Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
955/02.0JFLSB-D.E1
Relator: ALBERTO JOÃO BORGES
Descritores: ACLARAÇÃO DE DECISÃO
INÍCIO DO PRAZO DE INTERPOSIÇÃO DO RECURSO
Data do Acordão: 03/11/2014
Votação: DECISÃO DO RELATOR
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: REJEITADO
Sumário:
I – O pedido de correção ou esclarecimento da decisão proferida em processo penal não interfere no termo inicial do prazo de recurso previsto no art.º 411 n.º 1 al.ª a) do CPP, sendo a partir da notificação da decisão cuja correção ou aclaração se pede que se inicia o prazo do recurso.
Decisão Texto Integral:
Decisão Sumária

I – RELATÓRIO

1. No Tribunal Judicial da Comarca de Santarém (1.ª Juízo Criminal) corre termos o Proc. Comum Coletivo n.º 955/02.0FFLSB, no qual, por despacho de 18.02.2013 (fol.ªs 316 a 320 destes autos), foi decidido:

A – Quanto à nulidade das escutas telefónicas a que se referem os despachos de fol.ªs 275 e 462: indeferir o requerido, em síntese, por considerar prejudicado o conhecimento dessa questão, já apreciada pelo Tribunal da Relação de Évora e pelo Tribunal Constitucional;

B – Quanto à nulidade das escutas telefónicas por destruição de elementos de prova: indeferir o requerido, por se entender que as escutas telefónicas transcritas não ficam afetadas pela destruição das escutas não transcritas.

2. O arguido/requerente (A) veio pedir aclaração desse despacho, aclaração que foi indeferida por despacho de 2.04.2013.

3. Recorreu o arguido daquele primeiro despacho, em recurso que enviou por registo de 10.05.2013, concluindo a motivação do recurso com as seguintes conclusões:

1.ª parte

1 - O arguido invocou perante o Juiz de Julgamento, no seu requerimento de 13/05/2008, a declaração de nulidade, por ausência de controlo judicial, das escutas telefónicas a que dizem respeito os despachos de fls. 275 e 462, em virtude de não resultar documentado que o Mm.º Juiz tenha procedido à audição dos conteúdos das interceções telefónicas indicadas como relevantes para a prova pela Policía Judiciária, aliás, diferentemente do que ocorreu a fls. 528.

2 - Pelo despacho objeto do presente recurso e respetiva aclaração foi decidido, relativamente à alegada nulidade, que “esta(va) prejudicado conhecimento da questão, a qual se indefere”.

3 - Obstando a tomar conhecimento sobre tal pedido, o tribunal a quo decidiu que tal questão teria sido apreciada anteriormente e que “está esgotado o poder jurisdicional quanto à matéria em apreço”.

4 - O Juiz de Julgamento pode e deve apreciar a legalidade da prova a produzir apresentada pela acusação em sede de julgamento.

5 - A questão relativa à apreciação da legalidade da prova é discutível não só até à sentença, mas ainda no recurso que dela couber – nºs 2 e 3 do citado artigo 310.

6 - O Mm.º Juiz a quo deveria ter conhecido e decidido a alegada nulidade, não existindo caso julgado nesta matéria.

7 - Não se verificando nos despachos judiciais de fls. 275 e 462 dos autos que as interceções foram efetivamente ouvidas antes de ser ordenada a transcrição das sessões indicadas pelo órgão de polícia criminal, deve entender-se que não existiu o necessário controlo.

8 - A entender-se que as interceções foram ouvidas mais tarde, quando da verificação da conformidade das transcrições (o que também não resulta dos autos), certo é que tal procedimento não corresponde à exigência legal das gravações e respetivo auto serem de imediato levados ao conhecimento do Juiz, atento o tempo decorrido.

9 - Deve considerar-se inconstitucional, por violação do n.º 6 do artigo 32 da Constituição, uma interpretação dos n.ºs 1, 2 e 3 do artigo 188 do CPP que não imponha que o auto de interceção e as gravações de conversações ou comunicações telefónicas sejam, de imediato, lavrado e levados ao conhecimento do Juiz e que este não esteja obrigado a ouvir sempre tais gravações e registar tal audição, de modo a este poder decidir atempadamente sobre a junção ao processo ou a destruição dos elementos recolhidos, não bastando - para considerar que foi feita a audição - referir-se que se consideram os elementos recolhidos indicados pela Policia Pudiciária que procedeu às escutas como relevantes para a prova.

