70) Através de ordens directas de OC…, LC… e FS…, a PLANFIN, angariou e disponibilizou, além das sociedades intervenientes em negócios específicos, as seguintes sociedades Offshore, que, de forma repetida, foram utilizadas na prática dos factos que adiante se vão narrar:
- A entidade MARAZION HOLDINGS LLC, foi constituída a 27 de Novembro de 2000, nas Ilhas Virgens Britânicas, tendo tido como beneficiários iniciais a Planfin e a SLN SGPS, S.A., posteriormente, entre 2.3.2001 a 26.11.2007, a SLN Imobiliária SGPS, S.A. e, por fim, a partir desta data a SLN SGPS, S.A.;
- A entidade VENICE CAPITAL LIMITED, foi constituída nas Ilhas Virgens Britânicas, no dia 28 de Setembro de 2000, tendo como beneficiário a entidade Marazion;
- A entidade INVESCO WORLDWIDE LTD, foi constituída nas Ilhas Virgens Britânicas em Novembro de 1999, tendo como beneficiário a entidade Marazion;
- A entidade CAMDEN CAPITAL CORPORATION, foi constituída nas Ilhas Virgens Britânicas, no dia 14 de Setembro de 2000, tendo como beneficiário a entidade Marazion;
- A entidade JARED FINANCE LLC, foi constituída na Ilha de Man, no dia 23 de Maio de 2002, tendo como beneficiário a entidade Marazion;
- A entidade SOLRAC FINANCE INC, foi constituída na Ilha de Man no dia 29 de Julho de 2002, tendo como beneficiário a entidade Marazion;

iii. Vejamos.
Em primeiro lugar caberá referir que o facto provado 8, proveniente da pronúncia é, à semelhança, do facto provado 7, um facto de síntese, que resume matéria factual que, infra, se mostra dada como assente (designadamente a relativa aos objectivos que o arguido visava alcançar e ao modo como genericamente conseguiu atingir o seu propósito – vide, por exemplo, o que se mostra exarado no ponto 20. da apreciação deste recurso do arguido).
Assim, não está aqui em questão a descrição da estrutura societária verdadeira, legal e pública do grupo que veio a liderar, mas antes o que, independentemente dessa aparência, o arguido veio efectivamente a realizar por seu intermédio, após a sua constituição.

iv. Assim, no ponto 8 não se diz que o BPN foi adquirido através de entidades offshore; o que se diz é que a estratégia do arguido seria a de vir a adquirir, em nome pessoal mas de modo disfarçado, acções do BPN, através de sociedades offshore, o que é algo de bem diverso.
Por seu turno, os factos 15, 18 e 19 descrevem o modo como foi constituído o grupo financeiro.
Os factos 20 e 70 explicam que essa constituição em “cascata” foi concebida, “ab initio”, dentro da estratégia referida no ponto 8, como um elemento facilitador, de modo a separar e melhor manobrar as operações de controlo.
No que concerne ao “afunilamento de accionistas”, mais uma vez estamos perante a síntese do que, atenta a actividade descrita pelos factos infra dados como assentes resultou da estratégia levada a cabo pelo arguido, como resulta, por exemplo, do teor dos factos provados 314, 336 e 337 (314) Assim, excluindo as duas primeiras Assembleias Gerais, onde apenas controlavam um conjunto de acções representativo de 48,17% do capital, os arguidos OC… e LC…, através dos procedimentos narrados, conseguiram sempre alcançar o controlo de uma percentagem superior a 53% do capital da SLN VALOR; 336) Face ao exposto, os arguidos OC… e LC… conseguiram alcançar, tirando a primeira Assembleia Geral referida supra, o controlo de uma maioria de accionistas com capacidade de fazer impor as deliberações que pretendessem aprovar, bem como de sustentar a Administração; 337) Desta forma, os arguidos tinham perfeita autonomia dentro do grupo para levar a cabo a prática dos actos lesivos do interesse do mesmo Grupo e em seu benefício pessoal conforme já narrado e ainda conforme se irá narrar).
No que concerne à ausência de especificação das “benesses”:
Como já se mencionou, o facto provado 8 é um facto de síntese. Assim, as benesses aí sintetizadas são as que se mostram infra descritas, a par e passo, a propósito dos diversos actos em que as mesmas se verificaram; isto é, em que houve intervenção de sociedades/pessoas singulares que se prestaram a ser beneficiários formais de sociedades do Grupo, a colaborarem em determinadas operações e/ou a deterem fiduciariamente acções, bem como a compensação que receberam por virtude de tal.

 v. Inexistem, pois, os vícios apontados.

4. Pontos 9, 10 e 15 da matéria julgada provada proveniente da pronúncia:
Entende o recorrente que existe erro na apreciação da prova no ponto 9, no que se refere ao uso do verbo “servir” no pretérito mais que perfeito (serviria) entendendo que deveria ser usado o pretérito perfeito (serviu). E, no referente aos dois restantes pontos, feita essa alteração, deveria ser eliminada qualquer referência aos pilares da estratégia.

i. Os pontos 9, 10 e 15 têm o seguinte teor:
9) Esse banco instrumental serviria igualmente para parquear custos, ocultando-os, e assim evitar o consumo de capitais próprios do Grupo, obtendo desta forma um fictício equilíbrio financeiro ou mesmo a obtenção fictícia de lucros a distribuir como dividendos pelos accionistas;
10)Para o desenvolvimento desta estratégia, o arguido OC… começou por se rodear de pessoas da sua confiança e da confiança dos accionistas de referência do BPN;
15) Na concretização do referido primeiro pilar da estratégia concebida pelo arguido OC…, veio a ser constituída uma sociedade holding, destinada a servir de sociedade mãe quer para o Banco que para o sector não financeiro;

ii. Vejamos.
Pese embora a especificidade gramatical, o que o arguido de facto pretende discutir é a bondade da matéria factual quanto à existência de uma vontade prévia – logo em 1997, quando se iniciou o processo de criação do grupo a que o arguido presidiu – relativa à montagem da estratégia a que alude o ponto 8) da matéria de facto provada proveniente da pronúncia.
E discute-a afirmando que o tribunal “a quo” não explicita essa questão, se atendermos à circunstância de o Banco Insular apenas ter sido adquirido em 2001.

iii. Não lhe assiste razão.
De facto, o tribunal “a quo” afirma, em sede de motivação:
“a instrumentalização do Banco Insular sucedeu a um outro sistema de financiamento oculto que antes fora implantado no BPN, CAYMAN que teve a sua expressão máxima no descoberto da conta da VENICE nessa instituição financeira” 
 (…)
Este sistema assentou na coexistência de duas bases de dados, uma designada CAYMAN registo e a outra CAYMAN reporte.
Por um lado, o CAYMAN registo reproduzia todos os movimentos realmente operados no BPN, CAYMAN, sendo que, deste modo a conta da VENICE ia acumulando um descomunal descoberto que (…) servia para financiar diversas operações do Grupo tais como a aquisição de acções e financiamento de empresas do Grupo, o financiamento da CAMDEN para a “aquisição da SLN IMOBILIÁRIA (…) e da MARAZION para a compra do Banco Insular através da INSULAR HOLDINGS (…), assim como da ZEMIO de OC… para aquisição de acções pelo próprio no aumento de capital de 28.12.2000 (…).
Por outro lado, o designado CAYMAN reporte era uma base de dados manipulada, fabricada, que, partindo duma simples réplica dos movimentos do CAYMAN registo, era construída de modo a cobrir o descoberto da conta da VENICE através da desmobilização de contas a prazo de clientes individuais que eram transferidas para a conta da VENICE.”
(…)
E era este CAYMAN reporte que não evidenciava o real e descomunal descoberto da conta da Venice que era reportado às autoridades de CAYMAN (CIMA) e ao Banco de Portugal (BdP).
Deste modo, ocultava-se/escondia-se, o descoberto da conta da VENICE, veículo de financiamento do grupo SLN/BPN.”
(Apenso de busca 7, doc. 54.01, págs. 142 a 144 – 23.01.2002 – Nota de reunião entre a DAI e a Direcção de Risco/Secretariado de crédito Sul – Nota da DAI para OC… relativa ao relatório do BdP 2001 – análise de processos de Clientes;
Apenso de busca 7, doc. 54.01, págs. 2 e seguintes – 2002.02.08 – Relatório da DAI – Nota 3 – Processos de Clientes CAYMAN (clientes especiais e réplica do sistema informático de suporte à actividade do BPN, CAYMAN) com anexo constituído por fichas individuais de análise de 34 Clientes, entre as quais, a VENICE;
Apenso R, vol. 48, págs.106 a 120 – 10.04.2002 – Nota 4 do relatório da DAI – Análise do Sistema de Informação de BPN, CAYMAN (o registo, o reporte e o pivot VENICE);
Apenso 33 – 1 Anexo A\CAIXAS CORREIO\TRAT\2\portátil\CAIXAS DE CORREIO \4_atduar.pst\Inbox\ Fecho do Dia 1.msg – 04.09.2003 – E-mail de MI… para RP…, Ajo…, CD…, RA… e IS… com informação sobre fecho do dia de 27.08.2003 do CAYMAN reporting;
Processo, vol. 107.1, págs. 9 e seguintes – Reportes a CAYMAN feitos na Direcção da Contabilidade do BPN, GS… e MP…;
Apenso de busca 7, doc. 30.01, pág. 59 – 13.02.2002 – E-mail do BdP para o BPN, SGPS no qual se expressa não oposição a uma operação e se confirma que o BPN, CAYMAN continua incluído na supervisão exercida pelo BdP sobre o grupo BPN em base consolidada)
É, por tudo isto que, uma vez adquirido o Banco Insular pela Insular Holdings, se procedeu à transferência de créditos do BPN, Cayman para o Banco Insular.

iv. Do dito decorre que não se descortina erro na apreciação da prova, pois que o pilar mencionado no ponto de facto 8. 3 (instrumentalização de entidade bancária), não se refere apenas ao Banco Insular, mas igualmente ao anterior sistema de financiamento oculto a que este sucedeu (usado desde a constituição do grupo), que havia sido implantado no BPN CAYMAN.

v. No que concerne aos restantes pilares da estratégia, entende o recorrente que os mesmos jamais se ficaram a dever a uma estratégia predefinida, mas ao desenvolvimento dos negócios do Grupo que, nalguns casos, contra a vontade do arguido, não correram como previsto.
Essa é, de facto, a sua tese neste recurso, mas a verdade é que não basta afirmá-lo, há que demonstrá-lo. E, neste segmento do recurso, o arguido não pediu reapreciação probatória, mas tão-somente invocou a existência de nulidade. Ora, inexistindo o vício de erro notório que o recorrente invoca, soçobra, naturalmente, a eliminação e as alterações peticionadas.
 
5. Pontos 7 e 20 da matéria julgada provada proveniente da pronúncia:
Entende o recorrente que deve ser eliminada a palavra “manobrar” aí inserida, por ausência de fundamentação e por ser pejorativa, alegando existir erro notório na apreciação da prova.

i. Salvo o devido respeito, esse argumento funda outro tipo de vício, que não o de erro notório previsto no artº 410 nº2 do C.P.Penal – o de vício da sentença que, pelas razões já acima expostas (vide 2. e 3.) se entendeu não se verificar.

ii. Aditar-se-á apenas o seguinte:
Como já acima se referiu, estamos nesta sede inicial da matéria fáctica dada como provada, perante uma série de factos que se apresentam como síntese da actividade global dada como provada ao longo da enunciação de toda a matéria factual que se seguirá.
Assim, o uso da palavra manobrar apresenta-se aqui no sentido de accionar, mover, conduzir, dirigir, manipular, sendo certo que na sua motivação o tribunal “a quo” explicita porque assim entendeu – é aliás tema recorrente ao longo de toda essa secção factual do acórdão, quando se debruça sobre cada um dos actos concretamente imputados aos arguidos. E a palavra em si não é elogiosa nem pejorativa – é meramente descritiva, pois estamos perante um verbo e não face a um adjectivo.

iii. E, como acima igualmente já se deixou exarado, não concordando o arguido com essa convicção do tribunal, cabia-lhe pedir a reapreciação probatória quanto a estes dois pontos factuais, o que não fez.

iv. Inexiste, pois, o vício de erro notório invocado.

6. Ponto 26 da matéria julgada provada da pronúncia:
Entende o recorrente que o aí consignado se mostra errado, não só porque a lógica do controlo accionista implementado através do afunilamento dos accionistas da holding, a SLN SGPS, SA, com recurso a um núcleo de accionistas “restrito” e de “confiança” não existiu, como ainda por se mostrar em contradição com o dado como assente nos pontos 6 a 10 e 27 e 28 provenientes da contestação do arguido.

i. O facto 26 tem o seguinte teor:
26) A SLN VALOR foi concebida dentro da lógica de controlo accionista do Grupo SLN como uma entidade vocacionada para concentrar num núcleo accionista próximo do arguido OC… o máximo possível de acções da SLN SGPS, de forma a permitir o suporte, com estabilidade, das opções estratégicas do grupo;

ii. Os factos 6 a 10 e 27 e 28 provenientes da contestação têm o seguinte conteúdo:
6) A SLN Valor, SGPS, inicialmente era uma sociedade por quotas e foi aberta a todos os accionistas da SLN SGPS, S.A., e só a esses;
7) O Arguido JO… não fez qualquer escolha de accionistas, tendo-se limitado a convidar os accionistas da SLN, SGPS, SA a nela participarem;
8) Tendo participado, efectivamente, quem quis;
9) O Arguido JO… não tinha relações pessoais com a generalidade dos accionistas para além daquelas que resultaram de se terem associado a um projecto comum a que voluntariamente aderiram;
10) A criação da SLN – Valor, SGPS, visou proteger os accionistas que deram corpo ao projecto, tendo no horizonte a perspectiva de a SLN – SGPS, S.A., vir a ser cotada em bolsa, o que lhes permitiria, subsequentemente, manter um papel activo no grupo;
27) Todos os accionistas da SLN – SGPS, S.A. foram convidados a participar no capital da SLN – Valor;
28) Participaram no arranque da sociedade 92 accionistas fortemente representados no capital da SLN – SGPS, S.A.;

iii. Apreciando.
Como acima já se mencionou, a questão do afunilamento padecer de vício mostra-se arredada.
Por seu turno, no que respeita à contradição entre estes pontos, resta-nos reafirmar o que também já supra deixámos consignado – o facto 26 explica, sinteticamente, qual foi o propósito que levou à criação da SLN Valor; os restantes factos narram como foi dado o arranque inicial que permitiu a passagem da SLN Valor de sociedade por quotas para sociedade anónima.
Não se vislumbra que possa existir contradição ou erro, uma vez que se estão a descrever pedaços temporais diversos, bem como a fazê-lo sob um prisma que também não é unívoco - de um lado, descrevem-se os objectivos de criação e de outro, o modo como foi dado esse arranque inicial.

iv. Inexiste, pois, o vício invocado.

7. Ponto 30 da matéria julgada provada da pronúncia:
Entende o recorrente que o aí consignado no que se refere a ter sido dado como provado que a sociedade SLN VALOR era a holding do Grupo padece de erro notório na apreciação da prova e mostra-se em contradição com o que foi dado como assente nos pontos provados (provenientes da pronúncia) 15 a 16 e 18 a 27.

i. O facto provado 30, proveniente da pronúncia, tem o seguinte teor:
30)Nesta cascata de sociedades SGPS em que a cúpula era a SLN VALOR SGPS, verificava-se, em 20.6.2008, que esta sociedade detinha, em termos visíveis perante terceiros, 31,34% da SLN SGPS, a qual detinha a 100% as seguintes holdings: BPN SGPS; PARTINVEST SGPS; SLN INVESTIMENTOS SGPS, SLN MULTIAUTO SGPS; SLN NOVAS TECNOLOGIAS SGPS; PARTINVEST IMOBILIÁRIA SGPS; SLN INTERNACIONAL SGPS e PLEIADE SGPS;

ii. Os factos provados 12 a 16 e 18 a 27, provenientes da pronúncia, têm o seguinte conteúdo:
12) A este arguido, LC…, o arguido OC… começou por confiar a concepção e montagem de uma entidade vocacionada para desenvolver a estrutura do grupo, com a constituição de um grupo económico baseado e suportado financeiramente pelo BPN, o que organicamente veio a dar origem à PLANFIN, conforme adiante se narrará;
13)Por outro lado, o arguido OC… continuou a contar com a colaboração de pessoas que já lhe eram próximas, quando exercia funções no Finibanco, caso dos advogados VC… e FB…;
14) Ainda em 1998, por indicação do Dr. Cal…, colega do tempo em que o arguido OC… participou no X Governo Constitucional, este último chamou ainda para consigo colaborar o arguido FS…, que começou por desempenhar funções como seu chefe de gabinete;
 15) Na concretização do referido primeiro pilar da estratégia concebida pelo arguido OC…, veio a ser constituída uma sociedade holding, destinada a servir de sociedade mãe quer para o Banco que para o sector não financeiro;
16) Assim, na data de 11.9.1998, foi constituída a Sociedade Lusa de Negócios SGPS (doravante SLN SGPS) com o capital social de 5 milhões de escudos, onde figuraram como primeiros Administradores o arguido OC…, RS… e JMS…, o primeiro, pessoa de confiança de OC…;
18) Iniciou-se, assim, a montagem de um estrutura em cascata de participações, sendo o BPN, S.A., detido pelo BPN SGPS e este veio a ser adquirido pela SLN SGPS;
19) Para o efeito da aquisição do BPN SGPS, a SLN SGPS procedeu a um primeiro aumento do capital social, na data de 4.2.1999, para o valor doze milhões e quinhentos mil escudos e, depois, um segundo aumento de capital a 9.4.1999, passando o capital social da SLN SGPS para o valor de € 106.000.000,00;
20)A partir da SLN SGPS e recorrendo à criação de uma cadeia de entidades sub-holding, os arguidos JO…, LC… e FS… determinaram, como pretendiam, a segmentação das actividades desenvolvidas pelo grupo económico, com a criação de sub-holdings dedicadas a sectores específicos de actividade de forma a separar e melhor manobrar as operações de contabilização;
21) Os arguidos JO…, LC… e FS… pretendiam igualmente facilitar a ocultação de operações de financiamento dentro do próprio grupo económico, com recurso ao BPN, bem como camuflar operações destinadas a garantir o controlo accionista, através da criação de entidades destinadas a deter participações na sociedade mãe;
22)Entre 1999 e 2001, os arguidos OC…, LC… e FS… criaram na dependência da SLN SGPS a holding SLN Imobiliária, SGPS, S.A., criando ainda os primeiros dois arguidos, na mesma dependência, a holding SLN Investimentos, SGPS, S.A..
23) A SLN Valor foi constituída em 15.12.2000, com sede na Avenida da República, n.º 53, em Lisboa;
24) Tinha por objecto a gestão de participações sociais noutras sociedades como forma indirecta do exercício de actividades económicas;
25)Foi constituída com o capital social de € 3.500.000,00, tendo como sócios iniciais a SLN Imobiliária com a participação de € 3.000.000,00 e o arguido JO… com o capital de € 500.000,00;
26)A SLN VALOR foi concebida dentro da lógica de controlo accionista do Grupo SLN como uma entidade vocacionada para concentrar num núcleo accionista próximo do arguido OC… o máximo possível de acções da SLN SGPS, de forma a permitir o suporte, com estabilidade, das opções estratégicas do grupo;
27) O arguido OC… convidou para integrar a SLN Valor os accionistas da SLN SGPS;

iii. Apreciando.
Afirma o recorrente que a holding do Grupo era a SLN SGPS SA e não a SLN Valor.
Efectivamente assim era, sendo certo que no que se reporta aos organigramas a que o arguido faz referência nas suas conclusões, esse é um facto indiscutível, desde logo porque todos se reportam à estrutura do grupo vigente antes sequer da constituição da SLN Valor, que só ocorre em Dezembro de 2000.

iv. A SLN Valor (constituída por iniciativa do próprio arguido JO…, tendo-o a si a à SLN Imobiliária como iniciais accionistas), para além de ser a maior accionista da SLN SGPS, serviu igualmente um outro fim, como resulta da comunicação que, em 18.04.2001, o arguido OC… dirigiu aos accionistas da SLN, SGPS:
 “(…) é chegado o momento de, em conformidade com compromissos anteriormente assumidos, permitir a cada um dos Senhores Accionistas da SLN, a subscrição ao valor nominal, de capital da nova HOLDING de controlo, a SLN VALOR – SGPS, LIMITADA.
É o passo decisivo para se alcançar o objectivo de, com a desejada participação do núcleo dos Senhores Accionistas que estiveram na génese da consolidação e crescimento do Grupo SLN, criar uma estrutura estável que, antes e após a admissão à cotação da SLN, garanta a permanência das actuais directrizes e linhas de gestão do V. Grupo.”
E tal propósito foi ainda reforçado, em 26.03.2003, vésperas do segundo aumento do capital social da SLN, VALOR, quando o mesmo arguido reafirmou, em nova comunicação dirigida aos accionistas:
“Na sequência da nossa reunião informal de 29 de Novembro de 2002, é chegado o momento de termos de por em pratica a ideia chave, que foi objecto de consenso, isto é, o reforço de capitais próprios da SLN – VALOR, SGPS, SA, por forma a que esta possa alcançar a maioria do Capital Social da SLN, a fim de a tornar no verdadeiro veículo de blindagem do Grupo.” (…)
Esta decisão é importante pois (…) importa criar previamente condições para que o seu principal accionista – a SLN VALOR – possa nele participar, aproveitando as condições favoráveis que serão criadas para o efeito.

v. Assim, como bem refere o MºPº na sua resposta:
Por isso mesmo, na primeira assembleia geral da SLN, SGPS realizada em 29.03.2001, logo após a constituição da SLN VALOR, os estatutos da SLN, SGPS foram alterados de modo a dispensar a SLN VALOR, assim como a própria SLN, SGPS, a NEXPART, SGPS, e a SLN PART, do direito de preferência dos accionistas nas transmissões de acções da SLN, SGPS, SA. 
(Apenso de busca 7, doc. 31.06, págs. 17 a 16 – 29.03.2001 – Estatutos da SLN, SGPS, com nova redacção do n.º 9 do artigo 7º dos Estatutos da SLN que dispensa da observância do direito de preferência na aquisição e venda de acções da SLN, SGPS, a própria SLN, SGPS, a SLN VALOR, Lda., a NEXPART, SGPS e a SL PART, SGPS, sendo que estas três foram todas constituídas em 15.12.2000)
Neste contexto, a SLN VALOR cujo capital social foi detido por uma pequena parte dos detentores de participações sociais da SLN, SGPS, era o remate, o chapéu, a cúpula dum conjunto, duma cascata, de sociedades SGPS, era, confessadamente, uma nova e última holding de controlo que foi concebida para assegurar o controlo accionista do grupo BPN/SLN - 26) dos factos provados-.

vi. Ora, no ponto 30 dos factos provados, o tribunal “a quo” não faz qualquer referência a ser a SLN Valor a holding do grupo; quem a designa como a holding do grupo é o próprio arguido na comunicação que dirige aos accionistas, acima transcrita: a subscrição ao valor nominal, de capital da nova HOLDING de controlo, a SLN VALOR – SGPS, LIMITADA).
O que o tribunal “a quo” afirma é que, em 2008, a SLN Valor era a cúpula de tal cascata, o que descreve uma situação de facto.
Na verdade, enquanto nos pontos 12 a 16 e 18 a 27 é feita a descrição do modo e estrutura constitutiva de algumas sociedades do grupo ao longo dos anos de 1999 a 2001, no ponto 30 constata-se o uso que foi feito da sociedade SLN Valor, atentas as acções que aquela detinha, em 2008.

vii. E, analisando as percentagens e a tipologia das acções que detinha, em combinação com o objectivo que o próprio arguido admite ter presidido à sua criação (nos escritos acima mencionados), não se demonstra qualquer erro na constatação de que, nesta cascata de sociedades, a cúpula era, de facto, a SLN Valor, independentemente da circunstância de, em termos de direito, quem era a holding do grupo ser a SLN SGPS SA e não a SLN Valor.

viii. Temos, pois, que o que se mostra vertido no ponto 30 não se encontra nem flagrantemente errado (existem documentos subscritos pelo próprio arguido recorrente que referem qual o propósito que se pretende atingir com a constituição da SLN Valor), nem em contradição com a restante matéria factual que o recorrente indica.

ix. Inexistem, pois, os vícios apontados.

8. Ponto 75 da matéria julgada provada da pronúncia:
Entende o recorrente que o aí consignado se mostra patentemente errado, pelas razões já expostas a propósito do facto 9 (a instrumentalização do Banco Insular não pode ser entendida como retrocedendo a 1997, data em que se iniciou o envolvimento do arguido em relação ao projecto do BPN, uma vez que aquele banco apenas foi adquirido em 2001).

i. O ponto 75 tem a seguinte redacção:
75)Para a execução do terceiro pilar da estratégia global definida pelos arguidos OC…, LC… e FS…, os mesmos identificaram a existência de um Banco, com registo em Cabo Verde, o designado Banco Insular, que se mostrava adequado a ser instrumentalizado para alcançarem os seus objectivos;

ii. Vejamos.
Uma vez que já abordámos os fundamentos que o recorrente ora renova, remete-se para o que deixámos já supra vertido (vide 4.).
Caberá apenas aditar que, para além do mais, nesse ponto 75 não é feita qualquer referência a um momento temporal concreto (designadamente reportado a 1997), limitando-se a aí se consignar a identificação da existência de um Banco e a sua adequação a poder vir a ser instrumentalizado.

iii. Inexiste, pois, o vício imputado.

9. Ponto 182 da matéria julgada provada da pronúncia:
Entende o recorrente que o aí consignado é um erro crasso porque:
- o BPN não teria de suportar quaisquer juros perante os depositantes angolanos;
- não se mostra determinado, pelo tribunal “a quo” qual a taxa paga, as condições e a que concretos investidores se pagou.

i. O ponto 182 da matéria de facto provada proveniente da pronúncia, tem o seguinte teor:
182) Aceitando desta forma um custo muito elevado, em prejuízo do BPN, para manter financiado o Banco Insular;

ii. Apreciando.
a. Nesta questão, constata-se a existência de um erro de interpretação do texto, por parte do recorrente, à semelhança, aliás, de uma primeira interpretação que o tribunal “a quo” realizou, em sede de um despacho que foi alvo de apreciação já neste acórdão (segmento B do recurso intercalar nº18), mas que rectificou em sede de motivação, como resulta do excerto que adiante se transcreverá.
De todo o modo, em sede de reapreciação, este tribunal deve avaliar e proceder à sua própria análise e é isso que faremos de seguida.

b. De acordo com o entendimento que o arguido aqui avança, o que se mostra vertido no ponto 182) reporta-se apenas à factualidade assente no ponto imediatamente anterior (ponto de facto 181), que se refere à obtenção, junto de investidores angolanos ou mesmo de Bancos angolanos, de depósitos directos no Banco Insular, para lograr capitais suficientes para obter saldo nulo nas transferências para BPN CAYMAN e BPN IFI.

iii. Manifestamente, tal não é o caso.
De facto, não faria qualquer sentido afirmar-se que, por virtude do Banco Insular captar depósitos directos provenientes de Angola (ainda que aos mesmos fosse concedida alta rendibilidade, como propugnava a pronúncia, sendo que o tribunal “a quo” entendeu não se mostrar essa rentabilidade demonstrada), daí decorreria prejuízo para o BPN - que seria o que se teria de considerar, caso se interpretasse o ponto 182 dos factos provados como apenas reportado ao ponto 181 - já que o prejuízo seria para o Banco Insular.
Na verdade, o custo sintetizado neste ponto factual, reporta-se a toda a matéria dada como assente que se mostra narrada nos factos provados 165) a 184), provenientes da pronúncia.
E o que tais pontos descrevem é que era o BPN SA quem suportava os custos de financiamento (funding) do Banco Insular, para aqueles fins, já que o grupo BPN/SLN era o dono do Banco Insular e o BPN CAYMAN (assim como o BPN IFI) era detido a 100% pelo BPN SA.
Assim, daqui decorre que todo o peso financeiro (e operacional) desse financiamento recaía sobre o BPN, graças ao circuito de funding (sistema de geração fictícia de fundos) que foi montado em claro prejuízo deste último, dado o elevado custo que este circuito gerou, que é o que se mostra dado como assente no ponto 182).

iv. Efectivamente, se o Banco Insular não captava, directamente de clientes próprios, fundos suficientes para dar cobertura às operações de crédito, que pretendiam secretas, que os arguidos OC…, LC… e VM… ali pretendiam colocar, foi necessário conceber um circuito fictício de fundos que permitisse recorrer a contas domiciliadas junto do BPN Cayman ou do BPN IFI para gerar depósitos junto do Banco Insular (factos provados 168, 183 e 184).
Esse circuito (montado com a colaboração do arguido AF…) é o que se mostra descrito nos pontos 168) a 181) e sintetiza-se assim (seguimos aqui segmentos transcritos da motivação realizada pelo tribunal “a quo”):
O primeiro passo desse conjunto de procedimentos consistia na (i) determinação das necessidades de funding do Banco Insular que, em cada mês, correspondiam ao (i) somatório dos depósitos a prazo cujos vencimentos ocorriam nesse mês acrescido do (ii) montante da utilização de crédito concedido, incluindo as operações de crédito realizadas nesse mês, diminuído das amortizações de crédito e do somatório líquido das captações do Banco Insular (Y= X+Z-W-R), sendo Y as necessidades de funding, X o somatório do vencimento dos depósitos a prazo ocorridos no período, Z as utilizações de crédito com inclusão das operações de crédito realizadas no período, W as amortizações de crédito e R o somatório líquido das captações do Banco Insular:
(…)
De seguida (…), eram (ii) identificadas as contas a prazo junto do BPN Cayman e do BPN IFI (este apenas a partir da sua constituição) que não estivessem cativos de operações de crédito nem fossem tituladas por clientes do Private Banking e cujo somatório cobrisse as predeterminadas necessidades de funding.
Então, determinadas as necessidades de funding e seleccionadas as contas de depósitos a prazo que as cobriam, (iii) estas contas eram duplicadas, replicadas, mediante a abertura de contas espelho junto do Banco Insular que eram em tudo idênticas às contas do BPN Cayman ou do BPN IFI, quanto ao titular, aos activos e às demais características, designadamente, maturidade e taxa de juro.
Do mesmo passo eram elaboradas (iv) tabelas de correspondência entre as contas BPN Cayman ou BPN IFI e as contas do Banco Insular.
E, (v) aquando das datas dos vencimentos dos depósitos a prazo, os fundos retornavam às contas originárias dos Clientes no BPN Cayman e no BPN IFI, incluindo o capital e o valor correspondente aos juros contratados.
Todos estes movimentos de fundos eram feitos através das respectivas contas NOSTRO no BPN Cayman e no Banco Insular, o que resulta cabalmente de uma análise aos respectivos extractos constantes do CD 13 dos autos.
(…)
Acresce que para esconder o Banco Insular da supervisão de Cayman e consequentemente da supervisão do BdP (Banco de Portugal), (vi) no final de cada mês era feito um acerto das transferências entre o Banco Insular e o BPN Cayman e o BPN IFI de forma a alcançar-se um saldo nulo (o que foi referido muitas vezes por testemunhas como o processo de “zerar as contas” – v. declarações infra) pelo que, mensalmente, o Banco Insular renovava a necessidade de obtenção de fundos, repetindo-se os procedimentos descritos:
(…)
Por vezes, sendo insuficientes os depósitos a prazo cobertos pela denominada gestão discricionária, eram, por indicação superior, utilizados depósitos a prazo sem subscrição do documento “aplicações no exterior” e sem “ordem de transferência para o exterior” (declarações da testemunha Ajo…).
Outras vezes, face à insuficiência dos depósitos a prazo captados aos balcões do BPN, SA, o Banco Insular obtinha fundos de investidores e Bancos angolanos mediante depósitos de modo a obter saldo nulo nas contas correspondentes do Banco Insular no BPN Cayman e do BPN Cayman no Banco Insular (contas “nostro” e “vostro”) – v. doc. supra identificado (relatório do Ajo…).
Assim, através do Banco Insular, os arguidos OC…, LC… e FS… financiavam um conjunto de operações que se pretendiam secretas, prosseguindo os objectivos de controlo accionista e financiamento de negócios do grupo e de terceiros, adquiriam acções representativas do capital social da SLN, SGPS e da SLN, VALOR, por si ou através de várias sociedades veículo registadas em offshore que controlavam, concediam empréstimos a accionistas para aquisição de acções, adquiriam participações financeiras em diversas sociedades, concediam suprimentos, adquiriam outros activos do imobilizado e procediam a pagamentos directos a título de remunerações, prémios, comissões e patrocínios (v. art.º 190º da pronúncia) (…).

v. Assim e em síntese, o que se mostra vertido no ponto 182 dos factos provados, não se reporta apenas ao que se mostra descrito no ponto imediatamente anterior, no que concerne ao recurso a investidores ou bancos angolanos, mas sim a toda a narração do circuito de funding do Banco Insular, para este tipo de operações (onde também se inscreve o narrado no ponto 181)).
O dito ponto de facto 182 limita-se a sintetizar que, dado o circuito de funding acabado de descrever nos pontos 168 a 181, quem suportava o seu custo era o BPN SA. (nos termos já acima explicitados), uma vez que era este que, em seu próprio prejuízo, mantinha financiado o Banco Insular, para que através do mesmo, fossem realizadas operações que se pretendiam secretas (como se resume nos pontos 183 e 184 e se pormenoriza numa série de outros factos dados como assentes).

vi. E é isso que se mostra vertido no ponto 182), pelo que inexiste o vício que o arguido imputa a tal matéria factual.

10. Ponto 188 da matéria julgada provada da pronúncia:
Entende o recorrente que ao aí consignado deve ser aditado, antes do seu nome e do arguido LC…, a palavra “designadamente” uma vez que, em seu entender, também houve ordens nesse sentido determinadas pelo arguido FS… e pelo Dr. GS….

i. O ponto 188 dos factos provados provenientes da pronúncia tem o seguinte teor:
188)A decisão de colocação das contas no designado Balcão 2 era tomada pelos arguidos OC… e LC…, os quais transmitiam tais indicações ao arguido AF…, que as fazia executar através dos colaboradores da DOP RP… e EP…, bem como posteriormente, também pelos operacionais que foram transferidos para Cabo Verde;

ii. Vejamos.
O arguido não questiona estar correcto o que se mostra descrito nesse ponto factual; isto é, admite ser verdadeiro ter sido por si decidida a colocação de contas no designado Balcão 2.
O que entende é que também duas outras pessoas o teriam feito.

iii. Essas duas pessoas (uma delas arguido nestes autos) não foram acusadas nem pronunciadas pela prática de tal tipo de actividade.
Assim, essa matéria factual não se insere no thema decidendum no que a estas duas pessoas se refere, não podendo ser conhecida nestes autos, sob pena de violação do princípio do acusatório.

iv. Mas ainda que assim não fosse, sempre se diria que a pretensão do arguido se mostra francamente incompreensível e sem qualquer relevo para a decisão da causa, não só porque a pretendida alteração seria irrelevante no que à sua actuação se reporta, como porque, de facto, essa alteração só poderia fazer um mínimo de sentido se o tribunal “a quo” tivesse inserido no texto, antes dos nomes do arguido OC… e do arguido LC…, a palavra “exclusivamente” (ou similar), o que não fez.
Assim, nos termos em que está exarado, nesse ponto mostra-se descrito o que interessa à decisão da causa e o que o próprio arguido admite que se provou – que ele deu esse tipo de ordens.

v. Improcede, assim, a reapreciação probatória, por não se impor a alteração peticionada.

11. Pontos 205 e 206, bem como 207 a 210, da matéria julgada provada da pronúncia:
Entende o recorrente que:
O tribunal “a quo” valorou ilegal e inconstitucionalmente as declarações prestadas pelo arguido RO…, no que concerne à questão de quem era o beneficiário final da sociedade Oardale;
Existe erro notório da apreciação da prova e contradição insanável, quando, por um lado, afirma que o arguido havia deixado a presidência do grupo em 19.02.2008 e por outro, julga como provados os pontos 207 a 210, imputando-lhe a decisão sobre a concessão do volume de crédito concedido até 30 de Junho de 2008.
A imputação dos valores constantes no ponto 205, bem como nos pontos 207 a 210 da matéria de facto provada mostra-se errada, pelo que os factos 205 a 210 devem ser considerados como não provados, face aos elementos probatórios que avança.

i. Os pontos 205 a 210 dos factos provados provenientes da pronúncia, têm o seguinte teor:
205)O crédito concedido sobre a forma de conta corrente caucionada para as 57 contas atrás referidas, incluindo 48 offshores da SLN e à conta A1, foi de 537,6 milhões de euros;
206) Assim, através de uma estrutura paralela não consolidada foi concedido crédito a 57 entidades offshore, incluindo 48 offshores da SLN e ao seu próprio Presidente, à data dos factos, via conta designada A1;
207) Especificando o montante de crédito concedido, a cada uma daquelas entidades, sob a forma de Conta Corrente Caucionada, apenas ao nível do Balcão 2, isto é, fora de balanço, temos as seguintes entidades beneficiárias e valores:


DesignaçãoValor (EUR)
A1                                       -10.339.829,72
ACLE HOLDINGS INC                        -5.736.513,77
ALMERIA WORLDWIDE LTD                    -3.203.743,59
ARLES ASSOCIATES LLC                     -2.382.916,36
AUDEL DEVELOPMENT CORPORATION            -60.825.257,79
BALI HOLDINGS LLC                        -6.468.192,70
BARADINE ENTERPRISES LLC                 -139.472,52
BAYANON FINANCE LLC                      -2.500.000,00
BIRCHEVIEW LIMITED                       -24.084.734,54
BIRDAMA INVESTMENTS LLC                  -7.413.017,76
BREMONHILL SERVICES LLC                  -4.009.007,84
BRESLAN INVESTMENTS LLC                  -250.000,00
BRIDGEDOWN LLC                           -8.106.627,24
CAMDEN CAPITAL CORPORATION               -8.139.636,36
CAPLEW HOLDING B.V.                      -12.087.545,12
CHANEY SERVICES LLC                      -6.603.457,14
CHAPELMOOR LLC                           -17.023.281,45
CLASSICAL FINANCIAL TRADING CORP.        -762.500,00
EREI-EXCELLENCE REAL ESTATE INVEST. B.V. -12.153.858,45
FIKA HOLDINGS LTD                        -1.184.469,61
FREEMAN PROPERTIES LIMITED               -9.105.005,51
INTERSTAL-PROJECTS TRADE AND FINANCE LTD -11.200.000,00
INVESCO WORLDWIDE, LTD                   -12.996.016,75
JAMAKI TRADING LIMITED                   -10.651.724,39
JAZEY CAPITAL S.A.                       -11.137.160,83
JESPERSEN LIMITED                        -8.290.812,09
KARAM FINANCE LLC                        -15.419.294,16
KAYES ASSOCIATES LLC                     -4.408.601,06
KELSTONE GROUP LIMITED                   -12.565.480,64
KEMUSA HOLDINGS LLC                      -11.243.892,52
KERIN FINANCE SERVICES LIMITED           -701.947,00
KILARNOCK INVESTMENTS LLC                -1.874.165,54
KINASOL ASSETS LTD                       -11.841.686,68
MARBAY ENTERPRISES CORP.                 -2.994.642,86
MARDELL INVESTMENTS LLC                  -21.029.814,00
MARTON INVESTMENTS INC                   -11.027.318,79
MERFIELD SERVICES LLC                    -5.452.783,11
MONIALLA VENTURES LIMITED                -952.602,19
OARDALE HOLDINGS CORP                    -5.894.619,38
OZNI MANAGEMENT LIMITED                  -3.810.023,30
QUILA HOLDINGS LLC                       -11.231.301,28
RADOR LIMITED                            -10.771.761,10
REDSHIELD SERVICES LIMITED              -7.204.479,00
RESIA FINANCE LLC                        -18.953.570,19
RICIA INVESTMENTS INC                    -10.953.393,91
RISHONA INVESTMENTS LIMITED              -10.889.971,14
SEAFORD HOLDINGS LLC                     -13.330.143,45
SEVILEN HOLDINGS LLC                     -2.916.246,88
SHAWCLIFFE ASSOCIATES LLC                -9.042.882,18
SHELINA HOLDINGS LLC                     -2.595.654,41
SWISS FINANCE LLC                        -2.180.000,00
TAMMO FINANCE LLC                        -4.000.000,00
TILLAN MARKETING LIMITED                 -33.680.792,71
WEBSTER WORLDWIDE ASSETS LTD             -10.365.000,00
WISHLAN GROUP CORP.                      -2.373.912,36
YARAK INVESTMENTS S.A.                   -8.577.969,43
ZALA HOLDINGS LTD                        10.790.991,16-
ZEMIO INVESTMENTS CORP                   -1.800.000,00
Total537.669.721,00


208) Ao montante acima referido, devem ainda somar-se os créditos concedidos sobre a forma de descoberto à ordem, quer em contas de entidades do grupo SLN que funcionavam como central de custos, casos da SOLRAC FINANCE e da JARED, quer em contas de entidades destinadas a deter acções do grupo, caso da RELTONIA FINANCE;
209) Relativamente às entidades indicadas, os montantes de descoberto concedidos sobre as respectivas contas, por determinação dos arguidos OC…, LC… e FS…, até 30 de Junho de 2008, são os seguintes:
- SOLRAC FINANCE, conta nº …, montante de 99.669.144,74€;
- JARED FINANCE, conta n° …, montante de 40.336.918,15€;
- RELTONIA FINANCE, conta n° …, montante de 8.929.389,82€;
210) Assim, por intervenção dos arguidos OC…, LC… e FS…, foi concedido em fora de balanço, um montante total de crédito de 725 milhões de euros;

ii. Apreciando.
Vejamos, em primeiro lugar, a questão relativa às declarações prestadas pelo arguido RO….

a. O tribunal “a quo” fez uma declaração a esse propósito (no segmento em que apreciou a conduta imputada ao arguido RO… – negócios da Validus e da Astroimóvel), que se reproduz:
Como questão prévia importa referir que o arguido RO… prestou declarações na audiência de julgamento.
Nessa sede respondeu às questões que o Tribunal Colectivo entendeu por conveniente colocar-lhe.
Todavia, no exercício de um direito que lhe assiste, recusou-se a responder a quaisquer questões que pretendiam colocar-lhe o Digno Magistrado do M.P., os ilustres mandatários dos assistentes e dos co-arguidos.
Dispõe o art. 345° do C.P.P.:
“1 – (...). O arguido pode, espontaneamente ou a recomendação do defensor, recusar a  resposta a algumas ou a todas as perguntas, sem que isso o possa desfavorecer.
2 – O Ministério Público, o advogado do assistente e o defensor podem solicitar ao presidente que formule ao arguido perguntas, nos termos do número anterior.
(...).
4 – Não podem valer como meio de prova as declarações de um co-arguido em prejuízo de outro co-arguido quando o declarante se recusar a responder às perguntas formuladas nos termos dos n.ºs 1 e 2”. (bold nosso)
Vale o exposto por dizer que as declarações prestadas pelo arguido RO… em prejuízo dos co-arguidos não poderão ser valoradas pelo Tribunal.
Em suma, no tocante às declarações do arguido RO…, o Tribunal só valorará as que lhe são favoráveis ou desfavoráveis e/ou as que possam ser favoráveis em relação aos co-arguidos.

b. Afirma o recorrente que o tribunal “a quo” aceitou, em sede de motivação da sua convicção, que “49) Oardale – o arguido RO… assumiu em julgamento que era o último beneficiário”, pelo que valorizou declarações prestadas por esse arguido, que eram desfavoráveis ao ora recorrente. Assim, por virtude desse entendimento, deu como provado que a Oardale não fazia parte das sociedades offshore elencadas no artigo 210, alínea b), da pronúncia (ponto 202 dos factos dados como provados) que tinham como beneficiário final a SLN.

c. Salvo o devido respeito, não se vislumbra onde o arguido suporta tal teoria.
Desde logo e em primeiro lugar, a referência à Oardale é feita na pronúncia no ponto 210 C) (Abertura de contas correntes caucionadas). E, em sede de matéria de facto dada como assente pelo tribunal “a quo”, aí se manteve, no ponto de facto correspondente: 202) C.
Isso significa que, mesmo em sede de pronúncia, o entendimento foi de que essa entidade deveria considerar-se abrangida na categoria “contas correntes caucionadas”, independentemente de quem era o seu beneficiário final. E tal entendimento foi mantido em sede de julgamento.
É isso, aliás, que consta da própria motivação realizada pelo tribunal “a quo” quando afirma:
«2) Não são 59 offshores da SLN, mas apenas 48 (v. facto provado 201, al. c) e facto não provado 62); 
«O que se deixa dito não implica nenhuma alteração ao art. 210º, al. c) da pronúncia, pois, todas as aí elencadas não deixam de ser contas correntes caucionadas abertas no balcão fora do balanço (2001) – v. facto provado 202, al. c).

d. Não se mostra assim compreensível – nem o arguido consegue justificá-lo, apenas afirmá-lo – em que medida é que há aqui qualquer prejuízo para o arguido JO…, desde logo porque nem sequer aqui relevaram, para efeitos de determinação da matéria de facto provada, as declarações prestadas a propósito da Oardale, pelo arguido RO….

e. Restará apenas referir que infra, quando nos debruçarmos sobre o recurso interposto pelo MºPº relativamente ao arguido RO… (vide ponto IV.Fundamentação, §§, HC, deste acórdão), teremos então oportunidade de nos pronunciarmos sobre a questão da Oardale, uma vez que, nessa sede, a questão do beneficiário final é suscitada no âmbito dos factos a apurar (o que não sucede na matéria que ora apreciamos) e tem relevância, por estar correlacionada com o negócio da Astroimóvel.

f. Atento o que se deixa dito, há que constatar que não se mostra demonstrado ter o tribunal “a quo” valorizado declarações prestadas por um co-arguido – RO… - em detrimento de outro – JO…, nesta sede.
Fica assim prejudicada a questão de constitucionalidade que o arguido suscitou.

iii. Debrucemo-nos agora sobre a questão dos vícios de erro notório e de contradição insanável.
O arguido refere que, tendo o tribunal “a quo” estabelecido que a sua saída do grupo (cessão de funções) ocorreu em Fevereiro de 2008, não poderia ter dado como provado que, até 30 de Junho de 2008, a sua actuação provocou os prejuízos que elenca.
Vejamos então.

a. Os montantes que se mostram descriminados nestes pontos constituem um apanhado da totalidade de descoberto gerado pelo uso das ditas entidades, em sede dos factos que coube apreciar nestes autos (como infra melhor se explicitará).

b. Por sua vez, a descriminação de cada um dos montantes que foram sendo gerados, bem como as datas em que tais ordens foram dadas e de que forma e para que fins foram utilizados esses montantes de descobertos, é matéria que se mostra relatada ao longo de praticamente todo o texto que consigna os factos que foram dados como provados (é esse, em grande medida, o thema decidendum destes autos).

c. Assim, a leitura e a interpretação do texto inscrito nos pontos 205 a 210 não pode ignorar o contexto em que se insere.

d. E o que daí decorre é que todos esses descobertos foram determinados, ocorreram, durante o período em que o arguido JO… exerceu as funções dadas como assentes dentro do Grupo; ou seja, nenhum deles se reporta a actos praticados que não pelos arguidos nesse artigo mencionados.

iv. Nestes termos, a atribuição dos valores constantes em tais pontos de facto à actividade prosseguida pelo arguido mostra-se correcta, porque suportada pelos elementos probatórios que o tribunal “a quo” invoca.

v. Não obstante, constata-se que, face à fundamentação realizada pelo tribunal “a quo”, a propósito deste segmento factual, existe um manifesto lapso de escrita, no que se refere ao ano constante no ponto 209.
Efectivamente, a razão pela qual neste ponto se faz referência à data de 30 de Junho de 2008 é uma única - porque A administração da SLN, SGPS liderada por MC…, face designadamente às conclusões do relatório da MAZARS, deu instruções para que, com data-valor de 30.06.2007, fossem integrados, provisoriamente, no BPN Cayman os créditos de cerca 390 milhões de euros correspondentes aos créditos do balcão virtual, balcão 2, 2001 ou Porto do Banco Insular, e, semelhantemente, deu também instruções para que, com referência a 30.06.2007, fossem registados no BPN IFI e no BPN Cayman os depósitos de clientes no mesmo balcão do Banco Insular por contrapartida do “descoberto” na conta do Banco Insular naqueles dois bancos:
- Autos principais, vol. 18, fls. 7544 a 7549, págs. 342 a 347 – 01.09.2008 - Anexo 5 à informação de PS…, constituído por nota interna de MF… da administração da SLN para o conselho de administração do BPN, SGPS que refere as instruções de MC… no sentido de os créditos do balcão virtual serem integrados no BPN CAYMAN e os depósitos de Clientes no mesmo balcão retornarem às suas origens no BPN CAYMAN e no BPN IFI por débito nas contas nostro do BI.

vi. Estamos, pois, perante uma mera data-valor, que se refere ao momento de integração provisória dos créditos do balcão virtual do Banco Insular no BPN Cayman; isto é, os descobertos não foram gerados até essa data, mas antes foi nessa data que os mesmos passaram a ser integrados provisoriamente no BPN Cayman.

vii. Assim, em tal apuramento entraram apenas os montantes de descoberto nos quais os arguidos tiveram intervenção, já que se realizaram durante o período temporal em que estes exerceram funções no Grupo SLN/BPN e determinaram a realização de tais operações.
Esta questão, aliás, mostra-se abordada e explicada, em sede de motivação:
A administração da SLN, SGPS liderada por MC…, face designadamente às conclusões do relatório da MAZARS, deu instruções para que, com data-valor de 30.06.2007, fossem integrados, provisoriamente, no BPN Cayman os créditos de cerca 390 milhões de euros correspondentes aos créditos do balcão virtual, balcão 2, 2001 ou Porto do Banco Insular, e, semelhantemente, deu também instruções para que, com referência a 30.06.2007, fossem registados no BPN IFI e no BPN Cayman os depósitos de clientes no mesmo balcão do Banco Insular por contrapartida do “descoberto” na conta do Banco Insular naqueles dois bancos:
(…)
Conclui-se, pois, que através do Balcão 2, ou 2001, ou Porto, estrutura paralela cujos registos contabilísticos não eram levados ao balanço do Banco Insular e, assim, não eram objecto de reporte às autoridades de supervisão, os arguidos OC…, LC… e FS…, com a colaboração de LM… e LAl… (a colaboração destes será infra analisada, remetendo-se, por isso para a respectiva fundamentação), fizeram conceder o montante global de crédito de 725 milhões de euros (quanto aos primeiros 3 arguidos) e de, pelo menos, 537 milhões de euros (quanto aos 2 últimos arguidos – note-se que, relativamente aos arguidos LM… e LAl… a pronúncia lhes imputa o valor de crédito concedido através de contas correntes caucionadas – art. 212º da pronúncia - e já não a parte dos créditos concedidos sob a forma de descoberto à ordem – arts. 218º e 219º da pronúncia) que, assim, foi tornado oculto e, parte, incobrável.

viii.  Todavia, em sede de determinação da matéria de facto constante no ponto 209) dos factos provados do acórdão, a data-valor a que se faz menção surge erroneamente inscrita como reportando-se ao ano de 2008.
Na verdade, e de acordo com o que o tribunal “a quo” deixou exarado em sede de fundamentação da sua convicção, a data inscrita em tal ponto de facto é uma data-valor, determinada pela administração presidida pelo Dr. MC…, com base no relatório da Mazars. Ora, essa data-valor reporta-se ao ano de 2007 e não 2008.
Assim sendo, neste ponto assiste parcialmente razão ao recorrente, sendo certo que, ao abrigo do disposto no artº 380 nº1 al. b) e nº2 do C.P.Penal, cabe a este tribunal proceder à sua correcção, o que ora se determina, passando o ponto 209) da matéria de facto provada a ter o seguinte teor:
 209) Relativamente às entidades indicadas, os montantes de descoberto concedidos sobre as respectivas contas, por determinação dos arguidos OC…, LC… e FS…, até 30 de Junho de 2007, são os seguintes:
- SOLRAC FINANCE, conta nº …, montante de 99.669.144,74€;
- JARED FINANCE, conta n° …, montante de 40.336.918,15€;
- RELTONIA FINANCE, conta n° …, montante de 8.929.389,82€;

ix. Finalmente, no que concerne aos apontados erros quanto aos valores constantes nesses pontos, cuja reapreciação probatória foi pedida:

