Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
417/09.5YRPRT.S1
Nº Convencional: 3ª SECÇÃO
Relator: PIRES DA GRAÇA
Descritores: PRINCÍPIO DA VERDADE MATERIAL
PROVA
DIREITO DE DEFESA
PRINCÍPIO DO CONTRADITÓRIO
DECISÃO INTERLOCUTÓRIA
REVOGAÇÃO
Nº do Documento: SJ
Data do Acordão: 02/10/2010
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: PROVIDO O RECURSO INTERLOCUTÓRIO E PREJUDICADO O CONHECIMENTO DOS RESTANTES RECURSOS
Sumário :
I-O fim do processo penal, contido no seu objecto, é a busca da verdade material, pelo que não está submetido ao princípio dispositivo ou da iniciativa das partes próprio do processo civil.
II - Daí que possa haver actuação oficiosa do tribunal na produção de meios de prova, desde que o seu conhecimento se afigure necessário à descoberta da verdade e à boa decisão da causa, mesmo não constantes da acusação, da pronúncia ou da contestação, podendo, ademais, a produção de meios de prova em audiência, nos termos do art. 340.º do CPP, resultar de requerimento dos sujeitos processuais.
III - A privação de produção de meios de prova necessários ou úteis à decisão da causa, que um dos sujeitos processuais (in casu, o Ministério Público) tinha direito a aditar face aos elementos probatórios apresentados por outro sujeito processual oponente (a arguida), frustra o due processo of law, a boa decisão da causa na apresentação e exame em audiência, de toda a prova relevante a ser submetida ao princípio do contraditório.
IV - Não tendo os mesmos sido produzidos é de revogar a decisão recorrida interlocutória por violação do disposto no art. 340.º, n.º 1, do CPP, ao não considerar útil essa inquirição, quando afinal se revela necessária, face aos factos apontados e ao condicionalismo verificado.
V - Essa revogação invalida os actos processuais posteriores praticados finda a produção da prova, nomeadamente o acórdão final e implica a continuação da audiência de julgamento, para produção da prova supra indicada, seguindo-se os demais termos processuais.
Decisão Texto Integral:
Acordam no Supremo Tribunal de Justiça

AA, divorciada, Juiz de Direito, filha de BB e de CC, nascida a …, natural de Moçambique e com residência profissional no … de …, sito na Rua …, Edifício …, nº … …, foi submetida a julgamento no Tribunal da Relação do Porto, na sequência de ter sido pronunciada por Decisão Instrutória de 23 de Janeiro de 2009, pela factualidade descrita na acusação formulada pelo Ministério Público, e pela Assistente, imputando à arguida a prática de um crime de difamação agravado, pp. pelos arts. 180°, nºs 1 e 4, 183°, 184°, este último com referência ao art. 132°, al. j) do Código Penal, na versão anterior à lei n.º 59/2007, de 04-09 e com referência ao art. 132°,al. l) do Código Penal, na redacção actual.
A Assistente deduziu pedido de indemnização civil.
Procedeu-se à realização da audiência de julgamento, e, na sessão de 2 de Junho de 2009, foi proferida decisão que indeferiu o requerimento do Ministério Público formulado na fase de julgamento, onde pedia ao Tribunal, ao abrigo do estatuído no artigo 340º nº 1 do CPP , para a descoberta da verdade material, que inquirisse os Senhores Juízes de Direito afectos ao TIC – Porto, Drª DD, Drª EE, Dr. FF, e Drª GG.
Veio a ser proferido o acórdão final em 8 de Julho de 2009, que julgou “improcedente a pronúncia da arguida, dela absolvendo a mesma, bem como do pedido cível contra ela formulado pela Assistente”
O Ministério Público pediu “a correcção de uma obscuridade existente no douto acórdão”, relativa ao nº 49 da matéria de facto provada, o que veio a ser decidido pelo acórdão de 23 de Setembro de 2009 que rectificou “a expressão “dessa autorização” referente ao citado nº 49 dos factos dados como provados, substituindo o termos “autorização”, por “solicitação”.
Inconformado com a decisão de indeferimento da inquirição requerida, dela veio recorrer o Ministério Público, apresentando as seguintes conclusões na motivação do recurso apresentada em 22 de Junho:
1ª - O recurso vem interposto da douta decisão, que indeferiu o requerimento em que, na fase de julgamento, o MP pedira que o tribunal, ao abrigo do estatuído no art. 340°, nº 1 do CPP, para a descoberta da verdade material, inquirisse os Senhores Juízes de Direito, afectos ao TIC - Porto, Dr.ª DD, Dr.ª EE, Dr. FF e Dr.ª GG, no processo penal contra magistrado em que é arguida a Senhora Juiz de Direito Dr.ª AA.
2ª - O fundamento aduzido, na douta decisão recorrida, para indeferir a inquirição requerida pelo MP, foi não terem sido concretizados pelo MP os factos em relação aos quais as testemunhas indicadas devessem depor.
3ª - Todavia, no requerimento em que pedira ao tribunal que, ao abrigo do estatuído no art. 340°, nº 1 do CPP, procedesse à inquirição oficiosa dos citados Senhores Juízes de Direito, escreveu o MP que fora surpreendido, nos momentos que precederam o início da audiência de julgamento, com a "contestação da Sr.ª Juiz arguida, na qual são alegados «falta de transparência e/ou irregularidade da actuação do MP, reportando-se à intervenção do Sr. Procurador Dr. HH» (art. 20 da contestação), e ter-se sentido a mesma Sr.ª Juiz objecto de «pressões», exercidas por magistradas do MP, «pressões» essas que seriam concretizadas no modo como o Proc. de Inquérito n° 2519/07.3TDPRT, lhe foi remetido pelo DIAP do Porto - em envelope fechado, com nota de confidencial, recebido por si durante um interrogatório de arguido detido - , bem como pelos telefonemas que a Sr.ª Procuradora Adjunta assistente e a Sr.ª Procuradora da República, que desta é superior hierárquica, lhe fizeram, «no sentido de, com a maior urgência, decidir aquele processo e remetê-lo ao DIAP.», cf. art. 53°" ,
4ª - E acrescentou o MP que: «Com o presente requerimento, pretende-se prevenir a hipótese de, no final da audição da prova, o tribunal ficar com dúvidas em relação aos factos supra mencionados, ou a outros factos, constantes da acusação pública»
5ª- Logo, tinham sido concretizados os factos em relação aos quais as testemunhas indicadas deveriam depor, repete-se, os alegados, pela arguida, na sua contestação (que, por circunstâncias a que o MP é alheio, só foi junta aos autos e levada ao conhecimento do MP e da assistente, quando se procedia à abertura da audiência, o que impediu o aditamento do rol, ao abrigo da faculdade que o art. 316° do CPP permite), «falta de transparência e/ou irregularidade da actuação do MP, reportando-se à intervenção do Sr. Procurador Dr. HH, (..) e as «pressões», exercidas por magistradas do MP sobre a Sr.ª Juíza, através do modo como o processo de inquérito fora remetido pelo DIAP ao TIC-Porto e através de telefonemas» feitos pela Senhora Procuradora Adjunta, titular do inquérito e pela Senhora Procuradora da República, que desta era superior hierárquica, para a Senhora Juiz, pedindo-lhe celeridade no despacho do inquérito.
6ª- É manifesta a relevância para a descoberta da verdade material da inquirição dos Senhores Juízes de Direito afectos ao TIC do Porto, porque, como era do conhecimento oficioso do tribunal, só eles - que exerciam funções iguais às da arguida, no mesmo tribunal, no tempo em que ocorreram os factos que estão subjacentes à acusação - podiam esclarecer ao Tribunal da Relação se o modo como o Proc. de Inquérito n° 2519/07.3TDPRT fora remetido pelo DIAP do Porto ao TIC, em envelope fechado, com nota de confidencial (processo de inquérito ao incêndio numa das casas de II e no escritório do Dr. JJ, cometido, alegadamente, a mando de KK, que tinha sido remetido ao TIC para efeito de concordância com o despacho de suspensão provisória do processo em relação ao confesso autor material e distribuído à arguida); bem como os telefonemas que a Senhora Procuradora Adjunta assistente e a Senhora Procuradora da República, que desta é superior hierárquica, fizeram à Senhora Juiz, «no sentido de, com a maior urgência, decidir aquele processo e remetê-lo ao DIAP», eram passíveis de serem entendidos como «pressões»; e, ainda, se a interposição de um recurso de um despacho jurisdicional, proferido num inquérito remetido ao TIC do Porto, pelo Senhor Procurador da República Coordenador do TIC do Porto, sem juntar aos autos documento comprovativo da ordem recebida da hierarquia para interpor o recurso, indiciaria «falta de transparência e/ou irregularidade da actuação do MP», a demandar o envio, por parte da Senhora Juíza de Instrução, de uma participação de todo o inquérito ao Senhor Procurador-Geral da República.
7ª - Na audiência de julgamento, o tribunal deve mandar produzir todas as provas que se afigurem como pertinentes para esclarecer os factos objecto do processo e a responsabilidade do arguido e só estas provas, podendo a produção de provas necessárias ser determinada oficiosamente ou a requerimento da acusação ou da defesa, tal como prescreve o art. 340° do CPP.
8ª - A produção de meios de prova, indeferida pela douta decisão recorrida era relevante para a descoberta da verdade material e não se enquadra em qualquer das previsões de inadmissibilidade de oficiosidade da produção de meios de prova, contempladas nos nºs 3 e 4, do art. 340° do CPP:
9ª- Por tudo isto, o douto despacho recorrido violou o disposto no art. 340° do CPP,
10ª - Pelo que deverá ser revogado e mandado substituir por decisão a ordenar se proceda à inquirição dos Senhores Juízes de Instrução Criminal do TIC - Porto, Dr.ª DD, Dr.ª EE, Dr. FF, e Dr.ª GG, com o que se fará a habitual
JUSTIÇA!
Inconformados com o acórdão final, dele recorreram:
I -A Assistente LL, que termina a motivação de recurso, apresentada em 15 de Julho de 2009, com as seguintes conclusões:
1 .A questão submetida a juízo era a de saber se, em face do teor da entrevista concedida pela Arguida ao "Jornal de Notícias", e no contexto em que mesma ocorreu, a Arguida cometeu o crime por que vem acusada e pronunciada.