2.ª parte

10 - O recorrente requereu, conforme consta dos autos, em sede de produção de prova, para sua defesa, o conteúdo de todos registos (sessões) das comunicações telefónicas que lhe foram intercetadas, nomeadamente, as que foram (eliminadas?), cuja transcrição não pôde consultar, pois que esta transcrição não foi ordenada nos autos, por terem sido, alegadamente, consideradas “sem interesse” na selecção que delas fez a PJ.

11 - O arguido declarou, então, que entendia essencial para determinar a sua absolvição tal produção de prova, tendo solicitado para tanto que lhe fosse entregue cópia dos registos dessas interceções telefónicas.

12 - Posteriormente ao dito requerimento provatório, foi o arguido notificado do teor de fls. 1928 e 1030 dos autos, onde consta que a PJ eliminou as sessões referentes às interceções telefónicas ordenadas a fls. 1122.

13 - O recorrente, de imediato, requereu a declaração de nulidade de todos meios prova dos obtidos mediante interceções telefónicas.

14 - As escutas telefónicas (ainda válidas) dos autos foram objeto de seleção para transcrição, conforme consta dos despachos de fls. 275 e 462, tendo as restantes sessões sido desmagnetizadas, como agora resulta ter-se verificado

15 - Alegou o recorrente que não pôde, em consequência, utilizar como meio de prova em sua defesa o conteúdo de todos registos (sessões) das comunicações telefónicas que lhe foram intercetadas, nomeadamente, as que foram eliminadas e cuja transcrição também não pôde consultar, pois que esta transcrição não foi ordenada nos autos, por terem sido, alegadamente, consideradas “sem interesse” na seleção que delas fez a PJ.

16 - O arguido invocou perante o Juiz de Julgamento, no seu requerimento de 13/05/2008, a declaração de nulidade de todos meios prova obtidos mediante interceção de telecomunicações, em consequência da destruição de elementos de prova obtidos mediante interceção de telecomunicações, que o órgão de polícia criminal e o Ministério Público conheceram e que foram considerados irrelevantes pelo Juiz de Instrução sem que o arguido deles tivesse conhecimento e sem que pudesse pronunciar-se sobre a sua relevância.

17 - O Mm.º Juiz a quo entendeu, erradamente, que, não obstante as escutas não deverem ter sido destruídas, as escutas transcritas não ficam afetadas por esse ato.

18 - Não pode ser o Juiz da causa que deve decidir se as gravações destruídas têm ou não interesse para a defesa, como se fez no despacho recorrido.

19 - Não pode o mesmo Juiz fundamentar o indeferimento com a justificação de que o arguido poderá apresentar outras provas ou que não justificou os factos que pretende provar com as escutas que desconhece.

20 - Tal constituiu uma exigência de prova diabólica.

21 - Ao arguido teria de ser deixada a possibilidade de ser ele a ajuizar, com base no conteúdo das conversações em causa, sobre a sua relevância, para, pelo menos, a poder justificar (por exemplo, porque entende que dela resulta um atenuação da sua culpa ou até uma causa de justificação), sem que esse juízo possa ser antecipadamente inviabilizado pela destruição dos suportes magnéticos com base numa apreciação alheia (ainda que do Juiz de Instrução).

22 - Tal possibilidade não foi dada ao arguido, sendo que o acto de destruição das escutas dos autos prejudicou irremediavelmente a sua defesa.

23 - A interpretação dos artigos 188 n.º 3 e 189 do Código de Processo Penal que coincida com a atrás referida, nomeadamente, aquela que é feita no despacho recorrido - que seria o arguido que tem que indicar quais os factos que pretende provar com as escutas destruídas que não conheceu e que terá outras formas de provar o que poderá constar das mesmas escutas - será inconstitucional, por violação das garantias de defesa do arguido, asseguradas pelo artigo 32 n.º 1 da Constituição e, em particular, da garantia de um processo leal e do princípio do contraditório.

24 - É inconstitucional, por violação das garantias de defesa do arguido asseguradas pelo artigo 32 n.º 1 da Constituição e, em particular, da garantia de um processo leal e do princípio do contraditório, a interpretação do artigo 188 n.º 3 do Código de Processo Penal que permite que sejam destruídos elementos de prova obtidos mediante interceção de telecomunicações, que o órgão de polícia criminal conheceu, com base na apreciação da sua relevância efectuada e na consequente ordem dada pelo Juiz de Instrução e de cujo conteúdo o arguido não chega a tomar conhecimento, sem poder, pois, pronunciar-se sobre a sua relevância.