A. O tribunal “a quo” fundamentou, nos seguintes termos, o apuramento a que procedeu:
A prova do facto 207º da pronúncia resulta da análise conjugada da base de dados constante do Apenso informático 33 – 11\CD DADOS1\B 02.04.2009\Insular\MOV 0132-CDO, da análise das transacções “fora do balanço” do Banco Insular da autoria da já identificada testemunha PS… (v. vol. 18 dos autos principais, fls. 7436 a 7444, págs. 334 a 342 pdf) e das explicações prestadas pelo mesmo em sede de audiência de julgamento quanto ao valor em questão (v. facto provado 200). «Mais uma vez se salienta que o valor de mais de € 20 mil milhões, não corresponde a qualquer desvio, antes ao valor das transacções/movimentos entre contas localizadas no balcão 2001, ou seja, contas que estavam “fora do balanço” (não consolidadas e objecto de reporte às autoridades de supervisão).
O facto 208º da pronúncia nada mais é do que um resumo dos factos precedentes (conclusivo) e, além do mais, encerra matéria de direito (“violação das normas de contabilidade”).
Por conseguinte o mesmo não foi levado à materialidade provada ou não provada.
*
Passando do geral para o concreto, entra-se, agora, na análise mais pormenorizada das contas abertas no balcão “fora do balanço” (arts. 209º a 211º da pronúncia).
No balcão fora do balanço, balcão 2 ou 2001 ou Porto, foram abertas 4335 contas de Clientes que estão identificadas por remissão para fls. 7436 e seguintes do vol. 18 dos autos principais.
Estas contas podem ser elencadas nos termos seguinte:
A conta da Solrac Finance de ligação entre o balcão 2001 e o balcão 2000 (v. factos provados 201, al. a) e 202, al. A)).
Esta conta é a que acabou de ser analisada, remetendo-se, por isso, para a motivação supra, decorrendo dessa análise a prova da factualidade em causa.
Seis contas de sociedades offshore cujo último beneficiário é a SLN destinadas a depósito de fundos;
Nestas, incluem-se a Davco, a Ediana, a Talcott, a Varona, a Aldine e a Rivagal.
Comum, a todas elas, é que o último beneficiário das mesmas eram a Multiarea ou a Marazion (sociedade “mãe” das offshores do grupo) que, por sua vez, como vimos supra (v. tema “offshores”) sempre teve por último beneficiário a SLN ou sociedades participadas por esta em termos maioritários:
Davco:
«- Apenso 33: F:\4910\1-Anexo A\TRAT\1\PC-Dr.-P…\DOCS\C\Documents and Settings\g003314\Os meus documentos\proj césar\Declarações de Trust\25 _ Davco Systems International Ltd _ Declarações de Trust.pdf (declaração de trust, em inglês – último beneficiário: Marazion); v. tradução vol. 134 autos principais, págs. 42203 a 42205;
Ediana:
-   Apenso 33: F:\4910\1-Anexo A\TRAT\1\PC-Dr.-P…\DOCS\C\Documents and Settings\g003314\Os meus documentos\proj césar\Declarações de Trust\28 _ Ediana International SA _ Certificado de Acções.pdf (documento na língua inglesa – v. tradução vol. 134 autos principais, págs. 42209 a 42211) – acções ao portador, porém, noutros documentos o portador das acções é identificado como sendo: (1) Multiarea e (2) depois a Marazion, sendo que estas duas últimas sociedades não residentes, como vimos supra, eram do grupo BPN/SLN:
- Apenso 33: E:\4910\30\Apagados\288\WK1\Ficheiros eliminados\C\L…\1. Grupo SLN\SLN\Dossier Permanente\01_Organização\1.4_Sociedades Off.Instrumentais;
- Apenso 33: E:\4910\1-Anexo A\CAIXAS CORREIO\TRAT\2\Portatil\CAIXAS DE CORREIO\2 outlook.ost\Itens enviados\Projecto Cesar - Grupo .msg|28 - Ediana International SA.xls
Talcott:
-   Apenso 33:F:\4910\1-AnexoA\TRAT\1\PC-Dr.-P…\DOCS\C\Documents and Settings\g003314\Os meus documentos\proj césar\Declarações de Trust\82 _ Talcott Finance LLC _ Declarações de Trust.pdf (declaração de trust, em inglês – último beneficiário: Marazion); v. tradução vol. 134 autos principais, págs. 42332 a 42335;
«Varona:
-   Apenso 33: F:\4910\1-Anexo A\TRAT\1\PC-Dr.-P…\DOCS\C\Documents and Settings\g003314\Os meus documentos\proj césar\Declarações de Trust\88_ Varona Investments LLC _ Declarações de Trust.pdf (documento em língua inglesa – v. tradução fls. 43342 do vol. 134 dos autos principais) – acções ao portador, porém, nalguns documentos o detentor das acções vem referido como sendo o próprio BPN ou a Marazion:
- Apenso 33: E:\4910\30\Apagados\288\WK1\Ficheiros eliminados\C\L…\1. Grupo SLN\SLN\Dossier Permanente\01_Organização\1.4_Sociedades Off.Instrumentais;
- Apenso 33: E:\4910\11\CD Dados 2\Grupo\2008\Outras Análises\O - 11_2008\88 - Varona Investments Limited.xls;
Apenso33:E:\4910\1AnexoA\4\DDOP0047\C\DocumentsandSettings\g000294\Definiçõeslocais\Application Data\Microsoft\Outlook\outlook.ost|000004C3|88 - Varona_ Ficha.xls;
Aldine:
-   Apenso 33: F:\4910\1-Anexo A\TRAT\1\PC-Dr.-P…\DOCS\C\Documents and Settings\g003314\Os meus documentos\proj césar\Declarações de Trust\3 _ Aldine Services Limited _ Certificado de Acções.pdf (documento em língua inglesa – v. tradução fls. 42161 e 42162 do vol. 134 dos autos principais) – acções ao portador, no entanto, nalguns documentos o possuidor das acções está referido como sendo a Marazion:
- Apenso 33: F:\4910\1-Anexo A\TRAT\1\PC-Dr.-P…\DOCS\C\Documents and Settings\g003314\Os meus documentos\proj césar\Declarações de Trust\3 _ Aldine Services Limited _ Certificado de Acções.pdf;
- Apenso 33: E:\4910\1-Anexo A\TRAT\1\PC-Dr-P…\DOCS\C\RECYCLER\S-1-5-211708537768-1004336348-725345543-5111\3 - Aldine _ Ficha.xls «Rivagal:
-   Apenso 33:F:\4910\1-Anexo A\TRAT\1\PC-Dr.-P…\DOCS\C\Documents and Settings\g003314\Os meus documentos\proj césar\Declarações de Trust\73 _ Rivagal Holdings Limited _ Certificado de Acções.pdf (documento em língua inglesa; v. tradução a fls. 42311 a 42312 do vol. 134 dos autos principais) – certificado de acções; o beneficiário é a sociedade Ravura com a titularidade de 2.000 acções da Rivagal, havendo, por sua vez, documento a indicar que o último beneficiário daquela é a Marazion;
- Apenso 33: E:\4910\11\CD Dados 2\Grupo de Trabalho - Projecto César\Grupo G\039_Jared Finance LLC\039_Jared_Relatório Preliminar.doc;
«Comum também a todas estas sociedades é o facto de as mesmas nunca terem tido saldos negativos nas contas “fora do balanço”, i.e., no balcão 2001, sendo que, no mais, a análise dos extractos de contas destas sociedades no CD 13 permite concluir que estão correctos os n.ºs de conta e os valores (somatório dos débitos = somatório dos créditos) constantes da al. b) do art. 210 da pronúncia (v. factos provados 201, al. b) e 202, al. B)); 
(iii) 57 contas com contas correntes caucionadas associadas, sendo 48 sociedades offshore da SLN, e uma outra, a alfanumérica A1, pertencente ao arguido OC…;
Vinte cinco das sociedades indicadas na al. c) do art. 210º da pronúncia têm como último beneficiário a Marazion (sociedade “mãe” das sociedades offshore do grupo) que, por sua vez, como vimos supra (v. tema “offshores”) sempre teve por último beneficiário a SLN ou sociedades participadas por esta em termos maioritários:
Indicam-se, por facilidade, as traduções das declarações de trust:
1) Kemusa (autos principais, vol. 134, fls. 42239 a 42241);
2) Quila (autos principais, vol. 134, fls. 42295 a 42296);
3) Zala (autos principais, vol. 134, fls. 42352 a 42354);
4) Rador (autos principais, vol. 134, fls. 42298 a 42299);
5) Jamaki (autos principais, vol. 134, fls. 42224 a 42225);
6) Ricia (autos principais, vol. 134, fls. 42310);
7) Acle (autos principais, vol. 134, fls. 42158);
8) Marton (autos principais, vol. 134, fls. 42258 a 42260);
9) Camden (autos principais, vol. 134, fls. 42192 a 42196);
10)Resia (autos principais, vol. 134, fls. 42307);
11)Seaford (autos principais, vol. 134, fls. 42314 a 42316);
12)Karam (autos principais, vol. 134, fls. 42232 a 42234);
13)Mardell (autos principais, vol. 134, fls. 42255 a 42257);
14)Merfield (autos principais, vol. 134, fls. 42262 a 42263);
15)Shelina (autos principais, vol. 134, fls. 42321 a 42322);
16)Arles (autos principais, vol. 134, fls. 42174 a 42176);
17)Kilarnock (autos principais, vol. 134, fls. 42245);
18)Yarak (autos principais, vol. 134, fls. 42351);
19)Bayanon (autos principais, vol. 134, fls. 42182 a 42184);
20)Redshield (autos principais, vol. 134, fls. 42304);
21)Sevilen (autos principais, vol. 134, fls. 42318 a 42320);
22)Monialla (autos principais, vol. 134, fls. 42263 a 42264);
23)Webster (autos principais, vol. 134, fls. 42346 a 42348);
24)Tammo (autos principais, vol. 134, fls. 42236 a 42237);
Outras das sociedades das identificadas na al. c) do art. 210 têm certificado de acções ao portador, designadamente as seguintes: 
25)Jespersen (vol. 134, fls. 42232);
26)Jazey (vol. 134, fls. 42231 e 42232);
27)Kinasol (vol. 134, fls. 42247);
28)Invesco (vol. 134, fls. 42223);
29)Fika (vol. 134, fls. 42215);
30)Wishlan (vol. 134, fls. 42349);
31)Almeria (vol. 134, fls. 42164);
32)Marbay (vol. 134, fls. 42255);
33)Ozni (vol. 134, fls. 42294);
34)Kelstone (vol. 134, fls. 42239);
35)Kerin (vol. 134, fls. 42342);
Porém, no mail remetido a 29.10.2003 por PC… a IM… com um anexo em excel que constitui uma lista de sociedades offshore constituídas pela Planfin (v. apenso informático 33 - F:\4910\30\Mail\287\C\CFGA\POSTOS DE TRABALHO\CA…\D\CMA\IC…\ C\ 5 archive24082004.pst\CFGA\ASSUNTOSINTERNOS\ Representação Outras sociedades\SNRESIDENTES\Lista de sociedades.msg – lista criada a 14.1.2003 e com a última modificação a 30.10.2003), vê-se que as sociedades mencionadas nos pontos 26) a 33) e 35) e 36) têm como último beneficiário a Marazion.
A Ozni (34) tem como último beneficiário a Twill, enquanto esta tem como último beneficiário a Marazion, o que equivale a dizer que a Ozni é detida indirectamente pela Marazion.
Não se vislumbraram nos autos as declarações de trust ou certificados de incorporação das seguintes sociedades: 
36)Bircheview;
37)Birdama;
38)Chaney;
39)Audel;
40)Shawcliffe;
41)Swiss Finance;
42)Baradine;
43)Chapelmoor;
44)Bridgedown;
No entanto, na mesma lista acabada de mencionar, as sociedades identificadas nos pontos 40 a 43 têm indicado como último beneficiário a Marazion.
As restantes, se é certo que têm indicação de último beneficiário a Audel, não é menos certo que esta última também tem indicado como último beneficiário a Marazion, o que significa que são detidas indirectamente pela Marazion.
Quanto à: 
45)Caplew:
«A fls. 42197 do vol. 134 dos autos principais, no extracto de registo comercial, tem como único accionista a Monialla.
Porém, esta última, naquela lista também tem como último beneficiário a Marazion, o que significa que a Caplew é detida indirectamente por esta sociedade.
É sabido, como já foi demonstrado, que no âmbito de uma prestação de serviços, a Planfin fazia o controlo das sociedades instrumentais do grupo BPN/SLN.
Ou seja, ia mantendo uma base de dados actualizada das sociedades offshore instrumentais do grupo SLN/BPN.
Por isso, não há qualquer motivo para duvidar quanto à veracidade dos dados constantes da já referida lista.
Sintomático disso é, por exemplo, a circunstância de nos autos a declaração de trust da Kayes indicar como último beneficiário a Datacomp, o que também acontece na mencionada lista.
Relativamente à:
46)Rishona:
Esta sociedade não residente integrava o universo de sociedades não residentes do universo da SLN
- Apenso 33 – 30\285\D1\C\DocumentsandSettings\ANAV\Os meus documentos\Porto\Base de dados (version 1)xls ou Bragas10, pág. 45 – A Rishona tem por último beneficiário a Multiarea que, por sua vez, tem por última beneficiária a Planfin;
- Apenso de busca 7, doc. 53.03, págs. 2 a 6 ou apenso AL, págs. 30 a 32 – 17.07.2002 – Listagem de sociedades offshore instrumentais que inclui, além do mais, a Rishona tendo por beneficiária a MARAZION que por sua vez, como vimos supra, tinha por beneficiário sociedades detidas, de forma directa ou indirecta, maioritariamente pela SLN;
No que concerne à: 
47)Tillan:
No âmbito do Projecto César apurou-se que o accionista/beneficiário desta sociedade é o Banco Insular:
- Apenso informático 33: E:\4910\1-Anexo A\TRAT\1\PC-Dr.-P…\DOCS\C\Documents and Settings\g003314\Os meus documentos\proj césar\fichas\86 - Tillan _ Ficha.xls;
Ora, como já vimos até à exaustão, o Banco Insular, pelo menos materialmente, pertencia ao grupo SLN/BPN, até porque, como sobredito, a sociedade offshore que adquiriu aquela instituição, designadamente a Insular Holdings, era detida por um fiduciário, o arguido JV….
Como tal, pelo menos de forma indirecta, também a sociedade offshore Tillan pertencia ao grupo SLN/BPN.
Prosseguindo:
48)Erei – Excellence Real Estate Invest. B.V.:
No âmbito do Projecto César apurou-se que o seu último beneficiário era a Dual Commerce & Services Limited: 
- E:\4910\1-Anexo A\TRAT\1\PC-Dr.-P…\DOCS\C\Documents and Settings\g003314\Os meus documentos\proj césar\fichas\30-EREI_Ficha.xls.
Por outro lado, também se apurou que o último beneficiário da sociedade Dual Commerce & Services Limited era a Marazion (sociedade “mãe” das sociedades não residentes do grupo SLN).
Por conseguinte, também por via indirecta, a EREI, pertence ao grupo SLN/BPN:
«- Apenso informático 33: E:\4910\1-Anexo A\TRAT\1\PC-Dr.-P…\DOCS\C\Documents and Settings\g003314\Os meus documentos\proj césar\fichas\27-Dual _ Ficha.xls;
Quanto às demais:
49)Oardale – o arguido RO… assumiu em julgamento que era o último beneficiário; 
50)Kayes - não há evidência documental/testemunhal que seja do grupo SLN/BPN; 
51)Interstal - não há evidência documental/testemunhal que seja do grupo SLN/BPN; 
52)Bali - não há evidência documental/testemunhal que seja do grupo SLN/BPN; offshore alegadamente pertencente ao arguido RO… (neste sentido, declarações das testemunhas PS… e Ajo…); 
53)Bremonhill - não há evidência documental/testemunhal que fosse do grupo SLN/BPN nos anos de 2000 a 2004; 
54)Classical - não há evidência documental/testemunhal que seja do grupo SLN/BPN; pelo contrário, o último beneficiário da sociedade não residente é o arguido OC… (neste sentido, declarações das testemunhas EG… e SN…, ambas inspectoras tributárias; o arguido OC… na notificação judicial avulsa constante do vol. 68 dos autos principais, fls. 23529 e segs., assume-se como o último beneficiário da mesma); 
55)Breslan - não há evidência documental/testemunhal que seja do grupo SLN/BPN; o arguido LC… em sede de julgamento assumiu que era o último beneficiário da sociedade; 
56)Zemio – não há evidência documental/testemunhal que seja do grupo SLN/BPN; o último beneficiário é o arguido OC… (neste sentido, declarações da testemunha PS…, inspector tributário; v. também doc. 54.7 constante da pasta 181 da busca 7); 
57)Freeman Properties - não há evidência documental/testemunhal que seja do grupo SLN/BPN (no Projecto César foi apurado que o seu último beneficiário é ME… – v. apenso 33: E:\4910\1-Anexo A\TRAT\2\Portatil\CAIXAS DE CORREIO\Portatil-TOZE\D\Documents and Settings\g000294\Definições locais\Application Data\Microsoft\Outlook\outlook.ost|0000044A|24- Darna_Ficha.xls)
Posto isto: 
1) Ao contrário do que consta do art. 209º, al. c) da pronúncia, no art. 210º, al. c) não estão elencadas 60 offshores, mas sim 59, sendo que duas delas (Audel e Bircheview) estão repetidas, portanto, o n.º correto é 57 (v. facto provado 201, al. c) e facto não provado 62); 
2) Não são 59 offshores da SLN, mas apenas 48 (v. facto provado 201, al. c) e facto não provado 62); 
O que se deixa dito não implica nenhuma alteração ao art. 210º, al. c) da pronúncia, pois, todas aí elencadas não deixam de ser contas correntes caucionadas abertas no balcão fora do balanço (2001) – v. facto provado 202, al. c).
«Quanto à conta A1, é inquestionável que a mesma pertencia ao arguido OC… como se demonstrará infra e para cuja fundamentação se remete.
 (iv) Sete contas cujos titulares estão relacionadas com a SLN e que concedem crédito sob a forma de descoberto á ordem; 
1) Reltonia: 
No âmbito do Projecto César apurou-se que os últimos beneficiários são SA… e esposa, o primeiro, cliente do grupo, e que a sociedade foi constituída para a subscrição de Acções da SLN SGPS, o que veio a ocorrer, mediante financiamento bancário, nunca tendo sido pago o capital e juros, ascendendo a dívida, em 2008, a mais de 10 milhões de euros. 
2) Solrac:
«Supra, no âmbito do tema “offshores” (factos 71º a 76º da pronúncia), já nos pronunciamos sobre esta sociedade, remetendo-se, por isso, para a respectiva motivação da qual decorre, em resumo, que a Solrac, no Banco Insular, sucedeu à Venice, no BPN Cayman, tendo esta transferido para aquela o seu passivo em várias tranches.
Aliás, o último beneficiário da Solrac é a Marazion, logo, a sociedade, à semelhança de outras que vimos supra, é da SLN (v. declaração de trust traduzida – vol. 134 dos autos principais, págs. 42330 e 42331). 
3) Jared: 
A propósito do mesmo tema das “offshores” também nos debruçamos sobre esta sociedade e, por isso, igualmente se remete para a respectiva fundamentação da qual resulta, em suma, que esta sociedade servia de “central de custos” do grupo SLN/BPN.
O último beneficiário da Jared é a Marazion (v. declaração de trust traduzida a fls. 42227 e 42228 do vol. 134 dos autos principais), logo, também esta sociedade é da SLN. 
4) Barwell:
Sociedade pertença da SLN, uma vez que o último beneficiário é a Marazion (v. declaração de trust traduzida a fls. 42179 a 42181 do vol. 134 do processo).
De acordo com o apurado no Projecto César esta sociedade interveio na aquisição da “Biometrics” de Porto Rico, negócio do grupo SLN/BPN: 
- Apenso informático 33: E:\4910\1-Anexo A\TRAT\1\PC-Dr.-P…\DOCS\C\Documents and Settings\g003314\Os meus documentos\proj césar\fichas\14-Barwell _ Ficha(1).xls; 
5) Aybena:
«Sociedade pertença da SLN, uma vez que o último beneficiário é a Marazion (v. declaração de trust traduzida a fls. 42178 a 42179 do vol. 134 dos autos principais).
Como resulta do memorando enviado pela Planfin (IF…) ao arguido OC… em 2.2.2004, a Aybena teve intervenção em negócios imobiliários do grupo SLN/BPN em parceria com FeC…, accionista da Mergarden: 
- Apenso informático 33: E:\4910\22\TRAT\1\MAIL-FS…\03042005\1fs….nsf\($Sent-Drafts)\Mergarden-operaçõesparaaprovação.msg|planfin memo mergarden.doc; 
6) Ergi Empreendimentos, S.A.: 
Sociedade que está também relacionada com a SLN como resulta do apurado em sede do Projecto César onde, a propósito da Jared e dos proveitos que esta obteve (créditos na sua conta), se escreve:
 “EUR 11.619.605,58 resultantes de uma transferência proveniente de uma conta em BPN Cayman titulada pela sociedade Ravura Services Corp (detida pela Marazion Holdings LLC). Este montante resulta da venda da sociedade Ergi em São Paulo no Brasil, sendo considerado o lucro que não foi contabilizado nas contas. À data da venda, a Ergi Empreendimentos era detida em 20 % pelo BPN S.A. e em 80 % pela Swiss Finance LLC sociedade cujo ultimate beneficial owner é a SLN SGPS S.A.(…).”: 
«- v. apenso informático 33: E:\4910\11\CD Dados 2\Grupo de Trabalho - Projecto César\Grupo G\039_Jared Finance LLC\039_Jared_Relatório Preliminar.doc;
7) RMa…: 
Pessoa singular, de facto, relacionada com o grupo SLN/BPN (v. factos provados da pronúncia 11, 29, 38, 39, 43, 44, 46, 47 e motivação subjacente e v. razão de ciência “supra”, ponto 2.11.) de onde se extrai que foi sócio da SLN Valor, S.A., inicialmente com uma participação correspondente a € 5.000.000,00, posteriormente aumentada para € 7.000.000,00 na sequência do aumento de capital de 30.12.2003.
O seu relacionamento com o grupo, porém, foi mais vasto, uma vez que teve participação na venda da SLN Imobiliária à Camden (v. factos 433 e segs. da pronúncia), negócio e materialidade que será aferida posteriormente, remetendo-se, desde já, para a respectiva fundamentação. 
Do que se deixa dito resulta demonstrado o constante dos arts. 209º, al. d) e 210º, al. d) da pronúncia (v. factos provados 201, al. d) e 202, al. d)). 
Quanto às restantes contas a que se refere a mesma factualidade (v. facto provado 201, als. e) a g)):  
(v) Cento e setenta e nove contas sem qualquer movimento; e
(vi) Quatro mil e oitenta e uma contas de depositantes BPN CAYMAN e BPN IFI.
 A respectiva prova resulta da seguinte documentação: 
- Processo, vol. 18, fls. 7436 a 7444, págs. 334 a 342 – Informação da testemunha PS… com análise das transacções realizadas fora do balanço do Banco Insular;
- Processo, vol. 18, fls. 7445 a 7448, págs. 343 a 346 – Anexo 1 à informação da testemunha PS… com a relação das cento e setenta e nove contas sem qualquer movimento;
- Processo, vol. 18, fls. 7449, pág. 347 – Anexo 2 à informação da testemunha PS… com conta de eventual erro de lançamento;
- Processo, vol. 18, fls. 7450 a 7535, págs. 348 a 442 – Anexo 3 à informação da testemunha PS… com relação de contas de depositantes BPN Cayman e BPN IFI;
- Apenso informático 33 – 11\CD DADOS1\B 02.04.2009\InsularMOV 0132-CDO – Base de dados que contém todas as transacções que afectaram contas à ordem de clientes do Banco Insular e de fora do balanço;
- CD 13 dos autos – nele, é possível aferir casuisticamente todos os extractos de conta das sociedades/pessoas singulares discriminadas na referida factualidade;
- Processo, vol. 18, fls. 7436 e segs – relação das 4335 contas de clientes abertas no Banco Insular no balcão 2, 2001 ou Porto, i.e., fora do balanço;
Refira-se: 
Os relatórios em causa da identificada testemunha contêm erros, designadamente na parte em que identificada 58 offshores do grupo SLN/BPN, aliás, sem justificar porque pertenciam ao grupo, limitando-se a acusação e a pronúncia a fazer acriticamente um “copy/paste” dos quadros/relatórios.
Os erros em causa, como resulta da motivação supra, foram corrigidos nas partes respectivas na sequência da análise casuística de cada uma das sociedades offshore indicadas nos mesmos quadros/relatórios. 
Por sua vez, a prova do constante no art. 211º da pronúncia (v. facto provado 203) resulta da já referida listagem de contas constante do anexo 3 à informação de fls. 7436 e que, basicamente, corresponde a parte da operacionalização do Banco Insular, designadamente do processo de “funding” e “revolving” a que supra já se fez referência e foi devidamente caracterizado, remetendo-se, por conseguinte, para a respectiva fundamentação de facto.
*
Fechando o ciclo em questão, entra-se, de seguida, no subtema do “crédito concedido fora do balanço” (arts. 212º a 219º da pronúncia). 
Diga-se, desde já, que os “erros” supra apontados também terão implicações em sede de materialidade provada e não provada relativa a este subtema, designadamente na factualidade constante dos artigos 213º e 214º da pronúncia. 
Posto isto, dir-se-á: 
No Balcão 2, ou 2001, ou Porto, ou balcão fora do balanço, foi concedido crédito sob a forma de c/c/c (conta corrente caucionada) no montante de € 537.669.721,00 a 57 sociedades offshore, 48 da SLN e à conta A1 (v. factos 213º a 215º da pronúncia; v. factos provados 205 a 207 e factos não provados 63 a 65). 
A análise casuística dos valores constantes do art. 215º da pronúncia é possível ser feita através dos extractos das contas correntes caucionadas de cada uma das sociedades identificadas e da conta A1, extractos constantes da base de dados do CD 13 (base de dados das contas do BPN Cayman e do Banco Insular). «Os valores somados perfazem o montante global de € 537.669.721,00 (a pronúncia menciona no art. 215º mais 96 cêntimos o que resultará de manifesto lapso).
No mesmo balcão, foi, ainda, concedido crédito sob a forma de descoberto à ordem a (i) Reltonia Enterprises (detentora de acções da SLN - € 8.929.389,82), à (ii) Solrac Finance Inc. (sucessora da Venice - € 99.669.144,74 correspondente à seguinte operação: 100.386.300,49 – 717.155,75; note-se que a conta em questão da Solrac tinha duas sequências), à (iii) Jared Finance (central de custos - € 40.336.918,15) a (iv) RMa… (€ 2.000.000,00), à (v) Barwell Holdings Ltd. (€ 5.948.072,99), à (vi) Aybena Holdings (€ 378.028,31) e à (vii) Ergi Empreendimentos, S.A. (€ 32.693.315,93) no montante global de € 187.954.869,94.
Assim, o montante global de crédito concedido no balcão 2 ou 2001 ou Porto foi de € 725.624.590,94 (€ 537.669.721,00 correspondente à soma dos valores constantes do facto provado 207 + € 187.954.869,94 correspondente à soma dos valores ora mencionados), impondo, consequentemente, aquele valor global a correcção do facto 218º da pronúncia correspondente ao facto provado 210 (v. também facto não provado 66).
No que concerne a este facto não provado (66) na parte em que se afirma a não participação/colaboração do arguido JV… na concessão de crédito no balcão 2, i.e., fora do balanço, remete-se para a motivação que infra será desenvolvida e que sustenta a conclusão ora obtida.
Assim sendo, também não poderá ser incluída a participação deste arguido no que está descrito no art. 219º da pronúncia (v. facto provado 211 e não provado 68).
Além do mais regista-se que houve parte dos montantes em dívida que foram pagos, isto na medida em que transitavam do balcão 2 (fora do balanço) para o balcão 1 (dentro do balanço).  
O que se deixa exposto (com as correcções evidenciadas) e sem prejuízo do que, em complemento, infra se dirá, resulta da seguinte documentação: 
- CD, vol. 13 – Base de dados da qual constam todas as contas do Banco Insular;
«- Processo, vol. 18, fls. 7436 a 7444, págs. 334 a 342 – Análise das transacções fora do balanço do Banco Insular da autoria da testemunha PS…;
- Processo, vol. 18, fls. 7536 a 7543 págs. 435 a 442 – Anexo 4 à informação de PS… com movimentos a débito em c/c/c/ abertas no balcão virtual;
- Apenso 33 – 11\CD DADOS1\B 02.04.2009\InsularMOV 0132-CDO – Base de dados que contém todas as transacções que afectaram contas à ordem de clientes do Banco Insular dentro e fora do balanço;
- Apenso 33 – 11\CD DADOS1\B 02.04.2009\InsularMOV 0132-CCC – Ficheiro que contém todo o crédito concedido pelo Banco sob a forma de c/c/c/;
- Processo, vol. 108.1, fls. 35167 a 35169, págs. 125 a 128 – Cálculos do crédito global, contas correntes caucionadas e descoberto, concedido no balcão virtual do Banco Insular feitos por Ajo… com indicação da metodologia utilizada;
Como já foi referido, o funding destas operações de crédito foi obtido mediante as 4081 contas de depósitos a prazo de clientes do BPN Cayman:
- Processo vol. 18, fls. 7450 a 7535, págs. 348 a 432 – Relação das contas do BPN Cayman e do BPN IFI que deram funding ao balcão 2000 com indicação do respectivo número, valor e titular; 
Conclui-se, pois, que através do Balcão 2, ou 2001, ou Porto, estrutura paralela cujos registos contabilísticos não eram levados ao balanço do Banco Insular e, assim, não eram objecto de reporte às autoridades de supervisão, os arguidos OC…, LC… e FS…, com a colaboração de LM… e LAl… (a colaboração destes será infra analisada, remetendo-se, por isso para a respectiva fundamentação), fizeram conceder o montante global de crédito de 725 milhões de euros (quanto aos primeiros 3 arguidos) e de, pelo menos, 537 milhões de euros (quanto aos 2 últimos arguidos – note-se que, relativamente aos arguidos LM… e LAl… a pronúncia lhes imputa o valor de crédito concedido através de contas correntes caucionadas – art. 212º da pronúncia - e já não a parte dos créditos concedidos sob a forma de descoberto à ordem – arts. 218º e 219º da pronúncia) que, assim, foi tornado oculto e, parte, incobrável.
A administração da SLN, SGPS liderada por MC…, face designadamente às conclusões do relatório da MAZARS, deu instruções para que, com data-valor de 30.06.2007, fossem integrados, provisoriamente, no BPN Cayman os créditos de cerca 390 milhões de euros correspondentes aos créditos do balcão virtual, balcão 2, 2001 ou Porto do Banco Insular, e, semelhantemente, deu também instruções para que, com referência a 30.06.2007, fossem registados no BPN IFI e no BPN Cayman os depósitos de clientes no mesmo balcão do Banco Insular por contrapartida do “descoberto” na conta do Banco Insular naqueles dois bancos:
«- Autos principais, vol. 18, fls. 7544 a 7549, págs. 342 a 347 – 01.09.2008 - Anexo 5 à informação de PS…, constituído por nota interna de MF… da administração da SLN para o conselho de administração do BPN, SGPS que refere as instruções de MC… no sentido de os créditos do balcão virtual serem integrados no BPN CAYMAN e os depósitos de Clientes no mesmo balcão retornarem às suas origens no BPN CAYMAN e no BPN IFI por débito nas contas nostro do BI.
Por outro lado, note-se que, aquando da venda do BPN nacionalizado ao BIC, foram cedidos à PARVALOREM os seus activos tóxicos ao seu valor nominal o que constitui argumento formal da defesa dos arguidos segundo o qual o BPN, afinal, não teve prejuízo, como se tais activos não fossem activos tóxicos cuja cobrabilidade era nenhuma ou muito reduzida:
«- Processo, vol. 149, fls. 46.407 a 46462, págs. 95 a 150 – Informação prestada pela Parvalorem e contratos de cessão de créditos entre o BPN e a Parvalorem da conta A1, das entidades referidas no artigo 215º da pronúncia, da Solrac Finance, da Jared Finance e da Reltonia, com excepção da Bali, Baradine, Birchriew, Birdana, Bridgedown, Chaney, Chapelmoor, Interstal, Jazey, Kelstone, Oardale, Ozni, Rishona, Shawcliffe, Swiss Finance e Zemio, entidades estas que, à data, não eram devedoras da Parvalorem;
Por fim, cabe referir que através do Balcão 1 (2000 ou Lisboa) do Banco Insular, ou seja, o balcão cujos registos contabilísticos eram comunicados às autoridades de supervisão de Cabo Verde os arguidos OC…, LC…, FS… e JV… concederam crédito sob a forma de conta corrente caucionada num montante global de € 1.005.000.000,00 e de USD 205.000.000,00, o que resulta das bases de dados e documentação mencionada, bem como da análise dos extractos de conta do CD 13 domiciliadas no balcão 1 ou 2000 do banco insular.
Aqui, refira-se, ao contrário do que acontecia com o balcão 2 (2001 ou Porto), já é inequívoca a participação do arguido JV… (infra será desenvolvida a motivação), na medida em que o mesmo aprovava em sede do Conselho de Administração do Banco Insular, pelo menos formalmente, os créditos concedidos, outorgando posteriormente os respectivos contratos de mútuo, pelo menos também formalmente (v. facto provado 212).»

B. Na sua impugnação, o recorrente alega:
a. Ausência de discriminação dos valores resultantes da sua actividade, face à data aposta no ponto 209 (30 de Junho de 2008).
Essa questão já se mostra esclarecida no ponto anterior.

b. Que o montante total do crédito concedido julgado como provado no valor de “725 milhões de euros” (facto provado 210), não corresponde à soma aritmética das parcelas discriminadas nos pontos 205 e 207 da matéria de facto provada (537.669.721,00+99.669.144,74€+40.336.918,15€+8.929.389,82€), pois daí resultaria € 686.605.173,71, e não “725 milhões de euros”.

b. Vejamos.
O recorrente labora aqui em erro, pois as parcelas a adicionar, para efeitos do apuramento que consta no facto provado 210) não são apenas as que refere.
Efectivamente, o tribunal “a quo” esclarece que atendeu aos seguintes valores - soma da parcela € 537.669.721,00 + a parcela € 187.954.869,94 - e explica porque razão assim entendeu:
No mesmo balcão, foi, ainda, concedido crédito sob a forma de descoberto à ordem a (i) Reltonia Enterprises (detentora de acções da SLN - € 8.929.389,82), à (ii) Solrac Finance Inc. (sucessora da Venice - € 99.669.144,74 correspondente à seguinte operação: 100.386.300,49 – 717.155,75; note-se que a conta em questão da Solrac tinha duas sequências), à (iii) Jared Finance (central de custos - € 40.336.918,15) a (iv) RMa… (€ 2.000.000,00), à (v) Barwell Holdings Ltd. (€ 5.948.072,99), à (vi) Aybena Holdings (€ 378.028,31) e à (vii) Ergi Empreendimentos, S.A. (€ 32.693.315,93) no montante global de € 187.954.869,94.” «Assim, o montante global de crédito concedido no balcão 2 ou 2001 ou Porto foi de € 725.624.590,94 (€ 537.669.721,00 correspondente à soma dos valores constantes do facto provado 207 + € 187.954.869,94 correspondente à soma dos valores ora mencionados), impondo, consequentemente, aquele valor global a correcção do facto 218º da pronúncia correspondente ao facto provado 210 (v. também facto não provado 66). «o montante global de crédito concedido no balcão 2 ou 2001 ou Porto foi de 725.624.590,94 (€ 537.669.721,00 correspondente à soma dos valores constantes do facto provado 207 + € 187.954.869,94 correspondente à soma dos valores ora mencionados), impondo, consequentemente, aquele valor global a correcção do facto 218º da pronúncia correspondente ao facto provado 210 (v. também facto não provado 66).).
Tratou-se de uma das várias rectificações que efectuou, relativamente ao que constava no relatório realizado pela testemunha PJ…, da AT de Braga (fls. 7436 a 7444, do Vol. 18 dos presentes autos), face à restante prova que foi produzida nos autos e que igualmente elenca e analisa criticamente, como resulta da motivação supra transcrita.
Daqui decorre que a crítica que o recorrente dirige ao decidido se mostra infundada, sendo que os montantes relativos a todas as entidades tidas em consideração para efeitos de apuramento do valor total de descobertos se mostram descritas no ponto 202) dos factos provados provenientes da pronúncia.
Assim, não se vislumbrando erro no cálculo realizado pelo tribunal “a quo”, não se impõe a alteração do montante de € 725.624.590,94.

c.
i. O recorrente invoca a questão da consolidação anual, não realizada, discutida no processo de contra-ordenação n.º …/…/CO.

ii. E afirma que a inexistência de um documento de onde se extraia, de forma clara, a evolução do volume do crédito concedido através do Banco Insular em 31 de Dezembro de cada ano, desde 2001 até 2008, com discriminação do valor relativo ao balcão “dentro” e “fora de balanço”, impede a análise de qualquer relação de causa efeito entre as alegadas intenções que existiriam, ou não, de pagar um crédito e a sua passagem para o balcão “fora de balanço”.

iii. Entende ainda que, da análise do CD 13 resulta que a Jared Finance e a Reltonia Finance apresentavam um saldo devedor de 0,00 euros, em 30 de Junho de 2008.
Não obstante, faz referência ao depoimento da testemunha Ajo…, bem como aos documentos por si juntos a fls. 35.165 e seguintes, do Vol. 108 dos autos principais, de onde resulta – contrariando o número avançado na pronúncia - que o volume total do crédito concedido pelo Banco Insular “fora de balanço” entre 2003 a 30.06.2008 foi de:
a) CCC = 537.569.721,96€;
b) Soma das CCC e descobertos à ordem = 689.605,174,67€.

c. Apreciando.

i. No que concerne à consolidação que o BdP terá entendido que deveria ser realizada, ao longo dos vários anos de funcionamento do BI e que efectivamente não foi feita, constata-se que tal matéria não é a que aqui se mostra em apreciação, nestes pontos factuais, pois o que aqui se cuida de analisar são os elementos probatórios que permitiram o apuramento dos concretos descobertos concedidos sob a forma de conta corrente caucionada e créditos concedidos sob a forma de descoberto à ordem, às entidades que no presente processo se mostram em análise. Não tem por isso, essa questão da consolidação, relevo para efeitos de apuramento de algo de natureza não similar e que, além do mais, se prende com questões que aqui se não apreciam.

ii. No que se refere à inexistência de um documento que ateste a evolução do volume de crédito, ao longo dos anos, concedido pelo Banco Insular, começará por se dizer que, se ele inexiste, foi desde logo porque o arguido decidiu não proceder a uma contabilidade verdadeira e fidedigna, no que se refere às operações processadas por esta instituição bancária, optando pela manipulação de tal base de dados. Mas adiante.
Sucede, todavia, que não é a evolução do volume de crédito que aqui está em questão. Não cabe, nestes autos, a realização de uma auditoria aos volumes de crédito concedidos pelo Banco Insular, como aliás já se referiu em sede de apreciação dos recursos intercalares que o arguido interpôs e que se debruçam sobre tal matéria e para os quais remetemos (vide supra IV. Fundamentação, §. Recursos interlocutórios)
Assim, a inexistência de um documento único englobador da evolução de crédito, tendo em atenção a factualidade que aqui se apura, mostra-se indiferente para a boa decisão da causa, face aos restantes elementos probatórios existentes nos autos. Na verdade, não cumpre aqui apurar quais os volumes globais de crédito, por ano, relativos à actividade do Banco Insular; o que interessa apurar é em que medida, por quem, porquê, para quê e quando foram retirados fundos desse banco, sob o disfarce de crédito, de descoberto ou de c/c/c/.
O que se pretende apurar – e se apurou – foi se foram retirados, por aqueles meios, quantitativos monetários que não se destinavam a ser pagos pelas entidades a quem foram concedidos, quem deu ordem para que tal sucedesse e qual o propósito para os quais os mesmos foram disponibilizados.
 E, quanto ao apuramento dessa matéria, os elementos probatórios existentes nos autos foram suficientes e adequados a tal fim, sendo certo que, quanto a essa questão, o arguido não aponta incongruências apurativas; apenas se insurge por inexistir o tal documento único englobador…
E, salvo o devido respeito, nem sequer se mostra compreensível em que termos e porque razão é que a inexistência de tal documento impede a análise de qualquer relação de causa efeito entre as alegadas intenções que existiriam, ou não, de pagar um crédito e a sua passagem para o balcão “fora de balanço”. O que importa, neste caso, é saber-se se efectivamente esses “financiamentos” foram passados para o balcão fora do balanço, a mando de quem e se foram pagos. E essa prova mostra-se feita pelos elementos probatórios juntos aos autos, sendo certo que sobre tal questão (a apreciação desses elementos probatórios e as ilações que da sua conjugação foram retiradas pelo tribunal “a quo”) nos debruçaremos infra, na apreciação das questões que o recorrente suscita a esse respeito, nesta sede de reapreciação probatória.

iii. Finalmente, no que concerne ao depoimento da testemunha, ao documento por si junto e às imagens extraídas do CD 13:
a. No que se refere ao conteúdo do depoimento da testemunha acima referida, mostra-se consignado o seguinte na motivação, no que a esta questão importa:
Ajo… (trabalhou vários anos na direcção de operações do BPN e, em 2006, passou para assessor do Conselho de Administração da mesma instituição):
A única diferença entre os balcões 1 e 2, consistia na própria segmentação do output dos balancetes, ou seja, o balcão virtual tinha contabilidade, ou seja, qualquer aplicação/movimento tinha reflexo contabilístico.
Os balancetes, segundo informação de EP…, eram entregues a JV…, a OC… e a FS… (para este entregar a OC…).
A contabilidade do balcão 2 não consolidava na contabilidade do Banco Insular.
O BI ao reportar ao banco central de Cabo Verde tinha que reportar todos os elementos.
Escondia, todavia, do banco central de Cabo Verde uma parte dessa informação.
Em 2008 foram pedidos os reportes enviados pelo Banco Insular ao Banco Central de Cabo Verde e constatou-se que só eram enviadas as informações do balcão 1.
A criação de um balcão numa aplicação bancária teria que ser, em primeiro lugar, informatizado em termos de software pela direcção de informática.
O balcão 2 foi criado em 2003.
Toda a parte operativa do balcão 2 era tratada de igual forma que no balcão 1.
A única diferença é em relação à ordem/instrução que era dada no sentido de ser imputada e tratada informaticamente no balcão 1 ou 2.
Quem informaticamente fez a montagem do balcão 2 foi EP… ou o engenheiro PFe….
Não sabe quem lhes deu orientações no sentido de ser criado um novo balcão no Banco Insular, designadamente o balcão 2.
Quem dava as ordens para que as operações fossem feitas no balcão 2 ou transferidas do balcão 1 para o balcão 2 (a execução foi sempre a direcção de operações que as fez), eram AF…, RP…, OC…, FS… e LM….
As operações imputadas ao balcão 2 foram as que transitaram de Cayman para o balcão 2, operações novas criadas de raiz no balcão 2 e as duas situações dos clientes A1 e de RF….
Confirmou o teor do facto 196º da pronúncia.
A conta da Solrac (conta de comunicação entre balcão 1 e 2) teve movimentos muito elevados.
O total de crédito concedido no balcão 2 foi na ordem dos 900 milhões de euros, independentemente de ter sido amortizado no dia seguinte ou em 2008.
O total de crédito concedido em 2006 no balcão 2 andava na ordem dos 500 a 600 milhões de euros.

b. Como se vê, do seu depoimento não resulta uma análise exaustiva, factual e descriminada de quais os montantes que foram determinados a descoberto, para as entidades em questão nestes autos e para os fins que aqui se apuram.

c. Por seu turno, o documento por esta testemunha junto, aponta para valores que se situam muito próximos dos que se mostram determinados em sede de pronúncia e que foram dados como assentes e arrasa, definitivamente, com a tese da inexistência de dívidas, por parte da Reltonia e da Jared, já que é este o seu conteúdo (fls. 35.169, Vol. 108):

(Imagem removida)

d. E, também neste documento se constata a omissão de consideração dos descobertos relativos às entidades Aybena Holdings e Ergi Empreendimentos (vide ponto 202) D dos factos provados), que aqui se não mostram incluídos e devê-lo-iam ter sido, como refere e justifica o tribunal “a quo” (vide supra).

e.  Por seu turno, o tribunal “a quo”, na análise que realizou, atendeu especificamente quanto à questão dos montantes, à ponderação dos seguintes elementos probatórios:
A análise casuística dos valores constantes do art. 215° da pronúncia é possível ser feita através dos extractos das contas correntes caucionadas de cada uma das sociedades identificadas e da conta A1, extractos constantes da base de dados do CD 13 (base de dados das contas do BPN Cayman e do Banco Insular).
Os valores somados perfazem o montante global de € 537.669.721,00 (a pronúncia menciona no art. 215° mais 96 cêntimos o que resultará de manifesto lapso).
(…)
Apenso informático 33 – 11\CD DADOS1\B 02.04.2009\Insular\MOV 0132-CDO,
(…)
Através da conta … O - conta nostro do balcão 200 I no balcão 2000 - conseguimos desde logo obter o somatório de todos os movimentos a débito e a crédito - os valores em acumulados em cada conta serão sempre iguais dado que uma vez integrado o fora de balanço no BPN Cayman, por decisão do conselho de administração da SLN, e não existindo posições em aberto, logo os débitos são iguais aos créditos- que foram sendo parqueados fora de qualquer contabilidade oficial.
No ficheiro MOV O 132-CDO, apreendido junto aos autos (localização informática:
49l0_08.9\11\CD DADOSl\B 02.04.2009\lnsular\), aberto no programa Microsoft Excel existem 4"sheets" (Folhas de cálculo) que mostram todas as transacções que afectaram contas à ordem (DO) desde o início do Banco Insular extraídos directamente do sistema informático AS400 onde se encontram as bases do Banco Insular.
(…)
Da mesma forma que o somatório dos movimentos efectuados por contas fora do balanço gerou movimentos cumulativos no montante de 20,072 mil milhões de euros dentro do próprio fora de balanço, montante este explicado pelo facto de movimentos entre contas do fora do balanço – como o eram por exemplo o pagamento ou recebimento de juros ou transferências entre contas fora do balanço, estornos de operações- não afectarem a conta nostro, essa sim que serve de referência aos desvios de fundos e consequente violação das normas de contabilidade. Ou seja, foram os 9,7 mil milhões de euros que permitiram o cumulativo de 20,072 mil milhões de euros em movimentos fora do balanço.
(…)
«2) Não são 59 offshores da SLN, mas apenas 48 (v. facto provado 201, al. c) e facto não provado 62); 
«O que se deixa dito não implica nenhuma alteração ao art. 210º, al. c) da pronúncia, pois, todas aí elencadas não deixam de ser contas correntes caucionadas abertas no balcão fora do balanço (2001) – v. facto provado 202, al. c).
(…)
Fechando o ciclo em questão, entra-se, de seguida, no subtema do “crédito concedido fora do balanço” (arts. 212º a 219º da pronúncia). 
Diga-se, desde já, que os “erros” supra apontados também terão implicações em sede de materialidade provada e não provada relativa a este subtema, designadamente na factualidade constante dos artigos 213º e 214º da pronúncia. 
Posto isto, dir-se-á: 
No Balcão 2, ou 2001, ou Porto, ou balcão fora do balanço, foi concedido crédito sob a forma de c/c/c (conta corrente caucionada) no montante de € 537.669.721,00 a 57 sociedades offshore, 48 da SLN e à conta A1 (v. factos 213º a 215º da pronúncia; v. factos provados 205 a 207 e factos não provados 63 a 65). 
A análise casuística dos valores constantes do art. 215º da pronúncia é possível ser feita através dos extractos das contas correntes caucionadas de cada uma das sociedades identificadas e da conta A1, extractos constantes da base de dados do CD 13 (base de dados das contas do BPN Cayman e do Banco Insular). «Os valores somados perfazem o montante global de € 537.669.721,00 (a pronúncia menciona no art. 215º mais 96 cêntimos o que resultará de manifesto lapso).
No mesmo balcão, foi, ainda, concedido crédito sob a forma de descoberto à ordem a (i) Reltonia Enterprises (detentora de acções da SLN - € 8.929.389,82), à (ii) Solrac Finance Inc. (sucessora da Venice - € 99.669.144,74 correspondente à seguinte operação: 100.386.300,49 – 717.155,75; note-se que a conta em questão da Solrac tinha duas sequências), à (iii) Jared Finance (central de custos - € 40.336.918,15) a (iv) RMa… (€ 2.000.000,00), à (v) Barwell Holdings Ltd. (€ 5.948.072,99), à (vi) Aybena Holdings (€ 378.028,31) e à (vii) Ergi Empreendimentos, S.A. (€ 32.693.315,93) no montante global de € 187.954.869,94.
Assim, o montante global de crédito concedido no balcão 2 ou 2001 ou Porto foi de € 725.624.590,94 (€ 537.669.721,00 correspondente à soma dos valores constantes do facto provado 207 + € 187.954.869,94 correspondente à soma dos valores ora mencionados), impondo, consequentemente, aquele valor global a correcção do facto 218º da pronúncia correspondente ao facto provado 210 (v. também facto não provado 66).
(…)
Além do mais regista-se que houve parte dos montantes em dívida que foram pagos, isto na medida em que transitavam do balcão 2 (fora do balanço) para o balcão 1 (dentro do balanço). 
O que se deixa exposto (com as correcções evidenciadas) e sem prejuízo do que, em complemento, infra se dirá, resulta da seguinte documentação: 
- CD, vol. 13 – Base de dados da qual constam todas as contas do Banco Insular;
- Processo, vol. 18, fls. 7436 a 7444, págs. 334 a 342 – Análise das transacções fora do balanço do Banco Insular da autoria da testemunha PS…;
«- Processo, vol. 18, fls. 7536 a 7543 págs. 435 a 442 – Anexo 4 à informação de PS… com movimentos a débito em c/c/c/ abertas no balcão virtual;
     «- Apenso 33 – 11\CD DADOS1\B 02.04.2009\InsularMOV 0132-CDO – Base de dados que contém todas as transacções que afectaram contas à ordem de clientes do Banco Insular dentro e fora do balanço;
- Apenso 33 – 11\CD DADOS1\B 02.04.2009\InsularMOV 0132-CCC – Ficheiro que contém todo o crédito concedido pelo Banco sob a forma de c/c/c/;
- Processo, vol. 108.1, fls. 35167 a 35169, págs. 125 a 128 – Cálculos do crédito global, contas correntes caucionadas e descoberto, concedido no balcão virtual do Banco Insular feitos por Ajo… com indicação da metodologia utilizada;
(…)
- Processo vol. 18, fls. 7450 a 7535, págs. 348 a 432 – Relação das contas do BPN Cayman e do BPN IFI que deram funding ao balcão 2000 com indicação do respectivo número, valor e titular; 
(…)
A administração da SLN, SGPS liderada por MC…, face designadamente às conclusões do relatório da MAZARS, deu instruções para que, com data-valor de 30.06.2007, fossem integrados, provisoriamente, no BPN Cayman os créditos de cerca 390 milhões de euros correspondentes aos créditos do balcão virtual, balcão 2, 2001 ou Porto do Banco Insular, e, semelhantemente, deu também instruções para que, com referência a 30.06.2007, fossem registados no BPN IFI e no BPN Cayman os depósitos de clientes no mesmo balcão do Banco Insular por contrapartida do “descoberto” na conta do Banco Insular naqueles dois bancos:
«- Autos principais, vol. 18, fls. 7544 a 7549, págs. 342 a 347 – 01.09.2008 - Anexo 5 à informação de PS…, constituído por nota interna de MF… da administração da SLN para o conselho de administração do BPN, SGPS que refere as instruções de MC… no sentido de os créditos do balcão virtual serem integrados no BPN CAYMAN e os depósitos de Clientes no mesmo balcão retornarem às suas origens no BPN CAYMAN e no BPN IFI por débito nas contas nostro do BI.
(…)
Por outro lado, note-se que, aquando da venda do BPN nacionalizado ao BIC, foram cedidos à PARVALOREM os seus activos tóxicos ao seu valor nominal o que constitui argumento formal da defesa dos arguidos segundo o qual o BPN, afinal, não teve prejuízo, como se tais activos não fossem activos tóxicos cuja cobrabilidade era nenhuma ou muito reduzida:
- Processo, vol. 149, fls. 46.407 a 46462, págs. 95 a 150 – Informação prestada pela Parvalorem e contratos de cessão de créditos entre o BPN e a Parvalorem da conta A1, das entidades referidas no artigo 215º da pronúncia, da Solrac Finance, da Jared Finance e da Reltonia, com excepção da Bali, Baradine, Birchriew, Birdana, Bridgedown, Chaney, Chapelmoor, Interstal, Jazey, Kelstone, Oardale, Ozni, Rishona, Shawcliffe, Swiss Finance e Zemio, entidades estas que, à data, não eram devedoras da Parvalorem;
Por fim, cabe referir que através do Balcão 1 (2000 ou Lisboa) do Banco Insular, ou seja, o balcão cujos registos contabilísticos eram comunicados às autoridades de supervisão de Cabo Verde os arguidos OC…, LC…, FS… e JV… concederam crédito sob a forma de conta corrente caucionada num montante global de € 1.005.000.000,00 e de USD 205.000.000,00, o que resulta das bases de dados e documentação mencionada, bem como da análise dos extractos de conta do CD 13 domiciliadas no balcão 1 ou 2000 do banco insular.

f. Como se constata, o tribunal “a quo” atendeu, examinou, ponderou e correlacionou toda a prova carreada para os autos, a propósito desta questão, sendo certo que o recorrente, face à sua argumentação, não conseguiu demonstrar que a mesma se mostrava incursa em erro ou sem suporte face ao acervo probatório.

x. Assim sendo, resta concluir que, neste segmento, o acórdão não padece dos vícios que o recorrente lhe imputava, bem como que a reapreciação pedida não demonstra a existência de erro de julgamento, pelo que daqui decorre a improcedência dos pedidos formulados, incluindo a peticionada eliminação dos pontos 205 a 210 da matéria de facto provada, provenientes da pronúncia.

12. Ponto 222 da matéria julgada provada:
Entende o recorrente que houve erro na apreciação realizada pelo tribunal “a quo”, propondo que o mesmo seja corrigido passando essa matéria factual a ter o seguinte conteúdo: “222) Os arguidos vieram a permitir operações não regularizadas nas contas designadas A1, conforme adiante se narrará, e B1, conforme narrado atrás, não tendo o Arguido OC… tido qualquer intervenção na operação nesta última conta realizada em 5.06.2008;”  

i. O ponto 222 dos factos provados do acórdão (proveniente da pronúncia), tem o seguinte teor:
222) Os arguidos vieram a permitir operações não regularizadas ou com finalidade ilegítima nas contas designadas A1, conforme adiante se narrará, e B1, conforme narrado atrás;

ii. No que se reporta à operação realizada pelo arguido JV…, ocorrida em 5.06.2008, afirma o tribunal “a quo” em sede de motivação da sua convicção (pág. 719 do acórdão- sublinhados nossos):
E, do mesmo passo, JV…, já sem a conivência de OC…, apropriou-se, em 2.06.2008 com data-valor de 30.05.2008, do montante de € 80.185,99 na sequência de instrução que deu (“a título de antecipação de dividendos de 2008 queiram creditar a minha conta n.º … pela quantia de 80.185,99 €”), quantia foi creditada na sua conta B1 a indevido título de dividendos por lucros fictícios do BI como ele próprio já havia reconhecido na carta que, anteriormente, havia remetido a OC….

iii. Deve a materialidade provada estar em consonância com a motivação, razão pela qual se entende assistir razão ao recorrente, quanto à alteração que pretende ver introduzida, em que se ressalva a sua não intervenção nessa operação.
E, de igual modo lhe assiste razão quando pede a eliminação da expressão “finalidade ilegítima”, pois estamos perante uma conclusão de natureza jurídica.
Ora, nesta sede, há apenas que apreciar e fixar factos, cabendo a uma outra sede posterior, face à análise da matéria factual determinada, retirar a conclusão da ilegitimidade ou não da finalidade.

iv. Pelo exposto, altera-se a redacção do ponto 222 da matéria de facto dada como assente (proveniente da pronúncia), que passa a ser a seguinte:
222) Os arguidos vieram a permitir operações não regularizadas ou com outras finalidades, nas contas designadas A1, conforme adiante se narrará, e B1, conforme narrado atrás, não tendo o arguido JO… tido intervenção na operação referida no facto 219) que foi realizada em 5.06.2008.  

13. Pontos 228, 231 e 581 da matéria julgada provada da pronúncia:
Entende o recorrente que o tribunal “a quo” deveria ter dado como não provada:
a. No ponto 228, a parte em que se lê “dominada e financiada pelo grupo SLN”;
b. Na parte final do ponto 231, a parte em que se lê “e pertencia à esfera do grupo SLN;”;
c. No ponto 581, que esta sociedade era pertencente ao “universo do Grupo SLN” .
Pede, assim, a eliminação de tais segmentos, da matéria de facto dada como assente.

i. Os pontos 228, 231 e 581 têm o seguinte teor:
228)Para efeito de realizar fundos que lhe permitissem iniciar esse pagamento, o arguido OC… decidiu utilizar algumas das acções de que era já detentor e vendê-las a uma empresa offshore dominada e financiada pelo grupo SLN, a fim de realizar as quantias necessárias, a título de mais-valias, se bem que à custa de pagamentos suportados pela própria SLN;
231) A Emka Internacional era uma offshore criada pela sociedade BCS-Advogados, tinha como procurador FN…, e pertencia à esfera do grupo SLN;
581) A colocação das 1.250.000 acções foi efectuada ao preço de 1,85 € cada, sendo a EMKA INTERNACIONAL, já acima referida, uma entidade pertencente ao universo do grupo SLN;

ii. O arguido funda a sua discórdia quanto ao decidido, essencialmente nos seguintes pontos:

a. Não se mostra junta aos autos qualquer declaração de “trust” que demonstre que a SLN SGPS SA fosse a beneficiária da offshore Emka;

b. As expressões usadas são legalmente inadmissíveis por serem genéricas e possibilitarem diversas interpretações;

c. Entende que, à data, a EMKA era detida pela Euroamer (documento extraído do apenso informático 33, localizado no computador da Testemunha Ajo… (pasta “TOZE”) e exibido à mesma, com o nome de “Aquisição Planeta das Casas.doc”, onde se pode ler o seguinte: “Em 26 de Dezembro de 2000, a Euroamer comunica ao BPN, que deseja vender as acções da SLN, anteriormente adquiridas pelo preço de € 2,40 á empresa Emka International S.A., por si igualmente detida. (…) Entretanto, convém sublinhar que a Euroamer ao ter realizado estas operações com a sociedade Emka International S.A. – por si detida – registou uma mais-valia (preço de aquisição €1,00 por acção, preço de venda € 2,40”), o que infirma o depoimento prestado pela testemunha Ajo….

d. O documento que o tribunal “a quo” refere - Apenso 33 – 30\Apagados\288\WK1\Ficheiros eliminados\C \ L… \ 1.Grupo SLN\SLN Accionistas\Accionistas instrumentais.xls ou apenso de busca 4 (cave – tardoz da residência de JO…), pasta 4, pág. 19 – 03.04.2001 - relação de veículos instrumentais offshore e inshore da SLN da autoria informática de LG… com menção, designadamente, da Emka;” - quanto ao capítulo que releva para o caso, foi denominado de “Accionistas Instrumentais”, não esclarecendo em nenhum lado se as sociedades offshore indicadas são do Grupo (ou apenas do Grupo) ou se aí se incluem também accionistas instrumentais de entidades terceiras ao Grupo, ou seja, “veículos” accionistas da SLN que não pertencem ao Grupo.
Esse documento foi criado em 3.04.2001, ou seja, no mês em que a sociedade Emka já pertencia a DD…. Assim, esta sociedade era uma accionista instrumental – um veículo - que detinha acções da SLN, neste caso e no mês em causa, no interesse de DD…

e. O tribunal “a quo” não atendeu ao contrato promessa de compra e venda de acções celebrado entre a Emka e JFe…, em 30 de Junho de 1999 e o seu objecto é relativo à promessa de compra e venda de acções da Corticeira Amorim, obrigando-se o Segundo Outorgante a comprar (ou indicar quem compre), até 31 de Janeiro de 2000, todas as acções da Corticeira Amorim que viessem a ser adquiridas pela EMKA, sendo que a fórmula de cálculo do preço expressa na cláusula quarta equivale ao preço de compra da EMKA, apenas acrescida da Euribor e de um “spread” de 1%.
Entende que desse contrato se retira que a EMKA, à data a que se refere aquele contrato (30.06.1999) e até 31.01.2000, terá sido utilizada como veículo (leia-se, “sociedade instrumental”) para a concretização de um negócio que se percebe ter sido outorgado ou projectado no interesse predominante do ali segundo Outorgante, JFe….

f. Nos documentos em causa, que o tribunal “a quo” enuncia, a utilização da expressão “sociedades instrumentais” é feito no contexto de serem accionistas da SLN, não significando que se tratem de sociedades que pertençam ao Grupo SLN, mas sociedades (“instrumentais”) que nele participam enquanto accionistas da SLN.

iii. Por seu turno, o tribunal “a quo” deixou exarado, em sede de motivação, o seguinte:
Na pronúncia, mais precisamente no seu artigo 239º, refere-se que a Emka era uma offshore criada pela sociedade BCS Advogados, tinha como procurador FB… e “pertencia à esfera do grupo SLN”.
Ainda que esta factualidade, no segmento segundo o qual a Emka pertencia à esfera do grupo SLN, não esteja suportada em declaração de trust, o certo é que a testemunha Ajo… declarou expressa e cabalmente em audiência de julgamento que aquela sociedade ao tempo da oferta particular de acções da SLN de 31.10.2000 era uma sociedade instrumental da SLN, situação que se manteve até Abril de 2001, quando DD… a adquiriu mediante crédito do BPN, SA.
Não se olvide, também, que a propriedade/detenção de uma sociedade offshore não carece sempre de uma declaração de trust, bastando-se o mais das vezes com a posse dos respectivos títulos, ou seja, é dono quem for o portador das acções.
Aliás, foi o que ocorreu, por exemplo, em 6.8.2008 quando FB… “portador de vinte acções incorporadas nos títulos número 1 e 2, representativas da totalidade do capital social da sociedade Emka” outorgou procuração a favor de LAn…, advogado, para, em nome daquele, negociar as acções ao portador da Emka:
- Apenso 33 - E:\4910\12\BCS Dados 1\DADOS\servidor\•\ (BCS1, 192.168.0.1)•D\users\fbn\Procuração Venda Acções.DOC – 6.8.2008 (procuração para venda das acções da Emka).
Também não parece haver quaisquer dúvidas de que a testemunha Ajo… quando se pronunciou no sentido em que o fez tinha conhecimento directo e circunstanciado do declarado face à, aliás, pouca documentação constante dos autos relativa à sociedade offshore Emka:
Apenso33:E:\4910\1AnexoA\CAIXASCORREIO\TRAT\3\TOZE#2\CAIXASDECORREIO\8A_A_ATDU.NSF\($Sent-Drafts)\Documentação .msg – 27.12.2000 – e-mail de Ajo… para FS… no qual anexa e lhe remete 4 docs., em word, referentes à Emka;
Por outro lado, a afirmação de que a Emka pertencia à esfera do grupo SLN, tem também suporte em documento que consta do Apenso 33 e do qual foi apreendido uma cópia em suporte de papel na busca à residência do arguido OC…, cuja autoria informática é do arguido LM…, e que contém, além do mais, uma relação de veículos accionistas offshore da SLN SGPS que inclui a Emka:
- Apenso 33 – 30\Apagados\288\WK1\Ficheiros eliminados\C \ L… \ 1.Grupo SLN\SLN Accionistas\Accionistas instrumentais.xls ou apenso de busca 4 (cave – tardoz da residência de JO…), pasta 4, pág. 19 – 03.04.2001 - relação de veículos instrumentais offshore e inshore da SLN da autoria informática de LG… com menção, designadamente, da Emka;
Acresce, ainda, que o mesmo arguido LM…, por email de 20.11.2000, deu instruções a RP… da DOP (Direcção de Operações) para, além do mais, transferir o saldo da conta da Emka no BPN, SA e os saldos de outras contas, designadamente da Venice, do BPN, SA para as contas dessas sociedades no BPN Cayman, o que é mais um argumento inequívoco de que a Emka, tal como a Venice, pertenciam ao grupo SLN/BPN, pois, de outro modo não seria explicável que ele tivesse dado as ditas instruções.
Documento suporte:
- Apenso de busca 21, doc. 9, págs. 21 e 22 ou Apenso R, vol. 34, pág. 298 – 20.11.2000 – E-mail de LM… para RP… para transferência de saldos de contas do BPN, SA para a contas do BPN Cayman, neles se incluindo os saldos das contas da Emka e da Venice e e-mail de RP… a implementar as instruções recebidas de LM….
Ou seja, até uma determinada data que abrange o período temporal aqui em discussão, todas as referências documentais relativas à Emka ou documentação que lhe diz directamente respeito giram à volta do grupo SLN/BPN e de funcionários seus.
Conclui-se, pois, sem margem para dúvidas, que a offshore EMKA, àquele tempo, era uma sociedade da esfera da SLN.
Por outro lado, a propósito da intervenção da Emka na operação de aquisição do Planeta das Casas, da Euroamer, e às mais-valias deste negócio, assunto discutido em sede de audiência, relevam as declarações produzidas pela testemunha Ajo…, segundo a qual a intervenção da Emka nesta operação se justificava apenas por razões de planeamento fiscal, não tendo esta sociedade obtido qualquer benefício ou prejuízo.
Tratou-se, pois, de uma operação neutra que, por isso, não releva no sentido de determinar o último beneficiário da Emka.

iv. Apreciando.
O único documento que o recorrente refere e que o tribunal “a quo” não menciona na sua motivação, refere-se à minuta do contrato de promessa entre a Emka e JFe….
Independentemente de o mesmo ter sido desentranhado e junto por linha, dir-se-á apenas que se ignora se tal contrato foi celebrado e, ainda que o tivesse sido, ultrapassa-nos em que medida é que o teor do mesmo determinaria qualquer conclusão quanto a quem era o beneficial owner da Emka, em finais de 1999, Janeiro de 2000 (a Emka comprometer-se-ia a comprar acções da Corticeira Amorim, obrigando-se o segundo outorgante a comprar até 31 de Janeiro de 2000, todas as acções da Corticeira Amorim que viessem a ser adquiridas pela EMKA. O preço de aquisição seria igual ao preço de compra pela EMKA, acrescido da Euribor e de um “spread” de 1%; ou seja, essa aquisição daria lucro à Emka).

v. Quanto aos demais elementos probatórios invocados pelo arguido, o tribunal “a quo” a todos atendeu, correlacionando-os com outros (que o recorrente nem sequer refere), como decorre do supra transcrito.
 E, para além de os invocar, explicou porque razão entendeu que, face à sua confrontação em sede de regras de experiência comum, dos mesmos decorreria a circunstância de a Emka ser, naquela data, uma offshore instrumental do grupo SLN/BPN, argumentos estes ao qual o arguido contrapõe quase nenhuma contra-argumentação.

vi. Assim, a tese propugnada pelo arguido – de que a Emka seria uma sociedade offshore que não era detida pela SLN, mas antes era a Emka que era accionista da SLN e, nesse contexto, participou em diversas operações de compra e venda de acções, em benefício de diversas entidades – embora possível, não se mostra suportada pela apreciação conjunta da prova produzida, desde logo pelo manifesto à vontade, a intimidade (perdoe-se-nos a expressão), de tratamento de todas as questões relacionadas com a Emka, pelo BPN.
De facto, estivéssemos nós perante uma sociedade estranha ao grupo, careceria de explicação minimamente convincente a razão pela qual o BPN tinha total e completo acesso a todos os circunstancialismos relativos à sua constituição, inclusive a dados que são, pela sua própria natureza, confidenciais, para quem não tem relação com esse tipo de sociedades offshore; isto é, para quem as não detém nem controla.

vii. Ora, se atentarmos no Apenso Braga 17 temos que, assim que tal sociedade foi constituída, o escritório de advogados que trabalhou - de forma muito próxima e ao longo de vários anos - com o Grupo SLN/BPN, apressou-se a dar conhecimento da sua constituição, bem como de todos os termos da mesma, como se ilustra com a imagem que ora se anexa:

(Imagens removidas)
  
viii. Por seu turno, o email de LM… para RP… para transferência de saldos de contas do BPN, SA para a contas do BPN Cayman, neles se incluindo os saldos das contas da Emka e da Venice e o email de RP… a implementar as instruções recebidas de LM…, mostram-se inexplicáveis pela tese que o recorrente propugna, isto é, de que se trataria de uma offshore sem qualquer ligação em termos de dependência de funcionamento por parte da SLN, antes sendo apenas uma sociedade que detinha acções de uma das sociedades desse grupo.

ix. Se assim era, como se explica que funcionários do BPN dessem tais instruções e as mesmas não se mostrassem determinadas, documentalmente, pelos putativos procuradores da sociedade?

x. E como se explica que, no negócio relativo à transmissão de 1.250 acções da SLN SGPS - em que teve intervenção o arguido RO…, realizada no final do ano 2000 - tivesse sido possível que essas acções, que pertenciam à Emka, tenham sido primeiramente depositadas na conta daquele arguido (por mera ordem do arguido JO…) e, de seguida, tivesse sido elaborado um contrato em que essas mesmíssimas acções agora apareciam como pertencendo à Invesco, que as vende à Groundsel e são pagas com fundos provenientes da SLN Investimentos (vide factos provados 580 a 586 e 631 a 638)?
 
xi. Parece-nos que a resposta aqui é clara – o modo como a Emka foi usada e financiadas as operações em que teve intervenção, no decurso do ano de 2000 e até ser vendida a DLi…, demonstra que era uma sociedade offshore que pertencia à esfera do grupo SLN; ou seja, que era controlada, dominada, financiada e utilizada pela mesma SLN.
Esta é uma descrição meramente factual e que nada tem de genérico, pois domínio, controlo, financiamento e utilização são termos precisos e factuais, que não se prestam a confusões interpretativas, nem se reconduzem ao universo do vocabulário estritamente jurídico.

xii. Assim, atento o que se deixa dito, conclui-se não assistir razão ao recorrente, pelo que não há lugar a qualquer alteração à redacção dos pontos factuais ora impugnados.

