Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
712/00.9JFLSB.L1.S1
Nº Convencional: 3ª SECÇÃO
Relator: PIRES DA GRAÇA
Descritores: FRAUDE FISCAL
DIREITO AO RECURSO
DIREITO DE DEFESA
APLICAÇÃO DA LEI PROCESSUAL PENAL NO TEMPO
DUPLO GRAU DE JURISDIÇÃO
DUPLA CONFORME
COMPETÊNCIA DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA
COMPETÊNCIA DA RELAÇÃO
ADMISSIBILIDADE DE RECURSO
CONFIRMAÇÃO IN MELLIUS
ALTERAÇÃO DA QUALIFICAÇÃO JURÍDICA
BEM JURÍDICO
PRINCÍPIO DO CONTRADITÓRIO
COMUNICAÇÃO AO ARGUIDO
REFORMATIO IN PEJUS
CONCURSO DE INFRACÇÕES
MEDIDA DA PENA
INTERPRETAÇÃO DA LEI
MOTIVAÇÃO DO RECURSO
ÓNUS DA IMPUGNAÇÃO ESPECIFICADA
MANIFESTA IMPROCEDÊNCIA
REJEIÇÃO DE RECURSO
RESPONSABILIDADE CRIMINAL
RESPONSABILIDADE CIVIL EMERGENTE DE CRIME
PEDIDO DE INDEMNIZAÇÃO CIVIL
LESADO
NOTIFICAÇÃO
PRINCÍPIO DA ADESÃO
REPARAÇÃO OFICIOSA DA VÍTIMA
PRINCÍPIO DA NECESSIDADE
CASO JULGADO
COMPETÊNCIA MATERIAL
NEXO DE CAUSALIDADE
FACTO
DANO
ILICITUDE
CULPA
DOLO
NEGLIGÊNCIA
AMNISTIA
PRESCRIÇÃO
INTERRUPÇÃO DA PRESCRIÇÃO
REMESSA PARA OS MEIOS COMUNS
QUEIXA
RENÚNCIA
PRINCÍPIO DA INVESTIGAÇÃO
PRINCÍPIO DA VERDADE MATERIAL
LIVRE APRECIAÇÃO DA PROVA
ABSOLVIÇÃO CRIME
ENRIQUECIMENTO ILEGÍTIMO
JUROS
Data do Acordão: 04/27/2011
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: REJEITADO O RECURSO PENAL E JULGADO IMPROCEDENTE O RECURSO CÍVEL DO MESMO ARGUIDO. PROVIDO EM PARTE O RECURSO DO MINISTÉRIO PÚBLICO.
Área Temática: DIRETO PENAL - DIREITO PROCESSUAL PENAL
Doutrina: - Eduardo Correia, Processo Criminal, págs. 212 e ss. e 541.
- Maia Gonçalves, Código de Processo Penal anotado, 10ª edição, págs. 227, nota 2, 672, nota 2.
- Simas Santos, Leal Henriques e Borges de Pinho, Código de Processo Penal Anotado, 1996, vaI. 1, págs. 340 e 341.
Legislação Nacional: CÓDIGO CIVIL (CC): - ARTIGOS 306.º, N.º1, 309.º, 323.º, NºS 1 E 4, 326.º, 342.º, N.º1, 397.º, 423.º, 473.º, 483.º, 487.º, 498.º, NºS 3 E 4, 562.º, 563.º, 566.º, N.º2, 805.º, NºS2, AL. B) E 3.
CÓDIGO DE PROCESSO PENAL (CPP): - ARTIGOS 71.º, 72.º, 74.º, NºS 2 E 3, 75.º, NºS 2 E 3, 77.º, N.ºS1, 2 E 3, 82.º, NºS1 E 3, 84.º, 311.º, 377.º, N.º1, 400.º, NºS 1, AL. E), 2 E 3, 401.º, N.º1, AL. C), 402.º, N.º2, AL. B), 403.º, N.º2, AL. A), 420.º, NºS 1 E 2, 432.º, N.º 1, AL. B).
CÓDIGO PENAL (CP): - ARTIGOS 129.º.
CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA PORTUGUESA (CRP): - ARTIGOS 32.º, N.º1, 212.º, N.º3.
DL Nº 49 168, DE 5 DE AGOSTO DE 1969: - ARTIGO 5.º.
DL Nº 411/91, DE 17-10: - ARTIGO 16.º.
DL N.º 73/99, DE 16-03: - ARTIGO 3.º, N.º1.
LEI Nº 23/91, DE 4-7: - ARTIGO 12.º, N.º2.
LEI N.º15/94 DE 11-5: - ARTIGOS 7.º, NºS 1 E 4.
RGIT: - ARTIGOS 21.º, N.º1, 103.º, N.º3.
RJIFNA: - ARTIGOS 15.º, N.º1.
Legislação Estrangeira: ARTS. 8.º E 10.º DA DECLARAÇÃO UNIVERSAL DOS DIREITOS DO HOMEM, E DOS ARTS. 6.º E 13.º DA CEDH,
Jurisprudência Nacional: ACÓRDÃOS DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA:

-DE 10 DE MAIO E DE 29 DE NOVEMBRO DE 1955 IN BMJ, NºS 49, 323º E 52, 577;
-DE 17.12.1969 E DE 10.12.1986, IN BMJ 192 E 362, PÁGS. 192 E 474
-DE 10.12.1996, ACS. DO S.T.J., IV, TOMO 3º, 202;
-DE 07.05.1997, PROCESSO N.º 1234/96 - 3.ª SECÇÃO;
-DE 16.10.1997, IN BMJ, 470º, 33;
-DE 25.02.1998, PROCESSO N. 97/98;
-DE 12.01.2000, PROCESSO N. 599/99 – 3ª SECÇÃO;
-DE 12.01.2000, PROCESSO N.º 1146/99- 3.ª SECÇÃO;
-DE 07.06.2000, PROCESSO N.º 117/2000 - 3.ª SECÇÃO
-DE 18.10.2000, PROCESSO N.º 1162/99 – 3ª SECÇÃO;
-DE 15.11.2001, PROCESSO N.º 2626/01 – 5ª SECÇÃO;
-DE 10.04.2002, PROCESSO N.º 352/02 - 3.ª SECÇÃO;
-DE 06.06.2002, PROCESSO N.º 1671/02 - 5.ª SECÇÃO;
-DE 16.01.2003, DISPONÍVEL EM WWW.DGSI.PT;
-DE 22.01.2004, DISPONÍVEL EM WWW.DGSI.PT;
-DE 27.01.2005, CJ ST J, ANOS XIII, I, PÁGS. 97 E SS.;
-DE 12.10.2006, DISPONÍVEL EM WWW.DGSI.PT;
-DE 08.11.2006, PROCESSO N.º 3113/06 - 3.ª;
-DE 22.11.2006, PROCESSO N.º 4084/06 - 3.ª.;
-DE 31.01.2007, CJ ST J, ANO XV, PÁGS. 54 E SS.;
-DE 29.03.2007, PROCESSO N.º 662/07 - 5.ª;
-DE 11.07.2007, PROCESSO N.º 2427/07 - 3.ª;
-DE 07.11.2007, PROCESSO N.º 3990/07 – 3.ª;
-DE 18.06.2008, PROCESSO N.º 1624/08 - 3.ª.;
-DE 10.09.2008, PROCESSO N.º 1959/08 - 3.ª.;
-DE 16.09.2008, PROCESSO N.º 2383/08 - 3.ª;
-DE 11.12.2008, PROCESSO N.º 08P3850, DISPONÍVEL EM WWW.DGSI.PT;
-DE 04.02.2009, PROCESSO N.º 4134/08 - 3.ª
-DE 13.10.2009, PROCESSO N.º 206/09.7YFLSB, DISPONÍVEL EM WWW.DGSI.PT;
-DE 03.12.2009, PROCESSO N.º 73/99.7TAVIS.C1.S1, DISPONÍVEL EM WWW.DGSI.PT;

-ASSENTO Nº 7/99 DE 17 DE JUNHO DE 1999, D.R., SÉRIE I-A, DE 3-8-1999.
-ACÓRDÃO DE FIXAÇÃO DE JURISPRUDÊNCIA Nº 1/2002 DE 12-03-2002, D.R. Nº 117, DE 21-05-2002.
-ACÓRDÃO DE FIXAÇÃO DE JURISPRUDÊNCIA N.º 3/2002 DE 17-01-2002, DR N.º 54 SÉRIE I-A, DE 05-03-2002.

ACÓRDÃO DO TRIBUNAL CONSTITUCIONAL:

- Nº 611/94, D.R., II SÉRIE, DE 5-1-95.

ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DO PORTO:

-DE 05/11/03 E 18/05/05, DISPONÍVEIS EM WWW.DGSI.PT .
Sumário :

I - O direito ao recurso inscreve-se numa manifestação fundamental do direito de defesa, no direito a um processo justo, decidido em tempo razoável, por um tribunal independente, imparcial e regulado por lei, como resulta dos arts. 8.º e 10.º da Declaração Universal dos Direitos do Homem, e dos arts. 6.º e 13.º da CEDH, que, por via de regra não demanda o seu exercício em mais de um grau, e é decidido por um tribunal superior àquele de que se recorre.
II - A lei que regula a recorribilidade de uma decisão, ainda que esta tenha sido proferida em recurso pela Relação, é a que se encontrava em vigor no momento em que a 1.ª instância decidiu, salvo se lei posterior for mais favorável para o arguido.
III - A lei reguladora da admissibilidade do recurso – e, por consequência, da definição do tribunal de recurso – será assim, a que vigorar no momento em que ficam definidas as condições e os pressupostos processuais do próprio direito ao recurso (seja na integração do interesse em agir, da legitimidade, seja nas condições objectivas dependentes da natureza e conteúdo da decisão: decisão desfavorável, condenação e definição do crime e da pena aplicável), isto é, no momento em que primeiramente for proferida uma decisão sobre a matéria da causa, ou seja, a da 1.ª instância, salvo se lei posterior for mais favorável para o arguido – Ac. do STJ de 18-06-2008, Proc. n.º 1624/08 - 3.ª.
IV - Na verdade, conforme jurisprudência remota e pacífica do STJ, a lei reguladora da admissibilidade dos recursos é a que vigora no momento em que é proferida a decisão de que se recorre (entre outros, os Acs. de 17-12-69 e de 10-12-86, in BMJ 192 e 362, págs. 192 e 474).
V - Ao se iniciar a fase dos recursos, o arguido inscreve nas suas prerrogativas de defesa, o direito a todos os graus de recurso que a lei processual lhe faculta nesse momento.
VI - A lei processual posterior que retirar o direito a um desses graus de recurso constitui um agravamento sensível e ainda evitável da situação processual do arguido, nomeadamente uma limitação do seu direito de defesa.
VII - É recorrível para o STJ a decisão proferida pela Relação já depois da entrada em vigor da nova lei de processo que não reconheça esse grau de recurso, se a lei que vigorava ao tempo da decisão da 1.ª instância o mandasse admitir.
VIII - É aplicável a nova lei processual à recorribilidade de decisão que na 1.ª instância já tenha sido proferida depois da entrada em vigor dessa lei, independentemente do momento em que se iniciou o respectivo processo.
IX - O art. 400.º, n.º 1, al. f), do CPP, determina que não é admissível recurso de acórdãos condenatórios, proferidos, em recurso, pelas relações, que confirmem decisão de 1ª instância e apliquem pena de prisão não superior a 8 anos.
X - À luz da redacção anterior à Lei 48/07 de 29-08 era entendimento do STJ (Ac. de 08-11-2006, Proc. n. 3113/06 - 3.ª, entre outros) a não admissibilidade de recurso de acórdãos condenatórios proferidos pelas relações, que confirmassem decisão de 1.ª instância, em processo por crime a que fosse aplicável pena de prisão não superior a 8 anos, mesmo em caso de concurso de infracções, face à denominada dupla conforme.
XI - Entendia-se que a expressão «mesmo em caso de concurso de infracções», constante da al. f) do n.° 1 do art. 400.° do CPP, significava que, apesar de no caso se configurar um concurso de infracções, a regra primária da referida norma continuava a valer, incluindo nela também as situações em que os crimes do concurso integrassem nos limites da primeira referência a pena aplicável, isto é, em que uma das penas aplicáveis a um dos crimes do concurso não ultrapassasse 8 anos de prisão havendo identidade de condenação nas instâncias.
XII - Nesta ordem de ideias, desde que a pena abstractamente aplicável independentemente do concurso de infracções, não fosse superior a 8 anos, não seria admissível recurso do acórdão da Relação para o STJ, sendo que uma outra tese, defendia numa interpretação mais favorável para o recorrente, que apenas seria admissível recurso da pena conjunta que correspondesse ao concurso de crimes a que fosse aplicável pena de prisão superior a 8 anos.
XIII - Com a revisão do CPP operada pela referida lei 48/2007, de 29-08, deixou de subsistir o critério do crime a que seja aplicável pena de prisão não superior a 8 anos, para se estabelecer o critério da pena aplicada não superior a 8 anos.
XIV - Assim, por efeito da sua entrada em vigor, foi alterada a competência do STJ em matéria de recursos de decisões proferidas, em recurso, pelas Relações, tendo-se limitado a impugnação daquelas decisões para este tribunal, no caso de dupla conforme, às situações em que seja aplicada pena de prisão superior a 8 anos, – redacção dada à al. f) do n.º 1 art. 400.º do CPP –, quando no domínio da versão pré-vigente daquele diploma a limitação incidia relativamente a decisões proferidas em processo por crime punível com pena de prisão não superior a 8 anos – neste sentido, o Ac. do STJ de 10-09-2008, Proc. n.º 1959/08 - 3.ª.
XV - Há que ter como abrangida na expressão legal "confirmem decisão de primeira instância", constante do art. 400.º, n.º 1, al. f), do CPP, as hipóteses de confirmação apenas parcial da decisão, quando a divergência da Relação com o decidido se situa apenas no quantum (em excesso) punitivo advindo da 1.ª instância (Ac. do STJ de 29-03-2007, Proc. n.º 662/07 - 5.ª).
XVI - Como se decidiu no Ac. do STJ de 11-07-2007, Proc. n.º 2427/07 - 3.ª, “se a dupla conforme pressupõe, além do mais, uma confirmação de penas, por maioria de razão, ela não deixa de ocorrer se a decisão posterior melhora os efeitos sancionatórios da anterior decisão”.
XVII - Ao instituto da dupla conforme, como excepção ao princípio do direito ao recurso – constitucionalmente consagrado no art. 32.º, n.º 1, da CRP – subjaz a ideia de que a concordância de duas instâncias quanto ao mérito da causa é factor indiciador do acerto da decisão, o que, em casos de absolvição ou de condenação em pena de prisão de pequena ou média gravidade, prévia e rigorosamente estabelecidos pelo legislador, justifica a limitação daquele direito – Ac. do STJ de 16-09-2008, Proc. n.º 2383/08 - 3.ª
XVIII - Aliás, como resulta do Ac. do STJ de 4-02-2009, Proc. n.º 4134/08 - 3.ª, é maioritária a posição jurisprudencial do STJ, segundo a qual se deve considerar confirmatório, não só o acórdão do Tribunal da Relação que mantém integralmente a decisão da 1.ª instância, mas também aquele que, mantendo a qualificação jurídica dos factos, reduz a pena imposta ao recorrente, sendo o argumento decisivo fundamentador desta orientação o de que não seria compreensível que, mostrando-se as instâncias consonantes quanto à qualificação jurídica do facto, o arguido tivesse que conformar-se com o acórdão confirmatório da pena, mas já pudesse impugná-lo caso a pena fosse objecto de redução.
XIX - Por esse motivo, não é admissível que, movendo-se a condenação do arguido na Relação, em pena de prisão inferior à aplicada na 1.ª instância, pudesse impugná-la, ao querer discutir a qualificação jurídica no âmbito dos mesmos factos e da mesma tipicidade, pelo facto de a Relação não integrar a conduta em um só crime, mas em três, no mesmo tipo de ilícito de fraude fiscal, nos termos do disposto no n.º 3 do art. 103.º do RGIT.
XX - Quando o Tribunal se limita a alterar a qualificação jurídica, “desagravando” um crime de qualificado para simples, por entender que determinada circunstância qualificativa acaba por não ter no caso em apreciação o valor agravativo suposto pela norma, não só não se verifica surpresa, pois o interessado já fora chamado a pronunciar-se sobre a circunstância qualificativa que agora se tem por não verificada, como o bem jurídico protegido é o mesmo e se trata de uma reforma para melhoria da qualificação e consequente condenação – cf. Simas Santos e Leal-Henriques, Código de Processo Penal Anotado, II, anotação ao art. 358.º.
XXI - Se a alteração da qualificação jurídica – o arguido vinha acusado de um crime de fraude fiscal (não continuado) e viria a ser condenado por vários – não teve por base qualquer alteração de factos e a possibilidade desta qualificação jurídica – que vai beneficiar o arguido – esta já é do conhecimento do arguido, pois que é um dos pressupostos do crime continuado, pelo que não há que dar cumprimento ao art. 424.º, n.º 3, do CPP, porquanto não ocorre agravamento da posição do arguido, nem violação do princípio da proibição da reformatio in pejus, pois que o bem jurídico protegido é o mesmo, a ilicitude manteve-se no âmbito da mesma tipicidade e apenas a punibilidade da mesma sofreu uma reforma para melhoria punitiva na consequente condenação.
XXII - Deste modo, na situação em que a decisão da Relação não ampliou, mas reduziu as penas, aplicando penas parcelares e de cúmulo, inferiores a 8 anos de prisão, houve confirmação in mellius, não sendo, por conseguinte admissível recurso.
XXIII - O art. 32.º da CRP, não confere a obrigatoriedade de um duplo grau de recurso, ou terceiro grau de jurisdição, assegurando-se o direito ao recurso nos termos processuais admitidos pela lei ordinária.
XXIV - Por outro lado, anteriormente à vigência da citada Lei 48/2007 – art. 400.º, n.º 1, al. e), do CPP – não havia dúvida de que não era admissível recurso de acórdão da Relação que tivesse por objecto crime a que em abstracto correspondesse pena não superior a 5 anos de prisão.
XXV - Actualmente, embora a al. b) do art. 432.º do CPP se mantenha com a mesma redacção, já a redacção da al. e) do art. 400.º do mesmo diploma, alterada na revisão operada pela mesma lei, se configura neutralmente descomprometida, pois que nada contempla quanto às possibilidades legais de admissibilidade de recurso quando a condenação tenha aplicado pena de prisão.
XXVI - A delimitação do objecto da inadmissibilidade de recurso para o STJ constante da citada al. e) do n.º 1 do art. 400.º do CPP é pois, exclusivamente concernente à aplicação de pena não privativa de liberdade. A pena não privativa de liberdade é assim, o limite intransponível do objecto da referida norma.
XXVII - A norma da al. e) do n.º 1 do art. 400.º do CPP nada adianta quanto aos recursos de decisões condenatórias em pena de prisão, pela Relação. Havendo norma que admite o recurso para o Supremo de decisões de 1.ª instância proferidas pelo tribunal colectivo que apliquem pena de prisão superior a 5 anos, e norma que não admite o recurso de decisões da Relação que aplique pena de prisão superior a 5 e inferior a 8 anos de prisão, em caso de dupla conforme, é evidente que há necessidade de interpretação das normas legais, em conjugação intrínseca e na sua dimensão teleológica no sistema jurídico, sobre as situações em que as Relações, em recurso, apliquem pena de prisão não superior a 5 anos.
XXVIII - De igual modo, a norma que integra a al. b) do n.º 1 do art. 432.º do CPP, que prevê a recorribilidade para o STJ de decisões que não sejam irrecorríveis proferidas pelas Relações, em recurso, nos termos do art. 400.º é vaga, – qual norma em branco – de reenvio, mas de solução tautológica, que remete para o art. 400.º, criando-se assim entre elas uma tautologia de imprecisão.
XXIX - A actividade leginterpretativa, reclama uma hermenêutica sistémica das disposições legais, na unidade do sistema jurídico, que permite formular o entendimento de que o legislador não se quis afastar do patamar mínimo de pena superior a 5 anos de prisão, para que possa haver recurso para o Supremo Tribunal.
XXX - Assim, se a pena de prisão aplicada na Relação, não excede 5 anos de prisão, e foi proferida em recurso, não é admissível recurso para o STJ dessa decisão da Relação, inadmissibilidade que não traduz qualquer diminuição das garantias de defesa nem prejudica o arguido, nem limita o exercício do direito ao recurso, uma vez que o art. 32.º, n.º 1, da CRP, não garante a existência de um duplo grau de recurso, mas sim de recurso, que foi efectivamente exercido pelo arguido.
XXXI - A admissibilidade ou não de determinado recurso é questão prévia ao conhecimento do mesmo. Só pode conhecer-se de qualquer recurso depois de ser admitido no tribunal a quo e o tribunal ad quem considerar que essa admissão é válida, donde, sendo o recurso inadmissível, tudo se passa como se não tivesse sido admitido, apesar de ter sido admitido na 1.ª instância e nessa medida, se o acórdão se prefigura irrecorrível na parte criminal, óbvio é, que das questões que lhe subjazem, sejam elas de constitucionalidade, processuais e substantivas, sejam interlocutórias, ou finais, referentes às razões de facto e direito da condenação em termos penais, não poderá o STJ conhecer, por não se situarem no círculo jurídico-penal legal do conhecimento processualmente admissível, delimitado pelos poderes de cognição do Supremo Tribunal.
XXXII - Como se escreveu no Ac. do STJ de 07-11-2007, Proc. n.º 3990/07 – 3.ª, “ quando a questão objecto do recurso interposto para o Supremo seja a mesma do recurso interposto para a Relação, tem o recorrente de alegar (motivando e concluindo) como fundamento do recurso, as razões específicas que o levam a discordar do acórdão da Relação: - É que o acórdão recorrido é o acórdão do tribunal superior – o tribunal da Relação –, que decidiu o recurso interposto e, não o acórdão proferido na 1ª instância”.
XXXIII - Se o recorrente não aduz discordância específica relativamente ao acórdão da Relação, que infirme os fundamentos apresentados pela Relação, no conhecimento e decisão das mesmas questões já suscitadas no recurso interposto da decisão da 1.ª instância, nada mais há a acrescentar à fundamentação constante do acórdão da Relação que conheceu de todas as questões que lhe foram colocadas.
XXXIV - Pelo que, não indicando o recorrente qualquer fundamento que não tenha sido devidamente considerado na decisão recorrida, nem especificamente referindo por que deveria ter sido diferentemente considerado, relativamente a essas questões nada havendo, de novo, a acrescentar relativamente aos fundamentos já aduzidos pela Relação sobre elas, na fundamentação utilizada para o julgamento dessas mesmas questões, e que justifique a alteração das mesmas, conclui-se pela manifesta a improcedência do recurso, que deve, em consequência, ser rejeitado – art. 420.º, n.º 1, do CPP.
XXXV - A manifesta improcedência constitui um fundamento de rejeição do recurso de natureza substancial, visando os casos em que os termos do recurso não permitem a cognição do tribunal ad quem, ou quando, versando sobre questão de direito, a pretensão não estiver minimamente fundamentada, ou for claro, simples, evidente e de primeira aparência que não pode obter provimento. Será o caso típico de invocação contra a matéria de facto directamente provada, de discussão processualmente inadmissível sobre a decisão em matéria de facto, ou de o recurso respeitar à qualificação e à medida da pena e não ser referida, nem existir fundamentação válida para alterar a qualificação acolhida ou a pena que foi fixada pela decisão recorrida, conforme decidiu o Ac. do STJ de 22-11-2006, Proc. n.º 4084/06 - 3.ª.
XXXVI - A violação da lei penal pode gerar duas espécies de responsabilidade: a responsabilidade penal, que consiste na obrigação de reparar o dano causado à sociedade, cumprindo a pena estabelecida na lei e imposta por tribunal competente e, a responsabilidade civil que se funda na obrigação de reparar as perdas e danos causados pela infracção criminal.
XXXVII - Deste modo, sendo certo que o delito é uma conduta tipicamente antijurídica, culpável e sancionada com uma pena, – sanção penal – não é menos certo que o crime, na medida em que lesa também interesses individuais ou particulares, pode dar origem a uma sanção extra penal – sanção civil Ac. do STJ de 10-04-2002, Proc. n.º 352/02 - 3.ª.
XXXVIII - A indemnização de perdas e danos emergentes de crime era, na tradição jurídica portuguesa, uma consequência jurídica de carácter penal, dimensão de política criminal ligada à reacção criminal – é o que testemunhava o art. 75.º § 3.º do CP1886.
XXXIX - O arbitramento oficioso da indemnização era uma consequência jurídica do crime que não se identificava com a indemnização civil, quer nos fins e fundamentos, nem tinha que coincidir com o seu montante.
XL - Embora fosse legalmente possível o exercício da acção cível em conjunto com a acção penal, nos termos do disposto nos arts. 29.º a 34.º do CPP29, (referindo-se o art. 29.º à indemnização por perdas e danos, já o art. 34.º respeitante à respectiva reparação por perdas e danos determinava que o juiz, no caso de condenação, arbitraria aos ofendidos uma quantia como reparação por perdas e danos, ainda que lhe não tivesse sido requerida), o quantitativo da indemnização era determinado segundo o prudente arbítrio do julgador, que atenderia à gravidade da infracção, ao dano material e moral por ela causado, à situação económica e à condição social do ofendido e do infractor – § 2.º
XLI - No domínio do direito anterior ao CP82, a reparação por perdas e danos arbitrada em processo penal tinha natureza especificamente penal. Com efeito, na medida em que se postergava o princípio da necessidade do pedido e se considerava a indemnização como um efeito necessário da condenação penal, definiam-se critérios próprios da sua avaliação, distintos dos estabelecidos pela lei civil e não se previa a possibilidade de transacção ou de renúncia ao direito e desistência do pedido. Era esta a posição dominante da jurisprudência – Acs. do STJ de 10-05-1955 e 29-11-1955, BMJ, 49 e 52, págs. 323 e 577. Porém, a doutrina dominante considerava a indemnização arbitrada como de natureza civil – Vaz Serra, Cavaleiro de Ferreira, Gomes da Silva e Pereira Coelho.
XLII - Passando a ser determinada de acordo com os pressupostos e critérios substantivos da lei civil, por força da norma do art. 128.º do CP82 (reproduzida no art. 129.º do CP95), a reparação assume-se, agora, como pura indemnização civil que, sem embargo de se lhe reconhecer uma certa função adjuvante, não se confunde com a pena.
XLIII - No plano do direito adjectivo, o actual CPP, mantendo o sistema de adesão, veio conferir àquela acção de indemnização pela prática de um crime, formalmente enxertada no processo penal, a estrutura material de uma autêntica acção civil, acolhendo, inequivocamente, os princípios da disponibilidade e da necessidade do pedido (arts. 71.º, 74.º a 77.º e 377.º do CPP) e prescrevendo que a decisão final, ainda que absolutória, que conheça do pedido cível, constitui caso julgado nos termos em que a lei atribui eficácia de caso julgado às sentenças civis (art. 84.º do CPP).
XLIV - Seria legalmente inadmissível no processo penal e ao tribunal criminal faleceria competência, em razão da matéria, para dele conhecer, caso o pedido cível não se fundasse em indemnização por danos ocasionados pelo crime ou não se fundamentasse na responsabilidade civil do agente pelos danos que, com a prática do crime causou, pois que a acção cível que adere ao processo penal é a que tem por objecto a indemnização por perdas e danos emergentes do crime, e só essa – arts. 128.º do CP/82 e 129.º do CP95 e Acs. do STJ de 25-02-1998 e de 12-01-2000, Procs. n.º 97/98 1146/99 - 3ª.
XLV - Consequentemente, pelos danos causados por um facto que não é susceptível de integrar um tipo legal de crime e que viola, exclusivamente, um crédito ou uma obrigação em sentido técnico, não pode pedir-se a respectiva indemnização no processo penal.
XLVI - Este efeito “não penal” da condenação ligada à prática de crime – a fonte ou causa de pedir era o crime mas a indemnização assentava nos pressupostos de natureza cível – continuou a afirmar-se no universo jurídico criminal português, de forma que, pelo Ac. do Plenário das Secções Criminais do STJ, de 16-10-1997, BMJ, 470, pág. 33, mesmo quando por aplicação da amnistia se extingue a acção penal, e apesar de ainda não ter sido deduzida acusação, poderá o ofendido requerer o prosseguimento da acção penal, para apreciação do pedido cível.
XLVII - A protecção civil do lesado tem sido garantida no processo penal extinto por amnistia independentemente do facto de o lesado se ter constituído ou não assistente e, ainda que o crime seja de acusação particular.
XLVIII - A amnistia não extingue a responsabilidade civil emergente dos factos amnistiados, e sendo a amnistia aplicável em processo penal pendente, o lesado que ainda não tivesse sido notificado para deduzir pedido cível, tem de ser notificado para, se quiser, e no prazo de 10 dias, deduzir o pedido cível oferecendo prova nos termos do processo declarativo sumário.
XLIX - De igual modo, também nos casos de extinção do procedimento criminal por prescrição, como se decidiu pelo Ac. para Fixação de Jurisprudência n.º 3/2002 de 17-01-2002, publicado no DR, n.º 54, I-A, de 05-03-2002.
L- Como resulta claramente do disposto dos arts. 128.º e 129.º do actual CP, versões respectivamente de 1982 e 1995, a indemnização de perdas e danos, ainda que emergentes de crimes, deixou de constituir pois, um efeito penal da condenação, para passar a ser regulada pela lei civil, assumindo, pois, a natureza de uma obrigação civil em sentido técnico, significando que atribuição da indemnização em processo penal é regulada quantitativamente nos seus pressupostos pela lei civil e não já pela lei penal.
LI - No CC consagra-se basicamente a concepção clássica de que a responsabilidade civil tem a função de reparar os danos causados e não fins sancionatórios (arts. 483.º, n.º 1, e 562.º, entre outros e Ac. do STJ, de 07-06-2000, Proc. n. 117/2000 - 3.ª).
LII - Por outro lado, dada a sua função essencialmente reparadora ou reintegrativa, o instituto da responsabilidade civil está sempre submetido aos limites da eliminação do dano, o que significa que, inexistindo este, inexiste obrigação de indemnizar (art. 483. do CC). Portanto, nunca pode haver condenação cível, em processo penal, quando se não provar a existência do dano invocado pelo autor do respectivo pedido – neste sentido, o Ac. do STJ de 12-01-2000, Proc. n.º 1146/99 - 3.
LIII - Por força do princípio da adesão, o pedido de indemnização civil fundado na prática de um crime é deduzido no processo penal respectivo, (regra) só o podendo ser em separado, perante o tribunal civil, nos casos previstos na lei, (excepção), sem prejuízo de, quando as questões suscitadas pelo pedido de indemnização inviabilizarem uma decisão rigorosa ou forem susceptíveis de gerar incidentes que retardem intoleravelmente o processo penal, o tribunal, oficiosamente ou a requerimento, remeta as partes para os tribunais civis. – n.º 3 do art. 72.º do CPP.
LIV - O princípio da adesão em processo penal é de tal forma abrangente, que, nos crimes de acusação particular, a lei retira efeitos penais do comportamento assumido pelo lesado em matéria cível, quando afirma no n.º 2 do art. 72.º, que no caso de o procedimento depender de queixa ou de acusação particular, a dedução do pedido perante o tribunal civil pelas pessoas com direito de queixa ou de acusação vale como renúncia a esse direito.
LV - Embora o processo civil defina vários aspectos do regime da acção enxertada, como da definição da legitimidade, das partes, é a acção penal que verdadeiramente suporta, orienta e conforma todo o rito processual, marcando definitivamente a cadência de intervenção dos demandantes civis na causa e os principais aspectos de forma a observar no seu desenrolar.
LVI - O art. 377.º, n.º 1, do CPP, determina que a sentença, ainda que absolutória, condena o arguido em indemnização civil sempre que o pedido respectivo vier a revelar-se fundado, sem prejuízo do disposto no art. 82.º, n.º 3, do CPP. Assim, se o pedido tem de se fundar na prática de um crime, a absolvição (do crime) não obsta à condenação do arguido no pedido – se fundado – de indemnização. O fundamento da condenação não será obviamente a prática de um crime, mas a responsabilidade extracontratual ou aquiliana, ainda que (eventualmente) não criminosa – Assento 7/99 de 17-06-1999, DR I-A, de 03-08-1999 e, no seu seguimento, o Ac. do STJ de 06-06-2002, Proc. n.º 1671/02 - 5.ª.
LVII - Quando o legislador utiliza a expressão "danos ocasionados pelo crime", pressupõe que entre o delito e os prejuízos indemnizáveis, exista um nexo de causalidade.
LVIII - A responsabilidade civil do arguido, a apreciar em processo penal, se não é sempre consequência de uma condenação por infracção penal, tem no entanto por suporte a imputação de um crime, com verificação dos seus elementos constitutivos e de uma subsunção à fattispecie legal – Ac. do STJ de 07-05-1997, Proc. n.º 1234/96 - 3.ª.
LIX - Considerando a natureza e os fins do processo penal e o princípio da adesão, o princípio da investigação, também designado da verdade material, conjugado com o princípio da livre apreciação da prova, aplica-se à actividade processual relativa à prova dos pressupostos e montantes dos danos integrantes da responsabilidade civil emergente de crime, podendo existir responsabilidade civil, sem haver responsabilidade criminal, como é o caso de apreciação do pedido cível, em processo penal, em caso de absolvição criminal, ou de extinção do procedimento criminal.
LX - Decorre do art. 483, do CC, que são elementos da responsabilidade civil extracontratual o facto, a ilicitude, a imputação do facto ao lesante, o dano e o nexo de causalidade entre o facto e o dano.
LXI - A imputação do facto ao lesante pode fazer-se a título de dolo ou de mera negligência. Nos casos de mera culpa há que considerar que a culpa para efeitos de responsabilidade civil não tem que coincidir com a culpa para efeitos de responsabilidade criminal.
LXII - Vem sendo entendido por este Supremo que a pendência de processo-crime interrompe a prescrição: enquanto se mantiver pendente essa lide – ainda que em sede de inquérito – não pode ocorrer a contagem do prazo prescricional, como que representando uma interrupção contínua ou continuada do prazo de prescrição do direito à indemnização contra o civilmente responsável, quer o pedido de indemnização cível, possa, quer não possa, ser deduzido em separado – cf. Acs. do STJ de 03-12-09, 16-01-2003 e de 22-01-2004, disponíveis em www.dgsi.pt. e de 27-01-2005 e de 31-01-2007, estes dois publicados, respectivamente, na CJSTJ, Anos XIII e XV, tomo I, págs. 97 e 5, 54 e 55.
LXIII - O instituto da prescrição pressupõe que a parte possa opor-se ao exercício de um direito quando este não for exercitado durante o tempo fixado na lei. Trata-se, a um tempo, de punir a inércia do titular do direito em fazê-lo valer em tempo útil e de tutelar os valores da certeza e segurança das relações jurídicas pela respectiva consolidação operada em prazos razoáveis, o que implica que a prescrição não corra ou não opere enquanto o direito não puder ser exercido pelo respectivo titular, tal como postula o n.º 1 do art. 306.º do CC.
LXIV - Com efeito, a interrupção inutiliza para a prescrição todo o tempo decorrido anteriormente, começando a correr novo prazo a partir do acto de interrupção, ficando a nova prescrição sujeita ao primitivo prazo de prescrição (art. 326.º do CC).
LXV - Se, no caso dos autos, o MP determinou a instauração de inquérito em 15-07-2000, ocorrendo o interrogatório do denunciado como arguido em 09-06-2005, não podia o tempo decorrido em inquérito ser utilizado na contagem do prazo de prescrição, uma vez que só depois de apurada jurídico criminalmente a conduta da arguido, (que delimitada, conduziria, findo o inquérito, a um despacho de acusação ou de arquivamento, nomeadamente pela verificação ou não do ilícito criminal, fonte do pedido de indemnização civil e independentemente dos termos da qualificação da conduta criminal do arguido), é que poderia saber-se se deveria ser formulado o pedido cível nos termos do princípio da adesão ou em separado.
LXVI - Se os factos que constituíram o objecto do processo criminal integram o fundamento de responsabilidade civil, lesivos de interesse objecto de reparação patrimonial, ocorreram na consideração de uma resolução criminosa continuada, que cujo último acto ocorreu em 2004, e se iniciara em 1991, a prescrição somente começaria a correr se, esgotada a via processual penal, houvesse que ser deduzido o pedido cível em separado.
LXVII - No caso dos autos, tendo resultado provado que o arguido, em execução do desígnio por si formulado de não declarar à Administração Fiscal valores obtidos em território nacional, os não declarou, com o intuito de não proceder ao pagamento da prestação tributária a que estava obrigado, fazendo sua as respectivas quantias, bem sabendo que desta forma obtinha um benefício patrimonial que não lhe era devido, o que, consequentemente, prejudicava os cofres do Estado, sendo tal benefício no valor global de € 463 368,12, torna-se inquestionável a ocorrência de um enriquecimento indevido por parte do arguido/lesante, na certeza de que o mesmo dolosamente violou o direito do Estado ao pronto recebimento dos quantitativos referentes aos impostos devidos a título de IRS, tornando-se civilmente obrigado a indemnizar o lesado/Estado pelos danos decorrentes dessa violação, por sobre si impender a obrigação de restituir aquilo com que injustamente se locupletou (cf. art. 473.°, do CC).
LXVIII - A obrigação de indemnizar inclui ainda o pagamento de juros de mora, à taxa legal dos juros civis, computados sobre cada uma das prestações em falta, desde o termo final do respectivo prazo de pagamento voluntário, por ser essa a data da prática do facto ilícito.
LXIX - Deste modo, preenchendo os factos provados, face à lei vigente ao tempo do seu cometimento, a prática pelo arguido de ilícito de natureza penal – crime de fraude fiscal – se houver sido deduzido pedido de indemnização cível, o processo penal deve continuar para conhecimento desse pedido. A descriminalização da conduta não arrasta a extinção da responsabilidade civil, uma vez que aquela, assacada ao agente era criminalmente punida face à lei vigente ao tempo do seu cometimento”,
LXX - Se, os actos de cooperação levados a cabo pela Câmara Municipal A, com o Município B cabem nos poderes da edilidade e do seu presidente – o ora arguido e recorrente – e não foram desrespeitadas quaisquer formalidades essenciais, nem ocorreu abuso de poder, não há que alterar a decisão da Relação quando decidiu revogar a declaração de perda do terreno X, sito em Cabo Verde, a favor do Estado, na medida em que não resultou provado que o recebimento de vantagem oferecida ao arguido por terceiro, proviesse do comportamento do arguido, tendente à obtenção desse benefício (facto ilícito).