25 - Foram violados, além doutros, os artigos 32 n.ºs 1 e 6 e 34 n.º 1 da Constituição, e n.º 1 do art.º 99, 120 n.º 1, 122, 125, 126, n.ºs 1 e 3 do art.º 188, 189, n.º 1 do 311, n.º 1 do 312 e 313, todos do CPP.

26 - As normas atrás referidas foram aplicadas erradamente, como se narra na fundamentação do recurso, pelo que deve ser revogada a decisão sub judice e, consequentemente, declaradas as nulidades e inconstitucionalidades suscitadas.

3. O Ministério Público junto da 1.ª instância respondeu ao recurso interposto, concluindo a sua resposta nos seguintes termos:

1. A. vem impugnar “a decisão proferida em 18/02/2013, aclarada por despacho datado de 21/03/2013”.

2. A decisão proferida em 18 de fevereiro de 2013 não foi aclarada pelo despacho de 2 de abril de 2013.

3. O despacho de 18 de fevereiro de 2013 foi notificado ao arguido, na pessoa do seu Ilustre Mandatário, em 1 de março de 2013.

4. O arguido devia ter impugnado o despacho referido em 3 até 12 de abril de 2013, ainda que, concomitantemente, pedisse a sua aclaração, pelo que ao recorrer dele só em 13 de maio de 2013, a pretexto de que o mesmo foi aclarado, o arguido exerceu o seu direito fora de tempo, pelo que deve ser rejeitado o recurso, por ter sido interposto fora de tempo, nos termos do artigo 420 n.º 1 alínea b) do Código de Processo Penal.

4. O Ministério Público junto deste tribunal emitiu parecer no sentido da resposta apresentada na 1.ª instância.

5. Cumprido o disposto no art.º 417 n.º 2 do CPP, cumpre proferir decisão sumária, pois que o recurso se apresenta, de facto, apresentado fora do prazo.

II – OS FACTOS

1. A decisão recorrida foi proferida em 18.02.2013 (fol.ªs 316 a 320 destes autos) e notificada ao arguido por registo expedido em 26.02.2013, presumindo-se notificada em 1.03.2013.

2. O arguido requereu a aclaração dessa decisão, aclaração que foi indeferida por despacho de 2.04.2013 (notificado ao arguido por registo expedido em 8.04.2013), em síntese, porque o arguido não explicitou razões que fundamentem a existência de qualquer obscuridade ou ambiguidade, ou seja, não explicou a razão do pedido.

3. O arguido enviou recurso via postal por registo de 10.05.2013, nos termos que constam das conclusões que acima se deixaram transcritas, dizendo expressamente que recorre porque não se conforma com “a decisão proferida em 18.02.2013, aclarada por despacho datado de 21.03.2013” (diga-se, para sermos rigorosos, que nem a decisão proferida em 18.02.2013 foi aclarada nem o despacho que indeferiu a aclaração é de 21.02.2013, mas sim de 2.04.2013, como dos autos consta).

III – APRECIAÇÃO DE DIREITO

1. O prazo do recurso é de 30 dias, ex vi art.º 411 n.º 1 al.ª a) do CPP, a contar da notificação da decisão recorrida, a considerar-se aplicável a redação introduzida ao art.º 411 n.º 1 pela Lei 20/2013, que entrou em vigor em 23.03.2013; a não se considerar aplicável a nova redação introduzida àquele preceito pela referida lei – como entendemos – tal prazo é de vinte dias, que se esgotou em 21.03.2013.

Consideramos que não é aplicável a nova redação, porquanto, aquando da entrada em vigor daquela lei (em 23.03.2013) o prazo de recurso até então previsto - a contar da data da notificação da decisão - já havia decorrido (em 21.03.2013).

Dir-se-á que a lei processual é de aplicação imediata (art.º 5 n.º 1 do CPP), o que é verdade, mas sem prejuízo da validade dos atos realizados na vigência da lei anterior, o que equivale a dizer que a aplicação da lei nova que concede um prazo mais longo só faz sentido se o prazo estiver ainda em curso, o que no caso não acontece.

Ou seja, o prazo do recurso esgotou-se em 21.03.2013, antes da lei nova (que alargou o prazo de recurso para 30 dias) ter entrado em vigor.

Todavia, ainda que assim não se entenda – tendo em conta que o ato poderia ser praticado nos três dias úteis seguintes, ou seja, até 3.04.2013, nos termos do art.º 145 do CPC, aplicável ex vi art.º 104 n.º 1 do CPP, e que, portanto, o prazo do recurso estaria ainda em curso e, por isso, seria aplicável a lei nova - sempre tal prazo, de 30 dias, se teria como esgotado em 9.04.2013 ou, com multa, em 12.04.2013 (note-se que no período compreendido entre os dias 24.03.2013 e 01.04.2013 decorreram as férias judiciais da Páscoa).

Uma vez que o recurso foi enviado por registo postal de 10.05.2013 – data em que deve considerar-se interposto - nessa data há muito se havia esgotado o prazo do recurso, seja qual for o entendimento que se perfilhe.

2. Não obsta a este entendimento o pedido de aclaração do despacho recorrido, que não suspende nem interrompe o prazo do recurso do despacho a aclarar, o qual – repete-se - se inicia com a sua notificação.

Sobre questão idêntica se pronunciou o acórdão do TC n.º 403/2013, de 15.07.2013, Proc. 869/12, o qual, infletindo a orientação seguida nos acórdãos daquele tribunal n.ºs 16/2010 e 293/2012, decidiu “não julgar inconstitucional a norma resultante da interpretação dos art.ºs 380 e 411 n.º 1 do CPP com o sentido de que o prazo para a interposição do recurso começa e continua a corre a partir do termo inicial previsto no referido artigo 411 n.º 1, mesmo quando o arguido, ao abrigo do disposto no artigo 380 n.º 1 al.ª b), tenha requerido a correção da sentença”.

De facto, e como consta da fundamentação daquele acórdão, a aplicação subsidiária do art.º 669 n.º 3 do CPC, redação introduzida pelo DL 303/2007, de 24.08, ex vi art.º 4 do CPP, uma vez que o processo penal não regula expressamente tal matéria, veio exigir que “os pedidos de correção, reforma ou aclaração das sentenças fossem efectuados no próprio recurso que delas fosse interposto, sendo certo que em caso de deferimento daqueles pedidos o recorrente pode posteriormente alargar ou restringir o âmbito do recurso em conformidade com a alteração operada… Procurou-se deste modo pôr termo à utilização abusiva dos incidentes pós-decisórios como forma de dilatar no tempo o desfecho dos processos em tribunal.

A exigência que o recurso seja interposto nos prazos previstos no artigo 411 n.º 1 do CPP, independentemente de ser deduzido pedido de correção, nos termos do art.º 380 n.º 1 al.ª b) do mesmo diploma, que consta actualmente do regime do CPC, no art.º 669 n.º 3… não pode ser acusada de não conter uma regra de fixação precisa do termo inicial do prazo do recurso, quando requerida uma correção da sentença, uma vez que ela determina precisamente que nesses casos o prazo de recurso não sofre qualquer alteração, iniciando-se o mesmo nos momentos referidos no art.º 411 n.º 1 do CPP, colhendo esta regras apoio na configuração literal da lei, seja na redação do próprio CPP, ao não estabelecer qualquer alteração dos prazos de recurso quando há um pedido de correção, seja na atual redação do art.º 669 n.º 3 do CPP…”.

Esta orientação – quanto à aplicação do art.º 669 do CPC - vem defendida também pelo Exm.º Desembargador António João Latas, em decisão proferida no Proc. 22/07.0GAPTM.E3, de 5.03.2013, que correu termos por este tribunal (citada pelo Ministério Público no parecer que emitiu nestes autos).

Consequentemente, entendemos que o pedido de correção ou esclarecimento da decisão proferida em processo penal não interfere no termo inicial do prazo de recurso previsto no art.º 411 n.º 1 al.ª a) do CPP, sendo a partir da notificação da decisão cuja correção ou aclaração se pede que se inicia o prazo do recurso.

E sendo assim, como é, o recurso interposto apresenta-se como manifestamente extemporâneo, pelo que não pode deixar de ser rejeitado, sendo que a sua admissão não obsta à rejeição nesta instância.

III – DECISÃO
Assim, em face do exposto, e tendo em conta o disposto no art.º 420 n.º 1 al.ª b), com referência aos art.ºs 414 n.º 2 e 417 n.º 6 al.ª b), todos do CPP, e sendo certo que a admissão do recurso não vincula este tribunal (art.º 414 n.º 3 do CPP), decide-se rejeitar o recurso interposto pelo arguido, por extemporâneo.

Custas pelo recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 3 UC, a que acrescem mais 3, nos termos do art.º 420 n.º 3 do CPP.

(Este texto foi por mim, relator, elaborado e integralmente revisto antes de assinado)

Évora, 2014/03/11

(Alberto João Borges)