14. Ponto 232 da matéria julgada provada da pronúncia:
O recorrente pretende a eliminação desse facto provado.

i. O ponto 232) tem a seguinte redacção:
A EMKA foi assim determinada pela decisão do arguido OC… a adquirir um total de 878.469, ao preço unitário de 2,10€, das quais 751.656 foram adquiridas ao próprio arguido OC…, pelo montante de 316.456.346$00, sendo as restantes 126.813 acções adquiridas a terceiros, pelo montante de 53.389.820$12;

ii. Este ponto ficou prejudicado pela decisão acabada de proferir no ponto anterior, uma vez que o pedido de alteração de fixação factual (passar tal matéria para não provada), se fundava na procedência da questão de não ser a Emka uma offshore controlada pela SLN.

iii. Não obstante, aditar-se-á o seguinte:
Sendo a Emka então controlada pela SLN e sendo o arguido – como se mostra profusamente demonstrado ao longo de toda a motivação – o primeiro decisor nessa sede, sendo grande parte das acções adquiridas ao próprio arguido JO… e em simultâneo a terceiros, o que daqui se infere é que a ordem foi por si dada.
Não vemos como, face às regras de experiência comum, se possa alcançar outro resultado, desde logo porque se o arguido não quisesse vender as suas acções (ou se alguém o fizesse à sua revelia), era impossível não ter tomado conhecimento de tal venda - bem como do produto da mesma, que entrou na sua conta - e não ter agido em conformidade (pontos 234 e 235 da matéria de facto provada provenientes da pronúncia).
Para além de que, por virtude de tal venda, o arguido conseguiu obter um lucro assinalável, o que demonstra ter manifesto interesse directo e pessoal nessa transacção, que nesse sentido, apenas a si o beneficiou.

iv. Face ao exposto, improcede a pretendida alteração factual.

15. Pontos 228 e 230 a 235 da matéria julgada provada da pronúncia:
O recorrente entende que o tribunal “a quo” errou e que deve:
- Ser ampliada a matéria de facto constante no ponto 233), pois deveria ter sido dado como provado que, no próprio dia da operação de venda, o saldo da Emka apresentava-se positivo;
- Ser aditada a seguinte matéria factual (“225-A - A Emka, na sequência das operações de compra e venda de acções da SLN, realizadas em 31 de Outubro de 2000, auferiu uma mais valia de euros: 624.741,99 (seiscentos e vinte e quatro mil, setecentos e quarenta e um euros e noventa e nove cêntimos), mais valia cuja obtenção implicou a revenda das acções que nesse dia lhe foram vendidas pelo Arguido.”; e “225-B - A EMKA, após as operações de compra e venda de acções da SLN, realizadas em 31 de Outubro de 2000, ficou, na conta bancária n.º … com um saldo positivo de 930.759.545,00€ no final do dia 31 de Outubro de 2000 (quando no dia anterior apresentava o saldo de 301.492.00€);”), porque a compra das acções ao arguido, pela Emka, foi necessária para que esta sociedade pudesse, por sua vez, obter as mais-valias que resultaram da venda destas acções a terceiros, feita no mesmo dia.

i. Os pontos assinalados têm a seguinte redacção:
228)Para efeito de realizar fundos que lhe permitissem iniciar esse pagamento, o arguido OC… decidiu utilizar algumas das acções de que era já detentor e vendê-las a uma empresa offshore dominada e financiada pelo grupo SLN, a fim de realizar as quantias necessárias, a título de mais-valias, se bem que à custa de pagamentos suportados pela própria SLN;
230)Na execução desse plano, em 31 de Outubro de 2000, o arguido JO… vendeu 751.656 das suas acções pessoais da SLN SGPS, pelo preço de 2,10€ (as quais tinha adquirido a 1,00€) cada uma, no montante total de 316.456.346$00, à sociedade offshore EMKA INTERNACIONAL;
231) A Emka Internacional era uma offshore criada pela sociedade BCS-Advogados, tinha como procurador FN…, e pertencia à esfera do grupo SLN;
232) A EMKA foi assim determinada pela decisão do arguido Oc… a adquirir um total de 878.469, ao preço unitário de 2,10€, das quais 751.656 foram adquiridas ao próprio arguido OC…, pelo montante de 316.456.346$00, sendo as restantes 126.813 acções adquiridas a terceiros, pelo montante de 53.389.820$12;
233) Assim, a EMKA foi debitada pelo montante global de 369.846.166$00, na sua conta BPN n° …, gerando um descoberto na mesma conta de 369.544.674$00;
234)No dia 31 de Outubro de 2000, a conta pessoal do arguido JO…, com o n° …, foi então creditada com a aludida quantia de 316.456.346$00;
235)Com esta operação o arguido JO… logrou obter uma mais-valia de 165.762.848$01;

ii. O tribunal “a quo” refere a esse propósito o seguinte:
Passando ao tema seguinte “venda de acções à Emka Internacional”, - arts. 238º a 243º da pronúncia -, dir-se-á:
«Aproveitando uma oferta particular de venda de acções próprias realizada pela SLN, SGPS em 31.10.2000 (venda por leilão de 9 milhões de acções da SLN, SGPS, da Invesco, da Emka, de OC…, de FB… e VC…, e venda extra leilão de 2 milhões de acções da SLN, SGPS), OC… vendeu, nessa mesma data, 751.656 acções da SLN SGPS à offshore Emka Internacional, S.A., constituída a 29.01.1999 e obtida através da BCS - Advogados, cujos procuradores eram FN… e VC…, e que, ao tempo, pertencia ao universo SLN/BPN (sendo, portanto, uma sociedade veículo do grupo), pelo preço de € 2,10, cada uma, sendo que as havia adquirido ao preço unitário de € 1,00.
O pagamento do preço destas acções que perfez o montante de 316.456.346$00 (€ 1.578.477,60) gerou um descoberto de igual montante na conta da Emka no BPN, SA – conta n.º … - que, no mesmo dia, foi coberto por subsequente venda de acções (o valor que sai desta conta cobre também as compras de acções a FB… e VC…).
Deste modo, OC… obteve mais-valia de 165.762.848$01 (€ 826.821,60).
Por outro lado, na mesma data e no âmbito da oferta particular de venda de acções próprias da SLN SGPS, cujos preços variaram entre € 1,85 e € 2,00, a Emka vendeu 3.824.091 acções pelo preço de € 1,85 €:
- Bragas 17, pág. 1- Fax de 27.04.1999 de VC… para FS… que anexa documentação atinente à Emka e procurações a mandatar FB… e VC… (v. págs. 37 a 48 do referido Braga);
-   Apenso 33 -30\Apagados\288\WK1\Ficheiroseliminados\C\L…\1.Grupo SLN\SLN\ Accionistas\Accionistas instrumentais.xls ou apenso de busca 04 (cave tardoz) – pasta 4, doc. 07, pág. 19 – 03.04.2001 - Relação de veículos instrumentais offshore e inshore da SLN da autoria de LG… com menção designadamente da Emka (offhsore);
- Processo, CD BPN, vol. 107.1, fls. 34862 e 34863 – Últimos beneficiários da Emka (FB… e DD…), todavia, só em Maio de 2008 (docs. na língua inglesa; v. tradução a fls. 38149 a 38154 do vol. 119 do processo);
- Apenso de busca 7, doc. 5.34, págs. 752 a 756 – Pedido de crédito para a Emka e pedido de venda de acções da SLN SGPS já com DD…, respectivamente, cartas de 20.2.2002 e 27.1.2003;
- Apenso de busca 07, doc. 31.01, págs. 1 a 15 ou Bragas 16, págs. 28 a 42 – (1) pág. 41 - Carta minuta da BCS para comunicação da SLN aos accionistas da venda de acções; (2) pág. 33 - E-mail de RP… para FS… com indicação das acções disponíveis para venda e seus detentores em que se inclui OC… com 751.656 acções; (3) págs. 29, 30 e 31 – Lista de participantes que compreende o universo dos então accionistas da SLN; 4) pág. 32 - quadro geral de accionistas oferentes e adquirentes e número de acções; (5) pág. 40 relação dos adquirentes;
- Braga 18, pág. 36 – Mapa de apuramento das mais e menos valias das acções da SLN detidas por OC…, indicando-se a mais-valia de € 826.822,00 nesta transacção de 31.10.2000;
- Apenso de busca 21, doc. 9, pág. 98 – 31.10.2000 – Quadro geral dos oferentes e adquirentes na oferta particular de acções (v. venda pela Emka de 3.824.091 acções pelo preço de € 1,85 €).
- Braga 17, pág. 59 – CAF compras da Emka;
- Braga 17, pág. 70 – CAF com vendas de OC… (751.656 acções ao preço de € 2,10); «- Braga 17, pág. 71 – CAF com vendas Emka;
- Braga 17, pág. 60 – Resumo dos movimentos da venda particular com apontamentos manuscritos de RP… (indicação de vendedor: OC… - 751.656 acções ao preço de € 2,10);
- Braga 17, págs. 79 a 84 – Conta de títulos de OC… – venda a 31.10.2000 de 751.656 acções ao preço de € 2,10, aparecendo a “venda” no estado de “confirmado”;
- Apenso R, vol. 37, fls. 8885, pág. 298 ou Bragas 17, págs. 92 e 93 – 20.11.2000 - Instruções de LM… para RP… e deste para AF… para movimentação de saldos, designadamente da Emka, sendo transferido dinheiro a descoberto para saldar a conta da EMKA no BPN, SA (inshore);
- Apenso bancário 7 – Conta de OC… no BPN, S.A. (v. venda de títulos na data de 31.10.2000 e crédito do valor de 341.456.346$00);
- Doc. BPN CD, fls. 34.832 vol. 107.1, págs. 163 e 164 - Extracto da conta bancária da Emka no BPN, SA com o fluxo financeiro – 31.10.2000 para pagamento das acções e correspondente descoberto no valor de 369.544.674$00;
- Apenso 33 – 1-Anexo A\TRAT\3\TOZE#2\DOCS\TOZE#2\ Administração \SLN Sociedade Lusa Negócios – Controlo Accionista\ Controlo de Transacções Acções Grupo SLN\MAPVD79-8079.zip\ZIP Volume\ MAPVD79.xls – 15.03.2000 a 28.11.2000 - CAF da Emka;
«Antes, aquando do aumento de capital social da SLN, SGPS, de Março de 2000, a Emka tinha adquirido 5.610.203 acções, sendo que para este efeito foi financiada pelo BPN, SFE da Madeira, mediante conta corrente caucionada, no montante de 736.443.615$00:
- Apenso de busca 7, doc. 31.05, pág. 15 ou Bragas 17, págs. 57 e 58 – 15.03.2000 - Ordem de FB… e VC… para transferência de 736.443.615$00 a favor da Emka e extracto bancário da Emka com o respectivo crédito por utilização de c/c/c/ lançado em 16.03.2000;
- Braga 17, pág. 59 – CAF – Compras e vendas da Emka (v. data de 14.3.2000).
Em 31.10.2000, no âmbito da oferta particular de venda de acções próprias, a Emka comprou 1.237.214 acções da SLN, sendo 751.656 acções a OC… ao preço unitário de € 2,10; 58.745 a FB… e VC… ao preço de € 1,85; 30.000 a Cachide pelo preço de € 1,60 e 126.813 à Invesco pelo preço de € 2,10, o que tudo corresponde ao valor médio de aquisição de € 1,97 por acção. 
E, no mesmo dia, vendeu 3.824.091 acções pelo preço de € 1,85, mantendo em carteira 373.555.
Nas operações então realizadas a Emka teve um prejuízo de € 33.611,70.
Documentação de suporte:
- Bragas 17, pág. 61 – Quadro geral dos oferentes e adquirentes - CAF – compras e vendas globais;
- Apenso de busca 21, doc. 9, págs. 21 e 22 – 20.11.2000 – E-mail de LM… para RP… para transferência de saldos de contas do BPN, SA para a conta do BPN Cayman, neles se incluindo os saldos das contas da Emka e da Venice e e-mail de RP… a implementar as instruções recebidas de LM…;
- Apenso bancário 7 – Conta de OC… no BPN; 
- Apenso bancário 117 – conta de FB… no BPN; 
- Apenso bancário 119 – Conta de VC… no BPN; 
- Apenso bancário 110 – Conta da Invesco no BPN;
Em resumo:
OC… tendo vendido em 31.10.2000 à Emka 751.656 acções pelo preço unitário de € 2,10 e global de € 1.578.477,60 (316.456.346$00), acções que adquirira em 1999 ao preço unitário de € 1,00, obteve um ganho de € 826.821,60 (165.762.848$00), relevando aqui também a análise da autoria da testemunha Ajo… que está junta aos autos principais no volume 109.2, págs. 34 a 36 pdf (fls. 35555 a 35557) a qual foi por si devidamente explicada em sede de audiência de julgamento.
É de ter em consideração, na globalidade, a seguinte documentação:
- Bragas 17, pág. 79 a 84 – CAF de OC… de 1999 até 08.10.2007, conta títulos de OC…;
- Apenso bancário 7 – Conta de OC… no BPN, SA;
- Processo, vol. 109.2, fls. 35.555 a 35.557, págs. 34 a 36 – a já mencionada análise da testemunha Ajo… às compras e vendas da Emka na óptica de ganho/perda na oferta particular;.

iii. Alega o recorrente que o descoberto a que se refere o ponto 233) foi regularizado no próprio dia.
E invoca o teor do doc. de fls. 34.832, no vol. 107, que comprova que nesse dia entrou uma quantia (registada como transacção).

iv. Apreciando.
O que o recorrente afirma é que, nesse dia a conta da Emka não ficou a descoberto, pois houve uma entrada monetária.

a. A motivação realizada pelo tribunal “a quo” – ao inverso do que o recorrente afirma – faz expressa menção a tal operação (e ao documento que a comprova: vide processo principal, vol. 107, fls. 34862 e 34863, págs. 163 e 164, extracto da conta da EMKA INTERNATIONAL no BPN SA), mas explica porque razão tal elemento é irrelevante para o ponto que ora apreciamos.
E assiste-lhe razão.

b. Efectivamente, o descoberto a que se refere o ponto de facto em questão, não tem o sentido que o recorrente parece pretender dar-lhe.
Um descoberto é um descoberto – ou existe ou não existe, no momento em que a transacção é realizada.
Na verdade, se alguém – empresa ou particular – no momento em que se pretende realizar um débito na sua conta bancária, não tem fundos suficientes para proceder a tal pagamento, das duas, uma: ou a operação (o débito) não se efectua ou, se é feita, é porque a entidade bancária permite a realização desse pagamento a descoberto.

c. O descoberto referido nesse ponto reporta-se, precisamente, ao montante que foi pago ao arguido pelas acções que então vendeu, sendo que no momento da venda, isto é, no momento em que a transacção foi realizada, a Emka não tinha esse quantitativo na sua conta.
Assim, o pagamento daquele montante ao arguido – inexistindo, no momento, fundos suficientes na conta da Emka que, por si só, viabilizassem a transferência desse quantitativo para a conta do arguido (vide ponto 234) – foi feito por recurso a descoberto.
É isto e só isto o que se mostra dado como assente e mostra-se correcto.

d. Se posteriormente foi ou não coberto esse descoberto de conta (e foi-o, pois a Emka vendeu mais acções e recebeu quantitativos monetários pela transacção), é indiferente para o que neste ponto se afirma que é, repete-se, pura e simplesmente a constatação de um facto – a compra das acções pela Emka ao arguido JO…, foi feita mediante recurso a um descoberto.

v. Afirma o recorrente que a compra das acções ao arguido OC…, pela Emka, foi necessária para que esta pudesse obter as mais-valias que realizou com a venda de acções a terceiros, feita no mesmo dia. Funda tal entendimento na análise realizada pela testemunha Ajo…, junta aos autos a fls. 35.555 e 35.557 – v.d. quadro de fls. 35.556.

a. Não se pode deixar de assinalar que se mostra desde logo estranha, esta preocupação afirmada pelo arguido JO…, relativa à necessidade de a Emka poder realizar mais-valias.
Na verdade, se essa sociedade não pertencia à esfera do Grupo, mas sim a terceiros estranhos ao mesmo, mostra-se inexplicável a razão da sua preocupação com a possibilidade de a Emka realizar ou não mais-valias.
Mas adiante.

vi. Efectivamente, não assiste razão ao arguido.
Senão, vejamos.
O recorrente confunde mais-valias com saldo positivo de conta bancária.
Na verdade, não restam dúvidas que, em virtude da compra e posterior venda das acções, realizada no dia 31 de Outubro de 2000, a conta bancária da Emka, embora inicialmente tivesse ficado com saldo negativo (pagamento das acções ao arguido OC… a descoberto), acabou por ficar com saldo positivo, por virtude dos quantitativos que aí entraram, em pagamento das acções vendidas pela Emka.

vii. Sucede, todavia, que saldo bancário positivo não se confunde com mais-valias.
Mais-valia, como o próprio nome indica, refere-se ao benefício, ao lucro alcançado, ao excesso de receita em relação à despesa, decorrente de uma determinada transacção.
E esse benefício apura-se, no caso de uma compra e venda de acções, analisando-se qual o valor inicial de aquisição e o valor final de venda.
É com base nesse diferencial (entre o preço de aquisição e o preço de disposição) que se apura se aquela transacção gerou ou não lucro, benefício, mais-valia, aumento de receita, para a entidade (seja esta uma pessoa singular ou uma sociedade) que realizou tal tipo de contrato.

viii. Ora, o que decorre de todos os documentos juntos aos autos – incluindo o quadro elaborado pela testemunha Ajo… (junto aos autos, por determinação do tribunal “a quo”, por despacho de fls. 35.559 vº, do vol. 109) - é que esse negócio, no seu todo, embora tivesse determinado que a conta da Emka passasse a ter um saldo positivo no final de todas as transacções, teve como resultado efectivo que a dita sociedade tivesse tido menos-valias; isto é, prejuízo.
De facto, esse prejuízo surge pela circunstância de a Emka ter adquirido as acções ao arguido JO… ao preço unitário de € 2,10 e tê-las vendido, no mesmíssimo dia, ao preço unitário de € 1,85; isto é, em cada uma das 751.656 acções da SLN SGPS SA que adquiriu ao arguido OC…, a Emka perdeu dinheiro quando as vendeu.
E, no cômputo global da operação de compra e venda realizada nesse dia 31 de Outubro pela Emka, constata-se que, embora o valor médio pago por esta sociedade para adquirir tais acções tenha sido de € 1,97 por cada uma, o valor posterior da sua venda, pela mesma sociedade, foi à cotação unitária de € 1,85.
 
ix. Do dito decorre que, analisados os elementos probatórios constantes nos autos, bem como a motivação do tribunal “a quo”, há que concluir que a matéria de facto dada como provada nos pontos que o recorrente critica se mostra correcta, não padecendo de qualquer vício e não havendo razões que imponham a sua alteração.

x. Atento o que se deixa dito, há que concluir soçobrar o pelo recorrente peticionado.

16. Pontos 229, 242, 244, 246 e 247 da matéria julgada provada da pronúncia:
O recorrente entende que:
a. Face à prova da existência de um negócio de compra e venda de acções, não analisado, nem alegado pela pronúncia, e efectivamente realizado entre a Invesco e o arguido, deve o ponto 246 ser julgado como não provado (para além de se tratar de uma alegação conclusiva, que sem a devida contextualização - baseada numa alegação circunstanciada de factos - é demasiado genérica, sendo legalmente inadmissível, e por a conclusão quanto à “instrumentalização” e ao benefício pessoal”, aí julgada como provada, padecerem de iguais vícios);
b. Quanto ao facto julgado como provado no ponto 247 deve o mesmo ser julgado como não provado:
- Por ser cronologicamente impossível que a não entrega pelo arguido à Invesco de 626.813 acções em 14 Dezembro de 2000 cause a redução (retroactiva) de mais-valias numa putativa venda que se entende que poderia ter sido realizada pela Invesco em Outubro de 2000 (o que é pressuposto da fundamentação utilizada a fls. 740 do Ac. rec., na parte em que se lê: “A Invesco não vendeu 626.813 acções da SLN SGPS;”);
- Por ser conclusivo na afirmação de um “prejuízo” que não é suportado por qualquer facto objectivamente alegado e dado como provado e por a conclusão aí julgada como provada depender, face ao silogismo plasmado na decisão recorrida, da análise e apreciação de factos novos, que não foi precedida da devida alteração não substancial aos factos.
c. É contraditório entender-se que o arguido não se teria apropriado do valor que lhe foi transferido pela Invesco e depois mencionar-se tal apropriação a fls. 865 (motivação: 865) Conforme narrado supra, o arguido OC… havia adquirido um total de 29.000.000 de acções da SLN SGPS com base em operações de apropriação de fundos que envolveram as entidades EMKA, INVESCO e ZEMIO e com base num financiamento pelo Banco FORTIS, que havia sido pago pelo saque de fundos de uma conta designada A1, junto do Banco Insular;)
d. Existe um flagrante vício de raciocínio, por parte do tribunal “a quo”, ao entender que, porque o arguido não transferiu para a Invesco em 14 de Dezembro de 2000 as “626.813 acções da SLN SGPS” que tinha no BANIF, a Invesco deixou de as poder vender e de realizar mais-valias em 31 de Outubro de 2000.

ii. Os pontos de facto que o recorrente refere têm o seguinte teor:
229) O arguido OC… decidiu ainda, aproveitar-se de operações de venda de acções SLN por uma empresa offshore controlada pela mesma SLN, no caso a INVESCO WORLWIDE;
242)O arguido OC… determinou então, que parte das mais-valias realizadas pela INVESCO fossem transferidas para a sua conta pessoal;
244)Esta operação não foi suportada por qualquer documento nem teve origem em qualquer negócio;
246)O arguido JO… instrumentalizou, em seu benefício pessoal, uma sociedade offshore do grupo, designadamente a INVESCO WORLDWIDE;
247)O arguido JO… bem sabia que tal quantia, na data em que foi transferida para a sua conta, não lhe era devida, sabendo ainda que causou um prejuízo patrimonial à INVESCO, consistente numa redução das mais-valias que esta offshore obteve aquando da venda das acções descrita no facto 240°;

iii. O tribunal “a quo” fundamentou a sua convicção nos seguintes termos:
A Invesco Worldwide, Ltd. era uma sociedade offshore constituída em 03.11.1999, nas Ilhas Virgens Britânicas, com acções ao portador e que tinha por procuradoras a arguida IM… e IF…:
- Processo, vol. 134, pág. 42223 – 18.11.1999 (tradução do certificado de acções ao portador da Invesco Worldwide);
- Apenso 33: E:\4910\11\CD Dados 2\Grupo de Trabalho - Projecto César\Grupo G\037_Invesco Worldwide LTD\037_41_Invesco _ Ficha.xls (historial da Invesco apurado no âmbito do Projecto César);
-Contabilidade\Off-Shores\Invesco - contrato prestação de serviços.doc – 01.01.2000 - contrato de prestação de serviços entre a Invesco e a Multiarea, no qual outorgam, na qualidade de procuradoras e em representação daquela, IM… e IG….
Do apurado em sede de Projecto César (v. documento supra) e do que infra se dirá resulta que a Invesco era utilizada em benefício da SLN, SGPS.
Com efeito (v. facto provado 237 e não provados 75 e 76, impondo-se também na materialidade provada as devidas correcções em função dos elementos contratuais e documentais), em 31.12.1999, a Invesco, por contrato escrito, adquiriu à SLN, SGPS, representada por OC… e LC…, 1.363.272 acções próprias pelo preço global 359.351.740$00 que correspondeu ao preço unitário de € 1,31 preço que ela pagou em 06.11.2000.
Nessa sequência, em 25.02.2000, por indicação de RP… dirigida a RR… é realizada a transferência de 1.363.272 acções da SLN, SGPS da carteira de títulos n.° … para a carteira de títulos da Invesco – conta n.° …/… - sem movimento financeiro.
E, em 04.09.2000, por ordem da Invesco, assinada por IC…, dirigida ao BPN Cayman, foi determinada a transferência de 359.351.740$00 para a SLN, para liquidação do preço das referidas 1.363.272 acções que é feita a partir da conta da Venice/Invesco no BPN, passa pela conta da Venice/Invesco no BPN Cayman e chega á conta da SLN no BPN (adiante melhor será explicada a “confusão” entre contas Invesco/Venice):
- Apenso 33 – 30\287\C\CGGA\POSTOS DE TRABALHO\IC…\D\IC…_Ficheiros vários\IMC\SLN-Direcções de Serviços\ACTOS E CONTRATOS-Grupo SLN\Docs. Actos e contratos Scaner\1999-12-31CCVenda de acções-SLN SGPS, SA- Invesco WorldWide LTD.pdf ou Bragas 18, pág. 2 a 6 - Contrato de compra e venda de 1.363.272 de acções próprias da SLN, SGPS, tendo esta sido representada pelos arguidos JO… e LC…;
- Apenso de busca 21, doc. 28, pág. 215 ou Bragas 18, pág. 1 – E-mail de RP… para RR… datado de 25.02.2000 para transferir 1.363.272 acções da SLN da carteira de títulos da SLN para a carteira de títulos da Invesco, isto, com o pedido de que não haja movimento financeiro;
- Apenso de busca 21, doc. 5, pág. 184 ou Bragas 18, pág. 7 – 04.09.2000-Instrução de IC… para transferir da conta da Invesco para a conta da SLN o preço das acções adquiridas;
- Apenso de busca 21 (BPN), doc. 19, pág. 231 ou Bragas 18, pág. 8 a 10 – Mapa do CAF relativo à SLN, SGPS de 1999 a 2002 com a entrada e saída de 1.363.272 acções, bem como aquisição de 409.585 acções + 60.000 acções por via de rateio (este último movimento será analisado de seguida);
- Apenso de busca 21 (BPN), doc. 19, pág. 236 – CAF da Invesco (entrada de 1.363.272 acções na conta da Invesco);
- Apenso bancário 108 – Conta da Venice no BPN, SA - débito da quantia de 359.351.740$00 no dia 6.9.2000 na sequência da referida instrução de IC…;
- Apenso bancário 25 – Conta da Invesco/Venice no BPN Cayman (crédito, seguido de débito, do mesmo montante e na mesma data – 6.9.2000);
- Apenso bancário 133 – Conta da SLN, SGPS no BPN, SA (último movimento, a crédito, no dia 6.9.2000 no montante de 359.351.740$00);
- CD vol. 13 – onde é possível, nos respectivos extractos de conta, seguir os mesmos movimentos, no BPN Cayman;
Posteriormente, no aumento de capital da SLN, SGPS de Março de 2000, a Invesco adquiriu 409.585 acções acrescidas de 60.000 por via de rateio, perfazendo o total global de 469.585 acções (v. facto provado 237 e facto não provado 77).
Por instruções de IM…, assinadas por IMC, dirigidas ao BPN Cayman, foram determinadas as transferências de 82.114.420$00 e de 12.028.920$00 para pagamento dos preços destas acções da SLN, SGPS. Não obstante, estes preços foram pagos pela conta da Invesco/Venice no BPN, SA (apenso bancário n.º 108):
-Apenso33–F:\4910\1AnexoA\TRAT\3\TOZE#2\DOCS\TOZE#2\Administração\SLN Sociedade Lusa Negocios - Controlo Accionista\Controlo de Transacções Acções Grupo SLN\MAPDV79-8079.zip\ZIP Volume\MAPDV79.xls ou Bragas 18, pág. 8 – CAF das operações da SLN, SGPS entre 1999 e 2002 (entrada a 15.3.2000 e 23.3.2000, respectivamente, de 409.585 e 60.000 acções, estas últimas por rateio);
- Apenso de busca 7, doc. 31.05, págs. 6 e 7 – duas instruções de IC… para pagamento das compras de 409.585 + 60.000 acções da SLN, SGPS, sendo as instruções datadas, respectivamente, de 15.3.2000 e 23.3.2000;
- Apenso bancário 108 – Conta da Venice no BPN, SA (débito das referidas quantias nas datas de 15.3.2000 e 23.3.2000);
- Apenso bancário 133 – Conta da SLN, SGPS no BPN, SA – v. datas de movimento de 15.3.2000 (aumento de capital) e 23.3.2000 (aumento de capital/rateio) – naturalmente, tratando-se de um aumento de capital, aqueles dois valores não se encontram autonomamente, estando antes incluídos em toda a receita do aumento de capital;
Por fim, em 30.06.2000, a Invesco adquiriu à SLN, SGPS, representada pelo arguido LC…, 5.160.889 acções próprias pelo preço global 1.443.086.969$00 (v. facto provado 237 e facto não provado 78):
- Braga 18, págs. 24 a 26 – Contrato de compra e venda entre a SLN, SGPS e a Invesco de 5.160.889 acções da SLN, SGPS pelo preço de 1.443.086.969$00;
- Braga 18, págs. 22 e 23 – Mapa de apuramento da actividade da Invesco com nota da aquisição de 5.198.395 acções pelo preço de 1.443.086.969$00, por referência à data de 30.6.2000;
- Braga 18, págs. 11, 27 e 28: E-mails de RP… com instruções: a primeira relativa à transferência de 5.198.395 acções; e a segunda relativa à rectificação para 5.160.889 acções; o último documento diz respeito à saída deste número de acções da órbita da SLN SGPS;
O valor total das acções SLN SGPS adquiridas pela Invesco, por compra e em sede de aumento de capital e rateio é, pois, de € 9.460.105,37 (1.896.582.048$97) – v. facto provado 237 e facto não provado – montante que, aliás, está em consonância com os constantes do “mapa de apuramento da actividade da Invesco” (v. Braga 18, págs. 22 e 23).
Não corresponde à verdade, de modo algum, o constante do art. 246° da pronúncia (v. facto não provado 80).
Com efeito e como vimos:
1) As 1.363.272 acções SLN adquiridas pela Invesco à SLN a 31.12.1999 foram pagas a 4.9.2000;
2) As 469.585 acções SLN adquiridas pela Invesco em Março de 2000 em sede de aumento de capital da SLN e posterior rateio foram pagas a 15.3.2000 e 23.3.2000;
3) Por sua vez, as 5.160.889 acções SLN adquiridas pela Invesco à SLN a 30.6.2000 foram pagas na mesma data, aliás, como resulta da seguinte documentação:
- Apenso bancário 133 (extracto de conta da SLN SGPS, no BPN, S.A. – transferência a crédito de 1.443.086.969$00 na data de 30.6.2000; v. fls. 16 do apenso; fls. 18 pdf);
- Apenso bancário 108 (extracto de conta da Venice/Invesco, no BPN, S.A. - transferência a débito de 1.443.086.969$00 na data de 30.6.2000; v. fls. 11 do apenso; fls. 13 pdf);
Apesar de, objectivamente, estar correto o que consta do art. 247° da pronúncia, não se pode olvidar que o pagamento aí descrito está relacionado com o descrito no art. 246° que, já vimos, não corresponde à realidade.
Se assim é, não se pode considerar o pagamento mencionado no art. 247° (6.11.2001) como sendo aquele, como explicamos, que procedeu ao pagamento das aquisições de acções pela Invesco a que alude o quadro do art. 245° da pronúncia.
Assim sendo, o facto em questão (247°) tem de considerar-se não provado (v. facto não provado 81).
Salvo o devido respeito por outra opinião, o que é relatado nos arts. 246° e 247° resulta de uma manifesta “confusão” da pronúncia de duas realidades distintas.
O que está em causa nessa factualidade é a conta da nova Invesco (apenso bancário 110) para a qual foram transferidas as acções da conta da antiga Invesco (apenso bancário 108).
Tendo a conta desta última sido redenominada para Venice a que se seguiram vários movimentos, impunha-se a abertura de uma nova conta Invesco que sucederia à antiga e que reflectisse correctamente a sua realidade bancária a nível de operações que tiveram subjacentes títulos da SLN SGPS.
Tanto que assim é, que, posteriormente, é nesta conta da nova Invesco (v. apenso bancário 110) que se reflecte a entrada das quantias a que aludem as transacções do quadro do art. 250° da pronúncia, ficando a mesma, no final dessas transacções/vendas com o saldo de 2.584.187.619$00 (v. apenso bancário 110) - valor total constante do artigo 250° da pronúncia.
Porém, como tinha sido a conta da antiga Invesco, redenominada Venice (v. apenso bancário 108), a adquirir essas acções, designadamente as aquisições descritas no art. 245° da pronúncia, impunha-se que o produto correspondente da venda posterior das acções fosse transferido da conta da nova Invesco (v. apenso bancário 110) para a conta da antiga Invesco, redenominada Venice (v. apenso bancário 108), produto este correspondente ao montante de 1.896.582.047$00 e que vem mencionado nos arts. 245° e 247° da pronúncia.
É certo que este valor, no dia 6.11.2000, não foi transferido da conta da nova Invesco no BPN, S.A. (v. apenso bancário 110) para a conta da antiga Invesco no BPN, S.A., entretanto redenominada Venice (v. apenso bancário 108).
Todavia, foi transferido nessa data da conta da nova Invesco no BPN, S.A. (v. apenso bancário 110) para a conta da Venice no BPN Cayman (v. apenso bancário 25), conta esta que, igualmente, antes tinha sido titulada pela Invesco e que fora entretanto também redenominada para Venice, à semelhança do que havia acontecido com a conta da Invesco (antiga) no BPN, S.A..
Prova inequívoca disso é a circunstância de a Venice, como vimos supra, ter sido constituída a 28.9.2000 e de, por isso, a sua conta bancária (apenso bancário 25) não poder ter movimentos feitos/determinados por si anteriores a essa data.
No entanto, a realidade mostra que a dita conta tem movimentos anteriores e vários (v. apenso bancário 25). Sinal claro de que essa conta no BPN Cayman, pertenceu à Invesco, tendo posteriormente sido redenominada Venice.
Circunstancialismo que está igualmente em conformidade com a data da constituição da Invesco (Novembro de 1999) e a data da abertura desta conta no BPN Cayman (17.11.1999) – v. apenso bancário 25.
Do que acaba de se referir resulta, pois, que não é verdade o que consta da 1ª parte do art. 248° da pronúncia (v. facto não provado 82), antes pelo contrário.
Com efeito, tendo a Venice sido constituída apenas a 28.9.2000 e sendo todas as transacções anteriores a essa data, obviamente que não pode ter sido esta a sociedade a vendedora das acções em todas as operações identificadas supra, mas sim a Invesco, tudo em conformidade com o que consta dos arts. 248°, 2ª parte e 249° da pronúncia (contrato de compra e venda de acções da SLN SGPS de 31.12.1999 mencionado supra) – v. factos provados 238 e 239.
Em suma, o que confundiu tudo e todos foram dois aspectos:
1) A circunstância de os movimentos financeiros subjacentes às transacções identificadas figurarem nas contas da Venice;
2) O facto de essas contas terem pertencido à Invesco, contas que foram posteriormente redenominadas Venice, e, aparentemente, ninguém se ter apercebido que esta apenas foi constituída em data posterior às datas em que ocorreram as transacções identificadas de acções da SLN SGPS;
Prosseguindo:
Sendo, pois, detentora de 6.993.746 acções da SLN, SGPS (1.363.272 + 469.585 + 5.160.889), a Invesco, no âmbito da já referida oferta particular de venda de acções próprias realizada pela SLN, SGPS em 31.10.2000 (v. tema anterior – “venda de acções à Emka Internacional”), vendeu 6.653.065 acções pelo preço global de 2.584.187.619$00 que correspondeu a preços unitários que variaram entre €1,60 e € 2,10 (v. facto provado 240):
- Apenso de busca 21, doc. 9, pág. 98 – 31.10.2000 - Quadro geral dos oferentes e adquirentes na oferta particular de acções
Nestas operações, a Invesco realizou mais-valias no montante de 687.605.570$06 (€ 3.429.762,13) uma vez que, como vimos, o custo de aquisição das acções vendidas foi de 1.896.582.048$97 equivalente a € 9.460.111,37 e os proveitos da venda dessas acções foi de 2.584.187.619$03 equivalente a € 12.889.873,50 (facto provado 241).
Nestas circunstâncias, o arguido OC… determinou, então, que parte do produto daquelas vendas, no montante de 213.775.420$00, fosse transferido da conta da Invesco no BPN, SA, conta n.° …, para a sua conta no BPN, SA, conta n.° … (v. factos provados 242 a 245).
E, com efeito, em 14.12.2000, a conta da Invesco foi debitada pelo montante de 213.775.420$00 e a conta do arguido JO… foi creditada em igual valor:
- Apenso bancário 110 – Conta da Invesco no BPN, SA – pág.. 8 – 14.12.2000 - Movimento a débito de 213.775.420$00;
- Apenso bancário 7 – Conta de OC… no BPN, SA – pág. 16 – 14.12.2000 - Movimento a crédito de 213.775420$00;
Esta operação e este fluxo financeiro da conta da Invesco, offshore do Grupo SLN, para a conta do arguido OC…, não foi suportada em qualquer documento nem tiveram origem em qualquer negócio.
Sucede que, por outro lado, OC… tinha uma carteira de títulos junto do Banco Banif composta por 626.813 acções da SLN, SGPS, das quais 482.000 acções eram valores limitados ou vinculados porque estavam a garantir um empréstimo e, por isso, estavam indisponíveis.
Mais tarde, em Fevereiro de 2001, o arguido OC… fez entrega à Venice, conta n.º … no BPN CAYMAN – conta que, como explicado, era da Invesco e que, posteriormente, foi redenominada Venice - daquelas 626.813 acções da SLN, SGPS, como se estas acções já tivessem sido vendidas à Invesco que por elas teria pago, em 14.12.2000, o montante de 213.775.420$00.
Documentação de suporte:
- Braga 18, págs. 34 a 41 – Documentação atinente às 626.813 acções da SLN, SGPS tituladas pelo arguido;
Posto isto, que dizer?
Excluindo as mencionadas 751.656 acções da SLN GSPS que o arguido vendeu à Emka € 2,10 na já referida e analisada oferta particular de venda de acções próprias realizada pela SLN SGPS a 31.10.2000 (negócio analisado supra), o arguido OC… não vendeu quaisquer outras acções da SLN SGPS a qualquer outra sociedade/particular, muito menos à própria Invesco.
Isso não significa que não tivesse quaisquer acções próprias da SLN SGPS em carteira. De facto, tinha-as, não no BPN, S.A., mas sim no Banif (v. Braga 18, pág. 37), designadamente uma quantidade de 626.813 acções.
Porém, 482.000 dessas acções da SLN SGPS detidas pelo arguido na sua carteira de títulos junto do Banco Banif estavam “limitadas ou vinculadas” (v. Braga 18, pág. 38, uma vez que, como o próprio arguido assumiu em carta enviada ao Banif a 31.10.2000, elas estavam a “caucionar um empréstimo” que o arguido mantinha junto desta instituição bancária (v. Braga 18, pág. 40).
É certo que na mesma missiva o arguido solicitou a transferência das 626.813 acções depositadas no Banif para a conta de que era titular n.º … com o objectivo de as negociar na totalidade, comprometendo-se ainda a transferir para o Banif outras 482.000 acções que ficariam, então, caso o Banif aceitasse, a caucionar o mesmo empréstimo (v. Braga 18, pág. 40).
Porém, o Banif não deu o acordo a este pedido, até porque, como vimos, na data de 31.10.2000 bem como, mais tarde, a 14.12.2000, aquelas 626.813 acções não estavam depositadas na carteira de títulos do arguido junto do BPN, S.A..
Não obstante, nesta última data, o arguido recebeu da Invesco a quantia de 213.775420$00 como se lhe tivesse vendido as acções da SLN SGPS, negócio que, de facto, não ocorreu.
No fundo e em certo sentido, estava a fazer uma “venda a descoberto” (esta modalidade de venda de títulos só é permitida em mercados regulamentados, normalmente em produtos derivados e alavancados, como são os CFD´s – “contract for a diference”), ou seja, a vender algo que tinha, mas que não podia vender desde logo, porque as acções não estavam disponíveis uma vez que estavam a garantir um empréstimo que tinha junto do Banif.
Ou, vistas as coisas sob outro prisma, não estava a vender acções, mas tão só a receber por conta de uma venda futura de acções que iria fazer.
Aliás, o que se afirma resulta clarividente do mapa de apuramento das mais e menos valias das acções da SLN detidas pelo arguido OC… (v. Braga 18, pág. 36).
Como efeito:
1) A 14.12.2000, data na qual foi creditada a referida quantia na sua conta, as 626.813 acções não estavam depositadas na carteira de títulos do arguido junto do BPN, S.A.;
2) Essas 626.813 acções só entraram na sua conta de títulos a 27.12.2000;
3) E saíram somente a 8.2.2001, embora este movimento (2 e 3) não se tivesse traduzido em nenhuma mais/menos valia;
Elementos probatórios que, igualmente estão de acordo com o constante de Braga 18, pág. 41.
Atente-se que este documento se traduz numa consulta efectuada a 7.2.2001 ao histórico da conta de títulos de OC…, no qual está escrito “transferir, sem movimento financeiro, à data de 29/12, para a conta da Venice (BPN Cayman – …/…/…), i.e., as 626.813 da SLN SGPS que haviam entrado a 27.12.2000.
Por isso é que esses títulos, como vimos, só saíram da sua conta a 8.2.2001 (a consulta é de 7.2.), embora com data-valor de 29.12.2000 (tinham entrado na conta a 27.12.).
O que é indesmentível é que OC…, cerca de mês e meio depois de os títulos terem entrado na sua conta, acabou por determinar que os mesmos fossem transferidos para a conta da Venice, em BPN Cayman, conta que havia sido redenominada e que, antes, pertencia à Invesco.
Analisados todos estes movimentos financeiros e de títulos, essencialmente este último, nada permite concluir, como consta dos factos 237° e 252° da pronúncia, que o arguido reverteu para seu proveito pessoal a quantia de 213.775.420$00 de mais-valias realizadas pela Invesco, pela simples razão de que, mais tarde, como vimos, acabou por transferir para a conta da Invesco, então redenominada Venice, as 626.813 acções da SLN SGPS que, entretanto, haviam entrado na sua conta de títulos junto do BPN, S.A. (v. factos não provados 83 e 84).
Porém, igualmente analisados estes movimentos financeiros e de títulos, há 3 conclusões inequívocas que podem ser retiradas:
1) O arguido JO… instrumentalizou em seu benefício pessoal a Invesco Worldwide que era uma offshore do Grupo (v. facto provado 246);
2) Sabia que a quantia de 213.775.420$00, na data em que foi transferida para a sua conta, não lhe era devida (v. facto provado 247);
3) Considerando que a Invesco na referida oferta particular vendeu acções da SLN SGPS, S.A. ao preço unitário que variaram entre € 1,60 e € 2,10, com a sua actuação o arguido OC… causou um prejuízo à Invesco que se traduziu numa redução das mais-valias que esta offshore obteve quando procedeu à venda das acções no âmbito da venda particular de acções próprias da SLN, SGPS, realizada em 31.10.2000 (v. facto provado 247), porquanto:
a) A Invesco não vendeu 626.813 acções da SLN SGPS;
b) Transferiu para a conta do arguido, a pedido deste, a quantia de 213.775.420$00;
c) O arguido, posteriormente, transferiu as 626.813 acções da SLN SGPS para a conta da Invesco, entretanto redenominada Venice, ao valor nominal de € 1,00, acções que a Invesco não pôde, por isso, vender no mercado pelo preço de € 1,60 a € 2,10; (sublinhados nossos).

iv. Vejamos.
a. No que se refere à questão da existência de um negócio de compra e venda de acções:
Não assiste razão ao recorrente, na ausência de alusão da motivação a tal negócio.
Com efeito, basta ler o que se acabou de transcrever para se poder concluir que ao mesmo atendeu. Aí, em resumo, se refere:
No fundo e em certo sentido, estava a fazer uma “venda a descoberto” (esta modalidade de venda de títulos só é permitida em mercados regulamentados, normalmente em produtos derivados e alavancados, como são os CFD´s – “contract for a diference”), ou seja, a vender algo que tinha, mas que não podia vender desde logo, porque as acções não estavam disponíveis uma vez que estavam a garantir um empréstimo que tinha junto do Banif.
Ou, vistas as coisas sob outro prisma, não estava a vender acções, mas tão só a receber por conta de uma venda futura de acções que iria fazer.

b. E, quanto a essa questão, limita-se o recorrente a:
- Afirmar que não foi produzida prova testemunhal a este respeito, o que é uma verdade (a prova foi documental). Mas daí não decorre qualquer vício ou erro de prova - que se saiba a lei não exige prova testemunhal como único meio probatório admissível…
- A juntar quadros em que invoca uma série de documentos que estão nos autos e a propósito dos quais tece considerações de ordem pessoal, ao invés do que lhe era exigível em sede de recurso – rebater, ponto por ponto, os documentos nos quais o tribunal “a quo” fundou a sua convicção.
É que, como já se disse e se repete, não basta dizer-se que se discorda do que é dito pelo julgador, é preciso demonstrar que o mesmo errou, porque os documentos que fundaram a sua convicção estão errados/porque estão incompletos/porque se enganou nos raciocínios que sobre os mesmos realizou.
Salvo o devido respeito, nada disso se mostra realizado sendo que, além do mais, o recorrente incorre ele mesmo em contradição, pois tanto refere que o tribunal “a quo” não mencionou a venda das acções que fez à Invesco, como afirma que afinal o fez mas devia ter concluído o que ele próprio, arguido, acha que se passou.
Em suma, o quadro que junta limita-se a pretender realizar um resumo da sua tese quanto ao sucedido, sem que cumpra o que se exige que faça – um rebate do que se mostra exarado pelo tribunal “a quo”, quanto aos elementos probatórios a que atendeu e aos raciocínios que o levaram a alcançar a sua convicção.

c. E a tese de “à data do termo da investigação não ter sido detectada a mudança de nomenclatura e de titularidade das contas (questão da Invesco, da nova Invesco e da Venice)”, é uma mera falácia – estava detectada, não foi é correctamente interpretada, como explica o tribunal “a quo”.

d. No que se refere à questão já anteriormente suscitada pelo arguido, em sede de nulidades da sentença, por incumprimento do vertido no artº 358 do C.P.Penal, relativa à questão da instrumentalização, transcreve-se o que a esse propósito se deixou já exarado no presente acórdão (vide nulidades da sentença):

“i. Essa factualidade tinha, em sede de pronúncia, a seguinte redacção:
256º - Com esta operação, o arguido JO… beneficiou directamente de mais valias na venda das acções, no montante de  213.775.420$00, geradas pelas transacções efectuadas por um veículo offshore detido informalmente pela SLN SGPS.
257º - O arguido JO… bem sabia que tal quantia não lhe era devida e que deste modo causava um prejuízo patrimonial à INVESCO e à SLN SGPS, sua beneficiária.
259º - quantia que foi gerada pelas supra descritas operações de venda de acções pessoais do arguido à Emka e pela apropriação das mais valias originadas pelas vendas das acções efectuadas pela Invesco, e em prejuízo do grupo SLN, operações estas que haviam gerado ganhos ilegítimos totais de 359.538.268$01.
ii. Em sede de acórdão, a factualidade dada como assente, nos pontos de facto correspondentes, tem o seguinte teor:
246) O arguido JO… instrumentalizou, em seu benefício pessoal, uma sociedade offshore do grupo, designadamente a INVESCO WORLDWIDE;
247) O arguido JO… bem sabia que tal quantia, na data em que foi transferida para a sua conta, não lhe era devida, sabendo ainda que causou um prejuízo patrimonial à INVESCO, consistente numa redução das mais-valias que esta offshore obteve aquando da venda das  acções descrita no facto 240º;
249) quantia que foi gerada pelas supra descritas operações de venda de  acções pessoais do arguido à Emka e pela instrumentalização da sociedade offshore Invesco Worldwide, e em prejuízo do grupo SLN, operações estas que haviam gerado ganhos ilegítimos totais de 379.538.268$01;
iii. Basta a mera leitura dessa factualidade, inserindo-a no contexto do iter que descreve, para se poder facilmente constatar que o que resultou provado pelo tribunal “a quo” não consistiu em qualquer aditamento de factos; antes ocorreu uma supressão, pois houve materialidade fáctica que constava na pronúncia a este propósito e que foi dada como não provada.
iv. De facto, a pronúncia, para além da questão da instrumentalização, imputava ainda ao arguido a apropriação directa de mais-valias (recebidas na sua conta bancária), provenientes da Invesco.
 O que sucedeu é que o tribunal “a quo” entendeu que se não provou tal apropriação, mas apenas a instrumentalização da Invesco, consistente numa redução das suas mais-valias.
v. O que se discutia, em sede de pronúncia, é se houve ou não (por parte do arguido OC…) uma apropriação de fundos da Invesco, que causou prejuízo a esta e se a mesma se destinou a indevido proveito pessoal do arguido, sem ter por base qualquer negócio.
vi. E o que ficou provado foi que houve uma retirada indevida de fundos dessa sociedade, pelo arguido JO… (recebimento de uma quantia monetária sem que, à data, houvesse qualquer negócio que a justificasse, através do uso de um descoberto), bem como que a Invesco ficou privada de poder dispor desse montante, sem por tal razão ter recebido então qualquer contrapartida, durante vários meses; que essa situação lhe gerou, obviamente, um prejuízo e que o arguido beneficiou do uso dessa quantia, muito antes de à mesma ter direito.
vii. O que não se provou foi que, para além dessa retirada, o arguido se tenha apropriado de tal montante (já que acabou por entregar as acções à Invesco), como lhe era também imputado em sede de pronúncia, mas apenas que fez uso dessa retirada antecipada (o que igualmente se continha na pronúncia), o que causou prejuízo à Invesco e benefício para si.

viii. Tudo isto se situa dentro do thema decidendum e do mesmo não sai, sendo que o que sucedeu é que apenas uma parte da factualidade no iter apreciado se não provou - a da apropriação.
ix. E o tribunal “a quo” procedeu à comunicação dessa alteração factual ao arguido, nesses termos, pelo que manifestamente não assiste qualquer razão ao recorrente no vício que a este respeito invoca.”

e. E não há nenhum erro clamoroso na afirmação de que o montante que o arguido recebeu na sua conta, proveniente de mais-valias que tinham sido obtidas pela Invesco, não tiveram origem em qualquer negócio.
A verdade é que, no momento temporal em que foram recebidas, de facto e de direito, nenhum negócio as justificava (em bom rigor, embora o arguido tivesse recebido esse dinheiro por conta de uma venda futura de acções que iria fazer, a verdade é que esse negócio nem sequer lhe era legalmente permitido realizar, pois essa venda de títulos só é permitida em mercados regulamentados, normalmente em produtos derivados e alavancados, como são os CFD´s – “contract for a diference”).
E curiosamente, embora o arguido se indigne com tal afirmação, foi incapaz de a rebater fundadamente.
Efectivamente, só em Fevereiro de 2001, quando os títulos entraram na disponibilidade da Venice (antiga Invesco), é que passou a haver uma razão para tal saída de dinheiro da conta da Invesco, designadamente quando os mesmos foram transferidos da conta do arguido OC… no Banif para a conta da Venice, em BPN Cayman, conta que havia sido redenominada e que, antes, pertencia à Invesco.

f. E esse é um facto que o próprio arguido não consegue rebater, sendo por isso perfeitamente indiferente se tal ordem só foi possível por razões que se prendiam com cauções a que se mostravam adstritas tais acções, relativamente ao Banif ou não.
É um facto em si que se mostra documentalmente demonstrado; ou seja, na data em que recebeu o dinheiro na sua conta, o arguido não transferiu quaisquer acções para a Invesco. Só veio a fazê-lo posteriormente, para a conta da Venice (dadas as alterações entretanto ocorridas quanto à titularidade dessas duas sociedades, que o tribunal “a quo” explica).
E esse facto já constava da pronúncia.
Se o arguido tinha uma boa razão que justificasse tal “décalage” temporal, caber-lhe-ia então a si explicar a legitimidade temporal do recebimento em Dezembro dos montantes provenientes da Invesco.
Não o tendo feito, resta afirmar o que os documentos demonstram; isto é, que à data em que recebeu a quantia relativa à putativa venda das suas acções, estas não foram entregues à Invesco, bem como que a quantia usada para tal entrada monetária na sua conta, pela dita sociedade, foi obtida por recurso a um descoberto.

g. Dir-se-á, para além do mais, que o raciocínio lógico que o tribunal “a quo” desenvolve a propósito de tal questão se mostra suportado pelos elementos probatórios constantes nos autos.
De acordo com o que consta em Braga 18, pág. 40, essas acções encontravam-se no Banif, a caucionar um empréstimo que o arguido tinha nessa instituição.
É um facto, que resulta de um documento subscrito pelo próprio arguido, como se constata pelo que ora se reproduz:

(Imagem removida)

Assim, mostra-se de acordo com as regras de experiência comum o que se afirma em sede de motivação, relativamente ao conhecimento, por parte do arguido, de que tais acções não se mostravam na sua livre disponibilidade, antes dependentes de decisão do Banif.
E não se trata aqui de qualquer alteração à matéria de facto provada, mas tão-somente de livre apreciação de elementos probatórios.
A fundamentação não atesta factos; discute a prova e explica as razões da sua credibilidade, pelo que nesta sede se mostra inaplicável o mecanismo previsto no artº 358 do C.P.Penal (remetemos para o que já deixámos exposto supra quanto a este tema – alteração não substancial dos factos – a propósito das nulidades da sentença, por meras razões de economia processual).

h. Quanto ao restante que o recorrente alega:
O tribunal “a quo” esclarece – com clareza, cremos - que Analisados todos estes movimentos financeiros e de títulos, essencialmente este último, nada permite concluir, como consta dos factos 237° e 252° da pronúncia, que o arguido reverteu para seu proveito pessoal a quantia de 213.775.420$00 de mais-valias realizadas pela Invesco, pela simples razão de que, mais tarde, como vimos, acabou por transferir para a conta da Invesco, então redenominada Venice, as 626.813 acções da SLN SGPS que, entretanto, haviam entrado na sua conta de títulos junto do BPN, S.A. (v. factos não provados 83 e 84).
Porém, igualmente analisados estes movimentos financeiros e de títulos, há 3 conclusões inequívocas que podem ser retiradas:
1) O arguido JO… instrumentalizou em seu benefício pessoal a Invesco Worldwide que era uma offshore do Grupo (v. facto provado 246);
2) Sabia que a quantia de 213.775.420$00, na data em que foi transferida para a sua conta, não lhe era devida (v. facto provado 247);
3) Considerando que a Invesco na referida oferta particular vendeu acções da SLN SGPS, S.A. ao preço unitário que variaram entre € 1,60 e € 2,10, com a sua actuação o arguido OC… causou um prejuízo à Invesco que se traduziu numa redução das mais-valias que esta offshore obteve quando procedeu à venda das acções no âmbito da venda particular de acções próprias da SLN, SGPS, realizada em 31.10.2000 (v. facto provado 247), porquanto:
d) A Invesco não vendeu 626.813 acções da SLN SGPS;
e) Transferiu para a conta do arguido, a pedido deste, a quantia de 213.775.420$00;
f) O arguido, posteriormente, transferiu as 626.813 acções da SLN SGPS para a conta da Invesco, entretanto redenominada Venice, ao valor nominal de € 1,00, acções que a Invesco não pôde, por isso, vender no mercado pelo preço de € 1,60 a € 2,10;

i. Daqui decorre, inequivocamente, que o que é dado como assente nestes pontos factuais, nada tem a ver com o que o recorrente parece pretender fazer crer, num exercício de confusão de temas – não está nestes pontos demonstrado que o prejuízo decorrente para a Invesco, resultante da actuação do arguido, se saldou pelo valor por este recebido a título de mais-valias, ou seja, que este se apoderou indevidamente de mais-valias pertencentes à Invesco.
O que aí se afirma é que o prejuízo para a Invesco se traduziu numa redução das mais-valias que obteve, porque não vendeu as acções que só posteriormente o arguido lhe veio a entregar (não pôde vendê-las pelo preço de € 1,60 a € 2,10, porque não as tinha) e porque antecipadamente passou para a conta do arguido uma quantia monetária, à custa de um descoberto, quando nada obteve nesse momento temporal, assim deixando de poder usufruir da mesma, até ao dia em que efectivamente veio a receber as acções do arguido.
É isto e apenas isto o que aí se mostra provado e, no que a esta matéria se reporta, o arguido mostrou-se incapaz de aduzir prova e argumentos que refutem essa factualidade.
E a mesma não se mostra contraditada pelas regras de experiência comum pois, quando se paga algo que não se tem, qualquer um fica sem a possibilidade de poder dispor dessa quantia ou do bem. É óbvio e lógico.

j. No que se refere ao “flagrante vício de raciocínio, por parte do tribunal “a quo”, ao entender que, porque o arguido não transferiu para a Invesco em 14 de Dezembro de 2000 as “626.813 acções da SLN SGPS” que tinha no BANIF a Invesco deixou de as poder vender e de realizar mais-valias em 31 de Outubro de 2000” que o recorrente invoca, este simplesmente inexiste.
Na verdade, a impossibilidade de realização de mais-valias que o acórdão refere não se reporta a 31.10.2000, como o recorrente pretende fazer crer, mas ao período temporal que se inicia no dia 14 de Dezembro de 2000 (data em que a quantia de 213.775.420$00 foi creditada na conta do arguido) e termina em Fevereiro de 2001, data em que as ditas acções pertencentes ao arguido foram entregues à Venice (redenominação/integração da antiga Invesco).

k. No que se refere ao constante no ponto 865) dos factos provados, como o arguido muito bem sabe, a questão dos ganhos à custa da Invesco/Venice não se reconduz apenas ao episódio de que ora se trata.
Assim, oportunamente – vide infra - quando analisarmos as restantes questões relacionadas com a Invesco, apreciaremos tal questão.

l. Em sede final, dir-se-á que o uso das palavras que o recorrente menciona nada têm de conclusivo e lacónico, não se prestam a confusões interpretativas, nem se reconduzem ao universo do vocabulário estritamente jurídico, antes se mostram criteriosamente factuais, sintetizando e caracterizando o conjunto da sua actuação nesta sede, que acima já se sumariou.
Têm, obviamente de ser lidos e interpretados, juntamente com os demais factos que foram dados como provados no que a este tema da pronúncia se refere.

v. Improcede, pois, também nesta parte, o peticionado pelo recorrente.