2. Se Tribunal concluísse que o teor daquela entrevista (em especial, as passagens que aludem a um concreto processo, tido como o caso mais grave de suspeita de corrupção, em que a Arguida enviou certidão de todo o processado para o Exmo. Procurador-Geral da República) era de molde a que os leitores dessa edição do "Jornal de Notícias" (todos, muitos, poucos ou alguns) identificassem o processo (inquérito) a que a Arguida se referia e entendessem que a pessoa visada era a ora Assistente, enquanto titular do inquérito, então a Arguida teria de ser condenada.
3. No caso vertente, o Tribunal - inadvertidamente, por certo - desviou-se sobremaneira daquilo que era a questão trazida a julgamento, entrando em domínios irrelevantes e inócuos, dando-lhes um significado que não têm e invocando-os para fundamentar a decisão.
4. Ao mesmo tempo, e por inerência, o Tribunal ignorou e desconsiderou diversos elementos (tais como documentos e depoimentos) constantes dos autos, os quais, se devidamente atendidos e valorados, determinariam a condenação da Arguida.
5. Em consequência, sem prejuízo de melhor opinião e sempre com o devido respeito, o acórdão recorrido mostra-se desconforme à realidade dos autos.
6. Há erro na apreciação da prova, justificando-se a alteração da decisão da matéria de facto, no sentido acima referido, o que conduzirá à condenação da Arguida .
7. Mesmo que não fosse alterado o quadro factual firmado no douto acórdão recorrido, ainda assim se impunha a condenação da Arguida, pois foi dado como provado que várias pessoas, em face da entrevista da Arguida, concluíram que a pessoa aí visada como suspeita de corrupção era a Assistente, estando, ademais, verificados todos os elementos do tipo legal de crime.
8. Quanto à vertente cível, sendo a Arguida condenada pelo crime por que vem acusada e pronunciado, também haverá de ser condenada no pedido de indemnização civil, condenação que sempre deverá ocorrer, em qualquer cenário, pois estão verificados os respectivos pressupostos.
9. Mostra-se violado o disposto nos arts. 180°.1 e 4, 183° e 184° do Código Penal, com referência, este último preceito, à alínea j) e alínea 1) do art. 1320 do mesmo diploma, na redacção, respectivamente, anterior e posterior à revisão operada pela Lei n° 59/2007, de 4 de Setembro, mostrando-se também violado o disposto nos arts. 483º e 496º do Código Civil.
Termos em que,
Deve ser concedido provimento ao presente recurso, revogando-se o douto acórdão recorrido e, por via disso, deve a Arguida ser condenada nos termos por que vem acusada e pronunciada, bem assim condenada no pedido de indemnização civil.
II – O Ministério Público, apresentando as seguintes conclusões na motivação de recurso apresentada em 7 de Setembro de 2009:
1ª - O recurso vem interposto do douto acórdão absolutório, proferido no processo penal contra magistrado, em que é arguida a Juiz de Direito Dr.a AA, pronunciada como autora de um crime de difamação agravada, pp. pelos arts. 180°, n° 1, 183°, nºs 1, a!. a) e 2 e 184°, este último com referência ao art. 132°, al. j), do Código Penal (na redacção anterior à introduzida pela Lei nº 59/2007, de 04/09, a que corresponde o art. 132°, a!. i), da redacção actual).
2ª - A douta decisão recorrida foi proferida pelo tribunal da relação julgando em 13 instância, tendo havido gravação da prova, pretendendo o MP impugnar o julgamento da matéria de facto, nos termos previstos nos arts. 412°, nºs 3 e 4, do CPP, bem como recorrer em matéria de direito.
3ª - A matéria de facto impugnada - e os concretos meios de prova que fundamentam a sua impugnação - é a seguinte: os factos não provados n° 1,a fls. 857, com fundamento nos depoimentos prestados pelas testemunhas Drª MM - gravado nas cassetes nºs 5 e 6, lados A e B, e 7, lado A, até às voltas nº … -, Dr.ª NN - gravado nas cassetes nºs 7, lado A, a partir das voltas nº … e todo o lado B, e 8, todo o lado A e até às voltas nº … do lado B -, Dr. HH - gravado nas cassetes nºs 12, lado A, desde as voltas nº … até final, todo o lado B e cassete nº 13, lado A, até às voltas n° …, bem como na cassete n° 14, lado A, até às voltas n° …; nº III, a fls. 857, por se tratar de um facto notório mas, apesar de dispensado de prova, também provado pelos depoimentos prestados pelas testemunhas DI.3 MM (já indicado), Dr.ª NN (já indicado), e Dr.HH (já indicado); nºs V a VII (este em parte), VIII e IX, a fls. 858, bem como nºs. 29°, 30°, 76° e 77° da acusação particular, com fundamento nos depoimentos prestados pela assistente e pelas testemunhas Dr.3 MM (idem), DI.3 OO - gravado na cassete n° 16, todo o lado A e lado B, das voltas nºs …a 157 - e DI. PP - gravado nas cassetes nºs 16, lado B, desde as voltas n° 157 até final e nº 17, em todo o lado A, e no lado B, das voltas n° … a 753; n° X, a fls. 858, com fundamento nos depoimentos prestados pelas testemunhas Dr.ª MM (ibidem), Dr.ª NN (ibidem, Dr. HH (ibidem), Dr.ª OO (ibidem), e Dr. PP (ibidem), e, ainda, doe. n° 4°, a fls. 778 e ss. dos autos; n° XIV a fls. 858, atentos os depoimentos prestados pela assistente (depoimento, gravado nas cassetes nº 3, lados A e B e nº 4, lado A, do O até 476) e pelas testemunhas Dr.ª MM (cuja gravação já foi id.), Dr.a OO (cuja gravação já foi id.), e Dr. PP (cuja gravação já foi id.), todos os depoimentos constando dos suportes gravados adrede indicado; a título subsidiário e ainda em sede de impugnação do facto não provado nº X, a matéria de facto vertida nos nºs 20°, e 26° a 35°, 54°, e 59° a 62° da contestação, a fls. 575 e ss., com fundamento na confissão judicial, prestada nessa peça processual e, ainda, nas declarações que prestou em audiência, gravadas nas cassetes nºs 1 e 2, lados A e B.
4ª - Impugna-se, também, o julgamento da matéria de facto provada sob os nºs 49 e 55, a fls. 856 dos autos, matéria irrelevante em face do objecto do processo, tendo sido produzida prova em sentido contrário (depoimentos prestados pela Dr.ª MM, pelo Dr. HH e pelo Dr. PP, com as indicações de gravação contidas na conclusão que antecede) do que foi julgado provado e, além do mais, impertinente, porque contende com os princípios legais que regem a intervenção do MP em processo penal e a autonomia do MP em relação ao poder judicial.
5ª -Discorda-se que o tribunal a quo tenha julgado como não provado que a arguida - uma Magistrada Judicial, que exerceu funções de Juiz de Instrução Criminal no Tribunal de Instrução Criminal do Porto durante 11 anos - não se estava a referir à Dr.ª LL e que não sabia que ofendia a honra e consideração, profissional e profissional desta Procuradora-Adjunta, conotando-a como autora da prática de um crime de corrupção,
6ª - Quando, na entrevista que concedeu ao JN, a arguida, ao serem-lhe feitas perguntas sobre o tema da corrupção na justiça, falou de um processo, que passara pelo seu gabinete, em que enviara um dossier "ao topo da hierarquia", aludindo, depois, a ramificações do Apito Dourado, que não tinham que ver com futebol, e que era o caso mais grave, de que tomara conhecimento profissional.
7ª - Na verdade, a arguida fez aí referências que, como a arguida não podia ignorar, levavam a identificar tais revelações com a proposta de suspensão provisória, em relação ao arguido QQ, do inquérito aos incêndios numa das casas de II e no escritório do Dr. JJ, cometidos, alegadamente, a mando de KK, e a assistente (a titular desse inquérito, o que a arguida sabia) como autora indiciada de crime de corrupção na justiça.
8ª - Não concordamos, também, que tenha sido julgado como não provado que os normais leitores dessa entrevista e os jornalistas tivessem interpretado essas declarações da arguida com o sentido de que, por razões inerentes ao exercício das funções da arguida como Juiz de Instrução no TIC do Porto, a arguida detectara que a assistente era autora indiciada de crime contra a realização da justiça (vulgo, corrupção), ideia esta que a arguida tinha querido transmitir aos leitores.
9ª - Não concordamos, ainda, que tenha sido julgado como não provado que, devido à publicação dessa entrevista, o nome da assistente começasse a ser referido, em diversos locais e por diferentes pessoas, como suspeita de corrupção, vendo a assistente o seu nome mencionado na comunicação social, com a indicação de que era suspeita de corrupção, na decorrência de investigações jomalísticas, despoletadas pela entrevista.
10ª - A matéria de facto provada, conjugada com a experiência comum - que nos diz que qualquer normal magistrado judicial e, por maioria de razão, uma magistrada judicial que exerce funções como JIC no TIC do Porto há 11 anos, não pode ser tão inconsiderada que desconheça que as revelações, por si feitas numa entrevista, dada a JN, sobre uma situação, que refere ter sido a mais grave de corrupção na justiça, por si detectada profissionalmente, com pormenores que permitem a posterior identificação jornalística da visada (designadamente, por relacionado com o MP, com o Apito Dourado, mas com ramificações e não com futebol, e que fora recentemente por si comunicada à PGR), irão ser amplamente comentadas nos meios judiciários e investigadas por jornalistas, acabando por levar à identificação e à publicitação nos media do processo e da magistrada do MP referidos na entrevista - leva a que, a matéria de facto não provada por nós impugnada deva ser julgada como provada.
11ª - Aliás, é um facto notório que, no meio judiciário do Porto, iria ser amplamente comentado - tal como o foi - o facto de, num processo que era uma das ramificações do Apito Dourado, a Juiz de Instrução Criminal a quem fora presente o inquérito, para eventual concordância com a suspensão provisória, decidida pelo MP, sabendo que o Procurador-Coordenador do TIC - Porto passara a assumir a representação do MP, mandara notificar os seus despachos também à Procuradora da República que, habitualmente, trabalhava consigo.