Decisão Texto Integral:

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça
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Nos autos de processo comum com o nº 712/00.9JFLSB.L1.S, o digno magistrado do Ministério Público acusou e o juiz de instrução criminal pronunciou, entre outros, o arguido AA, divorciado, consultor jurídico, nascido em 29 de Dezembro de 1949, natural de S. S..., Mirandela, filho de ... e de ..., residente na ..., portador do BI n.º ..., emitido em 20 de Novembro de1998; Imputando-lhe os seguintes CRIMES, em autoria material, na forma consumada, e em concurso real, nos termos dos arts.º 26 e 30º do Código Penal:
· Um crime de participação económica em negócio, em co-autoria com o arguido BB, p. e p. pelas disposições conjugadas dos arts.º 3º, n.º 1, alínea i) e 23º n.º 1, da Lei n.º 34/87, de 16 de Julho;
· Três crimes de corrupção passiva para acto ilícito, p. e p. pelas disposições conjugadas dos arts.º 3º, n.º 1, alínea i) e 16.º n.º 1, da Lei n.º 34/87, de 16 de Julho;
· Um crime de branqueamento de capitais, p. e p. nos termos do art.º 2º, n.º 1, als. a) e b) do Decreto Lei n.º 325/95, de 2 de Dezembro, e actualmente, p. e p. nos termos do art.º 368º A, n.ºs 1 e 2, do Código Penal;
· Um crime de abuso de poder, p. e p. pelas disposições conjugadas dos arts.º 3º, n.º 1, alínea i) e 26.º, n.º 1, da Lei n.º 34/87, de 16 de Julho;
· Um crime de fraude fiscal, p. e p. pelo art.º 23º, n.º 1, alínea a) do Decreto-Lei n.º 20-A/90, de 15.01, actualmente, art.º 103º, n.º 1, alínea b), da Lei n.º 15/2001, de 5 de Junho, com as alterações introduzidas pela Lei n.º 109B/2001, de 27.12.
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Contra o mesmo arguido, foi deduzido pelo Ministério Público, em representação do Estado, pedido de indemnização civil, pedindo a sua condenação no pagamento da quantia de 630.465,36 euros, correspondente ao valor de que se apropriou ilegitimamente a título de IRS que não entregou aos cofres do Estado, acrescido de juros de mora.
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Realizada a audiência de discussão e julgamento pelo tribunal colectivo, por acórdão de 3 de Agosto de 2009, o tribunal colectivo julgou a pronúncia parcialmente procedente, por parcialmente provada, e, consequentemente, decidiu:

“1) Absolver o arguido AA da prática de um crime de participação económica em negócio, em co-autoria com o arguido BB, p. e p. pelas disposições conjugadas dos arts.º 3º, n.º 1, alínea i) e 23º n.º 1, da Lei n.º 34/87, de 16 de Julho;
2) Absolver este arguido da prática, em autoria material, na forma consumada, e em concurso real, de dois crimes de corrupção passiva para acto ilícito, p. e p. pelas disposições conjugadas dos arts.º 3º, n.º 1, alínea i) e 16.º n.º 1, da Lei n.º 34/87, de 16 de Julho;
3) Condenar o arguido AA pela prática, em autoria material, e na forma consumada, de um crime de corrupção passiva para acto ilícito (por reporte aos factos relativos ao arguido CC), p. e p. pelas disposições conjugadas dos arts.º 3º, n.º 1, alínea i) e 16.º n.º 1, da Lei n.º 34/87, de 16 de Julho, na redacção introduzida pela Lei 108/2001 de 28-11, na pena de três anos e sete meses de prisão;
4) Condenar o arguido AA pela prática, em autoria material, e na forma consumada, de um crime de abuso de poder, p. e p. pelas disposições conjugadas dos arts.º 3º, n.º 1, alínea i) e 26.º, n.º 1, da Lei n.º 34/87, de 16 de Julho, na pena de quinze meses de prisão;
5) Condenar o arguido AA pela prática, em autoria material, e na forma consumada, de um crime de fraude fiscal, p. e p. pelo art.º 103º, n.º 1, alínea b), da Lei n.º 15/2001, de 5 de Junho, na pena de dois anos de prisão.
6) Condenar o arguido AA pela prática, em autoria material, e na forma consumada, de um crime de branqueamento de capitais, p. e p. pelo art.º 2º, n.º 1, als. a) e b) do Decreto Lei n.º 325/95, de 2 de Dezembro, na redacção introduzida pela Lei n.º 10/2002 de 11 de Fevereiro, na pena de quatro anos de prisão;
7) Em cúmulo jurídico das penas parcelares ora impostas, nos termos do art. 77º do C. Penal, condena-se o arguido AA na pena única de sete anos de prisão.
8) Condena-se ainda este arguido na pena acessória de Perda de Mandato referente às funções de Presidente da CMO, nos termos do art. 29º, f) da Lei 34/87 de 16-07.

Quanto ao pedido cível, julgou o pedido de indemnização cível formulado pelo Ministério Público parcialmente procedente, por parcialmente provado, e, consequentemente, decidiu:

Condenar o demandado AA no pagamento à Administração Fiscal da quantia de 463.368,12 euros, e ainda no que se liquidar em execução de sentença relativamente aos montantes de IRS relativos aos anos fiscais de 2001, 2002 e 2003, valores estes a que acrescerão juros de mora, computados desde o termo final do respectivo prazo de pagamento voluntário até efectivo pagamento, calculados à taxa aplicável para as dívidas de impostos ao Estado, nos termos da legislação em vigor às datas a que respeitem.
14) Absolver o arguido/demandado AA do pagamento da restante quantia contra si peticionada.

Foi o mesmo arguido condenado nas custas criminais do processo, e decidiu-se que
“17) As custas referentes à instância cível relativa ao pedido formulado pelo Ministério Público, serão suportadas pelo demandado AA na proporção do respectivo decaimento, estando o demandante delas isento. (arts. 446º, n.º 1 e 2 do CPC aplicável ex vi do art. 520º e 523º do CPP, e art. 2º, n.º 1, e) do CCJ)”

Mais se decidiu:
“19) Declaram-se cessadas as medidas de coacção impostas, mas só após o trânsito em julgado deste acórdão.
20) Nos termos do art. 109º, n.º 1, e 111º, n.º 1 e 2 do C. Penal, considerando que o terreno sito em Cabo Verde, da titularidade do arguido AA, resultou da prática, por este, do crime de abuso de poder, e que o valor de 463.368,12 euros (quatrocentos e sessenta e três mil trezentos e sessenta e oito euros e doze cêntimos) resultou da prática do crime de fraude fiscal, e que pela sua natureza e circunstâncias do caso concreto, ambos colidem com a moral e ordem pública, declara-se o referido terreno e este valor perdido a favor do Estado.
Relativamente ao montante mencionado de 463.368,12 euros, e dado o ora decidido, considera-se satisfeito o pedido de indemnização cível deduzido pelo Ministério Público em representação do Estado/Administração Fiscal, quanto a este valor em concreto, e sem prejuízo do demais em que o demandado foi condenado.
No mais, ordena-se o levantamento da apreensão das demais quantias monetárias da titularidade do arguido AA, sem prejuízo do disposto no art. 34º, n.º 1, d) e n.º 2 do C.Custas Judiciais.
Notifique e deposite o presente acórdão - arts. 372º, nos 4 e 5 e 373º, nº 2, ambos do Cód. de Proc. Penal.
Após trânsito:
Remeta boletim aos Serviços de Identificação Criminal no que respeita ao arguido AA.
Requisite e junte CRC actualizado do mesmo.”

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Inconformado com tal decisão, o arguido AA dela interpôs recurso para o Tribunal da Relação de Lisboa, que, por acórdão de 13 de Julho de 2010, decidiu:

“I – Anular o acórdão recorrido quanto à condenação do arguido AA, pelo crime de corrupção passiva para acto ilícito (por reporte aos factos relativos a CC), também no que se refere à pena acessória de perda do mandato, determinando-se a reabertura do audiência de julgamento para, no que se refere ao processo por este crime, ser dado cumprimento do disposto no art. 359, nº.s 2 e 3 do CPP [por força da alteração dos factos decorrente da falta de prova da ligação entre os ocorridos em 1992 e 1996, ou seja, por se terem dados como não provados os factos sob a) a g) da matéria relativa a CC].

II - Para o efeito (reabertura da audiência de julgamento do crime de corrupção), ao abrigo do art. 426/3 do CPP, ordenar a separação de processos. Esta separação será concretizada materialmente se e quando este acórdão transitar em julgado e na medida do que então se revelar necessário.

III – Revogar a condenação do arguido pelo crime de abuso de poder, absolvendo-o do mesmo (por não terem ficado provados factos suficientes para a condenação), e suprimir alguns dos factos, nos termos concretizados acima;

IV – Alterar a condenação do arguido relativamente aos factos relativos à fraude fiscal, no sentido de o condenar, agora, por três crimes de fraude fiscal (um do art. 23 do RJIFNA e dois do art. 103/1 do RGIT), na pena de 4 meses de prisão por cada um.

V – Alterar a condenação do arguido, pela prática de um crime de branqueamento de capitais [art. 2/1, als. a) e b) do Dec. Lei 325/95, de 2/12, na redacção introduzida pela Lei 10/2002 de 11/02, tendo em conta o nº. 2 do art. 2 desse Dec. Lei, bem como a moldura penal do crime de fraude fiscal], baixando-a para 1 ano e 5 meses de prisão.

VI – Em cúmulo jurídico das penas parcelares ora impostas, nos termos do art. 77 do CP, condena-se o arguido na pena única de 2 anos de prisão.

VII – Alterar a condenação cível, ficando esta reduzida ao seguinte: condena-se o arguido a pagar à Administração Fiscal 197.266,88€, e ainda o que se liquidar relativamente aos montantes de IRS relativos aos anos fiscais de 2001, 2002 e 2003, valores estes a que acrescerão juros de mora, computados desde o termo final do respectivo prazo de pagamento voluntário até efectivo pagamento, computados desde o termo final do respectivo prazo de pagamento voluntário até efectivo pagamento, calculados às taxas legais dos juros civis – arts. 129 CP; 804, 805/2b), 806/1 e 2, e 559, do CC; e Portarias 263/99, de 12/04 e 291/03, 08/04 – 7% até 30/04/2003 e 4% a partir daquela data, absolvendo-o do pagamento da restante quantia contra si peticionada.

VIII – Revogar a declaração de perda do terreno sito em Cabo Verde a favor do Estado.

VII – Alterar a declaração de perda dos valores apreendidos, ficando agora limitada ao valor de 197.266,88€, com a qual se considera satisfeito o pedido de indemnização cível deduzido pelo Ministério Público em representação do Estado/Administração Fiscal, quanto a este valor em concreto, e sem prejuízo do demais em que o demandado foi condenado.

VIII - Custas pelo recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 10 UC e a procuradoria no máximo.

IX - Custas do pedido cível na proporção do decaimento, sem prejuízo da isenção legal do MP em representação do Estado/Administração Fiscal.

Após trânsito remeta boletim aos SIC no que respeita a este arguido.”


Na sequência do requerimento de fls 12341 a 12344, dos autos, do mesmo arguido, os juízes do Tribunal da Relação de Lisboa, acordaram em considerar que o referido acórdão da relação “não enferma de qualquer nulidade ou irregularidade e não padece de qualquer aclaração.”

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Insatisfeitos com o acórdão da Relação de 13 de Julho de 2010, dele interpuseram recurso para o Supremo Tribunal de Justiça:

I- O Ministério Público, em 17 de Setembro de 2010, apresentando a motivação de recurso com as seguintes conclusões:

1. No acórdão recorrido a questão jurídica que vinha colocada - no segmento relativo à condenação em indemnização cível, na sequência do pedido deduzido pelo Ministério Público - foi decidida no sentido de não serem devidos quaisquer montantes para além "do valor de 197.266,88 € e ainda o que se liquidar relativamente aos montantes ás IRS relativos aos anos fiscais de 2001, 2002 e 2003, valores estes a que acrescerão juros de mora, computados desde o termo final do respectivo prazo de pagamento voluntário até efectivo pagamento, calculados às taxas regais dos juros civis - arts.129 CP; 804, 805/26) 806/1 e 2 e 559 do CC; e Portarias 263799, de 12/4 e 291/03, de 08/04 - 7% até 30/04/2003 e 4% a partir daquela data, absolvendo-o do pagamento da restante quantia contra si peticionada” sendo ainda alterada "a declaração de perda dos valores apreendidos, ficando agora limitada ao valor de 197.266,88€, com a qual se considera satisfeito o pedido de indemnização cível deduzido pelo Ministério Público em representação do Estado/Administração fiscal, quanto a este valor em concreto, e sem prejuízo do demais em que o demandado foi condenado ";
2. Tal decisão contraria frontalmente os pressupostos em que se fundamentou o ACSTJ uniformizador de jurisprudência nº.3/02, de 5 de Março de 2002 que estabeleceu que "'Extinto o procedimento criminal por prescrição depois de proferido o despacho a que se refere o art.311º. do C.P.P.. mas antes de realizado o julgamento, o processo em que tiver sitio deduzido pedido de indemnização civil prossegue para conhecimento deste ";
3. Viola também a previsão do art.377°. do Código de Processo Penal, na consideração de que, tendo ficado assente, face à matéria de facto dada por provada, que o arguido, em execução de propósito único nesse sentido formulado, no período que abrangeu as declarações de IRS de 1991 a 2004 - referentes aos anos fiscais de 1990 a 2003 - não declarou à Administração Fiscal valores que obtinha em território nacional, com o intuito de não proceder ao pagamento das prestações tributárias a que estava obrigado, apoderando-se ilicitamente dos quantitativos respectivos e dessa forma obtendo benefício patrimonial que não lhe era devido (prejudicando os cofres do Estado), no valor de, pelo menos, 463.368,12 euros, quantia a que acrescem os benefícios indevidos, referentes aos anos fiscais de 2000, 2001 e 2002 - declarações de IRS de 2001, 2002 e 2003 -, em montante exacto não apurado e a liquidar em execução de sentença - não sendo, porém, inferior, em cada uma delas, ao valor de 15.000€ -, se impunha a confirmação do decidido em 1ª.lnstância, no segmento considerado;
4. Assim, ainda que a matéria crime não seja objecto de impugnação por via do presente recurso, por força de inarredável obstáculo legal (cfr. Art4OO°, n°.1 al. f) do C.P.P) e deva ter-se, consequentemente, como assente a subsumpção jurídico-penal efectuada no Acórdão deste Tribunal da Relação de Lisboa, a verdade - reconhecida neste aresto - é que o último facto juridicamente relevante integrante da conduta do arguido ocorreu em 2004.
5. Dado que a pendência de processo-crime interrompe a prescrição (cível), não podendo ocorrer a contagem do prazo prescricional enquanto aquele se mantiver pendente, tendo o processo-crime sido instaurado em 15 de Julho de 2000 (e mantendo-se desde então pendente), é manifesto não ter ainda transcorrido o prazo prescricional do direito à indemnização de que o Estado se arroga a titularidade.
6. Entendimento contrário - designadamente o acolhido no Acórdão ora sob recurso - viola o estatuído no art.71°. do Código de Processo Penal e no art.306°., nº.1 do Código Civil, por o regime da adesão vigente em processo penal, conjugado com as regras referentes ao regime da prescrição cível ínsitas no Código Civil, conduzir a que, só depois de esgotadas as possibilidades de punição criminal, fique o lesado habilitado a deduzir, em separado, a acção de indemnização, face ao estatuído naquele último preceito que dispõe que 'o prazo de prescrição começa a correr quando o direito puder ser exercido”;
7. Do mesmo modo, dado que o prazo de prescrição do direito à indemnização se conta da data em que o lesado teve conhecimento do direito que lhe compete, nunca seria utilizável para tal efeito o tempo transcorrido anteriormente ao momento em que o Estado, no prosseguimento das diligências investigatórias, conseguiu apurar os contornos da fraude fiscal, o período temporal abrangido e o prejuízo sofrido.
8. Entendimento contrário, designadamente o acolhido no Acórdão sob recurso, viola também o estatuído no art.498°., nº.1 do Código Civil.
9. Acresce que, quer ao acto de constituição como arguido do lesante AA (na referida data de 9 de Junho de 2005), quer ao da sua notificação do pedido de indemnização cível deduzido pelo Ministério Público (por carta registada expedida em 14 de Janeiro de 2009 para o escritório do respectivo mandatário) sempre seria de reconhecer eficácia interruptiva da prescrição da indemnização cível, por constituírem actos que exprimem a intenção por parte do Estado de exercer o direito respectivo.
10. Entendimento contrário, designadamente o acolhido no Acórdão que ora se impugna, viola também o estatuído no art.323°., nº.1 do Código Civil.
11. Por outro lado ainda, não sendo exigível ao Estado a promoção da liquidação dos valores que lhe eram devidos (e de que o arguido/lesante se locupletara) em momento cronologicamente anterior ao da elaboração da informação e relatório pericial - datados, respectivamente, de 28.12.05 e de 20.12.05 e juntos aos autos, também respectivamente, em 29.12.05 e 30.12.05, conforme fls.3745-4064 e 4073-4280 -, em circunstância alguma antes dessa data se poderia considerar iniciado o prazo prescricional do direito à indemnização.
12. Entendimento diverso, como o defendido no Acórdão ora sob recurso, viola o estipulado no artº.306°., nº.4 do Código Civil.
13. Acresce que o pagamento a que o demandado cível deve ser condenado - com base nos apurados factos materiais, assentes e imutáveis por via da sua integral confirmação pelo Tribunal da Relação de Lisboa - é uma indemnização fundada na prática de acervo factual reconhecidamente ilícito, a qual não se destina a liquidar uma obrigação tributária mas antes deve ser fixada segundo os critérios da lei civil.
14. Ademais, sendo inquestionável a ocorrência de um enriquecimento indevido por parte do arguido/lesante - na certeza de que, conforme acima enfatizado, o mesmo dolosamente violou o direito do Estado ao recebimento dos apurados quantitativos referentes a IRS dos quais injustamente se locupletou - sobre aquele impende a obrigação de restituir integralmente o seu respectivo valor, não sendo oponível ocorrência de prescrição que a tal obste.
15. Entendimento contrário, como o acolhido no Acórdão cuja revogação se visa por via do presente recurso, viola o estatuído nos arts.129°. do Código Penal e 483°. do Código Civil e ainda nos arts.473°., nº.1 e 498°., n°.4, ambos daquele último diploma.
16. Consequentemente, deverá o Acórdão ora sob recurso ser revogado e determinada a integral manutenção do teor da decisão proferida em 1ª.lnstância relativamente ao montante indemnizatório no qual o arguido/lesante deve ser condenado a pagar ao lesado/Estado, igualmente sendo de manter, nos estritos termos ali determinados, a declaração de perdimento dos valores apreendidos, sob pena de decisão diversa violar claramente o estabelecido nos arts.109°., nº.1 e 111°., nºs.1 e 2 do Código Penal.
V. Exas. no entanto, farão, como habitualmente, a costumada JUSTIÇA!
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II – O referido arguido, em 12 de Janeiro de 2011, que na respectiva motivação do recurso apresente as seguintes conclusões:

1. O acórdão proferido pelo Tribunal da Relação de Lisboa, não confirmando a condenação de 1ª instância, reformulou, revogando, esta decisão, tendo, para tal, conhecido ex novo de questões processuais e substantivas.
2. O acórdão proferido pelo Tribunal da Relação de Lisboa, ao não confirmar a decisão de 1ª Instância, designadamente condenando o recorrente por mais dois crimes do que aquele em que havia sido condenado, é recorrível.
3. Em virtude da inexistência de dupla conforme, o acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa é concretamente recorrível na parte em que decidiu condenar por três crimes de fraude fiscal.
4. O recurso para o Supremo Tribunal de Justiça é admissível nos termos do princípio geral instituído no artigo 399.° do CPP, não se integrando o caso em nenhuma das específicas circunstâncias das alíneas c) a f) do n.° 1 do artigo 400.° do CPP; designadamente, o comando previsto na alínea e) do n.° 1 do artigo 400° do CPP, não afasta a recorribilidade, já que de forma alguma pode a mesma funcionar no sentido de, independentemente de dupla conforme, abranger todas as decisões condenatórias da Relação que apliquem pena de prisão não superior a 5 anos.
5. O recorrente solicitou parecer ao Professor Figueiredo Dias, que, aceitando, se debruçou sobre questões concretas que surgiram com a prolação do acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa.
6. O recorrente sufraga toda a sindicância do acórdão, que se pretende interpor através do presente recurso, no referido parecer, o qual aqui dá aqui por integralmente reproduzido, designadamente as suas conclusões, a saber:
7. "O Acórdão da Relação de Lisboa é recorrível na parte em que decidiu condenar o arguido AA por três crimes de fraude fiscal.
8. A admissibilidade do recurso funda-se no princípio geral da recorribilidade previsto no art. 399. ° do CPP e na inaplicabilidade ao caso de qualquer uma das alíneas do art. 400. °-l do CPP que obstam ao recurso em segundo grau.
9. Mais especificamente, a alínea f) desse n° 1 do art. 400.° é inaplicável em virtude da inexistência de "dupla conforme ", pois não se verifica a confirmação pressuposto por este requisito de irrecorribilidade ali onde a Relação condene o arguido por mais dois crimes do que aquele em que a 1." Instância o havia condenado.
10. É igualmente inaplicável a alínea e) do mesmo preceito, já que deforma alguma pode a mesma funcionar no sentido de, independentemente de "dupla conforme ", abranger todas as decisões condenatórias da Relação que apliquem pena de prisão não superior a 5 anos.
11. A partir do momento em que no processo se instalou um total desconhecimento sobre a origem dos montantes depositados e não declarados pelo arguido entre 2000 e 2002, só uma equívoca e insanável confusão entre os conceitos de património e de rendimento, permitirá que aqueles dinheiros continuem a ser qualificados como rendimentos.
12. O CIRS, nas versões vigentes para os períodos tributários de 2000 a 2022, não impunha um dever de informação e não sujeitava a tributação verbas de proveniência desconhecida, designadas como "acréscimos patrimoniais não justificados " pela Lei n. ° 30-G/2000, que se manifestassem através de depósitos bancários.
15. A inexistência desse dever de informação fiscal e essa insusceptibilidade de tributação obstam ao preenchimento do tipo-de-ilícito de fraude fiscal.
14. Estando a condenação em branqueamento de capitais directamente referida à condenação por fraude fiscal, concordando-se com a revogação desta, terá forçosamente que cair também a condenação por branqueamento.
15. Nos termos do art 403. °-3 do CPP e atendendo ainda à relação de prejudicialidade processual aqui existente entre a fraude fiscal e o branqueamento de capitais, esta consequência deverá ser processualmente extraída de imediato, mesmo que, como nos parece, o Acórdão da Relação seja considerado irrecorrível na parte em que condena pelo crime de branqueamento de capitais.
16. A validade da condenação em crime de branqueamento de capitais é, em todo o caso, prejudicada pela circunstância de tratar a fraude fiscal não como facto antecedente do branqueamento, como a factualidade típica deste exige, mas antes como um facto subsequente ao mesmo.
17. Por se ter verificado uma deficiente valoração dos critérios de escolha da pena constantes do art. 70. ° do CP, que impunham o funcionamento da pena de suspensão de execução da pena de prisão prevista no art. 50.º do CP, deve haver lugar à substituição da pena de prisão aplicada por esta pena não privativa da liberdade"
18. Assim, não tendo ficado provada a origem dos montantes depositados e não declarados pelo recorrente, nem as datas em que esses montantes entraram no seu património não se podem qualificar como rendimentos, nem tal presunção é admissível mesmo face às regras da experiência comum.
19. A inexistência, no ordenamento tributário do dever legal de informação à Administração Fiscal dos montantes depositados e a insusceptibilidade de tributação desses montantes obstaculiza o preenchimento do tipo-de-ilícito de fraude fiscal.
20. A matéria de facto que foi fixada no acórdão com base no pressuposto de que os montantes que foram sendo depositados correspondiam a rendimentos por ele auferidos, de forma ilícita, nos anos em que foram depositados, assenta em erro notório na apreciação da prova (artigo 410.°, n.° 2, c), do CPP).
21. Estando a condenação por branqueamento de capitais ligada à condenação por fraude fiscal, a revogação desta implica a revogação da condenação por branqueamento, revogação esta que terá que acontecer atendendo ao disposto no n.° 3 do artigo 403° do CPP, ainda que o acórdão da Relação seja considerado irrecorrível na parte em que condena pelo crime de branqueamento de capitais.
22. Circunstância que, em todo o caso, está salvaguardada pelo facto de a condenação representar a fraude fiscal não como facto antecedente do branqueamento mas antes como um facto subsequente ao mesmo.
23. Ao determinar o modo de execução da pena de prisão sem recurso a relatório social e perícia sobre a personalidade, o acórdão recorrido incorreu em nulidade por violação do artigo 369° do CPP e omissão de pronúncia por via da al. c) do n.° 1 do artigo 379° do CPP.
24. A elaboração de relatório social e de perícia sobre a personalidade é obrigatória, mas também essencial e imprescindível para assegurar o cumprimento rigoroso dos pressupostos e requisitos do artigo 50° do Código Penal, que in casu, mostra-se violado.
25. Ao ponderar, após a condenação pelo crime de fraude fiscal e pelo de branqueamento de capitais, o regime da suspensão da pena de prisão previsto no artigo 50°, o acórdão recorrido, fundamentando-se em generalidades sobre afirmações que o recorrente não proferiu, nunca, bem como sobre exigências de prevenção ligadas a uma tipologia criminal distinta da que foi objecto da condenação, não cumpriu rigorosamente aquele preceito, bem como não ponderou todas as circunstâncias que no caso concorrem.
26. A fundamentação invocada no acórdão recorrido para não suspender a pena de prisão assenta em pré-juízos que, não tendo qualquer suporte nos autos, e na prova, pelo menos que constem da decisão condenatória, omitem as condições de vida pessoais e as características de personalidade do recorrente que só um relatório social e uma avaliação sobre a personalidade poderiam objectivamente esclarecer.
27. A errada e infundamentada convicção de que o recorrente não mostrou arrependimento não impede o reconhecimento de que, à luz da ausência de antecedentes criminais e de uma conduta posterior aos factos sem mácula, é possível emitir um juízo de prognose favorável, pelo menos, no sentido da suspensão da pena de prisão.
28. O Tribunal recorrido, na escolha da natureza e modo de execução da pena, balizou-se em exigências de prevenção geral e especial retiradas a partir de generalidades (válidas) mas que objectivamente nada têm que ver com o caso dos autos, designadamente porque não se socorreu de avaliações produzidas por técnicos especificamente preparados para esse efeito, como se exigia.
29. A simples e infundada anulação de juízo de prognose favorável num caso de ausência de antecedentes criminais e de conduta processual colaborante, não afasta a perspectivação de que a censura dos factos que foram objecto de condenação e a ameaça de uma pena de prisão, com o peso e gravidade da que foi concretamente aplicada, podem realizar de forma suficiente e adequada as finalidades da punição.
30. O Tribunal recorrido poderia e devia, sob pena de incorrer - como incorreu - em nulidade por omissão de pronúncia, ter ponderado uma suspensão da pena de prisão subordinada ao cumprimento de deveres, ou à observância de regras de conduta, ou mesmo acompanhada de regime de prova (cfr. n.° 2 do artigo 50.°).
31. A conclusão sobre se a admissibilidade da suspensão da execução da pena de prisão está ou não suficientemente justificada numa perspectiva de prevenção especial e se colide ou não com as exigências de prevenção geral deve partir não só mas também, da análise de relatório social e avaliação ou perícia sobre a personalidade, cuja elaboração é obrigatória particularmente nos casos de condenação a prisão efectiva.
32. Tendo condenado o recorrente na pena de prisão de 2 anos sem que, nos termos do n.° 2 do artigo 44° do CP, tivesse ponderado a aplicação da pena de prisão em regime de permanência na habitação, o acórdão recorrido incorreu em nulidade por omissão de pronúncia, conforme dispõe a ai. c) do n.° 1 do artigo 379° do CPP.
33. Ao estabelecer uma alteração da qualificação jurídica sem que tivesse sido dado cumprimento ao n.° 3 do artigo 424° do CPP, independentemente da verificação de irregularidade, o Tribunal recorrido incorreu em nulidade por violação do disposto na ai. b) do n.° 1 do artigo 379° do CPP e privou o recorrente duma garantia de defesa constitucionalmente prevista no n.° 1 do artigo 32°.
34. Tendo o recorrente, quanto à matéria da alteração defendido posição contrária à proferida no douto acórdão recorrido, não poderá, para os efeitos do disposto no citado artigo 424°, considerar-se que a alteração da qualificação jurídica era do conhecimento do recorrente.
35. A alteração não comunicada encerra, nos termos do disposto na al.. f) do n.° 1 do artigo 1º do CPP, uma alteração substancial dos factos, porquanto modifica, agravando, os limites máximos das sanções aplicáveis.
36. Ao decidir não realizar a comunicação devida por via do n.° 3 do artigo 424° do CPP (mesmo partindo da hipótese de tratar-se de alteração não substancial) o Tribunal recorrido incorreu em nulidade prevista na ai. b) do n.° 1 do artigo 379° aplicável por via do n.° 4 do artigo 425°, ambos do CPP.
37. Considerando que o acórdão recorrido versou sobre recurso apenas interposto pelo recorrente, o Tribunal da Relação estava proibido de efectuar reformatio in pejus, nos termos do disposto no artigo 409° do CPP, que assim se mostra violado.
38. A não concessão ao recorrente do direito de se pronunciar sobre a alteração da condenação de um para três crimes de fraude fiscal configura violação do artigo 409° do CPP e do n.° 1 do artigo 32° da CRP.
39. O sentido desta decisão afecta o acórdão por via da nulidade prevista na ai. c) do n.° 1 do artigo 379° do CPP, na medida que conheceu de questões de que não podia tomar conhecimento.
40. Por via do disposto no artigo 409° do CPP está prejudicada a ordenada separação de processos bem como a submissão do recorrente a "novo" julgamento.
41. Tendo o tribunal recorrido ordenado a separação do processo e a reabertura da audiência de julgamento, violou o artigo 409° do CPP mas também, incorrendo na nulidade prevista na al. c) do n.° 1 do artigo 379° do CPP, o disposto no n.° 1 do artigo 32° da CRP na medida que tomou decisão não compatível com as garantias de defesa do arguido.
42. Por via das razões de facto e de direito apresentadas quanto ao (não) preenchimento do tipo ilícito do crime de fraude fiscal, não se mostram verificados os pressupostos da responsabilidade civil por factos ilícitos.
43. A imposição de absolvição do pedido de indemnização civil permite que, à luz do n.° 3 do artigo 403° do CPP, se retirem da procedência do recurso nesta parte as conclusões devidas relativamente a toda a decisão recorrida, em concreto à parte criminal.
44.Independentemente da prévia ou posterior liquidação, quaisquer liquidações de impostos, devem obedecer aos procedimentos previstos no Código de Processo e de Procedimento Tributário e na Lei Geral Tributária.
45.Face ao regime do artigo 45° da LGT, nos casos de crime fiscal estando em causa a liquidação de tributos, essa liquidação deve ser feita sempre nos termos do processo tributário e nunca no âmbito do processo penal, o que significa que nesses casos não tem que ser deduzido qualquer pedido cível no processo penal: o apuramento dos tributos eventualmente em dívida terão que ser apurados nos termos das regras de procedimento e processo tributário, para o que a administração fiscal dispõe de um ano após o trânsito em julgado da decisão que vier a ser proferida no processo crime.
46. Sendo o pedido de indemnização civil em causa nestes autos integralmente relativo ao Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares, importava respeitar o disposto no n.° 3 do artigo 103.° da Constituição da República Portuguesa (que foi violado) que estipula que ninguém pode ser obrigado a pagar impostos "cuja liquidação e cobrança se não faça nos termos da Lei [de processo tributário]".
47. O pedido de indemnização, que agora foi, em parte, confirmado, sustenta-se em pseudo-liquidações que não puderam ser sindicadas pelo contribuinte seja à luz das normas que regem o IRS bem como da Lei Geral Tributária e do Código do Procedimento e Processo Tributário, dado que tais liquidações foram feitas ad hoc, sem observância daquelas normas, pelo Ministério Público que não tem competência legal para o efeito.
48. Ao ignorarem-se as regras do procedimento e processo tributário e competência da administração fiscal para o efeito, o recorrente não teve a possibilidade de interpor reclamação graciosa, recurso hierárquico ou qualquer outro meio de reacção previsto na legislação tributária. Foi ainda coarctado o direito do recorrente solicitar a revisão dos actos tributários que lhe foram imputados.
49. Nem a Lei Geral Tributária nem o Código de Procedimento e Processo Tributário ou o Regime Geral das Infracções Tributárias contemplam a possibilidade de a liquidação operar-se por via do processo penal e por intervenção directa do Ministério Público, nos termos em que nos presentes aconteceu.
50. Pelo contrário, tanto que a própria Administração Fiscal emitiu circular para os seus serviços, com o entendimento de que o processo penal não é o meio idóneo para exigir do infractor o pagamento de impostos porquanto não permite, pelas razões expostas, que o contribuinte reaja pelos meios disponíveis na legislação tributária.
51. Previamente à elaboração da liquidação ad hoc que foi utilizada pelo Ministério Público para formular o pedido de indemnização civil, impunha-se a audição do recorrente, pelo que, não tendo sido tal feito, foi violado o princípio da participação previsto no n.° 5 do artigo 268.° da CRP e na alínea a) do n.° 1 do artigo 60.° da LGT.
52. Os elementos de prova fornecidos pelas autoridades suíças não eram admissíveis no processo de natureza criminal fiscal, conforme resulta da reserva feita pela Suíça à Convenção Europeia de Auxílio Judiciário Mútuo em Processo Penal e de que as autoridades portugueses foram expressamente advertidas pelo ofício de 13 de Setembro de 2005 do referido Office Federal.
53. O conceito de escroquerie fiscale não abrange os factos que foram objecto da condenação.
54. Ao não se ter tomado em conta a condição imposta, relevando-se tais elementos no acórdão em apreço, seja para efeitos da condenação no crime de fraude fiscal seja para efeitos do pedido de indemnização civil, violou-se o artigo 2.°, ai. a), da Convenção Europeia de Auxílio Judiciário Mútuo em Matéria Penal, de 20.04.1959, nomeadamente face ao princípio pacta sunt servanda bem assim o n.° 1 e 2 do artigo 8.° da Constituição da República Portuguesa.
55. Não há justificação substantiva e adjectiva para preterir a pena de multa relativamente ao crime de fraude fiscal.
56. A pena fixada para o branqueamento tem uma medida completamente desproporcionada.
57. Por se ter verificado uma deficiente valoração dos critérios de escolha da pena constantes do art. 70.° do CP3 que impunham o funcionamento da pena de suspensão de execução da pena de prisão prevista no art. 50.° do CP (preceitos que se mostram violados), sempre deveria haver lugar à substituição da pena de prisão aplicada por pena não privativa da liberdade, sob pena de violação do disposto naqueles preceitos.
58. O artigo 40° da Lei 34/87, de 16 de Julho é inconstitucional por violação dos artigos 1º, 2º, 12°, 13°, 17°, 18°, 32°, n.° 1 e 207°, n.° 1, todos da Constituição da República Portuguesa, porquanto impossibilita a constituição de tribunal do júri relativamente a crimes alegadamente cometidos por titulares de cargos políticos.
59. O Tribunal recorrido estava limitado a invalidar, revogando, a decisão que condenou o recorrente pela prática do crime de corrupção passiva.
60. Não o tendo feito, ordenando a separação do processo e a reabertura da audiência de julgamento, violou o artigo 409° do CPP mas também, incorrendo na nulidade prevista na al.. c) do n.° 1 do artigo 379° do CPP, o disposto no n.° 1 do artigo 32° da CRP.
Para os efeitos do disposto no n.° 5 do artigo 411° do Código de Processo Penal requer-se a realização de audiência para debate de todas as questões de direito substantivo e adjectivo levantadas na motivação.
JUNTA: comprovativo da autoliquidação da taxa de justiça devida, comprovativo da autoliquidação da multa devida pela apresentação do presente recurso no 1º dia útil após o termo do prazo e parecer jurídico elaborado pelo Exmo. Senhor Professor Doutor Jorge de Figueiredo Dias.
Termos em que, concedendo provimento ao presente recurso, deverá o recorrente ser absolvido da prática dos crimes de fraude fiscal e de branqueamento de capitais, bem como do pedido de indemnização civil.
Caso assim se não entenda, conhecendo-se e declarando-se as nulidades invocadas, deverá ser revogado o acórdão na parte relativa à não suspensão da pena de prisão e ordenada a reabertura da audiência para elaboração de relatório social e perícia sobre a personalidade.
Nesse caso deverá igualmente ser declarada a nulidade por omissão de pronúncia por via da não ponderação do regime previsto no n.° 2 do artigo 44° do CP, e, consequentemente, na hipótese de não ser de suspender a pena de prisão, deverá ponderar-se a aplicação da pena de prisão sujeita a regime de permanência na habitação, sempre após a elaboração dos competentes relatório social e perícia sobre a personalidade.
E declarada a nulidade por falta da comunicação da alteração relativa à punição por três crimes de fraude fiscal, e consequentemente revogado o acórdão recorrido e ordenada a notificação do recorrente para, no prazo e termos legais, se pronunciar.
Deverá ser revogada a decisão de separar fisicamente a parte do processo relativa à corrupção passiva para acto ilícito.
Considerando a inexistência de pressupostos da responsabilidade civil por factos ilícitos, a apresentação do pedido de indemnização civil no processo penal, e reconhecendo-se a violação das normas relativas ao procedimento tributário bem como da Constituição da República Portuguesa, deverá ser revogada a condenação no pedido de indemnização e, no limite, ordenada a tramitação das liquidações que o fundamentam pela via administrativa, em conformidade com as normas do procedimento e processo tributário.
Deverá ainda ser declarada a invalidade dos meios de prova obtidos por carta rogatória enviada à Suíça e, consequentemente, descontada a valoração daqueles elementos, revogado o cálculo das penas parcelares dos crimes de fraude fiscal e de branqueamento de capitais bem como do valor do pedido de indemnização civil.
Deverão, finalmente, ser reconhecidas as inconstitucionalidades invocadas, com os legais efeitos. fazendo-se, assim, JUSTIÇA!
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O arguido respondeu à motivação do recurso interposto pelo Ministério Público sobre o pedido de indemnização civil, no sentido de que “não merecendo o acórdão recorrido qualquer censura revogatória com base nos fundamentos do recurso em apreço, deverá ser negado provimento ao mesmo, (…).”
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A Exma Magistrada do Ministério Público junto do Tribunal da Relação respondeu à motivação de recurso interposto pelo arguido, alegando, sintetizando que “caso se não conclua (como julgamos inequivocamente de concluir) pela irrecorribilidade do Acórdão proferido por este Tribunal superior, será de considerar não ser tal Acórdão merecedor de reparo, nos termos pretendidos pelo arguido/recorrente, (…).”
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Neste Supremo a Dig.ma Procuradora-Geral Adjunta emitiu o seguinte Parecer:

“Do douto acórdão proferido em recurso pelo Tribunal da Relação de Lisboa em 13.07.2010 que deu parcial provimento ao recurso interposto pelo arguido AA absolvendo-o, anulando e alterando as condenações e a medida das penas e indemnizações que haviam sido aplicadas na 1ª instância, volta agora o mesmo arguido a recorrer para o Supremo Tribunal de Justiça.
Igualmente recorre o MºPº através da Srª Procuradora Geral Adjunta, sobre parte da indemnização que foi revogada tendo sido absolvido o arguido.
O arguido AA havia sido condenado no 2º Juízo Criminal do Tribunal da Comarca de Oeiras, em síntese por autoria de um crime de corrupção passiva p.p. pelo art. 3º, nº 1 i) e 26º, nº 1 da Lei 34/87 na pena de 3 anos e 7 meses de prisão; um crime de abuso do poder p.p. pelos arts. 3º, nº 1, al. i) e 26º da Lei 34/87, na pena de 15 meses de prisão; um crime de fraude fiscal p.p. pelo art. 103º, nº 1, al. b) da lei 15/2001, na pena de 2 anos; um crime de branqueamento de capitais p.p. pelo art. 2, nº 1, a) d b) do dec,lei 325/95 na pena de 4 anos de prisão, em cúmulo na pena única de 7 anos de prisão e ainda na pena acessória de perda de mandato referente às funções de Presidente das Câmara Municipal (arts. 29, f) da lei 34/87) e no pagamento à Administração Fiscal a quantia de 463.368,12€ e a liquidar em execução de sentença valores relativos aos anos 2001, 20002 e 2003; e havia sido absolvido de um crime de participação em negócio, dois crimes de corrupção passiva e do pagamento da restante quantia do pedido de indemnização.
O acórdão da Relação de Lisboa dando provimento parcial ao recurso interposto pelo arguido AA, anulou o acórdão da 1ª instância quanto à a sua condenação pelo crime de corrupção passiva para acto ilícito (relativos a CC) e à pena acessória de perda de mandato, determinado a reabertura de audiência de julgamento por ter havido alteração da matéria de facto, e por isso foi ordenada a separação de processos ao abrigo do disposto no nº 3 do art. 426º do CPP; absolveu o arguido pelo crime de abuso de poder; alterou a sua condenação por autoria do crime de branqueamento de capitais p.p. pelo art. 2º, nº 1, al. a9 e b) e nº 2 do Dec.Lei 325/95, baixando a pena para 1 ano e 5 meses; e alterou a condenação do arguido por autoria do crime de fraude fiscal para 3 crimes de fraude fiscal nas penas de 4 meses de prisão cada; também alterou a pena única aplicada passando o cúmulo jurídico destas penas a 2 anos de prisão.
Foi também alterada a condenação cível que ficou reduzida ao pagamento à Administração Fiscal de 197.266,88€ sendo mantido a liquidação relativamente aos montantes do IRS dos anos 2001, 2002, e 2003 em execução de sentença, acrescida de juros de mora só a partir do termo final do respectivo prazo de pagamento voluntário, até ao efectivo pagamento; foi revogada a declaração de perda do terreno em Cabo Verde e alterada a declaração dos valores apreendidos ficando reduzidos ao valor da indemnização.

Questão Prévia
O recurso interposto para o Supremo Tribunal pelo arguido AA do acórdão do Tribunal da Relação que o condenou a uma pena única de prisão por autoria de um crime de branqueamento de capitais e três crimes de fraude fiscal parece-nos ser irrecorrível (arts. 432º, c) e 400º, nº 1, al f)) e o douto despacho que o admitiu no tribunal recorrido não vincula o Tribunal superior (art. 414º, nº 3 do CPP).
É que para o Supremo Tribunal de Justiça não se recorre das decisões finais proferida em recurso não só quando os crimes são puníveis com as penas parcelares iguais ou inferiores a 5 anos mas também quando havendo condenação por vários crimes cuja pena única é inferior a 8 anos seja confirmada a decisão da primeira instância, havendo dupla conforme.
O tribunal da Relação apenas confirmou “in melius” a condenação pela prática dos crimes de branqueamento de capitais e fraude fiscal (únicos crimes de que veio a ficar condenado) e que são objecto de recurso do arguido.
O quantum das penas parcelares e única é que foi inferior ao aplicado na 1ª instância, verificando-se uma confirmação “in melius” segundo a jurisprudência do STJ..
O acórdão agora recorrido manteve toda a matéria de facto relativamente a estes crimes e alterou as medidas das penas de 4 anos para 1 ano e 5 meses (branqueamento de capitais) e de 2 anos de prisão para 4 meses cada um dos três crimes de fraude fiscal.
Além das penas aplicadas ao arguido serem inferiores a 5 anos de prisão também os respectivos crimes são puníveis com penas igualmente inferiores ambos são puníveis com penas de 1 a 3 anos de prisão (arts. 23, nº 4 do RJIFNA, 103º, nº 1 do RGIT e 2º, nº 2 do dec.lei 325/95)
A consagração da dupla conforme não significa que se mantenha integralmente a medida da pena ou das penas, pois tal como está consagrado na jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça a decisão da relação que confirma o cometimento dos crimes e diminuiu só a medida das penas, leva a que seja atingido “um grau de certeza de uma boa decisão da causa impedindo a um segundo e novo recurso para ser tentada uma outra solução”.
Quanto à jurisprudência do Supremo Tribunal sobre a impossibilidade de ser admitido o recurso interposto pelo arguido/recorrente além de citarmos o acórdão do STJ de 10.03.2011 (proc. nº 58/08.46BRDD.E1.S1) do Exmº Senhor Conselheiro Relator que decidiu no sentido da irrecorribilidade do recurso em situação idêntica, bem como o acórdão de 6.01.2011 (p. 355/09.1 e também quanto à reformatio in melius vamos referir entre muitos outros os acórdãos do STJ de 15.04.2010 (p.631/03.7) e de 21.10.09 (p.306/07.8).
Acompanhamos igualmente srº Procuradora Geral Adjunta junto do Tribunal da Relação que cita largamente a jurisprudência do STJ.
Não poderemos deixar de referir que o arguido/recorrente estaria bem ciente da impossibilidade de interpor recurso pois até arguiu, oportunamente, em 6 de Setembro de 2010, irregularidades e nulidades que encontrou no acórdão da Relação, nomeadamente sobre a medida da pena e a sua não suspensão e suscitou a alteração da matéria de facto no crime de fraude fiscal para pugnar e arguir uma inconstitucionalidade, que não abranje a aplicação do disposto nos arts. 432º, nº 1, c) e 400, nº 1 f) do CPP.
Este requerimento em conferência no Tribunal da Relação de Lisboa em 2.11.2010 foi indeferida, pois foi decidido que o acórdão não enferma de qualquer nulidade ou irregularidade sem padecer de qualquer aclaração.
De qualquer modo uma jurisprudência firme e reiterado do Tribunal Constitucional antes e depois de Setembro de 2007 é no sentido de não considerar ser inconstitucional a circunstancia de haver dupla conforme depois de ter havido redução da pena num acórdão da relação, nos termos do art. 400º nº 1, al. f) do CPP e por isso não poder haver recurso para o STJ em terceiro grau de jurisdição em matéria penal - Acórdãos do Tribunal Constitucional nº 2/06 de 13.1.2001, Ac. nº 20/2007 de 17/01.2007, o ac. nº 645/2009 de 15.12.2009.
Parece-nos pois que será irrecorrível o acórdão da Relação que apenas parcialmente quanto à medida da pena (reformatio mellius) concedeu provimento ao recurso do arguido AA, devendo por isso ser rejeitado o agora interposto pelo mesmo arguido para o Supremo Tribunal de Justiça (arts. 400º, nº 1, f), 414º, nº 3, 417, nº 6, b) e 432º, 1, b) e c) do CPP).

2. – Sendo irrecorrível o acórdão condenatório proferido pelo Tribunal da Relação de Lisboa, todas as questões colocadas pelo arguido/recorrente AA nas conclusões que delimitam o conhecimento do seu recurso, versam sobre questões que já não podem ser impugnadas – absolvições dos respectivos crimes, nulidades sobre a medida da(s) pena(s) e a sua não suspensão, alteração da matéria de facto, invalidade de meios de prova e inexistência de pressupostos da responsabilidade civil por violação das normas tributárias e inconstitucionalidades.
2.1. - A única questão que vai para além dos crimes de branqueamento de capitais e abuso de fraude fiscal que o arguido/recorrente suscita é o pedido de revogação da separação do processo quanto a um dos crimes de corrupção passiva para acto ilícito e a reabertura da audiência de julgamento, por ter sido anulado o acórdão recorrido quanto à condenação do arguido AA por autoria desse crime
Este segmento do acórdão do Tribunal da Relação também é irrecorrível por não ser uma decisão final pois surge devido ao recurso interposto pelo arguido do acórdão da 1ª instância que o havia condenado por autoria desse crime (arts. 432º, nº 1, b) e 400º, nº 1, c) do CPP)
A al. c) do nº 1 do art. 400º do CPP consagra a não admissão de recurso de “acórdãos proferidos em recurso pelas relações que não conheçam a final do objecto do processo bem como a al. b) que abrange “decisões que ordenam actos dependentes da livre resolução do tribunal”.
2.2. – Ainda nas suas conclusões o arguido/recorrente suscita a inconstitucionalidade do art. 40º, do dec. lei 34/87 quando esta disposição impossibilita a constituição do tribunal de júri.
No entanto o arguido já interpôs recurso para o Tribunal Constitucional de tal decisão interlocutória porque esta decisões só poderão ser apreciadas pelo Supremo Tribunal de Justiça quando subam com recursos directos conforme dispõe a al. d) do nº 1 do art. 432º do CPP o que não acontece neste processo.
Também por isso o Supremo Tribunal de Justiça está impossibilitado de conhecer esta questão.
3. – O arguido/recorrente AA quando interpõe recurso, requere a realização de audiência mas esta só se poderá realizar quando e porque o recurso interposto seja admitido o que nos parece que não poderá vir a acontecer (art. 417º, 6º, 420º, nº 1, a) e 414º, nº 2 do CPP).
Assim e por tudo isto parece-nos que o recurso interposto pelo arguido AA do acórdão proferido em recurso pelo Tribunal da Relação de Lisboa, deverá ser rejeitado, por ser inadmissivel também nas várias vertentes (arts. 400º, nº 1 c), f), 432º, nº 1, b) e c) 4 14º. Nº 2, 3 417º, 6, a) e 420º, nº 1 a) do CPP.
O recurso interposto pelo MºPº junto do Tribunal da Relação, através sa srª Procuradora geral Adjunta visa a revogação do acórdão recorrido quanto à indemnização cível por ter sido decidido não serem devidos quaisquer montantes para além “do valor de 197.266.88€ e ainda o que se liquidar relativamente aos montantes do IRS relativos aos anos fiscais de 2001, 2002 e 2003 … embora tivesse sido mantida toda a matéria de facto que havia servido de fundamento para o acórdão da 1ª instância ter condenado o arguido AA a pagar à Administração Fiscal a quantia de 463.368.12€.
Mantemos e acompanhamos toda a fundamentação das motivações e conclusões apresentadas pelo MºPº e apenas acrescentaremos jurisprudências do Supremo Tribunal de Justiça mais recente muito próxima do muito bem fundamentada pretensão do Ministério Público recorrente tratando-se de um acórdão proferido pelo Exmº Conselheiro Adjunto – acórdão do STJ de 04.02.2010, p. 106/01.91DPHT.S1, 3ª sec.
A extinção da responsabilidade criminal determina (inexoravelmente) a extinção da acção cível conjunta? A questão fundamental será a de saber se deveremos olhar apenas ao bem fundado (ou não) do pedido cível independentemente da natureza da responsabilidade que lhe subjaz, abarcando não apenas os casos de responsabilidade aquiliana e de responsabilidade objectiva mas também outros casos como o da responsabilidade contratual em que o pedido cível se pode basear na violação de uma relação creditícia ou se pelo contrário o bem fundado do pedido cível se deve confinar, restringir à responsabilidade extracontratual ou aquilina, ou ainda responsabilidade objectiva com execução da responsabilidade contratual. O exposto tem inteiro cabimento no caso concreto, sendo o pedido cível formulado nos autos em obediência ao princípio da adesão fundamentado na responsabilidade criminal do arguido. Nestes termos entendendo-se que a ora decretada extinção da responsabilidade criminal não obsta à subsistência da condenação cível. A competência do tribunal criminal para conhecer do pedido cível conexo com a acção penal decorre da responsabilidade civil extracontratual do agente que cometa o facto ilícito e culposo. Neste quadro legal que é o aplicável não há lugar a qualquer reversão. Que o recorrente é demandado ab initio, numa acção com estrutura declarativa sendo contra si invocada uma concreta causa de pedir e formulado um pedido concreto que pode impugnar nos termos gerais consentidos em processo penal. Aqui o devedor é demandado a título principal tendo por base a autoria de um crime de que emerge uma conexa responsabilidade civil delitual – art. 6º do RGIT sendo o pedido baseado na obrigação de indemnizar pelos danos causados pela prática de facto ilícito e culposo – art. 483º do CC. Assim o tribunal criminal tem competência em razão da matéria para julgar a acção cível interposta pelo IGFSS não havendo lugar neste tipo de processos à figura da reversão nem se mostrando violadosos arts. 212º da CRP, e 1, nº 1, do ETAF”!.
Por tudo isto parece-nos que o recurso interposto pelo Ministério Público, quanto à indemnização cível deverá merecer inteiro provimento.
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Cumpriu-se o disposto no artigo 417º nº 2 do CPP, tendo o arguido apresentado resposta onde pugna pelo conhecimento do recurso por si interposto e por decisão em conformidade com o mesmo,

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Foi requerida audiência pelo recorrente AA, na sua motivação de recurso, para debate das questões constantes da mesma.
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Concordando o relator com a questão prévia da rejeição do recurso interposto pelo arguido e não tendo sido requerida audiência pelo recorrente Ministério Público, não é caso de prosseguirem os autos para audiência, remetendo-se, por isso, os autos à conferência, após os vistos legais.
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A
Questão prévia: - A inadmissibilidade do recurso da decisão condenatória em matéria penal.

I - O artigo 400º do Código de Processo Penal, referindo-se às “decisões que não admitem recurso”, na redacção vigente anteriormente à lei nº 48/2007 de 29 de Agosto de 2007, estabelecia:

“1. Não é admissível recurso:
a) De despachos de mero expediente;
b) De decisões que ordenam actos dependentes de livre resolução do tribunal;
c) De acórdãos proferidos em recurso, pelas relações, que não ponham termo à causa:
d) De acórdãos absolutórios proferidos em recurso, pelas relações, que confirmem decisão de primeira instância;
e) De acórdãos proferidos, em recurso, pelas relações, em processo por crime a que seja aplicável pena de multa ou pena de prisão não superior a cinco anos, mesmo em caso de concurso de infracções, ou em que o Ministério Público tenha usado da faculdade prevista no artigo 16º nº 3.
f) De acórdãos condenatórios proferidos, em recurso, pelas relações, que confirmem decisão de primeira instância, em processo por crime a que seja aplicável pena de prisão não superior a oito anos, mesmo em caso de concurso de infracções;
g) Nos demais casos previstos na lei.”

Por sua vez, o artº 432º do mesmo diploma adjectivo, ao contemplar o “Recurso para o Supremo Tribunal de Justiça”, referia:
“Recorre-se para o Supremo Tribunal de Justiça:
a) De decisões das relações proferidas em primeira instância;
b) De decisões que não sejam irrecorríveis proferidas pelas relações, em recurso, nos termos do artigo 400º;
c) De acórdãos finais proferidos pelo tribunal do júri;
d) De acórdãos finais proferidos pelo tribunal colectivo, visando exclusivamente o reexame de matéria de direito;
e) De decisões interlocutórias que devam subir com os recursos referidos nas alíneas anteriores.”

Com a revisão do Código de Processo Penal, operada pela Lei nº 48/2007 de 24 de Setembro de 2007, o nº 1 do artigo 400º passou a estabelecer:

“1. Não é admissível recurso:
a) De despachos e mero expediente;
b) De decisões que ordenam actos dependentes da livre resolução do tribunal;
c) De acórdãos proferidos, em recurso, pelas relações, que não conheçam a final, do objecto do processo;
d) De acórdãos absolutórios proferidos, em recurso, pelas relações, que confirmem decisão de 1ª instância;
e) De acórdãos proferidos, em recurso, pelas relações, que apliquem pena não privativa da liberdade;
f) De acórdãos condenatórios proferidos, em recurso, pelas relações, que confirmem decisão de 1ª instância e apliquem pena de prisão não superior a 8 anos;
g) Nos demais casos previstos na lei.”