17. Pontos 265, 73, 251, 254, 255, 259, 264, 265, 331 e 865 da matéria julgada provada da pronúncia:
Entende o recorrente que o que se mostra dado como assente naqueles pontos dos factos provados se mostra em contradição com a afirmação constante na motivação, a fls. 763, onde se afirma “não parece (…) haver dúvidas de que a zemio pagou à venice a quantia que, antes, havia transitado venice – zemio – oc… e que serviu para adquirir 7.250.00 das acções pessoas da sln sgps ao arguido OC… (….)”, tendo igualmente o tribunal “a quo” dado tal matéria como provada com base em erro flagrante.
Assim, em seu entender, a prova produzida revela que a operação de venda de títulos à Zemio foi integralmente paga - e com juros - à Venice/Solrac, não tendo existido qualquer intenção de não pagamento daquele financiamento e, consequentemente, qualquer “apropriação” de fundos.

i. Os pontos acima mencionados têm o seguinte teor:
73) Os arguidos utilizaram também veículos em offshore, disponibilizados através da PLANFIN, tendo em vista a detenção de acções da SLN SGPS e da SLN VALOR, os quais financiaram através de operações a descoberto e não regularizadas, incluindo-se entre elas as entidades:
- TILLAN MARKETING LTD;
- REDSHIELD SERVICES LTD;
- TEMPORY LIMITED;
- BREMONHILL SERVICES LLC;
- RELTONIA ENTERPRISES LLC;
- MERFIELD SERVICES LLC;
- MARBAY ENTERPRISES COR;
- ZEMIO INVESTMENTS CORP;
251)Assim, congeminou outro plano para receber através de uma outra entidade veículo offshore, a ZEMIO, quantias monetárias sacadas sobre contas de entidades detidas pela SLN;
254)O arguido concebeu então um estratagema que passava pela venda de um conjunto de acções que detinha, a um preço bastante superior ao da aquisição, que tinha sido a 1,00€, a uma sociedade offshore, no caso a ZEMIO, que seria financiada com base numa transferência da conta da VENICE junto do BPN Cayman, conta esta utilizada como central de custos e sacada a descoberto;
255)Na execução desse plano, o arguido OC… solicitou a colaboração da arguida IC…, para que, como procuradora da VENICE, subscrevesse uma carta, com data de 29 de Dezembro de 2000, dando instruções para o débito da conta n° …, titulada pela Venice Capital, no BPN Cayman, por transferência da quantia de 3.197.687.900$00 para a conta n° …, titulada pela ZEMIO no BPN Cayman, o que foi efectivamente realizado;
259)Para ocultar a origem do pagamento recebido, o arguido OC… criou um circuito dos fundos entre o BPN Cayman, onde se encontrava a conta da ZEMIO, e o BPN SA, onde se encontrava a sua conta, que passou pelo BPN Paris, criando a aparência que o pagamento tinha tido origem nesta última entidade;
264)Desta forma e com recurso a fundos da offshore Venice Capital, foi usada uma offshore, a Zemio Investments, cujo beneficiário final era o arguido JO…, e que adquiriu as 7.250.000 acções da SLN, apenas para permitir ao arguido apropriar-se de referida mais-valia;
265)Certo é que a Zemio ficou devedora à Venice Capital do montante que esta lhe havia transferido, servindo esta empresa como modo de financiamento do arguido JO…;
331) Em oitavo lugar, o arguido OC… adquiriu, directamente por si e através de familiares directos e ainda através de entidades de que era beneficiário, caso da TEMPORY e da ZEMIO, acções da SLN SGPS, em alguns casos através de financiamentos que nunca pretendeu pagar, conforme narrado supra, atingindo o seguinte domínio de acções da SLN SGPS:


AccionistaClassificação22 Março de 200211 de Abril de 200328 de Maio de 2004
IMA…JOC_Participações Pessoais e Familiares000
JA…JOC_Participações Pessoais e Familiares4.9574.9570
JO…JOC_Participações Pessoais e Familiares20.354.38420.354.38419.044.647
RL…JOC_Participações Pessoais e Familiares8.9588.9589.405
TEMPORY LIMITEDJOC_Participações Pessoais e Familiares000
ZEMIO INVESTMENTS CORP.JOC_Participações Pessoais e Familiares6.495.00000



Sub-Total 26.863.29920.368.29919.054.052
Capital Social 350.000.000350.000.000367.500.000



AccionistaClassificação13 Maio de
2005
26 de Maio de 2006
IMA…JOC_Participações Pessoais e Familiares00
JA…JOC_Participações Pessoais e Familiares00
JO…JOC_Participações Pessoais e Familiares18.461.27618.565.910
RL…JOC_Participações Pessoais e Familiares9.4059.875
TEMPORY LIMITEDJOC_Participações Pessoais e Familiares2.009.4062.109.876
ZEMIO INVESTMENTS CORP.JOC_Participações Pessoais e Familiares00



Sub-Total 20.480.08720.685.661
Capital Social 448.500.000470.925.000



AccionistaClassificação26 de Abril de 200730 de Maio de 2008
IMA…JOC_Participações Pessoais e Familiares50.00050.000
JA…JOC_Participações Pessoais e Familiares00
JO…JOC_Participações Pessoais e Familiares18.517.91018.217.910
RL…JOC_Participações Pessoais e Familiares9.8759.875
TEMPORY LIMITEDJOC_Participações Pessoais e Familiares2.109.8762.053.425
ZEMIO INVESTMENTS CORP.JOC_Participações Pessoais e Familiares00



Sub-Total 20.687.66120.331.210
Capital Social 470.925.000470.925.000


865)Conforme narrado supra, o arguido OC… havia adquirido um total de 29.000.000 de acções da SLN SGPS com base em operações de apropriação de fundos que envolveram as entidades EMKA, INVESCO e ZEMIO e com base num financiamento pelo Banco FORTIS, que havia sido pago pelo saque de fundos de uma conta designada A1, junto do Banco Insular;

ii. O tribunal “a quo” fundamenta essa matéria factual nos seguintes termos (sublinhados nossos):
Passemos, doravante, à análise da 3ª operação discriminada na pronúncia: a “operação Zemio”
À data de 14.12.2000 (v. facto 260° da pronúncia; v. facto provado 250 e facto não provado 86), após aquelas duas operações/movimentos, o arguido OC…, como resulta, aliás, da já mencionada análise da sua conta no BPN, S.A., não tinha um montante suficiente para pagar as 29.000.000 de acções da SLN SGPS subscritas em sede de aumento de capital desta sociedade (v. factos provados 225 a 229).
É então que entra em acção um outro plano por si formulado (v. art. 261° da pronúncia; facto provado 251) através de mais um veículo offshore, a Zemio, com o objectivo de, através desta, receber as quantias monetárias necessárias a proceder àquele pagamento, sacadas sobre contas de entidades detidas pela SLN, conforme se verá já de seguida e para cuja fundamentação se remete.
A Zemio Investments é uma offshore constituída através da Planfin, que, em 2000, tinha por último beneficiário o arguido OC… (arts. 261° e 262° da pronúncia; factos provados 252 e 253):
 (…)
Desencadearam-se, então, uma série de actos na sequência do plano gizado pelo arguido OC… que se passam a descrever:
Em 28.12.2000, data da escritura de aumento do capital social da SLN SGPS, S.A., OC… deu ordem manuscrita de venda de 7.250.000 acções desta sociedade (acções que ainda não tinha pago) à Zemio em resultado do que lhe é creditado na sua conta no BPN, S.A., o montante de € 15.950.000,00 que correspondia a 3.197.687.900$00.
O preço de cada uma das acções assim vendidas à Zemio foi de € 2,20, sendo certo que o preço de aquisição das mesmas acções que depois OC… pagou, foi de € 1,00, cada uma, preço privilegiado de subscrição de acções da SLN, SGPS, do qual OC…, como vimos supra, beneficiava:
(…)
Ou seja, OC…, que ia adquirir 29.000.000 acções da SLN SGPS, S.A., em sede de aumento de capital desta sociedade, ao preço unitário de € 1,00 em face da prerrogativa estatutária de que beneficiava, estava a vender à Zemio (sociedade de quem era o último beneficiário) 7.250.000 daquelas acções ao preço unitário de € 2,20.
Colocava-se, então, a questão: como ia pagar a aquisição dessas acções a ele próprio?
Em 29.12.2000, dia seguinte àquela ordem de venda, IM…, na qualidade de procuradora da Venice Capital, deu ordem ao BPN Cayman para que processasse uma transferência de 3.197.687.900$00, equivalente a € 15.950.000,00, para a conta n.º …, conta da Zemio no BPN Cayman.
Esta ordem de transferência foi executada através do Private Bank do BPN do Porto, a partir da conta … da Venice no BPN Cayman, onde é provocado um descoberto de € 2.563.358.478,89, com destino à referida conta da Zemio no BPN Cayman.
E na mesma data, 29.12.2000, por ordem de IM…, aquela quantia é transferida da conta da Zemio para a conta de OC… no BPN, SA, após triangulação pelo BPN, Paris.
Em resumo:
OC…, que ia adquirir 29.000.000 acções da SLN SGPS, S.A., em sede de aumento de capital desta sociedade, ao preço unitário de € 1,00, em face da prerrogativa estatutária de que beneficiava, estava a vender à Zemio (sociedade de quem era o último beneficiário, i.e., o dono/proprietário) 7.250.000 daquelas acções ao preço unitário de € 2,20, sendo que, para o efeito, foi buscar o dinheiro à Venice (sociedade offshore do grupo que, como vimos supra, funcionava como um “saco azul” ou “central de custos”, ou seja, um veículo de financiamento do grupo SLN/BPN; embora, neste caso, tenha funcionado com um veículo de favorecimento/financiamento do próprio arguido OC… – v. facto provado 71), provocando-lhe um descoberto de € 2.563.358.478,89.
Isto é, em vez de recorrer a um empréstimo, foi buscar o dinheiro a uma sociedade offshore do grupo e que se configurava como um “saco azul” ou “central de custos” do próprio grupo SLN/BPN.
Elementos probatórios de suporte:
- Apenso temático I, vol.3, págs. 372 e 373 – 20.10.2008 – Declaração de trust relativa à Venice que indica a Marazion como última beneficiária;
- Apenso temático I, vol. 3, págs. 374 a 378 – 28.09.2000 – Certificado de incorporação das acções da Venice e memorando de associação datado de 06.08.1998;
- traduções da referida documentação constante de fls. 42343 e 42344 do volume 134 dos autos principais;
- Apenso 33 – 11\CD Dados 2\Grupo de Trabalho-Projecto César\Grupo G\081_Solrac Finance INC\081_43_Relatório-H-Solrac-01.pdf, pág. 128 ou Braga 19 págs. 9 e 10 – 29.12.2000 - Ordem de IM… para transferência de 3.197.687.900$00 da conta da Venice para a Zemio e documentação atinente à transferência da Venice para a Zemio, designadamente um impresso “de transferência interna” do Private Banking do Porto, onde está manuscrito o n.° da operação em causa: “O.P. 03546229”;
- CD vol. 13 (tem todas as contas do BPN Cayman e do Banco Insular): pesquisa pelo n.° da operação O.P. 03546229:

(Imagem removida)

- Apenso bancário 25 – Conta da Venice no BPN Cayman – … – pág. 9 – 29.12.2000 – Movimento a débito de 3.197.687.900$00;
- Processo, vol. 107, fls. 34825 e 34826, págs. 156 e 157 pdf (operação target da Zemio de 29.12.2000 no montante de € 15.950.000,00, correspondente a 3.197.687.900$00, tendo a indicação que o cliente é “JCo…”);
- Processo, vol. 107, fls. 34824, pág. 155 pdf – 29.12.2000 – Ordem de IM… para transferência de € 15.950.000,00 da Zemio para a conta identificada no documento, junto do BPN Paris;
- Apenso bancário 55 – Conta da Zemio no BPN Cayman – … – pág. 3 - 29.12.2000 – Movimentos a crédito e a débito de 3197.687.900$00;
- Processo, vol. 107, fls. 34827, pág. 158 pdf – 29.12.2000 (resumo da operação OPR200/03548) – transferência do BPN Paris para OC… do montante de € 15.950.000,00;
- Apenso bancário 7 – Conta de OC… no BPN, SA – … – pág. 16 – 29.12.2000 - Movimento a crédito de 3.197.687.900$00 (OPR200/03548 – mesmo número de operação que o constante do documento anterior).
Apesar da liquidação financeira da subscrição e venda das 7.250.000 acções ter ocorrido em 29.12.2000 (quando deveria ter ocorrido até 27.12.2000, dentro do período de subscrição), as acções só foram registadas a favor de OC… em 17.01.2001 e só foram transferidas para a Zemio, mediante instrução de RP… por e-mail de 29.01.2001 com indicação da data da operação de 02.01.2001.
Por outro lado, só em 12.04.2001 a conta da Zemio no BPN Cayman foi debitada no montante de 3.197.687.900$00, com data-valor de 29.12.2000.
Em síntese, a Zemio, sociedade que tinha por último beneficiário OC…, ficou, assim, devedora da Venice, sociedade veículo de financiamento do Grupo SLN/BPN, naquele montante de 3.197.687.900$00 (contravalor de € 15.950.000,00).
Elementos probatórios documentais de suporte:
- Apenso bancário 7, pág. 16 – conta de OC… no BPN, S.A. (transferência a crédito no dia 29.12.2000; 2 transferências a débito com o descritivo “aumento de capital SLN”, ambas com data-movimento de 29.12.2000 e data-valor de 27.12.2000, as quais, somadas, perfazem o montante global de 2.761.639.550$00 (contravalor de € 13.775.000,00), ficando a conta do arguido, após essas duas transferências, com um saldo positivo de 846.345.738$00 (contravalor de € 4.221.554,74);
- Apenso bancário 133, pág. 27 – conta da SLN, SGPS, no BPN, S.A. - (transferência a crédito no dia 29.12.2000 no valor de 17.764.012.022$00 (contravalor de € 88.606.518,40) com o descritivo “aumento de capital SLN”, valor que engloba todas as subscrições em sede de aumento de capital;
- Apenso bancário 55, pág. 3 – conta da Zemio no BPN Cayman com vários movimentos:
1) 29.12.2000 – duas ordens de pagamento a débito de € 15.950.000,00 e uma ordem de pagamento a crédito no mesmo valor; anulando-se, mutuamente, uma ordem a crédito e outra ordem a débito, a final, fica só a ordem de pagamento a débito de € 15.950.000,00. Porém, este movimento foi feito em escudos quando devia ter sido feito em euros, o que resulta claramente do extracto de conta, até porque o saldo da conta está em escudos e:
2) Com data-movimento de 12.4.2001 e data-valor de 29.12.2000 é feito um movimento a crédito de 15.950.000$00 com o descritivo “CANC MOV. DE 00/12/29 P/I”, ou seja, cancela por indevido o movimento correspondente a débito de 29.12.2000 de 15.950.000$00 (ponto 1) e, por fim,
3) Com data-movimento de 12.4.2001 e data-valor de 29.12.2000 é registado o movimento a débito correto de 3.197.687.900$00
Em suma, o circuito completo desta quantia (3.197.687.900$00), é o seguinte (imagem dos movimentos agregados do CD vol. 13, uma vez que facilita a compreensão):

(Imagem removida)

1) Débito a 29.12.2000 da conta da Venice no BPN Cayman;
2) Crédito a 29.12.2000 da conta da Zemio no BPN Cayman;
3) Débito com data-movimento de 12.4.2001 e data-valor de 29.12.2000 da conta da Zemio no BPN Cayman;
- Apenso 33 - 1-Anexo A\8\10 OUT 2008\Dispersos\terça-feira, 11 de Março de 2008 (39).pdf ou Braga 19, pág. 15 – 16.01.2001 - E-mail de RP… para a unidade de títulos a liberar 7.250.000 acções da SLN, SGPS, subscritas por OC…;
Apenso33E:\4910\9\Trt\EP…\MAIL2\EP…\C\W_BPN\6archive_200805.pst\DOP\Gestão\Extracto DO ….msg|… (CAF).tif - 20.5.2008 (email de BS… para EP…, com anexo em imagem no formato “TIF”, do CAF da carteira de títulos SLN SGPS, S.A., de OC…, verificando-se, na pág. 2, a entrada a 17.1.2001, por compra, das 7.250.000 acções da SLN SGPS, S.A., subscritas pelo arguido, ou seja, 1 dia depois do mail do RP… que acabou de se referir e que mandava liberar as acções;
- Apenso de busca 21, doc. 19, pág. 221 ou Braga 19, pág. 19 – 29.01.2001 - E-mail de 29.01.2001 de RP… para a unidade de títulos transferir as acções para a Zemio indicando como data da operação 02.01.2001;
- Braga 19, pág. 20 – CAF Zemio – 29.01.2001 – Entrada das 7.250.000 acções da SLN SGPS na carteira de títulos na conta da Zemio no BPN Cayman;
- Apenso bancário 55 – Conta da Zemio no BPN Cayman – movimento já visto supra de débito da quantia de 3.197.687.900$00 com data-movimento e data-valor, respectivamente, de 12.4.2001 e 29.12.2000;
Pela sua importância e do que se dirá de ora em diante a propósito do art. 276° da pronúncia, transcreve-se o seu teor:
“Certo é que a Zemio ficou devedora à Venice Capital do montante que esta lhe havia transferido, servindo esta empresa como modo de financiamento do arguido JO…”.
Ou seja, o que no fundo consta é que a importância de 3.197.687.900 (€ 15.950.000) transferida da Venice para a Zemio (art. 265° da pronúncia) e que, depois, após triangulação com o BPN Paris (art. 269° da pronúncia), foi transferida para a conta do BPN, S.A. do arguido OC… (art. 268° da pronúncia) nunca foi paga/saldada pelo arguido.
A este propósito, cabe referir o seguinte:
(…)
Ou seja, o produto da eventual venda pelo arguido OC… da offshore Zemio, incluindo as acções por si tituladas da SLN SGPS a um preço unitário de € 2,62, a NS…, serviria para amortizar a quantia supra referida (incluindo juros), que havia transitado da Venice – Zemio – OC…, serviu, como vimos, para a Zemio adquirir 7.250.000 das acções pessoais da SLN SGPS ao arguido OC… ao preço unitário de € 2,20, no total de € 15.950.000,00 (3.197.687.900$00).
Este negócio de venda, não necessariamente nestes valores, mas sim pela quantidade de 6.495.000 acções – era esta a quantidade de acções da SLN SGPS que a Zemio mantinha na sua carteira de títulos a partir de 27.3.2001 -, ter-se-á concretizado:
(…)
Não parece – apesar de o arguido FS…, como vimos, o desconhecer – haver dúvidas de que a Zemio pagou à Venice a quantia que, antes, havia transitado da Venice – Zemio – OC… e que serviu, como sobredito, para a Zemio adquirir 7.250.000 das acções pessoais da SLN SGPS ao arguido OC… ao preço unitário de € 2,20, no total de € 15.950.000,00 (3.197.687.900$00):
- F:\4910\1-AnexoA\TRAT\6\Pen-ScanDisk-Cruzer-Mini-2GB\DOCS\C\2.GrupoOFF-Shore\30_OFFSHORE\00.1_Consolidado\Consolidado\8-12‑2003\Balanços e DR INDIVIDUAIS off 12-12-2003(após reestruturação).xls - balanço e demonstração de resultados da Venice que inclui os juros cobrados à Zemio no montante de € 2.107.995,00.
Ou seja, estaremos a falar num valor na ordem dos € 18.000.000,00 que inclui os € 15.950.000,00 do preço das acções e juros, sensivelmente, na ordem dos € 2.000.000,00.
Também a testemunha Ajo… foi clara quando referiu que o empréstimo concedido pela Venice à Zemio acabou por ser pago mais tarde pelo dinheiro que foi da Interstal para a Solrac Finance e desta para a Venice.
A própria investigação realizada no processo chegou a essa conclusão na medida em que mencionou, a fls. 8759 do vol. 21 dos autos principais (relatório da Direcção de Finanças de Braga – Equipa de Apoio ao Núcleo de Investigação Criminal – fls. 8727 e seguintes) o seguinte:
“A Zemio, controlada posteriormente por ME…, entidade usada por JO… para realização de mais-valias financiadas pela Venice, empréstimo este pago pela Interstal no Banco Insular em 2003, sendo, posteriormente, a sociedade offshore detida por NS…s, funcionava como uma entidade de controlo de JO…” (sic; bold nosso).
Impõe-se repetir a questão inicial:
A Interstal/EN… pagou a aquisição da Zemio a OC…, carregada com as 6.495.000 acções da SLN SGPS, S.A., com dinheiro próprio ou os fundos que serviram para fazer esse pagamento vieram de sociedades do grupo SLN/BPN?
O Tribunal não tem quaisquer dúvidas que as quantias para pagar essa aquisição tiveram origem em sociedades do grupo SLN/BPN.
Ou seja, quando EN… adquiriu a OC… a offshore Zemio com as 6.495.000 acções de que era titular da SLN SGPS não fez qualquer esforço patrimonial próprio para proceder ao pagamento dessa aquisição, pelo contrário, OC… providenciou fundos do grupo SLN/BPN para o efeito.
De facto, a quantia que havia transitado, como vimos supra, da Venice – Zemio – OC… e que serviu para a Zemio adquirir 7.250.000 das acções pessoais da SLN SGPS ao arguido OC… ao preço unitário de € 2,20, no total de € 15.950.000,00 (3.197.687.900$00), foi amortizada/paga à Venice com dinheiro do próprio grupo SLN/BPN.
A compra da offshore Zemio, com as 6.495.000 acções de que era titular da SLN SGPS, por EN… ao arguido OC… e a subsequente amortização/pagamento do crédito da Venice constituiu simplesmente mais uma manobra de diversão tendente a iludir qualquer incauto e a criar a aparência de que esse pagamento foi levado a cabo com quantias exteriores ao grupo SLN/BPN e, assim, levar a crer que a Zemio não ficou devedora à Venice do montante que esta lhe havia transferido, e também assim, de que o arguido OC…, a final, não se havia servido dela como modo de financiamento.
No entanto, foi precisamente, o contrário disto que ocorreu. Ou seja, a aquisição das 6.495.000 acções da SLN SGPS foi custeada com quantias do próprio grupo, que serviram, não para pagar directamente à Zemio, mas antes à sociedade que a tinha financiado com € 15.950.000,00, i.e., à Venice. Daqui decorre, necessariamente, que a Zemio continuou devedora à Venice do montante que esta lhe havia transferido e, claramente, esta última sociedade offshore serviu de modo de financiamento do arguido OC… ou, melhor dizendo, as sociedades que pagaram a referida quantia à Venice serviram de financiamento ao aludido arguido.
Vale o exposto por dizer que a Zemio ficou sempre devedora do montante que a Venice lhe havia transferido.
Em síntese: está inequivocamente provado o constante do art. 276º da pronúncia.
(…)
Em resumo e como já se disse:
Seguindo o “rasto” (follow the money) de todas as operações/movimentos financeiros é de concluir, sem margem para dúvidas, como sobredito, que a identificada aquisição por ME…, ao arguido OC…, da Zemio e das 6.495.000 acções da SLN SGPS que eram tituladas por esta offshore, realizou-se com quantias do próprio grupo e, tendo estas quantias servido não para pagar directamente à Zemio, mas antes à sociedade que a tinha financiado com € 15.950.000,00, i.e., à Venice. Donde decorre, necessariamente que a Zemio continuou devedora à Venice do montante que esta lhe havia transferido e, claramente, esta última sociedade offshore serviu de modo de financiamento do arguido OC….
Vale o exposto por dizer que a Zemio ficou sempre devedora do montante que a Venice lhe havia transferido (facto 276° da pronúncia; v. facto provado 265).
A demais factualidade relativa ao tema da “operação Zemio” (arts. 260° a 276° da pronúncia) resulta dos elementos probatórios e motivação desenvolvida supra para a qual, na íntegra, se remete (v. factos provados 250 a 264), impondo-se somente duas ligeiras correcções que resultam de manifestos lapsos da pronúncia (arts. 273° e 276° da pronúncia; v. factos não provados 87 e 88).

iii. Vejamos.
O recorrente, nas críticas que aponta aos pontos de facto concernentes a esta questão da Zemio, labora em manifesto erro de compreensão, pese embora o texto da motivação do acórdão, quanto aos mesmos, até se afigure de simples apreensão.
Não obstante, como essa errónea interpretação do que é ali dito persiste junto do recorrente, sintetizemos o que aí se mostra explicado (pese embora já tenhamos, na transcrição supra realizada, optado por assinalar por sublinhados as partes mais relevantes dos raciocínios realizados pelo tribunal “a quo” a este propósito).

iv. Na verdade, embora o recorrente não se canse de transcrever repetidamente sempre o mesmo segmento da fundamentação em que que se lê Não parece (…) haver dúvidas de que a Zemio pagou à Venice a quantia que, antes, havia transitado da Venice – Zemio – OC… e que serviu, como sobredito, para a Zemio adquirir 7.250.000 das acções pessoais da SLN SGPS ao arguido OC… ao preço unitário de € 2,20, no total de € 15.950.000,00 (3.197.687.900$00), parece querer ignorar que este se integra num texto que ocupa várias páginas e que deve ser lido, obviamente, dentro desse contexto.

v. E nesse texto mostra-se clara e inequivocamente explicado que o pagamento das acções da SLN SGPS SA que o arguido passou a deter via Zemio (sociedade da qual era beneficiário efectivo) e que depois vendeu a EN… (através da venda da offshore Zemio), foi integralmente realizado por saque sobre contas de entidades detidas pela SLN; ou seja, foi pago, mas foi sempre pago pelo Grupo SLN/BPN.
É isso, aliás, que se mostra sintetizado neste trecho:
O Tribunal não tem quaisquer dúvidas que as quantias para pagar essa aquisição tiveram origem em sociedades do grupo SLN/BPN.
Ou seja, quando EN… adquiriu a OC… a offshore Zemio com as 6.495.000 acções de que era titular da SLN SGPS não fez qualquer esforço patrimonial próprio para proceder ao pagamento dessa aquisição, pelo contrário, OC… providenciou fundos do grupo SLN/BPN para o efeito.
De facto, a quantia que havia transitado, como vimos supra, da Venice – Zemio – OC… e que serviu para a Zemio adquirir 7.250.000 das acções pessoais da SLN SGPS ao arguido OC… ao preço unitário de € 2,20, no total de € 15.950.000,00 (3.197.687.900$00), foi amortizada/paga à Venice com dinheiro do próprio grupo SLN/BPN.
(…)
Ou seja, o que no fundo consta é que a importância de 3.197.687.900 (€ 15.950.000) transferida da Venice para a Zemio (art. 265° da pronúncia) e que, depois, após triangulação com o BPN Paris (art. 269° da pronúncia), foi transferida para a conta do BPN, S.A. do arguido OC… (art. 268° da pronúncia) nunca foi paga/saldada pelo arguido.
(…)
A compra da offshore Zemio, com as 6.495.000 acções de que era titular da SLN SGPS, por EN… ao arguido OC… e a subsequente amortização/pagamento do crédito da Venice constituiu simplesmente mais uma manobra de diversão tendente a iludir qualquer incauto e a criar a aparência de que esse pagamento foi levado a cabo com quantias exteriores ao grupo SLN/BPN e, assim, levar a crer que a Zemio não ficou devedora à Venice do montante que esta lhe havia transferido, e também assim, de que o arguido OC…, a final, não se havia servido dela como modo de financiamento.
No entanto, foi precisamente, o contrário disto que ocorreu. Ou seja, a aquisição das 6.495.000 acções da SLN SGPS foi custeada com quantias do próprio grupo, que serviram, não para pagar directamente à Zemio, mas antes à sociedade que a tinha financiado com € 15.950.000,00, i.e., à Venice. Daqui decorre, necessariamente, que a Zemio continuou devedora à Venice do montante que esta lhe havia transferido e, claramente, esta última sociedade offshore serviu de modo de financiamento do arguido OC… ou, melhor dizendo, as sociedades que pagaram a referida quantia à Venice serviram de financiamento ao aludido arguido.
Vale o exposto por dizer que a Zemio ficou sempre devedora do montante que a Venice lhe havia transferido.
(…)
Em resumo e como já se disse:
Seguindo o “rasto” (follow the money) de todas as operações/movimentos financeiros é de concluir, sem margem para dúvidas, como sobredito, que a identificada aquisição por ME…, ao arguido OC…, da Zemio e das 6.495.000 acções da SLN SGPS que eram tituladas por esta offshore, realizou-se com quantias do próprio grupo e, tendo estas quantias servido não para pagar directamente à Zemio, mas antes à sociedade que a tinha financiado com € 15.950.000,00, i.e., à Venice. Donde decorre, necessariamente que a Zemio continuou devedora à Venice do montante que esta lhe havia transferido e, claramente, esta última sociedade offshore serviu de modo de financiamento do arguido OC….
Vale o exposto por dizer que a Zemio ficou sempre devedora do montante que a Venice lhe havia transferido (facto 276° da pronúncia; v. facto provado 265).

vi. Ora, a factualidade que foi dada como assente e que o recorrido critica espelha, precisamente, o resultado do apuramento realizado pelo tribunal “ a quo” a propósito desta questão - ou seja, embora a Zemio tenha pago à Venice, o dinheiro usado para tal pagamento não era pertença do arguido OC… nem da Zemio, antes foi retirado, por sua iniciativa, do Grupo SLN/BPN. Daí a manutenção da dívida.
Por seu turno, como tal origem do dinheiro não poderia ser aparente – sob pena de o esquema de financiamento não poder resultar - foi criado um circuito dos fundos entre o BPN Cayman (onde se encontrava a conta da ZEMIO) e o BPN SA (onde se encontrava a sua conta) que passou pelo BPN Paris.

vii. Ora, a passagem do dinheiro por estas entidades e contas mostra-se compreensível, em sede de regras de experiência comum, precisamente por através desse circuito se pretender criar a aparência de que o pagamento tinha tido origem no BPN Paris; isto é, para se ocultar a verdadeira origem do financiamento.

viii. No que se refere à inclusão, no ponto de facto 865), da Zemio, esta mostra-se igualmente de acordo com a motivação exarada pelo tribunal “a quo”, acabada de referir, uma vez que parte do dinheiro que permitiu ao arguido adquirir aqueles 29.000 acções envolveu, de facto, a Zemio.
De igual modo, a inclusão desta offshore em sede do ponto de facto 73 (que se situa dentro de um conjunto de factos que descrevem os contornos e sintetizam as ocorrências que são narradas no resto da factualidade imputada), mostra-se de acordo com a avaliação da prova e a motivação que o tribunal “a quo” realizou.

ix. Tudo o demais que alega e que se prende com eventuais actuações e responsabilidades da autoria de ES…, não sendo este arguido nestes autos (o que, desde logo, lhe retira sequer a possibilidade de exercício de contraditório) e tratando-se de eventuais negócios não abrangidos no âmbito da matéria de facto em discussão nestes autos, nem tendo nesta sede qualquer relevância – porque quem tudo suportou financeiramente foi o Grupo SLN/BPN - não podem por este tribunal ser atendidos.
 
x. Atento o que se deixa exposto, resta-nos concluir não assistir razão ao recorrente nas críticas que avança a propósito desta factualidade dada como assente.

18. Ponto 271 da matéria julgada provada da pronúncia:

Esse ponto tem o seguinte conteúdo:
270) A actuação do arguido JO… permitiu as operações na sua conta n.° …, a seguir identificadas, que possibilitaram o referido pagamento:

Denominação             PTE            €
Mais-valia de venda  acções/Emka  165.762.848$01(((€826.821,60)
Transferência da INVESCO  213.775.420$00(€1.066.307,30)
Venda de 7.250.000 Acções SLN à ZEMIO  3.197.687.900$00(15.950.000,00)
TOTAL  3.577.226.168$01
Pagamento de 30% 21.750.000/SLN  1.308.145.050$00
Pagamento 100% 7.250.000 SLN (acções vendidas à ZEMIO)  1.453.494.500$00
Total Custo Aquisição SLN Janeiro  2.761.639.550$00
Diferença a favor de OC…  815.586.618$01


A crítica que o arguido dirige a este ponto mostra-se assente nas teses anteriormente avançadas pelo recorrente a propósito desta matéria que, pelas razões já expostas (e para as quais se remete, por razões de mera economia processual), não obtiveram acolhimento.
Assim sendo, resta concluir que o que se mostra referido nesse ponto reflecte a factualidade dada como assente pelo tribunal “a quo”, mostrando-se a mesma fundamentada sem vícios ou erros que determinem a sua correcção.

19. Pontos 214, 215, 222, 278 a 281, 283, 286, 865, 940, 941 e 942 da matéria julgada provada da pronúncia:
O recorrente discorda da decisão do tribunal a quo quanto:
- a ter sido dado como assente que a conta em causa foi aberta inicialmente em nome de JO… e não com a designação de A1;
- e, essencialmente, da intenção de não pagar o crédito concedido através dessa conta, de não reposição da quantia mutuada ou de se ter apoderado dela.

i. Esses pontos têm a seguinte redacção:
214) Com tal prática visavam os arguidos aumentar o nível de confidencialidade das contas em causa, quer no que se refere ao beneficiário das mesmas, quer para efeito de diminuir a exigibilidade de regularização dos créditos concedidos;
215) Assim, tal designação de contas era utilizada para compensar pessoas próximas do arguido OC…, para além de ser uma forma de o próprio se financiar, contornando as limitações à concessão de crédito a Administradores;
222) Os arguidos vieram a permitir operações não regularizadas ou com finalidade ilegítima nas contas designadas A1, conforme adiante se narrará, e B1, conforme narrado atrás;
278) Com efeito, conforme já acima narrado, a conta com a designação A1 veio a ser aberta no Banco Insular na data de 26-6-2002, por determinação e tendo como beneficiário o arguido OC…, com a colaboração do arguido VM…;
279)O arguido OC… aproveitou a referida conta para nela fazer creditar, através de pretensos contratos de conta corrente caucionada, os montantes necessários para proceder à amortização do empréstimo contraído junto do FORTIS;
280)Tais financiamentos por conta-corrente caucionada nunca foram reduzidos a escrito nem definida a data de vencimento, uma vez que o arguido OC… não pretendia vir a liquidar tais débitos;
281)Por esse mesmo motivo, o arguido OC… fez transitar a referida conta A1, na data de 11-6-2004, para o designado Balcão 2 do Banco Insular, deixando portanto as operações de estar registadas nas contas daquele Banco;
283)Assim, o arguido conseguiu que a maior parte do financiamento concedido pelo FORTIS viesse a ser liquidado através de montantes sacados sobre o Banco Insular, num total de 8.366.666,66€, sem qualquer contratualização de suporte e que o arguido nunca pretendeu repor;
286)O arguido OC… fez transitar a própria conta designada A1 do Balcão 1 para o Balcão 2 (fora de balanço) do Banco Insular, visando retirar a conta dos registos do próprio Banco, de forma a ocultar a sua utilização;
865) Conforme narrado supra, o arguido OC… havia adquirido um total de 29.000.000 de acções da SLN SGPS com base em operações de apropriação de fundos que envolveram as entidades EMKA, INVESCO e ZEMIO e com base num financiamento pelo Banco FORTIS, que havia sido pago pelo saque de fundos de uma conta designada A1, junto do Banco Insular;
940) Os arguidos OC…, LC… e FS… conjugaram esforços no sentido de ludibriar accionistas e criar falsos cenários às entidades de supervisão de forma a fazerem impor estratégias de negócio pessoais, aceitando fazer as entidades por si administradas pagar e sofrer perdas para criar os referidos cenários e formas de engano de terceiros;
941) Os arguidos OC… e LC… actuaram ainda com o propósito de deitarem a mão a fundos criados ou disponíveis nas instituições que geriam, como se fossem beneficiários de empréstimos, mas sem o propósito de pagar juros e amortizar as quantias recebidas, apesar de saberem que se tratava de fundos que não lhes pertenciam e que deviam actuar perante esses fundos como entidades autónomas;
942) Os arguidos OC…, LC… e FS… actuaram ainda com o propósito de forjar documentos e alterar registos contabilísticos de forma a ocultar e a justificar as suas actuações de apropriação de fundos e de obtenção de ganhos, em particular ocultando o seu benefício e a utilização de contas junto do Banco Insular e do BPN Cayman tais como as da JARED FINANCE e as da VENICE CAPITAL;

ii. A motivação do tribunal “a quo”, a propósito desta questão, é a seguinte:
«Entramos, por fim, na última temática atinente ao “Banco Insular” relacionada com a “utilização de contas alfanuméricas” (arts. 221º a 230º da pronúncia).
«Em aproveitamento de faculdade conferida pela legislação bancária de Cabo Verde, que permitia a existência de contas cuja titularidade era designada por combinação alfa numérica, foram abertas no Banco Insular várias contas com titularidade alfa numérica:
«- Apenso de busca 7, doc. 41.06, págs. 89 a 92 ou Braga 8, págs. 119 a 131 – 21.09.2001 -
Memorando preliminar sobre legislação cabo-verdiana relativa a actividade bancária na modalidade de IFI (Lei n.º 43/III/88 de 27 de Dezembro alterada pela Lei nº 32/V/97 e o Decreto Lei n.º 66/97 de 3 de Novembro que regulamenta a Lei n.º 43,) que refere a “abertura de contas de depósito, nomeadamente numeradas”, o qual mostra um despacho manuscrito de OC… com o teor “Senhor AF… Pª Conhecimento”;
«A utilização dessas contas visava aumentar o nível de confidencialidade no que respeita à identificação dos verdadeiros titulares das contas (o que resulta da própria legislação, sendo que será sempre de questionar que outros motivos poderiam estar subjacentes à abertura deste tipo de contas) e, do mesmo passo, permitiam reduzir a exigibilidade de regularização dos créditos concedidos, pela própria confidencialidade que proporcionavam.
«Essas contas serviram ainda para compensar pessoas próximas de OC… e para contornar as limitações de concessão de crédito aos administradores impostas pelo art.º 85º n.º 1 do RGICSF (Decreto-Lei n.º 298/92 de 31 de Dezembro).
«Foram identificadas as seguintes contas alfanuméricas: A1, A2, A3, A4 e B1.
«Conta A1:
«A conta A1, como foi por demais evidenciado, pertenceu a OC… ainda que esta conta, bem como as demais contas alfanuméricas, não tivessem qualquer ficha de assinatura ou outro qualquer documento associado. 
«Na verdade, esta conta antes da titulação alfanumérica já pertencia a OC… e continuou a pertencer-lhe como decorre do facto de ter sido ele o exclusivo beneficiário de todas as operações nela realizadas, como adiante se verá.
«De resto, o arguido reconhece que é o titular da conta A1 no requerimento que assina e está junto a fls. 23.525 do volume 68 (notificação judicial avulsa do BPN ou da SLN para pagamento de dívidas que igualmente reconhece – v. fls. 23530).
«Com efeito, nesse requerimento é expressamente referida a “conta A1 titulada pelo Requerente”.
«Por outro lado, tenha-se em consideração a seguinte documentação:
«-         Apenso 33        –          1-Anexo           A\CAIXAS        CORREIO\       TRAT\7 \BPN-PRADM024\       MAIL\ 18mf3.pst\BANCOSBPN\BancoInsular\Correspondência \Alteração de Titularidade.msg – 07.08.2008 - Email de Ajo… para MF… que identifica a conta como pertencente a OC… e junta comprovativo, em pdf, retirado do sistema Bank Manager do qual resulta que a alteração da denominação da conta que, antes, era “Dr. JO…” passou, depois, para “A1”, alteração que ocorreu a 17.10.2002;
«- Apenso bancário 33 ou Bragas 15, págs. 1 a 16 – Conta A1 no Banco Insular – balcão 2000 e 2001;
 «- CD vol. 13 – onde constam todos os movimentos bancários na conta em questão, no balcão 2000 e no balcão 2001;
 «- Apenso R, vol. 44, fls. 10636 a 10651, págs. 11 a 26 ou Bragas 15, págs. 1 a 16 - Relatório do BdP (AG) que analisa, entre outras, a conta A1;
«Em breve nota do histórico da conta designada A1 do arguido OC…, e sem prejuízo de ulterior desenvolvimento, pode, desde já, salientar-se o seguinte:
(i) Em 26.06.2002 foi aberta no Banco Insular, balcão 2000, em nome de OC… com o n.º 700005127;
(ii) Em 17.10.2002 foi redenominada A1; 
(iii) Em 15.06.2004 esta conta foi saldada por contrapartida da abertura de uma outra conta A1 no balcão 2001 do Banco Insular, a conta n.º … que teve associada uma c/c/c;
(iv) Em 11.04.2008, com data-valor de 27.12.2007, passou novamente para o balcão 2000 do Banco Insular; 
(v) Não houve qualquer formalização da concessão de crédito, nem foram prestadas quaisquer garantias, mas existe um contrato de mútuo datado de 27.06.2002, não assinado, que foi criado em 08.01.2003 por JV…s;
(vi) Em 17.02.2009 passou para o BPN, SA, conta n.º … de OC…, que, em 01.06.2009, tinha um descoberto de € 12.354.078,84;
(vii) Em Dezembro de 2010 este descoberto, que teve origem num crédito que na sua quase totalidade foi concedido em meados de 2002 e em meados de 2003, transitou para a Parvalorem sem que, entretanto, OC… tivesse procedido a qualquer reembolso de capital ou a qualquer pagamento de juros;
(viii) Em 01.2011, OC…, por meio de notificação judicial avulsa, notifica a SLN para efeito de pagar mediante dação em pagamento as dívidas da conta A1;
«Documentação de suporte/probatória:
 «- CD vol. 13 – Conta A1 no Banco Insular - 27.06.2002 - data do primeiro movimento da conta, do qual constam, ainda, todos os movimentos subsequentes;
 «- Apenso 33 – 1-Anexo A\CAIXAS CORREIO\ TRAT \7\BPN-PRADDMO24 \MAIL\18mf3\BANCOS BPN\ Banco Insular\ Correspondência\ Alteração de Titularidade.msg ou Braga 15, págs. 17 e 18 – 07.08.2008 - E-mail de Ajo… para MF… com anexo comprovativo da redenominação da conta A1;
 «- Apenso 33 – 1 Anexo A\TRAT\3\TOZE#2\DOCS\TOZE#2\Irmandade das OFF-Shore\Banco Insular\Clientes Banco Insular\A1\Mútuo BI-JOC.doc – documento protegido por palavra passe (para o abrir é necessário escrever na senha a palavra: “mafa” - 27.06.2002 – Contrato de mútuo entre Banco Insular e JO… no montante de € 4.200.00,00, não assinado, documento que foi criado em 08.01.2003 e é de autoria de JV…;
 «A este propósito regista-se que, inicialmente, o arguido VM… admitiu em sede de julgamento ter elaborado o contrato porque as propriedades do documento assim o indicam, embora não se recorde de o ter feito.
 «Porém, na sessão seguinte de julgamento, alterou a versão, declarando:
«Não se fazendo um copy/paste da minuta do contrato, mas procedendo simplesmente à abertura da mesma e preenchendo os espaços vazios, gravando o resultado sobre um nome diferente, mantem-se a sua autoria original.
«Nessa medida, admitiu ser o autor da minuta de base, mas não o autor do projecto do contrato de crédito.
«Aliás, vendo o documento original, embora o mesmo tenha sido criado e modificado na mesma data/hora, na modificação aparece BPN.
«Mandou para o BPN as minutas dos contratos de vários mútuos (havia minuta para pessoas singulares, outra para pessoas colectivas, outra para abertura de crédito e outra para mútuo).
«Não se recorda de todo em todo de ter feito o projecto do contrato.
«Não convenceram as suas declarações.
«Não se vislumbra, desde logo, qualquer motivo para estar protegido por uma palavra passe uma simples minuta de contrato de mútuo do Banco Insular com uma pessoa singular.
«Já fará todo o sentido a protecção no caso de o contrato já estar preenchido com os dados da pessoa singular, neste caso, do Presidente do grupo BPN/SLN, o arguido OC….
«Tanto que assim é que os contratos de mútuo da conta A2 (FCo…) está, igualmente, protegido com uma palavra passe.
«Acresce que, se fosse uma minuta que servisse de base para quaisquer contratos de mútuo que posteriormente viessem a ser outorgados com pessoas singulares, aquela minuta teria sempre a mesma data de “criação”.
«Não é isso que acontece, porquanto, o contrato de mútuo com OC… tem a data de criação 8.1.2003, enquanto o contrato de mútuo com FCo… tem a data de criação de 6.3.2003 (v. propriedades informáticas dos documentos).
  «- Apenso bancário 33, págs. 9 a 12 ou Braga 15, págs. 33 a 43 – 01.06.2009 - Informação do BPN sobre as contas alfa numéricas A1, A2, A3 e A4, com indicação do descoberto da A1 que hoje está na conta n.º … de OC… no BPN;
 «- Processo, vol. 68, fls. 23529 e seguintes, pág. 114 e seguintes pdf – Notificação judicial avulsa requerida em 01.2011 por OC… contra o BPN, SA, na qual assume pessoalmente a dívida da CLASSICAL e a dívida das c/c/c junto do Banco Insular da conta A1 e propõe a dação em pagamento de diversos activos, saldos de contas bancárias e acções, sobretudo da SLN;
«Conta A2
«A conta A2, conta n.º … no balcão 2000, pertenceu a FCo… que foi administrador do BPN, SA de Julho de 2000 a Dezembro de 2003.
«Esta conta, cujo primeiro movimento é de 18.03.2003 com data-valor de 06.03.2003, tinha associada duas contas correntes caucionadas nos montantes de € 50.000,00 e € 330.000,00, com datas de 18.03.2003 e 28.03.2003, respectivamente.
«A conta foi saldada em 09.11.2004, com data-valor de 05.11.2004, por meio da transferência de € 396.582,06 efectuada por débito da conta da Jared … no balcão 2000 do Banco Insular (conta da Jared que, como vimos supra, era o “saco azul” do grupo SLN/BPN e que serviu, entre outros, para pagar comissões, remunerações, prémios, etc.):
  «- Braga 15, págs. 33 a 36 - Informação do BPN de 01.06.2009 sobre as contas alfa numéricas A1, A2, A3 e A4;
 «- Apenso R, vol. 44, fls. 10636 a 10651, págs. 11 a 26 ou Bragas 15, págs. 1 a 16 - Relatório do BdP (AG) que analisa, entre outras, a conta A2;
 «- Apenso R, vol. 44, págs. 93 a 96 – 30.03.2003 – Contrato de mútuo entre o Banco Insular, representado por JV…, e FCo… no valor de € 380.000,00;
  «- Apenso de busca 7, doc. 05.34, pág. 737 – 05.03.2003 – E-mail de FCo… para FS… sobre a linha de crédito pessoal até € 380.000,00 no Banco com notas manuscritas de FS… “Ok. Assinatura. Euribor + 2%”;
 «- Apenso de busca 7, doc. 43.10, pág. 8 – 23.12.2002 - Nota com as quantias a haver por FCo… em 31.12.2003 e a anotação manuscrita “recebi 137.279,00 € em 30.12.2003” e parte manuscrita dirigida a FS… que se refere, além do mais, à liquidação do financiamento junto do Banco Insular “em devido tempo”;
 «- Apenso de busca 7, doc. 43.10, págs. 2 e 3 – 20.09.2004 - Carta de FCo… para OC… sobre a resolução de desacertos em consequência da cessação do exercício de funções no BPN “há mais de 9 meses” em que se alude a uma carta do Banco Insular a declarar que não existiam quaisquer dívidas pessoais;
 «- Processo, vol. 9, fls. 3489, pág. 91 – 05.11.2004 - Declaração do Banco Insular nos termos da qual se diz que FCo… não possui quaisquer responsabilidades de crédito perante o BI;
 «- CD vol. 13: em 5.11.2004 a conta à ordem n.º …, no Banco Insular, balcão 2000, tinha um saldo negativo de € 396,582,06, tendo a mesma sido saldada com um movimento a crédito de igual valor, na mesma data; “rastreando-se” este movimento é possível aferir que esse crédito teve por base uma transferência a débito da conta da Jared n.º … (movimento que igualmente pode ser visualizado na própria conta da Jared, ora identificado);
«Conta A3:
   «A conta A3, n.º …, pertencia a JMa…, administrador não executivo do Banco Insular de 2001 a 2003, administrador não executivo do Banco EFISA de 2003 a Setembro de 2006, administrador não executivo da SLN de Setembro de 2006 até 17.02.2008 e, depois, administrador executivo da SLN até Julho de 2008, data em que renunciou. 
«Esta conta teve o seu primeiro movimento em 05.01.2004 e tinha associadas duas contas correntes caucionadas nos montantes de € 150.000,00 e € 355.739,20 com datas de 05.01.2004 e 30.04.2007, respectivamente.
«Em 06.03.2008, a conta à ordem foi saldada e as contas correntes caucionadas pagas mediante um crédito provindo da conta de VD… que para o efeito se serviu duma c/c/c então aberta:
 «- Apenso R, vol. 44, págs. 122 e 123 ou Braga 15, pág. 19 – 30.12.2003 -Pedido de empréstimo de € 150.000,00, em papel timbrado, datado de 30.12.2003, manuscrito por JN… e dirigido ao Banco Insular;
 «- Apenso R, vol. 44, págs. 118 a 120 – 06.06.2004 - Contrato de mútuo entre o Banco Insular, representado por JV…, e JN… no valor de € 150.000,00;
 «- Apenso R, vol. 44, págs. 115 e 116 – 30.03.2007 – Contrato de empréstimo em conta corrente caucionada entre o Banco Insular, representado por JV…, e JN… no valor de € 340.000,00;
 «- Apenso 33 – 9\Trt\EP…\MAIL2\EP…\C\W_BPN\5 archive_ 200712 .pst\Itens enviados\RE – INSPECÇAO BCV.msg ou Braga 15, pág. 30 – E-mail de EP… para Asa…, IS… e LR… que identifica os titulares das contas A3 e A4;
  «- Bragas 1, págs. 33 a 36 – 01.06.2009 - Informação do BPN sobre as contas alfa numéricas A1, A2, A3 e A4;
 «- CD vol. 13 – Conta A3 - fazendo o rastreio do movimento de 6.3.2008 é possível aferir que a conta à ordem foi saldada e as c/c/c foram pagas mediante um crédito provindo da conta de “VD…” que para o efeito se serviu de uma c/c/c então aberta;
«- Apenso bancário 34 – Conta A3 no Banco Insular;
«Em reforço do que já se referiu relativamente a esta conta, cabem referir as declarações da testemunha JN…, titular da conta em questão:
«A conta estava em seu nome, mas o seu beneficiário era um cidadão angolano (MAS…), a favor de quem emitiu uma procuração.
«A conta teve depois um crédito que foi totalmente regularizado com transferências mensais para o BPN e BIC, ficando saldada em finais de 2012.
«Não se lembra se foi aberto um contrato de crédito e se no âmbito deste contrato foram ou não concedidas garantias.
«Nem se lembra com quem falou do Banco Insular para a abertura deste crédito.
«Braga 15, págs. 19 e 20 (confirma que documento foi manuscrito por si e assinado por si – pedido de empréstimo – carta de 30.12.2003).
«Conta A4:
«A conta A4, conta n.º … do balcão 2000 do Banco Insular, pertencia ao arguido AF… que foi director da DOP até Março de 2006 e administrador do BPN, SGPS de Março de 2006 a Julho de 2008.
«Teve o seu primeiro movimento em 06.07.2005 e, não tendo associada qualquer conta corrente caucionada, registou movimentos a descoberto.
«O montante obtido destinou-se à satisfação de compromissos, conforme é explicado em carta de AF… para OC… de 24.08.2005.
«A conta foi saldada em 3.10.2007 mediante a transferência de € 43.624,17 efectuada a débito da conta da Jared (conta 547) - conta que, como já vimos, era considerada o “saco azul” do grupo BPN/SLN - via conta de ligação da Solrac (conta 510) as quais, então, passaram a ter um saldo a descoberto, respectivamente, de € 25.719.356,71 e € 2.613.417,76:
  «- Apenso 33 – 9\Trt\EP…\ MAIL2\ EP…\C\W_BPN\5 archive _200712.pst\Itens enviados\RE-INSPECÇÃO BCV.msg ou Braga 15, pág. 30 – 10.10.2006 - E-mail de EP… para, entre outros, Ava…, IS… e LRe… com identificação dos titulares das contas A3 e A4;
  «- Processo, vol. 114, fls. 36.816, pág. 121 pdf (Documento entregue na sessão de julgamento de 01.02.2013 pela testemunha TV…) - 24.08.2005 - Carta de AF… para OC… a pedir abertura de crédito no Banco Insular para satisfação de compromissos, designadamente para pagamento da percentagem do capital da empresa “que participo com o Dr. VM…”;
  «- Apenso bancário 33, págs. 9 a 12 ou Bragas 15, págs. 33 a 36 – 01.06.2009 - Informação do BPN sobre as contas alfa numéricas A1, A2, A3 e A4;
 «- CD vol. 13 dos autos principais - no mesmo tem-se acesso à conta A4, permitindo ainda pesquisar e confirmar os movimentos referidos supra, designadamente a intervenção da conta da Jared e da conta de ligação da “Solrac”;
  «- Apenso bancário 35 – Conta A4 no Banco Insular (extracto de conta com os respectivos movimentos);
«Conta B1:
 «A conta B1, …, inicialmente denominada BI CONFIDENCIAL – CONSULTORES, foi depois redenominada B1 e pertenceu ao arguido JV…, Presidente do Conselho de Administração do Banco Insular.
«Esta conta registou o seu primeiro movimento em 11.02.2005 mediante prévia instrução de LRe… da JVMascarenhas, Ld.ª a Ajo…:
 «- Apenso 33 - 1-Anexo A\CAIXAS CORREIO \TRAT\2\Portátil\CAIXAS CORREIO\ a_atduar.pst\inbox\TRANSFERÊNCIAS 32.msg. ou Braga 15, pág. 43 – 11.02.2005 – E-mail de LRe… para Ajo… solicitando um movimento no montante de € 18.473,00 a crédito da conta …, então titulada por BI CONFIDENCIAL – Consultores, que foi, depois, redenominada B1, movimento que corresponde a movimento a débito da conta da AUSTELL … do Banco Insular;
«- Apenso bancário 126 – conta B1 no Banco Insular;
«- CD vol. 13 – acesso a todos os movimentos da conta em questão;
 «Posteriormente, em 17.02.2005, ou seja, 6 dias depois do primeiro movimento, a mesma LRe… solicitou a Ajo…, com conhecimento a JG…, a realização de transferência daquela mesma conta, mas então já designada por B1, para aquela identificada conta da AUSTELL, que se efectiva em 18.02.2005.
«Tanto permite concluir, sem margem para quaisquer dúvidas, que a conta identificada foi redenominada de “BI Confidencial – Consultores” para “B1” entre os dias 11.2.2005 e 17.2.2005, sendo certo que o arguido VM… não podia desconhecer, de modo algum, o nome original da conta e a sua redenominação porque, se por um lado, a conta é por si titulada, por outro, LRe…, que deu as mencionadas indicações/instruções, era sua funcionária (trabalhou para a JVMascarenhas, Fincor e Sinase como, aliás, a própria explicou, como testemunha, em sede de julgamento):
 «- Apenso 33 - 1-Anexo A\CAIXAS CORREIO\TRAT\2\Portátil\ CAIXAS CORREIO\ a_atduar.pst\inbox\TRANSFERÊNCIAS 11.msg. ou Braga 15, pág. 44 – 17.02.2005 - E-mail de LRe… para Ajo… solicitando uma transferência para a conta da AUSTELL a débito da conta B1;
«- Apenso 126 – Conta B1 no Banco Insular onde se pode confirmar o débito em questão;
«- CD vol. 13 – através da pesquisa de ambas as contas é possível aferir dos movimentos mencionados;
«Em suma: atento o teor de toda a prova documental e testemunhal indicada, conjugada ainda com a que será referida infra, essencialmente, no que tange aos movimentos da conta B1, e da que será posteriormente desenvolvida a propósito da conta A1, resulta inequívoca a prova dos factos 221º a 224º da pronúncia (factos provados 213 a 216).
«Não convenceram, de modo algum, as declarações do arguido VM… de que não participou nas contas “A” em questão, atento o facto de ter intervido nos acima aludidos contratos de mútuo (excluindo o da conta A1, já que quanto a este mútuo só se demonstrou a sua participação na elaboração do projecto do contrato e já não na sua outorga, contrato do qual, diga-se, nunca se viu, porque inexistente, uma versão assinada) e, posteriormente ter recebido listas actualizadas de todos os créditos do Banco Insular nos quais estavam incluídas as contas “A” identificadas.
«É completamente inverosímil a sua versão de que só soube a dado momento que na DOP abriram uma conta para si sob a designação B1, designadamente ainda no tempo de OC…, bem como a afirmação de que não teve nenhuma intervenção na criação desta conta.
«Se a sua secretária, LRe…, teve conhecimento das designações sucessivas das contas, como o evidenciam os E-mails identificados, e se, como declarou em audiência, todos os movimentos determinados em relação a ela foram realizados a pedido do arguido JV…, não se vislumbra como o mesmo poderia não ter os conhecimentos que negou ou ser alheio à abertura e movimentação da dita conta.
«Quanto ao arguido FS…, além do facto de o mesmo ter assumido o conhecimento das contas A1 e A2, os documentos mencionados supra demonstram, inequivocamente, a sua participação.
«Acresce que, como vimos, nalgumas contas alfanuméricas houve transferências a débito da conta da Jared e a crédito naquelas, sendo que esta sociedade offshore era do grupo SLN na medida que o seu último beneficiário era a Marazion.
«Recorda-se, o que acima se referiu quanto à Jared:
«Serviu para parqueamento de custos (integrou o grupo G de sociedades offshore agrupadas por afinidades no âmbito do Projecto César) de diferentes naturezas, entre outros, com as denominadas contas investimento que consistiam numa aplicação que, em parte, era um depósito a prazo e, noutra, servia para adquirir unidades de participação de fundos de investimento que, dada a sua natureza, não consolidavam.
«Documentação de suporte:
  «- Apenso I, vol.3, págs. 146 a 151 – 23.05.2002 - Declarações de trust e certificados de incorporação da Jared que indica a Marazion como último beneficiário (v. tradução a fls. 42227 a 42229 dos autos principais);
  «- Apenso de busca 11, doc. 13, págs. 1 a 548 – Demonstração de saldo da Jared com resumos por tópicos e por movimentos agregados – custos - vencimentos, publicidade, levantamentos em dinheiro, juros das contas investimento, ou seja, a demonstração inequívoca que serviu como “centro de custos” do grupo SLN/BPN;
  «- Apenso de busca 11, doc. 13, págs. 8 a 19 ou Bragas 6, pág. 176 a 178 – Demonstração de todos os movimentos com respectivos destinos da conta da Jared, o que releva, igualmente, para a sua caracterização como “centro de custos”;
«- Apenso 33 – 1 Anexo A\TRAT\2\Portatil\DOCS\Portatil – TOZE\D\Documents and Settings\g 000294\Ambiente de trabalho\JGi…\Jared- Reconciliativovs2.pdf ou Bragas 6, pág. 188 a 190 – Demonstração de resultados da Jared.
 «A prova testemunhal então indicada e resumida foi inequívoca quanto à caracterização desta sociedade offshore como “centro de custos”, ou seja, uma entidade que servia para fazer diversos pagamentos em benefício do grupo SLN/BPN sem que os mesmos fossem relevados e consolidados nas contas do mesmo grupo.
 «Sendo a sociedade offshore Jared do grupo, servindo a mesma como “centro de custos” do grupo SLN/BPN, ou seja, para fazer diversos pagamentos em benefício do grupo, considerando, como vimos supra, o controle efectivo a nível financeiro que o arguido LC… fazia das sociedades offshore do grupo, o envolvimento deste arguido com o grupo (administrador da SLN SGPS e BPN SGPS), o também envolvimento do arguido FS… com o mesmo grupo (administrador da SLN SGPS) e, por fim, a circunstância de a Jared ter estado envolvida no pagamento de alguns créditos de administradores do grupo, créditos esses que haviam sido concedidos nas identificadas contas alfanuméricas do Banco Insular (A2 – FCo… – administrador do BPN, SA; A4 – AF… – director da DOP até Março de 2006 e administrador da SLN SGPS de Março de 2006 a Julho de 2008) é forçoso concluir pelo conhecimento e participação de ambos os arguidos na criação, desenvolvimento e finalidades subjacentes das contas alfanuméricas indicadas.
«A participação, aliás, primordial, do arguido OC…, é por demais evidente face a toda a prova documental carreada para os autos e a que supra se fez referência.
 «(…)
 «Já lá atrás nos pronunciamos sobre o tema das contas alfanuméricas, sua abertura, beneficiários e colaboração do arguido VM….
«Por conseguinte, remete-se para a respectiva fundamentação e elementos probatórios aí elencados, mais que suficientes para justificar a demonstração do teor do art. 288º da pronúncia (v. facto provado 278).
«A conta A1 como também foi explicado era titulada pelo arguido OC….
 «A 1ª prestação do reembolso (factos 287º, 289º, 290º e 292º da pronúncia; v. factos provados 277, 279, 280 e 282) do capital mutuado no montante de € 4.166.666,67 foi realizada em 27.06.2002 com duas transferências a partir da conta A1 de OC… no Banco Insular, balcão 2000, uma via BPN, Cayman, outra via Montepio Geral, que foram creditadas na conta do mesmo no Fortis Bank.
«A concessão de crédito do Banco Insular a A1 não foi formalizada por qualquer contrato escrito, nem foram prestadas quaisquer garantias.
  «- Apenso bancário 33, fls. 12, pág. 14 pdf – Conta A1 no Banco Insular – 26.06.2002 - E-mail de RP… para CD… para transferência de € 2.200.000,00 da conta A1 para o Fortis Bank.
«Salienta-se a este propósito, em face do mail em causa, o cuidado usado na não identificação da conta A1 e do seu titular, fazendo-se somente referência ao débito da conta ligação do Banco Insular junto do BPN Cayman;
«- Apenso de busca 7, doc. 53.03, pág. 112 ou Bragas 21, pág. 182 – 06.07.2002 - E-mail de RP… para FS… sobre problemas com a operação que se atrasou na conta do Banco Insular no Montepio Geral por motivo de atraso na assinatura da ordem;
 «No mesmo mail é dada indicação de que na “semana passada foi montado” (atente-se, não se diz constituído, concedido, mas sim “montado”) “um financiamento de € 4.200.000,00 no Insular, e solicitada a transferência dessa verba para o Fortis Bank, por forma a estar disponível no dia 28/06 (sexta-feira).
 «Note-se que também se diz no mesmo mail que “por conveniência, e de acordo com as instruções recebidas, os fundos foram enviados de duas formas distintas, a saber: € 2.000.000,00 via Montepio Geral; € 2.200.000,00 via BPN Cayman”.
«Não se vislumbram quaisquer razões de conveniências para repartir a remessa por duas tranches a não ser a de diluir o “rasto do dinheiro”, até porque, também neste mail, não é feita nenhuma referência ao titular da conta e beneficiário da “montagem” do financiamento.
 «Mais se refere no mencionado mail que devido ao atraso na operação na conta do Banco Insular no Montepio Geral, por motivo de atraso na assinatura da ordem, foi contactado o Fortis Bank na pessoa de LMe…, o qual foi informado dos problemas ocorridos, tendo-se “negociado a atribuição de boa data-valor”, o que efectivamente aconteceu, pois, como veremos infra, o débito do reembolso parcial do empréstimo foi executado com data-valor de 28.6.2002, data esta em que, como se diz no mail, se pretendia que a quantia ficasse disponível no Fortis Bank. 
 «- Braga 21, págs. 246 e 247 pdf – acta de reunião interna realizada no Banco Insular a 30.12.2004 entre JG…, RP…, PFl… e MG… onde, a dado passo e no que toca à conta A1, se escreve: “d.4. 700005127 A1 (Dr. J.O.C.) – dissemos que este processo é do seu conhecimento, mas como sabe não está formalizado”;
  «- Apenso bancário 33 – Conta A1 de OC… no Banco Insular – balcão 2000 (crédito sob a forma de conta corrente no valor de € 4.200.000,00 no dia 27.6.2002; ordem de pagamento de € 2.200.000 e transferência via Montepio Geral no montante de € 2.000.000,00;
 «- Apenso bancário 43 - Conta de OC… no Fortis Bank – 28.6.2002 – movimento a débito no montante de € 4.166.666,57 com o descritivo “Reembolso/EMPR”, ou seja, reembolso do empréstimo;
 «- Apenso bancário 1 – Conta do Banco Insular no Montepio Geral -movimento a débito da quantia de € 2.000.000,00 na data de 1.7.2002, que não prejudicou a data do crédito da quantia no Fortis Bank no montante de € 1.999.997,40, pois, este, foi feito com data movimento de 2.7.2002 (1 dia depois) mas com data-valor de 28.6.2002;
«- CD, vol. 13 – onde podem ser consultados os referidos movimentos da conta A1;
«Uma pequena nota: quando se consideram no facto 279 provado os “pretensos contratos de conta corrente caucionada” tem-se em consideração a interpretação de que são “pretensos” porque os contratos de financiamento em qualquer uma das modalidades não existiam, embora o dinheiro tivesse servido para pagar o empréstimo no Fortis Bank 
 «Por sua vez, a 2ª prestação (v. 2ª parte do art. 292º da pronúncia; v. facto provado 282) do reembolso do capital mutuado no montante de € 4.166.666,66 foi realizado em 27.06.2003 com duas transferências a partir da conta A1 de OC… no Banco Insular, balcão 2000, uma via BPN Cayman, outra via Montepio Geral, que foram creditadas na sua conta no Fortis Bank o que foi feito pela utilização de outra c/c/c, operação que também não foi suportada por qualquer documento, nem foi garantida por qualquer modo:
- Braga 21, pág. 213 ou apenso bancário 33, pág. 17 – Conta A1 titulada por OC… no Banco Insular – 26.06.2003 - E-mail de RP… para CD… com indicação para transferir € 2.166.666,66 para a conta nele identificada do Fortis Bank, titulada por OC… (todavia, não identificada no mail como sendo dele) e que, mais uma vez, não faz qualquer referência à conta individual onde seria realizado o débito (A1, do arguido OC…), mas tão só à conta de ligação (conta do Banco Insular junto do BPN Cayman);
- Apenso bancário 33 – Conta A1 de OC… no Banco Insular, balcão 2000 - duas ordens de pagamento emitidas no dia 27.6.2003, uma no montante de € 2.000.000,00 e outra de € 2.166.666,66, o que perfaz o montante global de € 4.166.666,66;
- Apenso bancário 43 - Conta de OC… no Fortis Bank (3 movimentos): (1) crédito da quantia de € 2.166.664,06 a 27.06.2003; (2) crédito da quantia de € 1.999,997,40 a 27.6.2003 e (3) débito da quantia de € 4.166.666,67 na data de 30.6.2003 com o descritivo “REEMBOLSO/EMPR”, i.e., reembolso do empréstimo;
- Apenso bancário 1 – Conta do Banco Insular no Montepio Geral (débito da quantia de € 2.000.008,32 no dia 27.6.2003;
- CD, vol. 13 – onde é possível analisar os movimentos da conta A1 identificados; 
Embora não conste da pronúncia, para cabal compreensão do que ulteriormente se dirá quanto à intenção ou não do arguido de pagar as quantias retiradas da sua conta no Banco Insular, diga-se que a 3ª e última prestação do reembolso do capital mutuado no montante de € 4.166.666,67 foi realizado em 27.06.2004 por transferência da conta de OC… no BPN, SA para a sua conta no Fortis Bank com fundos que em grande parte tiveram origem na venda de acções da SLN, SGPS à Geslusa, realizadas em Maio e Junho de 2004, acções que haviam sido subscritas no aumento de capital de 28.12.2000:
- Apenso 33 – 1 Anexo A\TRAT\3\TOZE #2\DOCS\TOZE #2\Administração\SLN Sociedade Lusa de Negócios – Controlo Accionista\Controlo de Transacções Acções Grupo SLN\MAPDV 79.XLS MAPDV79 ou Braga 21, pág. 251 – CAF de OC… com as vendas à Geslusa entre 11.6.2004 e 25.6.2004;
- Apenso bancário 7 – Conta de OC… no BPN,SA (vendas de acções dos dias 20.5.2004 e 9.6.2004 que lhe permitiram, somadas, um crédito total na sua conta de € 3.781.247,80, sendo que no dia 29.6.2004, como resulta do mesmo extracto, foi feita uma transferência para o Fortis Bank no montante de € 4.166.666,66;
- Apenso bancário 43 - Conta de OC… no Fortis Bank (dois movimentos): (1) crédito da quantia de € 4.166.661,46 no dia 29.6.2004 e (2) débito da quantia de € 4.166.666,66 no dia 30.6.2004 com igual descritivo ao já identificado nas outras duas prestações anteriores;
No tocante aos factos 294º e 295º da pronúncia (factos provados 284 e 285) cabe referir:
A conta A1 de OC… do balcão 2000 do Banco Insular além de ter servido, através de duas c/c/c/ (contas correntes caucionadas), não formalizadas, nem garantidas, para proceder ao pagamento das duas primeiras prestações de reembolso do empréstimo do Fortis Bank, serviu também, para, através da utilização de outra c/c/c/ (conta corrente caucionada), obter, em 29.12.2003, o montante de € 1.061.624,65, dos quais € 886.580,43 foram transferidos para a conta da JARED no Banco Insular a fim de saldar o mesmo montante em débito, que fora sacado dessa conta em 2.10.2002, e se destinou ao pagamento do IRS de 2001 e dos respectivos juros (€ 93.917,14 e € 81.127,08) do arguido OC….
De facto a quantia de € 886.580,43 saiu, em 02.10.2002, da conta … da Jared no balcão 2000 do Banco Insular (aliás, é o seu primeiro movimento, sendo certo que a conta foi aberta precisamente nessa data) e, em 29.12.2003, entrou na conta … da Jared no balcão 2001 do Banco Insular, ficando, assim, oculta para as autoridades de supervisão, uma vez que, como acima explicado, os movimentos bancários deste balcão não eram consolidados na contabilidade do Banco Insular em termos oficiais, nem eram objecto de reporte às autoridades de supervisão.
Além do mais, como vimos, a sociedade offshore Jared do grupo SLN/BPN era uma conta que alocava custos a descoberto, designadamente custos das contas investimentos e custos de pagamentos a colaboradores do grupo, mas que serviu, neste caso, para pagar despesas de natureza pessoal de OC….
«Em resumo: o arguido OC… usou-se de fundos do grupo (através da Jared) em ordem a pagar o seu IRS do ano de 2001 e respectivos juros. Posteriormente devolveu à mesma sociedade (Jared) a quantia que havia sacado através da sua conta A1 no Banco Insular. Contudo, para o efeito, voltou a usar fundos do grupo (como vimos supra, o Banco Insular era do grupo SLN/BPN), na medida em que não pagou o dito montante, sacado a descoberto sobre uma c/c/c/, ao Banco Insular. E isto porque fez transferir toda a dívida que tinha perante esta instituição bancária para o balcão 2001, logrando desse modo que a mesma ficasse oculta para qualquer instância de controlo/supervisão e consequentemente sob o manto de uma aparente inexistência e não exigibilidade: 
- Braga 21, pág. 217 – 02.10.2002 - E-mail de Ajo… para CD… a solicitar: (1) o débito da conta do Banco Insular junto do BPN Cayman e (2) a emissão de cheque de € 886.580,43 à ordem da Direcção Geral de Contribuições e Impostos;
- Braga 21, pág. 219 – 2.10.2002 – Fax de CD… para o balcão do BPN, Edifício Fronteira, pelo qual solicita a emissão de um cheque bancário à ordem da Direcção Geral de Contribuições e Impostos pelo montante de € 886.580,43 com a precisão de que o levantamento do cheque “deve ser obrigatoriamente pelo colega AD…”, fax este que tem despacho manuscrito do arguido OC… com um “visto 02/10/02”;
- Braga 21, págs. 220 a 222 – 02.10.2002 - Cheques bancários de € 886.580,43, um a favor da DGCI (este foi anulado) e outro a favor da DGT;
- Apenso AG – anexo 3, pág. 42 ou apenso de busca 7, doc. 17.37, pág. 186 - Nota de cobrança do IRS de OC… – valor de € 886.580,43 e que tinha como data limite de pagamento o dia 2.10.2002; 
- Apenso de busca 7, doc. 17.37, pasta 88, ou pág. 186 pdf – nota de liquidação de IRS do ano de 2001 de OC… com data limite de pagamento 2.10.2002, e liquidação do valor de € 886.580,43 com o carimbo da tesouraria da fazenda pública que demonstra que o mesmo foi pago no dia em questão, sendo de realçar que o documento tem uma anotação manuscrita do seguinte teor: “JARED”; 
- Apenso de busca 7, doc. 17.37, pág. 122 – Documento confidencial com o elenco de movimentos da conta da Jared, entre eles o movimento a débito de € 886.580,43 a que corresponde o descritivo “JOC – DGT (impostos)”;
A propósito deste documento diga-se que o mesmo revela inequivocamente a “central de custos” ou um dos “sacos azuis” do grupo SLN/BPN, na medida em que descreve uma multiplicidade de pagamentos feitos “por fora”, nos quais se incluem inúmeras remunerações pagas a funcionários ou colaboradores do grupo.
Atente-se, igualmente, que a conta da Jared começou em 2.10.2002 com um saldo 0 (zero) (o primeiro movimento, como vimos, foi precisamente pagar aquela quantia de € 886.580,43 do IRS de OC…). Porém no dia 30.6.2003 já tinha um saldo negativo de - € 7.346.846,83, o que dá bem ideia da dimensão do uso que era dado a esta conta e à própria Jared.
- declarações em audiência de julgamento da testemunha Ajo… que, em suma, confirmou a emissão do cheque bancário pelo arguido FS…, o qual lhe referiu que o mesmo se destinava a pagar os impostos de OC… e  bem assim que o cheque foi autorizado pelo próprio OC…. Ademais referiu que para efeito de pagamento foi utilizada a conta da Jared no Banco Insular e que, posteriormente, a conta A1 de OC… no Banco Insular transferiu o valor do cheque para a conta da Jared na mesma instituição bancária; 
- Pesquisa no CD, vol. 13, pelo valor de € 886.580,43:

(Imagem removida)

Quadro do qual resulta, inequivocamente:
1) Debitada conta da Jared no Banco Insular, no dia 2.10.2002, pelo valor de € 886.580,43;
2) No dia 29.12.2003 é debitada a conta A1 do arguido OC…, no Banco Insular, pelo montante de € 886.580,43, e creditada a conta da Jared pelo mesmo valor;

Aqui chegados, importa aquilatar do constante dos arts. 290º, 291º, 293º e 296º da pronúncia que se relacionam com a intenção do arguido não pagar estas quantias, ou seja, de não saldar a sua dívida no Banco Insular, e dos procedimentos adoptados com esse objectivo.
O Tribunal não tem quaisquer dúvidas de que o arguido não pretendia saldar as suas dívidas no Banco Insular e isto pelas razões que se passam a elencar:
1) Em primeiro lugar por todos os procedimentos adoptados em relação à conta A1 de que o arguido era titular no Banco Insular:
Atente-se no seu histórico já evidenciado supra:
(i) Em 26.06.2002 foi aberta no Banco Insular, balcão 2000, em nome de OC… com o n.º 700005127;
(ii)  Em 17.10.2002 foi redenominada A1, o que confere um grau muito superior de confidencialidade à conta; 
 Em 15.06.2004 a conta do balcão 2000 foi saldada por contrapartida da abertura de uma outra conta A1 no balcão 2001 do Banco Insular, a conta n.º … que teve associada uma c/c/c. A partir do momento em que passou para o balcão 2001 a conta passou a não ser reportada às autoridades de supervisão e deixou de estar sujeita a qualquer tipo de controlo das autoridades competentes; 
(iii) Em 11.04.2008, com data-valor de 27.12.2007, a dita conta passou novamente para o balcão 2000 do Banco Insular; 
(iv) Não houve qualquer formalização da concessão de crédito, nem foram prestadas quaisquer garantias, mas existe um contrato de mútuo datado de 27.06.2002 não assinado que foi criado em 08.01.2003 por JV…;
(v) Em 17.02.2009 a conta passou para o BPN, SA, conta n.º … de OC…, que, em 01.06.2009, tinha um descoberto de € 12.354.078,84;
(vi) Em Dezembro de 2010, o descoberto, que teve origem em crédito que na sua quase totalidade foi concedido em meados de 2002 e em meados de 2003, transitou para a Parvalorem sem que, entretanto, OC… tivesse procedido a qualquer reembolso de capital ou a qualquer pagamento de juros;
(vii) Em 01.2011 OC…, por meio de notificação judicial avulsa, notifica o BPN propondo-se a efectuar o pagamento das dívidas da conta A1 mediante dação em pagamento;
2) Em segundo lugar por força das vicissitudes ocorridas com a dívida do arguido que se encontrava parqueada no Banco Insular:
(i) Em 15.06.2004, a c/c/c associada à conta A1 cujo saldo em dívida era de € 9.428.291,31 foi creditada por valor igual, ficando assim saldada (v. CD vol. 13 ou apenso bancário 33, fls. 20 e 21, págs. 22 e 23 pdf – passagem para o balcão 2001); 
(ii) Porém, nessa mesma data, foi passada para uma c/c/c associada à conta … do balcão 2001 titulada por A1 no preciso valor de € 9.428.291,31 (balcão que, como referido, não era objecto de reporte às autoridades de supervisão); 
(iii) E, em 22.11.2004, no balcão 2001, foi ainda utilizado o valor de € 402.281,59 para pagamento de juros debitados na conta do balcão 2000; e, posteriormente, ainda foram feitas mais duas utilizações da c/c/c de € 33.588,29 e € 242.386,54 para pagamento de juros na conta à ordem. 
«Em suma, a dívida de OC… no Banco Insular, transitou da sua conta no balcão 2000 para a conta de que era titular no balcão 2001, conta que continuava a englobar os seguintes dívidas acima analisadas: 
a) € 2.220.000,00, de 27.06.2002; 
b) € 2.200.000,00, de 27.06.2002; 
c) € 2.000.000,00, de 27.06.2003; 
d) € 2.166.666,66, de 27.06.2003 e, 
e) € 886.580,34, de 29.12.2003;
 Em 11.04.2008 o montante global em dívida, € 10.339.829,72, foi transferido para a conta do balcão 2000, a qual posteriormente apenas veio a registar débitos por força dos juros entretanto vencidos;
Note-se que, nesta data (11.4.2008), o arguido OC… não teve qualquer influência em acabar com a ocultação da dívida no balcão 2001, passando-a para o balcão 2000.
Com efeito, nessa altura, o mesmo já não exercia quaisquer funções no grupo em virtude de ter renunciado a todas as suas funções, i.e., de presidente da SLN SGPS, S.A., do BPN, SGPS, S.A., e do BPN, S.A., em 19.2.2008. 
(iv.) Posteriormente, a dívida foi transferida do Banco Insular para o BPN (conta n.º …) sem qualquer intervenção do arguido, uma vez que tal ocorreu no âmbito de um acordo entre ambas as instituições bancárias, cifrando-se a 01.06.2009 em € 12.534.078,84 (v. informação da Direcção de Auditoria e Inspecção do BPN remetida ao DIAP e constante de fls. 4094 a 4097 do vol. 10 do processo, págs. 230 a 233 em pdf);  
 3) Por causa da escritura de partilha de bens de casal outorgada em 10.3.2008 entre OC… e a sua cônjuge:  
A escritura de partilha em questão (v. autos principais, vol. 2, fls. 648 a 657, págs. 230 a 242 pdf), outorgada em 10.03.2008, - menos de dois meses depois da renúncia de OC… aos identificados cargos que tinha no grupo SLN/BPN, bem como antes de a dívida transitar do balcão 2001 (“oculto”) para o balcão 2000 (objecto de reporte) -, não contém referência a qualquer passivo, designadamente a c/c/c da conta A1 ou o empréstimo à CLASSICAL (tema que será analisado mais adiante) para a compra da vivenda das Sesmarias.
O que é sinal claro de tentativa de ocultação de passivo.
Por outro lado, em face da escritura, verifica-se que as acções da Soares da Costa (verba n.º 13) foram adjudicadas à cônjuge mulher. Porém, curiosamente, tanto não impediu OC… de, em 2011, as oferecer para dação em cumprimento da dívida na notificação judicial avulsa que dirigiu ao BPN e com a qual, conforme alega, em caso de condenação, pretende nestes autos sustentar uma atenuação especial da pena a aplicar (v. requerimento do arguido e notificação judicial avulsa constantes de fls. 23525 a 23534 do vol. 68 do processo – págs. 114 a 123 pdf).
4) Pela constatação do não pagamento de capital e/ou juros:
Qualquer pessoa medianamente diligente e informada sabe – e isso resulta das regras da experiência comum – que tendo uma dívida numa instituição bancária a sua primeira obrigação passa por honrá-la, ou seja, sabe que no âmbito do acordo convencionado se lhe impõe ir pagando o capital e os juros entretanto vencidos ou, quando tanto não lhe seja possível por qualquer motivo, lhe cabe tentar renegociar a dívida.
O arguido, que era o Presidente do Conselho de Administração da SLN SGPS, S.A., do BPN, SGPS, S.A. e do BPN, S.A. e por isso certamente detentor de especiais conhecimentos na área bancária, podia desconhecer tal modo de ser das coisas.
No entanto, durante 6 anos (o início da dívida no Banco Insular reporta-se a 2002 e o arguido renunciou às suas funções em 2008) não pagou sequer um cêntimo de capital ou de juros da dívida que contraiu. «O que, segundo as regras da experiência comum, da lógica e máximas da vida é por si revelador de que não tinha intenção de a solver.
5) Em razão das condições económicas do arguido:
O arguido no período de 2002 a 2008 teve actividade profissional.
O extracto bancário da conta titulada pelo arguido no BPN, S.A (apenso bancário 7), mostra que recebia cerca de € 25.000,00 mensais de vencimento.
No entanto, apesar de ter rendimentos para o efeito, naquele período, não amortizou qualquer parte da sua dívida.
O mesmo extracto bancário evidencia que durante alguns períodos o arguido teve quantias avultadas depositadas na conta:
-18.09.2003: € 1.033.668,59;
- 05.03.2004: € 3.710.932,00;
- 29.06.2004: € 3.755.594,00;
- 29.08.2005: € 2.618.114,76; e
- entre 22.09.2005 e 18.09.2006: quantias variáveis, sensivelmente de € 3.000.000,00 a € 3.500.000,00;
Não obstante, não pagou um cêntimo de capital e/ou juros da sua dívida da conta A1 no Banco Insular.
O arguido, a 29.12.2006, ainda tinha na sua carteira de títulos 17.984.505 acções da SLN SGPS, S.A., das 29.000.000 que havia subscrito no aumento de capital de Dezembro de 2000 ao preço preferencial de € 1,00/acção:
«- Apenso informático33:F:\4910\1-AnexoA\TRAT\3\TOZE#2\DOCS\TOZE#2\Administração\SLN Sociedade Lusa Negocios - Controlo Accionista\Controlo de Transacções Acções Grupo SLN\SLN - Ficheiros Posições 31.12.2006\MAPDV228_29122006.xls:

(Imagem removida)

Para pagar a dívida que tinha na conta A1 no Banco Insular bastava-lhe vender um pouco mais de metade das acções SLN SGPS, S.A., que tinha em carteira ao valor nominal € 1,00, i.e., sem qualquer prejuízo.
Apesar disso, tendo bens mais que suficientes para saldar a dívida, não pagou qualquer montante da mesma.
Acresce que, durante todo o ano de 2007, o preço médio de transacções de acções da SLN SGPS, S.A. foi de € 2,58/acção:
«F:\4910\1-Anexo A\TRAT\3\TOZE#2\DOCS\TOZE#2\Administração\SLN Sociedade Lusa Negocios - Controlo Accionista\Controlo de Transacções Acções Grupo SLN\Transacções SLN -01.09.2006 a 31.12.2007 - Preço Medio Transacção.xls - ficheiro que depois de analisar todas as transacções do ano as quais são discriminadas no próprio ficheiro concluiu, em termos matemáticos, por aquele preço médio:
 

«Aliás, nesse ano (v. mesmo ficheiro), o arguido vendeu 300.000,00 acções da SLN SGPS, S.A. ao preço unitário de € 3,35, da qual resultou um rendimento bruto de € 1.0005.000,00, e líquido (tinha adquirido as acções ao preço de € 1,00) de € 700.000,00. 

(Imagem removida)
 
A sua dívida (conta A1 no Banco Insular), no ano de 2007, andava na ordem dos € 10.000.000,00. «Ou seja, para saldar a sua dívida no Banco Insular bastava-lhe ter vendido cerca de 4.000.000,00 de acções da SLN SGPS, S.A., que tinha em carteira, considerando-se, para tanto, não o preço de € 3,35 pelo qual conseguiu transaccionar 300.000 acções naquele ano, mas tão só o preço médio de € 2,58 (€ 2,58/acção x 4.000.000,00 = € 10.320.000,00).
E, não se diga, como parece sustentar em sede de contestação (já lá iremos), que teria dificuldade em vender as suas acções.
Por um lado, era o Presidente da SLN SGPS, S.A., ou seja, certamente, teria uma maior facilidade em vender as acções do que qualquer outra pessoa.
Por outro, naquele ano de 2007, como resulta do ficheiro identificado, foram transaccionadas cerca de 60.000.000 da SLN SGPS, S.A., bastando ao arguido, como dito, transaccionar 4.000.000 das suas àquele preço médio para pagar a dívida.
Em resumo: o arguido tinha as condições económicas necessárias para saldar os seus compromissos e apesar disso, durante 6 anos não o fez, sequer parcialmente. 
6) Em razão da escolha da entidade bancária:
O arguido OC… durante os anos de 2002 a 2006 tinha todas as condições económicas para recorrer a um empréstimo, devidamente formalizado, recorrendo a qualquer instituição bancária nacional.
Não obstante, não recorreu a este procedimento, remetendo a sua dívida originária do Fortis Bank para um banco de pequena dimensão – o Insular -, em Cabo Verde, que tinha à sua frente um nominee/fiduciário (JV…) e que era completamente operacionalizado pelo grupo ao qual o arguido OC… presidia. 
7) Em virtude da não formalização de qualquer contrato:
Apesar de ter uma responsabilidade patrimonial muito elevada com o Banco Insular, o arguido não formalizou qualquer contrato escrito de mútuo, ou outro, com ele.
O que só pode significar que não pretendia deixar rasto da sua dívida e que não a pretendia pagar. 
8) Por força da ausência de garantias: 
Ademais, o arguido não prestou quaisquer garantias pessoais e/ou reais, sendo certo que, como vimos, tinha mais que simples condições económicas para as prestar.
Procedimento, este, que visava evidentemente dificultar, como dificultou, a sua cobrança do crédito no caso de algum dia a dívida deixar de estar “oculta”, conforme se veio a verificar já depois de renunciar às suas funções nas identificadas instituições do grupo SLN/BPN. 
9) Também face à Confidencialidade com que todo o assunto foi tratado:
Em toda a documentação a que se fez referência a propósito das transferências do Banco Insular para o Fortis Bank e dos procedimentos tomados para que elas se concretizassem nunca foi feita qualquer referência à conta A1 de que o arguido era titular no Banco Insular, havendo, tão só, pedidos de débito ou de emissão de cheque bancário das contas tituladas pelas instituições bancárias, o que demonstra um cuidado especial no tratamento das mesmas a nível de confidencialidade.
Por outro lado, o número de pessoas que tiveram conhecimento das operações foi muito restrito e da estreita confiança do arguido: FS… (seu “braço direito” e administrador da SLN SGPS), Ajo… (um dos principais funcionários da DOP e, posteriormente, assessor do Conselho de Administração do BPN, S.A.), RP… (subdirector da DOP), AF… (director da DOP) e JV… (fiduciário do Banco Insular que, nessa qualidade, recebia avultadas remunerações/contrapartidas mensais).
Este conhecimento restrito e por pessoas da inteira confiança do arguido dava-lhe garantias da manutenção da sua dívida no Banco Insular em total confidencialidade. 
10) Ao que acresce a Ocultação da dívida:
Como sobredito, a conta A1 de que o arguido OC… era titular no Banco Insular, bem como a dívida que tinha perante esta instituição, transitou do balcão 2000 (oficial e que era reportado à autoridade de supervisão) para o balcão 2001 (“virtual” porque não era objecto de qualquer reporte e de controlo da mesma autoridade) e só viu “a luz do dia” quando passou para o BPN, S.A., após o mesmo ter renunciado às suas funções e sem qualquer intervenção sua.
Esta “ocultação” conjugada com os demais elementos e fundamentos objectivos já enunciados só pode ter um único significado: a intenção inequívoca de não querer pagar a dívida.
Em síntese:
De todo o exposto resulta a prova inequívoca dos factos 290º, 291º, 293º e 296º da pronúncia (factos provados 280, 281, 283 e 286), com a salvaguarda de que não estamos perante financiamentos mas tão só de colocação de quantias (créditos) na conta A1 (v. facto não provado 91).
*
Passemos, de imediato, por ser pertinente, à análise da matéria de facto da contestação (fls. 17910 a 18110) do arguido OC… atinente a este tema, a qual se mostra distribuída pelos arts. 539º a 584º do seu articulado (…)
(…) cabe referir:
O empréstimo a que o arguido alude no art. 540º no Banco Fortis foi, como vimos, integralmente pago, em parte (3º prestação) com o produto da venda de acções de que o arguido era titular da SLN SGPS e noutra parte (1ª e 2ª prestações) com quantias sacadas da conta A1 de que era titular no Banco Insular.
E é só ao empréstimo do Banco Fortis que o arguido se refere no facto em causa e não à dívida que tinha naquela conta.
Assim sendo, impõe-se que seja considerada não provada a alegação em causa (v. facto não provado 94).
Nenhuma prova foi produzida, por mínima que seja, antes pelo contrário, do declarado nos arts. 541º, 574º a 576º e 579º, 2ª parte da contestação (v. factos não provados 95, 101 a 103 e 105).
Não se demonstrando, como visto supra, as dificuldades a que o arguido alude, necessariamente que não pode ter-se por demonstrado o invocado na 1ª parte do art. 543º da contestação, sendo certo que o recurso à conta A1 do Banco Insular foi uma solução definitiva ao contrário da “temporária” que sustenta (facto não provado 96).
No entanto, como demonstrado, é certo que mantinha a opção da venda de mais acções da SLN para realizar os meios necessários à liquidação da dívida contraída junto do Banco Insular (art. 543º, 2ª parte; v. facto provado 36).
Dir-se-á também:
Nunca se utiliza na factualidade provada da contestação do arguido a expressão “empréstimo” na medida em que nunca foi outorgado qualquer contrato de mútuo ou qualquer outro, tendo, sim, havido uma “retirada” de fundos pelo arguido do Banco Insular através da conta A1 por si titulada, o que levou a que o mesmo ficasse com uma dívida junto dessa instituição bancária.
Por isso, ao contrário do que invoca, não se pode concluir que o arguido “obteve um financiamento junto de uma instituição de crédito” (v. art. 569º da contestação; facto não provado 99).
Com efeito, um financiamento pressupõe uma proposta de crédito, o estudo do processo, a aprovação do crédito e assinatura de um contrato, designadamente de mútuo, não se tendo, no caso, passado nada disso. Diversamente, assistiu-se, simplesmente, a uma retirada de fundos pelo arguido do Banco Insular, designadamente da sua conta A1, embora essa retirada tivesse ficado reflectida em termos de contabilísticos.
Destarte, também não se pode concluir que o arguido utilizou um financiamento para amortizar parcialmente, aí sim, o financiamento que tinha obtido junto do Fortis Bank (art. 570º da contestação; v. facto não provado 100). O demais alegado neste artigo, mas sob o prisma de um “saque”/retirada de fundos já resulta da materialidade provada da pronúncia (v. factos provados 282 a 284).
Como foi salientado acima e para cuja fundamentação se remete, mostra-se provado o alegado no art. 544º, com a “nuance” de que o arguido vendeu e não de que “conseguiu vender”, salientando-se, de novo, que não se detectaram quaisquer dificuldades na venda das acções da parte do arguido nem se produziu nenhuma prova a este respeito (v. facto provado 37 e facto não provado 97).
No âmbito do assunto em referência (“financiamento do Fortis”), e é só neste quadro que o arguido os invoca, não têm qualquer importância para a decisão da causa e/ou eventual escolha e determinação da sanção os factos constantes dos arts. 545º a 565º, porque simplesmente dizem respeito à orgânica e procedimentos adoptados pelo BPN e não a quaisquer questões de natureza pessoal/económica do arguido.
Como foi referido supra, demonstrou-se precisamente o contrário do que o arguido alega no art. 568º da contestação, pelo que este facto resultou necessariamente como não demonstrado (v. facto não provado 98).
É inequívoco o sustentado pelo arguido no art. 573º da contestação. Todavia, como vimos, o mesmo nunca se dignou usar a carteira de títulos SLN SGPS e SLN Valor para amortizar a dívida que tinha no Banco Insular na sua conta A1 (v. facto provado 38). 
Não foi produzida qualquer prova cabal do sustentado pelo arguido no art. 577º da contestação (v. facto não provado 104).
Por outro lado, a venda de acções a preços baixos sempre poderia ser feita no âmbito de acordos, reduzidos a escritos, com cláusulas que impusessem a total confidencialidade e fortes penalizações para qualquer incumprimento.
Por fim, não se vislumbra que o arguido tivesse tido algum tipo de problema em dar a ideia de que poderia estar “a desfazer-se de acções a qualquer preço” quando vendeu, em 18.4.2001, 250.000 acções da SLN SGPS, S.A. a ACS… e a PCa… ao preço unitário de € 1,00, ou seja, ao seu valor nominal, logo sem qualquer lucro, num tempo e ao mesmo tempo em que andava a vender acções a um preço muito superior (17.5.2001 - € 2,11 a AAm…; 28.6.2001 - € 2,3 às contas 12; e 3.7.2001 – € 2,2 à SLN Valor SGPS).
Ou seja, se o havia feito antes, não se vislumbra qualquer óbice para que o fizesse novamente, até porque, nesta altura e neste caso, tinha motivos para agir do mesmo modo, designadamente a dívida pessoal avultada junto do Banco Insular por saldar.
(…)
De regresso à pronúncia, entra-se no tema “ganhos do arguido OC… colocados na conta da Galeria” (arts. 917º a 927º).
Já vimos que, entre 17.11.2003 e 21.09.2005, o arguido OC… vendeu acções da SLN, SGPS que antes subscrevera no aumento do capital social de 28.10.2000, ao preço privilegiado de € 1,00, cada uma, sem ter disposto de capital próprio, salvo numa pequena parcela.
Com isso logrou substanciais mais-valias das “singulares vendas” de acções da SLN, SGPS à Emka, à Invesco e à Zemio, realizadas nas circunstâncias atrás referidas (remete-se para os elementos probatórios então indicados e motivação desenvolvida), com o valor do empréstimo do Fortis Bank que, em grande parte (mais de € 8.000.000,00) foi pago com financiamentos do Banco Insular sob a forma de contas correntes caucionadas associadas à conta alfanumérica A1, ao quais não foram formalizados, nem garantidos, e que nunca foram pagos quer quanto ao capital mutuado, quer quantos aos respectivos juros. (arts. 917º e 918º da pronúncia; v. factos provados 865 e 866).

iii. Apreciando.
Em síntese apertada, o que o recorrente pretende defender é a tese de que, no que concerne às quantias de que fez uso para seu proveito pessoal, obtidas via Banco Insular, não se mostra demonstrado que a sua intenção fosse a de as fazer suas; isto é, de nunca proceder ao seu pagamento.

iv. Sucede, todavia, que esta tese não se mostra suportada por uma análise ampla e simples da materialidade assente, à luz das regras de experiência comum, como o tribunal “a quo” enuncia.
De facto, no que concerne aos elementos probatórios que sustentam a mera materialidade factual criticada pelo recorrente e o raciocínio lógico que determinou que o tribunal “a quo” entendesse que aquela era, ab initio, a intenção do arguido, acaba por se poder sintetizar nestes 10 seguintes argumentos (remetendo-se o seu desenvolvimento para o trecho transcrito da motivação que antecede, de onde foram retirados):
1) Todos os procedimentos adoptados em relação à conta A1 de que o arguido era titular no Banco Insular;
2) As vicissitudes ocorridas com a dívida do arguido que se encontrava parqueada no Banco Insular (Em 11.04.2008 o montante global em dívida, € 10.339.829,72, foi transferido para a conta do balcão 2000, a qual posteriormente apenas veio a registar débitos por força dos juros entretanto vencidos; «Note-se que, nesta data (11.4.2008), o arguido OC… não teve qualquer influência em acabar com a ocultação da dívida no balcão 2001, passando-a para o balcão 2000. «Com efeito, nessa altura, o mesmo já não exercia quaisquer funções no grupo em virtude de ter renunciado a todas as suas funções, i.e., de presidente da SLN SGPS, S.A., do BPN, SGPS, S.A., e do BPN, S.A., em 19.2.2008.  (iv.) Posteriormente, a dívida foi transferida do Banco Insular para o BPN (conta n.º …) sem qualquer intervenção do arguido, uma vez que tal ocorreu no âmbito de um acordo entre ambas as instituições bancárias, cifrando-se a 01.06.2009 em € 12.534.078,84 (v. informação da Direcção de Auditoria e Inspecção do BPN remetida ao DIAP e constante de fls. 4094 a 4097 do vol. 10 do processo, págs. 230 a 233 em pdf));
3) A realização da escritura de partilha de bens de casal outorgada em 10.3.2008 entre OC… e a sua cônjuge;
4) A mera constatação do não pagamento de capital e/ou juros. A “dação em pagamento” a que o arguido alude, para além de todas as demais considerações que a esse propósito o tribunal “a quo” tece, apenas surge quando estes autos já se encontravam em curso; de igual modo, a constatação da existência de tal dívida e o afloramento da necessidade do seu pagamento surgem, não por iniciativa do arguido, mas depois da sua saída como presidente do Grupo SLN/BPN, quando a nova direcção lançou uma operação que visou determinar o real perímetro de consolidação da SLN;
5) A circunstância de as condições económicas do arguido permitirem o pagamento de tais montantes (quanto mais não fosse por meio da venda das acções que detinha, sendo certo que vendeu algumas e com esse dinheiro nada saldou da dívida ao Banco Insular; note-se, aliás, que o arguido dispôs de anos para proceder a tal pagamento, sendo incompreensível a sua alegação, em sede de recurso, de que o não pôde fazer porque estava preso…).
6) A escolha da entidade bancária;
7) A ausência de formalização de qualquer contrato; isto é, não há um único documento escrito que comprove a existência de um contrato de mútuo, c/c ou descoberto autorizado, por exemplo, através do qual o arguido se comprometa ao pagamento de qualquer quantia de que fez uso (o célebre rascunho de um contrato de mútuo não passa de isso mesmo, uma vez que, junto aos autos, não se mostra nenhum documento de tal cariz devidamente assinado);
8) O arguido nunca prestou quaisquer garantias de cumprimento de obrigação de pagamento;
9) O grau de confidencialidade com que todo o assunto foi tratado;
10) O esforço de ocultação da existência da dívida.

v. No seu recurso, por seu turno, o arguido mostra-se incapaz de refutar esses elementos de prova, bem como esses raciocínios, limitando-se a negá-los e a querer impor a sua pessoal convicção a propósito desta questão, tentando fazer apelo a considerações que o tribunal “a quo” faz a propósito de outros financiamentos, que com este não estão correlacionados e que, como tal, não têm a virtude da similaridade que lhes aponta (sendo certo, para além do mais, que dos mesmos nem sequer decorre, forçosamente, a licitude da operação que os determinou).
a. Note-se, ainda, que os elementos probatórios que o arguido avança para infirmar a convicção alcançada pelo tribunal “a quo” no que se refere à sua intenção de apropriação e não de obtenção de um empréstimo, não se reportam ao momento em que a dívida foi contraída mas antes se situam muitos anos depois e meses após a sua saída da liderança do Grupo SLN/BPN. Na verdade, é já e apenas nesse momento temporal - em que o arguido não tem agora o domínio sobre o sigilo da sua conta, nem sobre a ocultação da sua dívida, estando em actividade nova direcção do grupo e realizando-se então um apuramento da situação financeira do Grupo (bem como do “buraco” financeiro do Banco Insular) - que os elementos de prova que invoca se situam, sendo certo que com os mesmos nem sequer pretende demonstrar que assumiu documental ou verbalmente a contracção de qualquer mútuo ou procedeu voluntária e espontaneamente (imediatamente antes da sua saída do Grupo, por exemplo) ao efectivo pagamento dos montantes que havia passado para a sua posse. Na verdade, atento o que avança, a dita prova resumir-se-ia a pretender demonstrar que admitiu ser devedor e ter afirmado que iria proceder ao seu pagamento. Cabe perguntar – qual a relevância probatória da formulação de uma intenção não concretizada, proferida num momento em que o sigilo da dívida se mostra quebrado (por razões que o arguido deixou de poder controlar), vários anos após a data em que o “empréstimo” foi contraído?
Salvo o devido respeito, nenhuma, pois o que importa é apurar qual a motivação do arguido à data em que o mútuo foi contraído e não à data em que, anos depois, o Grupo que liderava se apercebeu da sua existência.
b. E se, como refere o arguido na sua conclusão 591º, o que deve ser valorado é se o devedor tinha e manteve sempre condições para proceder ao pagamento da dívida, mal se compreende a crítica que dirige ao decidido, pois o tribunal “a quo” procedeu, precisamente, a tal apreciação (como acima se deixou exposto), constatando o óbvio – embora tivesse condições económicas para proceder ao pagamento dessa dívida, não só ocultou a sua existência, como não a satisfez.
c. De igual modo cumpre realçar que a alegada contradição (que até nem o é, mas essa é questão para outra sede) entre o que consta a fls. 1527 do acórdão e o dado como assente nos pontos 281 e 283, nunca seria susceptível de determinar o vício a que o arguido alude, uma vez que fls. 1527 se referem a uma secção do acórdão (enquadramento jurídico dos factos face ao direito) que não se integra na motivação da convicção do tribunal.
O mesmo se diga, mutatis mutandis, quanto à referência feita pelo arguido ao vertido a fls. 1548 do acórdão.

vi. Finalmente, e no que se refere aos restantes pontos provados, de igual modo mostra-se o arguido incapaz de demonstrar o erro do que o tribunal “a quo” aí afirma, designadamente: Já vimos que, entre 17.11.2003 e 21.09.2005, o arguido OC… vendeu acções da SLN, SGPS que antes subscrevera no aumento do capital social de 28.10.2000, ao preço privilegiado de € 1,00, cada uma, sem ter disposto de capital próprio, salvo numa pequena parcela. «Com isso logrou substanciais mais-valias das “singulares vendas” de acções da SLN, SGPS à Emka, à Invesco e à Zemio, realizadas nas circunstâncias atrás referidas (remete-se para os elementos probatórios então indicados e motivação desenvolvida), com o valor do empréstimo do Fortis Bank que, em grande parte (mais de € 8.000.000,00) foi pago com financiamentos do Banco Insular sob a forma de contas correntes caucionadas associadas à conta alfanumérica A1, ao quais não foram formalizados, nem garantidos, e que nunca foram pagos quer quanto ao capital mutuado, quer quantos aos respectivos juros. (arts. 917º e 918º da pronúncia; v. factos provados 865 e 866).

vii. Com base no que se deixa dito, mostra-se indefensável a convicção alcançada pelo tribunal “a quo” a propósito desta questão? Mostra-se a mesma insustentada quer pela prova quer pelos raciocínios sobre a mesma realizados? Impõe-se que outra seja a apreciação a fazer? É isto irrazoável, despropositado, contraditório, errático, confuso, sem fundamento?
A resposta reconduz-se a uma negativa simples.

viii. E se assim é, soçobra o pelo recorrente aqui peticionado.

20. Pontos 287, 288, 289, 290, 291, 292, 301 a 337 da matéria julgada provada da pronúncia:
O recorrente discorda da decisão do tribunal a quo entendendo que:
- Deve ser julgada como não provada a matéria de facto relativa ao alegado controlo accionista constante dos pontos 287, 288, 289 na parte em que se lê “Nesse sentido”, “restrito” e “de referência”, 290, 291, 292, 301 a 337 da matéria de facto, uma vez que não se verifica qualquer controlo accionista sobre as entidades elencadas nos diversos quadros constantes daqueles artigos, não relevando sequer para a decisão final da causa aferir das percentagens detidas por cada accionista e do efectivo exercício por cada uma deles do direito de voto.
- Subsidiariamente, caso assim se não entenda, deve a factualidade constante dos quadros relativos ao “controlo accionista” da sociedade SLN, S.G.P.S., S.A., julgados como provados nos pontos 303, 305, 307, 309, 312, 313, 319, 320, 321, 325, 326, 328, 330, 311, 334, 335 da matéria de facto, ser corrigida, quanto aos inúmeros erros relativos às acções que efectivamente votaram nas mesmas, com influência no resultado percentual do alegado exercício nas mesmas do “controlo accionista”, conforme acima demonstrado e com base na análise das respectivas listas de presença.

i. Os pontos acima mencionados têm a seguinte redacção:
287) Conforme factos acima narrados, os arguidos OC… e LC…, este até final de Agosto de 2007, com a colaboração do arguido FS…, desenvolveram actuações no sentido de colocar participações accionistas em diferentes grupos de pessoas e de entidades que fossem por si controlados, no sentido de poderem determinar o sentido de voto e obterem a cobertura dos mesmos para as decisões da Administração;
288)Tal estratégia visava impedir a formação de qualquer oposição interna em sede do conjunto de accionistas, de forma que a actuação da administração não fosse questionada e pudessem desenvolver os negócios que bem entendessem, perpetuando assim, o seu mandato como administradores do Grupo;
289)Nesse sentido, a SLN VALOR foi utilizada como forma de concentrar num núcleo accionista restrito a detenção de acções da SLN SGPS, objectivo que o arguido OC… divulgou perante os accionistas de referência, através de carta datada de 26 de Março de 2003, o que passava por procurar realizar aumentos de capitais da SLN VALOR, de forma a aumentar o controlo por esta da SLN SGPS, sendo usada como um veículo de blindagem do grupo;
290)Assim, para efeito de controlo dos accionistas, os arguidos utilizaram diferentes grupos de entidades e de pessoas, para neles colocar acções, com financiamentos concedidos através de entidades em offshore e do Banco Insular;
291)Tais grupos de indivíduos compreendiam:
- Entidades consolidadas na SLN VALOR ou na SLN SGPS;
- Entidades não consolidadas na SLN VALOR ou na SLN SGPS;
- Administradores da SLN, isto é, órgãos sociais;
- JO… e familiares;
- Entidades sob controlo de JO…;
292)Tal estratégia foi aplicada quer quanto à SLN SGPS quer quanto à SLN VALOR, conforme se passa a narrar;
Grupos de accionistas – SLN Valor (arts. 311° a 324° da pronúncia):
301)Seguindo o agrupamento de accionistas acima explicado e utilizado para efeito de controlo das participações e representação e deliberações da Assembleia Geral, identificam-se as seguintes formas de controlo, que, de seguida, se vão quantificar, por ano, em sede de número de acções detidas e percentagem do capital;
302)Tal titularidade e quantidade de acções resultava expressa nas listas de presenças nas Assembleias-gerais da SLN Valor SGPS Lda. e, posteriormente, aquando da transformação da sociedade em sociedade anónima, com a designação SLN Valor SGPS S.A.;
303)Em primeiro lugar, os arguidos procuravam o controlo accionista através da detenção de acções próprias pela SLN VALOR, considerada como entidade consolidada no quadro seguinte: (dispensa-se a transcrição dos quadros, remetendo-se para a já realizada supra neste acórdão:
304)Em segundo lugar, actuava a utilização de entidades não consolidadas, que integrava um conjunto de entidades detidas pela SLN VALOR ou pela SLN SGPS, mas que não consolidavam contas no balanço das mesmas, embora detivessem acções da SLN VALOR;
305)Tal era o caso da EPWORTH ENTERPRISES, da SOCIEDADE AGRÍCOLA VALLE FLOR, esta última detida através de veículos em offshore, no caso a MONIALLA e a TILLAN MARKETING LIMITED, e ainda a própria SLN IMOBILIÁRIA, uma vez que formalmente passou a ser detida pela CAMDEN, conforme quadros que seguem:
306)Em terceiro lugar, estavam as acções detidas por administradores da SLN SGPS e, de um modo geral, membros dos órgãos sociais da SLN VALOR, quer em nome pessoal, quer através de entidades offshore ou de empresas nacionais por si detidas;
307)Tal era o caso da PLEXPART SERVIÇOS DE CONSULTADORIA SA, também designada PLEXPART SGPS, e da entidade BRESLAN INVESTMENTS, detidas através do arguido LC…, que cessou funções como Administrador da SLN SGPS em final de Agosto de 2007, conforme os seguintes quadros:)(…)
308)Em quarto lugar, o próprio arguido OC… e seus filhos JA… e Ima…, incluindo participações detidas através de entidades offshore das quais os mesmos sejam os beneficiários;
309)O arguido e seus filhos detinham as seguintes participações: (…)
310)Em quinto lugar, o arguido OC… recorreu a pessoas e entidades da sua confiança para, através da concessão de financiamentos junto do Banco Insular, lhes permitir a aquisição de acções da SLN VALOR, ficando o arguido com o controlo dessas pessoas, por via do financiamento que os mesmos subscreviam, isto é, a regularização dos financiamentos era condicionada à colocação da detenção de acções ao serviço dos interesses do arguido;
311) Neste grupo incluíam-se as pessoas do Asi…, através da sua sociedade ALMIRO J. SILVA LDA, RO…, RF…, e ainda de ME…, incluindo as suas sociedades EUROBIS, POLARGEST, SIERRABIS, SIERRABRAVO e SIERRAPOPULAR, e JAl…, incluindo as suas sociedades CATRIONA e RANDAN INTERNATIONAL LLC;
312)Tais pessoas de confiança vieram a deter as seguintes participações:
(…)
313) Em face do controlo das participações accionistas realizado através dos referidos grupos, os arguidos OC… e LC…, alcançaram um domínio maioritário da SLN VALOR, que persistiu ao longo do tempo, conforme se comprova pelas listas de presenças nas várias assembleias gerais, de onde resulta a formação de uma maioria capaz de fazer aprovar as deliberações necessárias: (…)
314) Assim, excluindo as duas primeiras Assembleias Gerais, onde apenas controlavam um conjunto de acções representativo de 48,17% do capital, os arguidos OC… e LC…, através dos procedimentos narrados, conseguiram sempre alcançar o controlo de uma percentagem superior a 53% do capital da SLN VALOR;
Grupos de accionistas – SLN SGPS (arts. 325° a 347° da pronúncia): (…)
315)Os arguidos OC… e LC…, este último até final de Agosto de 2007, procuraram aplicar os mesmos procedimentos para o controlo accionista da própria SLN SGPS, onde também se podem identificar grupos de accionistas sob a influência determinante daqueles administradores;
316)Tal detenção accionista resulta das listas de presenças nas Assembleias-gerais da SLN SGPS S.A., podendo ser encontrados os seguintes grupos, conforme o modo como era exercido o seu controlo;
317)Uma primeira forma traduzia-se na utilização da Nexpart SGPS S.A., concebida e vocacionada para ser detida por funcionários do Grupo e destinada a adquirir acções das sociedades do Grupo;
318)Porém, na prática, a maioria das acções era detida pelos arguidos OC…, LC… e FS…, incluindo-se o arguido VM… e outros responsáveis próximos do arguido OC…;
319)O arguido OC… exercia o cargo de presidente do Conselho de Administração da referida sociedade, ficando assim controlada a intervenção deste accionista, que detinha as seguintes participações: (…)
320)Em segundo lugar, os arguidos procuraram colocar acções da SLN SGPS na titularidade de sociedades consolidadas, caso da própria SLN VALOR e da URBIGARDEN SOCIEDADE IMOBILIÁRIA, que detiveram as seguintes participações: (…)
321) Em terceiro lugar, os arguidos recorreram também a entidades detidas pela SLN VALOR, mas não consolidadas nas contas desta, como era o caso da entidade offshore BREMONHILL SERVICES LLC, que veio a deter as seguintes participações:
322)Em quarto lugar, os arguidos recorreram a entidades que pertenciam à própria SLN SGPS, mas que não consolidavam contas no grupo, sendo uma forma de camuflar a detenção de acções próprias;
323)Tais entidades não consolidadas, incluíam alguns fundos como era o caso do CLIP MULTISTRATEGY FUND e do EXCELLENCE ASSET FUND mas também de várias entidades em offshore, detidas na maior parte dos casos pela SLN SGPS, via entidade MARAZION, como era o caso da KERESLEY LIMITED, DAVCO SYSTEMS LTD, MARBAY ENTERPRISES, MERFIELD SERVICES, NEWTECH STRATEGIC HOLDINGS, REDSHIELD SERVICES, RELTONIA ENTERPRISES, TILLAN MARKETING LTD e VENICE CAPITAL;
324)Para além destas não residentes, também as sociedades nacionais “PARVIR – Participação, Gestão e Promoção Imobiliária, SA”, “SLN PARTICIPAÇÕES” e “Sociedade Agrícola Valle Flor”, eram detidas pela SLN SGPS, sem consolidar no grupo e detinham acções da empresa mãe;
325)Assim, neste grupo, resulta a seguinte detenção de acções: (…)
326) Em quinto lugar, os arguidos fizeram também com que as sociedades consolidadas no grupo detivessem acções próprias, da SLN SGPS, sendo para tal utilizadas as sociedades GESLUSA, REAL VIDA SEGUROS e a própria SLN SGPS, conforme o seguinte quadro: (…)
327) Em sexto lugar, os arguidos recorreram também às pessoas de administradores e de outros titulares de órgãos sociais para deterem acções da SLN SGPS, quer detenção em nome próprio quer através de entidades offshore ou de sociedades nacionais;
328) Tal era o caso das entidades BRESLAN INVESTMENTS e EIDIOS DEVELOPMENTS LTD, ambas do arguido LC…, e ainda da pessoa do Dr. FB…, que detiveram as acções que constam do seguinte quadro: (…)
329)Em sétimo lugar, os arguidos recorriam à celebração de contratos de opção de venda de acções conferindo a accionistas o direito de vender as acções que detinham e fazendo a SLN VALOR assumir a obrigação de compra dessas acções da SLN SGPS, mas transferindo, desde logo, os direitos sociais, designadamente o direito de voto em assembleia geral, para a promitente adquirente SLN VALOR;
330)Foram conferidas tais opções de venda aos seguintes accionistas e nas seguintes quantidades de acções:(…)
331) Em oitavo lugar, o arguido OC… adquiriu, directamente por si e através de familiares directos e ainda através de entidades de que era beneficiário, caso da TEMPORY e da ZEMIO, acções da SLN SGPS, em alguns casos através de financiamentos que nunca pretendeu pagar, conforme narrado supra, atingindo o seguinte domínio de acções da SLN SGPS: (…)
332)Em nono lugar, o arguido OC… angariou ainda accionistas da sua confiança, a quem fez conceder financiamentos, para deterem acções da SLN SGPS;
333)Entre estes, além do arguido RO…, Asi… e RF…, incluindo as respectivas sociedades, o arguido utilizou ainda a entidade ZEMIO, já acima referida, mas que veio a mudar de beneficiário final, passando a ser uma entidade do identificado EN…;
334)Tais intervenientes detiveram as seguintes acções da SLN SGPS: (…)
335) Assim, em resumo, e tendo em consideração a divisão de grupos referida acima, conclui-se que, em cada uma das seguintes datas de Assembleias-Gerais da SLN SGPS, o arguido JO…, com a colaboração, até final de Agosto de 2007, do arguido LC…, controlava a seguinte percentagem do capital social daquela sociedade, conforme representações em Assembleia Geral e direitos de voto:
336)Face ao exposto, os arguidos OC… e LC… conseguiram alcançar, tirando a primeira Assembleia Geral referida supra, o controlo de uma maioria de accionistas com capacidade de fazer impor as deliberações que pretendessem aprovar, bem como de sustentar a Administração;
337) Desta forma, os arguidos tinham perfeita autonomia dentro do grupo para levar a cabo a prática dos actos lesivos do interesse do mesmo Grupo e em seu benefício pessoal conforme já narrado e ainda conforme se irá narrar;