12º - Logo, houve erro notório na apreciação da prova, quando foi julgado como não provado que: arguida se estava a referir à assistente e ao inquérito aos incêndios numa das casas de II e no escritório do Dr. JJ, nos excertos da entrevista que concedeu ao JN, transcritos na pronúncia; a arguida tinha necessariamente de saber que ofendia a honra e consideração, pessoal e profissional, da Procuradora-Adjunta Dr.ª LL, conotando esta como autora da prática de um crime de corrupção, ideia esta que a arguida tinha querido transmitir aos normais leitores da entrevista; e que, levando a que o nome da assistente fosse referido, em diversos locais e por diferentes pessoas, como suspeita de corrupção, culminaram com a publicação do nome da assistente na comunicação social, com a indicação de que era suspeita de corrupção, na decorrência de investigações jornalísticas, despoletadas pela entrevista.
13ª- Acresce que, todas as testemunhas ouvidas na audiência de julgamento disseram que, na leitura dos excertos da entrevista vertidos nos nºs 3 a 9 dos factos provados, reconheceram a proposta de suspensão provisória quanto ao autor material, no inquérito aos incêndios numa das casas de II e no escritório do Dr. JJ, como sendo o caso a que a arguida aludia, como o de maior gravidade, daqueles que, tendo passado pelo seu gabinete no TIC, lhe suscitara suspeitas de se tratar de uma situação de corrupção na justiça, e reconheceram o "dossier" "mandado para o topo da autoridade", de que a arguida falara no jornal, como a certidão integral do mesmo inquérito, que a arguida remetera ao EX.mo Procurador-Geral da República.
14ª -A arguida, ao ser inquirida a 07-11-26, como testemunha ajuramentada, no Inquérito nº 25/2007 da Procuradoria-Geral Distrital do Porto - em que se investigavam criminalmente as suspeitas de actos de corrupção praticados por magistrados, que a arguida deixara no ar, na entrevista ao JN subjacente aos autos em que vem interposto o presente recurso - referindo-se às participações que, na entrevista, disse ter feito, ditou que « ... e, no último caso relatado, e que foi endereçado ao Sr. Procurador Geral da República, entre outras de eventual "favorecimento pessoal", sendo que tal caso se reporta ao inquérito relativo às tentativas de incêndio ocorridas na casa-museu do Sr. II e do seu advogado Dr. JJ, onde era arguido um indivíduo cuja identificação não me recordo e que, alegadamente, terá actuado a mando de KK, que não era arguida nesse inquérito.» - doc. nº 4, junto pela assistente com o requerimento que apresentou a 2009¬06-02, nos autos.
15ª - Por tudo isto, a matéria de facto julgada como não provada sob os itens nºs I, lU, V a VII (este, em parte), VIII e IX, X, e XIV, a fls. 857 e ss. dos autos, deve ser considerada como provada e a matéria de facto provada sob os nºs 49 e 55 deve ser eliminada.
16ª - Na procedência do recurso em matéria de facto, a arguida deve ser condenada como autora de um crime de difamação agravada, pp. pelos arts. 180°, n° 1, 183°, nºs 1, aI. a) e 2 e 184°, este último com referência ao art. 132°, aI. j), do Código Penal (na redacção anterior à introduzida pela Lei nO 59/2007, de 04/09, a que corresponde o art. 132°, aI. I), da redacção actual).
17ª - Porém, mesmo a entender-se que não se provou que, na entrevista, a arguida se estava a referir à assistente, a Procuradora-Adjunta Dr.ª LL, ter-se-ia de considerar como procedente o recurso subsidiário em matéria de facto, julgando como provada a matéria de facto vertida nos nºs 20°, e 26° a 35°, 54°, e 59° a 62° da contestação, ou seja, que a arguida, ao falar na entrevista do caso mais grave, em que poderia haver corrupção na justiça, de que tinha tido conhecimento profissional, se estava a referir ao Procurador da República Coordenador, Dr.HH (o que a arguida o confessou, na sua contestação e nas declarações, que prestou em audiência).
18ª- Assim, provados que se acham também os factos vertidos nos nºs 62° a 64° dos factos provados, e porque a arguida tinha necessariamente de saber que atingia o bom nome e a consideração do magistrado do MP, por si visado nos excertos da entrevista em análise; concluímos que a arguida deve ser condenada pelo crime de difamação agravado, pelo qual está pronunciado, atento o tratamento jurídico do erro na execução, consagrado no art. 16° do Código Penal.
19ª- Para cumprimento do estatuído no art. 412°, nº 5, do CPP, declara-se que se mantém o interesse no conhecimento do recurso retido
20ª - O douto acórdão a quo violou o disposto nos arts. 339°, n° 4 e 374°, nº 2 do CPP e nos arts. 16°, 18°, nº 1, 183°, nºs 1, aI. a) e 2 e 184°, este último com referência ao art. 132°, al. j), do Código Penal (na redacção anterior à introduzida pela Lei nO 59/2007, de 04/09, a que corresponde o art. 132°, aI. 1), da redacção actual).
21ª- Por tudo isto, revogando-se o douto acórdão recorrido e proferindo-se decisão condenatória da arguida, nos termos supra indicados, far-se-á a habitual
JUSTIÇA!
Neste Supremo, o Dig.mo Magistrado do Ministério Público emitiu douto Parecer onde, além do mais, escreve:
“1. Emitindo parecer sobre o mérito dos recursos, cabe naturalmente começar pelo recurso interlocutório interposto pelo Ministério Público.
Em causa está a decisão proferida pelo colectivo na sessão de julgamento de 2.06.09 (fis. 717) que indeferiu requerimento deduzido pelo Ministério Público.
Concretamente, o pedido de inquirição de 4 testemunhas Juízes do TIC do Porto) ao abrigo do preceituado no disposto no art. 340.°, n.º 1, do CP, foi indeferido com o fundamento de que, "no requerimento se invocam genericamente vários temas de prova tratados ao longo das várias sessões sem concretização do facto ou factos a que se reporte a efectiva utilidade da audição dos quatro indicados Magistrados ou de algum deles".
Como resulta dessa fundamentação, o indeferimento ficou a dever-se a razões de ordem formal imputadas ao requerimento que impediriam, naquela perspectiva, um juízo de fundo sobre a utilidade/necessidade da realização das pretendidas diligências.
Nessa estrita medida não nos parece que as razões invocadas se possam ter como aceitáveis.
Como patenteia o próprio requerimento e é agora demonstrado pela Recorrente, o objectivo das inquirições requeridas era o de saber até que ponto certos factos constantes das acusações e contestação, desde o envio de um inquérito em envelope fechado com nota de confidencial, os telefonemas de magistrados do Ministério Público à Senhora Juiz, até à intervenção de outro magistrado na interposição de recurso, eram ou não situações "normais" ou se, pelo contrário, revelavam falta de transparência e/ou irregularidade na actuação do MP e mesmo pressões sobre o juiz de instrução.
E naturalmente que as testemunhas indicadas, pelas funções que exerciam, estavam em condições privilegiadas de esclarecer o tribunal.
Questão bem diversa já tem a ver com a necessidade/utilidade do conhecimento das diligências requeri das à descoberta da verdade e à boa decisão da causa.
A decisão recorrida como se viu pouco ou nada diz sobre esse aspecto da questão.
Que a matéria em causa é importante resulta à evidência do relevante espaço que ocupa, quer nos factos provados, quer na própria fundamentação. E na verdade o esclarecimento a prestar pelas requeridas testemunhas seria sempre (quase que) imprescindível para uma melhor definição de um quadro factual global em que acabou por se inserir o facto central concretamente em investigação: a entrevista da arguida ao "Jornal de Notícias".
Por isso, estamos com a Recorrente quando defende que a produção de meios de prova indeferida era (é) relevante para a descoberta da verdade material, sendo certo também que não se enquadra em qualquer das previsões de inadmissibilidade contempladas nos n.s 3 a 4 do já citado art. 340.° do CPP, o que deve levar à procedência do referido recurso.
2. A não fazer vencimento a tese apontada para o recurso interlocutório, haverá que conhecer dos recursos da decisão final, interpostos pelo Ministério Público e Assistente.
As discordâncias dos Recorrentes dizem respeito tanto à matérias de facto como à de direito, na medida em que a alteração da matéria de facto pretendida implica uma outra subsunção jurídica com a consequente condenação da arguida.
Analisadas as respectivas motivações, complementadas com a audição das cassetes que reproduzem a prova produzia em audiência de julgamento, ti das por relevantes por banda dos recorrentes, bem como a documentação dos autos, fica-nos a convicção de que a matéria de facto provada e não provada carece de correcção nos termos apontados e cabalmente demonstrados nos dois recursos.
A minúcia exemplar daquelas motivações, a que damos integral adesão, dispensa-nos de as repetir pelo que nos limitaremos a, em breves notas, chamar a atenção para alguns detalhes do acórdão recorrido que do nosso ponto de vista poderão ter alguma relevância.
Vejamos:
Pode dizer-se que, em jeito de síntese, o acórdão recorrido fundamenta a absolvição da arguida na frase seguinte:
"Assim, não havendo factos provados que permitam associar o nome da Assistente à entrevista dada pela arguida ou à exposição enviada ao Sr. PGR, nos termos e moldes acima descritos, e consequentemente, afastada a intenção da arguida (que aliás sempre o negou desde o início), de se estar a referir à Assistente na referida entrevista ou participação ao Sr. PGR, ficam prejudicadas outras questões hipotéticas, tais como ... "
Não vamos naturalmente repetir aqui as motivações dos recorrentes que, a meu ver bem, demonstram como a matéria de facto onde essa afirmação se baseia carece de correcção.
De todo o modo, a frase supra citada mesmo no âmbito dos possíveis vícios definidos em função do texto do acórdão recorrido - n.º 2 do art. 410.° do CPP - suscitam fundadas dúvidas.
Com efeito, se não há factos provados que permitam associar o nome da assistente à entrevista dada pela arguida como foi possível dar como provado que, "por via do que a arguida declarou na entrevista, o nome da Assistente passou a ser referido por diversos magistrados do MP e funcionários do DIAP, que estavam a par do referido processo", tal como consta do ponto 62.° da matéria de facto provada? A contradição parece óbvia.
E se esse facto constrangeu a assistente (ponto n.º 63.° da mesma matéria de facto provada), restaria saber a razão ou, mais precisamente, os termos em que o nome da assistente passou a ser referida por diversos magistrados e funcionários. Óbvia também se mostra a insuficiência.
Também a argumentação seguida em outras partes do acórdão recorrido é, no mínimo, pouco convincente se não mesmo contraditória.