E, no artigo 432º passou a constar:
“Recorre-se para o Supremo Tribunal de Justiça:
a) De decisões das relações proferidas em primeira instância;
b) De decisões que não sejam irrecorríveis proferidas pelas relações, em recurso, nos termos do artigo 400º;
c) De acórdãos finais proferidos pelo tribunal do júri, ou pelo tribunal colectivo que apliquem pena de prisão superior a 5 anos, visando exclusivamente o reexame de matéria de direito;
e) De decisões interlocutórias que devam subir com os recursos referidos nas alíneas anteriores.”
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II - O direito ao recurso inscreve-se numa manifestação fundamental do direito de defesa, no direito a um processo justo, e em tempo razoável, por um tribunal independente, imparcial e estabelecido por lei, como resulta dos artºs 8º e 10º da Declaração Universal dos Direitos do Homem e dos artºs 6º e 13º da Convenção Europeia dos Direitos do Homem, que, por via de regra não demanda o seu exercício em mais de um grau, e é decidido por um tribunal superior àquele de que se recorre.
A lei que regula a recorribilidade de uma decisão, ainda que esta tenha sido proferida em recurso pela Relação, é a que se encontrava em vigor no momento em que a 1ª instância decidiu, salvo se lei posterior for mais favorável para o arguido.
A lei reguladora da admissibilidade do recurso – e, por consequência, da definição do tribunal de recurso – será assim, a que vigorar no momento em que ficam definidas as condições e os pressupostos processuais do próprio direito ao recurso (seja na integração do interesse em agir, da legitimidade, seja nas condições objectivas dependentes da natureza e conteúdo da decisão: decisão desfavorável, condenação e definição do crime e da pena aplicável), isto é, no momento em que primeiramente for proferida uma decisão sobre a matéria da causa, ou seja, a da 1.ª instância, salvo se lei posterior for mais favorável para o arguido. – v. Ac. deste STJ de 18-06-2008, Proc. n.º 1624/08 - 3.ª.
Na verdade, conforme jurisprudência remota e pacífica deste Supremo, a lei reguladora da admissibilidade dos recursos é a que vigora no momento em que é proferida a decisão de que se recorre. (v, entre outros v. g. ac.s de 17.12.69 in BMJ 192,p 192 e de 10.12.1986 in BMJ 362, p. 474)
Como salientou o acórdão de 29 de Maio de 2008 in proc. nº 1313, 5ª Secção, a prolação da decisão final na 1ª instância encerra a fase processual do julgamento (Livro VII) e inicia, consoante o caso, a dos recursos (Livro IX) ou a das execuções (Livro X).
Ao se iniciar a fase dos recursos, o arguido inscreve nas suas prerrogativas de defesa o direito a todos os graus de recurso que a lei processual lhe faculta nesse momento.
A lei processual posterior que retirar o direito a um desses graus de recurso constitui um agravamento sensível e ainda evitável da situação processual do arguido, nomeadamente uma limitação do seu direito de defesa.
É recorrível para o STJ a decisão proferida pela Relação já depois da entrada em vigor da nova lei de processo que não reconheça esse grau de recurso, se a lei que vigorava ao tempo da decisão da 1ª instância o mandasse admitir.
É aplicável a nova lei processual à recorribilidade de decisão que na 1ª instância já tenha sido proferida depois da entrada em vigor dessa lei, independentemente do momento em que se iniciou o respectivo processo.
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III -O presente recurso foi interposto de decisão já proferida posteriormente à data da entrada em vigor da Lei nº 48/2007 de 29 de Agosto, que procedeu à alteração do Código de Processo Penal (CPP).

Somente é admissível recurso para o Supremo Tribunal de justiça, nos casos contemplados no artigo 432º e, sem prejuízo do artº 433º, do CPP.

No que aqui importa, recorre-se para o Supremo Tribunal de Justiça: “De decisões que não sejam irrecorríveis proferidas pelas relações, em recurso, nos termos do artigo 400º” (artº 432º nº 1 al. b) do CPP)

In casu houve aplicação de pena privativa de liberdade, concretizada em cúmulo, na pena de 2 anos de prisão.

O artigo 400º nº 1 al. f) do CPP, determina que não é admissível recurso: “De acórdãos condenatórios, proferidos, em recurso, pelas relações, que confirmem decisão de 1ª instância e apliquem pena de prisão não superior a 8 anos.”
Face ao art. 400., n.1, f) do Código de Processo Penal na redacção anterior à lei 48/2007 de 29 de Agosto, era jurisprudência concordante do Supremo (v. Ac. de 08-11-2006, Proc. n. 3113/06 - desta Secção, entre outros - que não era admissível recurso de acórdãos condenatórios proferidos, em recurso, pelas relações, que confirmassem decisão de 1ª instância, em processo por crime a que fosse aplicável pena de prisão não superior a oito anos, mesmo em caso de concurso de infracções, face à denominada "dupla conforme".
Entendia-se que a expressão «mesmo em caso de concurso de infracções», constante da al. f) do n.° 1 do art. 400.° do CPP, significava que, apesar de no caso se configurar um concurso de infracções, a regra primária da referida norma continuava a valer, incluindo nela também as situações em que os crimes do concurso se integrem nos limites da primeira referência a «pena aplicável», isto é, em que uma das penas aplicáveis a um dos crimes do concurso não ultrapassasse 8 anos de prisão havendo identidade de condenação nas instâncias.
Nesta ordem de ideias, desde que a pena abstractamente aplicável independentemente do concurso de infracções, não fosse superior a oito anos, não seria admissível recurso do acórdão da Relação para o STJ, (na tese usualmente seguida pelo Supremo), sendo que uma outra tese, não seguida por esta Secção, entendia que na interpretação mais favorável para o recorrente, apenas seria admissível recurso da pena conjunta que correspondesse ao concurso de crimes a que fosse aplicável pena de prisão superior a oito anos.

Com a revisão do Código de Processo Penal operada pela referida Lei a al. f) do artº 400º passou a dispor:
“ De acórdãos condenatórios proferidos, em recurso, pelas relações que confirmem decisão de 1ª instância e apliquem pena de prisão não superior a 8 anos.”

Deixou de subsistir o critério do “crime a que seja aplicável pena de prisão não superior a oito anos”, para se estabelecer o critério da pena aplicada não superior a 8 anos.
Daí que se eliminasse a expressão “mesmo no caso de concurso de infracções.”
Assim, mesmo que ao crime seja aplicável pena superior a 8 anos, não é admissível recurso para o Supremo, se a condenação confirmada, não ultrapassar 8 anos de prisão.
Ao invés se ao crime não for aplicável pena superior a 8 anos de prisão, só é admissível recurso para o STJ se a condenação confirmada ultrapassar oito anos de prisão, decorrente de cúmulo e restrito então o recurso à pena conjunta.

Por efeito da entrada em vigor da Lei 48/2007, de 29-08, foi alterada a competência do STJ em matéria de recursos de decisões proferidas, em recurso, pelos Tribunais de Relação, tendo-se limitado a impugnação daquelas decisões para este Tribunal, no caso de dupla conforme, às situações em que seja aplicada pena de prisão superior a 8 anos – redacção dada à al. f) do n.º 1 art. 400.º do CPP –, quando no domínio da versão pré-vigente daquele diploma a limitação incidia relativamente a decisões proferidas em processo por crime punível com pena de prisão não superior a 8 anos v. Ac. deste Supremo e desta Secção de 10-09-2008, in Proc. n.º 1959/08 - 3.ª Secção

Há que ter como abrangida na expressão legal "confirmem decisão de primeira instância", constante do art. 400.º, n.º 1, al. f), do CPP, as hipóteses de confirmação apenas parcial da decisão, quando a divergência da Relação com o decidido se situa apenas no quantum (em excesso) punitivo advindo da 1.ª instância. (v. Ac. deste Supremo de 29-03-2007 Proc. n.º 662/07 - 5.ª Secção)
Como se decidiu no Ac. deste Supremo e, Secção, de 11-07-2007, in Proc. n.º 2427/07,se a dupla conforme pressupõe, além do mais, uma confirmação de penas, por maioria de razão, ela não deixa de ocorrer se a decisão posterior melhora os efeitos sancionatórios da anterior decisão.

Ao instituto da “dupla conforme”, como excepção ao princípio do direito ao recurso – constitucionalmente consagrado no art. 32.º, n.º 1, da CRP –, subjaz a ideia de que a concordância de duas instâncias quanto ao mérito da causa é factor indiciador do acerto da decisão, o que, em casos de absolvição ou de condenação em pena de prisão de pequena ou média gravidade, prévia e rigorosamente estabelecidos pelo legislador, justifica a limitação daquele direito. v. Acórdão. deste Supremo e desta Secção de 16-09-2008, Proc. n.º 2383/08 )

Como resulta do Acórdão deste Supremo e desta Secção, de 4-02-2009 in Proc. n.º 4134/08, é maioritária a posição jurisprudencial deste Supremo Tribunal segundo a qual se deve considerar confirmatório, não só o acórdão do Tribunal da Relação que mantém integralmente a decisão da 1.ª instância, mas também aquele que, mantendo a qualificação jurídica dos factos, reduz a pena imposta ao recorrente, sendo o argumento decisivo fundamentador desta orientação o de que não seria compreensível que, mostrando-se as instâncias consonantes quanto à qualificação jurídica do facto, o arguido tivesse que conformar-se com o acórdão confirmatório da pena mas já pudesse impugná-lo caso a pena fosse objecto de redução.

De igual forma não é compreensível que movendo-se a condenação do arguido na Relação, em pena de prisão inferior à aplicada na 1ª instância, pudesse impugná-la, ao querer discutindo a qualificação jurídica no âmbito dos mesmos factos e da mesma tipicidade, pelo facto de a Relação não integrar a conduta em um só crime, mas em três, no mesmo tipo de ilícito de fraude fiscal, ope legis, atento o disposto no nº3 do artº 103º do RGIT.
Com efeito, e conforme acórdão deste Supremo de 31.10.07 (P.07P3271 www.dgsi.pt), citado pela Digma Procuradora-Geral Adjunta junto do Tribunal da Relação de Lisboa: - O sentido da notificação dos interessados quando se vislumbra a possibilidade de serem alterados não substancialmente os factos ou a qualificação jurídica efectuada, decorre da necessidade de não pôr em causa o seu direito de defesa, o direito de se pronunciarem quanto a elementos surpresa de que não puderam oportunamente defender-se. E isso resulta claramente do preceito transcrito, quando se refere à alteração «não conhecida do arguido».
Ora, tal não sucede quando o Tribunal se limita a alterar a qualificação jurídica, “desagravando” um crime de qualificado para simples, por entender que determinada circunstância qualificativa acaba por não ter no caso em apreciação o valor agravativo suposto pela norma; então, não só não se verifica surpresa, pois o interessado já fora chamado a pronunciar-se sobre a circunstância qualificativa que agora se tem por não verificada, como o bem jurídico protegido é o mesmo e se trata de uma reforma para melhoria da qualificação e consequente condenação – cf. Simas Santos e Leal-Henriques, Código de Processo Penal Anotado, II, anotação ao art. 358.º.

Mesmo nos caso de existir nova qualificação jurídica já, em 2006. o Acórdão deste Supremo Tribunal, de 02.02.06, P.05P2786, disponível em www.dgsi.pt, citado na resposta do Ministério Público junto do Tribunal da Relação, decidia como consta do respectivo sumário, que:- "O arguido não será admitido a recorrer para o Supremo da decisão da Relação se a 1ª instância fizer corresponder a certos factos determinada qualificação jurídica e um somatório - adicionadas aritmeticamente as penas parcelares - até 315 anos prisão e em recurso, a Relação, requalificando in mellius os mesmos factos, desde que por crime punível com prisão superior a 8 anos de prisão) lhes fizer corresponder uma pena, tão só de 4 anos de prisão”.
E, como realça a mesma Exma Magistrada, “o STJ tem entendido que não deixa de haver confirmação nos caos em que, in mellius, parcial, a Relação reduz a pena: até ao ponto em que a condenação posterior elimina o excesso resulta a confirmação da anterior. É o que consta reiterado dos ACSTJ de 04.11.09 (P.97/06.0JRLSB.S1, Rel.;-Santos Monteiro, disponível em www.dgsLpt) - cfr., no mesmo sentido, ACSTJ de 12-03-2008, P.130108 - 3a. Secção, de 23-04-2008, P.810108 - 3.a Secção, de 10-09-200 P.1666/08 - 3.a Secção, de 11.03.2004, CJ, STJ, 1,2004,224, na esteira do de 16.01.2003, P.41908/03 da! Secção, de 03.11.2004, in CJ, STJ, Ano XII ,TIII, p.222, de 25.10.2007, P.3283/07, de 10.01.08, P.3180/07 e ( 08.05.2008, P.1515/08. Cfr. ainda os ACSTJ de 10.9.2009 ,17.9.2009,23.9.2009 (3), nos processos nºs.82/0 47/08,27/04, 168/06 e 463/06, respectivamente.”


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IV- A decisão recorrida explicitou:

Como a norma do art. 103/3 do RGIT não pode deixar de ser considerada – ela existe e não pode ser afastada -, sempre teria que ser considerado o valor de cada declaração, por cada ano, para ver se, em relação a cada uma delas, era ou não ultrapassado o limite da criminalização da conduta (ou de parte da conduta se se considerar que há um único crime) previsto no nº. 2 do art. 103: Os factos previstos nos números anteriores não são puníveis se a vantagem patrimonial ilegítima for inferior a 15.000€ (redacção dada pela Lei 60-A/2005, de 30/12).

(…)

a norma do nº. 3 do art. 103 do RGIT impede a unificação, como um só crime, de toda a conduta respeitante à fraude fiscal. A sua leitura não pode ter outro sentido. A lei quis que cada conduta respeitante a cada declaração tivesse o seu próprio valor e autónomo criminal.

Entende-se pois que, por força daquela norma, os crimes de fraude fiscal só podem estar em duas situações: ou de pluralidade de crimes, pluralidade a ser punida em termos de concurso efectivo nos termos do art. 79/1 do CP, ou em continuação criminosa, a ser punida nos termos do art. 79/2 do CP.

(…)

Tais crimes de fraude fiscal – 10 (de 1994 a 2003) – devem ser unificados numa continuação criminosa?

Não, pois que não se verificam os pressupostos do art. 30/2 do CP.

(…)

Note-se que esta alteração da qualificação jurídica – o arguido vinha acusado de um crime de fraude fiscal (não continuado) e irá condenado por vários – não teve por base qualquer alteração de factos e a possibilidade desta qualificação jurídica – que vai beneficiar o arguido – já é do conhecimento do arguido, pois que é um dos pressupostos do crime continuado, pelo que não há que dar cumprimento ao art. 424/3 do CPP.”


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Na verdade não houve agravamento da posição do arguido, nem violação do princípio da proibição da reformatio in pejus, pois que o bem jurídico protegido é o mesmo, a ilicitude manteve-se no âmbito da mesma tipicidade e apenas a punibilidade da mesma sofreu uma reforma para melhoria punitiva na consequente condenação
Aliás, como referiu a Relação no seu acórdão de 2 de Novembro de 2010, considerando a posição assumida “de que a mencionada alteração da qualificação jurídica era cognoscível pelo arguido, em face do teor da sua defesa e redundou em benefício do mesmo, não se enxerga em que medida é que as suas garantias de defesa tenham sido coarctadas, redundando em irregularidade processual por inobservância da notificação a que se refere o artº 424º, 3C.P.,Pen.”

A 1ª instância, por acórdão de 3 de Agosto de 2009, tinha condenado o arguido AA pela prática, em autoria material, e na forma consumada, de: - Um crime de corrupção passiva para acto ilícito (por reporte aos factos relativos ao arguido CC), p. e p. pelas disposições conjugadas dos arts.º 3º, n.º 1, alínea i) e 16.º n.º 1, da Lei n.º 34/87, de 16 de Julho, na redacção introduzida pela Lei 108/2001 de 28-11, na pena de três anos e sete meses de prisão; um crime de abuso de poder, p. e p. pelas disposições conjugadas dos arts.º 3º, n.º 1, alínea i) e 26.º, n.º 1, da Lei n.º 34/87, de 16 de Julho, na pena de quinze meses de prisão; um crime de fraude fiscal, p. e p. pelo art.º 103º, n.º 1, alínea b), da Lei n.º 15/2001, de 5 de Junho, na pena de dois anos de prisão; um crime de branqueamento de capitais, p. e p. pelo art.º 2º, n.º 1, als. a) e b) do Decreto Lei n.º 325/95, de 2 de Dezembro, na redacção introduzida pela Lei n.º 10/2002 de 11 de Fevereiro, na pena de quatro anos de prisão;
Em cúmulo jurídico das penas parcelares então impostas, nos termos do art. 77º do C. Penal, condenou o arguido AA na pena única de sete anos de prisão.

A 2ª instância, por acórdão de 13 de Julho de 2010, decidiu: - Anular o acórdão recorrido quanto à condenação do arguido AA, pelo crime de corrupção passiva para acto ilícito (por reporte aos factos relativos a CC), também no que se refere à pena acessória de perda do mandato,(…); revogar a condenação do arguido pelo crime de abuso de poder, absolvendo-o do mesmo (por não terem ficado provados factos suficientes para a condenação), e suprimir alguns dos factos, nos termos concretizados acima [referentes aos factos desse crime – fls 116] ; alterar a condenação do arguido relativamente aos factos relativos à fraude fiscal, no sentido de o condenar, agora, por três crimes de fraude fiscal (um do art. 23 do RJIFNA e dois do art. 103/1 do RGIT), na pena de 4 meses de prisão por cada um; alterar a condenação do arguido, pela prática de um crime de branqueamento de capitais [art. 2/1, als. a) e b) do Dec. Lei 325/95, de 2/12, na redacção introduzida pela Lei 10/2002 de 11/02, tendo em conta o nº. 2 do art. 2 desse Dec. Lei, bem como a moldura penal do crime de fraude fiscal], baixando-a para 1 ano e 5 meses de prisão.

Em cúmulo jurídico das penas parcelares ora impostas, nos termos do art. 77 do CP, condenou o arguido na pena única de 2 anos de prisão.

É pois evidente que, a decisão da Relação não ampliou, mas reduziu as penas, aplicando penas, parcelares e de cúmulo, inferiores a oito anos de prisão, pelo que houve confirmação in mellius, não sendo, por conseguinte admissível recurso.
Como refere a Dig.ma Magistrada do Ministério Público junto deste Supremo, em seu Parecer:
“O quantum das penas parcelares e única é que foi inferior ao aplicado na 1ª instância, verificando-se uma confirmação “in melius” segundo a jurisprudência do STJ..
O acórdão agora recorrido manteve toda a matéria de facto relativamente a estes crimes e alterou as medidas das penas de 4 anos para 1 ano e 5 meses (branqueamento de capitais) e de 2 anos de prisão para 4 meses cada um dos três crimes de fraude fiscal.
Além das penas aplicadas ao arguido serem inferiores a 5 anos de prisão também os respectivos crimes são puníveis com penas igualmente inferiores ambos são puníveis com penas de 1 a 3 anos de prisão (arts. 23, nº 4 do RJIFNA, 103º, nº 1 do RGIT e 2º, nº 2 do dec.lei 325/95)
(…)
Não poderemos deixar de referir que o arguido/recorrente estaria bem ciente da impossibilidade de interpor recurso pois até arguiu, oportunamente, em 6 de Setembro de 2010, irregularidades e nulidades que encontrou no acórdão da Relação, nomeadamente sobre a medida da pena e a sua não suspensão e suscitou a alteração da matéria de facto no crime de fraude fiscal para pugnar e arguir uma inconstitucionalidade, que não abrange a aplicação do disposto nos arts. 432°, n° 1, c) e 400, n° 1 f) do CPP.
Este requerimento em conferência no Tribunal da Relação de Lisboa em 2.11.2010 foi indeferida, pois foi decidido que o acórdão não enferma de qualquer nulidade ou irregularidade sem padecer de qualquer aclaração.
De qualquer modo uma jurisprudência firme e reiterado do Tribunal Constitucional antes e depois de Setembro de 2007 é no sentido de não considerar ser inconstitucional a circunstancia de haver dupla conforme depois de ter havido redução da pena num acórdão da relação, nos termos do art. 400° n° 1, aI. f) do CPP e por isso não poder haver recurso para o STJ em terceiro grau de jurisdição em matéria penal - Acórdãos do Tribunal Constitucional n° 2/06 de 13.1.2001, Ac. n° 20/2007 de 17/01.2007, o ac. n° 645/2009 de 15.12.2009.”
Aliás, também o acórdão de 15 de Dezembro de 2009, proferido no processo n.º 846/09, 2ª Secção, do Tribunal Constitucional decidiu:
“a) Não julgar inconstitucional a norma do artigo 400.º, n.º 1, alínea f), do Código de Processo Penal, na redacção da Lei n.º 48/2007 de 29 de Agosto, na medida em que condiciona a admissibilidade de recurso para o Supremo Tribunal de Justiça aos acórdãos condenatórios proferidos, em recurso, pelas relações, que confirmem decisão de 1.ª instância e apliquem pena de prisão não superior a 8 anos.
b) Não julgar inconstitucional a norma resultante da conjugação do artigo 400.º, n.º 1, alínea f), do Código de Processo Penal, na redacção da Lei n.º 48/2007 de 29 de Agosto, e artigo 5.º, n.º 2, do mesmo Código, interpretada no sentido de que, em processos iniciados anteriormente à vigência da Lei n.º 48/2007, não é admissível recurso de acórdãos condenatórios proferidos, em recurso, pelas relações, que confirmem decisão de 1.ª instância, proferida após a entrada em vigor da referida lei, e apliquem pena de prisão não superior a 8 anos.”

Não é pois admissível recurso para o STJ, atento o disposto no art. 400.°, n.º 1, al. f), do CPP, na nova redacção introduzida pela Lei 48/2007, que determina a irrecorribilidade de acórdãos condenatórios proferidos, em recurso, pelas Relações, que confirmem decisão de 1.ª instância e apliquem pena de prisão não superior a 8 anos (na redacção anterior, o critério da recorribilidade em caso de idêntica decisão nas instâncias – “dupla conforme” – partia da pena aplicável ao crime e não da pena concretamente aplicada .v. cit. Ac. de V. Ac. de 18-06-2008, Proc. n.º 1624/08 “
O artigo 32º da Constituição da República Portuguesa, não confere a obrigatoriedade de um duplo grau de recurso, ou terceiro grau de jurisdição, assegurando-se o direito ao recurso nos termos processuais admitidos pela lei ordinária.
As legítimas expectativas criadas foram acauteladas constitucionalmente, na situação concreta, com o recurso interposto para a Relação, por força da conjugação do artº 432º al. c), 414º nº 8 e 427º, ambos do CPP.

Não há qualquer violação de normas constitucionais.

-
V - De outra banda, ainda que não houvesse dupla conforme, também a interposição do presente recurso para o Supremo Tribunal de Justiça é inadmissível, por ser legalmente fundada a inadmissibilidade do mesmo face ao quantum da pena aplicada.

Explicando:

a- Anteriormente à vigência da Lei nº 48/2007, - artº 400º nº 1 al e) do CPP - não havia dúvida de que não era admissível recurso de acórdão da Relação que tivesse por objecto crime a que em abstracto correspondesse pena não superior a 5 anos de prisão.
Não seria em tal caso admissível recurso para o Supremo Tribunal de Justiça

Actualmente, embora, a al. b) do artº 432º do CPP, se mantenha com a mesma redacção, já a redacção da alínea e) do artigo 400º do mesmo diploma, foi alterada na revisão operada pela mesma Lei, não sendo admissível recurso:
“e) De acórdão proferidos, em recurso, pelas relações, que apliquem pena não privativa de liberdade”

Mas, entendemos que a mesma filosofia legal se mantém após a vigência da Lei nº 48/2007 de 29 de Agosto, e não é contrariada pela recente Lei nº 26/2010, de 30 de Agosto.

A alínea e) do nº 1 do artº 400º do CPP é neutralmente descomprometida, pois que nada contempla quanto às possibilidades legais de admissibilidade de recurso quando a condenação tenha aplicado pena de prisão.
Somente fazendo uma interpretação a contrario, pelo que a norma não diz, é que poderia defender-se a tese de que logo em todos os casos de condenação em pena de prisão, pela Relação, seria admissível recurso para o Supremo.

Mas, nem o argumento a contrario, ainda que ancorado em protecção de direitos fundamentais (e a prisão é uma restrição ao direito à liberdade), mereceria acolhimento mesmo do ponto de vista legal.

Na verdade, como poderiam entender-se as situações legalmente previstas de inadmissibilidade de recurso para o Supremo, nos casos de condenação em pena de prisão?

Diz Maia Gonçalves, Código de Processo Penal, anotado, 16ª edição, 2007, p. 912:
“O dispositivo nesta alínea e), interpretado a contrario, conduzir-nos-ia a admitir recurso para o Supremo de todos os acórdãos proferidos em recurso pelas relações que aplicassem pena privativa de liberdade. Trata-se de um dispositivo algo enigmático pois que, interpretado á letra, logo contraria o dispositivo da alínea seguinte e outras disposições, designadamente o artº 432º para além de colidir com o pensamento legislativo de reservar os recursos para o Supremo para casos de relevante complexidade ou de elevado valor,
O legislador, ao introduzir a redacção do preceito na fase final, diferentemente da Proposta governamental e sem apoio em trabalhos preparatórios, não desconhecia certamente o que se dispunha e continua a dispor na alínea seguinte (f) e não era querido entrar em colisão com o que aí e em outros dispositivos se estabelece. Por outro lado, e simultaneamente, o CP veio estabelecer, no artº 11º, a responsabilidade geral das pessoas colectivas e, para elas, penas até então desconhecidas, quer no CP quer no CPP, e não privativas de liberdade. Sem este dispositivo da alínea e) haveria sempre recurso para o Supremo de acórdãos das relações que aplicassem tais penas solução certamente fora d pensamento legislativo e impraticável.
Tudo ponderado, em nosso entendimento, esta alínea e), demais conjugada com a alínea g), não colide com os demais casos de inadmissibilidade de recurso para o Supremo, designadamente com os estabelecidos na alínea f) e no artº 432º. Esse dispositivo tem campo eleito de aplicação no que concerne a penas aplicadas a pessoas colectivas.
Em síntese, entendemos que este dispositivo da alínea e) significa que de acórdãos proferidos em recurso pelas relações que apliquem pena não privativa de liberdade não há recurso para o Supremo, mantendo-se integralmente todos os outros dispositivos.”

b- Insofismável é que o n º 1, alínea e) do artº 400º do CPP apenas diz que não é admissível recurso “De acórdãos proferidos, em recurso, pelas relações, que apliquem pena não privativa de liberdade”
Mas não diz que seja admissível recurso “De acórdão proferidos, em recurso, pelas relações, que não apliquem pena não privativa de liberdade”
O facto de o legislador não ter consagrado a redacção constante da Proposta de Lei nº 109/X (“Não é admissível recurso de acórdãos proferidos, em recurso, pelas relações, que apliquem pena de multa, ou pena de prisão não superior a cinco anos”), apenas significa o que é óbvio, que o legislador quis aprovar a norma tendo apenas por objecto “pena não privativa de liberdade”, a qual, não se confunde nem abarca apenas a pena de multa, mas também outras penas de substituição, e porventura alguma das penas aplicáveis a pessoas colectivas.
-
c- Em direito processual penal, a interpretação da norma não vale pelo que ela não diz, mas, sim, perante o que ela diz, aquilo que quis dizer.

A delimitação do objecto da inadmissibilidade de recurso para o Supremo, constante da citada alínea e) do nº 1 do artº 400º do CPP é pois, exclusivamente concernente à aplicação de pena não privativa de liberdade.

A pena não privativa de liberdade é assim, o limite intransponível do objecto da referida norma.

Não se vê por isso como possa ofender o principio da legalidade, uma que vez que se trata de uma norma precisa.

Nem é o facto de se argumentar com principio da recorribilidade, previsto no artº 399º do CPP que afronta a legalidade interpretativa da exclusiva confinância da al. e) do nº 1 do artº 400º apenas aos casos de irrecorribilidade de decisões que apliquem penas não privativas de liberdade.

Afirmar-se o contrário, não tem suporte legal, ainda que se chame à colação a norma geral de recorribilidade – o referido artº 399º do CPP- uma vez não deve olvidar-se que este preceito adjectivo ao determinar que – “É permitido recorrer dos acórdãos, das sentenças e dos despachos”, acrescenta “cuja irrecorribilidade não estiver prevista na lei”

Ora, se a norma da alínea e) do nº 1 do artº 400º nada adianta quanto aos recursos de decisões condenatórias em pena de prisão, pela Relação, e se há norma que admite o recurso para o Supremo de decisões de 1ª instância proferidas pelo Tribunal Colectivo que apliquem pena de prisão superior a 5 anos, e norma que não admite o recurso de decisões da Relação que aplique pena de prisão superior a 5 e inferior a 8 anos de prisão, em caso de dupla conforme, é evidente que há necessidade de interpretação das normas legais, em conjugação intrínseca e na sua dimensão teleológica no sistema jurídico, sobre as situações em que as Relações, em recurso, apliquem pena de prisão não superior a cinco anos.

De igual modo a norma que integra a alínea b) do nº 1 do artº 432º, que prevê a recorribilidade para o Supremo Tribunal de Justiça, “De decisões que não sejam irrecorríveis proferidas pelas Relações, em recurso, nos termos do artº 400º” é vaga - qual norma em branco - de reenvio, mas de solução tautológica - , que remete para o artº 400º, que como referimos nada esclarece na alínea b) quanto a decisões condenatórias, proferidas pelas Relações, em recurso, que apliquem pena inferior ou igual a cinco anos de prisão, criando-se assim entre elas uma tautologia de imprecisão.

d- Que diz a norma geral de interpretação da lei?
Como se sabe, resulta do artº 9º do Código Civil que a interpretação não deve cingir-se à letra da lei, mas reconstituir o pensamento legislativo, tendo sobretudo em conta a unidade do sistema jurídico, as circunstâncias em que a lei foi elaborada e as condições específicas do tempo em que é aplicada (nº1), não podendo, porém, ser considerado pelo intérprete o pensamento legislativo que não tenha na letra da lei um mínimo de correspondência verbal, ainda que imperfeitamente expresso (nº2), e na fixação do sentido e alcance da lei, o intérprete presumirá que o legislador consagrou as soluções mais acertadas e soube exprimir o seu pensamento em termos adequados (nº3)

Pires de Lima e Antunes Varela, Código Civil Anotado, Volume I (artºs 1º a 761º), 4ª edição revista e actualizada, com a colaboração de M.Henrique Mesquita, Coimbra Editora, Limitada, 1987, p.58, anotam que “ (…) o preceito não deixa de expressamente considerar relevantes as condições específicas do tempo em que a norma é aplicada (nota vincadamente actualista).
O facto de o artigo afirmar que a reconstituição do pensamento legislativo deve fazer-se a partir dos textos não significa, de modo nenhum, que o intérprete não possa ou não deva socorrer-se de outros elementos para esse efeito, nomeadamente do espírito da lei (mens legis).
2. Resumindo, embora sem grande rigor, o pensamento geral desta disposição, pode dizer-se que o sentido decisivo da lei coincidirá com a vontade real do legislador, sempre que esta seja clara e inequivocamente demonstrada através do texto legal, do relatório do diploma ou dos próprios trabalhos preparatórios da lei.
Quando, porém, assim não suceda, o Código faz apelo franco, como não poderia deixar de ser, a critérios, de carácter objectivo, como são os que constam do nº 3.”

Por seu lado, Figueiredo Dias, Direito Processual Penal, Primeiro Volume, Coimbra Editora, Limitada, -1974, p.95, elucida que:”2. Nas suas linhas essenciais, portanto, o problema da interpretação da lei não ganha, em direito processual penal, autonomia: trata-se aí, como em geral, da necessidade de uma actividade – prévia em relação à aplicação do direito e que, por isso mesmo, em nada contende com o carácter não subsuntivo desta operação – tendente a descortinar o conteúdo de sentido ínsito em um certo texto legal. Só convirá aqui relembrar dois pontos já devidamente acentuados: é o primeiro o da relevância que, para uma interpretação axiológica e teleológica nos domínios da nossa disciplina, assume a consideração do fim do processo; é o segundo o da necessidade de, por ser o direito processual penal verdadeiro «direito constitucional aplicado», se tomar na devida conta o princípio da interpretação conforme à Constituição.”
E como refere este Insigne Professor, Direito Penal. Parte Geral I, Questões Fundamentais. A Doutrina Geral do Crime, 2ª ed. Coimbra Editora, 2007,8.° Cap., § 20:
"O legislador penal é obrigado a exprimir-se através de palavras; as quais todavia nem sempre possuem um único sentido, mas pelo contrário se apresentam polissémicas. Por isso o texto legal se toma carente de interpretação (e neste sentido, atenta a primazia da teleologia legal, de concretização, complementação ou desenvolvimento judicial), oferecendo as palavras que o compõem, segundo o seu sentido comum e literal, um quadro (e portanto uma pluralidade) de significações dentro do qual o aplicador da lei se pode mover e pode optar sem ultrapassar os limites legítimos da interpretação. Fora deste quadro, sob não importa que argumento, o aplicador encontra-se inserido já no domínio da analogia proibida. Um tal quadro não constitui por isso critério ou elemento, mas limite da interpretação admissível em direito penal”.

e- A actividade leginterpretativa, reclama pois uma hermenêutica sistémica das disposições legais, na unidade do sistema jurídico.