ii. O tribunal “a quo” fundamentou a sua decisão fáctica nos seguintes termos:
Quando se fala em controlo accionista não está em causa – e disso ninguém duvidará – qualquer tipo de controlo físico sobre qualquer um dos accionistas titular de participações sociais.
Estamos antes a falar, e é nesse sentido que deve ser considerada a pronúncia quando se refere a esse controlo, numa interdependência recíproca ou simbiose entre “controlador” (grupo/administração) e o “controlado” (accionistas, essencialmente os de maior dimensão).
Essa interdependência recíproca permite, antes de mais, àquele que controla, tornar o grupo imune a ataques exteriores que visem a sua aquisição ou domínio por terceiros estranhos ao projecto inicial (exemplo disso, essencialmente no caso das sociedades cotadas em bolsa, são as chamadas OPA´s – ofertas públicas de aquisição – quer sejam ou não hostis).
Mas também permite, por outro lado, com um grupo de accionistas estáveis e que comungam dos mesmos objectivos da administração, que esta não seja questionada ou posta em causa e que os negócios pretendidos desenvolver pela administração se desenrolem mais facilmente.
Do outro lado do “espelho” temos o “controlado” que, obviamente, não está colocado nessa posição simplesmente por interesses altruísticos ou filantrópicos.
Para todos os efeitos é o “mundo dos negócios” que está em jogo, melhor dizendo, as capacidades negocial, patrimonial, de parcerias, de obtenção de crédito de cada um dos accionistas, essencialmente dos de maior relevância, que estão em causa. Factores que o mais das vezes assumem importância fundamental para cada um deles, designadamente para o seu sucesso empresarial, para a sua fortuna, para a sua família e até, porque não dizer, para o seu ego. 
Neste aspecto, o arguido FS… foi manifestamente esclarecedor quando referiu: 
Os contratos de mandato iniciais visavam um núcleo duro para dar estabilidade à gestão do grupo.
Havia alguns accionistas que estavam no grupo para o BPN lhes facultar os meios para desenvolver as suas actividades.
 Houve um status quo que se manteve e ninguém questionou, havia interesse do grupo que eles fossem accionistas e havia interesse deles em ter acesso a operações dentro do grupo.
A SLN Valor surge numa lógica de concentrar num núcleo duro o capital da SLN.
No entanto, para se atingir o objectivo de controlo accionista não tem que existir por parte de cada um dos accionistas um interesse imediato de obtenção de crédito. Diferentemente, o benefício económico por eles pretendido, sem excluir a eventual obtenção de facilidades de crédito, deve ser perspectivado com uma abrangência mais vasta, como seja: a abertura de vias para negócio, de participação em parcerias com o grupo, de angariação de prestígio pessoal em ordem ao respectivo sucesso empresarial.
Há situações em que o controlo accionista até dispensa estes benefícios.
São os casos seguintes:
Entidades consolidadas na SLN Valor ou na SLN SGPS:
Fazendo parte do grupo, comungam do seu objectivo, respondem perante ele e obedecem naturalmente aos seus desígnios, determinações e ordens/instruções. 
1) Entidades não consolidadas na SLN Valor ou na SLN SGPS:
 Embora devessem consolidar, por determinação de alguém isso não ocorre, o que não significa que não façam parte do grupo.
Fazendo parte dele, valem aqui as mesmas considerações do ponto 1º).
 Administradores da SLN (órgãos sociais):
 Umbilicalmente ligados ao grupo, obviamente que também comungam dos seus desígnios e objectivos.
Caso estejam em dissonância, saem, mas, enquanto estão com ele, participam activamente nesses desígnios e objectivos.
 OC… e seus familiares:
 Relativamente ao presidente do grupo, o que acontece em qualquer grupo económico de alguma dimensão, é ele o principal responsável pela definição dos objectivos do grupo e de criar as condições para que eles se implementem e concretizem.
 No que concerne aos familiares, pela própria natureza das coisas, a partilha desses interesses e objectivos está ligada a “laços de sangue” e até à afectividade.
2) Entidades sob controlo de OC…:
 É essencialmente nelas ou só nelas, i.e. nas sociedades representadas por pessoas ou nas próprias pessoas singulares com interesses de índole profissional e económico, que funciona na sua essência a referida interdependência ou simbiose.
Avançando (art. 296º da pronúncia; v. facto provado 286), não há quaisquer dúvidas de que a SLN Valor foi criada com o objectivo de concentrar num núcleo restrito de pessoas a detenção de acções da SLN SGPS, essencialmente numa pequena minoria (“grupo dos 10”), que só por si desse a garantia de estabilidade ao grupo, designadamente pela sua participação social na SLN Valor e, neste caso, também indirecta na SLN SGPS, mas também pela sua participação directa no capital social da SLN SGPS.
(…)
Aqui chegados, tendo presente o que se disse já a este respeito na motivação supra, quer no seu início quer no presente, bem como os diversos elementos probatórios mencionados e a conjugação destes entre si, não temos quaisquer dúvidas da prova dos factos 297º a 300º da pronúncia (factos provados 287 a 290 da pronúncia).
Por sua vez, a prova dos factos 301º e 302º da pronúncia (factos provados 291 e 292) resulta da mesma fundamentação e elementos probatórios mencionados, bem como daquela e daqueles que serão desenvolvidos e indicados infra.
(…)
Compulsadas as actas das Assembleias-gerais da SLN SGPS constantes dos autos principais, do apenso informático 33 e da contestação do arguido, verifica-se de facto que os assuntos que eram agendados e nelas discutidos eram aprovados por unanimidade, culminando, por vezes em aplauso, o que, em nosso entender, ao contrário do que o arguido pretende fazer crer (art. 588º da contestação), só reforça que havia um “controlo “accionista no sentido acima configurado, bem como a mencionada interdependência.(v. facto provado 39 da contestação do arguido).
Com efeito, não se vislumbra qualquer outra explicação para a circunstância de, em tantos anos e em assuntos tão variados, com ou sem importância para a vida societária, nunca ninguém ter questionado nada.
 «A carta de 26 de Março de 2003, a que alude o art. 299º da pronúncia, bem como as outras mencionadas supra, como delas decorre e se explicou, tinham objectivos complementares, designadamente os constantes nos arts. 297º e 298º da pronúncia, mas também – e nisso o arguido tem razão (art. 589º da contestação; v. facto provado 40) – o de “proteger o grupo perante terceiros”, na medida em que este objectivo, necessariamente, está implícito na afirmação da carta de “veículo de blindagem do grupo”.
(…)
Quanto à participação do arguido OC… a mesma não pode deixar de ser considerada como inequívoca.
A Venice, como vimos supra, funcionava como “central de custos”/”saco azul” do grupo SLN/BPN do qual o arguido OC… era o principal responsável.
A SLN Valor (note-se que estamos a falar da subscrição do capital social da SLN Valor) visava servir de veículo de blindagem do grupo e também da SLN SGPS, sendo certo que o arguido era o Presidente do Conselho de Administração desta última e outorgou o contrato de sociedade daquela.
Participou ainda com uma quota inicial de € 500.000,00 no capital social da SLN Valor.
Assim, a imputação na participação nos factos que lhe é feita pelo arguido LC… mais do que razoável, apresenta-se como verosímil e séria, até porque, conjugada com o que acaba de se referir, é a mais conforme com as regras da experiência comum e da lógica.
Daí que só se possa concluir pela participação integral do arguido OC… nos factos que temos vindo a analisar» [arts. 303.º a 310.º, da pronúncia].
(…)
2) O financiamento da quota da SLN, Valor, realizada pelo arguido OC…:
O montante de 100.241.000$00 (€ 500.000,00) adveio do preço da venda de 7.250.000 acções da SLN, SGPS, de OC…, à Zemio pelo preço global de € 15.950.000,00 (3.197.687.900$00), à razão de € 2,20 por cada acção, preço que a Zemio (da qual o arguido era o último beneficiário) pagou, mediante financiamento da Venice, como já atrás se referiu e analisou, remetendo-se, por isso, para a respectiva fundamentação e elementos probatórios indicados, sem prejuízo de os mesmos serem infra condensados (os mais importantes).
Dessa fundamentação e desses elementos probatórios resulta, em resumo:
a) O fluxo financeiro emerge, em 29.12.2000, da conta da (i) Venice no BPN Cayman (conta n.º …); 
b) Passa pela conta da (ii) Zemio no BPN Cayman (conta n.º …);
c) Desta passa pela conta de (iii) OC… no BPN, SA (conta n.º …) onde chega no mesmo dia 29.12.2000, sendo-lhe aposta a data-valor de 14.12.2000; 
d) E, finalmente, em 29.12.2000 e com data-valor de 14.12.2000, aporta à conta da (iv) SLN Valor no BPN, SA conta n.º …; 
(…)
Não há, consequentemente, face a estes elementos probatórios, quaisquer dúvidas quanto à prova dos factos 309º e 310º da pronúncia (v. factos provados 299 e 300). 
(…) 
Continuando com a pronúncia entramos no grupo de accionistas “controlados” pelos arguidos, primeiro, no âmbito da SLN Valor (arts. 311º a 324º). 
Importa, antes de mais, ter em consideração os principais acontecimentos/mudanças desta sociedade: 
- contrato de sociedade (v. doc. constante do apenso de busca 7, pasta 19, doc. n.º 2.26):
 Resulta do mesmo que a sociedade foi constituída a 15.12.2000 e tinha por objecto social a “gestão de participações sociais noutras sociedades com forma indirecta do exercício de actividades económicas”.
Capital social inicial e aumentos de capital: 
- capital inicial de € 3.500.000,00 integralmente realizado em numerário, encontrando-se dividido em duas quotas, uma, no valor nominal de € 3.000.000,00 pertencente à SLN – Imobiliária, SGPS, S.A. e, outra, no valor nominal de € 500.000,00, pertencente ao arguido JO… (v. doc. constante do apenso de busca 7, pasta 19, doc. n.º 2.26); 
- por facto registado a 20.9.2001 o capital social foi reforçado em € 88.250.000,00 em dinheiro, passando a ser de € 91.750.000,00, tendo esse reforço correspondido à subscrição de dezenas de sócios (v. certidão do registo comercial a fls. 4352 a 4375 do vol. 11º dos autos principais). 
 Apesar da entrada de muitos sócios, nesta altura, como se verá, criou-se um núcleo duro que incluía o arguido RO… com uma quota de € 10.000.000,00, que o tornou o maior sócio individual da SLN, Valor. 
- por facto registado a 30.12.2003 o capital social foi reforçado em € 72.250.000,00 em dinheiro, passando a ser de € 164.000.000,00, tendo esse reforço correspondido à subscrição de dezenas de sócios (v. mesmo doc.);  
- por facto registado a 30.8.2005 o capital social foi aumentado em € 8.200.000,00 por incorporação de resultados transitados, passando a ser constituído por € 172.200.000,00 e representado por 172.200.000 acções com o valor nominal de um euro cada (v. mesmo doc.);
 Transformação em sociedade anónima:
ocorreu por deliberação de 28.5.2004 e facto registado a 3.9.2004, passando o capital de € 164.000.000,00 a ser representado por 164.000.000 de acções com o valor nominal de um euro cada, escriturais e nominativas (v. certidão do registo comercial constante de fls. 4352 a 4375 do volume 11º dos autos principais); 
Avançamos para os grupos de entidades e pessoas através dos quais se realizava o “controlo” accionista: 
A titularidade e a quantidade das acções da SLN, Valor, SGPS detidas que recortam o “controlo” accionista a que a pronúncia se refere decorre das listas de presença dos accionistas em assembleias-gerais da SLN, Valor, as quais evidenciam o seguinte:
 Acções próprias – SLN, Valor, SGPS, Lda., posteriormente sociedade anónima (quadro do artigo 313º da pronúncia; v. facto provado 303):
Antes da assembleia-geral de 26.5.2006 não teve em carteira acções próprias: 
(…) 
A partir da assembleia-geral de 26.05.2006 a SLN, Valor deteve 1.575.000 acções próprias: 
(…) 
Entidades não consolidadas detidas pela SLN Valor e pela SLN, SGPS (quadro do art. 315º da pronúncia; v. factos provados 304 e 305): 
Epworth Enterprises:
Sociedade que, em 22.05.2002, a SLN, Valor, Lda. adquiriu a DL… por € 1.500.000,00 e tinha como activo uma quota de € 1.500.000 da SLN, Valor, mas que não era consolidada no grupo SLN:
(…) 
SLN, Imobiliária, SGPS, SA (posteriormente redenominada Sogipart): 
Esta sociedade constituída em 15.12.1999, que mais tarde passou a ser designada por SOGIPART, foi formalmente adquirida pela Camden em 29.12.2000 mas, em última análise, sempre pertenceu à SLN, SGPS, SA. 
 Neste âmbito, tenha-se em consideração o teor do mail que se acabou de mencionar, mas também, e essencialmente, tudo o que se motivará a propósito do tema “Venda da SLN Imobiliária à Camden” (arts. 433º a 489º), donde deflui, sem margem para quaisquer dúvidas que, apesar dessa venda, apenas formal e com accionistas fiduciários da Camden, a Sogipart (antes, SLN Imobiliária, SGPS, S.A.) continuou a fazer parte do grupo. 
Sociedade Agrícola Valle Flor, S.A.:
Esta sociedade foi detida pela Monialla, por sua vez detida pela Marazion, que também foi detida, como vimos, ao longo do tempo, por sociedades participadas da SLN SGPS ou pela própria SLN.  Foi representada em assembleia-gerais por OC… e IF…, da Planfin, e, no âmbito do projecto César, foi integrada no perímetro de consolidação do Grupo SLN/BPN, SLN da qual deteve, ao longo do tempo, diferentes percentagens de acções:
(…)
 Tillan Marketing Limited: 
No âmbito do Projecto César apurou-se que o accionista/beneficiário desta sociedade é o Banco Insular:
(…)
Ora, como já vimos à exaustão e para cuja fundamentação se remete, o Banco Insular, pelo menos materialmente, pertencia ao grupo SLN/BPN, até porque, como sobredito, a sociedade offshore que adquiriu aquela instituição, designadamente a Insular Holdings, era detida por um fiduciário, o arguido JV….
Como tal, pelo menos de forma indirecta, também a sociedade offshore Tillan pertencia ao grupo SLN/BPN.
(…)
Segue-se:
Administradores da SLN, SGPS e membros dos órgãos sociais da SLN VALOR, por si próprios, ou através de sociedades offshore e sociedades nacionais por eles detidas (quadro do art. 317º da pronúncia; v. factos provados 306 e 307):
Estão em causa as sociedades Plexpart SGPS e a Breslan Investments, sociedades detidas pelo arguido LC…, matéria que foi confessada pelo mesmo em sede de audiência de julgamento, sendo certo que a confissão, nesta parte, está em consonância com a documentação referente à Breslan e à Plexpart que, posteriormente será referida a propósito de assuntos relacionados com estas duas sociedades.
 OC… e seus familiares, JA… e Ima… (quadro do art. 319º da pronúncia; v. factos provados 308 e 309):
 Também OC… e os seus filhos, JA… e Ima…, detiveram participações sociais da SLN, Valor.
OC…:
 No aumento de capital social da SLN, Valor, de 18.07.2001, OC… reforçou a sua posição de uma quota de € 500.000,00 adquirida nas circunstâncias atrás mencionadas, com outra quota de € 2.500.000,00, passando a deter uma quota unificada de € 3.000.000,00.
E no aumento de capital de 2003 OC… uma vez mais reforçou a sua posição com € 2.000.000,00 para o que mobilizou o produto da venda de acções da SLN, SGPS à Geslusa:
(…)
Ima…:  
  No aumento do capital social da SLN Valor de 18.07.2001 a realização da quota de € 100.000,00 subscrita por IO… (filha de OC…) foi paga pela conta n.º … de OC… no BPN, SA.: 
(…)
JA…:
 Do mesmo modo, no aumento do capital social da SLN Valor de 18.07.2001 a realização de quota de € 100.000,00 subscrita por JA… (filho de OC…), foi paga pela conta n.º … de OC… no BPN, SA: 
(…)
Entidades “controladas” por OC…, isto é, pessoas e entidades da sua confiança que, em grande parte, subscreveram capital social da SLN VALOR com financiamento concedido pelo Banco Insular (quadro do art. 322º; v. factos provados 310 a 312):  
No sentido de ser assegurado o chamado controlo accionista, OC… recorreu a pessoas e entidades da sua confiança às quais prodigalizou financiamentos encobertos, designadamente com recurso a descobertos na conta da Venice no BPN Cayman e de empréstimos concedidos pelo Banco Insular.
No fundo, estamos perante um controlo financeiro pelos valores envolvidos nos empréstimos concedidos.
Asi… através da “Almiro J. Silva, Ld.ª:
Assim aconteceu com a sociedade Almiro J. Silva, Ld.ª do accionista Asi…, que fazia parte do Conselho Superior da SLN, SGPS, que no aumento de capital de 2001 subscreveu uma quota de € 5.000.000,00 com financiamento da Venice, no BPN Cayman, que foi triangulado pela conta pessoal de Asi… no Santander de Nassau e daí foi transferido para a conta da sociedade “Almiro J. Silva, Ld.ª” no BPN, SA e, finalmente, foi transferido para a conta da SLN Valor:
(…)
Mais tarde, no aumento de capital de 2003, aquela mesma sociedade reforçou a sua posição em € 10.000.000,00, recorrendo na sua grande parte a financiamento do Banco Insular de € 8.000.000,00 (€ 3.000.000,00 em 13.05.2003 + € 5.000.000,00 em 19.09.2003), que passou por conta da sociedade “Almiro J. Silva, Lda.” no Montepio Geral e, depois, pela conta da mesma sociedade no BPN, SA, donde, finalmente, foi transferido para a conta da SLN, VALOR no BPN, SA:
Refira-se, ainda, que a testemunha Asi… confirmou em julgamento que a sua empresa teve uma participação de 15 milhões de acções na SLN Valor e que, em 2005/2006, tinha financiamento no universo bancário do BPN na ordem dos 40 milhões de euros. 
RO…:
 Ele próprio confirmou, em sede de julgamento, que recorreu a financiamentos no BPN de € 10.000.000,00 + € 5.000.000,00 para subscrever esses montantes de acções da SLN Valor e da SLN SGPS, ou vice-versa.
 De facto, constata-se que no aumento de capital da SLN Valor, realizado em 29.06.2001, RO… subscreveu a quota de € 10.000.000,00 correspondente a 2.004.820.000$00, mediante descobertos de contas suas no BPN, SA, primeiro com descoberto na conta n.º … que, depois, foi coberto por descoberto na conta n.º …, o qual só foi regularizado, muito mais tarde, em 04.06.2004, aquando do protocolo de acordo entre a SLN e RO… que pôs termo às relações do mesmo com o Grupo SLN/BPN enquanto accionista e parceiro de negócios:
(…)
 Assim, RO…, em 2001, passou a ser o maior sócio, em nome individual, da SLN Valor, com uma quota representativa de 10,8992% do seu capital social sem que, então, tivesse investido quaisquer capitais próprios.
 Por outro lado, no aumento de capital da SLN Valor, realizado em Abril de 2003, RO… subscreveu uma quota de € 5.000.000,00, mediante financiamento à Bali obtido no Banco Insular, que passou por uma conta da Phedia em Portugal, tendo chegado à conta da SLN Valor em 01.12.2003 por depósito de cheque sacado por RO… sobre conta no antigo BIC do BES:
(…)
RF…: 
Também através dele foi assegurado o controlo accionista, sendo certo que era, como vimos supra, pessoa próxima de OC… a quem apoiou desde os primórdios do projecto BPN, promovendo o ingresso de LC…, e que sempre integrou o Conselho Superior.
 Aliás, o accionista em questão, testemunha nos autos, confirmou em julgamento que sempre fez parte do Conselho Superior da SLN e, no tocante aos financiamentos para a aquisição de acções da SLN esclareceu que a dada altura lhe foi pedido por OC… para ficar com acções, para o que não tinha capacidade económica. Por isso OC… resolveu o problema através de um financiamento do Banco Insular.
 Circunstancialismo que demonstra bem o “controlo” que sobre ele foi exercido, bem como a confiança que nele foi depositada.
Subscreveu, no total, € 7.000.000,00 em quotas da SLN Valor, a primeira, no montante de € 5.000.000,00, em 18.7.2001, e, a segunda, no montante de € 2.000.000,00, no aumento de capital de 2003, ambas com recurso a descobertos/financiamentos, o segundo deles no Banco Insular.
 Este circunstancialismo resulta da conjugação do teor das declarações da testemunha com o teor dos seguintes documentos/bases de dados:
(…)
ME… e as suas sociedades (Eurobis, Polargest, Sierrabis, Sierrabravo e Sierrapopular):
Eurobis:
A 18.08.2004, tal como consta do quadro do art. 322º da pronúncia, a Eurobis detinha 25.000.000 acções da SLN Valor:
(…)
À data de 29.6.2007 esta sociedade detinha 26.250.000 acções da SLN Valor:
(…)
 Mais tarde, as participações sociais da Eurobis foram repartidas pelas seguintes sociedades da esfera de NS…, provavelmente para ultrapassar a limitação estatutária segundo a qual nenhum accionista podia exercer mais de 10% dos votos:  
- Polargest;
- Sierrabis;         - Sierrabravo e,            - Sierrapopular: 
(…) 
 À data de 28.12.2004 o grupo NS… (em que se inclui a Interstal, Eurobis e Zemio) tinha uma dívida consolidada no Banco Insular na ordem dos € 15.900.000,00, sendo certo que os montantes indicados no documento mencionado infra, nos montantes de € 9.000.000,00 + € 2.200.000,00, terão servido para a Interstal adquirir acções da SLN:
(…)
JAl… e as suas sociedades (Catriona e Randan):
A testemunha JAl…, inquirida em audiência, confirmou que:
É accionista da SLN SGPS e da SLN Valor. 
Teve 10,67% da SLN Valor e 0.05 da SLN SGPS.
Teve 44 milhões de euros em 2005 de participação accionista, através de um contrato de compra de acções de uma empresa chamada Urbigarden e, no mesmo dia, fez um contrato de recompra de acções relativamente a cerca de 2/3 do capital.
Fez parte do Conselho Superior na sequência da compra das acções.
A compra das acções foi-lhe sugerida por OC….
Mais confirmou que as sociedades Catriona e Randan “eram suas”.
Resulta do CD do vol. 13 (extractos de contas do Banco Insular e do BPN Cayman) que a sociedade Catriona beneficiou de crédito sob a forma de descoberto e alegadamente sob a forma de conta corrente caucionada (dizemos “alegadamente” porque não se vislumbrou, nos autos, qualquer contrato outorgado entre as partes e devidamente assinado) para aquisição de participações sociais na SLN Valor e/ou SLN SGPS, designadamente na conta n.º … titulada pela sociedade no BPN Cayman:
Aumento de capital 2000:
 
 
     Aumento de capital SLN Valor 2003:
 
 
     2004:
De tudo o exposto resulta que com financiamentos vantajosos em benefício próprio e de pessoas e entidades que lhes eram próximas destinados à aquisição de participações sociais, OC… e LC… alcançaram o domínio da SLN Valor com a formação de uma maioria superior a 53% (salvo as duas primeiras assembleias cuja percentagem era 48,17%) capaz de fazer aprovar deliberações em assembleia-geral de accionistas, como se comprova pelas listas de presença de assembleias-gerais da SLN Valor – Quadro do artigo 323º (v. factos provados 313 e 314 e facto não provado 94):
(…)
SLN, SGPS, S.A.:
De modo igual, o controlo accionista (arts. 325º e 326º da pronúncia; v. factos provados 315 e 316) sobre a SLN, SGPS era exercido através de um domínio sobre as seguintes entidades accionistas:
Nexpart, SGPS, S.A.:
A Nexpart, SGPS, S.A. (arts. 327º e 328º e quadro do art. 329º da pronúncia; factos provados 317 a 319), sociedade detida exclusivamente por funcionários do grupo SLN e destinada a adquirir acções das sociedades do grupo, que foi constituída em Dezembro de 2000 e concorreu ao aumento de capital social de 28 de Dezembro de 2000.
Refira-se que o arguido LC… confirmou em sede das declarações por si prestadas que esta sociedade foi detida por centenas de funcionários do grupo e que o exclusivo objecto da mesma era deter acções de sociedades do grupo.
Porém, salientou que as pessoas identificadas no facto 328º da pronúncia “detinham um máximo de 10% do capital da Nexpart”.
Quanto ao facto 329º confirmou que OC… exercia o cargo em questão e que, embora não pudesse confirmar, acredita que o mesmo, nessa qualidade, controlasse a intervenção da Nexpart. 
Também o arguido FS… disse que foi constituída a Nexpart para agregar as participações que os colaboradores do grupo tinham na SLN, para que eles pudessem ser representados na assembleia-geral por uma só entidade.
Os colaboradores tinham acções da SLN e trocaram as acções da SLN por acções da Nexpart para que esta, por sua vez, ficasse com o conjunto das acções que os funcionários tinham e os representasse nas assembleias-gerais da SLN, sendo certo que esta ideia foi de OC… e transmitida aos colaboradores, tendo concordado com ela.
Ele próprio teve acções da Nexpart que obteve através de um crédito no BPN.
Por sua vez, o arguido VM… também declarou que teve acções da Nexpart. A venda da Fincor fez-se contra dinheiro e contra acções da SLN SGPS. Recebeu acções da SLN SGPS aquando da venda da Fincor que, posteriormente foram trocadas por acções da Nexpart.
As acções que tinha da SLN SGPS eram cerca de 300 mil. Não se lembra qual foi a razão de troca ou a percentagem com que ficou de acções da Nexpart, mas não andará longe disto. Posteriormente, a Nexpart foi extinta e voltou por isso a ter acções da SLN, as quais mantém até hoje.
Por seu turno, a testemunha ML… (secretária de OC… no BPN até à sua saída do grupo) referiu a este propósito:
A sociedade foi criada para beneficiar os colaboradores do BPN como accionistas. Foi criada a empresa e todos foram convidados a participar no capital da mesma. Subscreveu pessoalmente acções a € 1, da 1ª vez e, mais tarde, o preço de subscrição passou a ser de € 1,80.
Está a perder dinheiro. Investiu dinheiro pessoal, as suas poupanças, da 1ª vez e no aumento de capital, e perdeu dinheiro.
Os arguidos OC…, LC…, FS… e VM… detinham, de facto, em termos individuais, o maior número de acções da Nexpart a 31.12.2006 (sublinhado amarelo nosso) – v. apenso informático    33:F:\4910\1-Anexo A\TRAT\3\TOZE#2\DOCS\TOZE#2\Administração\Nexpart SGPS SA - Controlo Accionista\Nexpart SGPS S.A. - Lista de Accionistas 31.12.2006.xls:

(Imagem removida)

Do identificado documento resulta que outros responsáveis próximos do arguido OC… detinham participações sociais da Nexpart naquela data, a saber, entre outros: 
- ACo… (9,76%);
- FG… (4,87%);
- RJ… (1,43%);
- IM… (1,26%);
- JS… (1,08%);
- IA… (1,04%);
- AN… (0,96%);            
- GSa… (0,94%);
- AC… (0,93%);
- LG… (0,91%);
- LAl… (0,91%);
Em conjunto, todas estas pessoas (excluindo Amo… em virtude de não ter resultado do julgamento ser de algum modo próximo do arguido OC…) tinham uma participação social maioritária, designadamente de 54,17%.
«Essa maioria ainda se mantinha em 2007 em conformidade com o que resulta do seguinte documento:
(…)
Entidades consolidadas (arts. 330º e 331º da pronúncia; factos provados 320 e 321):
SLN Valor e Urbigarden, Sociedade Imobiliária:
Admitiu o arguido LC… que estas duas sociedades detiveram participações sociais na SLN SGPS, desconhecendo, porém, quantidades ou percentagens.
A quantidade de acções detidas por cada uma das sociedades resulta das listas de presença em assembleias-gerais que serão indicadas infra.
«Porém, permita-se a indicação de um ou outro documento que demonstra a participação, por estas sociedades, no capital social da SLN SGPS, participações que não têm que ser totalmente coincidentes com o quadro constante da pronúncia, até porque as datas não são as mesmas e, como se sabe, todos os dias podiam ser transaccionadas acções da SLN SGPS aumentando ou diminuindo as participações de cada uma das sociedades:
SLN Valor: 
- Apenso 33 - F:\4910\1-Anexo A\TRAT\3\TOZE#2\DOCS\TOZE#2\Administração\SLN Sociedade Lusa Negocios - Controlo Accionista\Listas de Accionistas - Reporting Oficiais\BP - Listagem de Acções SLN SGPS - 30 Setembro de 2004.xls:

(Imagem removida)

Urbigarden:
- mesmo documento/ficheiro - a 30.09.2004 tinha um número de acções igual ao constante do quadro do art. 330º da pronúncia na data de 23.05.2005:

(Imagem removida)

  A análise de vários ficheiros constantes da pasta “Apenso 33 - F:\4910\1-Anexo A\TRAT\3\TOZE#2\DOCS\TOZE#2\Administração\SLN Sociedade Lusa Negocios - Controlo Accionista” permite concluir que o controlo da SLN SGPS também era exercido pela SLN Valor que sempre deteve 29% a 33% da mesma.
Entidades não consolidadas:
Bremonhill (art. 331º da pronúncia; v. facto provado 321):
A Bremonhill, entidade offshore que tinha como como último beneficiário a SLN Valor mas que nela não consolidava, também deteve participações sociais na SLN SGPS:
(…)
A aquisição de acções da SLN SGPS iniciou-se logo em 2001. Designadamente a 6.2.2001 adquiriu 510.134 acções da SLN SGPS ao preço unitário de € 2,20 (v. quadro do art. 340º a pronúncia), o que perfez o montante global de 224.999.906$00, recorrendo para o efeito a crédito no BPN Cayman (conta n.º …):
(…)
Entidades detidas pela SLN SGPS, não consolidadas (sociedades offshore e entidades residentes) – factos 332º a 335º da pronúncia (factos provados 322 a 325):
Recorreu-se, ainda, a um Fundo de investimento e a uma série de sociedades offshore detidas, em última análise, pela SLN, SGPS, mas que não consolidavam, designadamente o Excellent Asset Fund, depois redenominado Clip Multistrategy Fund, a Keresley Limited, a Davco System Ltd, a Merfield Services, a Newtech Strategi Holdings, a Redshield Services, a Reltononia Enterprises, a Tillan Marketing e a Venice Capital; e a sociedades residentes detidas por sociedades offshore que também não consolidavam, a Parvir – Participação, Gestão e Promoção Imobiliária, S.A., detida pela Bayanon Finance que, por sua vez, era detida pela Marazion, a SLN, Part, detida pela Camden, a Sociedade Agrícola Valle Flor, detida pela Monialla e que, por sua vez, era detida pela Marazion:
Essa detenção de acções SLN SGPS por veículos (sociedades instrumentais offshore) resulta claramente dos seguintes documentos:
- Apenso 33 - F:\4910\1-Anexo A\TRAT\3\TOZE#2\DOCS\TOZE#2\Administração\SLN Sociedade Lusa Negocios - Controlo Accionista\Shareholders Veículos - Consolidado\Veículos Off Shore - Preço Dívida Julho 2005.xls  - documento criado a 14.7.2005 por Ajo… que indica as sociedades Merfield, Redshield, Reltonia e Tillan como veículos, bem como a Bremonhill, já referida supra, e a Tempory que será analisada infra:
 
 
 
- Apenso 33 - F:\4910\1-Anexo A\TRAT\3\TOZE#2\DOCS\TOZE#2\Administração\SLN Sociedade Lusa Negocios - Controlo Accionista\Shareholders Veículos - Consolidado\Veiculos Acções SLN e SLN Valor - maio 2006.xls - documento criado em 22.5.2006, que nas propriedades informáticas tem como autor “BPN”. Além das já identificadas, indica ainda como veículos para a detenção de acções da SLN SGPS o Clip Multistrategy Fund (anterior Excellent Asset Fund), a SLN Part, a Sociedade Agrícola Valle Flor, a Urbigarden (já mencionada supra) e a Geslusa (a mencionar infra)):
  
 
Permita-se ainda a referência a um outro documento elucidativo (com cópia da respectiva imagem a qual, como em tantos outros casos, permite maior facilidade de apreensão e compreensão do conteúdo, em vez da explicação escrita, ponto por ponto, que seria confusa e extensa): 
- Apenso 33 - F:\4910\1-Anexo A\TRAT\3\TOZE#2\DOCS\TOZE#2\Administração\SLN Sociedade Lusa Negocios - Controlo Accionista\Shareholders Veículos - Consolidado\Quadro Resumo Veículos.xls - documento criado a 31.3.2004, que tem como autor nas propriedades informáticas “BPN”. Além de algumas das sociedades já referidas, indica ainda como veículos para a detenção de acções da SLN SGPS o Excellent Asset Fund, a SLN Part e a Parvir, bem como a SLN Valor e a Nexpart (já mencionadas) e a Real Vida Capital Mais e Geslusa (a indicar infra):
 
 
Outros tantos documentos poderiam ser indicados. Porém, tal exercício seria demasiado fastidioso.
Façamos contudo uma análise individual de cada uma das sociedades/entidades, em particular no que concerne às respectivas titularidades:
Excellente Asset Fund:
 Remete-se para a motivação aduzida supra a respeito deste fundo no âmbito do tema “Operação Zemio – arts. 260º a 276º da pronúncia”.
Keresley:
Processo, vol. 134, pág. 42243 – 07.12.1999 (tradução do certificado de incorporação da Keresley – acções ao portador);
- Apenso 33 - F:\4910\30\Mail\287\C\CFGA\POSTOS DE TRABALHO\CA…\D\CMA\IC…\C\5 archive24082004.pst\CFGA\ASSUNTOS INTERNOS\Representação_Outras sociedades\SNRESIDENTES\ .msg - 17.11.2003 – mail de IM… para si própria com um anexo em excel das sociedades não residentes que indica a Keresley com acções ao portador e como último beneficiário a Marazion;
Davco System Ltd:
- Processo, vol. 134, pág. 42203 – 31.05.2001 (tradução do certificado de incorporação da Davco); 
- Processo, vol. 134, págs. 42204 e 42205 – 31.5.2001 (tradução das declarações de trust da Davco das quais resulta que o último beneficiário é a Marazion); 
- Apenso 33 - F:\4910\30\Mail\287\C\CFGA\POSTOS DE TRABALHO\CA…\D\CMA\IC…\C\5 archive24082004.pst\CFGA\ASSUNTOS INTERNOS\Representação_Outras sociedades\SNRESIDENTES\ .msg - 17.11.2003 – mail de IM… para si própria com um anexo em excel das sociedades não residentes que indica quanto à Davco como accionistas os “fiduciários” e como último beneficiário a Marazion; 
- Apenso 33 - E:\4910\1-Anexo A\TRAT\1\PC-Dr-P…\DOCS\C\RECYCLER\S-1-5-211708537768-1004336348-725345543-5111\25 - Davco _ Ficha.xls - ficha da Davco elaborada no âmbito do Projecto César, da qual resulta que o último beneficiário da mesma é a Marazion; no respectivo historial consta ainda: “Quando a sociedade foi adquirida, em 15-12-1999, o seu beneficiário directo era a Twill. Posteriormente, e após a aquisição das acções SLN, a sociedade foi alienada pela Twill, em 20-032000, à Fidialva, Soc. Part. Investimento, SGPS, SA por € 780.682,55. Em 28-05-2001 a Fidialva alienou à Marazion Holdings LLC a sociedade, com o mesmo nº de acções SLN, por € 975.853,19.” (bold nosso)
 Merfield:
- Processo, vol. 134, págs. 42262 e 42263 – 19.02.2001 (tradução da declaração de trust da Merfiel da qual resulta que o último beneficiário é a Marazion, repete-se, “sociedade mãe” das sociedades offshore do grupo SLN/BPN e que teve, por sua vez, como último beneficiário sociedades nacionais participadas pela SLN, bem como a própria SLN); 
- Apenso 33-F:\4910\30\Mail\287\C\CFGA\POSTOSDETRABALHO\CA…\D\CMA\IC…\C\5 archive24082004.pst\CFGA\ASSUNTOS INTERNOS\Representação_Outras sociedades\SNRESIDENTES\ .msg - 17.11.2003 – mail de IM… para si própria com um anexo em excel das sociedades não residentes que indica quanto à Merfield como accionistas os “fiduciários” e como último beneficiário a Marazion;
Apenso 33 - E:\4910\1-Anexo A\TRAT\1\PC-Dr-P…\DOCS\C\Documentsand Settings\g003314\Os meus documentos\proj césar\fichas\57 - Merfield  _ Ficha.xls - ficha da Merfield elaborada no âmbito do Projecto César, da qual resulta que o seu último beneficiário é a Marazion; quanto ao objectivo da constituição e historial consta: “Segundo se apurou esta sociedade foi constituída para subscrever o aumento de capital da SLN realizado em Dezembro de 2000. No entanto, nessa data, não subscreveu acções no aumento de capital, tendo, posteriormente, adquirido acções SLN; De acordo com a informação constante da Lista das Sociedades Não Residentes, a sociedade detém 2.037.860 acções da SLN, SGPS, SA, as quais estão a ser alienadas no âmbito da "Operação Cabaz"”; (bold nosso);
Newtech Strategic Holdings:
 Processo, vol. 134, pág. 42282 – 05.03.2001 (tradução do certificado de acções da Newtech); 
- Apenso 33 - F:\4910\30\Mail\287\C\CFGA\POSTOS DE TRABALHO\CA…\D\CMA\IC…\C\5 archive24082004.pst\CFGA\ASSUNTOS INTERNOS\Representação_Outras sociedades\SNRESIDENTES\ .msg - 17.11.2003 – mail de IM… para si própria com um anexo em excel das sociedades não residentes que indica quanto à Newtech como accionistas os “fiduciários” e como último beneficiário a Seaford que, por sua vez, tem como último beneficiário a Marazion;
 Apenso 33 - E:\4910\1-Anexo A\CAIXAS CORREIO\Single Files\1\PC-Dr-P…\CAIXAS DE CORREIO\C\Documents and Settings\g003314\Definições locais\ApplicationData\Microsoft\Outlook\outlook.ost|0000024C|60-Newtech _ Ficha(1).xls - ficha da Newtech elaborada no âmbito do Projecto César, da qual resulta que o seu último beneficiário é a Seaford, tendo esta como último beneficiário a Marazion, o que foi igualmente apurado em sede do Projecto César; 
- Apenso 33 - E:\4910\11\CD Dados 2\Grupo de Trabalho - Projecto César\Grupo E\075_Seaford\075_Seaford _ Ficha.xls); quanto ao objectivo da constituição da Newtech e historial consta: “Segundo se apurou esta sociedade foi constituída para ser accionista da sociedade Microfil, Tecnologias de Informação, Lda. posteriormente e com a entrada da Newtech transformada em SA. Após a parceria ter terminado (Acordo de Transacção de 18/12/2006), a Newtech ficou detentora de 2.749.627 acções da SLN, com um custo de € 3,11 por acção. Estas acções estão a ser alienadas no âmbito da "Operação Cabaz" (bold nosso);
 Redshield Services:
 -Processo, vol. 134, pág. 42282 – 19.02.2001 (tradução do certificado de acções da Redshield; acções ao portador); 
- Processo, vol. 134, pág. 43304 – 13.10.2008 (tradução da declaração de trust da Redshield e que certifica como último beneficiário a Marazion);
Apenso33-F:\4910\30\Mail\287\C\CFGA\POSTOSDETRABALHO\CA…\D\CMA\IC…\C\5 archive24082004.pst\CFGA\ASSUNTOS INTERNOS\Representação_Outras sociedades\SNRESIDENTES\ .msg - 17.11.2003 – mail de IM… para si própria com um anexo em excel das sociedades não residentes que indica quanto à Redshield como accionistas os “fiduciários” e como último beneficiário a Marazion; 
- Apenso 33 - E:\4910\1-Anexo A\TRAT\1\PC-Dr-P…\DOCS\C\Documents         and
Settings\g003314\Os meus documentos\proj césar\fichas\69-Redshield _ Ficha.xls - ficha da Redshield elaborada no âmbito do Projecto César, da qual resulta que o seu último beneficiário é a Marazion; do objectivo da constituição e historial consta ainda: “Detenção de acções da sociedade SLN, SGPS, SA.
Actualmente as acções da sociedade SLN, SGPS, SA detidas por esta sociedade estão a ser alienadas no âmbito da "Operação Cabaz"” (bold nosso);
Reltonia Enterprises: 
- Processo, vol. 150, fls. 46818 a 46824, págs. 273 a 278 – 05.01.2001 -Declarações de trust e certificados de incorporação referentes à Reltonia (beneficiários: SA… e Mal…) - tradução, vol. 167, fls. 50919 a 50924, págs. 220 a 225 pdf;
No âmbito do Projecto César também se indica como últimos beneficiários as pessoas singulares indicadas (E:\4910\1-Anexo A\TRAT\1\PC-Dr-P…\DOCS\C\Documents and Settings\g003314\Os meus documentos\proj césar\fichas\70 - Reltonia _Ficha.xls);
No entanto, tal só se pode dever a manifesto lapso.
Por um lado, naqueles 3 quadros indicados supra (v. imagens) a Reltonia aparece sempre na qualidade de veículo do grupo para a detenção de acções da SLN, não fazendo qualquer sentido que em 3 momentos distintos a mesma fosse incluída se não fosse um veículo.
Por outro, no documento constante do apenso 33 no caminho F:\4910\1-AnexoA\5\DDOP0047\C\Documents and Settings\g000294\Definições locais\Temporary Internet Files\OLKA\SLN_2008-06-27_Acções próprias.xls (de autoria desconhecida mas que tem nas propriedades informáticas como sendo a última gravação de LAl… a 27.6.2008) é indicado que a Reltonia tem por último beneficiário a própria SLN SGPS, S.A..
Por fim, o documento constante do apenso 33 no caminho E:\4910\1-Anexo A\CAIXAS CORREIO\TRAT\2\Portatil\CAIXAS DE CORREIO\3 archive.pst\Arquivo Ferias Enviadas\FW- operação parqueamento.msg|Paqueamento SLN.doc (autoria desconhecida) é completamente elucidativo a propósito do “parqueamento” de acções da SLN SGPS, S.A., na offshore Reltonia e noutras sociedades não residentes.
Tillan:
No âmbito do Projecto César apurou-se que o accionista/beneficiário desta sociedade é o Banco Insular: 
- Apenso informático 33: E:\4910\1-Anexo A\TRAT\1\PC-Dr-P…\DOCS\C\Documents and Settings\g003314\Os meus documentos\proj césar\fichas\86 - Tillan _ Ficha.xls;
Ora, como já vimos à exaustão, o Banco Insular, pelo menos materialmente, pertencia ao grupo SLN/BPN, até porque, como sobredito, a sociedade offshore que adquiriu aquela instituição, designadamente a Insular Holdings, era detida por um fiduciário, o arguido JV…. «Como tal, pelo menos de forma indirecta, também a sociedade offshore Tillan pertencia ao grupo SLN/BPN.
No mesmo sentido aponta claramente a documentação já referenciada:
 Apenso 33: F:\4910\1-Anexo A\TRAT\2\Portatil\DOCS\Portatil-TOZE\D\Documents and Settings\g000294\Os meus documentos\Acções Próprias - Trabalho 2008\Acções Proprias SLN e SLN Valorv3.xls - 31.1.2008 – trabalho efectuado por Ajo… sobre as acções SLN ou SLN Valor detidas por (1) veículos; (2) acções próprias; (3) acções SLN Valor detidas por veículos detidos indirectamente pela SLN; incluem-se nestes grupos a Epworth, Tillan, Sociedade Agricola Valle Flor e Monialla; 
- Apenso informático 33: F:\4910\1-Anexo A\CAIXAS CORREIO\TRAT\2\Portatil\CAIXAS DE CORREIO\3 archive.pst\SLN Valor - Administração\FW- .msg – 07.08.2008 - mail de FR…, em nome de JCo…, enviado para AFi…, no qual envia informação refere às acções próprias detidas por empresas do grupo, designadamente, a Tillan Marketing Limited (SLN) – 5.460.000 SLN Valor ao preço de EUR 1,50, a Sociedade Agricola Valle Flor(SLN) – 2.625.000 SLN ao custo de aquisição de EUR 1,00, a SLN Valor (SLN Valor) – 1.575.000 ao custo de aquisição de EUR 1,00 (Acções Próprias), a Epworth Enterprises (SLN Valor) – 1.575.000 ao custo de aquisição de EUR 1,00 (Acções Próprias), a Sogipart (SLN) – 3.675.000 ao custo de aquisição de EUR 1,00, o JCo… – 10.000.000 ao preço de EUR 2,75, o que perfaz um total: 24.910.000 acções correspondente a 14,465% do capital da SLN Valor;
 Venice Capital:
Como já foi referido e amplamente explicado era a principal sociedade offshore que funcionava como “centro de custos” de todo o grupo SLN/BPN.
(…)
Parvir – Participação, Gestão e Promoção Imobiliária, S.A.:
Para a compreensão da sua titularidade importa, antes de mais, aferir da titularidade da offshore Bayanon:
- Processo, vol. 134, pág. 42182 a 42184 – 05.06.2001 - tradução das declarações de trust da Bayanon e que certificam como último beneficiário a Marazion; 
Por seu lado, no âmbito do Projecto Cesar (v. apenso 33 - E:\4910\1-Anexo A\TRAT\1\PC-DrP…\DOCS\C\Documents and Settings\g003314\Os meus documentos\proj césar\fichas\15Bayanon _ Ficha.xls) apurou-se que a Bayanon “detém 92% (690.000 acções) do capital social da Parvir
- Participações, Gestão e Promoção Imobiliária, SA” e que “de acordo com a informação constante da Lista das Sociedades Não Residentes o passivo bancário é de € 7.604.402,72. A sociedade deu de penhor à instituição financeira - BPN Cayman - as 690.000 acções de que é titular (92%) do capital social da Parvir”.
Ora, se a Bayanon detém uma participação de 92% no capital social da Parvir e, por outro lado, o último beneficiário da Bayanon é a Marazion, tendo esta como último beneficiário o “grupo SLN/BPN”, necessariamente que este grupo também é dono/proprietário da Parvir.
 SLN Part:
Constituída a 15.12.2000 com o capital social de € 50.000,00 pertencente à sua única sócia, a SLN Imobiliária, SGPS, S.A., e que, no seu início, teve como Presidente e vogais do Conselho de Administração, respectivamente, OC… e LC…, arguidos nos autos, e MJD…:
(…) 
Como se verá infra noutro tema da pronúncia, para cuja fundamentação se remete, a SLN Imobiliária (posteriormente redenominada Sogipart) foi adquirida pela sociedade offshore Camden, titulada por fiduciários, nunca tendo aquela sociedade, a SLN Imobiliária, saído da esfera material do grupo SLN/BPN deixando, todavia, de consolidar no grupo em virtude daquela “venda fictícia”.
Logo, a SLN Part também nunca deixou de fazer parte do grupo SLN BPN, embora tivesse deixado de consolidar na sequência da venda da SLN Imobiliária à Camden.
 Sociedade Agrícola Valle Flor:
«Sem prejuízo dos documentos indicados que a referenciam como “veículo” para a detenção de acções da SLN SGPS, a sociedade agrícola já foi supra analisada remetendo-se, por conseguinte, para a respectiva fundamentação. 
Todas estas entidades da SLN, SGPS que não consolidavam são as entidades elencadas no quadro constante do artigo 335º da pronúncia, no qual se mencionam as acções por elas detidas ao tempo da realização das assembleias- gerais realizadas entre 22 de Março de 2002 e 26 de Abril de 2007, quadro que é documentalmente suportado pelas respectivas listas de presenças.
Acções próprias da SLN SGPS, S.A., e através de entidades consolidadas (Geslusa e Real Vida Seguros):
O controlo efectivo da SLN, SGS era ainda assegurado pela (I) detenção directa de acções próprias e através de entidades consolidadas como foram os casos da (II) Geslusa e da (III) Real Vida Seguros – (art. 336º da pronúncia; facto provado 226).
(…)
SLN SGPS, S.A.:
2004 (número coincidente com o quadro a 13.5.2005):
 - Apenso 33 - F:\4910\1-Anexo A\TRAT\3\TOZE#2\DOCS\TOZE#2\Administração\SLN Sociedade Lusa Negocios - Controlo Accionista\Listas de Accionistas - Reporting Oficiais\BP - Listagem de Acções SLN SGPS - 30 Setembro de 2004.xls:
(Imagem removida)
 
Acções detidas por administradores ou outros titulares de órgãos sociais:
O “controlo” também era prosseguido por via das acções detidas por administradores ou outros titulares de órgãos sociais, por si próprios ou através de sociedades offshore e sociedades nacionais por eles detidas (facto 337º e quadro do art. 338º da pronúncia; factos provados 337 e 338) como foi o caso das offshores: 
Breslan e Eidios (ambas do arguido LC…):
Circunstancialismo que foi confirmado pelo próprio quando se pronunciou em sede de julgamento a propósito do quadro do art. 338º da pronúncia: É verdade, mas não em simultâneo. A Eideos transferiu as acções que adquiriu para a Breslan. Quanto ao quadro, confirma integralmente quanto à Breslan.
Confirma, igualmente, quanto à Eidios em Março de 2002 e Abril de 2003.
Ao contrário do referido pelo arguido, a Breslan e a Eidios tiveram acções em simultâneo da SLN SGPS, S.A., tal como consta do quadro do art. 338º da pronúncia, o que resulta linearmente do seguinte documento:
  - Apenso 33 - F:\4910\1-Anexo A\TRAT\3\TOZE#2\DOCS\TOZE#2\Administração\SLN Sociedade Lusa Negocios - Controlo Accionista\Controlo de Transacções Acções Grupo SLN\MAPDV79-8079.zip\ZIP Volume\MAPDV79-8079.xls (transacções de acções SLN SGPS, S.A., nos anos de 2000 e 2001):
Breslan:
 
 
 
 Ou seja, tinha em carteira a 29.12.2000 1.571.642 acções. Vendeu 500.000 a 08.01.2001 ficando, então, com uma carteira de 1.071.642 acções da SLN SGPS, que corresponde ao número de acções por si titulada no quadro do art. 318º a 22.3.2002 e 11.3.2002.
     Eidios:
 
A 29.12.2000 tinha em carteira 128.258 acções da SLN SGPS, S.A. (número correspondente ao quadro do art. 318º da pronúncia, a 22.3.2002 e 11.4.2003).
 FB…:
O arguido confirmou em julgamento que o valor constante do quadro do art. 338º relativamente às acções por si detidas “está correcto”.
Porém, mais referiu que nunca teve nenhum cargo na SLN SGPS, S.A., mas tão só na SLN Valor, onde foi secretário da mesa da assembleia-geral.
«No entanto, regista-se que nos arts. 337º e 338º da pronúncia não se distingue entre órgãos sociais da SLN Valor e da SLN SGPS, S.A., pressupondo-se, sim, os titulares de órgãos sociais do grupo SLN/BPN englobando, assim, as aquelas duas sociedades.
Contratos de opção de venda de acções:
Nesta matéria relevam também as acções adquiridas por accionistas com a obrigação de recompra pela SLN VALOR, como foram os casos que estão relacionados no quadro que consta do artigo 340º da pronúncia (v. factos provados 329 e 330).
Neste âmbito, refira-se que o arguido LC… confirmou que interveio num contrato com opção de venda, designadamente da Martista.
Os contratos de opção em formato word encontram-se no processo:
Martista:
Apenso 33 - E:\4910\12\BCS Backups Dados 1\BCS Backup 2004\CD 2\FBN-040107-std\A minha música\FBN\My Documents\pastas\SLN\Contrato de Opcao Martista.doc;
Bremonhill:
Apenso 33: E:\4910\12\BCS Backups Dados 1\BCS Backup 2004\CD 2\FBN-040107-std\A minha música\FBN\My Documents\pastas\SLN\Nls\Contrato de Opcao Brem.doc;
 Britney:
Apenso 33: E:\4910\12\BCS Backups Dados 1\BCS Backup 2004\CD 2\FBN-040107-std\A minha música\FBN\My Documents\pastas\SLN\Nls\Contrato de Opcao Britney.doc;
Drema:
Apenso 33: E:\4910\12\MAIL\BCS_20090104\users\fbn\Mail\outlook.pst\Itens Enviados\FW- Contratos de Opção Wyshaw e Drema.msg|Opcao drema.doc;
Iberinveste:
 Apenso 33: E:\4910\12\MAIL\BCS BACKUP MAIL\BCS Backup 2004\CD 3\VCN-040107-std\mail-bkp\Itens eliminados.dbx\Contrato_de_opções_com_AKV.msg|Contrato de Opcao AKV.doc;
Wyshaw:
Apenso     33:       E:\4910\12\MAIL\BCS MAIL\DVD       2-4\MAIL\servidor\·\ (BCS1, 192.168.0.1)·D\users\fbn\Mail\Deleted 2008.pst\FW- Contratos de Opção Wyshaw e Drema.msg|Opcao wishaw.doc; e,
 Apenso 33: E:\4910\22\TRAT\1\MAIL-FS…\03042005\1 fs….nsf\($Inbox)\Contratos de Opção 1.msg|Opcao wishaw 020305.doc; 
JAl…:
Apenso33:E:\4910\12\MAIL\BCS_20090104\users\fbn\Mail\outlook.pst\ItensEnviados\Contrato de Opção de Venda e Opção de Compra sobre Acções SLN.msg|Contrato de Opcao JCo….doc
Consta ainda dos autos um “estudo/análise” sobre alguns dos contratos, designadamente da Drema, da Iberinveste, de JCo… e da Wyshaw, estudo esse realizado no âmbito da auditoria da Mazars:
 Apenso 33 - F:\4910\1-Anexo A\CAIXAS CORREIO\TRAT\2\Portatil\CAIXAS DE CORREIO\3 archive.pst\Mazars - Auditores Externos\SLN Valor - Contratos de opção.msg - 05.08.2008 – mail de JRe…, da Mazars, para o Ajo…, no qual se refere: “junto enviamos sistematização dos contratos de Opção nos quais a SLN Valor é parte e aos quais obtivemos acesso” (bold nosso), mail no qual é ainda remetido um anexo em formato excel com o “estudo/análise” dos identificados contratos de opção, bem como de outros, por referência à data de 31.12.2007; 
Considere-se ainda que por mail de 19.05.2004 enviado por Ajo… a RP… foi remetido um anexo em formato excel alusivo aos “contratos de opção compra e venda de opções” do qual constam a Bremonhill e a Britney com os valores precisos do quadro do art. 340º da pronúncia: 
- Apenso 33 - E:\4910\1-Anexo A\CAIXAS CORREIO\TRAT\2\Portatil\CAIXAS DE CORREIO\4 a_atduar.pst\Sent Items\  414.msg|Contratos Opção compra e venda SLN- versao 2004a.xls (sublinhado amarelo nosso):

(Imagem removida)

Por fim, no que concerne à Martista, considere-se que consta dos autos uma carta datada de 06.01.2004, subscrita por AMM… e dirigida à SLN Valor, “A/C Dr.º OC…”, com carimbo de entrada no BPN de 07.01.2004 (“Administração”), com despacho manuscrito de OC…, que visa o “direito de opção de venda de acções da SLN – Sociedade Lusa de Negócios, SGPS, S.A.”:
- Apenso de busca 7, doc. 17.31, págs. 2 a 8;
- Deste mesmo apenso de busca, no mesmo documento e na mesma paginação, consta ainda o “contrato de opção de venda e de opção de compra de acções” outorgado entre a SLN Valor e a Martista, estando subscrito por OC… na qualidade de representante da SLN Valor (contrato outorgado a 09.12.2000).
Da conjugação de todos estes elementos com as listas de presenças nas assembleias-gerais, que infra serão indicadas, resulta a prova inequívoca dos factos 339º e 340º da pronúncia (factos provados 329 e 330). 
Acções detidas por OC…, seus familiares e entidades de que era beneficiário: 
 «Importam, ainda, para efeito do efectivo controlo accionista da SLN, SGPS, as acções detidas pelo próprio OC… e seus familiares e por entidades das quais ele era o último beneficiário como a Tempory e Zemio (até determinada altura, como vimos supra) que, nalguns casos, foram adquiridas com financiamentos que o arguido OC… não pretendia pagar e, de facto, não pagou, remetendo-se, nesta parte, para a motivação supra desenvolvida (art. 341º da pronúncia; facto provado 331).
 Zemio:
«Remete-se integralmente para a motivação e elementos probatórios elencados supra no âmbito da “operação Zemio”.
 A que acresce referir que a Zemio era, de facto, titular das 6.495.000 acções a que alude o quadro 341º da pronúncia:
 Apenso 33 - F:\4910\1-Anexo A\TRAT\3\TOZE#2\DOCS\TOZE#2\Administração\SLN Sociedade Lusa Negocios - Controlo Accionista\Controlo Posições SLN\Historico Posicoes\Março 2002\SLN_Off.xls - ficheiro criado a 16.04.2002, tendo como autor nas propriedades informáticas o “BPN”, que indica as posições accionistas de entidades offshore em Março de 2002. 
Tempory:
Quem tratava do pagamento das dívidas à entidade gestora desta offshore, bem como da Classical, era a BCS – Sociedade de Advogados:
Apenso 33: F:\4910\12\MAIL\BCS BACKUP MAIL\BCS Backup 2004\CD 2\FBN-040107-std\mail-bkp\3Itens enviados.dbx\Classical Financial Corp e Tempory Limited.msg – 19.11.2003 - mail de FB… para FS… pelo qual solicita o crédito da conta da BCS – Sociedade de Advogados para pagamento do “invoice” relativo à Tempory, informando ainda que a Classical Financial tinha a situação regularizada;  
- Apenso 33: F:\4910\12\MAIL\BCS BACKUP MAIL\BCS Backup 2004\CD 2\FBN-040107-std\mail-bkp\3Itens enviados.dbx\Classical Financial Corp e Tempory Limited 1.msg – 21.11.2003 - mail de FB… para FS… pelo qual anexa ficheiro com a conta corrente das despesas de manutenção da Tempory e da Classical;  
A Tempory tinha acções ao portador: 
- Processo, vol. 134, págs. 42338 e 42339 – 27.8.2002 (tradução dos certificados de acções da Tempory – ao portador); 
No entanto, o seu último beneficiário era o arguido OC…: 
- Apenso de busca 12, doc. n.º 97, págs. 79 e 80 pdf - 23.8.2002 – declaração de trust assinada/subscrita pelo arguido OC…; 
No que concerne à titularidade das acções, além das listas de presenças em assembleias-gerais relevam, entre outros, os seguintes documentos: 
- Apenso de busca 12, doc. 61, pág. 5 pdf – 30.9.2008 - declaração dos administradores da SLN SGPS JC… e MF… que confirmam que a Tempory é detentora, nessa data, de 2.053.425 acções da SLN SGPS, S.A., número este que corresponde ao do quadro do art. 341º por referência à data de 30.5.2008; 
- Apenso 33: F:\4910\1-Anexo A\TRAT\3\TOZE#2\DOCS\TOZE#2\Administração\SLN Sociedade Lusa Negocios - Controlo Accionista\Controlo Posições SLN\SLN - Controlo de Accionistas 31.03.2006.xls - posição accionista da Tempory a 31.3.2006 e 16.5.2006 coincidente com a do quadro do art. 341º da pronúncia por referência à data de 26.5.2006:
 
 
 
No tocante às participações accionistas dos familiares de OC… as mesmas resultam, como todas as outras, das listas de presença em assembleias-gerais da SLN SGPS, S.A..
Enunciam-se tão só alguns documentos constantes do processo em ordem a confirmar a fidedignidade dessas listas de presenças: 
IO…: 
- Apenso 33: F:\4910\1-Anexo A\TRAT\3\TOZE#2\DOCS\TOZE#2\Administração\SLN Sociedade Lusa Negocios - Controlo Accionista\Controlo Posições SLN\SLN - Controlo de Accionistas 301.09.2008.xls - documento criado por Ajo… a 04.04.2006 e com última gravação de 20.10.2008 – v. propriedades informáticas do documento – e que indica as posições accionistas por referência a Setembro de 2008, mencionando a titularidade de 50.000 acções de IO…, número coincidente com o do quadro do art. 341º da pronúncia nas datas de 26.04.2007 e 30.05.2008:
-
(Imagem removida)
 
     OC…:
 
- mesmo documento (posição antes do aumento de capital; sublinhado amarelo nosso): 

(Imagem removida)
-
     RL…: 
- mesmo documento:

(Imagem removida)
 
     JA…: 
- Apenso 33: F:\4910\1-Anexo A\TRAT\3\TOZE#2\DOCS\TOZE#2\Administração\SLN Sociedade Lusa Negocios - Controlo Accionista\Controlo Posições SLN\Historico Posicoes\Março 2002\Accionistas SLN_InShore.xls - posições accionistas em Março de 2002, designadamente dos residentes em território nacional; nas propriedades informáticas aparece como tendo sido o autor do documento o “BPN”; indica-se no documento que JA… detinha 4.957 acções, número coincidente com o do quadro do art. 341º; também os números relativos a ROl… e do arguido OC… são totalmente coincidentes com os do quadro do art. 341º da pronúncia; sublinhado amarelo nosso):

(Imagem removida)
 

«No tocante à intenção do arguido OC… de não pagar alguns dos financiamentos remete-se integralmente para a motivação desenvolvida supra a propósito dos arts. 294º e 295º da pronúncia, a qual se dá aqui integralmente por reproduzida.
Acções detidas por pessoas da confiança de OC…:
Finalmente contam ainda as acções detidas por entidades “controladas” por OC… no sentido que atrás se conferiu quando se referiu a mesma categoria de entidades que asseguravam o controlo accionista da SLN VALOR (arts. 342º a 344º da pronúncia; v. factos provados 332 a 334).
Neste âmbito, dá-se aqui por reproduzida a fundamentação desenvolvida supra relativa aos accionistas RO…, RFo…, Asi… e à empresa deste, Almiro J. Silva, S.A., cabendo ainda referir o seguinte:
 ASi… e Almiro J. Silva S.A.:
A título exemplificativo detinham em Junho de 2006, respectivamente, 15.036.000 e 840.000 de acções (números constantes do quadro do art. 340º por referência à data de 26 de Maio de 2006) e responsabilidades creditícias perante o grupo SLN/BPN – BPN, IFI, Banco Insular e BPN, S.A. – designadamente a sociedade Almiro J. Silva, S.A., na ordem de € 50.886.605,50:
 - Apenso 33: F:\4910\1-Anexo A\TRAT\3\TOZE#2\DOCS\TOZE#2\Administração\Clientes - Acompanhamento\AJe…\Consolidado ASi… 31.06.2006.xls - documento em formato excel relativo às responsabilidades creditícias do grupo económico ASi…, por referência à data de Junho de 2006; documento criado a 27.07.2006 tendo, nas propriedades informáticas, como autor o “BPN”;
RO…:
Em Julho de 2005 tinha responsabilidades de crédito pessoais junto do grupo SLN/BPN na ordem dos 8.640.552,00
- Apenso 33: F:\4910\1-Anexo A\TRAT\3\TOZE#2\DOCS\TOZE#2\Administração\Clientes - Acompanhamento\RO…\RO… - Responsabilidades Julho 05.xls - resumo das responsabilidades de crédito do grupo económico RO… por referência à data de Julho de 2005; documento criado a 14.7.2005 tendo, nas propriedades informáticas, como autor o AJo…; 
E, de facto, em Março de 2002 detinha 2.347.335 acções da SLN SGPS tal como consta do quadro do art. 344º da pronúncia:
 Apenso 33: F:\4910\1-Anexo A\TRAT\3\TOZE#2\DOCS\TOZE#2\Administração\SLN Sociedade Lusa Negocios - Controlo Accionista\Controlo Posições SLN\Historico Posicoes\Março 2002\Accionistas SLN_InShore.xls:

(Imagem removida)

 RAl… e Nordica:
 «A testemunha RFo… confirmou que a Nordica era sua.
 «Confrontado      com      o          documento       constante         do        apenso 33no     caminho E:\4910\1-Anexo A\TRAT\3\TOZE#2\DOCS\TOZE#2\Irmandade das Off Shores\Banco Insular\Clientes Banco Insular\Grupo RFo…\Nordica.doc - documento de 1.12.2002 que, segundo as suas propriedades informáticas foi da autoria de RP…, e que consiste num memorando enviado pela direcção comercial ao Conselho de Administração, pelo qual se visava a atribuição de um crédito de € 7.500.000,00 a RFo… -, declarou nunca ter visto o documento em questão, no entanto admitiu que lhe foi concedido o empréstimo em questão, que se destinou a adquirir acções da SLN SGPS, S.A..   
Quanto às posições accionistas e em ordem a aquilatar da respectiva correspondência com as listas de presenças em assembleias-gerais indicam-se, a título exemplificativo, os documentos seguintes: 
Nordica: 
- Apenso 33: F:\4910\1-Anexo A\TRAT\3\TOZE#2\DOCS\TOZE#2\Administração\SLN Sociedade Lusa Negocios - Controlo Accionista\Controlo Posições SLN\SLN - Controlo de Accionistas 31.03.2006.xls - posições accionistas da SLN SGPS, S.A., em Agosto de 2006, que, quanto à Nordica, coincide com a indicada no quadro do art. 344º da pronúncia por referência à data de 26.05.2006: 
 
                 RAl…:
 mesmo doc. - posição accionista em Agosto de 2006 coincidente com a do quadro à data de 26.05.2006:

(Imagem removida)
 
Zemio  (beneficiário EN…, após aquisição da sociedade com as acções SLN SGPS, S.A., ao arguido OC…): 
«Remete-se para a análise e fundamentação realizada no âmbito do tema “Operação Zemio – arts. 260º a 276º da pronúncia”, indicando-se, porém, para se fazer a correspondência com os “números” constantes das listas de presença das assembleias-gerais da SLN SGPS, S.A., dois documentos: 
- Apenso 33: F:\4910\1-Anexo A\TRAT\3\TOZE#2\DOCS\TOZE#2\Administração\SLN Sociedade Lusa Negocios - Controlo Accionista\Controlo Posições SLN\SLN - Controlo de Accionistas 31.03.2006.xls - posições accionistas da SLN SGPS, S.A. em Agosto de 2006 que, quanto à Zemio, coincide com a indicada no quadro do art. 344º da pronúncia por referência às datas de 26.05.2006 e 26.4.2007: 
 
 
- Apenso 33: F:\4910\1-Anexo A\TRAT\3\TOZE#2\DOCS\TOZE#2\Administração\SLN Sociedade Lusa Negocios - Controlo Accionista\Listas de Accionistas - Reporting Oficiais\BP - Listagem de Acções SLN SGPS - 30 Setembro de 2004.xls - posições accionistas da SLN SGPS, S.A., em 30 de Setembro de 2004, que coincide com a constante do quadro do art. 344º por referência à data de 13.5.2005 da sociedade offshore Zemio: 
 
 
«Resulta de tudo o que vem sendo dito que, à semelhança do que sucedeu com a SLN, Valor, com financiamentos em benefício próprio e de pessoas e entidades próximas e de confiança para aquisição de acções, OC… e LC…, este até final de Agosto de 2007, lograram o domínio da SLN, SGPS assente numa maioria accionista superior a 51%, salvo na assembleia realizada em 22 de Março de 2002, cuja percentagem era 47,82%, como se comprova pelas listas de presença de assembleias-gerais da SLN, SGPS, - listas essas cuja fidedignidade tem vindo a ser controlada com os demais elementos documentais referenciados -, que são a base documental do quadro geral que consta do artigo 345º da pronúncia (v. factos provados 335 a 337):  
- Apenso de busca 12, doc. 92, págs. 309 a 340 pdf - lista de presenças, com assinaturas, da assembleia-geral de 22.03.2002; 
- Apenso 33: F:\4910\1-Anexo A\TRAT\3\TOZE#2\DOCS\TOZE#2\Administração\SLN Sociedade Lusa Negocios - Controlo Accionista\Mailings e Assembleias Gerais\19ªCarta Accionistas 26.03.2003 SLN SGPS\Assembleia Geral\Lista Presenças SLN SGPS SA 11 Abril 2003.xls - lista de presenças da assembleia-geral dos  accionistas de 11.04.2003; 
- Apenso de busca 12, doc. 92, págs. 70 a 94 pdf e 104 a 127 - lista de presenças, com assinaturas, da assembleia-geral de 28.05.2004; 
- Apenso de busca 21, doc. 24, págs. 1 a 149 a pdf - lista de presenças, com assinaturas, da assembleia-geral de 13.05.2005, bem como as respectivas cartas de representação; 
- Apenso de busca 21, doc. 20, págs. 59 a 215 - lista de presenças, com assinaturas, da assembleia-geral de 26.05.2006, bem como as respectivas cartas de representação; 
- Apenso de busca 21, doc. 31, págs. 2 a 165 - lista de presenças, com assinaturas, da assembleia-geral de 26.04.2007, bem como as respectivas cartas de representação; 
- Apenso 33 - F:\4910\1-Anexo A\TRAT\2\Portatil\DOCS\Portatil-TOZE\D\Documents and Settings\g000294\Os meus documentos\CMVM\Lista Presenças 1.pdf (págs. 1 a 20 pdf: - lista de presenças, com assinaturas, da assembleia-geral de 30.05.2008;
 Apenso 33 - F:\4910\1-Anexo A\TRAT\2\Portatil\DOCS\Portatil-TOZE\D\Documents and Settings\g000294\Os meus documentos\CMVM\Lista Presenças 1A.pdf (págs. 1 a 3 pdf: - lista de presenças restante, com assinaturas, da assembleia-geral de 30.05.2008; 
Em conclusão: 
O controlo accionista do grupo SLN/BPN levado a cabo por OC… e LC… teve o seu berço nos chamados acordos de investimento e acordos conexos, e foi alimentado por financiamentos concedidos à custa das entidades financeiras do Grupo, concretizando-se, depois, nas assembleias-erais da SLN, SGPS e da SLN, Valor, em aprovações por unanimidade e aclamação, impulsionadas pela distribuição de dividendos que, como bem se evidenciou no julgamento e nos documentos constantes do processo, tinham origem em lucros fictícios, que beneficiavam alguns em prejuízo de entidades do Grupo SLN/BPN.

iii. Apreciando.
Entende o arguido que ao invés de um controlo accionista, existiu no Grupo SLN uma estabilidade accionista e um apoio à administração até que, por efeito do fracasso de alguns investimentos do Grupo, o arguido passou a ser criticado pelos maiores accionistas que, aliás, forçaram a sua saída da presidência do Grupo em 2008. Assim, a administração liderada pelo arguido foi apoiada de início e até determinado momento, não por existirem contratos de investimento, mas pela credibilidade e empenho da sua liderança, à data indiscutível, face desde logo ao seu currículo. Tanto assim é (isto é, os accionistas nunca foram controlados pelo arguido) que esses mesmos accionistas vieram a celebrar um acordo de cooperação de accionistas – leia-se, um contrato parassocial - constante do Ap. tem. Z, vol. 1, pág. 41 do pdf., em 30 de Agosto de 2007, à revelia do arguido e sem o conhecimento do mesmo, em que se comprometeram a votar de forma conjunta e articulada nas Assembleias Gerais, obrigando-se ainda a não vender as suas acções da SLN a menos de 3,20€.
Foram esses mesmos accionistas que aí outorgaram (e que tinham directa e indirectamente um controlo de mais de 50% do capital da SLN) que provocaram a saída do arguido da presidência do Grupo.

iv. Salvo o devido respeito, o arguido está a confundir instâncias.

a. Uma coisa foi o que se passou durante praticamente todos os anos que esteve à frente do Grupo e algo diverso o que ocorreu (entre si e os ditos accionistas de referência) no final do último ano que antecedeu a sua renúncia aos cargos que exercia. Por seu turno, e ainda em sede de confusão de instâncias, uma coisa era aquilo que os accionistas de referência achavam que o arguido estava a fazer – administrar lucrativamente um grupo económico/financeiro, relativamente ao qual achavam que tinham controlo accionista maioritário – e algo diverso aquilo que efectivamente ocorria. O facto de o arguido ter vindo a renunciar ao cargo em Fevereiro de 2008 por pressão feita por accionistas de referência, que só então terão começado a questionar a veracidade da aparência de sucesso que lhes era apresentada, não altera a realidade concreta do que até esse momento se verificou, sendo certo, igualmente que, como afirma o tribunal “a quo” apesar de o arguido (OC…) ter renunciado em 19.02.2008 isso não significa que actos por si praticados antes da resignação não se repercutissem após essa data, designadamente a nível de controlo accionista”.

b. Sucede, todavia, que não é essa a temática que se mostra abordada nos segmentos factuais cujo conteúdo o arguido impugna.
De facto, o que se descreve nos pontos 287) a 337) é o modo como o arguido (juntamente com os restantes arguidos que aí vão sendo mencionados), através dos grupos de indivíduos sintetizados no ponto de facto 291) (entidades consolidadas na SLN VALOR ou na SLN SGPS; entidades não consolidadas na SLN VALOR ou na SLN SGPS; administradores da SLN, i.e., órgãos sociais; o próprio arguido e familiares; e entidades sob o controlo do arguido) e depois detalhadamente descritos nos pontos seguintes, conseguiu colocar participações accionistas em diferentes grupos de pessoas e de entidades, que eram efectivamente por si controladas, conseguindo, desse modo, encapotadamente, obter uma maioria de accionistas (leia-se, fiduciários ou testas-de-ferro, uma vez que não haviam realizado qualquer esforço financeiro para adquirir as acções, já que o mesmo foi integralmente suportado pelo Grupo SLN/BPN), com capacidade de fazer impor as deliberações que pretendessem aprovar.
 
c. Assim, o que se mostra descrito nesta factualidade, é quem eram essas entidades, como foi logrado o seu financiamento, quais as percentagens de acções que foram detendo, qual o controlo que tinham sobre o capital accionista das ditas sociedades (SLN SGPS e SLN Valor) e como as maiorias que tais entidades encapotadamente detinham, sob o controlo dos arguidos, possibilitava que as decisões que eram tomadas ao longo desses anos, em sede de assembleias-gerais, fossem de acordo com as pretensões apresentadas pelo arguido. É isso o que aqui se dá conta.

v. No que se refere ao termo “benesses”, o mesmo designa o que o acórdão explica em sede de motivação e o que resulta da mera análise da prova produzida (incluindo testemunhal) - a concessão de financiamentos à custa do Grupo SLN/BPN, bem como a distribuição de dividendos com base em lucros fictícios, em benefício próprio do arguido, assim como de pessoas da sua confiança e de entidades controladas por si e por pessoas da sua confiança.
São assim as vantagens económicas que o arguido conferiu a todas as entidades e pessoas supra referidas, que não apresentam qualquer justificação do ponto de vista do interesse do grupo e que foram concedidas em efectivo prejuízo do mesmo.
Essa matéria encontra-se, aliás, espelhada na factualidade apurada no acórdão, no que se refere aos incidentes que nestes autos se apreciaram de modo específico, mostrando-se integrados nessa estratégia de controlo accionista encapotado.

vi. Assim, embora o arguido afirme que a sua intenção, no que concerne à concentração accionista, foi a criação de sinergias entre accionistas e a entidade participada, o que a prova nos relata é algo de bem diverso.
Pese embora tenha sido esse o propósito que apresentou, desde o início, aos accionistas de referência do Grupo, como uma das condições para aceitar o convite para o dirigir (pontos de facto 1 a 6)  - criação de uma maioria estável de accionistas de confiança e de referência – e apesar de ser essa a percepção que esses accionistas do “núcleo duro” mantiveram, até perto do final do ano de 2007 (porque não tinham conhecimento do que verdadeiramente se passava no Grupo, já que essa situação lhes foi deliberadamente ocultada), não era esse o objectivo do arguido, pois o que quis (e conseguiu) foi manipular a realidade que era publicamente apresentada (Banco e Grupo de sucesso, lucros), através da ocultação das entidades não consolidadas que serviram como sacos azuis, de modo a conseguir assegurar-se que controlava os destinos desse Grupo, enquanto ao mesmo presidiu, estratégia esta plenamente alcançada até à sua saída da presidência.

vii. Na parte relativa à pretendida recontabilização das percentagens constantes nos mapas que o tribunal “a quo” deu como assente, aí se mostram indicados os elementos documentais que lhe serviram de guia e que vão muito mais além do que os indicados pelo recorrente.
E de igual modo se mostra salvaguardada a possibilidade de, pela flutuação natural do negócio de compra e venda de acções, poder haver, como o próprio acórdão refere (e como é uma regra de vida), participações que não têm que ser totalmente coincidentes com o quadro constante da pronúncia, até porque as datas não são as mesmas e, como se sabe, todos os dias podiam ser transaccionadas acções da SLN SGPS aumentando ou diminuindo as participações de cada uma das sociedades.
Uma vez que a apreciação feita pelo tribunal “a quo” atendeu a muitos mais elementos do que aqueles que o recorrente menciona e dada a salvaguarda a que procede, não se demonstra que exista erro que imponha a alteração do que se mostra factualmente dado como assente a esse nível.
Note-se, para além do mais, que mesmo segundo as contas que o arguido faz das participações, não é posto em questão que, no que a tais entidades controladas concerne, o seu peso em termos de votos excede sempre os 51%, como a motivação refere.
 
viii. Assim, reapreciada a prova, constata-se que a análise realizada pelo tribunal “a quo” a propósito desta matéria factual não se mostra sem amparo que a sustente, não se impondo assim a sua alteração.

viii. Atento o exposto, soçobra o peticionado pelo arguido nesta parte.