Veja-se que a determinada altura se diz que:
"Sabendo que a Assistente teve apoio dos superiores hierárquicos na elaboração do despacho (o primeiro telefonema a pedir-lhe urgência foi de uma superiora hierárquica da Assistente), facto que sempre a impediria de lhe lançar qualquer suspeita".
Em contrapartida, a actuação do Dr. HH, seguramente apoiada pelos mesmos superiores hierárquicos que defendiam a posição tomada pela Assistente no processo e a pretendiam discutir no tribunal superior, já justificava as questões suscitadas pela arguida e o envio de certidão ao Senhor Procurador Geral, que, mais tarde, será referenciada na controversa a entrevista onde, entre o mais se afirmou o seguinte:
"Em processos que me foram distribuídos e que me fizeram pensar que poderia haver corrupção, elaborei a participação, assinei e encaminhei para a entidade própria. E sei que não caiu em saco roto".
Assim dizer que a intenção da arguida ao enviar a certidão era a sua preocupação com o andamento de alguns processos é, no mínimo, pouco para a prova produzida em audiência.
Depois, diz-se a certo ponto da mesma fundamentação:
"Há que referir ainda que inicialmente ninguém do MP identifica a assistente como a visada na entrevista dada pela arguida ao JN, como e o caso da Dr. a MM que nela vê os magistrados do DIAP do Porto, atenta a exposição enviada ao Sr. PGD do Porto, e o MP em geral no Inq. N° 25/2007 levado a cabo pela Procuradoria-Geral Distrital do Porto, o mesmo se podendo dizer inclusivamente das testemunhas de acusação Dr. a RR e Dr. a SS que nunca identificaram a assistente como sendo a visada na entrevista. No fundo, só os colegas, superiores hierárquicos e funcionários do DIAP passaram a ver a assistente retratada na entrevista".
Ora, se por um lado, a documentação da prova produzida em audiência, devidamente invocada pelas recorrentes e agora consultada, não permite fazer tal afirmação (não detectamos essa hesitação inicial na Dr.ª MM, nem a sua exposição ao Sr. PGD do Porto pode ser interpretada dessa forma, e os depoimentos das Drªs RR e SS são bem mais complexos), por outro, não se entende como a prova restante é praticamente desvalorizada com a frase de que "no fundo, só os colegas, superiores hierárquicos e funcionários do DIAP passaram a ver a assistente retratada na entrevista".
Finalmente, também nos parece convincente a parte da fundamentação que faz referência ao processo disciplinar, instaurado à arguida.
"Não queremos ainda deixar de referir que, o processo disciplinar instaurado a arguida por causa da citada entrevista ao JN, ainda não transitou, sendo certo que o que ali se analisa é algo diferente do objecto da acusação, isto é, o que naquele processo disciplinar se discute tem a ver com o facto de a arguida ter prestado declarações públicas sobre vários processos, uns ainda pendentes, tecendo ainda comentários sobre a actuação de pessoas ou entidades, sem autorização do CSM
Portanto, o que no processo disciplinar se discute, tem a ver com o dever de reserva, de correcção e confiança na administração da justiça, que a arguida, eventualmente, poderá ter violado, enquanto que neste processo só nos compete decidir se a arguida, com o comportamento descrito nos autos, praticou o ilícito penal de que vem acusada, na pessoa da assistente".
É verdade que aquele processo disciplinar ainda não transitou. E que o seu âmbito de aplicação é diverso. Porém, não se pode ignorar que processo disciplinar não se ficou pela infracção ao dever de reserva e foram considerados violados outros deveres, entre os quais o de correcção e, precisamente, na parte referente ao comentário à actuação de pessoas pertencentes ao Ministério Público, de que parece não ter havido grandes dúvidas na sua identificação, e que em parte, é a mesma situação que está em discussão nos presentes autos, ainda que sob uma outra perspectiva como é natural.
Ou seja:
O processo disciplinar e as suas conclusões, por não serem definitivas, têm o valor possível mas, de qualquer modo, não possui nenhuma virtualidade para reforçar a tese que fez vencimento no acórdão recorrido.
3. Em conclusão e revertendo mais uma vez à nossa posição de concordância plena com a motivação das recorrentes, emite-se parecer no sentido da procedência dos presentes recursos. “
Cumpriu-se o disposto no artigo 417º nº 2 do CPP., vindo a arguida apresentado resposta onde nomeadamente considera:
" A) Quanto a primeira questão, atinente a decisão interlocutória proferida pelo Colectivo na audiência de julgamento do dia 2.06.09 (fls., 717).
A decisão do colectivo está fundamentada e não se vê ao contrário da opinião do Sr. Procurador-geral Adjunto, que no caso concreto, possam ser ultrapassados os referidos obstáculos da oralidade e imediação com que a prova estava a ser produzida quando foi proferido o despacho recorrido. “
Quanto ao demais e, em síntese:
“ a decisão recorrida não merece qualquer reparo" ad substancia", quer quanto a fundamentação quer quanto ao exame critica das provas examinadas nos presentes autos. Assim não deverá merecer provimento o recurso por ser cristalino como á água.”
Não tendo sido requerida audiência, seguiu o processo para conferência, após os vistos legais.
“Consta do acórdão recorrido.:
“Discutida a causa, dela resultaram provados os seguintes factos:
1º- A arguida exerceu funções como Juiz de Instrução Criminal, no 2.º Juízo do Tribunal de Instrução Criminal do Porto, entre Setembro de 1996 e Setembro de 2007, e, nessa qualidade, poucos dias antes de deixar este cargo, concedeu uma entrevista ao jornalista TT, publicada na edição do "Jornal de Notícias" de 10/09/2007.
2.º- Essa entrevista, a págs. 4 e ss. do jornal citado, tem como tema principal a corrupção na Justiça, teve chamada de primeira página e, nesta, sob o título - a negrito e em grandes caracteres - «A corrupção está em muitos lados e agora até na Justiça», em jeito de resumo do teor da entrevista, lê-se: «AA, ex-presidente do Tribunal de Instrução Criminal do Porto, denuncia "coisas menos claras"» e «Processos que me foram atribuídos e em que pensei que poderia haver corrupção, enviei para a autoridade própria» - pág. 9 dos autos.
3.º- Na pág. 4, sob o subtítulo " Que ideia tem da corrupção?", lê-se:
«Lamentavelmente a corrupção está em muitos lados e, ao que agora se diz, até na Justiça. Em certos casos isso já parece saltar aos olhos dos operadores jurídicos. Há processos em que nós nos podemos aperceber de que há algo que não bate bem. E se não for atacado logo de início pode vir a ter graves consequências. Tenho acompanhado as notícias e penso que serão feitas grandes investigações aqui no Porto. Nesta altura, o Porto está em grande por tudo, sendo o centro das notícias. Lamentavelmente por causa da grande violência, mas também por grandes processos. Portanto se já até publicamente se ouve falar que existem inquéritos aqui para o Porto relacionados com o Apito Dourado e magistrados, é porque pode haver alguma coisa e é bom que se investigue exaustivamente».
4.º - E, sob o subtítulo "Sente na sua prática diária que há corrupção na Justiça?
«Sinto que há algo que não está bem. Há coisas que me parecem menos claras. Se é corrupção na Justiça, ainda não o posso afirmar, mas sempre que se me suscitam dúvidas, elaboro o dossier respectivo e envio para quem de Direito, o que fiz muito recentemente. E não me fiquei pelo Porto. Via de regra, essas participações vão para os superiores hierárquicos e/ou para o Ministério Público. No caso que me pareceu de maior gravidade, mandei para o topo da autoridade».
5.º - E prossegue, sob o subtítulo "Fala do Ministério Público?"
«Não quero nem posso ser tão concreta. Mas se a corrupção acontecer na base da investigação, mesmo que seja da PJ, GNR ou PSP só passa com a conivência do Ministério Público. Certo? As polícias investigam sob delegação do Ministério Público. Se o MP detectar esse tipo de indícios é o primeiro que tem de atacar e investigar. Se passar pelo órgão de investigação policial e também passar pelo órgão que delegou poderes e chegar à secretária do juiz, já passou por muito lado e tem de ser denunciado, até porque está também em causa a própria idoneidade do juiz e das magistraturas».
6.º - A seguir, sob o subtítulo "Viu alguma consequência nas suas participações?"
«Nas que fiz a nível distrital, nunca soube que destino lhes foi dado, mas acredito que tenham sido investigadas. Quanto a eventual corrupção nas polícias e magistraturas, até há pouco tempo nunca tinha ouvido falar, nem tinha elementos. Não falo do que se ouve nos corredores, mas do que se passou no meu gabinete. Em processos que me foram distribuídos e que me fizeram pensar que poderia haver corrupção, elaborei a participação, assinei e encaminhei para a entidade própria. E sei que não caiu em saco roto».
7.º - Sob o subtítulo "Houve consequências? Quer aprofundar?"
«Está a haver consequências. Está numa fase embrionária. Mas se caísse num saco roto eu não poderia fazer mais nada. Fui informada que não caiu num saco sem fundo».
8.º - E, sob o subtítulo "Uma denúncia ou várias denúncias?"
«Elaborei um dossier que eventualmente pode levar a uma matéria muito ampla, com muitas ramificações. Mas toda ela se pode ligar a uma determinada conduta. Não posso garantir que aquele processo prove que havia corrupção, espero até, que nada de ilícito se verifique. Mas terem-me dado uma satisfação, já me deixou satisfeita. Se se levantam dúvidas, fico satisfeita ao ouvir o Sr. Procurador-Geral dizer que vai mandar investigar e que grandes investigações correm nesta matéria. Mas é mau termos chegado a este ponto. Durante muitos e muitos anos, a nível da Administração Pública, se deixaram impunes uma série de práticas, que não eram transparentes e que se generalizaram de tal maneira que as pessoas já nem tinham consciência da ilicitude das mesmas e/ou as aceitavam pacificamente».
9.º - Sob o subtítulo "As denúncias têm alguma coisa a ver com o Apito Dourado ou futebóis?"
«Não posso concretizar. Com futebóis, não. Mas a matéria tem muitas ramificações. Mesmo o Apito Dourado, não tem só a ver com o futebol».
10.º - A arguida ordenou que fosse extraída e lhe fosse entregue cópia certificada de todo o processado dos autos de inquérito n.º 2.519/07.3TDPRT, que então corria termos no DIAP do Porto, sendo sua titular a Ex.ma procuradora-adjunta, Sra. Dra. LL.
11.º - No citado inquérito n.º 2519/07.3TDPRT, a titular, Procuradora-Adjunta Sra. Dra. LL, tendo considerado verificada a ocorrência de um crime de dano, decidiu suspender provisoriamente o processo por seis meses mediante a obrigação de o arguido QQ não cometer qualquer ilícito doloso durante o período da suspensão e de entregar a quantia de € 500,00 à Associação Portuguesa de Paralisia Cerebral.
12.º - Mas, que a arguida, a quem o mesmo processo fora distribuído, ao ter sido remetido ao TIC para os fins previstos no art. 281°, nº 1, do CPP (concordância com a suspensão provisória do processo), em despacho proferido em 25.05.07, discordara da proposta do MP, por um lado, por se não rever nos factos considerados indiciados, e, por outro, por entender que a primeira das medidas propostas não tinha a natureza de injunção, citando, no mesmo sentido e quanto a este segundo fundamento, o acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, de 1997-06-11, in CJ, ano XXII, tomo 3, página 156, embora em decisões proferidas pela arguida nos inquéritos n.ºs 2178/97.0TDPRT - M, 473/05.5PWPRT, 593/05.6PTPRT e 5385/06.2TDPRT, todos eles do DIAP do Porto a arguida tivesse concordado com a suspensão provisória dos processos, mediante a obrigação de o arguido não cometer ilícitos penais dolosos durante o período de suspensão.
13.º - No despacho referido supra sob o nº 12 - cf. fls. 54 -, a arguida, depois de consignar que o processo lhe tinha sido entregue em envelope fechado, no qual estava escrito " CONFIDENCIAL", manifestou estranheza perante a boa elaboração da proposta do MP, escrevendo «como nunca vimos antes».
14º - Posteriormente, em despacho proferido nos mesmos autos a 2007/06/22, depois de admitir o recurso interposto do despacho de não concordância com a suspensão provisória do processo pelo Ex.mo Procurador da República Coordenador do TIC (embora, anteriormente, por escrito a arguida tenha questionado a legitimidade deste magistrado para representar o MP naqueles autos, determinando ao Escrivão de Direito respectivo que notificasse as decisões judiciais proferidas também à magistrada que habitualmente representava o MP no 2º Juízo) a arguida ordenou que fosse extraída e lhe fosse entregue cópia certificada de todo o processado - fls. 286.
15.º - E determinou a remessa desta certidão ao Ex.mo Procurador-Geral da República, para os fins tidos por convenientes, acompanhada de uma exposição, datada de 13/07/2007 - fls. 25, na qual escreveu:
«É minha convicção que é pertinente e relevante fazer chegar ao conhecimento de Vossa Excelência tal expediente, porquanto me parece, com o devido respeito por opinião contrária, que quer o conteúdo, quer a tramitação processual do mesmo, transmitem eventual falta de transparência e/ou irregularidade, da actuação do Ministério Público e designadamente, não se encontra devidamente comprovada a intervenção de magistrado, aparentemente "alheio" ao processo, não obstante se ter solicitado tal regularização.
Tal procedimento, não sendo habitual, vem acontecendo em certos e determinados Processos, que envolvem certas e determinadas pessoas e via de regra, mais cedo ou mais tarde são alvo de grande celeuma pública, para já não falar daquela que provocam de imediato, nos Tribunais aonde ocorrem, tais "atropelos" à normal e habitual tramitação processual.
Sempre com o devido respeito, por opinião contrária, e porque tal meio e modo de actuação, não dignificam nem os magistrados que assim actuam, nem a Justiça, ouso fazer chegar ao Vosso conhecimento, colocando-me, desde já, à Vossa inteira disposição, para melhores e maiores esclarecimentos, bem como assumindo qualquer responsabilidade que me possa ser assacada.».
16.º - No inquérito n.º 2.519/07.3TDPRT, investigavam-se criminalmente dois incêndios, que deflagraram nos escritórios do presidente do Futebol Clube do Porto, Sr. II, e do ilustre Advogado, Sr. Dr. JJ;
17.º - Na edição do "Jornal de Notícias" de 05/10/2007, na qual, sob o título «Magistrados do Porto ouvidos», além do mais, se lê estar a ser investigada "uma denúncia de uma juíza do Porto sobre a forma como foi proposta a suspensão provisória do processo do alegado executante de uma ordem de KK para incendiar os escritórios de II e de JJ».
18.º - Nas edições dos semanários "O Sol" e "Expresso", respectivamente, dos dias 15 de Setembro de 2007 e 22 de Setembro de 2007, foi noticiado que havia um processo na PGR para investigar Procuradores do Ministério Público do Porto, no primeiro caso, citando-se o nome da procuradora Dr.ª LL (e do Dr. UU) e, no segundo, o envio de uma denúncia pela arguida, onde levanta dúvidas sobre a actuação de procuradores do MP do Porto, por causa da suspensão provisória do processo crime relativo aos incêndios nos escritórios de II e Dr. JJ.
19.º - Por causa desta entrevista, foi instaurado um processo disciplinar à arguida, junto aos autos a fls. 540 e segs., pelo Conselho Superior da Magistratura, o qual ainda não transitou.
Mais se provou que ..
20.º- A entrevista foi solicitada pelo jornalista TT à arguida, a propósito do balanço dos 11 anos no TIC da arguida, o qual sabia da saída desta daquele tribunal, bem como do carácter polémico de algumas medidas tomadas pela arguida enquanto foi presidente daquele tribunal.
21.º- Foram cortadas algumas partes da citada entrevista, designadamente quando se falava da violência nas noites do Porto.
22.º- O título da entrevista foi da responsabilidade da redacção do jornal.
23.º- Quando foi dada a entrevista pela arguida ao JN, na comunicação social já se falava que havia suspeitas na investigação de alguns processos a correr no DIAP do Porto;
24º- Levando o Sr. PGR a enviar uma equipa especial para o Porto, entregando a investigação do "apito dourado" a uma equipa liderada pela Dr.ª VV, e mais tarde entregou, outra investigação de processos do Porto, a outra equipa, liderada, por outra magistrada de Lisboa, Dr.ª XX.
25.º- Após a publicação da entrevista da arguida, a Dr.ª MM, na qualidade de directora do DIAP, fez uma exposição ao Sr. PGD do Porto, junta a fls. 400 dos autos;
26º- Nela se diz «….As insinuações que a referida Magistrada faz, abarca, também, a isenção da actuação dos magistrados do M.P. do DIAP do Porto, já que as notícias que têm sido veiculadas por diversos órgãos de comunicação social, são, na sua maioria ostensivamente dirigidas contra os Magistrados deste Departamento, nomeadamente os que tiveram a seu cargo os Processos derivados do denominado processo do"Apito Dourado".
Sendo assim, venho dar conhecimento a V.Ex• para que, se assim o entender, mande instaurar os procedimentos adequados com vista a investigar os factos denunciados nos termos descritos».
27.º- A assistente, Dr.ª LL, elaborou o despacho de suspensão provisória do processo com conhecimento e apoio, das superiores hierárquicas, Dr.ª MM e Dr.ª NN.
28.º- Nesse processo foram juntas duas declarações dos ofendidos Dr. JJ e do Sr. II, a darem o consentimento à suspensão provisória do processo, prescindindo de qualquer indemnização civil, relativamente ao arguido QQ;
29º- Embora não fossem assistentes nesses autos.
30.º- No citado despacho constava que na madrugada de 14 de Junho de 2006, o arguido - de acordo com um plano previamente traçado por outrem - dirigiu-se ao escritório de cada um dos dois ofendidos, munido com uma pequena garrafa de plástico, onde acondicionara gasolina, fez derramar este combustível através da frincha das portas, junto ao solo, deixando um pequeno rasto, para o poder fazer deflagrar, o que veio a acontecer.
31.º- Este comportamento do arguido foi considerado pela Assistente (e pelas referidas superioras hierárquicas) como um crime de dano simples, p. e p. pelo 212º do Código Penal.
32.º- Consta ainda destes autos que o arguido, num primeiro interrogatório, negou os factos, vindo posteriormente a confessá-los, dizendo que os praticou a mando, da então sua namorada, KK .
33.º- Do processo enviado àquele Tribunal (TIC) não constavam as declarações da co-arguida KK.
34.º- Ao ser remetido o processo ao TIC, datado de 22-5-07, com a indicação de processo urgente e confidencial, foi o mesmo distribuído à arguida, que verificou não se tratar de nenhum caso que a lei definisse como urgente.
35.º- A arguida fundamenta a não concordância (não obstante a elaborada, como nunca vimos antes, decisão – diz em comentário), referindo que «…o processo lhe causou algumas perplexidades, não só pelo modo como nos é remetido, como também e ainda pelo enquadramento jurídico operado (tendo em conta a gravidade dos factos em investigação), para além de se referir na decisão, aceitando-se como verdadeira, uma versão que não resulta comprovada nos autos e que é manifestamente contraditória com outra também do mesmo arguido.
Não se entende como se pode considerar na decisão e dar como assente que os factos aqui em causa, foram praticados, a mando de uma terceira pessoa - mandante - cuja, sequer se ouviu e/ou confrontou com tal versão, absolutamente em contradição com outra versão, do mesmo arguido e que relativamente à ora alegada mandante, a iliba por completo, sendo certo a aceitação de tal versão dos factos é fundamental e determinante para a decisão que se profere», ao que se junta a não concordância também em relação à injunção aduzida de "não cometer, durante o período de suspensão, factos da mesma natureza ou quaisquer outros, de forma dolosa, previstos em tipos legais de crime", apoiando-se num acórdão Relação de Lisboa de 11/06/97.
36.º- Também a Ex.ma Procuradora da República, Dr.ª SS, que exercia funções no 2° Juízo B do TIC do Porto onde a arguida estava colocada, trabalhando juntas nos processos, não concordava com a citada suspensão provisória do processo.
37.º- A Dr.ª NN, superiora hierárquica da Assistente, no dia seguinte ao processo ser remetido ao TIC, telefonou à arguida a pedir urgência para o processo.
38.º- A arguida, invocando ainda o segredo de justiça, recusou-se a falar com a Dr.ª NN sobre o fundo da questão deste processo;
39º- Vindo então a Assistente a telefonar à arguida, onde lhe voltou a pedir urgência.
40º.- O despacho da arguida foi dado três dias depois de o processo ter chegado ao TIC,
41º- E logo a arguida ordenou a devolução ao DIAP, o que não veio a aconteceu, ficando nos Serviços do MP do TIC, por o Dr. HH ter sido incumbido de recorrer e necessitar de elaborar as motivações.
42.º- O recurso entretanto interposto da decisão da arguida foi julgado improcedente por esta Relação do Porto.
43.º- A Dr.ª MM chegou a telefonar à Dr,ª SS, Procuradora que trabalhava com a arguida, a perguntar-lhe se concordava com a decisão desta de não suspender provisoriamente o processo;
44º.- Ao que aquela respondeu que sim, pelo que não ia recorrer de tal decisão.
45.º- O Dr. HH ordenou ao Escrivão, a fls. 281 dos autos, que:
«…até à subida do recurso para o Tribunal da Relação do Porto, sejam efectuadas na minha pessoa todas as notificações dos eventuais despachos judiciais que vierem a ser proferidos nos aludidos autos».
46.º- A arguida, ao tomar conhecimento da interposição do recurso e do despacho do Dr. HH, pediu, por escrito, a este que esclarecesse tal atitude, conforme despacho junto a fls. 242 dos autos, e ainda um comprovativo ou junção aos autos do despacho do superior hierárquico que o autorizava a intervir nesse processo.
47.º- Nesse despacho dizia a arguida:
« …o despacho recorrido, por mim proferido, foi, como é habitual e corrente e dentro da normal e legal tramitação, notificado à Excelentíssima Senhora Procuradora, que exerce funções, há vários anos, junto deste juízo, - Dr.ª SS -, não vislumbramos a razão, de ter sido interposto o presente recurso, por magistrado do Ministério Público diverso daquele que exerce funções neste Juízo, e que, legal e estatutariamente, o poderia, ou não, ter feito, segundo cremos e com o devido respeito por opinião contrária, tanto mais que também nem sequer é o titular do inquérito.
Contudo, estamos em crer que o ilustre magistrado que assim procedeu, estará, por certo, devidamente mandatado, por Superior hierárquico, e que só por mero lapso não juntou o respectivo comprovativo, nem tal facto referiu, quando juntou o expediente de recurso aos autos.
Assim, para que se regularize o acontecido, e com vista a afastar qualquer suspeita de falta de transparência, na tramitação processual do presente processo, que alguém possa querer, futuramente levantar, solicite-se ao ilustre Magistrado, que junte tal comprovativo e/ou que informe o que tiver por conveniente».
48.º- A esta solicitação respondeu o Dr. HH, dizendo que não existem magistrados do MP "titulares" de juízo determinado, e que a sua afectação ao TIC ou a outras áreas criminais, é determinada pelo Exmo Senhor Procurador-Geral Distrital, sendo este que lhe solicitou para interpor recurso no caso dos autos.
49.º- Porém, jamais foi junto aos autos qualquer comprovativo dessa autorização.
50.º- Então, a arguida ordenou a extracção de cópia do processo e remete-a ao Ex.mo Procurador-Geral da República, cujo conteúdo já foi acima transcrito.
51.º- Ao tomar conhecimento da extracção da certidão de todo o processo, o Dr. HH veio pedir à arguida a aclaração do despacho, perguntando qual a finalidade e a norma legal onde se apoia para tal.
52.º- Na resposta, a arguida a fls. 247/248 veio dizer que «…sempre que entendo pertinente, para fins relevantes e que não devem ser prosseguidos nos processos a que respeitam, como o são os que determinaram a certidão em causa, determino a extracção de cópias de peças processuais, fazendo constar expressamente tal determinação no próprio processo, como aliás fiz neste, e faço, sempre que necessário, noutros, sendo um comportamento habitual e já várias vezes prosseguido e nunca posto em causa….. ….. Assim nada mais se me oferece dizer, reafirmando a minha inteira disponibilidade, para, em sede própria, esclarecer o que, quem de Direito, vier a entender por pertinente».
53.º- A arguida, conforme consta de fls. 243/244 dos autos, entendia que a sua decisão de não concordância era irrecorrível, apoiando-se num acórdão da Relação de Lisboa, de 22-5-07, publicado em www.dgsi.pt;
54º- Porém, quis deixar a questão para apreciação no Tribunal Superior e admitiu o recurso.
55.º- Em 2005 houve no TIC uma substituição de Procuradores (homicídio de um inspector da PJ), que gerou grande polémica.
56.º- A Assistente escreveu na denúncia que apresentou contra a arguida, o seguinte:
«… No seu despacho - datado de 25 de Maio de 2007 – a sra Juiz denunciada,
(reportando-se ao despacho da denunciante e com intenção que se desconhece escreveu « não obstante a elaborada ( como nunca vimos antes) decisão - fls. 99 do cit. Inquérito.
A denunciante relevou tal comentário, pois (como já referiu no seu depoimento no Processo n° 1/2007 da PGR ), não costuma dar importância a tal tipo de notas de rodapé».
57.º- A arguida é Juiz de Direito há longos anos, é dedicada, empenhada, gosta do que faz, educada e humana.
58.º- Algumas desavenças que a arguida teve no TIC, relacionam-se essencialmente, com questões administrativas e de distribuição dos processos.
59.º- A arguida mandou várias certidões para a hierarquia do MP, sempre que se lhe suscitavam dúvidas,
60º- Nomeadamente para a Directora do DIAP, Dr.ª MM.
61.º- A arguida e ofendida não se conheciam pessoalmente.
62.º- Por via do que a arguida declarou na entrevista, o nome da Assistente passou a ser referido por diversos magistrados do MP e funcionários do DIAP, que estavam a par do referido processo;
63º- O que a constrangeu.
64º- O receio de que, a partir da divulgação da entrevista, alguém viesse a admitir que pudesse haver fundamento para ser associada a suspeitas de corrupção no tratamento funcional do dito processo fez a Assistente passar por momentos de preocupação.
65.º - A Assistente foi nomeada titular de todos os inquéritos que tinham como denominador comum a publicação do livro "Eu, KK".
66.º- A Assistente exerce funções como Procuradora-Adjunta na comarca do Porto desde 1993, encontrando-se adstrita ao DIAP nos últimos 14 anos.
67.º- A Assistente é muito dedicada ao seu trabalho, desempenhando com brio, com gosto e com afinco as suas funções.
68.º- Essas qualidades da Assistente são reconhecidas e enaltecidas pelos seus colegas e pelos superiores hierárquicos.
69.º- A Assistente é uma pessoa de grande sensibilidade e educação, que goza de grande reconhecimento e prestígio junto de colegas e amigos.
70.º- A Assistente, ao ver o seu nome em vários jornais, sentiu-se indignada e injustiçada, embora soubesse que aqueles que a conhecem jamais dariam qualquer crédito a insinuações;
71.º- Particularmente, os amigos e superiores hierárquicos da Assistente, nunca acreditaram em qualquer suspeita de corrupção por parte desta.
Com relevância para a discussão da causa, não se provaram quaisquer outros factos, quer da acusação, quer do pedido civil, por sobre eles, não ter sido feita qualquer prova idónea.
Designadamente, não se provou, com manifesto interesse para a discussão da causa, que:
I - A arguida sabia que, com o descrito comportamento, estava a ofender a honra e a consideração, pessoal e profissional, da Sra. Procuradora-Adjunta, Dra. LL, conotando-a como autora da prática de um crime de corrupção, cometido no exercício do cargo de magistrada do Ministério Público, fazendo-o consciente e voluntariamente.
II- A arguida quisesse ofender a honra e a consideração, pessoal e profissional, da Sra. Procuradora-Adjunta, Dra. LL, conotando-a como autora da prática de um crime de corrupção.
III- A arguida soubesse que, como consequência necessária da sua conduta, estava a ofender a honra e a consideração, pessoal e profissional, da Sra. Procuradora-Adjunta, Dra. LL, conotando-a como autora da prática de um crime de corrupção.
IV- A arguida tivesse previsto como consequência possível da sua conduta que estava a ofender a honra e a consideração, pessoal e profissional, da Sra. Procuradora-Adjunta, Dra. LL, conotando-a como autora da prática de um crime de corrupção.
V- Que as declarações supracitadas da arguida fossem assim interpretadas pelos normais leitores e pelos jornalistas, dando azo a uma notícia, publicada na edição do Jornal de Notícias" de 05/10/2.007.
VI- Que a arguida com a entrevista quisesse transmitir a um leitor normal a ideia de que o Ministério Público, como magistratura em geral, era suspeito de conivência com a prática de crimes de corrupção.
VII- Que todos os magistrados e funcionários judiciais do Porto, com excepção do que ficou referido no n.º 62º dos factos provados, e agentes de investigação criminal, advogados e jornalistas, soubessem que a assistente era a titular do referido inquérito;
VIII- E logo percebessem que a pessoa visada nas respostas da Arguida ao Jornalista era e só podia ser a Assistente.
IX- Que nos dias seguintes à publicação da “entrevista da arguida”, a Assistente fosse contactada por diversos profissionais, nomeadamente Magistrados (Judiciais ou do MP), Oficiais de Justiça e Agentes de investigação criminal, os quais pretendiam alertá-la para o facto de ter sido visada nessa entrevista dada pela Arguida, ao mesmo tempo expressando o seu repúdio pelo acto e manifestando solidariedade à Assistente.
X- Que a arguida se estivesse a referir à Assistente no processo em questão, aquando da entrevista ao JN.
XI- Que o nome da assistente começasse a ser referido em diversos locais e por diversas pessoas, como suspeito de corrupção, devido à entrevista da arguida.
XII- Que as notícias publicadas nos jornais “ Sol, Expresso e Jornal de Notícias, este com a data de 5-10-07, referidas nos autos, se baseassem na entrevista da arguida.
XIII- Que a Assistente se sentisse vexada e ultrajada perante a hipótese de os seus colegas ou superiores hierárquicos, conhecendo a entrevista, por qualquer circunstância admitirem que pudesse haver algum fundamento para ser associada a suspeitas de corrupção no tratamento funcional do dito processo;
XIV- Que a Assistente visse o seu nome referido na Comunicação Social, com a alusão de que era alvo de suspeitas de corrupção, por decorrência de investigações jornalísticas suscitadas pela publicação da entrevista.
Cumpre apreciar e decidir:
Uma vez que o objecto do recurso interposto do despacho interlocutório proferido anteriormente à decisão final, tem por objecto a produção de provas, que não foram admitidas na audiência de julgamento, o seu conhecimento deve ser prévio em relação ao recurso interposto da decisão final.
Em fase de julgamento, o Ministério Público tinha formulado requerimento do seguinte teor:

“Proc. N° 417/09.5YRPRT

Ex.mos Senhores Desembargadores
Do Tribunal da Relação do Porto:
1. O Ministério Público, nos momentos que precederam o início da audiência de julgamento, foi surpreendido com a apresentação da contestação da Sr.ª Juiz arguida, na qual são alegados «falta de transparência e/ou irregularidade da actuação do MP, reportando-se à intervenção do Sr. Procurador Dr. HH» (art. 20 da contestação), e ter-se sentido a mesma Sr.ª Juiz objecto de «pressões», exercidas por magistradas do MP, «pressões» essas que seriam concretizadas no modo como o Proc. de Inquérito n° 2519/07.3TDPRT, lhe foi remetido pelo DIAP do Porto - em envelope fechado, com nota de confidencial, recebido por si durante um interrogatório de arguido detido - , bem como pelos telefonemas que a Sr.ª Procuradora-Adjunta assistente e a Sr.ª Procuradora da República, que desta é superior hierárquica, lhe fizeram, «no sentido de, com a maior urgência, decidir aquele processo e remetê-lo ao DIAP.», cf. art. 53°.
2. Estes factos. constantes da contestação, foram, também, relatados, nas declarações prestadas pela arguida nas duas sessões da audiência de julgamento, acrescentando que, anteriormente, teria havido, por duas vezes, celeuma pública, devido a irregularidades na intervenção do MP em dois processos - esclarecendo que essas irregularidades resultavam da intervenção, no Juízo em que a arguida estava colocada, no TIC do Porto, de magistrado do MP que não era a magistrada aí colocada e que com a arguida trabalhava, sendo um desses processos o conhecido como o do «Gang do Vale do Sousa» e o outro um processo da comarca de Matosinhos e da Dr.ª ZZ (sic).
3. Como a contestação da Sr.ª Juiz arguida não foi junta ao processo no prazo previsto no art. 315°, n° 1, do CPP, o MP não teve possibilidade de usar a faculdade que o art. 316° do CPP permite de, até 3 dias antes da data fixada para a audiência, aditar o rol de testemunhas, para poder apresentar prova quanto aos factos alegados pela defesa.
4. Com o presente requerimento, pretende-se prevenir a hipótese de, no final da audição da prova, o tribunal ficar com dúvidas em relação aos factos supra mencionados, ou a outros factos. constantes da acusação pública - tais como o conhecimento/representação que a Sr.ª juiz arguida, como qualquer outro normal juiz com a sua formação e prática diária, na área criminal, teria das imputações e insinuações que eram feitas em desabono da honra e consideração da assistente, na entrevista concedida pela arguida ao JN e publicada na edição deste jornal de 10/09/2007, bem como quanto à celeuma pública, nos meios judiciais do Porto, resultante do conhecimento do envio de certidão integral do Proc. de Inquérito n° 2519/07.3TDPRT ao Ex.mo Conselheiro Procurador-Geral da República e à conotação desta certidão com o «dossier» que, na mesma entrevista, a arguida afirmava ter feito «recentemente» para o topo da autoridade do MP e que poderia levar a uma matéria muito ampla, com muitas ramificações, mas que toda ela se podia ligar a uma determinada conduta, não podendo garantir que aquele processo prove ter havido corrupção.
5.Para esclarecer tais eventuais dúvidas, o MP desde já requer - o que se esclarece fazer-se neste momento, atento o princípio da lealdade processual, que rege o processo penal e para que a defesa não seja confrontada com requerimentos surpresa de produção de prova, apresentados, agora, pelo MP - que, ao abrigo do estatuído no art. 340°, n° 1 do CPP, e para a descoberta da verdade material, o tribunal ouça os Senhores Juízes de Direito, colocados no TIC do Porto, Dr.a DD, Dr.a EE. Dr. FF. e Dr.a GG.
Pede deferimento,
A procuradora-geral adjunta”
Na sessão da audiência de julgamento de 2009, este requerimento mereceu a seguinte decisão:
“Sobre o requerimento do Ministério Público apresentado com invocação do artº 340º, nº 1, do Código de Processo Penal e que se encontra de fls 797 a 709, após as respostas da assistente e da arguida, este Tribunal, tendo presente que no requerimento se invocam genericamente vários temas de prova tratados ao longo das varias sessões sem concretização do facto ou factos a que se reporta a efectiva utilidade da audição dos quatro indicados Magistrados ou de algum deles, ao abrigo do referido normativo indefere o mesmo requerimento.”
Analisando:
Nos termos do artigo 283º nº 7 do CPP: - O limite do número de testemunhas previsto na alínea b) do nº 3 pode ser ultrapassado desde que tal se afigure necessário para a descoberta da verdade material (…), sendo que nos termos do nº 1 do artº 316º do CPP, o Ministério Público, o assistente, o arguido ou as partes civis podem alterar o rol de testemunhas, inclusivamente requerendo a inquirição para além do limite legal, nos casos previstos no nº 7 do artigo 283º, contanto que o adicionamento ou a alteração requeridos possam ser comunicados aos outros até três dias antes da data fixada para a audiência.
O Ministério Público referiu no seu requerimento: “3. Como a contestação da Sr.ª Juiz arguida não foi junta ao processo no prazo previsto no art. 315°, n° 1, do CPP, o MP não teve possibilidade de usar a faculdade que o art. 316° do CPP permite de, até 3 dias antes da data fixada para a audiência, aditar o rol de testemunhas, para poder apresentar prova quanto aos factos alegados pela defesa.”
E, requereu a inquirição das referidas testemunhas “ao abrigo do estatuído no artº 340º, nº 1 do CPP, e para descoberta da verdade material”
O artigo 340º do CPP, refere no seu nº 1 que: - O tribunal ordena, oficiosamente ou a requerimento, a produção de todos os meios de prova cujo conhecimento se lhe afigurar necessário à descoberta da verdade e à boa decisão da causa.
Uma vez que o fim do processo penal, contido no seu objecto, é a busca da verdade material, não está submetido ao princípio dispositivo ou da iniciativa das partes próprio do processo civil.
Como se refere em Direito Processual Penal – Lições do Prof. Doutor Jorge de Figueiredo Dias, coligidas por Maria João Antunes, Assistente da Faculdade de Direito de Coimbra, Secção de textos da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra, 1988-9, p.21 e seg, “A realização da justiça e a descoberta da verdade material (ou mesmo só da primeira, já que também perante ela surge a descoberta da verdade como mero pressuposto) constituem, por consenso praticamente unânime, finalidade do processo penal. E assim é, por certo, logo no sentido de que o processo penal não pode existir validamente se não for presidido por uma directa intenção ou aspiração de justiça e de verdade (…) Por outro lado, não obstante a descoberta da verdade material ser uma finalidade do processo penal não pode ela ser admitida a todo o custo, antes havendo que exigir da decisão que ela tenha sido lograda de modo processual válido e admissível e, portanto, com o integral respeito dos direitos fundamentais das pessoas que no processo se vêem envolvidas.”
Daí que possa haver actuação oficiosa do tribunal na produção de meios de prova, desde que o seu conhecimento se afigure “necessário à descoberta da verdade e à boa decisão da causa”, mesmo “não constantes da acusação, da pronúncia ou da contestação” –v. nº2 do artº 340º do CPP
Mas, a produção de meios de prova em audiência, nos termos do artº 340º do CPP, pode resultar também de requerimento dos sujeitos processuais.
Decorre da própria teleologia do princípio da audiência, como um direito de natureza pública à concessão de justiça, alicerçado na ideia de BAUR (Justizgewährungsanspruch) e integrante da Teoria do Estado, e que J.GOLDSCMIDT já aflorara no seu tempo. (v.FIGUEIREDO DIAS, Direito Processual Penal, primeiro volume, Coimbra Editora, 1974, p. 155.)
Como refere este Insigne Professor, nesta mesma obra, “a administração da justiça pelos tribunais não se relaciona apenas (como durante muito tempo se pensou) com a protecção de situações jurídicas substantivas, mas também e directamente com a da posição processual daqueles que sejam afectados pela decisão, e disto mesmo é expressão o direito de audiência.”
E, acrescenta mais adiante: “(…) o esclarecimento da situação jurídica material em caso de conflito supõe, não só a garantia formal da preservação do direito de cada um nos processos judiciais, mas a comprovação objectiva de todas as circunstâncias, de facto e de direito, do caso concreto – comprovação inalcançável sem uma audiência esgotante de todos os participantes processuais. Isto significa que a actual compreensão do processo penal, à luz das concepções do Homem, do Direito e do Estado que nos regem, implica que a declaração do direito do caso penal concreto não seja apenas tarefa do juiz ou do tribunal (concepção «carismática» do processo) e se encontrem em situação de influir naquela declaração do direito, de acordo com a posição e função processuais que cada um assuma.(…) O direito de audiência é a expressão necessária do direito do cidadão à concessão de justiça, das exigências comunitárias inscritas no Estado-de-direito, da essência do Direito como tarefa do homem e, finalmente, do espírito do Processo como «com-participação» de todos os interessados na criação da decisão.”
Nesta ordem de ideias se compreende que, os requerimentos de prova efectuados nos termos do artº 340º do CPP, apenas são indeferidos, como resulta deste preceito:
. Quando a prova ou o respectivo meio forem legalmente inadmissíveis;
. Ou se for notório que:
- As provas requeridas são irrelevantes ou supérfluas;
- O meio de prova é inadequado, de obtenção impossível ou muito duvidosa, ou
- O requerimento tem finalidade meramente dilatória.
É certo que o princípio da investigação oficiosa em processo penal tem os seus limites previstos na lei e está condicionado, desde logo pelo princípio da necessidade (.v. desde logo, acórdão deste Supremo e desta Secção de 1 de Julho de 1993 in proc. nº 43022.)
O acórdão deste Supremo de 26 de Novembro de 1988, in proc.nº 504/98 (citado por Maia Gonçalves in Código de Processo Penal, 17ª edição, 2009, p. 782), considerou que o juízo de necessidade ou de desnecessidade de diligências de prova não vinculada, tributário da livre apreciação crítica dos julgadores na própria vivência e imediação do julgamento, constitui pura questão de facto, insusceptível de fiscalização e crítica do STJ.
Porém, isto não invalida que ao tribunal superior fique vedado sindicar a legalidade do modo de actuação do tribunal a quo, ou o circunstancialismo legal em que foi exercido, face à descoberta da verdade material, uma vez que (da valoração) das provas decorre a fixação da matéria de facto e, é esta que gera a decisão de direito, com repercussão nos direitos e deveres dos sujeitos processuais relativamente ao objecto do processo.
Na verdade deve atender-se a que:
- A norma do artº 340º nºs 1 e 4 do CPP, não é inconstitucional, conforme respectivamente Acórdão do Tribunal Constitucional nº 137/2002, de 3 de Abril de 2002, proc. nº 363/01, Diário da República, II Série de 26 de Setembro de 2002 e, Acórdão do TC nº 171/2005 de 31 de Março , proc. nº 764/2004, Diário da República II Série, de 6 de Maio de 2005.
- O tribunal – face aos princípios da verdade material e da investigação aludidos nos nºs 1 e 2 do artº 340º do CPP -, tem o poder dever de investigar o facto sujeito a julgamento e construir por si mesmo os suportes da sua decisão, independentemente das contribuições dadas para tal efeito pelas partes em litígio, o que significa que, oficiosamente ou a requerimento dos sujeitos processuais, deve ordenar a produção de todos os meios de prova cujo conhecimento se afigure essencial *a descoberta da verdade e à boa decisão da causa” – v. já Acórdão deste Supremo de 4 de Dezembro de 1996 in BMJ, 462, 286.
- O poder dever dessa investigação é, por isso, de exercício obrigatório e, ao ser actuado fora do condicionalismo legal em sentido positivo ou negativo, pode ser sindicado e censurado pelo Supremo em sede de violação da lei conforme acórdão deste Supremo de 9 de Outubro de 2003, proc. nº 1670/03 da 5ª secção, in SASTJ, nº 74, 170
Ora, e, volvendo ao caso concreto:
O Ministério Público no requerimento formulado pretendia a inquirição dos Senhores Juízes de Direito, colocados no TIC do Porto, Dr.ª DD, Dr.ª EE. Dr. FF. e Dr.ª GG,
Começou por alegar que “nos momentos que precederam o início da audiência de julgamento, foi surpreendido com a apresentação da contestação da Sr.ª Juiz arguida, na qual são alegados «falta de transparência e/ou irregularidade da actuação do MP, reportando-se à intervenção do Sr. Procurador Dr. HH» (art. 20 da contestação),”
Sendo certo que a invocada “falta de transparência” não é um conceito jurídico, nem legal, nem exprime juízo de ilicitude, muito menos de ilicitude criminal, e a” irregularidade da actuação” do MP, reportando-se à intervenção do Sr. Procurador Dr. HH,” é mera conclusão, foram porém apresentados nesse requerimento os seguintes factos:
“ter-se sentido a mesma Sr.ª Juiz objecto de «pressões», exercidas por magistradas do MP, «pressões» essas que seriam concretizadas no modo como o Proc. de Inquérito n° 2519/07.3TDPRT, lhe foi remetido pelo DIAP do Porto - em envelope fechado, com nota de confidencial, recebido por si durante um interrogatório de arguido detido - , bem como pelos telefonemas que a Sr.ª Procuradora-Adjunta assistente e a Sr.ª Procuradora da República, que desta é superior hierárquica, lhe fizeram, «no sentido de, com a maior urgência, decidir aquele processo e remetê-lo ao DIAP.», cf. art. 53°.
“ Estes factos. constantes da contestação, foram, também, relatados, nas declarações prestadas pela arguida nas duas sessões da audiência de julgamento, acrescentando que, anteriormente, teria havido, por duas vezes, celeuma pública, devido a irregularidades na intervenção do MP em dois processos - esclarecendo que essas irregularidades resultavam da intervenção, no Juízo em que a arguida estava colocada, no TIC do Porto, de magistrado do MP que não era a magistrada aí colocada e que com a arguida trabalhava, sendo um desses processos o conhecido como o do «Gang do Vale do Sousa» e o outro um processo da comarca de Matosinhos e da Dr.ª ZZ (sic).
Esclareceu o Requerente:
“3. Como a contestação da Sr.ª Juiz arguida não foi junta ao processo no prazo previsto no art. 315°, n° 1, do CPP, o MP não teve possibilidade de usar a faculdade que o art. 316° do CPP permite de, até 3 dias antes da data fixada para a audiência, aditar o rol de testemunhas, para poder apresentar prova quanto aos factos alegados pela defesa.
4. Com o presente requerimento, pretende-se prevenir a hipótese de, no final da audição da prova, o tribunal ficar com dúvidas em relação aos factos supra mencionados, ou a outros factos. constantes da acusação pública - tais como o conhecimento/representação que a Sr.ª juiz arguida, como qualquer outro normal juiz com a sua formação e prática diária, na área criminal, teria das imputações e insinuações que eram feitas em desabono da honra e consideração da assistente, na entrevista concedida pela arguida ao JN e publicada na edição deste jornal de 10/09/2007, bem como quanto à celeuma pública, nos meios judiciais do Porto, resultante do conhecimento do envio de certidão integral do Proc. de Inquérito n° 2519/07.3TDPRT ao Ex.mo Conselheiro Procurador-Geral da República e à conotação desta certidão com o «dossier» que, na mesma entrevista, a arguida afirmava ter feito «recentemente» para o topo da autoridade do MP e que poderia levar a uma matéria muito ampla, com muitas ramificações, mas que toda ela se podia ligar a uma determinada conduta, não podendo garantir que aquele processo prove ter havido corrupção.
Contrariamente ao dito na decisão interlocutória recorrida que “no requerimento se invocam genericamente vários temas de prova tratados ao longo das varias sessões sem concretização do facto ou factos a que se reporta a efectiva utilidade da audição dos quatro indicados Magistrados ou de algum deles”, eram indicados nesse requerimento factos que podiam ficar esclarecidos pelos Senhores Magistrados a inquirir pois que, como bem refere o Dig.mo Magistrado do Ministério Público junto deste Supremo “o objectivo das inquirições requeridas era o de saber até que ponto certos factos constantes das acusações e contestação, desde o envio de um inquérito em envelope fechado com nota de confidencial, os telefonemas de magistrados do Ministério Público à Senhora Juiz, até à intervenção de outro magistrado na interposição de recurso, eram ou não situações "normais"(…)
E naturalmente que as testemunhas indicadas, pelas funções que exerciam, estavam em condições privilegiadas de esclarecer o tribunal.”
Refere o Tribunal no resumo da motivação da sua convicção:
“Mesmo assim, sempre na perspectiva da acusação, atendendo apenas ao concreto ilícito e concreta vitima dele, e sem querer aplaudir a arguida pelo facto de dar entrevistas à comunicação social, particularmente pela forma e modo como o fez, sempre diremos que a mesma não faz afirmações, não indica nomes, apenas diz que, naquele contexto se lhe suscitaram dúvidas e mandou a quem de direito.”
Ora, como salienta o mesmo Magistrado do Ministério Público em seu douto Parecer:
“Que a matéria em causa é importante resulta à evidência do relevante espaço que ocupa, quer nos factos provados, quer na própria fundamentação. E na verdade o esclarecimento a prestar pelas requeridas testemunhas seria sempre (quase que) imprescindível para uma melhor definição de um quadro factual global em que acabou por se inserir o facto central concretamente em investigação: a entrevista da arguida ao "Jornal de Notícias".”
Na verdade, face ao objecto do processo, e ao contexto factual da imputada incriminação de que a arguida foi absolvida, é “manifesta a relevância para a descoberta da verdade material da inquirição dos Senhores Juízes de Direito afectos ao TIC do Porto”, como alega o Recorrente MºPº sendo certo que como afirma na conclusão 8ª da motivação do recurso: - A produção de meios de prova, indeferida pela douta decisão recorrida era relevante para a descoberta da verdade material e não se enquadra em qualquer das previsões de inadmissibilidade de oficiosidade da produção de meios de prova, contempladas nos nºs 3 e 4, do art. 340° do CPP:
A inquirição requerida não é de prova irrelevante ou supérflua; outrossim é legitimada pelo princípio da necessidade na busca da verdade material, por serem então as testemunhas cuja inquirição foi requerida, juízes “que exerciam funções iguais às da arguida, no mesmo tribunal, no tempo em que ocorreram os factos que estão subjacentes à acusação” e poderem por isso, esclarecer os factos indicados pelo requerente, ou outros de utilidade para a decisão da causa,
Uma vez que “a contestação da Sr.ª Juiz arguida não foi junta ao processo no prazo previsto no art. 315°, n° 1, do CPP, o MP não teve possibilidade de usar a faculdade que o art. 316° do CPP permite de, até 3 dias antes da data fixada para a audiência, aditar o rol de testemunhas, para poder apresentar prova quanto aos factos alegados pela defesa.”, como salientou o Ministério Público no seu requerimento.
A privação de produção de meios de prova necessários ou úteis à decisão da causa, que um dos sujeitos processuais (in casu, o Ministério Público) tinha direito a aditar face aos elementos probatórios apresentados por outro sujeito processual oponente (a arguida), frustra o due processo of law, a boa decisão da cauda na apresentação e exame em audiência, de toda a prova relevante a ser submetida ao princípio do contraditório.

È pois de revogar a decisão recorrida interlocutória por violação do disposto no artigo 340º nº 1 do CPP ao não considerar útil essa inquirição, quando afinal se revela necessária, face aos factos apontados, e face ao condicionalismo verificado era de admitir.
Essa revogação invalida os actos processuais posteriores praticados finda a produção da prova, nomeadamente o acórdão final e implica a continuação da audiência de julgamento, para produção da prova supra indicada, seguindo-se os demais termos, ficando, por isso, prejudicado o conhecimento dos recursos interpostos da decisão final
Termos em que:
Acordam os deste Supremo – 3ª Secção - em dar provimento ao recurso interposto da decisão interlocutória, que consequentemente revogam, devendo ser substituída por outra que admita a inquirição requerida dos Senhores Juízes indicados no requerimento do Ministério Público.
Em consequência, anulam os actos processuais praticados após finda a produção da prova, incluindo o acórdão final, e ordenam a continuação da audiência de julgamento para produção da prova requerida, seguindo-se depois os demais termos legais.
Fica por isso prejudicada a apreciação dos recursos interpostos do acórdão final.
Sem custas

Supremo Tribunal de Justiça, 10 de Fevereiro de 2010

Pires da Graça (Relator)

Raul Borges