Como já salientava Maia Gonçalves, Código de Processo Penal, anotado, 16ª edição, 2007, p. 62: “De assinalar que este Código procurou, muito mais que o de 1929, estabelecer uma regulamentação total e autónoma do processo penal tornando-o mais independente do processo civil. Isto é notório ao longo de todo o Código, e atinge a máxima repressão em matéria de recursos.”
Sendo certo que de harmonia com a redacção da alínea d) do artº 432º, anterior à lei 48/2007 de 29 de Agosto, recorria-se para o Supremo Tribunal de Justiça “De acórdãos finais proferidos pelo tribunal colectivo, visando exclusivamente o reexame da matéria de direito” porém, nos termos da alínea e) do artº 400º não era admissível recurso de acórdãos proferidos, em recurso, pelas relações, em processo por crime a que seja aplicável pena de multa ou pena de prisão não superior a cinco anos, mesmo em caso de concurso de infracções, ou em que o Ministério Público tenha usado da faculdade prevista no artigo 16º nº 3.
Ora, cotejando a teleologia destas normas, com a filosofia estruturante do Código verifica-se como informa o seu preâmbulo, que: “tentou obviar-se ao reconhecimento pendor para o abuso dos recursos, abrindo-se a possibilidade de rejeição liminar de todo o recurso por manifesta falta de fundamento. Complementarmente, procurou simplificar-se todo o sistema, abolindo-se concretamente a existência, por regra, de um duplo grau de recurso. Por isso os tribunais de relação passam a conhecer em última instância das decisões finais do juiz singular e das decisões interlocutórias do tribunal colectivo e do júri, devendo o recurso das decisões finais do destes últimos tribunais ser directamente interposto para o Supremo Tribunal de Justiça.”
E, a exposição de motivos da proposta de Lei nº 157/VII, alterando o Código de Processo Penal, pretendeu limitar a intervenção do Supremo Tribunal de Justiça a casos de maior gravidade: “Retoma-se a ideia de diferenciação orgânica, mas apenas fundada no princípio de que os casos de pequena ou média gravidade não devem, por norma, chegar ao Supremo Tribunal de Justiça” (ponto 16. e) da Proposta de Lei.

Assim, é de formular o entendimento de que o legislador não se quis afastar do patamar mínimo de pena superior a 5 anos de prisão, para que possa haver recurso para o Supremo Tribunal.

f- Mesmo quem defenda que a al. e) do nº 1 do art 400º do CPP cauciona o recurso para o Supremo Tribunal de Justiça de decisão condenatória proferida em recurso pela Relação, em pena de prisão, não pode alhear-se da conjugação dessa norma com a teleologia definida pela norma da alínea c) do nº 1 do artº 432º do CPP., tendo em conta o regime de recurso em processo penal querido pelo legislador, bem como o papel pretendido reservar pelo legislador ao Supremo Tribunal de Justiça.

A al. c) do nº 1 do artº 432º do CPP, surgida na sequência do Acórdão de uniformização de jurisprudência deste Supremo, nº 8/2007, de 14 de Março de 2007, Diário da República, I- série, de 4 de Junho de 2007, independentemente de por fim à querela jurisprudencial sobre a vontade do recorrente na determinação do tribunal superior de recurso, indica esse patamar mínimo como factor objectivo dos casos de recurso admissível para o Supremo Tribunal de Justiça, de decisões condenatórias proferidas em recurso pelas Relações, em que aplique pena de prisão inferior a cinco anos, que provenham da 1ª instância, sejam de tribunal singular, sejam de tribunal colectivo.
Ou seja, o legislador, ao arredar da competência do Supremo o julgamento dos recursos de acórdãos proferidos, em recurso, pelas relações, que apliquem pena não privativa da liberdade, quis implicitamente significar, de harmonia com o artº 9º do Código Civil, na teleologia e unidade do sistema quanto a penas privativas de liberdade, que, só sendo admissíveis recurso para o Supremo de acórdãos do tribunal colectivo que tenham por objecto pena superior a cinco anos de prisão - uma vez que as penas inferiores a cinco anos de prisão caem na competência do juiz singular e não há recurso de decisões do tribunal singular para o Supremo Tribunal de Justiça - apenas é admissível recurso de acórdão da Relação para o Supremo quando a Relação julgar recurso de decisão do Tribunal Colectivo, ou de júri, em que estes tivessem aplicado pena superior a 5 anos de prisão.
Neste sentido tem vindo o Supremo a decidir, de que são exemplo: “ACSTJ de 22.04.09 - Rec. n.º 3938.03.0TDLSB - 3a, que segue a orientação do ACSTJ de 18.02.09 - Rec. nº 102/09-a e é unanimemente adoptada pela 3ª secção - cfr. acórdãos de 08.11.12 e de 09.02.25, proferidos nos Recursos n.os 3546/08 e 390/09, bem como a decisão sumária proferida no Recurso n.º 492/09.

Nesta ordem de ideias e tendo em conta, o disposto no artº 9º do Código Civil, afigura-se esta interpretação como a solução em conformidade legal na harmonia do sistema jurídico.

A norma da alínea e) do nº 1 do artº 400º do CPP, é uma norma funcionalmente delimitativa no sentido de que ficam excluídos da abrangência do recurso para o Supremo as decisões que apliquem quaisquer penas não privativas de liberdade.
Há pois, na sua dimensão substancial que conjugar essa norma com a teleologia definida pela norma da alínea c) do nº 1 do artº 432º do CPP., tendo em conta, repete-se, o regime de recurso em processo penal querido pelo legislador, bem como o papel por ele pretendido reservar ao Supremo Tribunal de Justiça.

g- Acrescente-se que, conforme artº 427º do mesmo diploma legal adjectivo: - “Exceptuados os casos em que há recurso directo para o Supremo Tribunal de Justiça, o recurso de decisão proferida por tribunal de 1ª instância interpõe-se para a relação.”
Bem se compreende que o regime regra seja o de recurso para a Relação, uma vez que as relações conhecem de facto e de direito – artº 428º do CPP.
Seria, na verdade ilógico e contraditório, não fazendo qualquer sentido normativo (material e processual), que, em casos de pequena gravidade penal onde não era admissível recurso de acórdão da 1ª instância para o Supremo Tribunal de Justiça, por ter aplicado pena de prisão não superior a cinco anos, tendo sido, por isso, interposto recurso para a Relação - tribunal competente para apreciar esse recurso - já porém, pudesse haver recurso para o Supremo Tribunal de Justiça da decisão do tribunal superior – o tribunal da relação - competente para o julgamento do mesmo recurso, que aplicasse pena não superior a 5 anos de prisão, e, por outro lado, não fosse admitido o recurso da Relação para o Supremo em casos de maior gravidade, punidos com pena de prisão até oito anos, quando se verificasse a dupla conforme.
A admitir-se tal ilogismo interpretativo, seria lançar a lei em contradictio in adjectu, o que manifestamente o legislador não terá querido, pois que, como se referiu supra “na fixação do sentido e alcance da lei, o intérprete presumirá que o legislador consagrou as soluções mais acertadas e soube exprimir o seu pensamento em termos adequados (nº3 do artº 9º do CC.).

Uma vez que, in casu, a pena de prisão aplicada na Relação, não excede 5 anos de prisão, e foi proferida em recurso, não é admissível recurso para o Supremo Tribunal de Justiça dessa decisão da Relação.

h- A situação jurídica exposta não traduz qualquer diminuição das garantias de defesa nem prejudica o arguido, nem limita o exercício do direito ao recurso, pelo recorrente, uma vez que o artº 32º nº 1 da Constituição da República, não garante a existência de um duplo grau de recurso, mas sim o recurso, que foi efectivamente exercido pelo o arguido
Como referem JJ. Gomes Canotilho e Vital Moreira, CRP Constituição da República Portuguesa, Anotada, Artigos 1º a 107º, Volume I, 4ª Edição Revista, Coimbra Editora, p. 31: “III. A lei nº 1/97 incluiu expressamente como candidato positivo das garantias de defesa o direito ao recurso (nº 1,II parte). Trata-se de explicitar que, em matéria penal, o direito de defesa pressupõe a existência de um duplo grau de jurisdição na medida em que o direito ao recurso integra o núcleo essencial das garantias de defesa constitucionalmente assegurado. Na falta de especificação, o direito ao recurso traduz-se na reapreciação da questão por um tribunal superior, quer quanto à matéria de direito quer quanto à matéria de facto. Era esta, de resto, a posição já defendida pela doutrina e acolhida pela jurisprudência do Tribunal Constitucional desde sempre (cfr. por último, AcsTC nºs 638/98, 202/99 e 415/01).”
Na verdade, como se disse no sumário do Acórdão deste Supremo de 25-11-2010 226/02.2GGLSB.L1.S1, 5ªsecção, “o Tribunal Constitucional tem reafirmado em diversos acórdãos e ao longo dos anos que «A Constituição não impõe ao legislador a obrigação de consagrar o direito de recorrer de todo e qualquer acto do juiz, admitindo-se embora, no processo penal, o direito a um duplo grau de jurisdição como decorrência da exigência constitucional do principio da defesa, mas já não o direito a um triplo grau de jurisdição» (v.g. Acs. do TC n.ºs 163/90 de 23-05-1990, 331/02 de 10-07-2002, 377/03 de 15-07-2003, 375/05 de 07-07-2005, 64/06 de 24-01-2006, 530/07 de 29-10-2007).

i- Este entendimento compagina-se aliás, com o descrito na Declaração Universal dos Direitos do Homem, de 10 de Dezembro de 1948 –v. artº 8º - e com o constante da Convenção Europeia de Extradição aprovada para ratificação pela Lei nº 65/78, de 13 de Outubro, referindo o artº 13º da Convenção que “Qualquer pessoa cujos direitos e liberdades reconhecidas na presente Convenção tiverem sido violados tem direito a recurso perante uma instância nacional (…)”
O artigo 32º da Constituição da República Portuguesa ao não conferir assim, a obrigatoriedade de um duplo grau de recurso, ou terceiro grau de jurisdição, assegura o direito ao recurso nos termos processuais admitidos pela lei ordinária.

Não é o interesse em agir dos sujeitos processuais intervenientes que define as situações legalmente previstas de admissibilidade de recurso.
È a lei processual, de natureza pública e em conformidade constitucional, que estabelece os graus de recurso e respectivos pressupostos.

As legítimas expectativas criadas nas garantias de defesa, encontram-se acauteladas constitucionalmente, na situação concreta, com o recurso interposto para a Relação, por força da conjugação do artº 432º nº 1 al. c) e 427º, ambos do CPP.
Não há qualquer violação de normas constitucionais.

Não é, pois, admissível, o presente recurso interposto em matéria penal, do acórdão da Relação de Lisboa.
-
B
I
Refere a Exma Magistrada do Ministério Público junto deste Supremo:
“Sendo irrecorrível o acórdão condenatório proferido pelo Tribunal da Relação de Lisboa, todas as questões colocadas pelo arguido/recorrente AA nas conclusões que delimitam o conhecimento do seu recurso, versam sobre questões que já não podem ser impugnadas – absolvições dos respectivos crimes, nulidades sobre a medida da(s) pena(s) e a sua não suspensão, alteração da matéria de facto, invalidade de meios de prova e inexistência de pressupostos da responsabilidade civil por violação das normas tributárias e inconstitucionalidades.
2.1. - A única questão que vai para além dos crimes de branqueamento de capitais e abuso de fraude fiscal que o arguido/recorrente suscita é o pedido de revogação da separação do processo quanto a um dos crimes de corrupção passiva para acto ilícito e a reabertura da audiência de julgamento, por ter sido anulado o acórdão recorrido quanto à condenação do arguido AA por autoria desse crime
Este segmento do acórdão do Tribunal da Relação também é irrecorrível por não ser uma decisão final pois surge devido ao recurso interposto pelo arguido do acórdão da 1ª instância que o havia condenado por autoria desse crime (arts. 432º, nº 1, b) e 400º, nº 1, c) do CPP)
A al. c) do nº 1 do art. 400º do CPP consagra a não admissão de recurso de “acórdãos proferidos em recurso pelas relações que não conheçam a final do objecto do processo bem como a al. b) que abrange “decisões que ordenam actos dependentes da livre resolução do tribunal”.
2.2. – Ainda nas suas conclusões o arguido/recorrente suscita a inconstitucionalidade do art. 40º, do dec. lei 34/87 quando esta disposição impossibilita a constituição do tribunal de júri.
No entanto o arguido já interpôs recurso para o Tribunal Constitucional de tal decisão interlocutória porque esta decisões só poderão ser apreciadas pelo Supremo Tribunal de Justiça quando subam com recursos directos conforme dispõe a al. d) do nº 1 do art. 432º do CPP o que não acontece neste processo.
Também por isso o Supremo Tribunal de Justiça está impossibilitado de conhecer esta questão.”

Com efeito:

A admissibilidade ou não de determinado recurso é questão prévia ao conhecimento do mesmo.
Só pode conhecer-se de qualquer recurso depois de ser admitido no tribunal a quo e o tribunal ad quem considerar que essa admissão é válida
Donde, sendo o recurso inadmissível, obviamente que tudo se passa como se não tivesse sido admitido, apesar de ter sido admitido na 1ª instância,

Sendo o acórdão recorrido, irrecorrível na parte criminal, óbvio é que das questões que lhe subjazem, sejam elas de constitucionalidade, processuais e substantivas, sejam interlocutórias, ou finais, enfim das questões referentes às razões de facto e direito da condenação em termos penais, não poderá o Supremo conhecer, por não se situarem no círculo jurídico-penal legal do conhecimento processualmente admissível, delimitado pelos poderes de cognição do Supremo.

O acórdão da Relação de que foi interposto o presente recurso é, pelo exposto, irrecorrível, na parte criminal, pelo que não devia ter sido admitido, (artº 414º nº2 do CPP), que conduz á sua rejeição nos termos do artº 420º nº 1 al.b) do CPP.

Apesar de ter sido admitido o recurso, a decisão que admita o recurso ou que determine o efeito que lhe cabe ou o regime de subida não vincula o tribunal superior (nº 3 do artº 414º do CPP).

II
1. Relativamente ao pedido de indemnização civil, o arguido, nas conclusões da sua motivação de recurso, alega que:
- Independentemente da prévia ou posterior liquidação, quaisquer liquidações de impostos, devem obedecer aos procedimentos previstos no Código de Processo e de Procedimento Tributário e na Lei Geral Tributária. (conclusão 44ª).
- Face ao regime do artigo 45° da LGT, nos casos de crime fiscal estando em causa a liquidação de tributos, essa liquidação deve ser feita sempre nos termos do processo tributário e nunca no âmbito do processo penal, o que significa que nesses casos não tem que ser deduzido qualquer pedido cível no processo penal: o apuramento dos tributos eventualmente em dívida terão que ser apurados nos termos das regras de procedimento e processo tributário, para o que a administração fiscal dispõe de um ano após o trânsito em julgado da decisão que vier a ser proferida no processo crime.(conclusão 45ª);Sendo o pedido de indemnização civil em causa nestes autos integralmente relativo ao Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares, importava respeitar o disposto no n.° 3 do artigo 103.° da Constituição da República Portuguesa (que foi violado) que estipula que ninguém pode ser obrigado a pagar impostos "cuja liquidação e cobrança se não faça nos termos da Lei [de processo tributário]".(conclusão 46ª)
- O pedido de indemnização, que agora foi, em parte, confirmado, sustenta-se em pseudo-liquidações que não puderam ser sindicadas pelo contribuinte seja à luz das normas que regem o IRS bem como da Lei Geral Tributária e do Código do Procedimento e Processo Tributário, dado que tais liquidações foram feitas ad hoc, sem observância daquelas normas, pelo Ministério Público que não tem competência legal para o efeito. Ao ignorarem-se as regras do procedimento e processo tributário e competência da administração fiscal para o efeito, o recorrente não teve a possibilidade de interpor reclamação graciosa, recurso hierárquico ou qualquer outro meio de reacção previsto na legislação tributária. Foi ainda coarctado o direito do recorrente solicitar a revisão dos actos tributários que lhe foram imputados. Nem a Lei Geral Tributária nem o Código de Procedimento e Processo Tributário ou o Regime Geral das Infracções Tributárias contemplam a possibilidade de a liquidação operar-se por via do processo penal e por intervenção directa do Ministério Público, nos termos em que nos presentes aconteceu.
Pelo contrário, tanto que a própria Administração Fiscal emitiu circular para os seus serviços, com o entendimento de que o processo penal não é o meio idóneo para exigir do infractor o pagamento de impostos porquanto não permite, pelas razões expostas, que o contribuinte reaja pelos meios disponíveis na legislação tributária. Previamente à elaboração da liquidação ad hoc que foi utilizada pelo Ministério Público para formular o pedido de indemnização civil, ímpunha-se a audição do recorrente, pelo que, não tendo sido tal feito, foi violado o princípio da participação previsto no n.° 5 do artigo 268.° da CRP e na alínea a) do n.° 1 do artigo 60.° da LGT.- (conclusões 47ª a 51ª)
- Os elementos de prova fornecidos pelas autoridades suíças não eram admissíveis no processo de natureza criminal fiscal, conforme resulta da reserva feita pela Suíça à Convenção Europeia de Auxílio Judiciário Mútuo em Processo Penal e de que as autoridades portugueses foram expressamente advertidas pelo ofício de 13 de Setembro de 2005 do referido Office Federal. O conceito de escroquerie fiscale não abrange os factos que foram objecto da condenação. Ao não se ter tomado em conta a condição imposta, relevando-se tais elementos no acórdão em apreço, seja para efeitos da condenação no crime de fraude fiscal seja para efeitos do pedido de indemnização civil, violou-se o artigo 2.°, ai. a), da Convenção Europeia de Auxílio Judiciário Mútuo em Matéria Penal, de 20.04.1959, nomeadamente face ao princípio pacta sunt servanda bem assim o n.° 1 e 2 do artigo 8.° da Constituição da República Portuguesa.(conclusões 52ª a 54ª)
Termina por pedida a absolvição do pedido de indemnização civil.
Aduz que:
Considerando a inexistência de pressupostos da responsabilidade civil por factos ilícitos, a apresentação do pedido de indemnização civil no processo penal, e reconhecendo-se a violação das normas relativas ao procedimento tributário bem como da Constituição da República Portuguesa, deverá ser revogada a condenação no pedido de indemnização e, no limite, ordenada a tramitação das liquidações que o fundamentam pela via administrativa, em conformidade com as normas do procedimento e processo tributário.
Deverá ainda ser declarada a invalidade dos meios de prova obtidos por carta rogatória enviada à Suíça e, consequentemente, descontada a valoração daqueles elementos, revogado o cálculo das penas parcelares dos crimes de fraude fiscal e de branqueamento de capitais bem como do valor do pedido de indemnização civil.

2. As questões suscitadas foram apresentadas no recurso interposto para a Relação, a propósito das ilicitudes e da responsabilidade criminal, pelo que não conhecendo o Supremo do recurso em matéria criminal, prejudicado fica o conhecimento dessas questões convocadas para a questão criminal.
Aliás, ainda que delas se pretendam retirar efeitos para apreciação do pedido de indemnização civil., essas questões foram conhecidas e decididas pela Relação:
Quanto aos elementos de prova fornecidos pelas autoridades suíças que o recorrente alega que não eram admissíveis no processo de natureza criminal fiscal, conforme resulta da reserva feita pela Suíça à Convenção Europeia de Auxílio Judiciário Mútuo em Processo Penal e de que as autoridades portugueses foram expressamente advertidas pelo ofício de 13 de Setembro de 2005 do referido Office Federal, na decisão recorrida se considerou:
“O arguido interpôs ainda um outro recurso interlocutório sobre a validade de meios de prova. Quer que também seja agora apreciado (cfr. fls. 8509 a 8513). Ou seja, segundo lembra a Srª Procuradora-Geral-Adjunta nesta Relação, interpôs recurso da decisão que indeferira a arguição da nulidade por si sustentada referente à invalidade das provas decorrentes da expedição de cartas rogatórias à Suíça (integrada, como questão prévia, na decisão instrutória antecedendo a pronúncia do arguido e constante de fls. 8289 e verso). Mas, como também lembra a Srª PGA, esse recurso não foi admitido, face à reconhecida irrecorribilidade de tal decisão, nos termos das disposições conjugadas dos arts. 310, nºs.1 e 3, com referência ao art. 399 do CPP (cfr. fls. 8662 a 8669). Pelo que, como diz a Srª PGA não há que conhecer deste recurso, ao contrário do que o arguido pretende. “

E a partir de fls 185, o acórdão recorrido .debruçou-se sobre a questão prévia da alegada nulidade dos meios de prova obtidos através de carta rogatória, por consubstanciarem prova proibida, explicitando a fls 210:

“Em suma, não se verificando a invalidade invocada, nem a utilização proibida de prova, afasta-se também o argumento final da invalidade que inquinaria, de forma irremediável, o acórdão recorrido, bem como todos os elementos nos quais se baseia a “liquidação” de impostos, e que o arguido invocou nos termos do artigo 122/1 do CPP, por este se fundar, a título principal, nos elementos recolhidos a partir daquelas cartas rogatórias, bem como todos os actos subsequentes.

Anote-se aqui, antes de mais, que o facto de não ser admissível – e de não ter sido admitido - recurso da decisão que se pronunciou sobre a questão da proibição da prova, no despacho de pronúncia (como se viu quase no início deste acórdão), não implica que tal despacho tenha feito caso julgado sobre a questão. Até porque, como diz o art. 310/2 do CPP, o despacho em causa não prejudicaria a competência do tribunal do julgamento para excluir provas proibidas. Assim, a questão da utilização de provas proibidas, na sentença/acórdão, continuaria a poder ser colocada legitimamente, pelo que há que conhecer dela (como aliás se está a fazer agora).”

“Voltando à questão”, depois de referir a fls 211 que: “ se tudo fosse como pretende o arguido, isto é, se houvesse uma proibição de prova, tal não teria o efeito pretendido pelo arguido. Isto é, se os resultados das cartas rogatórias não existissem, os factos dos depósitos bancários, da fraude fiscal e do branqueamento de capitais estariam à mesma provados. Está-lo-iam por força da confissão livre do arguido feita sobre eles. Esta confissão não estaria inquinada pois que não era fruto da árvore envenenada”, e a fls 213: “a verdade é que, como decorre do que foi dito a propósito da proibição de prova, não se verificou nenhuma nulidade na produção da prova através da carta rogatória, pelo que se julga improcedente a arguição que se pudesse entender estar aqui em causa a este título”, considerou a fls 213:” a verdade é que, como decorre do que foi dito a propósito da proibição de prova, não se verificou nenhuma nulidade na produção da prova através da carta rogatória, pelo que se julga improcedente a arguição que se pudesse entender estar aqui em causa a este título”, e concluiu a fls 221: “Em suma:

1. O crime de fraude fiscal praticado pelo arguido tem as características necessárias para poder ser considerado uma escroquerie fiscale no sentido do direito suíço e uma fraude fiscale (= art. 186 da LIFD).

2. A Suíça concedeu a assistência para prova do crime de fraude fiscale (podendo entender-se que o fez limitadamente e partindo do princípio de que se tratava de uma fraude fiscale e uma escroquerie fiscale ou também porque a fraude fiscale era invocada em simultâneo com o branqueamento fiscal) e para o crime de branqueamento de capitais e a prova fornecida serviu de facto para prova destes dois crimes.

3. Os factos da escroquerie fiscale, da fraude fiscale e do branqueamento de capitais (que não é, de maneira nenhuma, crime fiscal) ficaram provados, em parte, com base nos documentos suíços, mas não só.

4. A falta de verificação de parte de uma condição de utilização de um documento, apenas relativamente a um crime, mas não para todo o processo, não corporiza uma proibição de prova, por não se traduzir numa qualquer afronta à dignidade humana, à liberdade de decisão ou de vontade ou à integridade física ou moral das pessoas, como o revela também o facto de a autorização da utilização poder ser concedida para outro tipo de situações que nada têm a ver com crimes.

5. O arguido confirmou, de forma livre e esclarecida (até por estar representado, como não podia deixar de ser, por advogado e também por ter antes sido notificado de um outro acórdão no qual se faz referência à doutrina do tribunal constitucional no sentido da validade da confissão apesar de ser subsequente a uma prova declarada nula…), no essencial, quase todos (com uma excepção considerada a seguir) os factos objectivos que foram considerados necessários para o preenchimento do crime de fraude fiscal e de branqueamento de capitais, pelo que todos estes factos podem ser considerados provados com base naquelas declarações.”

Quanto às demais questões centralizadas na questão da aplicabilidade do artigo 42º nº 4 do RGIT, o acórdão recorrido pronunciou-se de fls 256 a fls 259, onde além do mais fundamenta: “quando o art. 42 do RGIT apenas versa sobre a duração do inquérito e seu encerramento e o nº 4 fala em “situação tributária da qual dependa a qualificação criminal dos factos” não em «liquidação do imposto» pela Administração Fiscal enquanto acto susceptível de reclamação graciosa ou de impugnação judicial.

E que assim é, demonstra-o o art. 45/5 do Lei Geral Tributária (Lei 15/2001 de 5/6) segundo o qual “sempre que o direito à liquidação respeite a factos relativamente aos quais foi instaurado inquérito criminal, o prazo a que se refere o n.º 1 é alargado até ao arquivamento ou trânsito em julgado da sentença, acrescido de um ano”. O prazo a que se reporta o n.º 1 do artigo é precisamente o da caducidade do direito à “liquidação”.

Até por aqui se vê também que a expressão “situação tributária” referida no art. 4/2 e 4 do RGIT nem sempre é sinónimo de “liquidação tributária”.

E nem sempre a situação tributária é cognoscível em todos os seus precisos contornos antes da decisão criminal, como pode acontecer no crime de fraude fiscal: como pode a Administração Fiscal ter por certa uma «ocultação» com relevo tributário se carece duma decisão judicial que a confirme?

De resto, desde que indiciado valor superior a 15.000€, o crime de fraude fiscal prescinde do exacto quantum da vantagem patrimonial ilegítima obtida ou que se quis obter.”

E, acolhendo as considerações feitas na resposta do MºPº junto do Tribunal da Relação:

“Por outro lado, parece igualmente ser claro que a “prévia liquidação do imposto”, de que fala o parecer não terá que ser sempre e necessariamente efectuada pela Administração fiscal, nos termos previstos na legislação respectiva – ainda quando seja necessário saber, para efeitos de incriminação, qual o montante da “vantagem patrimonial ilegítima” que o agente do crime pretendia obter, ao ocultar, no caso, factos ou valores.

Tal como o admite o próprio parecer, há uma total autonomia entre a obrigação tributária e a responsabilidade penal tributária, ainda quando fundados na mesma situação de facto tributariamente relevante. Sendo assim, dum ponto de vista penal, a liquidação apenas se mostrará necessária para efeitos de avaliação da relevância típica da conduta (e duma circunstância de fundamental importância para a determinação da medida concreta da pena aplicável), independentemente de liquidação e de eventual cobrança do imposto, propriamente dito.

Estas últimas, a cargo da Administração tributária, não condicionam a eventual relevância criminal dos factos imputáveis ao arguido – que dependerá apenas, como bem tem entendido a jurisprudência, da aptidão da conduta do arguido para diminuir as receitas tributárias (no caso, que aqui nos ocupa, do crime de fraude fiscal).

Daí que não tenha sentido a exigência duma prévia liquidação do tributo devido, por parte da Administração tributária, nomeadamente nos crimes de fraude fiscal (nos quais, precisamente, essa atempada liquidação foi inviabilizada pela actuação do próprio arguido).

Decerto que, na generalidade dos casos, nos quais a actuação ilícita e eventualmente criminosa do arguido seja detectada pela própria Administração tributária, através dos seus usuais processos de fiscalização, deverá ser esta a zelar por que as bases da responsabilização tributária e da responsabilização penal tributária sejam estabelecidas em simultâneo, através da liquidação tributária propriamente dita que se mostre ainda possível (nos termos das regras especificamente aplicáveis na matéria - Daí a previsão do nº 4 do art. 42º do RGIT, que não tem qualquer escopo de prejudicialidade em relação à normal tramitação do processo penal, visando apenas o funcionamento interno de serviços que serão, em princípio, simultaneamente responsáveis pela liquidação dos tributos e pela detecção e investigação de determinados crimes tributários).

Porém, tendo em conta a estruturação dos crimes previstos no RGIT (e em particular da fraude fiscal), daqui não resulta que uma liquidação feita nestes termos, com a constituição duma especifica obrigação tributária, seja essencial para efeitos de responsabilização criminal – sob pena de, assim não sendo, se revelar inviável a punição de todos os que conseguissem, através duma actuação particularmente gravosa, inviabilizar o normal funcionamento da Administração tributária, quanto à detecção e quantificação dos factos tributários por si praticados.

Ora, no caso dos autos, o arguido conseguiu precisamente isso, através da prática de factos que não foram de mera omissão de obrigações declarativas, em termos susceptíveis de controlo por parte da Administração tributária, mas antes de verdadeira dissimulação, ou branqueamento (Independentemente de, neste caso, os actos de branqueamento praticados apenas terem sido tipificados como criminosos, em si mesmos, numa fase tardia da respectiva prática), de valores por si ocultos à Administração tributária – que nada pôde fazer para liquidar os tributos devidos em relação aos mesmos.

Sendo assim, tal liquidação apenas pôde ser efectuada no decurso do próprio processo penal, tendo em vista a prossecução das finalidades específicas deste – ou seja, a comprovação de que os actos praticados pelo arguido AA foram criminosos, porque susceptíveis de lesar a pretensão tributária do Estado em montantes penalmente relevantes.

Daí que, também por esta via, seja exclusivamente imputável ao próprio arguido uma eventual inviabilidade da aplicação do disposto no art. 22 do RGIT.”

Por sua vez, de fls 259 a 269, o acórdão recorrido teve em conta essas questões ao conhecer do pedido de indemnização civil, aludindo ao que foi dito pelo acórdão da 1ª instância, ao parecer do Professor Germano Marques da Silva apresentado com o recurso do arguido, a resposta do MP explicitando aliás, que “ o que aqui está em causa é a responsabilidade civil. conexa com a prática de um crime, não a obrigação tributária” e que “Não estando em causa a condenação no pagamento de um imposto, mas a condenação pelos danos provocados por um crime, é evidente que não está posta em causa a norma do art. 103/3 da CRP (“ninguém pode ser obrigado a pagar impostos que não hajam sido criados nos termos da Constituição, que tenham natureza retroactiva ou cuja liquidação e cobrança se não façam nos termos da lei”).”

Sobre o conhecimento em processo penal, do objecto do pedido de indemnização civil, é certo como já a 1ª instância fundamentou que:” Nos termos do art. 71º do CPP e em conformidade com o princípio da adesão que aí se consagra, deve o pedido de indemnização civil fundado na prática de um crime ser deduzido no âmbito do processo penal em que se aprecia a responsabilidade criminal emergente da infracção cometida.

Tomou, deste modo, o legislador em consideração a “natureza tendencialmente absorvente do facto que dá causa às duas acções”, bem como o interesse social subjacente à reparação dos prejuízos eventualmente verificados pelo agente da infracção que lhes deu causa (Prof. Eduardo Correia, processo criminal, pág.541).

Daí que, (…) o pedido de indemnização civil deduzido em processo penal haja de ser sempre fundado na prática de um crime, entendimento que ficou consagrado no Assento n.º 7/99.

O que, desde logo, significa que o facto constitutivo da sentença condenatória em matéria de responsabilidade civil se há-de poder incluir no âmbito do facto criminoso que ao arguido é imputado, de tal forma que, se não existirem ou simplesmente não se provarem os pressupostos da punição penal, a condenação em indemnização civil possa ainda subsistir sustentada na verificação dos pressupostos da ilicitude civil permitida pela apreciação da realidade factual em causa”

Como se assinala no Parecer junto pelo arguido:

“A obrigação tributária é autónoma da responsabilidade penal tributária. Não é o crime tributário o gerador da obrigação tributária, em regra, e não o é claramente no crime de fraude fiscal. Neste, o facto gerador do imposto é o comportamento omissivo da declaração, nos termos do art. 103 do RGIT e anteriormente do art. 23 do RJINA. Isso não impede que no processo penal tributário possa ser formulado pedido de indemnização, dado que o crime é o facto gerador do não pagamento do imposto e por este facto podem ser responsáveis não apenas o obrigado tributário mas também os agentes do crime. Sucede, porém, que o valor do pedido de indemnização há-de corresponder ao prejuízo do Estado, ou seja, há-de corresponder à obrigação tributária não satisfeita e respectivos acréscimos. Por isso que o Estado possa livremente optar ou pelo processo tributário ou pelo pedido de indemnização no processo penal tributário. Naturalmente que esta opção não tem a ver com o quantum que o Estado pode receber ou a título de cumprimento coercivo da obrigação tributária ou a título de indemnização, mas simplesmente por razões processuais.”

(…).

Entendemos que não há qualquer incompatibilidade entre a responsabilidade por falta de cumprimento da obrigação tributária e a responsabilidade civil emergente do ilícito penal tributário. Com efeito, se o facto constitutivo do crime não é o facto gerador da dívida de imposto (da obrigação tributária) pode ser e é frequentemente a causa do não pagamento, da falta de cumprimento da obrigação tributária, e nessa medida é causa do dano para a administração tributária. A generalidade dos factos constitutivos dos crimes tributários são susceptíveis de causar dano à administração tributária, frustrando o pagamento atempado da prestação tributária; é o que se chama evasão tributária. Este prejuízo coincide quantitativamente, em regra, com o da obrigação de indemnização resultante do incumprimento da obrigação, da prestação tributária em dívida, mas a sua causa é autónoma, específica, e determina regime diverso quanto aos sujeitos passivos responsáveis.”

O arguido não discute o mérito do decidido quanto ao pedido.

E como se disse no acórdão deste Supremo e desta 3ª Secção, de 7 de Novembro de 2007, Proc. nº 3990/07:

Quando a questão objecto do recurso interposto para o Supremo seja a mesma do recurso interposto para a Relação, tem o recorrente de alegar (motivando e concluindo) como fundamento do recurso, as razões específicas que o levam a discordar do acórdão da Relação: - É que o acórdão recorrido é o acórdão do tribunal superior – o tribunal da Relação -, que decidiu o recurso interposto e, não o acórdão proferido na 1ª instância.

Não aduz o recorrente discordância específica relativamente ao acórdão da Relação, que infirme os fundamentos apresentados pela Relação, no conhecimento e decisão da mesmas questões já suscitadas no recurso interposto da decisão da 1ª instância, e nada mais há a acrescentar à fundamentação constante do acórdão da Relação que conheceu de todas as questões que lhe foram colocadas.

Poderá dizer-se que embora o recorrente repristine no recurso para o Supremo, as mesmas questões apresentadas no recurso interposto para a Relação - , embora não aduza discordância específica relativamente ao acórdão da Relação, não explicitando razões jurídicas novas perante o acórdão da Relação, que infirmem os fundamentos apresentados pela Relação no conhecimento e decisão das mesmas questões -, não significa, contudo, que fique excluída a apreciação dessas mesmas questões, mas agora relativamente à dimensão constante do acórdão recorrido, o acórdão da Relação, no que for legalmente possível em reexame da matéria de direito perante o objecto do recurso interposto para o Supremo, pois que o recurso enquanto remédio, é expediente legal para correcção da decisão recorrida (não seu mero aperfeiçoamento), como meio de impugnar e contrariar a mesma, mas, sem prejuízo de que, se nada houver, de novo a acrescentar relativamente aos fundamentos já aduzidos pela Relação na fundamentação utilizada para o julgamento dessas mesmas questões, e que justifique a alteração das mesmas, é de concluir por manifesta improcedência do recurso, pois que caso concorde com a fundamentação da Relação, não incumbe ao Supremo que justifique essa fundamentação com nova argumentação.(v. neste sentido Acórdão deste Supremo e desta Secção de 2 de Fevereiro de 2011, proc. 1375/07.6PBMTS.P1-S2., in www.dgsi.pt)

Ora, não indicando a recorrente qualquer fundamento que não tenha sido devidamente considerado na decisão recorrida, nem especificamente referindo por que deveria ter sido diferentemente considerado, relativamente a essas questões nada havendo, de novo, a acrescentar relativamente aos fundamentos já aduzidos pela Relação sobre elas, na fundamentação utilizada para o julgamento dessas mesmas questões, e que justifique a alteração das mesmas conclui-se pela manifesta a improcedência do recurso, que deve, em consequência, ser rejeitado - art. 420.º, n.º 1, do CPP. (v. em sentido idêntico, Ac. deste Supremo de 22-11-2006 Proc. n.º 4084/06 - 3.ª Secção).

A manifesta improcedência constitui um fundamento de rejeição do recurso de natureza substancial, visando os casos em que os termos do recurso não permitem a cognição do tribunal ad quem, ou quando, versando sobre questão de direito, a pretensão não estiver minimamente fundamentada, ou for claro, simples, evidente e de primeira aparência que não pode obter provimento. Será o caso típico de invocação contra a matéria de facto directamente provada, de discussão processualmente inadmissível sobre a decisão em matéria de facto, ou de o recurso respeitar à qualificação e à medida da pena e não ser referida nem existir fundamentação válida para alterar a qualificação acolhida ou a pena que foi fixada pela decisão recorrida., conforme decidiu o Acº deste Supremo de 22-11-2006 Proc. n.º 4084/06 - 3.ª Secção

C
Sobre o recurso interposto pelo Ministério Público relativamente ao pedido de indemnização civil.


1. Como refere o recorrente “No acórdão recorrido a questão jurídica que vinha colocada - no segmento relativo à condenação em indemnização cível, na sequência do pedido deduzido pelo Ministério Público - foi decidida no sentido de não serem devidos quaisquer montantes para além "do valor de 197.266,88 € e ainda o que se liquidar relativamente aos montantes ás IRS relativos aos anos fiscais de 2001, 2002 e 2003, valores estes a que acrescerão juros de mora, computados desde o termo final do respectivo prazo de pagamento voluntário até efectivo pagamento, calculados às taxas regais dos juros civis - arts.129 CP; 804, 805/26) 806/1 e 2 e 559 do CC; e Portarias 263799, de 12/4 e 291/03, de 08/04 - 7% até 30/04/2003 e 4% a partir daquela data, absolvendo-o do pagamento da restante quantia contra si peticionada” sendo ainda alterada "a declaração de perda dos valores apreendidos, ficando agora limitada ao valor de 197.266,88€, com a qual se considera satisfeito o pedido de indemnização cível deduzido pelo Ministério Público em representação do Estado/Administração fiscal, quanto a este valor em concreto, e sem prejuízo do demais em que o demandado foi condenado;(conclusão1)
O recorrente entende que tal decisão contraria frontalmente os pressupostos em que se fundamentou o ACSTJ uniformizador de jurisprudência nº.3/02, de 5 de Março de 2002 que estabeleceu que "'Extinto o procedimento criminal por prescrição depois de proferido o despacho a que se refere o art.311º. do C.P.P.. mas antes de realizado o julgamento, o processo em que tiver sitio deduzido pedido de indemnização civil prossegue para conhecimento deste "; e que viola também a previsão do art.377°. do Código de Processo Penal, na consideração de que, tendo ficado assente, face à matéria de facto dada por provada, que o arguido, em execução de propósito único nesse sentido formulado, no período que abrangeu as declarações de IRS de 1991 a 2004 - referentes aos anos fiscais de 1990 a 2003 - não declarou à Administração Fiscal valores que obtinha em território nacional, com o intuito de não proceder ao pagamento das prestações tributárias a que estava obrigado, apoderando-se ilicitamente dos quantitativos respectivos e dessa forma obtendo benefício patrimonial que não lhe era devido (prejudicando os cofres do Estado), no valor de, pelo menos, 463.368,12 euros, quantia a que acrescem os benefícios indevidos, referentes aos anos fiscais de 2000, 2001 e 2002 - declarações de IRS de 2001, 2002 e 2003 -, em montante exacto não apurado e a liquidar em execução de sentença - não sendo, porém, inferior, em cada uma delas, ao valor de 15.000€ -, se impunha a confirmação do decidido em 1ª.lnstância, no segmento considerado; (conclusões 2 e 3)
Aduz:
Assim, ainda que a matéria crime não seja objecto de impugnação por via do presente recurso, por força de inarredável obstáculo legal (cfr. Art4OO°, n°.1 al. f) do C.P.P) e deva ter-se, consequentemente, como assente a subsumpção jurídico-penal efectuada no Acórdão deste Tribunal da Relação de Lisboa, a verdade - reconhecida neste aresto - é que o último facto juridicamente relevante integrante da conduta do arguido ocorreu em 2004. Dado que a pendência de processo-crime interrompe a prescrição (cível), não podendo ocorrer a contagem do prazo prescricional enquanto aquele se mantiver pendente, tendo o processo-crime sido instaurado em 15 de Julho de 2000 (e mantendo-se desde então pendente), é manifesto não ter ainda transcorrido o prazo prescricional do direito à indemnização de que o Estado se arroga a titularidade. Entendimento contrário - designadamente o acolhido no Acórdão ora sob recurso - viola o estatuído no art.71°. do Código de Processo Penal e no art.306°., nº.1 do Código Civil, por o regime da adesão vigente em processo penal, conjugado com as regras referentes ao regime da prescrição cível ínsitas no Código Civil, conduzir a que, só depois de esgotadas as possibilidades de punição criminal, fique o lesado habilitado a deduzir, em separado, a acção de indemnização, face ao estatuído naquele último preceito que dispõe que 'o prazo de prescrição começa a correr quando o direito puder ser exercido”; Do mesmo modo, dado que o prazo de prescrição do direito à indemnização se conta da data em que o lesado teve conhecimento do direito que lhe compete, nunca seria utilizável para tal efeito o tempo transcorrido anteriormente ao momento em que o Estado, no prosseguimento das diligências investigatórias, conseguiu apurar os contornos da fraude fiscal, o período temporal abrangido e o prejuízo sofrido. Entendimento contrário, designadamente o acolhido no Acórdão sob recurso, viola também o estatuído no art.498°., nº.1 do Código Civil. Acresce que, quer ao acto de constituição como arguido do lesante AA (na referida data de 9 de Junho de 2005), quer ao da sua notificação do pedido de indemnização cível deduzido pelo Ministério Público (por carta registada expedida em 14 de Janeiro de 2009 para o escritório do respectivo mandatário) sempre seria de reconhecer eficácia interruptiva da prescrição da indemnização cível, por constituírem actos que exprimem a intenção por parte do Estado de exercer o direito respectivo. Entendimento contrário, designadamente o acolhido no Acórdão que ora se impugna, viola também o estatuído no art.323°., nº1 do Código Civil. (conclusões 4 a 10)
Mais aduz:
Por outro lado ainda, não sendo exigível ao Estado a promoção da liquidação dos valores que lhe eram devidos (e de que o arguido/lesante se locupletara) em momento cronologicamente anterior ao da elaboração da informação e relatório pericial - datados, respectivamente, de 28.12.05 e de 20.12.05 e juntos aos autos, também respectivamente, em 29.12.05 e 30.12.05, conforme fls.3745-4064 e 4073-4280 -, em circunstância alguma antes dessa data se poderia considerar iniciado o prazo prescricional do direito à indemnização.
Entendimento diverso, como o defendido no Acórdão ora sob recurso, viola o estipulado no ar1.306°., nº.4 do Código Civil.
Acresce que o pagamento a que o demandado cível deve ser condenado - com base nos apurados factos materiais, assentes e imutáveis por via da sua integral confirmação pelo Tribunal da Relação de Lisboa - é uma indemnização fundada na prática de acervo factual reconhecidamente ilícito, a qual não se destina a liquidar uma obrigação tributária mas antes deve ser fixada segundo os critérios da lei civil. Ademais, sendo inquestionável a ocorrência de um enriquecimento indevido por parte do arguido/lesante - na certeza de que, conforme acima enfatizado, o mesmo dolosamente violou o direito do Estado ao recebimento dos apurados quantitativos referentes a IRS dos quais injustamente se locupletou - sobre aquele impende a obrigação de restituir integralmente o seu respectivo valor, não sendo oponível ocorrência de prescrição que a tal obste. Entendimento contrário, como o acolhido no Acórdão cuja revogação se visa por via do presente recurso, viola o estatuído nos arts.129°. do Código Penal e 483°. do Código Civil e ainda nos arts.473°., nº.1 e 498°., n°.4, ambos daquele último diploma. Consequentemente, deverá o Acórdão ora sob recurso ser revogado e determinada a integral manutenção do teor da decisão proferida em 1a.lnstância relativamente ao montante indemnizatório no qual o arguido/lesante deve ser condenado a pagar ao lesado/Estado, igualmente sendo de manter, nos estritos termos ali determinados, a declaração de perdimento dos valores apreendidos, sob pena de decisão diversa violar claramente o estabelecido nos arts.109°., nº.1 e 111°., nºs.1 e 2 do Código Penal. “
O arguido demandado entende que “não merecendo o acórdão recorrido qualquer censura revogatória com base nos fundamentos do recurso em apreço, deverá ser negado provimento ao mesmo”

2. A factualidade definitivamente fixada que se impõe a este Supremo, constante do acórdão da Relação, é a seguinte:

“Da omissão do pagamento à Administração Fiscal – capitulo X
não se transcrevem os quadros constantes deste capítulo, referentes ao cálculo do IRS devido, por serem apenas demonstração de factos dados como provados.

1. Desde o ano de 1990, ano em que abriu a primeira conta no Banco UBS, o arguido formulou o propósito de não declarar à Administração Fiscal os valores que obtinha em território nacional, ainda que a tal se encontrasse obrigado independentemente da origem dos mesmos.

2. O arguido depositou os referidos valores em instituições bancárias nacionais e na Suíça, sempre com o intuito de não proceder ao pagamento da prestação tributária a que estava obrigado, bem sabendo que, desta forma, para além de obter um benefício que não lhe era devido, prejudicava os cofres do Estado.

3. Assim, no ano de 1991, o arguido, na declaração apresentada junto da Administração Fiscal relativa ao exercício de 1990, declarou ter auferido o rendimento global de 43.128,98€, omitindo o valor de 1.616,03€, que depositou no Banco UBS, na Suíça.

4. Desta forma, o arguido subtraiu-se ao pagamento da quantia de 646,40€, devida a título de IRS, à Administração Fiscal, conforme se descreve no seguinte quadro […].

5. No ano de 1992, o arguido, na declaração apresentada junto da Administração Fiscal relativa ao exercício de 1991, declarou ter auferido o rendimento global de 47.258,56€, omitindo o valor de 18.099,55€, valor este que, mais uma vez, depositou no Banco UBS, na Suíça.

6. Desta forma, o arguido subtraiu-se ao pagamento da quantia de 7.079,74€, devida a título de IRS, à Administração Fiscal, conforme se descreve no seguinte quadro […].

7. No ano de 1993, o arguido, na declaração apresentada junto da Administração Fiscal relativa ao exercício de 1992, declarou ter auferido o rendimento global de 51.604,65€ e omitiu o montante de 8.306,40€, que depositou no Banco UBS.

8. Assim, o arguido subtraiu-se ao pagamento da quantia de 3.097,54€, devida a título de IRS, à Administração Fiscal, conforme se descreve no seguinte quadro […]

9. O arguido, no ano de 1994, declarou junto da Administração Fiscal, ter auferido, no ano de 1993, o rendimento global de 54.746,65€, tendo omitido o valor de 130.320,43€, que depositou em contas nacionais e no Banco UBS.

10. Desta forma, o arguido subtraiu-se ao pagamento da quantia de 51.866,36€, devida à Administração Fiscal, a título de IRS, conforme a seguir se descrimina […].

11. No ano de 1995, o arguido, na declaração apresentada junto da Administração Fiscal relativa ao exercício de 1994, declarou o rendimento global de 56.987,18€ e omitiu o valor de 130.182,52€, que depositou em contas nacionais e no Banco UBS.

12. Ao actuar da forma descrita, o arguido subtraiu-se ao pagamento da quantia de 51.652,31€, devida a título de IRS, à Administração Fiscal, conforme se descreve no seguinte quadro […].

13. Em 1996, na declaração que apresentou junto da Administração Fiscal, relativa ao exercício de 1995, o arguido declarou ter auferido o rendimento global de 60.135,59€, omitindo o valor de 39.266,43€, valor esse que, mais uma vez, depositou em contas nacionais e no Banco UBS.

14. Assim, o arguido subtraiu-se ao pagamento da quantia de 15.266,19€, devida a título de IRS, à Administração Fiscal, conforme infra se descreve […].

15. No ano de 1997, o arguido, na declaração apresentada junto da Administração Fiscal, relativa ao ano de 1996, declarou o rendimento global de € 64.055,20€, tendo omitido o valor de 171.810,15€, que depositou em contas nacionais e no Banco UBS.

16. Desta forma, o arguido subtraiu-se ao pagamento da quantia de € 68.366,04€, que era devida à Administração Fiscal, a título de IRS, nos termos infra descrito […].

17. Em 1998, na declaração apresentada junto da Administração Fiscal, relativa ao ano de 1997, o arguido declarou ter auferido o rendimento global de 43.215,85€, omitindo o valor de 55.316,69€, que depositou em contas nacionais da titularidade de DD.

18. Ao actuar da forma descrita, o arguido subtraiu-se ao pagamento da quantia de 22.126,66€, que era devida a título de IRS, à Administração Fiscal, conforme se descreve no seguinte quadro:

19. No ano de 1999, o arguido, na declaração que apresentou junto da Administração Fiscal, declarou ter auferido no ano de 1998, o rendimento global de 43.789,97€ e omitiu o valor de 122.927,32€, que depositou em contas nacionais e no Banco UBS.

20. Mais uma vez o arguido logrou subtrair-se ao pagamento da quantia de 49.170,94€, devida a título de IRS, à Administração Fiscal, conforme se descreve no quadro infra […].

21. Em 2000, o arguido apresentou junto da Administração Fiscal, a declaração relativa ao ano de 1999, em que referiu ter auferido o rendimento global de 50.730,74€, tendo omitido o valor de 370.231,84€, valor que depositou em contas nacionais e no Banco UBS.

22. Desta forma, o arguido logrou, mais uma vez, concretizar o desígnio formulado, subtraindo-se ao pagamento da quantia de 148.095,94€, valor que devia à Administração Fiscal, a título de IRS, conforme se descreve no seguinte quadro […].

23. No ano de 2001, o arguido, na declaração apresentada junto da Administração Fiscal, relativa ao ano de 2000, declarou ter auferido o rendimento global de 59.570,63€ e omitiu o valor de 134.956,47€, que depositou em contas nacionais e no Banco UBS.

24. Desta forma, o arguido subtraiu-se ao pagamento de quantia de valor não concretamente apurado, mas superior a 15.000€, devida a título de IRS, à Administração Fiscal.

25. Em 2002, na declaração que apresentou junto da Administração Fiscal, o arguido declarou ter auferido, no ano de 2001, o rendimento global de 60.296€, omitindo o valor de 116.070,48€, que depositou em contas nacionais e no Banco UBS, na Suíça.

26. Assim, o arguido logrou subtrair-se ao pagamento de quantia de valor não concretamente apurado, mas superior a 15.000,00 euros, devida a título de IRS, à Administração Fiscal.

27. No ano de 2003, o arguido, na declaração apresentada junto da Administração Fiscal, relativa ao ano de 2002, referiu ter auferido o rendimento global de 78.418,14€, omitindo o valor de 119.391,87€, que veio a depositar em contas nacionais e na UBS.

28. Desta forma, o arguido subtraiu-se ao pagamento de quantia de valor não concretamente apurado, mas superior a 15.000€ euros, que devia a título de IRS, à Administração Fiscal.

29. Em 2004, o arguido na declaração que apresentou junto da Administração Fiscal, relativa ao ano de 2003, referiu ter auferido o rendimento global de 136.397,09€, omitindo o valor de 2.500€, que depositou em contas nacionais.

30. Com a conduta descrita, o arguido logrou subtrair-se ao pagamento da quantia de 1.000€, devida à Administração Fiscal, a título de IRS, conforme se descreve no seguinte quadro:

31. O arguido, ao actuar pela forma supra descrita e no período de tempo compreendido entre os anos fiscais de 1990 a 2003, não entregou nos cofres do Estado o montante global de, pelo menos, 463.368,12€, relativos ao cálculo de IRS sobre os rendimentos que auferiu e que não declarou.

32. Com efeito, o arguido agiu desta forma porque pretendia ocultar a existência de tais rendimentos, bem como eximir-se ao pagamento, ao Estado português, a título de IRS, do valor referido de 463.368,12€.

33. O arguido, ao não declarar os rendimentos auferidos em território nacional, apesar de ter conhecimento que a tal se encontrava obrigado, actuou, durante treze anos, da forma descrita, bem sabendo que com a sua conduta prejudicava o Estado português.

34. Em consequência, o arguido logrou apropriar-se dos montantes supram descritos, relativos a impostos que devia, causando desta forma prejuízo aos interesses da Fazenda Nacional, resultado que alcançou.

35. Na declaração que entregou no Tribunal Constitucional, datada de 12 de Maio de 2003, por ocasião da cessação de funções como Ministro das Cidades, Ordenamento do Território e Ambiente, ocorrida na sequência da publicação de notícias sobre a existência de contas bancárias na Suíça, o arguido declarou o rendimento global de 78.418,14€ e o património imobiliário e mobiliário, que a seguir se discrimina:

CAP I – Rendimentos Brutos:
a) Rendimentos do trabalho dependente 77.618,75€
b) Rendimentos do trabalho independente 87,29€
c) Rendimentos de Capitais 712,10€

CAP II-A – Património Imobiliário
1- Metade de um prédio urbano em S...S... – M...
2 – Diversos Terrenos rústicos em S...S... – M...
3 – Prédio urbano (T4), sito ...
4 – Prédio urbano (moradia unifamiliar), em Altura, Castro Marim
5 –Prédio urbano (sala c/ 60M2), sito na ..., Lisboa
6-Terreno, na Praia do Calhau, São Vicente, em Cabo Verde, cedido pela
Câmara Municipal de São Vicente, Cabo Verde

CAP II-D –Carteiras de Património Mobiliário
1- Carteira de títulos no BPI
2- Carteira de títulos no BCP
3 – Carteira de títulos no BIC
4 – UBS (SUIÇA), conta n.º
a) Parts UBS FUND CHF=47.869 CHF – Conta não referida por lapso, na declaração apresentada no início de funções, em 2002
36. Porém, o arguido não declarou ao Tribunal Constitucional a existência das supra referidas contas de que era titular, no KBC Bank Brussel, em Bruxelas, nem os rendimentos ali depositados (cfr. fls. 72, da Carta Rogatória n.º 10/05-EXP, enviada às Justiças da Bélgica).

Da omissão do pagamento à Administração Fiscal, não se logrou provar:

a) Que o valor de 18.099,55€ que o arguido depositou no ano de 1991, e o valor de 8.306,40€ que depositou no ano de 1992, o tenha sido em contas bancárias nacionais;

b) Que o valor de 55.316,69€ depositado pelo arguido em contas bancárias no ano de 1997, o tenha sido nas contas que possuía no UBS na Suíça;

c) Que relativamente ao ano fiscal de 2001, tenha depositado em contas bancárias o valor de 12.509,71€, que omitiu na declaração de IRS, e que o valor a este titulo devido à Administração Fiscal, que não pagou, fosse o de 59.008,83€;

d) Que relativamente ao ano fiscal de 2002, tenha depositado em contas bancárias o valor de 107.540,83€, que omitiu na declaração de IRS, e que o valor a este titulo devido à Administração Fiscal, que não pagou, fosse o de 89.444,52€;

e) Que relativamente ao ano fiscal de 2003, tenha depositado em contas bancárias o valor de 39.717,86€, que omitiu na declaração de IRS, e que o valor a este titulo devido à Administração Fiscal, que não pagou, fosse o de 63.643,89€;

f) Que o montante global em dívida aos cofres do Estado Português, que o arguido devia ter pago e não pagou, a título de IRS entre os anos fiscais de 1990 a 2003 fosse o de 630.465,36€.

g) Que os valores monetários em numerário depositados pelo arguido nas contas bancárias nacionais e no UBS, na Suíça, tivessem proveniência ilícita;

Capitulo XI- Da contestação do arguido, provou-se de relevante para a causa, e sobre a matéria ainda não mencionada nos factos provados e não provados que:

[…]

13. O arguido, ao abrigo do art. 5 do regime aprovado pela Lei 39-A/2005, de 29/7 – Regime de Regularização Tributária de Elementos Patrimoniais colocados no Exterior -, entregou a declaração de regularização tributária em 15/12/2005, declarando aí como património colocado no exterior “Investimentos no mercado monetário no Banco UBS-Genebra, o valor de 12.400€; Obrigações depositadas na conta n.º ... no Banco UBS de Genebra no valor de 123.937€; Acções detidas através do Banco UBS no valor de 189.935€; Fundos Imobiliários de Banco UBS-Genebra no valor de 7.358€; e Aplicações Financeiras alternativas do UBS no valor de 35.654€”, tudo no valor global de 369.285,00 euros.

14. Sobre tal património pagou, ao abrigo do referido Regime Especial, a quantia de 18.465€.

Dos elementos subjectivos dos arguidos – capitulo XII

1. Ao depositar as quantias em numerário supra referidas, em contas nacionais da titularidade de sua secretária DD, e de sua titularidade no UBS na Suíça, incluindo as depositadas em nome de EE, FF e GG, o arguido quis e conseguiu aparentar que esse dinheiro não lhe pertencia, evitando que o mesmo pudesse ser relacionado consigo.

2. O arguido ao agir daquela forma, depositando as quantias em dinheiro nas contas que, para o efeito, abriu em bancos estrangeiros, pelo menos, na Suíça, pretendeu evitar que essas vantagens fossem conhecidas pela Administração Fiscal, objectivo que atingiu.

3. Por outro lado, quis e logrou ocultar a origem e dimensão das vantagens patrimoniais por si recebidas, uma vez que os rendimentos auferidos enquanto titular de um cargo político, no exercício das suas funções de Presidente da Câmara de Oeiras, e o resultado das suas aplicações financeiras, não eram compatíveis com a posse daquelas quantias.

Dos elementos subjectivos dos arguidos, não se logrou provar:

d) Que as quantias monetárias em numerário e os valores que depositou em contas bancárias próprias nacionais e estrangeiras, e nas contas de DD, proviessem da sua actuação ilícita, em razão do exercício das suas funções públicas.


3. Èsta matéria fáctica encontra-se definitivamente fixada e sobre ela assenta a decisão do pedido de indemnização civil

A 1ª instância na Apreciação do pedido de indemnização civil deduzido pelo Ministério Público em representação da Fazenda Nacional contra o arguido AA fundamentou:

“Tomou, deste modo, o legislador em consideração a “natureza tendencialmente absorvente do facto que dá causa às duas acções”, bem como o interesse social subjacente à reparação dos prejuízos eventualmente verificados pelo agente da infracção que lhes deu causa (Prof. Eduardo Correia, processo criminal, pág.541).
Daí que, como logicamente decorre do sentido das considerações supra expostas e que estão na base da opção pelo sistema consagrado, o pedido de indemnização civil deduzido em processo penal haja de ser sempre fundado na prática de um crime, entendimento que ficou consagrado no Assento n.º 7/99.
O que, desde logo, significa que o facto constitutivo da sentença condenatória em matéria de responsabilidade civil se há-de poder incluir no âmbito do facto criminoso que ao arguido é imputado, de tal forma que, se não existirem ou simplesmente não se provarem os pressupostos da punição penal, a condenação em indemnização civil possa ainda subsistir sustentada na verificação dos pressupostos da ilicitude civil permitida pela apreciação da realidade factual em causa.
Por assim ser, aliás, terá de concluir-se não ser aplicável, nem susceptível de conhecimento, em sede do pedido cível em apreço, o invocado na contestação pelo arguido AA, a saber:
Que foram violadas as disposições dos arts. 45º, 47º e 62º do Código de Procedimento e Processo Tributário – CPPT – ,60º e 80º da Lei Geral Tributária e 268º, n.º 5 da CRP por não ter sido ouvido no processo de liquidação dos montantes devidos a titulo de IRS, não tendo sido respeitado o principio do contraditório;
O direito à liquidação do imposto caduca no prazo de 4 anos nos termos do art. 45º, n.º1 da LGT, pelo que parte dos montantes peticionados pelo MP não são devidos, por caducidade do direito;
Ainda, a divida por IRS mostra-se prescrita nos termos do art. 48º, n.º1 da LGT;
E os montantes parcelar peticionados, inferiores a 15.000,00 euros não são devidos, nos termos do art.103º do RGIT.
Na verdade, a defesa do arguido apresentada nestes moldes só tem cabimento e pertinência no âmbito de um processo tributário propriamente dito, e não já no âmbito do presente pedido cível, o qual tem por base uma relação jurídica subjacente circunscrita à prática do crime e ao prejuízo que deste decorreu para o demandante, sendo-lhe por isso alheias quaisquer vicissitudes especificas que afectem a prestação tributária propriamente dita, de onde, não podem considerar-se, em consequência, caducas ou prescritas por força de tais normas quaisquer dos montantes devidos a titulo de IRS.
Com efeito, a responsabilidade civil não se cinge à mera obrigação de pagamento do imposto que, efectivamente, está na sua origem, antes decorre da prática de um facto ilícito tipificado na lei como crime, no caso, um crime de fraude fiscal.
(…)
Na verdade, “É manifesto que o direito fiscal constitui um ramo de direito público, imbuído de princípios e normas próprios, do ponto de vista quer substantivo, quer adjectivo. Uma tal peculiaridade do direito fiscal justificou a criação de uma ordem jurisdicional própria, os Tribunais Administrativos e Fiscais.
Dadas as apontadas especialidades do direito fiscal, a impugnação judicial tributária constitui objecto próprio de apreciação e decisão em sede da jurisdição administrativa-fiscal.
Mais, constitui objecto exclusivo de tal jurisdição, assim se postergando o princípio da suficiência do processo penal.
(…) As peculiaridades do direito fiscal, enquanto ramo do direito, justificam o afastamento do chamado principio da suficiência do processo penal, em termos tais que, no domínio do direito penal fiscal a impugnação judicial tributária deve ser necessária e exclusivamente apreciada na esfera jurisdicional administrativa-fiscal.
Aliás, quer do Dec. Lei 20-A/90, quer da Lei 15/01, infere-se que existe uma opção legislativa no sentido da primazia da jurisdição fiscal para a apreciação das questões tributárias, o que tem plena justificação no carácter especializado das questões desta natureza, que está subjacente à atribuição constitucional da competência para o seu conhecimento a uma jurisdição especializada – art. 212º, n.º 3da CRP - e não à jurisdição comum, em que se inserem os tribunais criminais.” (cfr. Ac. do STJ de 12-10-2006, consultado no mesmo site da dgsi)
Face ao exposto, é o regime da prescrição do direito de indemnização previsto no art. 498.º do C. Civil o aplicável ao caso concreto, pelo que o prazo de prescrição a considerar é de 5 anos, por força do disposto no nº3 de tal norma e no art. 21.º, nº1, do RGIT.
E, por força do princípio da adesão supra referido, apenas com a notificação para deduzir o pedido cível, e sempre após deduzida a acusação criminal pelo M.P., podia o demandante exercer o seu direito à indemnização emergente da prática do crime dos autos (cfr. os arts. 77.º, nºs 2 e 3, e 72.º, nº1, al. i), do C.P.P.), pelo que só então começou a correr o aludido prazo de prescrição (cfr. o art. 306.º, nº1, do C. Civil), não tendo ainda o mesmo, considerando a data em que tal notificação ocorreu, obviamente, decorrido.
Nem decorreu, desde o facto danoso, o prazo de prescrição ordinária de 20 anos, estabelecido no art. 309.º do C. Civil e a que alude a parte final do nº1 do art. 498.º do C. Civil.
E porque não prescreveu o direito de indemnização, o mesmo acontece, em nosso entender, com os juros de mora, que mais não são do que a indemnização pela mora no cumprimento da obrigação pecuniária.
No mais, e relativamente às demais questões suscitadas pelo demandado quanto à liquidação do imposto e caducidade do direito à liquidação, além de se tratar, como vimos, de matéria do conhecimento exclusivo dos Tribunais Administrativos e Fiscais, porque se trata de matéria que extrapola a causa de pedir do presente pedido cível – o prejuízo patrimonial sofrido pelo demandante decorrente da prática do crime – não contendendo por isso com a sua apreciação, não cabe nesta sede o seu conhecimento.

Assim, importa agora apreciar se o demandante tem direito à indemnização peticionada, à luz, desde logo, do art. 483.º do Cód. Civil, que dispõe que “aquele que, como dolo ou mera culpa, violar ilicitamente o direito de outrem ou qualquer disposição legal destinada a proteger interesses alheios fica obrigado a indemnizar o lesado pelos danos resultantes da violação”.
(…).
No caso concreto, o demandado omitiu nas suas declarações de IRS de 1991 a 2004 património de que era titular e correspondente a quantias monetárias no valor global de 1.420.995,90 euros, sobre o qual não pagou o imposto devido a título de IRS, fazendo-o seu indevidamente, causando desta forma um prejuízo patrimonial aos cofres do Estado.
Com a obrigação que impende sobre todo o contribuinte de pagar os seus impostos, pretende-se assegurar a recepção atempada das prestações tributárias e, consequentemente, garantir a suficiência das receitas do Estado para a realização de uma diversidade de tarefas de interesse colectivo que lhe estão cometidas no sentido da elevação dos níveis de bem estar social.
Trata-se aqui de normativos legais que, embora sem conferir aos respectivos destinatários um qualquer direito subjectivo de tutela, têm em vista, todavia, a protecção dos interesses particulares em si mesmos, ainda que pela via indirecta ou reflexa da tutela concedida a determinados interesses públicos de inequívoca relevância.
A conduta em apreciação é, pois, ilícita, (…)Para além de ilícita, a conduta é culposa pois o arguido agiu dolosamente, posto que sobre a mesma pode legitimamente incidir um juízo de censura na exacta pressuposição de que o arguido poderia e deveria ter actuado de modo diferente.
No caso dos autos, em virtude do comportamento do arguido/demandado, o demandante viu o seu património empobrecido em, pelo menos, 463.368,12 euros, correspondente ao valor de que ele ilicitamente se apropriou.
Constituiu-se assim o demandado AA na obrigação de indemnizar o demandante.
Quem estiver obrigado a reparar um dano, deve reconstituir a situação que existiria se não se tivesse verificado o evento que obriga à reparação (artº 562º do CC), sendo certo que a obrigação de indemnização só existe relativamente aos danos que o lesado provavelmente não teria sofrido se não fosse a lesão (artº 563º do CC), compreendendo o prejuízo causado e os benefícios que o lesado deixou de obter em consequência da lesão (artº 566º, nº 2, do CC).
Não perdendo de vista a formulação negativa da teoria da causalidade adequada, em princípio, a reparação deve ser natural, nos casos em que a mesma é viável, repare integralmente os danos sofridos e não seja excessivamente onerosa para o réu (artº 566º, nº 1, do CC).
No caso dos autos, a reparação terá de ser efectuada em dinheiro, nos termos do artº 566º, nº 2, do CC.
Por conseguinte, a condenação do demandado no pagamento da quantia que subtraiu reporá o lesado na situação patrimonial em que este se encontraria não fora o dano patrimonial sofrido por força da conduta do demandado.
Pelo exposto, deverá o demandado ser condenado a pagar ao demandante, a título de danos patrimoniais, as quantias referentes aos montantes devidos a titulo de IRS que deveria ter pago e não pagou, por cuja não entrega é criminalmente responsável, no valor global de 463.368,12 euros, e ainda no que se liquidar em execução de sentença relativamente aos montantes de IRS relativos aos anos fiscais de 2001, 2002 e 2003, já que quanto a estes ficou por apurar qual o valor concreto devido a este titulo, apurando-se apenas que será pelos menos de 15.000,00 euros quanto a cada um dos anos fiscais, valores estes a que acrescerão juros de mora, computados à taxa legal sobre cada uma das prestações em falta.
Note-se, neste particular, que não é aqui aplicável a causa objectiva de exclusão da punibilidade prevista no n.º 2 do art. 103º da Lei 15/01 de 5-06, que prevê o afastamento da criminalização da conduta do agente quando a prestação em falta é inferior a 15.000,00 euros, como pretende o demandado AA, já que, como vimos em sede de apreciação do crime de fraude fiscal, o arguido actuou estribado numa única resolução criminosa cujo processo volitivo abarcou, unitariamente, todos os valores não pagos a titulo de IRS (não se exigindo aqui que o agente preveja em concreto o valor exacto da prestação em falta), e não em particular e parcelarmente cada uma das omissões referentes aos anos fiscais de 1991 a 2004, pelo que, não beneficiando da referida cláusula de exclusão de punibilidade em sede do crime praticado, também aqui em sede de responsabilidade civil decorrente desse mesmo crime, não poderia beneficiar de tal regime.
(…)
Os juros serão computados desde o termo final do respectivo prazo de pagamento voluntário, por ser essa a data da prática do facto ilícito, e, por se tratar de um crédito líquido, o momento em que o arguido se constituiu em mora (cfr. art. 805.º, nº2, al. b), do Cód. Civil), até efectivo pagamento.
Quanto à taxa aplicável, de acordo com o que tem sido jurisprudência dominante do Tribunal da Relação do Porto (cfr. os Acórdãos de 05/11/03 e 18/05/05, disponíveis em www.dgsi.pt), valerão aqui as normas de natureza especial correspondentes ao art. 16º do DL nº 411/91, de 17/10, sendo os juros computados à taxa estabelecida para as dívidas de impostos ao Estado, designadamente às sucessivamente fixadas no art. 5.º do DL nº 49 168, de 5 de Agosto de 1969, e no art. 3º, nº1, do Dec. Lei n.º73/99, de 16/03.
Conclui-se, assim, pela total procedência do pedido de indemnização civil deduzido pelo MP, condenando-se o demandado a pagar ao demandante a quantia de 463.368,12 euros, e ainda no que se liquidar em execução de sentença relativamente aos montantes de IRS relativos aos anos fiscais de 2001, 2002 e 2003, valores estes a que acrescerão juros de mora, nos termos expostos.”

Por seu lado, a 2ª instância equacionou e fundamentou da seguinte forma:
“Não estando a responsabilidade criminal prescrita, estará, no entanto, prescrita a responsabilidade civil decorrente da prática do crime?

Tendo ela o mesmo prazo de prescrição do crime (art. 498/3 do CC) e não servindo a constituição de arguido como acto interruptivo da prescrição da responsabilidade civil, dir-se-ia que a responsabilidade civil pelo crime cometido pela declaração de 2001, teria prescrito em 2006, a do crime cometido pela declaração de 2002, teria prescrito em 2007 e a do crime cometido pela declaração de 2003, teria prescrito em 2008, todas antes da notificação do pedido feito pelo Estado neste processo, que só ocorreu em 2009.

Mas não é assim, como logo foi explicado pelo acórdão recorrido. Depois de concluir, tal como acima se concluiu que, face ao exposto, é o regime da prescrição do direito de indemnização previsto no art. 498 do CC o aplicável ao caso concreto, pelo que o prazo de prescrição a considerar é de 5 anos, por força do disposto no nº 3 de tal norma e no art. 21.º, nº 1, do RGIT, esclarece:

“[…] por força do princípio da adesão supra referido, apenas com a notificação para deduzir o pedido cível, e sempre após deduzida a acusação criminal pelo MP, podia o demandante exercer o seu direito à indemnização emergente da prática do crime dos autos (cfr. os arts. 77, nº.s 2 e 3, e 72/1i), do CPP), pelo que só então começou a correr o aludido prazo de prescrição (cfr. o art. 306/1, do CC), não tendo ainda o mesmo, considerando a data em que tal notificação ocorreu, obviamente, decorrido.

Nem decorreu, desde o facto danoso, o prazo de prescrição ordinária de 20 anos, estabelecido no art. 309 do CC e a que alude a parte final do nº. 1 do art. 498 do CC.

E porque não prescreveu o direito de indemnização, o mesmo acontece, em nosso entender, com os juros de mora, que mais não são do que a indemnização pela mora no cumprimento da obrigação pecuniária.”

Ou seja, a partir da pendência do processo crime, o Estado não podia deduzir o pedido de indemnização, pelo que a partir dessa data o prazo de prescrição ficou interrompido.

É aquilo que é explicado no ac. do STJ de 13/10/2009, publicado sob o nº. 206/09.7YFLSB da base de dados do ITIJ e que corresponde, há muito, a jurisprudência constante sobre o assunto:

Depois de extensa análise sobre a matéria em causa o acórdão sintetiza assim aquela que é a melhor jurisprudência sobre o assunto:

50 […] sendo de natureza pública o crime, deve considerar-se, com a sua notícia, imediatamente impedido ex lege o início do prazo de prescrição por estarem franqueadas para o lesado não só o exercício da acção cível em conjunto com a acção penal como ainda a faculdade de exercício da acção cível em separado com o aproveitamento de todas as faculdades consideradas no artigo 72 do CPP, não carecendo o lesado de exprimir, como sucede quando a acção penal depende de queixa, uma intenção de exercício do direito à indemnização que não pode deixar de se presumir (artigos 323/1 e 350/1 do CC).

51. Deve, por conseguinte, pendente inquérito por crime público (…), aguardar-se o desfecho do inquérito só então se iniciando (com o arquivamento ou com a acusação) o prazo de prescrição a que alude o artigo 498 do CC, considerando que só a partir desse momento o lesado tem encerradas ou definitivamente abertas as portas para o exercício da acção cível em conjunto com a acção penal […]”

Aplicando ao caso dos autos: iniciado o processo crime antes do decurso do prazo de prescrição do mesmo, ficou impedido (art. 306/1 do CC) o início do decurso do prazo de prescrição do direito à indemnização pelos danos decorrentes da prática do crime, prazo que só se inicia com a dedução da acusação, pelo que, no caso, à data da dedução do pedido cível não estava decorrido o prazo de 5 anos de prescrição, pois que a acusação tinha sido deduzida pouco antes.

Mas aquele acórdão também tem diz que: “[…] só depois de esgotadas as possibilidades de punição criminal ficará o lesado habilitado a deduzir, em separado, a acção de indemnização, face ao disposto no n.º 1 do artigo 306 do Código Civil”. Ou seja, não é só o arquivamento do processo, ou a dedução da acusação, que permitem o início do prazo de prescrição da obrigação de indemnizar. É também a prescrição do processo crime, pois que, a partir dela, fica esgotada a possibilidade de deduzir de punição criminal.

Daqui decorre que em relação aos crimes fiscais que já estavam prescritos à data da acusação, que por isso nem sequer podiam ser objecto desta, o início do prazo de prescrição do direito de indemnização coincide com a data da prescrição dos crimes.

Ora, o crime que prescreveu por último, foi o relativo à declaração de 2000 (rendimentos de 1999), declaração que foi feita em 2000. Assim, o crime estava prescrito em 2005. Nessa data iniciou-se o decurso do prazo de prescrição da obrigação de indemnização, que é de 5 anos. Pelo que só prescreveria em 2010, ou seja, ainda não estava prescrita à data da notificação do pedido (Janeiro de 2009).

Quanto à declaração de 1999. O crime prescreveu em data imprecisa de 2004. O prazo de prescrição da obrigação de indemnização ocorreria em data imprecisa de 2009. Antes pode ter ocorrido a interrupção da prescrição com a notificação do pedido (Janeiro de 2009). Esta imprecisão de factos, estando-se agora no âmbito da apreciação do pedido cível, corre por conta do demandado/arguido. Ele é que tinha o ónus de provar a data em que fez a declaração, para poder aproveitar a prescrição (art. 342/1 do CC). De qualquer modo, sabe-se que as declarações fiscais para efeitos de IRS são feitas depois de Janeiro de cada ano. Pelo que também não se pode considerar prescrita a obrigação de indemnizar em relação aos danos provocados pelo crime cometido em 1999.

Assim, a obrigação de indemnizar fica restrita aos crimes de 1999, 2000, 2001, 2002 e 2003, considerando-se as outras prescritas.

Pelo que a condenação cível terá que ter a corresponde redução (abrangerá apenas os valores das declarações de 1999 a 2003).

E o facto de continuar a respeitar, ainda, aos anos de 1999 e 2000, apesar dos respectivos crimes estarem prescritos, é permitido pelo disposto no art. 377/1 do CPP, já que a sentença ainda que absolutória, condena o arguido em indemnização civil, sempre que o pedido respectivo vier a revelar-se fundado…, completado com a norma que decorre da razão de decidir do acórdão de fixação de jurisprudência 3/2002, publicado no DRIª de 05/03/2002 (: extinto o procedimento criminal, por prescrição [ou por qualquer outra causa – este parênteses é acrescentado agora], depois de proferido o despacho a que se refere o art. 311 do CPP mas antes de realizado o julgamento, o processo em que tiver sido deduzido pedido de indemnização civil prossegue para conhecimento deste [pressupondo-se que esteja baseado em responsabilidade civil extracontratual, como decorre o AUJ 7/99, de 17/06/1999, publicado no DRIª de 03/08/1999: se em processo penal for deduzido pedido cível, tendo o mesmo por fundamento um facto ilícito criminal, verificando-se o caso previsto no art. 377/1 do CPP, ou seja, a absolvição do arguido, este só poderá ser condenado em indemnização civil se o pedido se fundar em responsabilidade extracontratual ou aquiliana, com exclusão da responsabilidade civil contratual). “

Analisando:

A violação da lei penal pode gerar duas espécies de responsabilidade: - A responsabilidade penal, que consiste na obrigação de reparar o dano causado à sociedade, cumprindo a pena estabelecida na lei e imposta por tribunal competente e, a responsabilidade civil que se funda na obrigação de reparar as perdas e danos causados pela infracção criminal.
Se é certo que o delito é uma conduta tipicamente antijurídica, culpável e sancionada com uma pena (sanção penal); não é menos certo que o crime, na medida em que lesa também interesses individuais ou particulares, pode dar origem a uma sanção extrapenal (sanção civil). Ac. do STJ de 10.04.2002, Processo 352/02 - 3.. Secção,

A indemnização de perdas e danos emergentes de crime era, na tradição jurídica portuguesa, uma consequência jurídica de carácter penal, dimensão de política criminal ligada à reacção criminal.
É o que testemunhava o artº 75º § 3º do Código Penal de 1886.
O arbitramento oficioso da indemnização era uma consequência jurídica do crime que não se identificava com a indemnização civil, quer nos fins e fundamentos, nem tinha que coincidir com o seu montante.
Na verdade, embora fosse legalmente possível o exercício da acção cível em conjunto com a acção penal, conforme artºs 29º a 34º do Código de Processo Penal de 1929, - referindo-se o artº 29º á indemnização por perdas e danos - já o artº 34º referindo-se à reparação por perdas e danos determinava que o juiz, no caso de condenação, arbitrará aos ofendidos uma quantia como reparação por perdas e danos, ainda que lhe não tenha sido requerida.
O quantitativo da indemnização era determinado segundo o prudente arbítrio do julgador, que atenderia à gravidade da infracção, ao dano material e moral por ela causado, à situação económica e à condição social do ofendido e do infractor. § 2º
No domínio do direito anterior ao CP de 1982, a reparação por perdas e danos arbitrada em processo penal tinha natureza especificamente penal. Com efeito, na medida em que se postergava o princípio da necessidade do pedido e se considerava a indemnização como um efeito necessário da condenação penal, definiam-se critérios próprios da sua avaliação, distintos dos estabelecidos pela lei civil (arts. 34. e 450., n. 5, do CPP de 1929) e não se previa a possibilidade de transacção ou de renúncia ao direito e desistência do pedido.
Era esta a posição dominante da jurisprudência – v.g. Acº do STJ de 10 de Maio e de 29 de Novembro de 1955 in BMJ, nºs 49, 323º e 52, 577, bem como de vária doutrina da Escola de Coimbra – Figueiredo Dias, Castanheira Neves e Eduardo Correia,
Porém, a doutrina dominante considerava a indemnização arbitrada como de natureza civil,- Vaz Serra , Cavaleiro de Ferreira, Gomes da Silva e Pereira Coelho.

Passando a ser determinada de acordo com os pressupostos e critérios, substantivos, da lei civil, por força da norma do art. 128., do CP de 1982 (reproduzida no art. 129., do CP/95), a reparação assume-se, agora, como pura indemnização civil que, sem embargo de se lhe reconhecer uma certa função adjuvante, não se confunde com a pena.
No plano do direito adjectivo, o actual Código de Processo Penal (CPP), mantendo o sistema de adesão, veio conferir àquela acção de indemnização pela prática de um crime, formalmente enxertada no processo penal, a estrutura material de uma autêntica acção civil, acolhendo, inequivocamente, os princípios da disponibilidade e da necessidade do pedido (arts. 71º, 74. a 77. e 377, do CPP) e prescrevendo que a decisão final, ainda que absolutória, que conheça do pedido cível, constitui caso julgado nos termos em que a lei atribui eficácia de caso julgado às sentenças civis (art. 84. do CPP).

Seria legalmente inadmissível no processo penal e ao tribunal criminal faleceria competência, em razão da matéria, para dele conhecer, caso o pedido cível não se fundasse em indemnização por danos ocasionados pelo crime ou não se fundamentasse na responsabilidade civil do agente pelos danos que, com a prática do crime causou, pois que a acção cível que adere ao processo penal é a que tem por objecto a «indemnização por perdas e danos emergentes do crime», e só essa /arts, 128º do CP/82 e 129.º do CP/95.). Ac. do STJ de 25.02.1998, Processo n. 97/98 e, de 12.01.2000, Processo n. 1146/99 – 3ª Secção

Consequentemente, pelos danos causados por um facto que não é susceptível de integrar um tipo legal de crime e que viola, exclusivamente, um crédito ou uma obrigação em sentido técnico, não pode pedir-se a respectiva indemnização no processo penal.
O tribunal criminal, é incompetente, em razão da matéria, para conhecer da pura responsabilidade civil contratual.- Ac. do STJ de 12.01.2000, Processo n. 599/99 – 3ª Secção

Este efeito não penal da condenação ligada porém à prática de crime – a fonte ou causa de pedir era o crime mas a indemnização assentava nos pressupostos de natureza cível, continuou a afirmar-se no universo jurídico-criminal português, de forma que pelo acórdão do Plenário das Secções Criminais do Supremo Tribunal de Justiça, de 16 de Outubro de 1997, in BMJ, 470º, 33, mesmo quando por aplicação da amnistia se extingue a acção penal, e apesar de ainda não ter sido deduzida acusação, poderá o ofendido requerer o prosseguimento da acção penal, para apreciação do pedido cível, nos termos do artº 12º nº 2 da Lei nº 23/91 de 4 de Julho.
Também o artigo 7º n1 da Lei 15/94 de 11 de Maio, veio explicitar que a amnistia não extingue a responsabilidade civil emergente de factos amnistiados.
A protecção civil do lesado tem sido garantida no processo penal extinto por amnistia independentemente do facto de o lesado se ter constituído ou não assistente e, ainda que o crime seja de acusação particular.
(Por sua vez, o nº 3 do preceito determina que o lesado não constituído assistente e, o assistente ainda não notificado para deduzir pedido cível, sê-lo-á, para querendo, em dez dias, deduzir o pedido cível, nos termos do número anterior, sob pena de o dever fazer em separado no foro cível.
Quem já haja deduzido tal pedido pode, no prazo de 10 dias seguidos, contados a partir da notificação que para tanto lhe deve ser feita, requer o prosseguimento do processo, apenas para apreciação do mesmo pedido, com aproveitamento implícito da prova indicada para efeitos penais. (artº 7º nº 4 da Lei 15/94).
A amnistia não extinguia pois a responsabilidade civil emergente dos factos amnistiados, e sendo a amnistia aplicável em processo penal pendente, o lesado que ainda não tivesse sido notificado para deduzir pedido cível, tem de ser notificado para, se quiser, e no prazo de dez dias, deduzir o pedido cível oferecendo prova nos termos do processo declarativo sumário.

De igual modo também nos casos de extinção do procedimento criminal por prescrição.
O acórdão de fixação de Jurisprudência n.º 3/2002 de 17.01.2002 Proc. 342/2001-AFJ in DR 54 SÉRIE I-A, de 2002-03-05, veio dispor que:
Extinto o procedimento criminal, por prescrição, depois de proferido o despacho a que se refere o artigo 311.º do Código de Processo Penal mas antes de realizado o julgamento, o processo em que tiver sido deduzido pedido de indemnização civil prossegue para conhecimento deste.

Como resulta claramente do disposto dos arts. 128. e 129. do actual CP, versões respectivamente de 1982 e 1995, a indemnização de perdas e danos, ainda que emergentes de crimes, deixou de constituir pois, um efeito penal da condenação (como sucedia no CP/1886 -art. 76., § 3.) para passar a ser regulada pela lei civil, assumindo, pois, a natureza de uma obrigação civil em sentido técnico, nos termos do art. 397., do CC, com o seu regime específico.

O artigo 129º do Código Penal (CP) (sob o epíteto de Responsabilidade civil emergente de crime), dispõe: A indemnização de perdas e danos emergentes de crime é regulada pela lei civil.

Isto significa que a atribuição da indemnização em processo penal é regulada quantitativamente nos seus pressupostos pela lei civil e não já pela lei penal, como sucedia no velho Código de 1886
No Código Civil consagra-se basicamente a concepção clássica de que a responsabilidade civil tem a função de reparar os danos causados e não fins sancionatórios (arts. 483., n. 1, e 562º, entre outros). Ac. do STJ, de 07.06.2000, Processo n. 117/2000 - 3.a Secção.

.Por outro lado, dada a sua função essencialmente reparadora ou reintegrativa, o instituto da responsabilidade civil está sempre submetido aos limites da eliminação do dano, o que significa que, inexistindo este, inexiste obrigação de indemnizar (art. 483. do CC). Portanto, nunca pode haver condenação cível, em processo penal, quando se não provar a existência do dano invocado pelo autor do respectivo pedido. Ac. do STJ de 12.01.2000, Processo n. 1146/99- 3.

Por força do princípio da adesão, o pedido de indemnização civil fundado na prática de um crime é deduzido no processo penal respectivo, só o podendo ser em separado, perante o tribunal civil, nos casos previstos na lei (artº 71º do C.P.P. quer antes quer depois da revisão operada pela Lei nº 59/98 de 25 de Agosto).
A dedução do pedido cível em processo penal é a regra e a dedução em separado a excepção (v. artºs 71º, 72 e 75 do C.Processo Penal ), sem prejuízo de quando as questões suscitadas pelo pedido de indemnização inviabilizarem uma decisão rigorosa ou forem susceptíveis de gerar incidentes que retardem intoleravelmente o processo penal, o tribunal pode, oficiosamente ou a requerimento, remeter as partes para os tribunais civis. – nº 3 do artº 72º
O princípio da adesão em processo penal é de tal forma abrangente, que, nos crimes de acusação particular, a lei retira efeitos penais do comportamento assumido pelo lesado em matéria cível, quando afirma no nº 2 do artº 72º que no caso de o procedimento depender de queixa ou de acusação particular, a dedução do pedido perante o tribunal civil pelas pessoas com direito de queixa ou de acusação vale como renúncia a esse direito.
Embora o processo civil defina vários aspectos do regime da acção enxertada, como da definição da legitimidade. das partes, é a acção penal que verdadeiramente suporta, orienta e conforma todo o rito processual, marcando definitivamente a cadência de intervenção dos demandantes civis na causa e os principais aspectos de forma a observar no seu desenrolar, sem esquecer a diligência para que conflui todo o processo: a audiência de julgamento, como o indicam as circunstâncias de:
- ser a data da acusação o termo a quo da dedução do pedido cível - arts, 77,, n. 1 e 75.;
- da intervenção processual do lesado se restringir à sustentação e à prova do pedido de indemnização civil, competindo-lhe correspondentemente, os direitos que a lei confere aos assistentes - art. 74., n. 2;
- dos demandados e os intervenientes terem posição processual idêntica à do arguido quanto à sustentação e à prova das questões civis julgadas no processo - art. 74. n, 3;
- da falta de contestação não ter efeito cominatório - art. 78,,n, 3;
- do tribunal poder, oficiosamente ou a requerimento dos interessados, remeter as partes para os tribunais civis quando as questões suscitadas pelo pedido de indemnização civil inviabilizarem uma decisão rigorosa ou forem susceptíveis de gerar incidentes que retardem intoleravelmente o processo penal - art, 82., n. 3;
- do art. 401., n, 1, c), conferir às partes civis legitimidade para recorrer "da parte das decisões contra cada um proferidas";
- do art. 402., n, 2, b), estatuir que, em geral, o responsável civil, ainda que não seja recorrente, beneficia do recurso do arguido, sendo certo que a inversa também é verdadeira, como resulta da alínea seguinte – c) do mesmo artigo.
- do art. 403º nº 2, a), estabelecer, em matéria de limitação do recurso, a possibilidade de recurso autónomo da decisão penal relativamente à civil. Ac. do STJ, 15.11.2001, Processo n. 2626/01 – 5ª Secção
O artº 72º nº 1 do Código de Processo Penal, confere ao ofendido a faculdade de deduzir em separado o pedido de indemnização civil, apenas quando ocorram determinadas situações processuais, indicadas nas suas alíneas.
São situações de concordância prática entre a normalidade do procedimento (incluindo-se a celeridade processual ) e, por vezes, a inevitável morosidade processual, ou existência de situações excepcionais, que possibilitam a dedução do pedido de indemnização civil em separado, quando:
a) O processo penal não tiver conduzido à acusação dentro de oito meses a contar da notícia do crime, ou estiver sem andamento durante esse lapso de tempo;
b) O processo penal tiver sido arquivado ou suspenso provisoriamente, ou o procedimento se tiver extinguido antes do julgamento;
c) O procedimento depender de queixa ou de acusação particular;
d) Não houver ainda danos ao tempo da acusação, estes não forme conhecidos ou não forem conhecidos em toda a sua extensão:
e) A sentença penal não se tiver pronunciado sobre o pedido de indemnização civil, nos termos do artigo 82º nº 3
f) For deduzido contra o arguido e outras pessoas com responsabilidade meramente civil, ou somente contra estas haja sido provocada, nessa acção, a intervenção principal do arguido;
g) O valor do pedido permitir a intervenção civil do tribunal colectivo, devendo o processo penal correr perante o tribunal singular;
h) O processo penal correr sob a forma sumária ou sumaríssima;
i) O lesado não tiver sido informado da possibilidade de deduzir o pedido civil no processo penal ou notificado para o fazer, nos termos dos artigos 75º nº 1, e 77º, nº 2 .

O acórdão de fixação de jurisprudência nº 1/2002 de 12 de Março de 2002 in Diário da República nº 117 de 21 de Maio, decidiu que não pode recorrer-se da decisão da Relação sobre pedido de indemnização civil, se for irrecorrível a parte criminal

Porém esta, jurisprudência veio a ser contrariada pela Lei nº 48/2007, de 29 de Agosto, que aditou ao artº 400º do CPP, o actual nº 3 do seguinte teor:
Mesmo que não seja admissível recurso quanto à matéria penal, pode ser interposto recurso da parte da sentença relativa à indemnização civil.
Porém, o recurso da parte da sentença relativas a indemnização civil só é admissível desde que o valor do pedido seja superior à alçada do tribunal recorrido e a decisão impugnada seja desfavorável para o recorrente em valor superior a metade dessa alçada. – artº 400º nº 2 do CPP.

O artº 75º do C.P.P. na redacção anterior à referida lei 59/98, impunha o dever de informação, estabelecendo que no primeiro acto em que intervier no processo penal pessoa que se saiba ter legitimidade para deduzir pedido de indemnização civil, deve ela ser informada pela autoridade judiciária da possibilidade de o fazer valer no processo penal e das formalidades a observar, explicitando agora a actual redacção do preceito que logo que, no decurso do inquérito, se tomar conhecimento da existência de eventuais lesados, devem estes ser informados, pela autoridade judiciária ou pelos órgãos de polícia criminal, da possibilidade de deduzirem pedido de indemnização civil em processo penal e das formalidades a observar, acrescentando por sua vez o nº 2 do preceito que quem tiver legitimidade para deduzir pedido de indemnização civil deve manifestar no processo, até ao encerramento do inquérito, o propósito de o fazer.

Segundo o artº 77º nº1 do mesmo diploma, na redacção anterior à Lei 59/98 quando apresentado pelo Ministério Público ou pelo assistente, o pedido é deduzido na acusação ou no prazo em que esta deve ser formulada.
Fora dos casos previstos no número anterior, o pedido é deduzido, em requerimento articulado, até cinco dias depois de ao arguido ser notificado o despacho de pronúncia ou, se o não houver, o despacho que designa dia para a audiência.( nº 2 do preceito).
Com a Lei 59/98, o nº 2 do preceito passou a ter a seguinte redacção :O lesado que tiver manifestado o propósito de deduzir pedido de indemnização civil, nos termos do artigo 75º nº 2, é notificado do despacho de acusação, ou, não o havendo, do despacho de pronúncia se a ele houver lugar, para querendo, deduzir o pedido, em requerimento articulado, no prazo de vinte dias.
E, o nº 3 do mesmo normativo passou a dispor: Se não tiver manifestado o propósito de deduzir pedido de indemnização ou se não tiver sido notificado nos termos do número anterior, o lesado pode deduzir o pedido até dez dias depois de ao arguido ser notificado o despacho de acusação ou, se o não houver, o despacho de pronúncia.
Com a proposta de lei 109X que altera o Código de Processo Penal, este prazo passou a ser de vinte dias
O que a lei baliza é o termo do prazo de apresentação do pedido cível e, não o seu início.(v. C.J. XVII, tomo 5,246).
Não pode ser ultrapassado tal prazo.
Relativamente ao prazo de apresentação do pedido de indemnização civil inserido na lei, escrevia Maia Gonçalves (in Código de Processo Penal anotado, 1999, 10ª edição, p. 227, nota 2): “ Este prazo poderá parecer excessivamente reduzido mas na realidade não o é, já que o lesado que deduz ele próprio o pedido pode fazê-lo em qualquer momento, até aquele que foi apontado, portanto mesmo durante o inquérito, e até logo quando da apresentação da queixa. Em tal caso o requerimento com o pedido de indemnização ficará logo no processo para, oportunamente, seguir seus termos”
Aliás, a própria teleologia do citado artº 75º do C.P.P. ao impor o dever de informação ao lesado, pela autoridade judiciária pretende acautelar desde logo o exercício do direito do lesado na dedução do referido pedido de indemnização civil em processo penal.

Também o Acórdão do Tribunal Constitucional nº 611/94, in D.R., II Série, de 5-1-95, não julgou inconstitucional a norma do artº 77º nº 2 do C.P.P.,e, considerava que para a dedução do pedido indemnizatório a parte dispunha “para isso não apenas dos cinco dias contados a partir da notificação ao arguido, mas de todos os que decorreram a partir da comissão do crime pelo qual aquele foi acusado”.

O artigo 377º nº 1 do Código de Processo Penal, determina que a sentença, ainda que absolutória, condena o arguido em indemnização civil sempre que o pedido respectivo vier a revelar-se fundado, sem prejuízo do disposto no artigo 82º nº 3.
Não havia porém unanimidade quanto ao campo de aplicação deste artigo.
Escrevia Maia Gonçalves – Código de Processo Penal anotado, 10ª edição, p. 672, nota 2, - : “Este artigo exige que haja sentença, portanto decisão que conheça, a final, do objecto (cfr. artº 97º, 1, al. a)). É, portanto, necessário que tenha havido julgamento: se o processo não chegou a julgamento, por extinção da responsabilidade criminal em momento anterior, não pode condenar-se na indemnização aqui prevista” e, aduzia ainda que: “Este artigo tem campo de aplicação privilegiado nos casos em que há responsabilidade civil objectiva mas a responsabilidade penal inexiste por falta de culpa (v.g. acidente de viação, com morte, que se provou, em julgamento, ter sido causado por caso fortuito inerente ao funcionamento do veículo) mas abrange outros casos, como o de sentença absolutória por amnistia da infracção” –ibidem, nota 2.
Mas, já em 1996, o Supremo Tribunal de Justiça, dava uma interpretação restritiva à norma, no sentido de que o nº 1 do artº 377º do CPP só pode funcionar quando esteja em causa uma situação de responsabilidade civil extracontratual, mas já não quando se configura um caso de responsabilidade civil contratual (v. Ac. do S.T.J. de 10 de Dezembro de 1996 in Acs do S.T.J., IV, tomo 3º, 202).
E, o denominado Assento nº 7/99 de 17 de Junho de 1999 - in Diário da República I- A Série de 3 de Agosto de 1999 – veio a fixar, nos termos do artigo 445º do Código de Processo Penal, a seguinte jurisprudência: “Se em processo penal for deduzido pedido cível, tendo o mesmo por fundamento um facto ilícito criminal, verificando-se o caso previsto no artº 377º nº 1 do Código de Processo Penal, ou seja, a absolvição do arguido, este só poderá ser condenado em indemnização civil se o pedido se fundar em responsabilidade extra-contratual ou aquiliana, com exclusão da responsabilidade civil contratual.”-
Escreveu-se a dado passo no referido Aresto, gerado pela oposição de julgados na Relação de Coimbra sobre a mesma questão: “É que, aceitando-se, muito embora, que o nosso direito positivo impõe um regime de adesão obrigatória, tal diz respeito ao pedido de indemnização por perdas e danos resultantes de um facto punível, ou seja, de um ilícito criminal.
Por outro lado, e recorrendo ao ensinamento de Eduardo Correia (Processo Criminal, pp 212 e segs.) o acórdão vai encontrar a explicação da dependência da acção civil perante a acção penal. No fundo, de ambas provirem da mesma causa material.
Outra ideia muito importante que aceitamos e que está bem patente no acórdão recorrido é que o regime de adesão não implica uma acção cível qualquer, mas tão-somente um pedido de indemnização civil para ressarcimento de danos causados por uma conduta considerada como crime”
E, mais adiante: “o nº 1 do artº 377º do Código de Processo Penal, quando manda condenar a indemnização civil, tem como pressuposto que esta indemnização resulte de um facto ilícito criminal e, no fundo, tendo como base o já citado artigo 483º do Código Civil. Daí a alusão a que o pedido seja fundado: não é qualquer pedido, mas sim o fundado na responsabilidade aquiliana”.
Só o pedido de indemnização civil «fundado na prática de um crime» pode ser «deduzido no processo penal respectivo» (art . 71. o, do CPP), mas a sentença, ainda condena o arguido em indemnização civil «sempre que o pedido respectivo vier a revelar-se fundado».
Assim, se o pedido tem de se fundar «na prática de um crime» , mas a absolvição (do crime) não obsta à condenação do arguido no pedido - se «fundado» - de indemnização, o fundamento da condenação não será obviamente a «prática de um crime», mas, segundo o assento 7/99 de 17JUN (DR I-A 3AGO99), a «responsabilidade extracontratual ou aquiliana», ainda que (eventualmente) não criminosa. Ac. do STJ de 06.06.2002, Processo n.o 1671/02 - 5.ª Secção.

Quando o legislador utiliza a expressão "danos ocasionados pelo crime", pressupõe que entre o delito e os prejuízos indemnizáveis, exista um nexo de causalidade.
A responsabilidade civil do arguido, a apreciar em processo penal, se não é sempre consequência de uma condenação por infracção penal, tem no entanto por suporte a imputação de um crime, com verificação dos seus elementos constitutivos e de uma subsunção à fattispecie legal.- Ac. do STJ de 07.05.1997, Processo n. 1234/96- 3. Secção
Considerando a natureza e os fins do processo penal e o princípio da adesão, o princípio da investigação, também designado da verdade material, conjugado com o princípio da livre apreciação da prova, aplica-se à actividade processual relativa à prova dos pressupostos e montantes dos danos integrantes da responsabilidade civil emergente de crime.

Pode haver responsabilidade civil, sem haver responsabilidade criminal, como é o caso de apreciação do pedido cível, em processo penal, em caso de absolvição criminal, ou de extinção do procedimento criminal.
Decorre do art. 483, do CC, que são elementos da responsabilidade civil extracontratual o facto, a ilicitude, a imputação do facto ao lesante, o dano e o nexo de causalidade entre o facto e o dano.
A imputação do facto ao lesante pode fazer-se a título de dolo ou de mera negligência.
Nos casos de mera culpa há que considerar que a culpa para efeitos de responsabilidade civil não tem que coincidir com a culpa para efeitos de responsabilidade criminal.
Face ao art. 487. do CC, para efeitos de responsabilidade civil, é ao lesado que incumbe provar a culpado autor da lesão, salvo havendo presunção legal de culpa.

Por outro lado, os arts. 566., n. 2 e 805., n. 3, do Código Civil, prevêem duas obrigações distintas:
- a decorrente do art. 566., n. 2, destina-se a permitir - concretizando a teoria da diferença segundo a qual a indemnização deve colocar o lesado em situação o mais possível correspondente à que existiria se não tivesse ocorrido o evento que obriga à reparação;
-que a indemnização em dinheiro tenha como referência temporal a data mais recente que puder ser atendida pelo Tribunal (geralmente considerada como sendo a do encerramento da discussão em primeira instância, atento o disposto no art. 663,, n. 1, do C PC); Ac. do STJ de 18.10.2000, Processo n. 1162/99 - 3.

Se não dispuser de elementos bastantes para fixar a indemnização, o tribunal condena no que se liquidar em execução de sentença. Neste caso, a execução corre perante o tribunal civil, servindo de título executivo a sentença penal.- artº 82º nº 1 do CPP.

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A decisão recorrida depois de referir que “é o regime da prescrição do direito de indemnização previsto no art. 498 do CC o aplicável ao caso concreto, pelo que o prazo de prescrição a considerar é de 5 anos”, salienta: “a partir da pendência do processo crime, o Estado não podia deduzir o pedido de indemnização, pelo que a partir dessa data o prazo de prescrição ficou interrompido.”, e louva-se no ac. do STJ de 13/10/2009, publicado sob o nº. 206/09.7YFLSB da base de dados do ITIJ e que sintetiza::

50 […] sendo de natureza pública o crime, deve considerar-se, com a sua notícia, imediatamente impedido ex lege o início do prazo de prescrição por estarem franqueadas para o lesado não só o exercício da acção cível em conjunto com a acção penal como ainda a faculdade de exercício da acção cível em separado com o aproveitamento de todas as faculdades consideradas no artigo 72 do CPP, não carecendo o lesado de exprimir, como sucede quando a acção penal depende de queixa, uma intenção de exercício do direito à indemnização que não pode deixar de se presumir (artigos 323/1 e 350/1 do CC).

51. Deve, por conseguinte, pendente inquérito por crime público (…), aguardar-se o desfecho do inquérito só então se iniciando (com o arquivamento ou com a acusação) o prazo de prescrição a que alude o artigo 498 do CC, considerando que só a partir desse momento o lesado tem encerradas ou definitivamente abertas as portas para o exercício da acção cível em conjunto com a acção penal […]”

E conclui: Aplicando ao caso dos autos: iniciado o processo crime antes do decurso do prazo de prescrição do mesmo, ficou impedido (art. 306/1 do CC) o início do decurso do prazo de prescrição do direito à indemnização pelos danos decorrentes da prática do crime, prazo que só se inicia com a dedução da acusação, pelo que, no caso, à data da dedução do pedido cível não estava decorrido o prazo de 5 anos de prescrição, pois que a acusação tinha sido deduzida pouco antes. “

Porém a decisão recorrida acaba depois por cair em erro, ao menosprezar o disposto no artº 377º nº 1 do CPP, ao fazer depender o pedido cível da não prescrição do procedimento criminal à data da dedução da acusação., confundindo o objecto da acusação com amplitude do pedido de indemnização civil e, também em caso de dedução do mesmo em separado.

Na verdade, esgrimindo ainda com aquele acórdão na parte em que diz : “[…] só depois de esgotadas as possibilidades de punição criminal ficará o lesado habilitado a deduzir, em separado, a acção de indemnização, face ao disposto no n.º 1 do artigo 306 do Código Civil”., vem a decisão recorrida a concluir que “não é só o arquivamento do processo, ou a dedução da acusação, que permitem o início do prazo de prescrição da obrigação de indemnizar. É também a prescrição do processo crime, pois que, a partir dela, fica esgotada a possibilidade de deduzir de punição criminal. Daqui decorre que em relação aos crimes fiscais que já estavam prescritos à data da acusação, que por isso nem sequer podiam ser objecto desta, o início do prazo de prescrição do direito de indemnização coincide com a data da prescrição dos crimes.”

Ora, pese embora seja de cinco anos o prazo de prescrição nos termos do artº 498º nº 3 do CC (“ Se o facto ilícito constituir crime para o qual a a lei estabeleça prescrição sujeita a prazo mais longo, é este o prazo aplicável”), há que ter em conta o disposto no artº 306º nº 1 deste diploma substantivo: O prazo de prescrição começa a correr quando o direito puder ser exercido; se porém, o beneficiário só estiver obrigado a cumprir decorrido certo tempo sobre a interpelação, só findo esse tempo se inicia o prazo da prescrição.”
E só se interrompe pela citação ou notificação judicial de qualquer acto que exprima, directa ou indirectamente, a intenção de exercer o direito, seja qual for o processo a que o acto pertença e ainda que o tribunal seja incompetente – n.º 1 do artigo 323.º do CC –, sendo equiparado a citação ou notificação, para este efeito, qualquer outro meio judicial pelo qual se dê conhecimento do acto àquele contra quem o direito pode ser exercido – n.º 4 do mesmo artigo.

Vem sendo entendido por este Supremo que"( . .) a pendência de processo crime interrompe a prescrição: enquanto se mantiver pendente essa lide – ainda que em sede de inquérito - não pode ocorrer a contagem do prazo prescricional ( como que representando uma interrupção contínua ou continuada do prazo de prescrição do direito à indemnização contra o civilmente responsáveL Quer o pedido de indemnização cível, possa, quer não possa, ser deduzido em separado "- cfr. ACST J de 03.12.09, P.73/99.7TAVIS.C1.S1,, ACSTJ de 16.01.2003 e de 22.01.2004 (ambos disponíveis em www.dgsi.pt). e de 27.01.2005 e de 31.01.2007, estes dois publicados na CJ ST J, Anos XIII, I, págs. 97 e ss., e XV, [, pág5. 54 e 5S., respectivamente.
O instituto da prescrição pressupõe que a parte possa opor-se ao exercício de um direito quando este não for exercitado durante o tempo fixado na lei. Trata-se, a um tempo, de punir a inércia do titular do direito em fazê-lo valer em tempo útil e de tutelar os valores da certeza e segurança das relações jurídicas pela respectiva consolidação operada em prazos razoáveis.

O que implica que a prescrição não corra ou não opere enquanto o direito não puder ser exercido pelo respectivo titular, tal como postula o nº 1 do artº 306º do C. Civil.

Com efeito, a interrupção inutiliza para a prescrição todo o tempo decorrido anteriormente, começando a correr novo prazo a partir do acto de interrupção, ficando a nova prescrição sujeita ao primitivo prazo de prescrição (artigo 326.º do CC).

Ora se o Ministério Público determinou a instauração de inquérito (fls 221) em 15 de Julho de 2000, ocorrendo o interrogatório do denunciado como arguido em 9 de Junho de 2005, não podia o tempo decorrido em inquérito ser utilizado na contagem do prazo de prescrição, uma vez que só depois de apurada jurídico-criminalmente a conduta da arguido, que delimitada, conduziria, findo o inquérito, a um despacho de acusação ou de arquivamento, nomeadamente pela verificação ou não do ilícito criminal, fonte do pedido de indemnização civil e independentemente dos termos da qualificação da conduta criminal do arguido, desde que ilícita, ou seja, independentemente de se saber “Se deverá ou não atender-se fragmentadamente a cada um dos comportamentos parcelares integrantes do todo em que tal conduta se decompôs”, é que poderia saber-se se deveria ser formulado o pedido cível nos termos do princípio da adesão ou, em separado.

Como se refere no citado acórdão de 3 de Dezembro de 2009, proc73/99,“Não é, ademais, razoável que o início da contagem prescricional para o exercício do direito de indemnização possa ocorrer durante a pendência do inquérito. Admitir o contrário, representaria, em certos casos, negar, na prática, o exercício da acção cível ao lesado que visse o processo crime ser arquivado decorridos que fossem mais de três anos sobre a verificação dos factos danosos, apesar desse processo (penal) ter estado sempre em andamento "normal" durante aquele período de tempo. Poderia mesmo (e sob outro prisma) coarctar-se ao lesado o exercício do direito de queixa ou de acusação, na medida em que, dependendo o procedimento criminal de queixa do ofendido, a dedução à parte do pedido de indemnização perante o tribunal cível implicaria, de per si, a renúncia ao direito de queixa - nº 2 do artº 72º do CP 82. Destarte, só depois de esgotadas as possibilidades de punição criminal ficará o lesado habilitado a deduzir, em separado, a acção de indemnização, face ao disposto no nº 1 do artº 306º do C. Civil - "o prazo de prescrição começa a correr quando o direito puder ser exercido. Conf., neste sentido, e entre outros, o Ac deste Supremo Tribunal de 15-10-98, in proc 988/97 - 2ª Sec. O que tudo significa que com a participação dos factos (em abstracto criminalmente relevantes) ao Mº Pº ou às entidades policiais competentes, se interromperá o prazo de prescrição contemplado no nº 1 do artº 498º do C. Civil, não começando, de resto, este a correr enquanto se encontrar pendente o processo penal impeditivo da propositura da acção cível em separado. É, de resto, largamente dominante, o entendimento de que a interrupção, (bem como o alargamento do prazo da prescrição nos casos em que é admissível), se aplica (é oponível) aos responsáveis meramente civis”

A decisão recorrida vinculou a procedência do pedido de indemnização civil às condutas de fraude fiscal do arguido, que parcelar e criminalmente considerou – de harmonia com o artº 103 do RGIT, como não prescritas, sendo certo que o objecto do processo e a acusação abarcavam todas as demais condutas delituosas de fraude fiscal que a decisão recorrida considerou prescritas, e sendo também certo que conforme artº 498º nº 4 do CC, a prescrição do direito de indemnização não importa prescrição da acção de reivindicação nem da acção de restituição por enriquecimento sem causa, se houve lugar a uma ou a outra,

Como salienta o recorrente na sua motivação de recurso:
“Assim, o Acórdão ora sob recurso sublinhou dever ser atendido ao valor não entregue de cada declaração (e não, como resulta da decisão da 1ª.lnstância, a soma de todas as declarações que constituam a resolução criminosa continuada), como segue (sublinhados nossos):
- Na declaração de 1991, relativa a 1990, o valor de 646.40€;
- Na declaração de 1992, relativa a 1991, o valor de 7.079.74€;
- Na declaração de 1993, relativa a 1992, o valor de 3.097.54€;
- Na declaração de 1994, relativa a 1993, o valor de 51.866,36€;
- Na declaração de 1995, relativa a 1994, o valor de 51.652,31E;
- Na declaração de 1996, relativa a 1995, o valor de 15.266,1 9E;
- Na declaração de 1997, relativa a 1996, o valor de 68.366,04E;
- Na declaração de 1998, relativa a 1997, o valor de 22.126,66E;
- Na declaração de 1999, relativa a 1998, o valor de 49.170,94€;
- Na declaração de 2000, relativa a 1999, o valor de 148.095,94€;
- Na declaração de 2001, relativa a 2000, valor não determinado superior a 15.000€;
- Na declaração de 2002, relativa a 2001, valor não determinado superior a 15.000€;
- Na declaração de 2003, relativa a 2002, valor não determinado superior a 15.000E;
- Na declaração de 2004, relativa a 2003, o valor de 1.000€,
concluindo no sentido de as condutas dos anos de 1991, 1992, 1993 e 2004 (acima sublinhadas) não poderem ser consideradas como preenchendo, também, o crime de fraude fiscal, que ficaria assim reduzido à conduta dos anos de 1994 a 2003, inclusivé, sendo que esta, por seu turno, por força do estabelecido no art.1 03°" n°.3 do RGIT (que, na tese do Acórdão, impede a unificação, como um só crime, de toda a conduta respeitante à fraude fiscal), deveria ser "desdobrada", considerando tantos crimes quantas as declarações de rendimentos não efectuadas pelo arguido, uma vez que a lei terá pretendido que "cada conduta respeitante a cada declaração tivesse o seu próprio valor e autónomo criiminal".
Prosseguindo nesta linha de raciocínio, o Acórdão ora sob recurso - partindo do pressuposto de que o prazo prescricional dos crimes fiscais é de 5 anos (cfr. art.15/1 do RJIFNA e 21/1 do RGIT) e de que o primeiro acto com capacidade interruptiva da prescrição ocorrera apenas em 09/06/2005 com a constituição como arguido (cfr. fls.2594-2603) - considerou prescritos todos os crimes fiscais anteriores a 09/06/2000, subsistindo tão só os praticados a partir da declaração de 2001 (correspondente aos rendimentos de 2000), ou seja e em suma, restando os crimes fiscais de 2001, 2002 e 2003 (correspondentes aos rendimentos de 2000. 2001 e 2002).
Por outro lado, considerando ser aplicável, por força do disposto no art.498°., nº.3 do Código Civil e no art.21°., nº,1 do RGIT, o prazo prescricional de cinco anos do direito de indemnização civil, sendo que, face ao estatuído no art.306°., nº.1 do Código Civil, (“a partir da pendência áo processo crime, o Estado não podia deduzir o pedido de indemnização, pelo que a partir dessa data o prazo de prescrição ficou interrompido” , entendeu também que, ficando esgotada, com a prescrição do processo crime, a possibilidade de punição criminal, o início do prazo de prescrição da obrigação de indemnizar ocorreria no momento em que se verificava a prescrição do processo crime, concluindo assim que, em relação aos crimes fiscais que, no seu entendimento e face à subsumpção jurídica efectuada (divergente, como se referiu, da acolhida pela pronúncia e pela decisão de 1ªªlnstância), já estavam prescritos, à data da acusação, o início do prazo de prescrição do direito de indemnização coincidia com a data da prescrição dos crimes.
E, neste entendimento, foi restringida a obrigação de indemnizar aos crimes de 1999, 2000, 2001, 2002 e 2003, por estarem as outras prescritas (perfazendo o valor da indemnização dos dojs primeiros a mencionada quantia de 197.266,88€ - correspondendo à soma dos valores parcelares de 49.170,94€ referente ao ilícito cometido em 1999 e 148.095,94€ referente ao de 2000 - e a dos três restantes valor não apurado, não inferior a 15.000€/cada, a liquidar em execução de sentença), alterando a declaração de perda dos valores apreendidos, que ficou limitada ao valor de 197.266,88€, com a qual considerou satisfeito o pedido de indemnização cível deduzido pelo Ministério Público em representação do Estado/Administração Fiscal, quanto a este valor em concreto, "sem prejuízo do demais em que o Estado foi condenado".
Somente a partir do momento em que o demandante “conseguiu delimitar os contornos do prejuízo sofrido por força da conduta do arguido, situando com precisão o período temporal no decurso do qual ocorreram os factos integradores da fraude fiscal na origem da qual se gerou o seu direito à indemnização cível, é que poderia exercer o seu direito de indemnização”

Ora como se disse, prescreve o artº 377º nº 1 do CPP que a sentença, ainda que absolutória, condena o arguido em indemnização civil sempre que o pedido respectivo vier a revelar-se fundado, sem prejuízo do disposto no artigo 82º nº 3.
Os factos que constituíram o objecto do processo criminal são os que integram o fundamento de responsabilidade civil, se lesivos de interesse objecto de reparação patrimonial.
Os factos delituosos objecto do processo ocorreram na consideração de uma resolução criminosa continuada que cujo último acto ocorreu e 2004, e iniciara-se em 1991.
A prescrição somente começaria correr se esgotada a via processual penal, houvesse que ser deduzido o pedido cível em separado.
O pedido cível traduz nas consequências indemnizatórias por perdas e danos decorrentes do ilícito criminal..
Por isso não se destina a liquidar a obrigação tributária – embora o valor integrante desta possa coincidir com o valor total em dívida, e os factos geradores em ambas as obrigações sejam os mesmos -, uma vez que é fixada segundo os critério da lei civil e abarca todos danos.
Se os danos integrantes da causa de pedir do pedido de indemnização civil com fundamento em factos criminais, ficassem na procedência da punição destes ilícitos, não faria sentido o disposto no artº377º nº 1 do CPP, nem o instituto do princípio da adesão, porque excluiria a ilicitude em termos cíveis, a indemnização decorrente de responsabilidade civil extracontratual e desprezava as regras do enriquecimento sem causa.

Com refere o recorrente MP na respectiva motivação de recurso:

“Dado por adquirido o locupletamento do arguido/lesante com as quantias que deveria ter pago, a título de IRS, ao longo do período do arguido/recorrente com as quantias que deveria ter pago, a título de IRS, ao longo do período no decurso do qual se verificou a sua conduta fraudulenta – impedindo a cobrança do respectivo imposto . impunha-se a sua condenação cível, ressarcindo os prejuízos decorrentes da mesma.
É, com efeito, inquestionável a ocorrência de um enriquecimento indevido por parte do arguido/lesante, na certeza de que o mesmo dolosamente violou o direito do Estado ao pronto recebimento dos quantitativos referentes aos impostos devidos a título de IRS, ficando assim civilmente obrigado a indemnizar o lesado/Estado pelos danos decorrentes dessa violação, por sobre si impender a obrigação de restituir aquilo com que injustamente se locupletou (cfr. art.473°, do Código Civil).
A matéria de facto assente aponta incontornavelmente para a verificação de uma situação de enriquecimento sem justa causa por parte do arguido, relativamente à globalidade dos montantes de imposto de que se apoderou e que correspondentemente o Estado não arrecadou, por força do seu descrito comportamento ilícito “
“Comportamento ilícito que ocorre, mesmo na tese de que deverão ser considerados fragmentadamente os diversos factos integrantes do comportamento do arguido, em execução do desígnio por si comprovadamente formulado de não declarar à Administração Fiscal valores obtidos em território nacional, assim como efectivamente não declarou, com o intuito de não proceder ao pagamento da prestação tributária a que estava obrigado, fazendo-a sua, bem sabendo que desta forma obtinha um benefício patrimonial que não lhe era devido, o que prejudicava os cofres do Estado, sendo tal benefício no valor global de 463.368,12 euros (correspondentes à soma dos valores dos benefícios parciais de 646,40€, 7.079,74€, 3.097,54€, 51.866,36€, 51.652,31€, 15.266,19€, 68.366,04€, 22.126,66€, 49.170,94€, 148.09S,94€ e 1.000E, referentes, respectivamente, aos anos fiscais de 1990 a 1999 - declarações de IRS de 1991 a 2000 - e de 2003 - declaração de IRS de 2004), valor esse a que acrescem os beneficios indevidos, referentes aos anos fiscais de 2000, 2001 e 2002 - declarações de IRS de 2001, 2002 e 2003 -, em montante exacto não apurado e a liquidar em execução de sentença, não sendo, porém, inferior, em cada uma delas, ao valor de 15.000€. “

Preenchendo os factos provados, face à lei vigente ao tempo do seu cometimento, a prática pelo arguido de ilícito de natureza penal - crime de fraude fiscal - , pelo que, conforme sublinhado, na doutrina, por Simas Santos, Leal Henriques e Borges de Pinho, Código de Processo Penal Anotado, 1996, vaI. 1, págs. 340 e 341, nos casos de extinção do procedimento criminal (que pode ocorrer por prescrição, por falecimento do arguido, por amnistia, por renúncia e por desistência da queixa ou da acusação particular ou em caso de revogação da lei que prevê e pune a infracção), se houver já pedido de indemnização cível formulado, o processo penal deve continuar para conhecimento desse pedido, sendo certo que "a descriminalização da conduta não arrasta a extinção da responsabilidade civil uma vez que ta[ conduta era criminalmente punida face à rei vigente ao tempo do seu cometimento", daí decorrendo que o juiz deva, "verificados os demais pressupostos da responsabilidade civil condenar o arguido, nos termos do disposto no art.377. do CP.Penal, o que está de acordo com a jurisprudência fixada pelo S.T.J." (cfr. ACSTJ de 11.12.08, P.08P3850, Rel.:-Simas Santos, disponível em www.dgsi.pt).

Face a tudo quanto acaba de referir-se, impor-se-à não só a integral manutenção dos termos e fundamentos da condenação no pedido de indemnização cível efectuada em 1ª Instância, como a integral manutenção da declaração de perda dos valores apreendidos como garantia de satisfação dos montantes que o Estado tem direito a receber do arguido/lesante, face à comprovada ilicitude do seu comportamento e à reconhecida dimensão e expressão económica do prejuízo causado”

No caso dos autos, em virtude do comportamento do arguido/demandado, o demandante viu o seu património empobrecido em pelo menos 463.368,12 euros, correspondente ao valor de que ele ilicitamente se apropriou.
Constituiu-se assim o demandado AA na obrigação de indemnizar o demandante.
Quem estiver obrigado a reparar um dano, deve reconstituir a situação que existiria se não se tivesse verificado o evento que obriga à reparação (artº 562º do CC), sendo certo que a obrigação de indemnização só existe relativamente aos danos que o lesado provavelmente não teria sofrido se não fosse a lesão (artº 563º do CC), compreendendo o prejuízo causado e os benefícios que o lesado deixou de obter em consequência da lesão (artº 566º, nº 2, do CC).
No caso dos autos, a reparação terá de ser efectuada em dinheiro, nos termos do artº 566º, nº 2, do CC.
Por conseguinte, a condenação do demandado no pagamento da quantia que subtraiu reporá o lesado na situação patrimonial em que este se encontraria não fora o dano patrimonial sofrido por força da conduta do demandado.
Pelo exposto, deverá o demandado ser condenado a pagar ao demandante, a título de danos patrimoniais, as quantias referentes aos montantes devidos a titulo de IRS que deveria ter pago e não pagou, por cuja não entrega é criminalmente responsável, no valor global de 463.368,12 euros, e ainda no que se liquidar em execução de sentença relativamente aos montantes de IRS relativos aos anos fiscais de 2001, 2002 e 2003, já que quanto a estes ficou por apurar qual o valor concreto devido a este titulo, apurando-se apenas que será pelos menos de 15.000,00 euros quanto a cada um dos anos fiscais, valores estes a que acrescerão juros de mora, computados à taxa legal sobre cada uma das prestações em falta.
Os juros serão computados desde o termo final do respectivo prazo de pagamento voluntário, por ser essa a data da prática do facto ilícito, e, por se tratar de um crédito líquido, o momento em que o arguido se constituiu em mora (cfr. art. 805.º, nº2, al. b), do Cód. Civil), até efectivo pagamento.
Uma vez que o pedido de indemnização civil não tem por objecto a liquidação ou cobrança de imposto em dívida, a taxa de juros devida é a taxa legal dos juros civis, considerada pela 2ª instância.

D

Por outro lado como refere a decisão recorrida:

“Todos os actos de cooperação levados a cabo pela CMO com o Município de São Vicente cabem nos poderes da Câmara e do seu presidente e não foram desrespeitadas quaisquer formalidades essenciais nem se indicia qualquer desvio de poder. O nº. 17, ao dizer que o arguido abusava do facto de, na qualidade de presidente da CMO, poder decidir em favor” é uma conclusão jurídica, não é um facto. […] Concretamente em que consistiu esse abuso? Não o diz o acórdão nem dá por assente qualquer facto donde se possa tirar tal conclusão”.

E mais à frente:

“A doação e aceitação do terreno para a moradia ocorreu, pois, ao fim de cerca de 14 anos de cooperação estreita entre as autarquias. Não se dá como assente, minimamente, que qualquer dos actos de cooperação da CMO com Cabo Verde ao longo dos catorze anos de cooperação tenha sido condicionado pelo arguido ao recebimento de qualquer recompensa. Também não se dá por assente que a oferta e aceitação do terreno tenham tido qualquer influência nos actos de cooperação desenvolvidos pela CMO.

[...] “O recebimento de vantagem oferecida por terceiro não é em si legítimo ou ilegítimo. Não há nada na lei que proíba a um qualquer cidadão, seja ou não político, seja ou não presidente de uma Câmara Municipal, receber uma qualquer vantagem que lhe seja livremente oferecida.

De resto, (...) Não basta sequer que o agente tenha beneficiado de «benefício ilegítimo», é também necessário que o acto que lhe é imputado tenha sido praticado com a intenção de obter o benefício.

Ora, o acórdão, “não dá por provado um só acto donde resulte que os actos de cooperação da Câmara de Oeiras com o Município de São Vicente tenham sido praticados ou promovidos pelo arguido com o intuito de obter benefício”.

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Em suma:

Quanto aos factos do crime de abuso de poder

Do facto 6 cortam-se as frases “mostrando-se dispostos e abertos a qualquer retribuição pelas ajudas recebidas”.

Do facto 17 cortam-se as frases: “como contrapartida de actos de cooperação praticados no âmbito do acordo de geminação”, “bem sabendo que tais vantagens não lhe eram pessoalmente devidas” e “e de que abusava do facto de, na qualidade de Presidente da CMO, poder decidir em favor de um município mais desfavorecido a atribuição de verbas ou equipamentos, ali em falta, dada a conhecida escassez de meios materiais existentes”.

Do facto 18 retira-se “bem sabendo que tal não lhe era lícito”.

Corta-se o facto 19.

Cortam-se os factos 4 e 5 do capítulo XII”

Não há assim que alterar a decisão da Relação quando no ponto VIII decidiu “revogar a declaração de perda do terreno sito em Cabo Verde a favor do Estado”, porque não vem provado que proviesse de facto ilícito.

A declaração de perdimento dos valores apreendidos fica limitada ao valor da condenação pecuniária, com a qual se considera satisfeito o pedido de indemnização civil formulado pelo Ministério Público em representação do Estado, na vertente da Administração Fiscal, sem prejuízo do demais em que o demandado foi condenado.


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Termos em que decidindo, acordam os deste Supremo Tribunal:

- Não conhecem do recurso interposto pelo arguido AA, na parte criminal, que por isso, rejeitam, por inadmissibilidade legal do mesmo. nos termos dos artºs 420º nº 2 do CPP
- Rejeitam o recurso do mesmo arguido na parte cível, por manifestamente improcedente nos termos do nº 1 do mesmo preceito.
- Dão parcial provimento ao recurso interposto pelo Ministério Público quanto ao montante pedido de indemnização civil, e revogando a decisão da 2ª instância, com excepção da parte referente a juros, e da parte em que revogou a declaração da perda do terreno sito em Cabo Verde,, fica o demandado AA condenado no pagamento à Administração Fiscal da quantia de 463.368,12 euros, e ainda no que se liquidar em execução de sentença relativamente aos montantes de IRS relativos aos anos fiscais de 2001, 2002 e 2003, valores estes a que acrescerão juros de mora, computados desde o termo final do respectivo prazo de pagamento voluntário até efectivo pagamento, calculados à taxas legais dos juros civis.
- Fica a declaração de perda dos valores apreendidos limitada ao valor líquido da condenação, sem prejuízo do demais em que o demandado foi condenado, e mantêm o acórdão da 2ª instância quanto à revogação da declaração de perda do terreno sito em Cabo Verde.

Tributam o arguido em 15 Ucs de taxa de justiça na parte criminal
Condenam-no na importância de oito Ucs nos termos do nº 4 do artº 420º do CPP
Custas cíveis na proporção do decaimento por ambos os sujeitos processuais, sem prejuízo da isenção de que goza o MªP

Supremo Tribunal de Justiça, 27 de Abril de 2011
Elaborado e revisto pelo relator

Pires da Graça (Relator)
Raul Borges