21. Pontos 362 a 365 da matéria julgada provada da pronúncia:

i. Os pontos de facto supra referidos têm a seguinte redacção:
362)O grupo SLN/BPN adquiriu, por determinação dos arguidos OC… e LC…, 1.430.289 acções SLN através de um crédito inicial da Marbay no Banco Insular no montante de € 1.368.833,00, aos quais acrescem ainda os juros até Outubro de 2006 – data do último pagamento – que ascendem a € 323.000,00, tendo ainda os arguidos OC…, LC… e FS… determinado o pagamento, por essas acções, da quantia de € 1.400.000,00 directamente a HS…;
363) Para deter essa posição accionista, os arguidos OC…, LC… e, em parte, FS…, fizeram com que o grupo que lideravam pagasse 3.485.002,81€ pelas acções acima referidas, não obstante parte desse montante ter sido retirado a descoberto do Banco Insular através da conta da MARBAY;
364) A utilização do Banco Insular permitiu a ocultação dos custos inerentes aos mesmos;
365) Permitiu ainda assumir o controlo da sociedade offshore e direitos de voto da MARBAY os quais seriam sempre condicionados pela vontade de quem controlava a SLN, ou seja, os arguidos OC…, FS… e LC…;

ii. O arguido afirma que a Marbay nem sequer votou nas assembleias-gerais da SLN realizadas em 28 de Maio de 2003, 13 de Maio de 2005 e 26 de Abril de 2007. E afirma ainda que o tribunal “a quo” não atendeu ao negócio subjacente a tal venda, relacionado com a questão que determinou a absolvição do arguido HF….
Daí os erros que afirma verificarem-se em tais pontos.

iii. Vejamos.
Em primeiro lugar, o recorrente não concretiza o que pretende que ocorra por virtude dos “erros” a que alude, isto é, não explica se pretende que tal matéria de facto seja dada totalmente como não provada, parcialmente não provada ou alterada, o que desde logo inviabiliza a apreciação a realizar, pois não pode este tribunal substituir-se ao recorrente nessa matéria.
Não obstante, e sinteticamente se dirá:
Em primeiro lugar, em nenhum dos pontos de facto apontados o tribunal “a quo” dá como assente que a Marbay esteve ou não nas assembleias-gerais que o recorrente refere, nem qual o seu sentido de voto.
Em segundo lugar, visto o Apenso temático AA, daí não resulta o que o arguido sequer alega (são folhas de presença, algumas com assinaturas à frente, outras não, mas não actas), sendo certo, para além do mais, que a aquisição da Marbay referida nestes pontos ocorre em 2006.
Em terceiro lugar, não se vê em que é que o negócio subjacente à sua aquisição altera o facto de a mesma ter sido feita parcialmente por recurso a descoberto da conta da própria Marbay, no Banco Insular. Nem, de igual modo, em que medida é que o número de acções que a Marbay detinha altera a vontade de controlo expressa na factualidade (grão a grão…).

iv. Assim, face ao que se deixa dito, resta-nos concluir que o alegado pelo arguido não determina que se tenha de entender que a factualidade ínsita nestes pontos padece de erro, cuja rectificação se imponha.

22. Pontos 389 e 408 da matéria julgada provada da pronúncia:
Este ponto pressupunha a prévia e anteriormente peticionada eliminação da questão do controlo accionista pretendido pelo arguido.
Uma vez que, como supra já se referiu, tal tese não vingou, fica prejudicada a apreciação desta questão.

23. Pontos 414 e 415 da matéria julgada provada da pronúncia:
O recorrente pretende a alteração da matéria de facto julgada como provada nesses pontos, dando-se como não provado que os arguidos fizeram “intervir pessoas de confiança, às quais dariam apenas informação parcial,” e que “O controlo dessas terceiras pessoas seria assegurado, no âmbito do plano de actuação estabelecido pelos referidos arguidos, pelo facto de todo o financiamento da operação vir a ser garantido através do BPN,”

i. Estes pontos têm a seguinte redacção:
414) No entanto, uma vez que os arguidos OC…, FS… e LC… não pretendiam abrir mão do controlo das sociedades e dos negócios incluídos na sub-holding SLN IMOBILIÁRIA, conceberam um plano que passava por conseguirem fazer intervir pessoas de confiança, às quais dariam apenas informação parcial, visando conseguir a utilização do nome desses terceiros para associarem a uma entidade veículo, que viesse a figurar como adquirente da SLN IMOBILIÁRIA;
415) O controlo dessas terceiras pessoas seria assegurado, no âmbito do plano de actuação estabelecido pelos referidos arguidos, pelo facto de todo o financiamento da operação vir a ser garantido através do BPN, projectando os arguidos, mais uma vez, recorrer à entidade instrumental VENICE, cuja conta junto do BPN Cayman seria debitada, de forma a garantir os meios financeiros necessários para a operação;

ii. Vejamos.
O recorrente rebate o que aí se mostra vertido invocando que:
Se fossem pessoas da sua confiança, duas delas não se teriam recusado a continuar a participar na operação em causa;
Eram todos accionistas, que sempre agiram de acordo com os seus interesses.
Não se vislumbra que lhes tenha sido dada apenas parcial informação quanto ao negócio.

iii. Que dizer de tudo isto?
Confiança, no âmbito da factualidade que aqui se aprecia, significa um sentimento de segurança e respeito em relação à pessoa com quem se mantém uma relação de negócios.
Tal relação, todavia, não implica, obviamente, que uma das partes dessa relação faça tudo o que a outra parte lhe pede.
De igual modo, quando se refere a questão do controlo na factualidade provada, em ponto algum se afirma que os accionistas envolvidos nas várias operações em discussão nos autos foram meras marionetas sem vontade, manipuladas pelos arguidos ou obrigados a assim actuarem, mediante coacção física ou psicológica.
O que se diz é que o arguido JO… exercia sobre as acções que os mesmos adquiriram, controlo, e assim o manteve, à custa de benefícios de que alguns usufruíram (nomeadamente, a nível de financiamentos dos seus negócios) e da distribuição de lucros e aumento de valor de acções, que não tinham correspondência com a realidade, sendo que esta última realidade lhes era ocultada.
Finalmente, no que se refere a não lhes ter sido dado integral conhecimento dos contornos do negócio, obviamente que teria de assim ser, pois caso contrário o arguido teria de os ter esclarecido sobre a realidade do grupo, nomeadamente as questões referentes a ausências de consolidação e falsificação de contabilidade, bem como a efectiva ausência de lucros.

iv. Assim, os argumentos que o arguido invoca, por nada rebaterem o que se mostra explanado na motivação a propósito destes pontos (vide fls. 931 e segs.), mostram-se incapazes de demonstrar o erro a que alude.
Consequentemente, improcede a peticionada alteração factual.

24. Pontos 495, 496, 497, 499, 501, 502, 503, 504, 505, 506, 507, 508, 509, 513, 515, 516 e 517 da matéria julgada provada da pronúncia:
Entende o recorrente que:
- Nenhum dos documentos elencados pelo Tribunal “a quo” relativamente a estes financiamentos foi elaborado pelo arguido ou refere a intervenção do mesmo, tendo havido errada valoração do depoimento da testemunha Ajo… na parte em que o mesmo referiu que “Recebeu instruções de RP… para fazer grande parte destas operações”, o que significa que esta testemunha não recebeu qualquer instrução do arguido, e, por outro lado, quando afirmou “Não tem dúvidas que as ordens vieram de OC… e LC…, porque as operações estavam na égide da SLN, estas sociedades são detidas pela Marazion, pelo que nenhum administrador do BPN podia dar ordens para se fazerem estas operações”.
 - Errou ao dar como provado que foram produzidas “put options” para as oito sociedades offshores quanto apenas se provou efectivamente que uma foi produzida, a relativa ao financiamento concedido à RADOR, constante dos autos no Apenso Temático “Z”, Vol. 3, pág. 31.
- Deu erradamente como provado que os arguidos (todos eles, mesmo os que não estiveram na reunião referida no apenso Z, vol. 2, págs. 140 e 141 ou apenso temático AL, anexo 21, págs. 228 e 229) um Memorando da Planfin (AG…), datado de 04.12.2002, dirigido ao conselho de administração da SLN (à atenção de JMN…), relativo à abertura de contas e empréstimos, designadamente às 8 sociedades offshore, com expressa referência à reunião de 28.11.2002, em que estiveram presentes os arguidos LC… e IC… e também com o parecer de que os contratos de mútuo deveriam ser assinados pelos directores das sociedades.”.) não tinham a intenção de fazer pagar aqueles créditos

i. A factualidade apontada tem o seguinte teor:
495) Os arguidos OC…, LC…, LM…, LAl… e FS…, sentiram a necessidade de fazer diminuir o montante a descoberto sobre a conta da VENICE, tanto mais que dispunham então de um novo instrumento para mobilização de fundos, o Banco Insular;
496)Os referidos arguidos formularam então a estratégia de utilizarem as entidades em offshore que, desde o início, haviam concebido servirem para criar a aparência de repartir o financiamento da CAMDEN, a fim de, em nome das mesmas, procederem à abertura de contas junto do Banco Insular;
497)Assim, com base nas referidas contas, segundo o plano dos arguidos identificados, viria a ser concedido crédito às referidas entidades em offshore, que seria depois utilizado para transferir os fundos e diminuir o descoberto sobre a conta da VENICE, junto do BPN Cayman;
499)O arguido VM… ratificou a aprovação das pretensas operações de crédito definidas pelo conjunto dos restantes arguidos como sendo necessárias para as referidas sociedades offshore transferirem os fundos para a conta da VENICE junto do BPN Cayman;
501)Os arguidos OC…, LC…, LM…, LAl… e FS… pretendiam fazer sacar sobre as contas bancárias das referidas sociedades offshore, junto do Banco Insular, os fundos necessários para regularizar o descoberto criado sobre a conta da VENICE, junto do BPN Cayman, sem que visualizassem como necessária a liquidação desses saques;
502)Em execução da estratégia concebida, os arguidos identificados no facto 501° fizeram abrir junto do Banco Insular as seguintes contas, em nome das seguintes entidades:
- conta n° …, em nome da Acle Holdings Inc (Belize);
- conta n° …, em nome da Jamaki Trading Ltd (Ilhas Virgens Britânicas);
- conta n° …, em nome da Kemusa Holdings LLC (Wyoming - EUA);
- conta n° …, em nome da Marton Investments Inc (Belize);
- conta n° …, em nome da Quila Holdings Ltd (Belize);
- conta n° …, em nome da Rador Limited (Ilhas Virgens Britânicas);
- conta n° …, em nome da Ricia Investments Inc (Belize);
- conta n° …, em nome da Zala Holdings Ltd (Belize);
503)Os arguidos OC…, LC…, LM…, LAl… e FS… com o objectivo de transferir um montante equivalente ao suportado pela conta da VENICE, nomeadamente, com as cessões de créditos, a aquisição da SOGIPART, ex-SLN IMOBILIÁRIA, com os juros e com as contas correntes caucionadas (C/C/C) abertas junto do BPN CAYMAN, definiram, então, o “plafond” a atribuir a cada uma das contas, “plafonamento” que contou com a colaboração do arguido VM…;
504)Conforme ainda o acordado entre os mesmos arguidos, a disponibilização dos fundos nas contas junto do Banco Insular seria feita através da abertura de Contas Correntes Caucionadas (C/C/C), associadas a cada uma das contas abertas e referidas supra;
505)Como os arguidos OC…, LC…, FS… não pretendiam liquidar os montantes que viessem a fazer sacar, não foram definidas quaisquer garantias particulares para os financiamentos concedidos, para além de um esquema de produção formal de uma “put option”, destinada a fazer crer perante as entidades de supervisão do Banco Insular que o próprio BPN garantia a aquisição do crédito sobre os clientes, caso não fosse liquidado o financiamento;
506)Os arguidos identificados no facto 505°, transmitiram aos colaboradores da Direcção de Operações do BPN, RP… e Ajo…, quais os movimentos a crédito que pretendiam fossem carregados nas contas das referidas sociedades offshore junto do Banco Insular, dando estes sequência a tais pedidos;
507)Os arguidos OC…, LC…, LM…, LAl… e FS… determinaram então a realização das operações de transferência de fundos, a débito de cada uma das contas das sociedades offshore abertas junto do Banco Insular, as quais tiveram como destino a conta da VENICE junto do BPN Cayman, conta n° …;
508)Tais ordens de transferência a débito foram encaminhadas pelos arguidos OC..., LC… e FS… também através dos colaboradores da Direcção de Operações do BPN, RP… e AJo…;
509)As instruções dos arguidos OC…, LC… e FS… para as transferências a débito das contas das offshore começaram por concretizar-se em duas operações bancárias junto do Banco Insular, as operações número 73584986 e 73585176, desenvolvidas nos dias 29 de Novembro e 13 de Dezembro de 2002, respectivamente, traduzindo-se, por entidade instrumental, nos seguintes montantes:

EntidadeOperação
n° 73584986
DATA
29-11-2002
Operação
n° 73585176
DATA
13-12-2002
Totais
ACLE1.073.549,08 €2.483.180,07 €3.556.729,15 €
JAMAKI2.126.399,48 €2.378.045,67 €4.504.445,15 €
KEMUSA2.163.238,98 €6.845.651,32 €9.008.890,30 €
MARTON1.058.485,38 €2.498.243,77 €3.556.729,15 €
QUILA2.121.946,85 €6.886.943,45 €9.008.890,30 €
RADOR2.014.439,15 €2.490.006,00 €4.504.445,15 €
RICIA1.059.557,80 €2.497.171,35 €3.556.729,15 €
ZALA2.054.516,54 €2.449.928,61 €4.504.445,15 €
TOTAIS ....13.672.133,26 €28.529.170,24 €42.201.303,50 €
TOTAIS .... 8.460.601.728$00


513)A soma dos valores que os arguidos OC…, LC…, LM…, LAl… e FS… fizeram transferir das contas junto do Banco Insular para a conta da VENICE, correspondem aos montantes das várias operações de aquisição de activos à SLN SGPS e SLN IMOBILIÁRIA, desenvolvidos através da CAMDEN CAPITAL no ano 2000 e reflectidos na conta da mesma CAMDEN junto do BPN Cayman com o n° …;
515) Deste modo, os arguidos OC…, LC…, LM…, LAl… e FS… conseguiram proceder à liquidação dos fundos disponibilizados, no exercício de 2000, pela VENICE, para a realização de negócios através da CAMDEN, com a utilização das contas das oito sociedades em offshore, que se financiaram junto do Banco Insular;
516) As contas de tais sociedades em offshore, continuaram a ser sacadas, após as operações acima descritas, pela intervenção dos mesmos arguidos e com o mesmo fim, aumentando assim, o volume de passivo sobre aquelas contas, conforme adiante se quantificará;
517)Tal como era a intenção inicial dos arguidos OC…, LC…, LM…, LAl… e FS…, os montantes transferidos das contas das referidas oito sociedades offshore junto do Banco Insular nunca foram regularizados;

iii. O tribunal “a quo” fundamentou tal convicção nos seguintes termos:
Regressando aos factos da pronúncia, entra-se num novo tema em que são descritos factos em que não há “saque” de fundos da Venice, antes ocorrem pagamentos a esta entidade offshore por outras 8 sociedades offshore (Acle, Jamaki, Kemusa, Marton, Quila, Rador, Ricia e Zala) – arts. 519º a 543º da pronúncia.
No final do ano de 2002, designadamente no mês de Dezembro, a conta n.º … titulada pela offshore Venice no BPN Cayman tinha um descoberto muito elevado, de cerca de 160 milhões de euros:
- CD vol. 13 (conta identificada da Venice, no BPN Cayman) – sublinhado amarelo nosso:
 
 
 
Nesse descoberto estava incluído, como vimos, o montante de € 42.178.350,19 a que aludem os factos 518º e 519º da pronúncia (v. factos provados 493 e 494).
Nessa altura, por um lado, como vimos supra na matéria atinente ao Banco Insular, o grupo SLN/BPN já dispunha desta instituição bancária para se continuar a financiar e, por outro, já havia desaparecido o referido efeito de criação fictícia de fundos na conta da Venice mediante o resgate de depósitos a prazo de clientes de Cayman, circunstância que evidenciava o seu volumoso descoberto.
«Face ao enorme descoberto da conta da Venice no BPN Cayman que, além do mais, espelhava a utilização dos cerca de 42 milhões de euros a “saque” daquela entidade nas operações supra descritas (v. resumo facto 518º da pronúncia e facto provado 493 da pronúncia) procedeu-se, então, em 29.11.2002 (operação n.º 73584986) e 13.12.2002 (operação n.º 73585176), à sua cobertura, mediante créditos no montante global de € 42.201.303,50 concedidos pelo Banco Insular (novo instrumento de mobilização de fundos entretanto obtido) às seguintes oito sociedades offshore, todas tendo por último beneficiário a Marazion, ou seja, o grupo BPN/SLN:
Declarações de trust (docs. que igualmente servem de suporte probatório aos factos 486º a 489º da pronúncia; v. factos provados 461 a 464 da pronúncia):
 Acle Holdings Inc (Belize): 
- Autos principais, vol. 72, fls. 24526 e 24529, págs. 118 e 121 pdf, ou apenso temático I, vol. 3, págs. 7 a 12 – 1.10.2002 - Declarações de trust relativas à Acle ,que certificam como último beneficiário a Marazion (v. tb. tradução do certificado de  acções a fls. 42158 do vol. 134 do processo);
 Jamaki Trading Ltd (Ilhas Virgens Britânicas):
- Autos principais, vol. 71, fls. 24325 e 24328, págs. 256 e 258 pdf, ou apenso temático I, vol. 3, págs. 140 a 145 – 01.10.2002 – Declarações de trust relativas à Jamaki, que certificam como último beneficiário a Marazion, bem como os certificados de incorporação (v. tradução a fls. 42224 e 42225 do vol. 134 do processo);
Kemusa Holdings LLC (Wyoming – EUA): 
- Autos principais, vol. 71, fls. 24363 e 24366, págs. 296 e 299, pdf ou apenso temático I, vol. 3, págs. 170 a 175 – 20.05.2002 – Declarações de trust relativas à Kemusa, que certificam como último beneficiário a Marazion (v. tradução a fls. 42239 a 42241 do vol. 134 do processo);
 Marton Investments Inc. (Belize): 
- Autos principais, vol. 72, fls. 24556 e 24559, págs. 152 e 155 pdf, ou apenso temático I, vol. 3, págs. 209 a 214 – 1.10.2002 – Declarações de trust relativas à Marton, que certificam como último beneficiário a Marazion (v. tradução a fls. 42258 a 42260 do vol. 134 do processo);
 Quila Holdings Ltd (Belize): 
- Autos principais, vol. 71, fls. 24403 e 24406, págs. 337 e 340 pdf, ou apenso temático I, vol. 3, págs. 281 a 285 – 16.01.2002 – Declarações de trust relativas à Quila, que certificam como último beneficiário a Marazion (v. tradução a fls. 42295 a 42296 do vol. 134 do processo);
 Rador Limited (Ilhas Virgens Britânicas): 
- Autos principais, vol. 72, fls. 24443 e 24436, págs. 23 e 26 pdf, ou apenso temático I, vol. 3, págs. 286 a 292 – 1.10.2002 – Declarações de trust relativas à Rador, que certificam como último beneficiário a Marazion (v. tradução a fls. 42298 e 42299 do vol. 134 do processo); 
Ricia Investments Inc (Belize): 
- Autos principais, vol. 72, fls. 24587 e 24590, págs. 185 e 188 pdf ou apenso temático I, vol. 3, págs. 305 a 310 – 1.10.2002 - Declarações de trust relativas à Ricia, que certificam como último beneficiário a Marazion (v. tradução do certificado de  acções a fls. 42310 do vol. 134 do processo); 
Zala Holdings Ltd (Belize): 
- Autos principais, vol. 72, fls. 24461 e 24464, págs. 52 e 55 pdf, ou apenso temático I, vol. 3, págs. 379 a 384 – 20.05.2002 - Declarações de trust relativas à Zala, que certificam como último beneficiário a Marazion (v. tradução a fls. 43352 a 42354 do vol. 134 do processo);
  A propósito dos últimos beneficiários destas sociedades, tenha-se ainda em consideração o seguinte documento:
 Apenso 33 - 10\TRAT\1\PC.Dr. P… \DOCS\C\ Documents and Settings\g003314 \Os meus documentos\proj César \fichas\.xls ou apenso temático AL, anexo 16, págs. 145 a 168 – Fichas elaboradas no âmbito do Projecto César das sociedades offshore Marazion (SLN, SGPS), Acle, Jamaki, Kemusa, Marton, Quila, Rador, Ricia, Zala, Aniola e Camden, as quais indicam que cada uma destas sociedades tem por último beneficiário a Marazion;
«Os créditos concedidos pelo Banco Insular a estas oito sociedades offshore, operacionalizados através de c/c/c (contas correntes caucionadas) sem a prestação de quaisquer garantias, foram depois transferidos pelas operações n.º 73584986 de 29.11.2002 e n.º 73584986 de 13.12.2002, e, após triangulação pelo banco ABN de Amesterdão, creditados na conta da Venice no BPN Cayman, primeiro em 11 e 12.12.2002 e, depois, em 16 e 20.12.2002.
Os valores dos créditos concedidos a cada uma das sociedades são os seguintes: 
- Apenso bancário 93 – Conta da Acle no Banco Insular; 
- Apenso bancário 102 – Conta da Jamaki no Banco Insular;
- Apenso bancário 86 – Conta da Kemusa no Banco Insular;
- Apenso bancário 95 – Conta da Marton no Banco Insular;  
- Apenso bancário 84 – Conta da Quila no Banco Insular;  
- Apenso bancário 91 – Conta da Rador no Banco Insular;  
- Apenso bancário 89 – Conta da Ricia no Banco Insular;  
- Apenso bancário 87 – Conta da Zala no Banco Insular;
  Ou, CD, vol. 13 – sublinhado amarelo nosso:
 Acle – conta n.º … no Banco Insular, aberta a 22.11.2002 (€ 1.073.549,08 + € 2.483.180,07= € 3.556.729,15 €); 
 
(i) Jamaki – conta n.º … no Banco Insular, aberta a 22.11.2002 (€ 2.126.399,48 + € 2.378.045,67 = € 4.504.445,15):
 
 
 
(ii) Kemusa – conta n.º … no Banco Insular, aberta a 11.11.2002 (€ 2.163.238,98 + € 6.845.651,32 = € 9.008.890,30):
 
 
 
(iii) Marton – conta n.º … no Banco Insular, aberta a 22.11.2002 (€ 1.058.485,38 + € 2.498.243,77 = € 3.556.729,15):
 
 
 
(iv) Quila  - conta n.º … no Banco Insular, aberta a 22.11.2002  (€ 2.121.946,85 + € 6.886.943,45 = € 9.008,890,30):
 
 
 
(v) Rador – conta n.º … no Banco Insular, aberta a 22.11.2002 (€ 2.014.439,15 + € 2.490.006,00 = € 4.504.445,15):
  
  
(vi) Ricia  - conta n.º … no Banco Insular, aberta a 22.11.2002 (€ 1.059.557,80 + € 2497.171,35 = € 3.556.729,15): 
 
 
(vii) Zala – conta n.º … no Banco Insular, aberta a 22.11.2002 (€ 2.054.516,54 + € 2449.928,61 = € 4.504.445,15):
  
O que perfaz o montante global de € 42.201.303,50.
«Note-se que o circuito dos fluxos financeiros correspondentes às operações 73584986 e 73585176 iniciou-se nas c/c/c (contas correntes caucionadas) destas 8 sociedades offhore no Banco Insular e passaram, como vimos, para as respectivas contas à ordem.
«Daí, passaram para a conta do Banco Insular “Nostro Cayman” (v. CD, vol. 13) – sublinhado amarelo nosso:
Movimentos de 29.11.2002 (operação 73584986):

(Imagem removida)
 
                 Movimentos de 13.12.2002 (operação73585176):

(Imagem removida)
 
E, quando podiam perfeitamente ser transferidos directamente para a conta da Venice em Cayman, em vez disso foram triangulados com o Banco ABN Amsterdam: 
- Apenso 33: 11\CD Dados 2\Grupo\AE-23_2008\Anexos Clientes\ELEMENTOS SOLICITADOS EM 09-10-2008\ZZ_FLUXOS CLIENTES GLOBAL 09-10-2008.xls (v. folhas “Fluxos a justificar – base” e “DOP – UTC”) – em todas as transferências aparece a indicação “Target BPN Cayman – ABN Amsterdão”;
 Por fim, com data-valor de 11, 12, 16, 18, 19 e 20.12.2002, foram transferidos para a conta n.º … da Venice no BPN Cayman, reduzindo o seu descoberto nos valores correspondentes: 
- Apenso bancário 25 – Conta da Venice no BPN Cayman – v. movimentos a crédito nas data indicadas;
Ou CD, vol. 13 (sublinhado amarelo nosso):
  
 
 
 
Todos os empréstimos foram objecto de aprovação no Banco Insular:
- Processo, vol. 71, fls. 24316 e segs., págs. 247 a 251 pdf – 21.11.2002 – Aprovação do crédito no Banco Insular e contrato de mútuo Banco Insular/Jamaki (4.550.000,00 €) – há também documentação sobre a abertura de contas;  
- Processo, vol. 71, fls. 24.352 e segs., págs. 283 a 288 pdf – 21.11.2002 – Aprovação do crédito no Banco Insular e contrato de mútuo Banco Insular/Kemusa (9.100.000,00 €) - há também documentação sobre a abertura de contas;  
- Processo, vol. 71, fls. 24393 e 24395 e segs., págs. 327 a 332 pdf – 21.11.2002 – Aprovação de crédito no Banco Insular e contrato de mútuo Banco Insular/Quila (9.100.000.00 €) - há também documentação sobre a abertura de contas;  
- Processo, vol. 72, fls. 24.425 e segs., págs. 10 a 18 pdf – 21.11.2002 – Aprovações do crédito no Banco Insular e contrato de mútuo Banco Insular/Rador (4.550.000,00 € com alteração em 15.04.2003 – passou a 4.700.000,00 €) - há também documentação sobre a abertura de contas; 
- Processo, vol. 72, fls. 24.453 e segs., págs. 42 a 47 pdf – 21.11.2002 – Aprovação de crédito no Banco Insular e contrato de mútuo Banco Insular/Zala (4.550.000,00 €) - há também documentação sobre a abertura de contas;  
- Processo, vol. 72, fls. 24.516 e segs., págs. 79 a 82 e 108 a 113 pdf – 22.11.2002 – Aprovações de crédito no Banco Insular e contrato de mútuo Banco Insular/Acle (4.550.000,00 €) com alteração em 15.04.2003 – passou para 4.950.000,00 € - há também documentação sobre a abertura de contas; 
- Processo, vol. 72, fls. 24.551 e segs., págs. 136 a 147 pdf – 22.11.2002 – Aprovações de crédito no Banco Insular e contrato de mútuo Banco Insular/Marton (4.550.000,00 €) com alteração em 15.04.2003 – passou para 4.600.000,00 € - há também documentação sobre a abertura de contas;  
- Processo, vol. 72, fls. 24.579 e segs., págs. 170 a 180 pdf – 22.11.2002 – Aprovações de crédito no Banco Insular e contrato de mútuo Banco Insular/Ricia (4.550.000,00 €) com alteração em 30.05.2003 – passou para 4.800.000,00 € - há também documentação sobre a abertura de contas;
 «Em termos operativos/bancários os empréstimos tiveram a sua origem na DOP (Direcção de Operações) do BPN, S.A.: 
- Apenso 33:       1-Anexo           A\CAIXAS        CORREIO\TRAT\3\TOZE#2\CAIXAS   DE       CORREIO\6 A_ATDUAR.NSF\($Sent-Drafts)\Re- Banco Insular.msg;  
- Apenso 33:       1-Anexo           A\CAIXAS        CORREIO\TRAT\2\Portatil\CAIXAS     DE       CORREIO\4 a_atduar.pst\Sent Items\Contratos-1ªParte.msg; 
- Apenso temático AL, anexo 20, fls. 160 a 162, págs. 180 a 182 pdf;
- 21.11.2002 – mail de AJo… para RP… no qual aquele informa “aqui estão os financiamentos”, seguindo-se um mail, na mesma data, de RP… para IS… pelo qual solicita que sejam efectuados “os financiamentos no Banco Insular” e pede para “elaborar os contratos (…), considerando financiamentos com inicio hoje (…)”; 
1) 22.11.2002 – mail de AJo… para Mafalda, pelo qual lhe envia um ficheiro com a minuta do contrato e pede que carregue “cada contrato com os dados que te passo a indicar”, o que faz, no mesmo mail, indicando os dados das sociedades offshore Kemusa, Quila, Zala, Rador e Jamaki, montantes a financiar, taxa e data do contrato;
«Em termos de suporte probatório é de ter também em consideração a seguinte documentação: 
- Apenso temático AL, anexo 19, págs. 178 e 179 pdf – print das duas operações que consubstanciaram os financiamentos de 29.11.2002 e 13.12.2002 das oito sociedades offshore com empréstimos no Banco Insular que foram para a conta da Venice no BPN Cayman;  
- Apenso temático AL, anexo 22, págs. 231 a 256 (projecto César) – Mapas de operações bancárias das oito sociedades que efectua as reconciliações bancárias;  
- Apenso temático AL, anexo 23, fls. 234 e 235, págs. 258 e 259– Mapa de apuramento das dívidas bancárias das oito sociedades;  
- Apenso temático Z, vol. 1 – Banco Insular - fls. 17 a 20, págs. 17 a 20 – 25.10.2002 - Acta n.º 44 da reunião do conselho de administração do Banco Insular datada de 25.10.2002 com a aprovação dos créditos às 8 sociedades, com a presença do arguido JV…; 
- Apenso temático AL, anexo 18, fls. 153 a 157, págs. 172 a 176 pdf  – 29.11.2002 (data em que se iniciaram os movimentos bancários supra referidos) - Cartas dos fiduciários, em representação das sociedades offshore, solicitando ao Conselho de Administração do Banco Insular “a concessão de financiamento, a fim de financiarmos os investimentos da nossa afiliada (…)”; - docs. em inglês; v. tradução fls. 43534 a 43544 do vol. 138 dos autos principais;
Em síntese (factos objectivos): 
O valor global dos empréstimos concedidos pelo Banco Insular às 8 sociedades offshore no montante global de € 42.201.303.50 correspondeu, sensivelmente, ao valor global despendido pela Camden (€ 42.178.350,18) com a SLN, Imobiliária nos seguintes termos (matéria já analisada supra): 
(i) Pagamento da primeira prestação do preço de compra da SLN Imobiliária pela CAMDEN (2.000.000.000$00); 
(ii) Pagamento do preço das cessões de créditos da SLN e da SLN, Imobiliária (2.633.000.000$00); 
(iii) Pagamento dos suprimentos à SLN Imobiliária (1.823.000.000$00);  
(iv) Pagamento da segunda prestação do preço de compra da SLN Imobiliária
(2.000.000.000$00); 
Pagamentos estes que perfazem o total de 8.456.000.000$00, o equivalente a € 42.178.350,18.  
Note-se, finalmente, que o crédito concedido àquelas oito sociedades offshore foi inicialmente registado no balcão 2000 do Banco Insular tendo, em 2003, sido acantonado no balcão 2001, então aberto, e jamais foi pago: 
 - Apenso temático AL, anexo 20, fls. 205, pág. 226 pdf – 15.04.2003 – E-mail de RP… para IS… com indicação para transferir para o balcão virtual (“BI Off”) os empréstimos daquelas oito sociedades offshore; 
E resulta, de facto, da análise dos extractos de conta destas sociedades (v. CD, vol. 13), que precisamente nessa data (15.4.2003) foram abertas as respectivas contas no balcão 2001, abertas também novas contas corrente caucionadas, pagas as contas correntes caucionadas no balcão 2000 e transferidos os créditos deste para aquele balcão.
Ademais, não se olvide, como já vimos, que o balcão 2001 (“virtual”) não era objecto de qualquer consolidação nem reporte às autoridades de supervisão.    
Analisados os factos e elementos probatórios do ponto de vista objectivo, falta a análise da imputação factual subjectiva. 
Ora, neste âmbito, excluindo, em parte, a arguida IC…, nenhum dos restantes arguidos quis assumir qualquer responsabilidade. 
O arguido LM… negou qualquer tipo de participação, decisão ou intervenção. 
No mesmo sentido foi o arguido LAl…. 
O arguido VM… também declarou que não teve qualquer tipo de decisão ou conhecimento na montagem das operações, explicando que a sua “participação” foi “aquela que já referiu” a propósito de todas as operações de crédito do Banco Insular, ou seja, a montagem da operação foi feita pelo BPN e a sua intervenção era puramente de registo, de lançar a operação no livro de actas, ver se estava devidamente documentada e obter a garantia sob a forma de put-option, não sabendo nada quanto aos contornos que estavam subjacentes a estas operações de crédito.  
O arguido FS… declarou que não participou na decisão de diminuir o descoberto da Venice, não conhecia o montante deste descoberto, e só teve conhecimento posterior, após os financiamentos terem ocorrido, que estas sociedades tinham sido criadas para substituir o financiamento que tinha sido indicado ao Banco de Portugal como sendo dos accionistas donos da Camden.
Mais declarou que só teve conhecimento disso através de uma conversa com colaboradores da área das operações, designadamente RP… e AJo….
Por sua vez, o arguido LC… declarou que, à data dos factos, não passou por ele qualquer decisão, participação ou intervenção nestes factos e que só teve conhecimento deles depois de terem ocorrido, na sequência de uma reunião com o administrador MNe….
Ou seja, teve conhecimento dos movimentos financeiros daquelas 8 sociedades, no mesmo ano, mas após terem ocorrido. 
Em resumo: 
Nenhum admitiu a participação nos factos analisados.
O que é indubitável é que eles ocorreram e não foi certamente por iniciativa/decisão dos operacionais da Direcção de Operações (DOP) do BPN, S.A., designadamente RP… (sub-director) e AJo… (operacional), que tiveram lugar. 
Já a arguida IC… clarificou um pouco os acontecimentos.
Com efeito, declarou que uns meses antes de uma reunião que se realizou na Planfin a 28.11.2002, a constituição de algumas destas sociedades havia sido solicitada por RP…, o que foi confirmado junto do arguido OC….
Na altura, em que tal foi solicitado, não souberam qual era a finalidade da constituição destas sociedades.
Posteriormente, no dia 28.12.2002, MN… deslocou-se ao escritório da Planfin a uma reunião onde estiveram presentes a arguida, o arguido LC…, RP… e AG…, este último, entrando na mesma posteriormente.
Nessa reunião, como explicou a arguida, MNe… disse-lhe que, face à rescisão do protocolo, era preciso desfazer as operações iniciais da Sogipart, ou seja, libertar o financiamento que tinha sido feito aos accionistas quando estes adquiriram a SLN Imobiliária, o mesmo é dizer, libertar o valor que havia saído da Venice. Informando também MNe… que essas 8 sociedades iam obter financiamento junto do Banco Insular e que com estes financiamentos os accionistas iam pagar a dívida que tinham contraído junto dos seus bancos e libertar os fundos da Venice que estavam a servir de garantia.         
Inquirida, a testemunha AG… (advogado e, na altura, trabalhador/colaborador da Planfin) declarou recordar-se que o MNe… foi às instalações da Plafin a propósito da documentação necessária para a abertura de crédito de várias sociedades no Banco Insular.
Recorda-se ainda de ter ocorrido uma reunião no escritório onde estiveram presentes MNe…, LC…, IC… e a testemunha a propósito deste assunto.
«Esclareceu, por fim, que quem pediu as operações foi o MNe…, mas o arguido LC… estava presente, ouviu tudo e não se opôs. 
Curiosamente, a testemunha MNe… inquirida sobre estas operações declarou não se recordar das mesmas.
Não se deixa igualmente de anotar que a mesma testemunha só no dia seguinte, 29.11.2002, é que foi nomeado administrador da SLN SGPS (v. certidão do registo comercial - doc. constante do vol. 11º dos autos principais, págs. 4323 a 4350). 
No entanto, dir-se-á: 
Tomando por verdadeira a versão da arguida IC… e da testemunha AG… (ocorrência da reunião e pedido de MNe…) o que é um facto é que na reunião foi tudo explicado e todos os presentes ficaram ao corrente do pretendido.
Acresce que, nessa data (28.11.2002), quem já era efectivamente administrador da SLN SGPS e tinha poderes para a vincular e sobre ela decidir, era o arguido LC…. 
É certo que a arguida IC…, uma vez mais, no âmbito da explicação que lhes foi dada pelo MNe…, referiu que as 8 sociedades iam obter financiamento junto do Banco Insular e que com estes financiamentos os accionistas iam pagar a dívida que tinham contraído junto dos seus bancos e libertar os fundos da Venice que estavam a servir de garantia.
Ou seja sustentou, novamente, a versão – já refutada supra – de que os fundos que inicialmente tinham saído da Venice serviram de colateral aos alegados créditos que os accionistas tinham obtido junto dos seus bancos.
Porém, esqueceu-se que nesta altura já tinham passado cerca de dois anos sobre a saída inicial dos fundos e, como sempre, não havia quaisquer sinais, em termos documentais, dos alegados créditos dos accionistas junto dos seus bancos, nem do colateral/garantia dos fundos saídos da Venice.
Olvida também que não faz qualquer sentido substituir alegados financiamentos dos accionistas nos seus bancos nacionais por outros tantos em nome de sociedades offshore num banco sediado em Cabo Verde.
Mais a mais quando essa substituição ia ser feita pelo valor inicial em dívida, o que pressuponha que os accionistas nunca tinham pago qualquer capital dos empréstimos que alegadamente obtiveram junto dos seus bancos, e sem que, apesar disso, ao fim de dois anos, tivesse sido accionada a garantia/colateral da Venice!
Mais ainda, quando os accionistas eram cinco e os empréstimos que deviam ser solicitados ao Banco Insular era para oito sociedades offshore, sociedades estas cujo último beneficiário era a Marazion e não os accionistas. 
Complementarmente é, ainda de notar o seguinte: 
Foi a Planfin que disponibilizou todas as identificadas sociedades offshore que, conforme declarações de trust juntas aos autos, tinham por último beneficiário a Marazion.
Os contratos de abertura de contas estão assinados pelos fiduciários, mas não estão datados.
Os financiamentos foram todos aprovados em acta da reunião do Conselho de administração do Banco Insular n.º 44 de 25.10.2002, acta que foi assinada pelo arguido JV… e JN….
Os contratos de mútuo estão assinados pelo arguido JV… e JN…, em representação do Banco Insular, e pelos fiduciários, em representação das sociedades offshore, estando datados de 21.11.2002, nos casos da Jamaki, da Kemusa, da Quila, da Rador e da Zala, e de 22.11.2002 nos casos da Acle, da Marton e da Ricia.
Todavia, as procurações dos fiduciários, passadas a favor da arguida IM… e de AG…, designadamente para abrir as contas no Banco Insular mostram-se datadas de 04.12.2002: 
 - Autos principais, vol. 105, fls. 34050, págs. 5 e seguintes – 04.12.2002 - Procurações dos fiduciários (originais em inglês acompanhadas das correspondentes traduções), relativas à Jamaki, Kemusa, Acle, Ricia, Rador e Quila a favor da arguida IM.. e AG…;  
«Não se olvida que dos autos consta (v. Apenso 33 – 30\283\1\ G… \Offshores \Memo Abertura de créditos ou apenso Z, vol. 2, págs. 140 e 141 ou apenso temático AL, anexo 21, págs. 228 e 229) um Memorando da Planfin (AG…), datado de 04.12.2002, dirigido ao conselho de administração da SLN (à atenção de JMN…), relativo à abertura de contas e empréstimos, designadamente às 8 sociedades offshore, com expressa referência à reunião de 28.11.2002, em que estiveram presentes os arguidos LC… e IC… e também com o parecer de que os contratos de mútuo deveriam ser assinados pelos directores das sociedades.
No entanto, este memorando era completamente irrelevante e inócuo.
Com efeito, naquela data (04.12.2002) as operações bancárias já estavam todas executadas, o que ocorreu, como vimos, a 29.11.2002, portanto, MNe… já não podia decidir nada a este respeito, a não ser aprovar a assinatura dos contratos de mútuo pelos fiduciários.
Circunstancialismo que nos leva para a zona de decisão e participação: 
Os elementos probatórios referenciados permitem concluir, sem mais, que os arguidos LC… e IC… tinham pleno conhecimento dos objectivos propostos com esta operação. 
Adicionalmente tenham-se ainda em conta os seguintes elementos probatórios relevantes: 
A testemunha AJo… pronunciando-se sobre esta matéria, em resumo, declarou:  
Em Novembro de 2002 estas sociedades entregaram uma carta a pedir um financiamento no Banco Insular para comprar a Camden.
Foi concedido o empréstimo e o mesmo destinou-se a pagar à Venice em BPN Cayman. Nesta data, deixou de haver qualquer dívida da Venice, e a mesma passou a estar concentrada nestas sociedades.
 Não foi prestada qualquer garantia por estas sociedades.
Recebeu instruções de RP… para fazer grande parte destas operações.
As cartas foram assinadas pelos fiduciários e as procurações deram poderes a IC… e AG….
 Não tem dúvidas que as ordens vieram de OC… e LC…, porque as operações estavam na égide da SLN, estas sociedades são detidas pela Marazion, pelo que nenhum administrador do BPN podia dar ordens para se fazerem estas operações.
Em 2009 os créditos passaram para o BPN e em 2010 passaram para a Parvalorem, sendo certo que os créditos, ainda no âmbito do Banco Insular, passaram do balcão 1 para o balcão 2. 
Em termos documentais:
 Apenso de busca 13, vol. 4, fls. 1811 a 1820, págs. 218 e 227 – cadernos da arguida IM… – anotação do dia 25.11.2002, ou seja, antes de ocorrem os identificados movimentos bancários, do seguinte teor: “KEMUSA, KILA, ZALA – solicitadas p caso o Banco de Portugal perguntar sobre os 2.000 cts da Imobiliária/Repartiam o financia/to por estas 3”.
Com é óbvio, não se fala em qualquer financiamento dos 5 accionistas nos seus bancos nem se alude a qualquer financiamento da Venice que sirva de colateral/garantia àqueles financiamentos.
O manuscrito é claro e esclarecedor.
Nessa data, quatro dias antes de as operações bancárias ocorrerem, a arguida IC… estava perfeitamente consciente de que se visava substituir o alegado financiamento da Venice por outros 3 financiamentos às sociedades Kemusa, Kila e Zala, e isto para o caso de o Banco de Portugal perguntar sobre os 2.000 cts da Imobiliária que, como vimos, tinham tido a sua origem na Venice. 
- Apenso de busca 13, vol. 3, págs. 386 e 387 pdf – cadernos da arguida IM… - vol. 3, págs. 386 e 387 – 28.11.2002 - Nota manuscrita de reunião interna com “LCC”, i.e., o arguido LC…, que sobre o tema Operações Novembro em 2) refere “financiamento de 44M euros no BI+juros 7.150.182,00 € 20% Kemusa, 20% Quila,10% Zala,10% Rador Ricia 10% Acle 10% Marton 10% Jamaki Aniola”;
Vale o exposto por dizer que três dias depois do último apontamento mencionado e um dia antes de ocorrerem os movimentos bancários, os arguidos LC… e IM…, além de saberem o propósito do financiamento a atribuir a estas sociedades offshore no Banco Insular, tinham pleno conhecimento dos termos em que ia ser feita a repartição do financiamento por cada uma das sociedades e o valor total dele, valor este que era aproximado ao valor global despendido pela Camden com a SLN Imobiliária (cerca de 42 milhões de euros).
Acresce que os objectivos do financiamento estão plasmados no documento constante dos autos principais, vol. 17, fls. 6643, pág. 43 pdf, ou apenso temático AL, fls. 152, pág. 170 pdf, com o título “Financiamentos a efectuar por BINSULAR Off-shores Grupo” no qual, à frente das identificadas 8 sociedades, consta: “liquida dívida referente à transferência de 2,6 Mcts e 823 mcts, faltando juros e parte dos 4 Mcts da aquisição da Sogipart”, o que corresponde aos objectivos que temos vindo a evidenciar ao longo desta motivação.
Este documento tem, como admitido pelo próprio, anotações escritas pelo arguido LC…. «Confrontado inicialmente com o mesmo, a instâncias do Tribunal, declarou que foi exibido na reunião com MNe…, reunião na qual este foi pedir apoio à Planfin na questão da transferência dos créditos que estavam em Cayman para o Banco Insular.
«Posteriormente, alterou um pouco a versão, declarando que não ordenou estas operações, nem deu indicação de valores e que se os movimentos foram feitos, eles foram anteriores à reunião.
«Esqueceu, porém, três pontos que colocam em crise a sua versão:
  1º) A reunião com o MNe… ocorreu a 28.11.2002, i.e., antes de serem executados os movimentos bancários analisados supra;
2º) O documento em causa não alude a financiamentos efectuados mas, outrossim, a “Financiamentos a efectuar por BINSULAR Off-shores Grupo”;
 3º) A última coluna do documento diz respeito ao “futuro”, constando na parte referente a cada uma das sociedades “aumentar linha para EUR (…)”, querendo-se significar aumentar a c/c/c (conta corrente caucionada), sendo que se indicam os valores para os quais devem ser aumentadas as contas correntes caucionadas de cada uma das sociedades. Ora, os montantes constantes do documento vieram, na verdade, a ser objecto de empréstimos através de contas correntes caucionadas, mas nas datas de 21.11.2002 e 22.11.2002, seguindo-se, então, os movimentos bancários analisados supra;
 Por fim, consta dos autos, a fls. 33151 e 33152 (págs. 240 e 241 pdf) do vol. 101, um documento manuscrito da autoria confessa do arguido LC… que consiste num “esquema” da maior parte dos movimentos aqui analisados.
«É certo que o arguido, confrontado com o mesmo, declarou que esse documento é um apanhado dos movimentos efectuados e não ordens dos movimentos a efectuar, referindo igualmente que fez isso para perceber e ter o ponto da situação onde estavam as dívidas.
«Percebe-se a versão do arguido, mas não se apresenta como verosímil.
«Por um lado, o arguido, como vimos, estava perfeitamente ao corrente dos movimentos efectuados ao longo dos anos.
«Por outro, não é lógico ou credível que o arguido, administrador da SLN, se desse ao trabalho de “manuscrever” os movimentos efectuados quando, dentro da Planfin, tinha colaboradores perfeitamente habilitados e capazes para o efeito.
«Acresce que uma análise cuidada do teor do documento em questão permite concluir que o mesmo começa pelos últimos movimentos em que são intervenientes as sociedades offshore Kemusa, Quila, Zala, Rador e Jamaki e das transferências delas para entidades terceiras, o que evidencia que se trata de movimentos a efectuar, pois, se assim não fosse e se tratasse dos movimentos bancários/financeiros já efectuados, a lógica levaria a que se iniciasse os movimentos pela base e não pelo fim.
«Ademais, sabendo-se que em 2002 ocorreram movimentos, considerando que as partes do documento relativas a esse ano estão sem quaisquer indicações de datas de movimentos, conclui-se que o mesmo foi elaborado antes da data de execução destes, tratando-se por isso os mencionados de movimentos a efectuar, “encabeçados” pelas identificadas sociedades offshore, e não de operações já realizadas. «Por fim, salienta-se ainda que no documento constam várias anotações manuscritas “BP” o que só pode significar Banco de Portugal, ou seja, os movimentos que se pretendiam ver escondidos da entidade de supervisão, logo, movimentos que se pretendiam efectuar e não já efectuados.
«De tudo o exposto resulta por parte dos arguidos LC… e IC… um conhecimento total das operações em questão antes de as mesmas ocorrerem, bem como a participação e decisão dos mesmos nos factos em questão.
«Acresce que o arguido LC… era, à data, administrador da SLN SGPS, S.A. Assim sendo, considerando a finalidade dos movimentos analisados, não pode ter deixado de participar na definição dos mesmos e na estratégia delineada, até porque aquela sociedade era a cúpula de todo o grupo SLN/BPN.
 «Quanto ao arguido OC… é manifesta a sua decisão/participação nos factos em questão, atendendo aos objectivos subjacentes aos movimentos/financeiros e às funções por si, então, exercidas, designadamente de Presidente do Conselho de Administração da SLN e do BPN, S.A.. 
«Já vimos, por sua vez, que o arguido FS… teve decisão/participação em todos os movimentos analisados que ocorreram no ano de 2000.
«E, veremos, também, que participou em factos (arts. 558º a 563º da pronúncia) relacionados com outros movimentos ocorridos um pouco antes dos presentes.
«Ora, os movimentos que temos vindo agora a analisar são uma consequência lógica de todos os anteriores, incluindo os referidos nos arts. 558º a 563º da pronúncia, pelo que, se o arguido participou sempre nos anteriores, não se vislumbra como possa não ter participado a nível de decisão/estratégia nos presentes: Tanto mais quando eles se iniciaram precisamente na data (29.11.2002) em que foi designado administrador da SLN SGPS, S.A. - (v. certidão do registo comercial - doc. constante do vol. 11º dos autos principais, págs. 4323 a 4350).
«A participação dos arguidos LM… e LAl… apresenta-se igualmente como inequívoca. «Porém, quanto a eles a análise da imputação factual subjectiva será apenas feita após a análise dos negócios subsequentes (arts. 544º a 557º e 558º a 563º) pois, em relação à factualidade do ano de 2002, só a visão de conjunto e integrada de todas as circunstâncias espelha a evidência da sua participação/decisão.
«No que respeita ao arguido VM… vimos supra que ele assumiu uma função de fiduciário do Banco Insular e que os negócios relativos ao grupo SLN/BPN tinham sempre a sua origem no seio do grupo, apresentando-se a intervenção do arguido bastas vezes como de natureza formal, passando pela formal aprovação de créditos em Conselho de Administração do Banco Insular e pela outorga dos contratos de mútuo que lhe eram apresentados pelo grupo SLN/BPN.
«Noutros casos porém, como também vimos, a sua intervenção foi mais além.
«No entanto, no que tange aos negócios concretos em apreço, não há nos autos elementos probatórios directos ou indirectos que indiquem que o arguido teve conhecimento, por um lado, da finalidade dos créditos concedidos às identificadas 8 sociedades offshore e, por outro, dos movimentos financeiros/bancários que se lhes seguiram e que foram descritos supra.
«Na verdade, não obstante o arguido ter aprovado em termos formais os créditos em questão e outorgado os respectivos mútuos, temos manifestas dúvidas sobre um seu qualquer conhecimento mais abrangente da situação e da sua participação directa ou indirecta nos factos subsequentes (movimentos financeiros/bancários) ou anteriores (delinear da estratégia) àquela sua intervenção formal.
«Donde, não tendo os elementos probatórios carreados ao processo permitido ultrapassar essas dúvidas, a matéria respeitante à sua decisão/participação nas circunstâncias em referência tenha de ser considerada não provada em obediência ao princípio in dúbio pro reo.
 «Importa ainda esclarecer o seguinte:
«Nos termos expostos, o delinear da estratégia considera-se provado quanto aos arguidos OC…, LC…, FS…, LAl… e LM…, cabendo referir que a imputação à arguida IC… é na pronúncia feita a título de colaboração (v. art. 523º da pronúncia).
«Apesar do que se acaba de mencionar, tal não significa que a operacionalização dos movimentos seja imputável a todos os arguidos, mas tão só aos arguidos OC…, LC… e FS…, pois que estes é que eram administradores da SLN SGPS, S.A., e, por isso, só eles tinham domínio sobre a operacionalização.
 «A factualidade em apreço tem, pois, duas componentes: 
1) A definição da estratégia/plano, provada em relação aos arguidos OC…, LC…, FS…, LAl… e LM… (v. factos 520º a 522º, 524º, 526º a 529º, 532º, 538º e 539º, 540º e 542º da pronúncia; v. factos provados 495 a 497, 499, 501 a 504, 507, 513 e 514, 515 e 517); e
 A operacionalização da mesma, demonstrada em relação aos arguidos OC…, LC… e FS… (v. factos 530º, 531º, 533º, 534º da pronúncia; v. factos provados 505, 506, 508, 509);
 «Por fim, no que concerne ao art. 530º da pronúncia (v. facto provado 505), cabe referir que: 
«Se houvesse alguma intenção de pagamento dos montantes sacados no âmbito das contas correntes caucionadas abertas a favor das oito sociedades offshore tinham de existir garantias. Procedimento habitual em qualquer crédito bancário que seja concedido, pelo menos nos de valor mais elevado.
«No caso, não foram prestadas quaisquer garantias aquando da abertura das c/c/c.
«Relativamente às “put option” (cartas de conforto):
 «O arguido VM… confirmou que foram emitidas, nos anos de 2002 ou 2003, as “put option” a que alude o facto 530º da pronúncia na sequência de uma auditoria da “Ernst & Young” ao Banco Insular.
«A elas o arguido se refere na carta de 6.2.2009 (v. apenso R do Banco de Portugal, vol. 39, fls. 9239 a 9241, págs. 53 a 55 pdf), por si subscrita em nome do Banco Insular, e remetida ao BPN, S.A. (administrador LS…), além do mais, nos seguintes termos:
 “(…)nunca a Administração do Banco Insular, a que presido, não quer, nem alguma vez teve a intenção de as invocar para exercer os direitos potestativos que nelas lhe são atribuídos.
(…).
 Sempre entendidas como uma peça que adequadamente instruísse os processos de crédito na perspectiva de inspecções e auditorias, não constituíam para a Administração do BI uma garantia exequível, dada a sujeição do Banco ao Grupo SLN (…)”.
 «Embora o arguido em audiência de Julgamento tivesse declarado que não concordava com a 2ª parte do art. 530º da pronúncia (“fazer crer perante as autoridades de supervisão (…)”, as sua declarações mostram-se manifestamente infirmadas por esta sua missiva do ano de 2009, em que assumiu, objectivamente, que (i) a administração do Banco Insular nunca teve a intenção de invocar as put option, (ii) que as mesmas sempre foram entendidas como uma peça que instruísse os processos de crédito na perspectiva de inspecções e auditorias e (iii) que não constituíam para a administração do Banco Insular uma garantia exequível.
«Ou seja, em que assumiu, por escrito, o que consta da 2ª parte daquele artigo da pronúncia (“esquema de produção formal de uma put option, destinada a fazer crer perante as entidades de supervisão do Banco Insular que o próprio BPN garantia a aquisição do crédito sobre os clientes, caso não fosse liquidado o financiamento”).
«Dos autos consta a “carta conforto” relativa ao empréstimo da offshore Rador, datada de 21.11.2002 (data em que foi concedido o crédito no Banco Insular), subscrita pelo arguido AF….
«Não constam as “cartas conforto” das outras 7 sociedades offshore.
«No entanto, as mesmas foram emitidas, pois, como referiu o arguido VM…, por cada um dos créditos abertos pelo grupo SLN/BPN no Banco Insular era sempre emitida a correspondente put-option.
«É certo que ocorreram falhas na emissão.
«Porém, detectadas essas falhas, como resulta da identificada missiva e das “cartas conforto” constantes de fls. 9242 a 9307 do vol. 39 apenso R, elas foram supridas em relação aos créditos que não tinham essa “garantia formal”, não se encontrando entre elas qualquer das outras 7 sociedades offshore, daí resultando que as “put option” destas foram emitidas na data em que foram concedidos os financiamentos no Banco Insular sob a forma de c/c/c, à semelhança do que aconteceu com a Rador.
«(…)
«No desenvolvimento do plano, ou na concretização da sua 2ª parte, foram posteriormente utilizadas 8 sociedades offshore (Acle, Jamaki, Kemusa, Quila, Rador, Ricia e Zala) – factos provados 494 a 518. 
«No essencial e relevante retira-se dessa factualidade o seguinte:
 «Neste caso, não há “saque” de fundos da Venice, antes ocorrem pagamentos a esta entidade offshore por aquelas outras 8 sociedades offshore.
«Face ao enorme descoberto da conta da Venice no BPN Cayman que, além do mais, espelhava a utilização dos cerca de 42 milhões de euros a “saque” daquela entidade nas operações supra descritas procedeu-se, então, em 29.11.2002 e 13.12.2002 à sua cobertura, mediante créditos no montante global de € 42.201.303,50 concedidos pelo Banco Insular (novo instrumento de mobilização de fundos entretanto obtido) às oito sociedades offshore identificadas, todas tendo por último beneficiário a Marazion, ou seja, o grupo BPN/SLN.
 «Os arguidos OC…, LC…, LM…, LAl… e FS… pretendiam fazer sacar sobre as contas bancárias das referidas sociedades offshore, junto do Banco Insular, os fundos necessários para regularizar o descoberto criado sobre a conta da VENICE, junto do BPN Cayman, sem que visualizassem como necessária a liquidação desses saques (501).
 «O modo como foi alcançado este desiderato, mostra-se relatado nos factos provados 502 a 514.
 «Não se olvide que no desenvolvimento e concretização do plano ocorreu um efectivo prejuízo patrimonial e um benefício ilegítimo para o grupo SLN/BPN: 

[1] Com a assessoria do Exmo Sr. Dr. Jorge Miguel Pedro Marques Antunes, juiz de direito, por despacho proferido em 13.09.2018, pelo Exmo. Sr. Vice-Presidente do Conselho Superior da Magistratura.
[2] Cfr. decisão sumária proferida no âmbito do Recurso nº 428/08.8GBSXL-5, de que foi Relatora a Desembargadora Margarida Blasco, acessível e nesta data acedido em http://www.dgsi.pt/jtrl.nsf/33182fc732316039802565fa00497eec/9fcc20ff773844bd802575bc003a2fe9?OpenDocument;
[3] Cfr. Acórdão do Tribunal Constitucional nº 16/2010 – Processo nº 142/09 – 2ª Secção; Relator Conselheiro Joaquim de Sousa Ribeiro, acessível e nesta data acedido em http://www.tribunalconstitucional.pt/tc/acordaos/20100016.html;
[4] Cfr. Acórdão do STJ proferido no âmbito do Recurso nº 882/05.0TAOLH.E1.S1, de que foi Relator o Conselheiro Pires da Graça, acessível e nesta data acedido em http://www.dgsi.pt/jstj.nsf/954f0ce6ad9dd8b980256b5f003fa814/bd4dfc6a247dcfda80257839004f2eb8?OpenDocument;
[5] Cfr. Acórdão do Tribunal Constitucional nº 293/2012 – Processo nº 566/11 – 2ª Secção; Relator Conselheiro Joaquim de Sousa Ribeiro, acessível e nesta data acedido em http://www.tribunalconstitucional.pt/tc/acordaos/20120293.html;
[6] Cfr. Decisão da Reclamação proferida no âmbito do Processo nº 41/08.0GACVD.A.E1, de que foi Relator o Desembargador Chambel Mourisco, acessível e nesta data acedido em http://www.dgsi.pt/jtre.nsf/134973db04f39bf2802579bf005f080b/e8b3c83bc7a1b38580257de10056f53f?OpenDocument;
[7] Cfr. Decisão da Reclamação proferida no âmbito do Processo nº 275/08.7PDVFX-A.L1-5, de que foi Relator o Desembargador Sousa Pinto, acessível e nesta data acedido em http://www.dgsi.pt/jtrl.nsf/33182fc732316039802565fa00497eec/b1c8730357b2e85780257961005bd14e?OpenDocument;
[8] Cfr. Decisão da Reclamação proferida no âmbito do Processo nº 96/09.0TAFAL.A.E1, de que foi Relator o Desembargador António Ribeiro Cardoso, acessível e nesta data acedido em http://www.dgsi.pt/jtre.nsf/134973db04f39bf2802579bf005f080b/3ecaca21eb4b45a580257de10056f9a0?OpenDocument;
[9] Cfr. Decisão Sumária proferida no âmbito do Processo nº 1476/04.2JAPRT.P1, de que foi Relatora a Desembargadora Airisa Caldinho, acessível e nesta data acedido em http://www.dgsi.pt/jtrp.nsf/56a6e7121657f91e80257cda00381fdf/340abc936c31645a80257a1e00335158?OpenDocument;
[10] Cfr. Acórdão do Tribunal Constitucional nº 403/2013 – Processo nº 869/12 – 2ª Secção; Relator Conselheiro João Cura Mariano, acessível e nesta data acedido em http://www.tribunalconstitucional.pt/tc/acordaos/20130403.html;

[11] Cfr. Acórdão do Tribunal Constitucional nº 253/2014 – Processo nº 869/12 – Plenário; Relator Conselheiro João Cura Mariano, acessível e nesta data acedido em http://www.tribunalconstitucional.pt/tc/acordaos/20140253.html;
 
[12] Cfr. Acórdão do Tribunal Constitucional nº 147/2016 – Processo nº 1072/14 – 3ª Secção; Relatora Conselheira Maria José Rangel de Mesquita, bem como a Decisão Sumária nº 807/2015, de 29 de dezembro de 2015, por aquele mantida, acessíveis e nesta data acedidos, respetivamente em http://www.tribunalconstitucional.pt/tc/acordaos/20160147.htmlhttp://www.tribunalconstitucional.pt/tc/decsumarias/20150807.html.
[13] Cfr. Decisão Sumária proferida no âmbito do Recurso nº 955/02.0JFLSB.D.E1, de que foi Relator o Desembargador Alberto João Borges, acessível e nesta data acedida em http://www.dgsi.pt/jtre.nsf/134973db04f39bf2802579bf005f080b/61603d07cc480a2680257cb40039ddde?OpenDocument;
[14] Cfr. Acórdão da Relação de Évora de 09.09.2014, proferido no âmbito do Recurso 5/02.7TBPSR-B.E1, de que foi Relator o Desembargador António João Latas, acessível e nesta data acedido em http://www.dgsi.pt/jtre.nsf/134973db04f39bf2802579bf005f080b/cc48a84caf71bb5980257de10056ff00?OpenDocument;
[15] Cfr. Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça nº 1/2013, publicado no Diário da República, 1ª Série – nº 4 – de 7 de Janeiro de 2013, acessível em www.dre.pt;
[16]  Cfr. Acórdão da Relação do Porto de 15.06.2011, proferido no âmbito do Recurso nº 241/05.4PBMAI-P1 – Relator: José Piedade, acessível e nesta data acedido em http://www.dgsi.pt/jtrp.nsf/56a6e7121657f91e80257cda00381fdf/f7726da5f08f2391802578be0046a7b7?OpenDocument;
[17] Cfr. Acórdão da Relação do Porto de 31.01.2018, proferido no âmbito do Recurso nº 202/13.0GAVLG-A.P1 – Relator: João Pedro Nunes Maldonado, acessível e nesta data acedido em http://www.dgsi.pt/jtrp.nsf/56a6e7121657f91e80257cda00381fdf/12c3020566cdb0a38025823a0054b6f1?OpenDocument;
[18] Cfr. CUNHA, José Manuel Damião da, in Sobre a Adesão em Processo Penal, texto apresentado em Novembro de 2014 e inserido in Liber Amicorum Manuel Simas Santos, Ed. Rei dos Livros, Lisboa – 2016, p. 763.
[19] Cfr. CUNHA, José Manuel Damião da, in Ob. Cit., p. 770.
[20] Cfr. MARQUES, Rui, A Liquidação de Imposto e o Processo Penal Tributário, in Revista do Ministério Público 145, Janeiro/Março 2016, p. 155.
[21]  Cfr. MARQUES, Rui, in ob. cit., p. 156.
[22] Cfr. Acórdão proferido no âmbito do Recurso nº 6449/04 - Relator Ernesto Nascimento, acessível em http://www.dgsi.pt/jtrp.nsf/56a6e7121657f91e80257cda00381fdf/6b679e584982818680257248003e4a04?OpenDocument.
[23] Cfr. Acórdão proferido no âmbito do Recurso nº 712/00.9JFLSB.L1.S1 - Relator Pires da Graça, acessível e nesta data acedido em http://www.dgsi.pt/jstj.nsf/954f0ce6ad9dd8b980256b5f003fa814/3c39db898c5fd02980257885005747d5?OpenDocument.
[24] Cfr. MARQUES, Rui, in ob. cit., p. 157.
 
[25] Cfr. Acórdão da Relação de Lisboa proferido no âmbito do Recurso nº 5/11.6IDFUN.L1-5 - Relator Cid Geraldo, acessível e nesta data acedido em http://www.dgsi.pt/jtrl.nsf/33182fc732316039802565fa00497eec/9fbab1a46f3245bf802580cf00413ce1?OpenDocument.  
[26] À mesma conclusão se chegará quer se opte pela orientação da doutrina no sentido de que a consumação do crime de fraude fiscal se verifica no termo do prazo para apresentação da declaração tributária ou no momento da entrega dessa declaração (Cfr. Germano Marques da Silva, Direito Penal Tributário, Universidade Católica, 2009, p. 232; Carlos Teixeira e Sofia Gaspar, Comentário das Leis Penais Extravagantes, 2, Universidade Católica, 2011, p. 455 e 456; Susana Aires de Sousa, Os Crimes Fiscais, Coimbra, 2009, p. 84-86), quer se alinhe com a orientação jurisprudencial que toma como data de consumação a data da emissão dolosa da factura falsa (Cfr., entre outros, os Acórdãos da Relação de Lisboa de 17-01-2017, a que fizemos alusão na nota antecedente, e de 08-03-2017, este proferido no âmbito do Recurso nº 1596/03.0JFLSB.L1-3 – Relator João Lee Ferreira, acessível em http://www.dgsi.pt/jtrl.nsf/33182fc732316039802565fa00497eec/5996b0ea094a2226802581150033c4c4?OpenDocument)
[27] Cfr. Acórdão do Tribunal Constitucional nº 340/2013 – Processo nº 817/12 – 2ª Secção; Relator Conselheiro João Cura Mariano, acessível e nesta data acedido em http://www.tribunalconstitucional.pt/tc/acordaos/20130340.html

[28] Cfr. Acórdão do Tribunal Constitucional nº 108/2014 – Processo nº 933/13 – 2ª Secção; Relator Conselheiro João Cura Mariano, acessível e nesta data acedido em http://www.tribunalconstitucional.pt/tc/acordaos/20140108.html
 
[29] Neste sentido, cfr. o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 15 de Abril de 2015, proferido no Recurso nº 213/05.9TCLSB.L1.S1 – Relatora Conselheira Isabel Pais Martins, acessível em http://www.dgsi.pt/jstj.nsf/954f0ce6ad9dd8b980256b5f003fa814/353e9b9903faff3180257e2a00501418?OpenDocument; cfr. ainda o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 25 de Junho de 2014, proferido no Recurso nº 8/12.3GDMDL-A.S1 – Relator Conselheiro Santos Cabral, acessível em http://www.dgsi.pt/jstj.nsf/954f0ce6ad9dd8b980256b5f003fa814/521c6877a6b6c03f80257d56003e5350?OpenDocument ;

[30] cfr. Constituição da República Portuguesa Anotada, Vol. I, Edição de 2007, Pág. 526.
[31] Cfr. Acórdão do Tribunal Constitucional nº 129/2009 – Processo nº 649/08 – 3ª Secção; Relator Conselheiro Carlos Fernandes Cadilha, acessível e nesta data acedido em http://www.tribunalconstitucional.pt/tc/acordaos/20090129.html.
[32] Cfr. o Assento nº 1/2003 – de que foi Relator o Conselheiro Carmona da Mota - acessível  em https://data.dre.pt/eli/asst/1/2003/01/25/p/dre/pt/html.
[33] Cfr. Acórdão do STJ 21.12.2006 – de que foi Relator o Conselheiro Rodrigues da Costa – acessível em http://www.dgsi.pt/jstj.nsf/954f0ce6ad9dd8b980256b5f003fa814/2417fdbfc4ab784f802572aa003bd962?OpenDocument.
[34] Cfr. Acórdão do STJ 10-01-2007 – de que foi relator o Conselheiro Henriques Gaspar – acessível em http://www.dgsi.pt/jstj.nsf/954f0ce6ad9dd8b980256b5f003fa814/1e3932ea35402b9a802572db00566315?OpenDocument.
[35]Cfr. Acórdão STJ 08.03.2018 – de que foi relator o Conselheiro Carlos Almeida – acessível em http://www.dgsi.pt/jstj.nsf/954f0ce6ad9dd8b980256b5f003fa814/c1b7f0f4be313750802582c8003aba5d?OpenDocument
[36] Cfr. Acórdão da Relação de Lisboa de 17-04-2012, proferido no âmbito do Recurso nº 594/11.5TAPDL-L1-5, de que foi Relator o Desembargador Simões de Carvalho, e que está acessível em http://www.dgsi.pt/jtrl.nsf/33182fc732316039802565fa00497eec/849980283d233cfd802579e6004e401f?OpenDocument.
[37] Cfr. DIAS, AUGUSTO SILVA, in O Direito à não auto-inculpação no âmbito das contraordenações do Código dos Valores Mobiliários - Revista de concorrência e regulação - Coimbra : Almedina, 2010 - A. 1, Nº 1 (Jan.-Mar. 2010), p. 237-265
[38] Cfr. MENDES, PAULO DE SOUSA, in “O Dever de Colaboração e as Garantias de Defesa no Processo Sancionatório Especial por Práticas Restritivas da Concorrência”, in Revista JULGAR - N.º 9 – 2009 – igualmente acessível na internet em http://julgar.pt/wp-content/uploads/2015/11/011-028-O-dever-de-colabora%C3%A7%C3%A3o-e-as-garantias-de-defesa.pdf .
[39] Cfr. POLÓNIA-GOMES, JOANA, in “A Colaboração dos Obrigados Fiscais no Direito das Contraordenações Tributárias”, Ed. Almedina, Coimbra, Setembro de 2018, p. 241.
[40] Cfr. SEIÇA, António Alberto Medina de, in O Conhecimento Probatório do Co-arguido, Boletim da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra, 1999, Coimbra Editora, p. 56 e segs.
[41] Cfr. SEIÇA, António Alberto Medina de, in ob cit, p. 58.
[42] Cfr. SEIÇA, António Alberto Medina de, in ob cit, p. 60.
      [43] Em tal peça processual, o arguido requereu ainda:
a) Que se ordenasse a desconvocação das testemunhas PA… e ID…, aceitando-as como testemunhas abonatórias e determinando a sua inquirição no final de toda a demais prova testemunhal;
b) Que se decidisse se a efectiva vinda de todas as testemunhas de defesa do arguido (à excepção das duas abonatórias e da testemunha ML… cuja inquirição deveria prosseguir com a contra-instância do MP), sem que o arguido delas prescinda, mas manifestando que naquele “momento da produção de prova” não deve formular-lhes qualquer pergunta sobre o objecto dos autos, configura ou não um acto inútil.
[44] Cfr. ALBUQUERQUE, Paulo Pinto de, in Comentário do Código de Processo Penal, 4ª edição actualizada, Universidade Católica Editora - Lisboa 2011, p. 459.
[45] Cfr. Acórdão do Tribunal Constitucional nº 137/2002 – Processo nº 363/01 – Plenário; Relator Conselheiro Sousa e Brito, acessível e nesta data acedido em http://www.tribunalconstitucional.pt/tc/acordaos/20020137.html

[46] In Ob. Cit., p. 877.
[47] In Ob. Cit., p. 880.
[48] Cfr. o Acórdão do STJ de 24 de Maio de 2006 - Relator Henriques Gaspar, acessível em http://www.dgsi.pt/jstj.nsf/954f0ce6ad9dd8b980256b5f003fa814/cb5eb715658ce2ae802572110031b484?OpenDocument.
[49] Cfr. a decisão proferida em 21 de Janeiro de 2013 pelo Exmo. Sr.
Vice-Presidente do Tribunal da Relação do Porto, António Gama Ferreira Ramos, acessível em
http://www.dgsi.pt/jtrp.nsf/56a6e7121657f91e80257cda00381fdf/e80dc9c38c71cdde80257c780033b1e0?OpenDocument.

[50] A decisão refere-se ao C.P.Civil de 1961, correspondendo o preceito legal ao actual nº 4 do artigo 152º do C.P.Civil.
[51]Cfr. FERREIRA, Amâncio, in Manual dos Recursos em Processo Civil, 3ª edição, p. 111.
[52] Cfr. Acórdão do Tribunal Constitucional nº 110/2011 – Processo nº 691/10 – 3ª Secção; Relator Conselheiro Vítor Gomes, acessível e nesta data acedido em http://www.tribunalconstitucional.pt/tc/acordaos/20110110.html.

[53] Cfr. SILVA, Germano Marques da, Direito Processual Penal Português – Do Procedimento (Marcha do Processo), Vol 3, Universidade Católica Editora, Lisboa 2015, pp. 225-226.
[54] In ob. cit., p. 209.
[55] Em tribunal de estrutura colegial, a competência para ordenar a produção de novos meios de prova (artigo 340º do CPP), caberá ao tribunal colectivo – cfr. o comentário do Juiz Conselheiro António Jorge de Oliveira Mendes, in Código de Processo Penal Comentado, Almedina, Coimbra 2014, p. 1054.
[56] Cfr. ALBUQUERQUE, Paulo Pinto de, in Comentário do Código de Processo Penal – 4ª Edição actualizada, Universidade Católica Editora, Lisboa, 2011, p. 850, citando MEYER-GÖSSNER, 2007, em anotação ao § 229º da StPO alemã.
[57] Cfr António Jorge de Oliveira Mendes, in Código de Processo Penal Comentado, Almedina, Coimbra 2014, p. 1106.
[58] In ob. cit., p. 210.
[59] Cfr. BRANDÃO, Nuno, in Era uma vez o princípio da concentração temporal – Notas sobre a revisão do artigo 328º do CPP, Revista Julgar nº 28, Janeiro / Abril 2016, pp. 108 a 110.
[60] Acessível e nesta data acedido em http://www.dgsi.pt/jstj.nsf/954f0ce6ad9dd8b980256b5f003fa814/817f446416a75cfb8025759a004b5d49?OpenDocument

[61] Cfr. Acórdão do STJ de 06.10.2004 – Relator: Cons. Henriques Gaspar, acessível em http://www.dgsi.pt/jstj.nsf/954f0ce6ad9dd8b980256b5f003fa814/c8a4967f9c40e6d7802571bc003a96ce?OpenDocument.
[62] Cfr. Ac. TC 614/2003, proferido no âmbito do Processo n.º 684/03 - 2ª Secção – Relator: Cons. Paulo Mota Pinto – acessível em http://www.tribunalconstitucional.pt/tc/acordaos/20030614.html.

[63] Cfr. Acórdão do Tribunal Constitucional nº 839/1993, proferido no âmbito do Processo nº 543/93 - 1ª Secção - Relator: Conselheiro Monteiro Diniz – acessível e nesta data acedido em http://www.tribunalconstitucional.pt/tc/acordaos/19930839.html
[64] cfr. SILVA, Germano Marques da, in "Curso de Processo Penal", I, Lisboa, Editora Verbo, Junho de 2008, p. 177.
[65] Cfr. Acórdão do TC nº 21/2012, proferido no âmbito do Proc n.º 483/11 - 2.ª Secção - Relator: Conselheiro João Cura Mariano – acessível em http://www.tribunalconstitucional.pt/tc/acordaos/20120021.html.
[66] Cfr. Acórdão da Relação de Guimarães de 21-11-2016, proferido no âmbito do processo nº 134/12.9IDBRG - Relator Fernando Paiva Gomes M. Pina – acessível em http://www.dgsi.pt/jtrg.nsf/86c25a698e4e7cb7802579ec004d3832/1efeda534d8b25498025808e003b1b09?OpenDocument.
[67] Cfr. decisão do conflito de competência, datada de 11 de Outubro de 2016, proferida pelo Juiz Presidente da Secção Criminal do Trib. da Rel. de Évora, Desembargador Fernando Ribeiro Cardoso, acessível em: (http://www.dgsi.pt/jtre.nsf/134973db04f39bf2802579bf005f080b/abe66ee153dff40c80258057004cbdd8?OpenDocument

[68] Cfr. Acórdão da Relação de Évora de 27.09.2011, proferido no âmbito do Processo nº 13/05.6GBSTB.E1 – Relator: Sérgio Corvacho – acessível em: http://www.dgsi.pt/jtre.nsf/134973db04f39bf2802579bf005f080b/1fe56bb192011f2780257de10056f5d0?OpenDocument

[69] Cfr. GASPAR, António Henriques, in Código de Processo Penal Comentado, Almedina, Coimbra 2014, pp. 97 e 98.
[70] A questão foi equacionada, nestes precisos termos, no âmbito da decisão da Reclamação tramitada no Tribunal da Relação de Lisboa sob o nº 121/08.1TELSB.J.L1-9, decisão essa acessível em http://www.dgsi.pt/jtrl.nsf/33182fc732316039802565fa00497eec/3d0d93d78289a9d380257e680033ec8b?OpenDocument. No entanto, aí, como expressamente consignou o então Vice Presidente da Relação, Desembargador Orlando Nascimento, a resolução da questão era desnecessária para decisão da reclamação, razão pela qual não foi a mesma abordada. Nesta sede, bem ao contrário, a busca de resposta para a questão mostra-se incontornável.
[71] Cfr. a decisão de conflito negativo de competência proferida em 17.03.2009, pelo então Presidente da Secção Criminal do Tribunal da Relação de Évora, Desembargador Orlando Afonso, no âmbito do processo nº 3214/08-1, acessível em http://www.dgsi.pt/jtre.nsf/134973db04f39bf2802579bf005f080b/af844f20d1630e5e80257de100574e06?OpenDocument.
[72] Cfr. o Ac Rel Porto de 8/3/2017 - 1ª secção criminal – proferido no âmbito do Proc. nº 5544/11.6TAVNG-U.P1 – Relatora: Lígia Figueiredo – acessível em: http://www.dgsi.pt/jtrp.nsf/56a6e7121657f91e80257cda00381fdf/511f2ceb99fc3d3b802580ea005921b3?OpenDocument.
 
[73] Cfr. CORREIA, Eduardo, A Teoria do Concurso em Direito Criminal –II Caso Julgado e Poderes de Cognição do Juiz, Coimbra, Almedina, reimp., 1983, págs. 305 e 317.
[74] Em sentido divergente, poderá ver-se o Ac. da Relação do Porto de 09-12-2004 – Relatora: Élia São Pedro – acessível e nesta data acedido em http://www.dgsi.pt/jtrp.nsf/56a6e7121657f91e80257cda00381fdf/ea6acbaefed559d180256f710033bb79?OpenDocument, onde se pode ler:
“(…) o único índice de conexão legalmente estabelecido é o mesmo agente ter cometido vários crimes, cujo conhecimento seja da competência de tribunais com sede na mesma comarca. Nem se diga que esta expressão “o mesmo agente” afasta as hipóteses em que haja uma pluralidade de agentes. Havendo uma pluralidade de agentes, a melhor leitura da lei é, em nosso entender, a que faz depender a conexão apenas da prática, por um mesmo agente, de vários crimes na área da mesma comarca. Não faria qualquer sentido afastar a conexão, ao abrigo do art. 25.º do C.P.Penal, quando vários agentes tivessem cometido, em co-autoria, na área da mesma comarca, vários crimes. É assim claro que, da letra do citado preceito, só pode extrair-se a conclusão de que é de todo em todo irrelevante que o mesmo agente tenha praticado só, ou em qualquer outra forma de participação criminosa, vários crimes na área da mesma comarca.
                Por um lado, a razão de ser deste elemento de conexão é a economia processual, com a consequente vantagem do agente poder ser julgado conjuntamente pelos vários crimes praticados, para efeitos de aplicação de uma pena única, em razão do concurso de crimes (art. 77.º do C.Penal) […]. Esta razão subjacente à referida conexão processual é prosseguida mesmo que o julgamento conjunto arraste o julgamento de outros arguidos.”.
[75] Cfr. os Acórdãos do Tribunal da Relação do Porto de 06-07-2005 e de 08-03-2017, proferidos nos processos 0443684 e 5544/11.6TAVNG-U.P1; e as decisões dos Srs. Presidentes de Secções Criminais da Relação do Porto de 04-07-2014 (proc. n.º 589/12.1GAVNF-B.P1), da Relação de Évora de 21-05-2015 (proc. n.º 52/15.9YREVR) e da Relação de Coimbra de 14 de Novembro de 2018, todos publicados in www.dgsi.pt.,
[76] Cfr. o Acórdão da Relação de Évora de 22 de Outubro de 2018 – proferido no âmbito do Processo nº 236/15.0GBABF.E1 – Relatora: Desembargadora Ana Barata Brito – acessível em: http://www.dgsi.pt/jtre.nsf/134973db04f39bf2802579bf005f080b/c6fcf3009e616cef8025838a00404ee1?OpenDocument


[77] Cfr. Acórdão da Relação de Lisboa de 4 de Out. de 2018 – Relator: Calheiros da Gama – acessível em:
http://www.dgsi.pt/jtrl.nsf/33182fc732316039802565fa00497eec/1d3382f6dec19b488025834a00311de9?OpenDocument;


[78] Relembramos que o Tribunal a quo afirmou que “O instituto do desconto a que alude o art. 80º, n.º 1 do C.P. terá inteira aplicabilidade. Dispõe esta norma: “A detenção, a prisão preventiva e a obrigação de permanência na habitação sofridas pelo arguido são descontadas por inteiro no cumprimento da pena de prisão, ainda que tenham sido aplicadas em processo diferente daquele em que vier a ser condenado, quando o facto por que for condenado tenha sido praticado anteriormente à decisão final do processo no âmbito do qual as medidas foram aplicadas”. Ou seja:
1) Se o arguido for condenado nos presentes autos em pena de prisão efectiva, a privação de liberdade já sofrida será descontada na pena a cumprir;
2) Sendo absolvido nos presentes autos, considerando que os factos pelos quais foi pronunciado no P.C.C. n.º …/…TELSB e, em abstracto, pelos quais poderá vir a ser condenado em pena de prisão efectiva, serão sempre necessariamente anteriores à data em que será proferida decisão final no nosso processo, poderá operar-se, naquele processo, o desconto da privação de liberdade a que o arguido esteve sujeito nos nossos autos;
3) “Mutatis mutandis”, mesmo que haja condenação em ambos os processos, independentemente do trânsito em julgado da decisão em qualquer um deles, e também no caso de absolvição num e condenação no outro, independentemente do processo em que se verifique a absolvição/condenação.”.

[79] As referências ao processo nº …/…TELSB devem-se a mero lapso de escrita, que se deve considerar eliminado, por ser manifesto que o Ministério Público se pretendia referir ao processo crime n.º …/…TELSB.
[80] Sob a epígrafe “Impedimentos”, dispõe o artigo 133º do Código de Processo Penal (na redacção introduzida pela Lei nº 48/2007, de 29 de Agosto, que já vigorava à data em que foi proferida a decisão recorrida e continua, atualmente, em vigor):
“1 - Estão impedidos de depor como testemunhas:
a) O arguido e os co-arguidos no mesmo processo ou em processos conexos, enquanto mantiverem aquela qualidade;
(…)
2 - Em caso de separação de processos, os arguidos de um mesmo crime ou de um crime conexo, mesmo que já condenados por sentença transitada em julgado, só podem depor como testemunhas se nisso expressamente consentirem.”.
[81] De novo remetemos para a leitura do Acórdão do Tribunal Constitucional nº 340/2013 – Processo nº 817/12 – 2ª Secção; Relator Conselheiro João Cura Mariano, acessível em http://www.tribunalconstitucional.pt/tc/acordaos/20130340.html
[82] Cfr. uma vez mais o douto Acórdão do Tribunal Constitucional nº 108/2014 – Processo nº 933/13 – 2ª Secção; Relator Conselheiro João Cura Mariano, acessível em http://www.tribunalconstitucional.pt/tc/acordaos/20140108.html.
[83] Revejam-se, nesse sentido, o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 15 de Abril de 2015, proferido no Recurso nº 213/05.9TCLSB.L1.S1 – Relatora Conselheira Isabel Pais Martins, acessível em http://www.dgsi.pt/jstj.nsf/954f0ce6ad9dd8b980256b5f003fa814/353e9b9903faff3180257e2a00501418?OpenDocument, e o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 25 de Junho de 2014, proferido no Recurso nº 8/12.3GDMDL-A.S1 – Relator Conselheiro Santos Cabral, acessível em http://www.dgsi.pt/jstj.nsf/954f0ce6ad9dd8b980256b5f003fa814/521c6877a6b6c03f80257d56003e5350?OpenDocument.

[84] Cfr., de novo, SEIÇA, António Alberto Medina de, in O Conhecimento Probatório do Co-arguido, Boletim da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra, 1999, Coimbra Editora, p. 56 e segs.
[85] Cfr. SEIÇA, António Alberto Medina de, in ob cit, p. 58.
[86] Cfr. SEIÇA, António Alberto Medina de, in ob cit, p. 60.
[87] O processo nº …/…TELSB veio a ser arquivado ainda em fase de inquérito, sem que tenha havido qualquer apreciação judicial sobre a matéria que aí se encontrava em exame. Tal circunstância não ocorrera ainda à data em que foi proferida a decisão sob recurso.


[88] Assim, nas alegações de recurso do arguido pode ler-se: “De facto, salvo o devido respeito, que é muito, se inequivocamente se imputa na pronúncia dos autos aos Arguidos uma estratégia de criação de “centros de custos” do BPN/SLN que alegadamente permitiram aumentar, de forma fictícia, os resultados desta instituição financeira e, consequentemente, os resultados da BPN - SGPS,SA (sub-holding da área financeira) e depois da própria SLN-SGPS, SA, vertidos na sua contabilidade consolidada enquanto “holding” do Grupo (onde eram aglutinados os resultados das diversas “sub-holdings” correspondentes às diversas áreas de negócio desenvolvidos pelo Grupo, como o imobiliário, o financeiro, o hoteleiro e outros), torna-se evidente que os processos punitivos relativos ao produto financeiro das “contas investimento”, alegadamente financiado pelas sociedades JARED e VENICE (que mais tarde transmitiu a sua posição de credora à sociedade SOLRAC), são conexos com os presentes autos, por visarem directamente a alegada “falsificação” das mesmas contabilidades a que reportam os presentes autos – a do BPN, SA, em primeira linha, a da BPN-SGPS, SA (enquanto sub-holding da área financeira) e a da SNL – SGPS, SA, enquanto “holding” onde se consolidavam, a final, os resultados obtidos pela área financeira do Grupo.”

[89] A decisão em referência, recordemo-nos, inicia-se, precisamente, com o seguinte trecho: “Pelas razões constantes do despacho de fls. 45690 a 45694 e que aqui se dão integralmente por reproduzidas, determinou-se a notificação de “todos os sujeitos processuais para, querendo (…) se pronunciarem sobre a eventual alteração da ordem legal de produção de prova, no sentido de terminada a inquirição das testemunhas de defesa do arguido RO… e não sendo viável, então, prosseguir com a inquirição das restantes testemunhas de acusação ainda não inquiridas, o Julgamento prosseguir com a inquirição das testemunhas de defesa arroladas pelos restantes arguidos”, sendo que nela se referem as posições que, na sequência de tal notificação, vieram assumir o M.P. e assistentes (fls. 46099 a 46103 e 46085 e 46086), bem como os arguidos JRo… (fls. 46080 a 46082 e 46107 a 46109), RJ… (fls. 46114 a 46118),  OC… (fls. 46119 a 46128), JV… (fls. 46131), FS… (fls. 46134), FB… (fls. 46153 a 46156) e LA… (fls. 46158 a 46161).
Em tal decisão, o primeiro ponto do dispositivo teve o seguinte conteúdo: “1) Determinar a alteração da ordem legal de produção de prova no sentido de se iniciar a inquirição das testemunhas de defesa sem que esteja terminada a inquirição de todas as testemunhas de acusação (art. 348º, n.º 2 do C.P.P.), sem prejuízo do direito dos arguidos de, após inquirição das testemunhas de acusação ainda em falta, requererem a reinquirição de alguma(s) testemunha(s) de defesa se assim o entenderam como útil e necessário à sua defesa;”.
[90] [11] FIGUEIREDO DIAS, RLJ 128º p. 344
[91] Cfr. SEIÇA, António Alberto Medina de, in O Conhecimento Probatório do Co-arguido, Boletim da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra, 1999, Coimbra Editora, p. 18 e segs.
[92] Essa vantagem está, habitualmente, relacionada com a economia processual, o aproveitamento de provas e a não contradição de julgados.
[93] Cfr. Acórdão da Relação de Lisboa de 4 de Out. de 2018 – Relator: Calheiros da Gama – acessível em:
http://www.dgsi.pt/jtrl.nsf/33182fc732316039802565fa00497eec/1d3382f6dec19b488025834a00311de9?OpenDocument;

[94] Cfr. SEIÇA, António Alberto Medina de, in O Conhecimento Probatório do Co-arguido, Boletim da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra, 1999, Coimbra Editora, p. 56 e segs.
[95] Cfr. SEIÇA, António Alberto Medina de, in ob cit, p. 58.
[96] Sobre o princípio da proibição do excesso poderá consultar-se a recente (2016) tese de doutoramento de Vitalino Canas, intitulada “O princípio da proibição do excesso : em especial, na conformação e no controlo de atos legislativos”, acessível em http://repositorio.ul.pt/handle/10451/26307, podendo ali perceber-se como o referido princípio, regularmente aplicado pelo Tribunal Constitucional, é considerado por muitos o mais importante princípio do Direito Constitucional gerado pelas perspectivas pós-positivistas do direito e o centro da dogmática dos direitos fundamentais.

[97] Cfr. Ob. Cit., p. 123.
[98] Na língua italiana “Riunione di processi”.
[99] Na língua italiana “Separazione di processi”.


[100] Cfr. Lebre de Freitas, João Rendinha e Rui Pinto, “Código de processo Civil Anotado”, vol. 1º, 1999, pág. 33.
[101] Onde se requereu: “Termos em que, deve ser declarada a irregularidade processual decorrente da violação do princípio da igualdade de armas e do processo equitativo (artigos 20.º, n.º 4, da CRP e 6.º da CEDH), com as legais consequências (artigo 123.º, n.º 1 do CPP).”
[102] Cfr. ALBUQUERQUE, Paulo Pinto de, in Comentário do Código de Processo Penal, 4ª edição actualizada, Universidade Católica Editora - Lisboa 2011, p. 459.
[103] Cfr. Acórdão do Tribunal Constitucional nº 137/2002 – Processo nº 363/01 – Plenário; Relator Conselheiro Sousa e Brito, acessível e nesta data acedido em http://www.tribunalconstitucional.pt/tc/acordaos/20020137.html
[104] Cfr. o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 10 de Fevereiro de 2010 – Relator: Pires da Graça – acessível em: http://www.dgsi.pt/jstj.nsf/954f0ce6ad9dd8b980256b5f003fa814/94930927fa0f4039802576e800434c41?OpenDocument
[105] Cfr. o Ac. do STA de 15 de Maio de 2003, relator – Cândido Pinho - disponível em: http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/c8b62e8b652da5ff80256d3500348ebc?OpenDocument&ExpandSection=1.
[106] Cfr. "designadamente", in Dicionário Priberam da Língua Portuguesa on-line, acessível e acedido em https://dicionario.priberam.org/designadamente.
[107] Cfr. MILHEIRO, Tiago Caiado, in Comentário Judiciário do Código de Processo Penal, Tomo II, Edições Almedina, Janeiro de 2019, p. 762.
[108] Cfr. Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 17 de Março de 2004 – Relator: Henriques Gaspar – acessível em http://www.dgsi.pt/jstj.nsf/954f0ce6ad9dd8b980256b5f003fa814/df8928d389e21944802571b8004aaae9?OpenDocument
[109] O Recorrente indica como decisão recorrida, o “douto Despacho de 16.12.2015, de fls. 53636 a 53648, na parte em que decide «Indeferir o requerido pela arguida IC… a fls. 52559 a 52948, designadamente “determinar a junção de todas as intercepções telefónicas efectuadas no âmbito do processo n.º …/…TELSB e que correspondem aos autos constantes do documento nº 4» e, por considerar que se mostravam prejudicadas, «não tomar conhecimento das irregularidades, nulidades, inconstitucionalidade, violação do princípio da igualdade de armas, vícios invocados, na parte respeitante a cada um, pelos  arguidos IC… (fls. 52559 a 52948), OC… (fls. 53171 a 53186) e LC… (fls. 53376 a 53384)».
[110] Deverá notar-se que na 1ª conclusão (cfr. fls. 53898) o Recorrente indica restritivamente como decisão recorrida, a “Decisão datada de 16.12.2015, de fls. 53636 a 53648, mediante a qual o Tribunal a quo decidiu indeferir o requerido pela Arguida IC… a que expressamente aderiu o ora Recorrente LC…, e, consequentemente, não determinar a junção aos presentes autos dos suportes técnicos das conversações ou comunicações gravadas no âmbito do inquérito …/…TELSB”.
[111] Cfr. Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 9 de março de 2017 – Relator: Manuel Braz – acessível em:
http://www.dgsi.pt/jstj.nsf/954f0ce6ad9dd8b980256b5f003fa814/110520d98b71c407802580e5003ae3e8?OpenDocument
[112] Cfr. Ac. do Tribunal Constitucional nº 70/2008 (Plenário) - Processo n.º 1015/07 - Relator: Conselheiro Carlos Fernandes Cadilha – acessível em http://www.tribunalconstitucional.pt/tc/acordaos/20080070.html.
[113] Os despachos então mantidos nos seus precisos termos consistiam nas seguintes decisões:
1) Indeferimento do requerido pelo arguido OC… a fls. 53053 a 53065 – requerimento para que se oficiasse à Assistente BIC, S.A., em ordem a que a mesma juntasse “aos autos o(s) documento(s) de onde se extraia, de forma clara, o volume do crédito concedido através do Banco Insular em 31 de Dezembro de cada ano, desde 2001 até 2008, com discriminação do valor relativo ao balcão «dentro» e «fora de balanço», especificando ainda o volume de crédito concedido pelos dois balcões à data de 30.6.2008, por ser a data considerada no artigo 218º da pronúncia” – indeferimento esse fundado na circunstância de a diligência não se afigurar necessária à descoberta da verdade e à boa decisão da causa e pelo facto de se apresentar como irrelevante e supérflua face à prova documental e testemunhal constante e produzida nos autos (art. 340º, n.ºs 1 e 4, al. a) do C.P.P.);
2) Indeferimento do requerido pelo arguido OC… a fls. 53066 a 53097, por não se afigurar com importância para a descoberta da verdade material e boa decisão da causa, porque as diligências probatórias requeridas e os documentos pretendidos juntar são irrelevantes e supérfluos e inadequados ao propósito pretendido pelo arguido, ao abrigo do disposto no art. 340º, n.ºs 1 e 4, als. a) e b) do C.P.P. – sendo que o arguido OC… requerera, para além da junção aos autos de dois contratos de cessão celebrados entre BPN Cayma e BPN IFI e o BPN, S.A, a notificação da assistente BIC, S.A. para juntar aos autos:
- (i) cópia de todos os contratos de dação em pagamento ou cessão de créditos que não se achem nos autos, e ou cessão de créditos que o BPN, S.A., o BPN IFI e ou o BPN Cayman tenham celebrado entre si ou com o Banco Insular relativamente aos créditos concedidos através do balcão 1 e 2;
- (ii) cópia de todos os contratos de dação em pagamento, e ou cessão de créditos que o BPN, S.A., o BPN, IFI e ou BPN Cayman tenham celebrado entre si relativamente ao crédito (interbancário) concedido através das contas correspondentes (contas “nostro”) ao Banco Insular;
- (iii) subsidiariamente, na falta de contrato, “deliberação do Conselho de Administração , ou o instrumento jurídico que tenha decidido, ou suportado, a integração do valor remanescente do balanço do Banco Insular no balanço daqueles bancos, informando ainda a data de tal integração e se foi, ou não, realizada pelo valor do capital e juros;
- (iv) informar se, na sequência das diversas cessões de créditos celebradas, se verificou na contabilidade do BPN, S.A., do BPN IFI ou do BPN Cayman algum prejuízo decorrente da aquisição/integração dos créditos concedidos pelo Banco Insular;
- (v) juntar aos autos cópia do contrato de cessão de créditos pelo BPN, S.A. à Parvalorem, S.A..
[114] O Recurso então interposto incluía dois segmentos recursórios, sendo certo que nesta sede nos ocupamos apenas do segundo segmento.
[115] Cfr. Acórdão do Tribunal Constitucional nº 137/2002 – Processo nº 363/01 – Plenário; Relator Conselheiro Sousa e Brito, acessível e nesta data acedido em http://www.tribunalconstitucional.pt/tc/acordaos/20020137.html
[116] Cfr. Henriques Gaspar, in Código de Processo Penal Comentado, Edições Almedina, 2014, em anotação ao artigo 10º, pp. 53 e 54.
[117] Cfr. Henriques Gaspar, in Código de Processo Penal Comentado, Edições Almedina, 2014, p. 389.
[118] Cfr. Paulo Pinto de Albuquerque, in Comentário do Código de Processo Penal, 4ª edição actualizada, Universidade Católica Editora, 2011, p. 85.
[119] Acórdão citado in Código de Processo Penal Comentado, Edições Almedina, 2014, p. 412.
[120] Cfr. Paulo Pinto de Albuquerque, in Ob. cit., p. 89.
[121] Cfr. Paulo Pinto de Albuquerque, in Ob. cit., p. 90.
[122] Como referimos antes, o Recurso então interposto incluía dois segmentos recursórios, sendo certo que nesta sede nos ocupamos do primeiro segmento, posto que já apreciado o segundo.
[123] Citamos aqui a decisão na sua versão corrigida do lapso de escrita, de que padecia na versão primitiva, na qual era mencionado estarem as exposições rejeitadas a “fls. 56559 a 56619” – cfr. despacho proferido nos termos do artigo 380º, nº 1, al. b, do CPP, a fls. 56940vº).
[124] Cfr. António Henriques Gaspar, in Código de Processo Penal Comentado, Editora Almedina, Coimbra, 2014, p. 331.
[125] Cfr. o estudo “Exposições, Memoriais e Requerimentos Ipso facto - Auto-Representação Judiciária” da autoria do Juiz de Direito José Alfredo Gameiro Costa, recentemente publicado na Revista do Ministério Público, nº 154, Abril/Junho 2018,  pp. 193-208, e igualmente acessível em http://rmp.smmp.pt/wp-content/uploads/2018/07/8.RMP_154_JCo....pdf

[126] Cfr. o já citado estudo “Exposições, Memoriais e Requerimentos Ipso facto - Auto-Representação Judiciária”, onde José Alfredo Gameiro Costa escreve: “Esta premissa é de enorme importância na prática processual penal, pois, cada vez com mais frequência, se começa a verificar a propensão para os ilustres profissionais do foro, no âmbito da representação forense de arguidos, especialmente em processos de natureza mediática, lançarem mão do artigo 98.º do CPP para, assim, intervirem no âmbito dos processos através de requerimentos por si elaborados e subscritos, com a finalidade de verem apreciadas questões que de outra forma se viam impedidos de apresentar ao tribunal. Ora, na nossa perspectiva e entendimento, o artigo 98.º do CPP tem pressupostos bem definidos e não pode ser utilizado para estes tipos de expedientes processuais, como iremos ver mais à frente”.
[127] Cfr. o Ac. da Relação de Évora de 24 de Setembro de 2013 – Relator: Proença da Costa, acessível em http://www.dgsi.pt/jtre.nsf/134973db04f39bf2802579bf005f080b/b9469dc001e872c580257de10056fce3?OpenDocument , onde a propósito se escreve:
Como se vem entendendo, consagra-se em tal preceito legal quer o direito de petição previsto no art.º 52.º, n.º1, da Lei Fundamental, bem como o direito da intervenção probatória previsto no art.º 32.º, n.º 7, da mesma Lei.
Ora, se de tal consagração constitucional – direito de petição - decorre que todos os cidadãos têm direito, individual ou colectivamente, a apresentar às autoridades públicas petições, representações, reclamações ou queixas para defesa dos seus direitos constitucionalmente consagrados, entende-se o alcance, nessa linha de pensamento do citado preceito legal, ao estender tal direito de petição ao arguido e bem assim aos demais sujeitos processuais que intervenham no processo penal.
O que levou o Conselheiro Maia Gonçalves a referir, a respeito, que a apresentação de exposições e memoriais integra-se no direito de petição, que até tem assento constitucional – art.º 52.º, n.º 1, da CRP -, sendo aqui uma incidência no processo penal quanto aos intervenientes processuais. O n.º2 não visou de modo algum restringir esse direito, mas tão só estabelecer a forma que deve revestir a apresentação dos requerimentos dos intervenientes processuais que não sejam arguidos.”
[128] A circunstância de se garantir espaço para a auto-defesa não deve iludir - a nossa lei adjectiva penal impõe a defesa técnica – vide artigos 61º, 62º e 64º do Código de Processo Penal -, não obstante o disposto no artigo 6º, nº 3, al. c), da Convenção Europeia dos Direitos do Homem, o que tem sido entendido pelo Tribunal Constitucional como perfeitamente harmónico com a Constituição da República.
[129] A propósito, no já citado estudo “Exposições (…)”, José Alfredo Gameiro Costa escreve:  “Os memoriais, exposições e requerimentos não podem ser assinado pelo defensor, pois neste caso passariam a entrar na esfera da defesa técnica do arguido que o artigo 98.º do CPP não contempla, e não podem servir para que o arguido substitua a intervenção do respectivo advogado, nomeadamente naqueles atos em que se colocam especiais exigências de rigor jurídico”.

[130] Cfr. Paulo Pinto de Albuquerque, in Comentário do Código de Processo Penal, 4ª edição actualizada, Universidade Católica Editora, 2011, p. 85.
[131] Cfr. Paulo Pinto de Albuquerque, in Ob. cit., p. 89.
[132] Cfr. Paulo Pinto de Albuquerque, in Ob. cit., p. 90.
[133] Cfr. o Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 3/2013, proferido no Processo n.º 735/12 - 3.ª Secção - Relatora: Conselheira Maria José Rangel de Mesquita, acessível em http://www.tribunalconstitucional.pt/tc/acordaos/20130003.html
[134] Cfr. o Acórdão da Relação de Coimbra de 3 de Junho de 2015 – Relatora: Cacilda Sena, acessível em:
http://www.dgsi.pt/jtrc.nsf/8fe0e606d8f56b22802576c0005637dc/a9802733e3c127fa80257e61004d81d0?OpenDocument

[135] Cfr. o Acórdão da Relação de Guimarães de 6 de Maio de 2013, acessível em: http://www.dgsi.pt/jtrg.nsf/86c25a698e4e7cb7802579ec004d3832/b04f114efa278ff380257b74004992fe?OpenDocument , onde sobre a necessidade da defesa técnica, se pode ler: “Ora, tal só verdadeiramente se alcançará quando o Arguido esteja assistido por Advogado, sendo que por essa forma melhor de salvaguardará o direito de «acesso (…) aos tribunais», constitucionalmente garantido Nos termos do artigo 20.º, n.ºs 1 e 2, da Constituição da República Portuguesa «1. A todos é assegurado o acesso ao direito e aos tribunais para defesa dos seus direitos e interesses legalmente protegidos, não podendo a justiça ser denegada por insuficiência de meios económicos. 2. Todos têm direito, nos termos da lei, à informação e consulta jurídicas, ao patrocínio judiciário e a fazer-se acompanhar por advogado perante qualquer autoridade».
[136] Cfr. Ac. da Rel. de Évora de 24 de Setembro de 2013 – Relator: José Proença da Costa -  acessível em:
http://www.dgsi.pt/jtre.nsf/134973db04f39bf2802579bf005f080b/b9469dc001e872c580257de10056fce3?OpenDocument .

[137] Cfr. José Alfredo Gameiro Costa, in Ob. Cit.
[138] Cfr. Acórdão da Relação de Guimarães, de 9 janeiro 2017 – Relatora:
Paula Maria Roberto – acessível em:
http://www.dgsi.pt/jtrg.nsf/86c25a698e4e7cb7802579ec004d3832/6be4b318d6ff1e30802580b100518051?OpenDocument.
[139] Este Tribunal, como já resulta do relatório supra, não ignora a circunstância de o escrito apresentado e ora em apreço ter ipsis verbis o teor de exposição anteriormente apresentada nos autos e subscrita pelo Mandatário do arguido. Trata.se, no entanto, de acto distinto, dada a diferente qualidade do seu subscritor e, tendo essa qualidade presente, apreciaremos o recurso.
[140] Cfr Teresa Pizarro Beleza e Frederico de Lacerda da Costa Pinto, in Direito Processual Penal, Objecto do Processo, Qualificação Jurídica e Caso Julgado, Lisboa, 2001, p. 12.
[141] Cfr. Acórdão do Tribunal Constitucional nº 137/2002 – Processo nº 363/01 – Plenário; Relator Conselheiro Sousa e Brito, acessível e nesta data acedido em http://www.tribunalconstitucional.pt/tc/acordaos/20020137.html
[142] Cfr. o Ac. da Relação de Coimbra de 14 de Janeiro de 2015 – Relator: Fernando Chaves – acessível em: http://www.dgsi.pt/jtrc.nsf/8fe0e606d8f56b22802576c0005637dc/b128b7f4d8e6dfc880257dcf00424113?OpenDocument.
[143] Cfr. o Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 216/2019, proferido no Processo n.º 558/18 - 2.ª Secção - Relatora: Conselheira Catarina Sarmento e Castro, acessível em http://www.tribunalconstitucional.pt/tc/acordaos/20190216.html.
[144] Cfr., entre outros, os quatro documentos que, em suporte informático, o arguido recorrente juntou aos autos em 9 de Dezembro de 2013, com o seu requerimento de fls. 41628 e segs – designadamente, como documento nº 1, o despacho de acusação e a pronúncia do processo …/…TELSB; como documento nº 2, o despacho de acusação do processo n.º …/…TELSB; como documento nº 3, a acusação e a decisão administrativa condenatória do processo nº …/…/CO; como documento nº 4, a acusação do processo n.º …/….
[145] Note-se que não ocorreu qualquer omissão de pronúncia, tendo o Tribunal a quo decidido também quanto ao processo nº …/…, apresentando os fundamentos dessa decisão.
[146] Cfr. o Ac. da Relação de Coimbra de 14 de Janeiro de 2015 – Relator: Fernando Chaves – acessível em: http://www.dgsi.pt/jtrc.nsf/8fe0e606d8f56b22802576c0005637dc/b128b7f4d8e6dfc880257dcf00424113?OpenDocument
[147] Cfr. o Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 216/2019, proferido no Processo n.º 558/18 - 2.ª Secção - Relatora: Conselheira Catarina Sarmento e Castro, acessível em http://www.tribunalconstitucional.pt/tc/acordaos/20190216.html.
[148] Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 19.11.1997, no proc. 97P290, disponível no site dgsi.pt. No mesmo sentido, entre muitos outros, o acórdão do Tribunal da Relação de Évora de 3.3.2015, no proc. 420/02.6PATVR.E1, no mesmo site. A conformidade constitucional dessa interpretação também já foi confirmada pelo Tribunal Constitucional (acórdão do Tribunal Constitucional, nº 87/99, DR, II Série de 1.7.1999)  
[149] Acórdãos do Tribunal Constitucional nº 189/99, 396/03 e 281/05, na IIª série do DR de 17.2.2000, 4.2.04 e de 6.7.05.
[150] Vide, no mesmo sentido, Ac. STJ, 10.3.2004, proc. nº 4024/03-3ª, in www. dgsi.pt; Acórdãos do STJ de 17.0702, 10.05.2006, 14.06.06, e 31.10.2007, mencionados em Código de Processo Penal Comentado, 2014, António Henriques Gaspar e outros, pág. 1128).
[151] No corrente entendimento jurisprudencial, terá tal natureza o despacho que, cumulativamente, não decidindo qualquer questão de forma ou de fundo, tem a finalidade de determinar o regular andamento do processo, fundando-se no pressuposto de que do seu conteúdo não surge qualquer interferência no conflito de interesses entre as partes ou, no caso do processo-crime, qualquer alteração ou diminuição de garantias de defesa.
É um despacho interlocutório, de mero ordenamento processual; isto é, não tem qualquer finalidade decisória imediata em si ínsita, não determina a negação ou a concessão de uma qualquer pretensão apresentada perante um juiz.
É um mero instrumento de trabalho, através do qual o julgador regula uma determinada actividade processual, no sentido de melhor se poder pronunciar sobre uma determinada questão que lhe é apresentada.
Com a sua prolação, o juiz não esgota o seu poder jurisdicional, não ocorrendo qualquer caso julgado relativamente ao mesmo.
[152] Vide conclusões 266.º, 288.º, 461.º, 552.º, 553.º, 554.º e 921.º do arguido JO….
[153] Vide  motivação do arguido FS…:
1. Despacho de 26.03.2013:
Para efeitos da matéria da pronúncia a sob as epígrafes "Constituição do Banco Português de Negócios" (factos 1° a 6°),1 "Estratégia" (factos 7° a 14°) e "Controle accionista" (transversal a grande parte da pronúncia e, em particular, arts. 297° e segs.) poderá ter interesse a seguinte documentação constante do "apenso informático 33", indicando-se o respectivo caminho:
- 0:\4910_ 08.9\12\MAIL\BCS _20Q90 104\users\fbn\Mail\outlook.pst\Itens Enviados\Acordos de Investimento.msg (mail de FB… para FS… e anexo "acordo de investimento - nomes.doc");
Doc. n.º 1: Escritura pública de constituição da sociedade BPN SGPS, S.A. e documento complementar (19 págs.);
Caminho: 0:\14910_08.9\30\287\C\CFGA\POSTOS DE TRABALHO\IC… \D\IC…_Ficheiros Vários\IMC\SLN-Direcções de Serviços\ACTOS E CONTRATOS GRUPO SLN \Docs. Actos e Contratos Scaner\1999_10_27 _ Escritura de Constituição _ BPN, SGPS, SA; (factos 8°, 19º, 31º e 91º da pronúncia);
Doc. n.º 2: Organigramas do grupo SLN (facto 18° da pronúncia);
1) Organigrama SLN antes da reestruturação (caminho:
0:\4910_08.9\30\287\C\CFGA\POSTOS DE TRABALHO\IF…\Disco C\IG…\O\Organigrama em 30-09-99.ppt);
2) Organigrama Dezembro de 2002 (mail enviado pelo arguido FS… com o organigrama anexo); caminho:
0:\4910_08.9\22\TRAT\1\MAIL‑
FS…\03042005\1fs….nsf\($Sent-Drafts)\Organigrama.msg);
3) Organigrama Dezembro de 2008 (doc. em power point constante do computador portátil do Dr. PCt…); caminho:
0:\4910_08.9\1-Anexo A\TRAT\1\PC-Dr-P…\DOCS\C\Documents and Settings\g003314\Ambiente de trabalho\2008-10-1o_Organigrama Grupo Vrs Final);
Doc. n.º 3:  escritura pública de constituição da sociedade SLN Imobiliária SGPS, S.A. e documento complementar (factos 20° e 22° da pronúncia):
Caminho: P:\4910_08.9\30\287\C\CFGA\POSTOS DE TRABALHO\IC…\C\IC…_Ficheiros Vários\IMC\SLNDirecções de Serviços\ACTOS E CONTRATOS_ GRUPO SLN\Docs. Actos e Contratos Scaner\1999_12_14_Constituição da Sociedade_ SLN Imobiliária, SGPS, SA.pdf
Doc. n.º 4: escritura pública de constituição da sociedade SLN Investimentos SGPS, S.A., e documento complementar (factos 20° e 22° da pronúncia):
Caminho: 0:\4910_08.9\30\287\C\CFGA\POSTOS DE TRABALHO\IC…\C\IC… Ficheiros Vários\IMC\SLN-Direcções de Serviços\ACTOS E CONTRATOS_ GRUPO SLN\2000_11_09_Constituição da Sociedade_SLN Investimentos, SA.pdf);
27. Ali se destacando ainda: “O processo de reestruturação iniciou-se, de imediato, com a constituição das respectivas sub-holdings de onde se destaca; BPN-SGPS, SA, pelo importante papel que desempenhará no futuro como adiante se explicita.(...)”A importância destes actos estruturantes, para além de evidenciar a confiança dos Senhores Accionistas e o forte dinamismo do grupo, tem a virtude de separar, com clareza, as diferentes actividades em que a SLN participa, sendo certo que, em princípio, as empresas financeiras, seguradoras e de renting, pela via da BPN – SGPS, irão absorver, sensivelmente, 50% dos seus capitais próprios. Os restantes meios financeiros serão dedicados a outras participações, claramente rentáveis e numa perspectiva de alavancagem do negócio bancário - Caminho: E:\30\287\C\CFGA\server 3\C\BACKUP DO SERVER 2\Grupo\Group OLD\Planfin\ROC 1999\SLN
28. De resto, existe no apenso 33 comunicação de AJo… enviada em 9 de Outubro de 2008, por correio electrónico, para JR…, da Direcção de Auditoria e Inspecção do Grupo, na qual é referido expressamente que no caso da Solrac/Venice, as operações começaram no BPN S.A. em 1999 - Caminho: F:\1-Anexo A\CAIXAS CORREIO \TRAT\1\PC-Dr-P…\CAIXAS DE CORREIO\1 outlook.ost\A receber\RE- Documentos de suporte a diversas operações - transacções .msg
30. Por outro tenha-se em conta que também era, à data dos factos, administrador da sociedade Imonações (v. escritura de constituição e contrato de sociedade - doc. constante do “apenso informático 33” no seguinte caminho: E:\4910\30\284\GESTAO\Grupo SLN\Arquivo Geral\ACTOS E CONTRATOS_GRUPO SLN\Docs. Actos e Contratos Scaner\1999 _ 09 _ 07 _ Escritura de Constituição _ Imonações.pdf).
[154] Germano Marques da Silva, Curso de Processo Penal, Vol. III, Verbo, 2.ª ed., pg. 340 e ss.
[155] Sobre este tema e no sentido apontado, cfr. os acórdãos do TRC de 17.10.2012, no proc. 165/10.3GDCNT.C1 e do STJ de 22.2.2007, no proc. 07P147, todos em www.dgsi.pt.
[156] Importa distinguir entre a proibição de prova - cuja violação pode redundar na afectação de um dos direitos pertencentes ao núcleo do art. 32º nº 8 da C.R.P. e art. 126º do C.P.Penal - por um lado e as regras de produção da prova - que visam disciplinar o procedimento exterior da realização da prova, na diversidade dos seus meios e métodos (art. 341º e segs, designadamente o art 356º do C.P.Penal). Vide, sobre tal questão, entre outros, o acórdão do STJ de 15.11.2007, no proc. 07P3236, disponível no site dgsi.pt.

Decisão Texto Integral: