Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
122/13.8TELSB-AT.L1-9
Relator: CALHEIROS DA GAMA
Descritores: APENSAÇÃO DE PROCESSOS
MOTIVO PONDEROSO
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 10/04/2018
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: NÃO PROVIDO
Sumário: O artigo 30.°, n.º 1, do CPP contém a descrição taxativa dos casos em que é admissível ao tribunal fazer cessar a conexão e ordenar a separação de processos.
A separação de processos no interesse do arguido, prevista na alínea a) daquela norma, deve fundar-se num interesse "ponderoso e atendível", sendo disso mero exemplo, logo ali avançado, evitar o prolongamento da prisão preventiva.
O artigo 30.°, n.º 1, do CPP contém a descrição taxativa dos casos em que é admissível ao tribunal fazer cessar a conexão e ordenar a separação de processos.
Tal interesse deve traduzir-se num facto processualmente relevante, visualizando-se o caso de, por razões de doença fatal e pretendendo estar presente no seu julgamento, solicitar a antecipação da definição da sua situação processual.
Os argumentos invocados pelos arguidos, ora recorrentes, de que dadas as proporções, "quer em termos de efetiva dimensão, quer em termos de mediatismo", que o presente processo (“O MEGAPROCESSO da Justiça portuguesa”) atingiu, "a manutenção da actual conexão prejudica desproporcionadamente os arguidos cujas identidades ou concretas imputações não são merecedoras de todo este aparato (processual e/ou mediático)".
Porém, ser um processo mediático – resultado do interesse quer do público quer da comunicação social em geral e do jornalismo de investigação em particular – é algo comum a muitos outros processos, e corrente nos chamados “crimes de sangue”, que não justifica a pretendida separação de processos. Ser complexo é algo frequente em todos os casos em que se investigam e julgam factos relativos à criminalidade económico-financeira, mas que também per se não justifica a pretendia separação de processos. Ser extenso e ter 28 arguidos também não é critério para a pretendida separação de processos.
Os factos que lhes são imputados não podem ser separados do apuramento de responsabilidades de outros arguidos, pelo que a operar-se a separação os mesmos factos passariam a integrar o objeto de diferentes processos, rompendo uma unidade coerente de apreciação, o que importa evitar. A manutenção da unificação tem in casu plena justificação perante objetivos de harmonia, unidade, coerência de processamento e economia processual, bem como para prevenir a contradição de julgados.
A separação de processos sempre implica repetições de actos jurisdicionais, produção de prova, audição de testemunhas, decisões e recursos autónomos, pelo que deve ser encarada como uma opção claramente excecional, visto que o valor da eficácia da Justiça tem, também ele, consagração constitucional, como emanação que é do Estado de Direito Democrático, plasmado no art. 2.° da Constituição da República Portuguesa.
Acresce que, havendo lugar a instrução nos autos, não é possível, antever ou perspetivar se vai haver pronúncia e subsequente julgamento de todos os arguidos ou de apenas alguns, pelo que não faria qualquer sentido ordenar a separação de processos com o fundamento numa delonga (do julgamento) não determinada, de duração temporal não previsível. Ainda que os arguidos, ora recorrentes, não tenham requerido a abertura da instrução, sempre a mesma terá de ter lugar em relação aos arguidos que a requereram, pelo que há que salvaguardar a hipótese de, nos termos do disposto no art. 307.°, n.º 4, do CPP, o Juiz de Instrução dela retirar as consequências legalmente impostas a todos os arguidos, possibilidade que logo poderia ficar prejudicada com a separação de processos pretendida - o que só por si constituiria razão suficiente para justificar o indeferimento da mesma.
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam, em conferência, na 9a Secção (Criminal) do Tribunal da Relação de Lisboa:

I – Relatório

1. No âmbito do NUIPC 122/13.8TELSB, cujo inquérito correu termos no Departamento Central de Investigação e Ação Penal, por despacho, de 16 de abril de 2018, do Mmº Juiz da Secção Única do Tribunal Central de Instrução Criminal foi decidido indeferir o pedido de separação processual oportunamente formulado nos autos, quanto a eles, pelos arguidos AA e BB, melhor identificados nos autos principais (mormente a fls. 49073 [acusação]) e nos presentes a fls. 72 e 74 (certidões dos respetivos termos de identidade e residência).

2. Os arguidos AA e BB, inconformados com a mencionada decisão, interpuseram, em 16 de maio de 2018, recurso extraindo da sua motivação as seguintes conclusões:

“1ª. Verificam-se no caso concreto as circunstâncias previstas no artigo
30° n.º 1 alíneas a) e c) do CPP, devendo determinar-se a separação de processo para apurar a responsabilidade criminal dos arguidos AA e BB.

2a. O presente processo é O MEGAPROCESSO da Justiça portuguesa, tendo atingido proporções tais - quer em termos de efetiva dimensão, quer em termos de mediatismo - que a manutenção da atual conexão prejudica desproporcionadamente os arguidos cujas identidades ou concretas imputações não são merecedoras de todo este aparato (processual e/ou mediático).
3a. Por outro lado, negar que a manutenção da atual conexão retardará
excessivamente - e injustificadamente - o julgamento dos arguidos AA e BB é pugnar contra a evidência do contrário.

4a. Em contraposição, a factualidade imputada aos arguidos AA e BB é (relativamente) diminuta e perfeitamente autonomizável dos demais núcleos factuais englobados na acusação do Ministério Público.
5a. A unidade de apreciação dos factos imputados aos arguidos AA e BB com a demais factualidade integrada no objeto do processo, pela complexidade desta e pelo elevado número de arguidos e de crimes, comprometerá - injustificadamente - a celeridade processual a que aqueles arguidos têm direito, por imperativo constitucional, resultando estes assim desproporcionadamente prejudicados.
6a. O despacho recorrido violou o disposto no artigo 30° n.º 1 alíneas a) e c) do CPP, ao considerar não haver na requerida separação um interesse ponderoso e atendível por parte dos arguidos AA e BB e ao negar que a manutenção da atual conexão retardará excessivamente o julgamento destes, quando, na verdade, ambos as circunstâncias se verificam e deveriam ter ditado a separação dos processos.
TERMOS EM QUE DEVE O PRESENTE RECURSO SER JULGADO
PROCEDENTE, REVOGANDO-SE O DESPACHO RECORRIDO E DETERMINADO-SE A SUA SUBSTITUIÇÃO POR OUTRO, QUE DEFIRA A REQUERIDA SEPARAÇÃO DE PROCESSOS, SÓ ASSIM SE FAZENDO
JUSTIÇA!(fim de transcrição).

3. Em 4 de Junho de 2018 foi proferido despacho judicial admitindo o recurso, como se alcança de fls. 49283 dos autos principais e consta certidão a fls. 118 do presente recurso em separado.

4. O Ministério Público na 1.ª instância apresentou resposta ao recurso, em 9 de Julho de 2018, concluindo que ao mesmo deverá ser negado provimento, como consta de fls. 49413 a 49436 dos autos principais (fls. 44 a 67 do presente recurso em separado), que aqui se dão por integralmente reproduzidas.

5. Proferido, a 10 de Julho de 2018, despacho de sustentação (cfr. fls. 49520 dos autos principais e consta certidão a fls. 125 do presente recurso em separado) e subidos os autos, a Exma. Procuradora-Geral Adjunta nesta Relação apôs apenas o seu “Visto”, pelo que não careceu ser dado cumprimento ao disposto no art. 417.°, n.° 2, do Código de Processo Penal (doravante CPP) (cfr. fls. 132).

6. Efetuado o exame preliminar foi considerado não haver razões para a rejeição do recurso.

7. Colhidos os vistos legais, cumpre agora apreciar e decidir.

II – Fundamentação

1. Conforme entendimento pacífico dos Tribunais Superiores, são as conclusões extraídas pelo recorrente, a partir da respetiva motivação, que operam a fixação e delimitação do objeto dos recursos que àqueles são submetidos, sem prejuízo da tomada de posição sobre todas e quaisquer questões que, face à lei, sejam de conhecimento oficioso e de que ainda seja possível conhecer (cfr., entre outros, os Acs. do STJ de 16.11.95, de 31.01.96 e de 24.03.99, respetivamente, nos BMJ 451.° - pág. 279 e 453.° - pág. 338, e na Col (Acs. do STJ), Ano VII, Tomo 1, pág. 247, e cfr. ainda, arts. 403.° e 412.°, n.° 1, do CPP).
Com base disposto no artigo 30.º, n.º 1, alíneas a) e c) do CPP, pretendem os recorrentes que os factos que lhes são imputados sejam objeto de processo autónomo que corra em separado do atual, sendo que as questões suscitadas pelos arguidos AA e BB, em abono da sua pretensão, que deverão ser apreciadas por este Tribunal Superior, são, em síntese, as seguintes:
- Este, no seu entendimento, é O MEGAPROCESSO da Justiça
portuguesa, defendendo os recorrentes que a manutenção da atual conexão os prejudica desproporcionadamente cujas identidades e concretas imputações não são merecedoras de todo este aparato (processual e/ou mediático);

- Mais entendem ser evidente que a manutenção da atual
conexão retardará excessivamente e injustificadamente o seu julgamento;

- Defendem também que a factualidade que lhes é imputada é
(relativamente) diminuta e é perfeitamente passível de autonomização relativamente aos demais núcleos factuais englobados na acusação do Ministério Público;

- Mais alegam, que a unidade de apreciação dos factos que lhes são imputados com a demais factualidade integrada no objeto do processo, pela complexidade desta e pelo elevado número de arguidos e de crimes, comprometerá - injustificadamente - a celeridade processual a que os recorrentes têm direito, por imperativo constitucional, resultando estes assim desproporcionadamente prejudicados;
- O despacho recorrido violou o disposto no artigo 30.º, n.º 1, alíneas a) e c) do CPP, ao considerar não haver na requerida separação um interesse ponderoso e atendível por parte dos ora recorrentes e ao negar que a manutenção da atual conexão retardará excessivamente o julgamento destes, quando, na verdade, ambos as circunstâncias se verificam e deveriam ter ditado a separação dos processos.

2. Passemos, pois, ao conhecimento das questões alegadas. Para tanto, vejamos, antes de mais, o conteúdo da decisão recorrida, que é do seguinte teor:
"No tocante ao pedido de separação processual oportunamente formulado pelos arguidos AA e BB
Estabelecido o contraditório, veio o M.º P.º promover o seguinte:
«Requerimento dos arguidos AA e BB
Os arguidos AA e BB pretendem ver feita cessar a conexão com os demais factos vertidos na acusação, com a consequente separação de um processo onde apenas esteja em causa o apuramento das suas responsabilidades, invocando para o efeito o disposto no art. 30º-1 a) e c) do Cod. Processo Penal, em consequência do seu interesse num julgamento célere e o entendimento de que o núcleo de factos que lhe é imputável é cindível, sem afetar a definição do objeto processual dos demais arguidos.
Entendemos que a pretensão dos arguidos, ora requerentes, não tem cabimento legal, nesta fase dos autos, e funda-se numa errada leitura dos factos narrados na acusação e na interligação dos factos imputados aos diversos arguidos, representando uma manobra para descontextualizar a intervenção imputada aos agora requerentes.
Com efeito, em primeiro lugar, a separação de processos no interesse do arguido deve fundar-se num interesse “ponderoso e atendível”, que a própria lei exemplifica com o não prolongamento da prisão preventiva – art. 30º-1 a) do Cod. Processo Penal.
Ora, os arguidos requerentes não se encontram constrangidos por qualquer estatuto coactivo limitativo da sua liberdade, encontrando-se mesmo entre os intervenientes processuais que assumiram a qualidade de arguidos há menos tempo.
Resulta assim claro que, ponderada a duração do seu estatuto de arguidos nos presentes autos e a inserção dos factos que lhe são imputados no contexto geral da acusação e a gravidade dos mesmos, não assiste aos requerentes um interesse nem ponderoso nem atendível para que seja determinada a separação de processos.
A separação de processos pode ainda ser determinada no interesse dos arguidos se se verificar que a conexão pode retardar excessivamente o julgamento – art. 30º-1 c) do Cod. Processo Penal.
Não estamos porém, numa fase em que esteja em causa, no imediato, a marcação de um julgamento.
Por outro lado, a lógica subjacente ao requerimento, no sentido de que havendo separação de processos não será requerida a instrução, mas sendo mantida a conexão será requerida a abertura da instrução, é legítima em sede da estratégia de defesa dos arguidos, mas é irrelevante em sede de perspectivar os prazos do início da fase de julgamento para efeito do disposto no art. 30º-1 c) do Cod. Processo Penal.
Em segundo lugar, não corresponde à verdade que o conjunto dos factos imputados aos arguidos, em sede da acusação, seja desligado dos demais factos imputados a outros arguidos.
A intervenção do arguido AA encontra-se narrada, em sede de acusação, no contexto da actividade desenvolvida pela sociedade CC SA (CC, depois designada DD) e consequentemente encontra-se integrada com actuações imputadas aos arguidos EE e FF, para além das sociedades do próprio Grupo CCC que também foram acusadas.
Tal resulta expressamente do narrado no capítulo III, ponto 3.2.2 da acusação, em particular nos arts. 1792 e seguintes, onde se relata o conluio subjacente à constituição da dita CC, para além do acordo entre arguidos subjacente a todas as intervenções do arguido AA (arts. 1808 e seguintes do texto acusatório).
Também sob o ponto de vista do arguido BB, a sua intervenção encontra-se conexa com a mesma sociedade CC (depois designada DD) pela teia de pretensas relações comerciais e de fluxos financeiros imputados em sede de acusação (arts. 1456 e seguintes e 1840 e seguintes da acusação), para além da conjugação com as intervenções dos arguidos EE e FF – veja-se o art. 1808 do narrativo acusatório.
Esta constatação significa que, ao contrário do alegado no requerimento, os factos imputados aos arguidos agora requerentes não podem ser separados do apuramento de responsabilidades de outros arguidos, o que significa que, a operar-se a separação agora requerida, os mesmos factos passariam a integrar o objecto de diferentes processos, rompendo uma unidade coerente de apreciação, que se nos afigura ser o que os requerentes pretendem, na realidade, evitar.
Nesta perspetiva, a separação agora requerida representaria mesmo um grave risco para a pretensão punitiva do Estado, que é, em si mesmo, também, um pressuposto a atender em sede de qualquer decisão sobre o cessar das conexões de processos definidas nos autos – art. 30º-1 b) do Cod. Processo Penal.
Pelo exposto, entendemos que a requerida separação de processos deve ser indeferida, por não ter subjacente um interesse ponderoso e atendível por parte dos arguidos e não retardar excessivamente a apreciação das suas responsabilidades, a qual se encontra inevitavelmente ligada e é incindível das actuações imputadas a outros arguidos, pessoas físicas e morais.» (sic).

«Requerimentos da Defesa dos arguidos AA e BB – folhas 48600 e seguinte
Relativamente à requerida separação de processos, inicialmente objeto do requerimento de folhas 48265 e seguintes, que mereceu a nossa oposição a folhas 48268 e seguintes e a decisão judicial de folhas 48273, insistem agora os arguidos AA e BB para que seja proferida decisão sobre a substância do seu pedido, alegando que a mesma condicionará a sua actuação processual futura.
Mantemos e renovamos a nossa oposição ao pedido de separação de processos, tal como consta de folhas 48268 e seguintes, concordando-se com a decisão de folhas 48273, uma vez que, estando em causa a definição do objeto do processo, deve a mesma ser apreciada judicialmente após a resolução da questão do pretenso impedimento suscitado, renovando-se o sustar da decisão.
Relativamente ao pedido de restituição de documentos por parte do arguido BB, apresentado inicialmente a folhas 48462, da qual se suscita agora, folhas 48600, a produção de decisão, passaremos a tomar posição.
Relativamente aos Doc. 12 e 13 apreendidos na busca do apenso busca 169, em suporte de papel, entendemos serem, por ora, necessários os originais para a prova a produzir, atenta a unidade do procedimento de verificação de práticas contabilísticas, em face dos alegados serviços prestados pela HH e pela LL – art. 186º-1 do CPP.
Relativamente ao disco rígido apreendido, doc. 18 do apenso busca 169, uma vez que já objeto de exame e cópia por imagem constante dos apensos 49, nada temos a opor à sua entrega, uma vez que documento equivalente consta já dos autos, sem prejuízo da realização prévia de uma segunda via de cópia, para ficar junta ao apenso busca 169.
Assim, no que se reporta ao requerido inicialmente a folhas 48462, promovemos se indefira a devolução de originais dos documentos Doc. 12 e Doc. 13 do apenso busca 169, autorizando-se a devolução de cópias, e se defira a devolução do equipamento informático que constitui o doc. 18 do mesmo auto de busca, sem prejuízo da realização de uma segunda via de cópia, a realizar neste DCIAP, para ficar junta ao apenso busca 169.» (sic).

Cumpre apreciar e decidir:
Concorda-se, na íntegra, com as doutas e bem elaboradas promoções do detentor da acção penal supra transcritas, às quais me arrimo, por ilustrar com suficiência de argumentos o entendimento que partilhamos e que aqui damos por reproduzidas, não por falta de ponderação própria da questão, mas por simples economia processual, indeferindo-se o requerido.
Notifique." (fim de transcrição).

3. Vejamos se assiste razão aos recorrentes.

Da motivação apresentada pelos recorrentes AA e BB, e designadamente das suas conclusões, acima transcritas, decorre claramente que uma única questão está em causa: a de saber se se justificava ou não, no caso, designadamente em vista do disposto no art. 30.°, n.º 1, alíneas a) e c), do CPP, a separação de processos que requereram e foi indeferida pela decisão recorrida.
Como doutamente expendeu o Ministério Público na sua resposta ao recurso, esta questão insere-se na problemática da competência por conexão, regulada nos artigos 24.° a 30.° do CPP.
Como observa Germano Marques da Silva, "Curso de Processo Penal, I", 1994, pg. 173 e ss., o princípio geral de que parte o CPP é o de que a cada crime corresponde um processo para o qual é competente o tribunal definido em função das regras da competência material, funcional e territorial.
A lei, permite, porém, que esta regra seja alterada, organizando-se um só processo para uma pluralidade de crimes, desde que entre eles exista uma ligação que torne conveniente, para a melhor realização da justiça, que todos sejam apreciados conjuntamente (vg. quando vários agentes tenham cometido vários crimes em comparticipação, na mesma ocasião ou lugar, sendo uns causa ou efeito de outros ou destinando-se uns a continuar ou a ocultar os outros - ou seja, nas situações previstas nos artigos 24.° e 25.° do CPP).
Essa unificação de processos tem em vista objetivos de harmonia, unidade e coerência de processamento, celeridade e economia processual, bem como para prevenir a contradição de julgados. Por outro lado, foram também previstos casos de procedimento inverso, designados de separação de processos, para os casos em que já se mostra operada a conexão, sendo previstas determinadas situações nas quais, verificados certos pressupostos, se admite a constituição de processos distintos, quer em função de determinado segmento de factos (por exemplo factos mais antigos e em risco de prescrição) quer em função das pessoas de certos arguidos e dos factos imputados aos mesmos.
Entendeu-se que mantendo cada crime a sua autonomia e sendo a junção num único processo justificada pela procura de uma melhor justiça, se dessa junção resultar maior dano do que benefício, deve essa unidade processual desfazer-se (neste sentido, ainda Germano Marques da Silva, no citado "Curso de Processo Penal").
O artigo 30.°, n.º 1, do CPP contém a descrição taxativa dos casos em que é admissível ao tribunal fazer cessar a conexão e ordenar a separação de processos:
"1 - Oficiosamente, ou a requerimento do Ministério Público, do arguido, do assistente ou do lesado, o tribunal faz cessar a conexão e ordena a separação de algum ou alguns processos sempre que:
a) Houver na separação um interesse ponderoso e atendível de qualquer arguido, nomeadamente no não prolongamento da prisão preventiva;
b) A conexão puder representar um grave risco para a pretensão punitiva do Estado, para o interesse do ofendido ou do lesado;
c) A conexão puder retardar excessivamente o julgamento de qualquer dos arguidos; ou
d) Houver declaração de contumácia, ou o julgamento decorrer na ausência de um ou alguns dos arguidos e o tribunal tiver como mais conveniente a separação de processos." (fim de transcrição).
Ou seja, e revertendo agora ao caso ora em apreço, em primeiro lugar, como resulta do art. 30.°, n.º 1, a1. a) do CPP, a separação de processos no interesse do arguido deve fundar-se num interesse "ponderoso e atendível", sendo disso mero exemplo, logo ali avançado, evitar o prolongamento da prisão preventiva.
Ora, os arguidos requerentes não se encontram constrangidos por qualquer estatuto coativo limitativo da sua liberdade, encontrando-se mesmo entre os intervenientes processuais que assumiram a qualidade de arguidos há menos tempo. O recorrente AA assumiu a qualidade de arguido a folhas 38700 e foi interrogado a folhas 38945, actos processuais praticados em junho de 2017. Por sua vez, o recorrente BB foi constituído arguido a folhas 38697 e foi interrogado a folhas 38932, igualmente em Junho de 2017.
É certo que, como vimos, a referência feita na alínea a) do n.º 1 do artigo 30.° do CPP ao não prolongamento da prisão preventiva é meramente exemplificativa, podendo existir outras circunstâncias que traduzam aquele interesse "ponderoso e atendível" .
Tal interesse deve assim, traduzir-se num facto processualmente relevante, visualizando-se o caso de, por razões de doença fatal e pretendendo estar presente no seu julgamento, solicitar a antecipação da definição da sua situação processual, e proporcionado aos demais interesses em causa, designadamente face à unidade e compreensão do objeto do processo.
Ora, no caso concreto, os argumentos invocados pelos arguidos traduzem-se em alegar que, dadas as proporções, "quer em termos de efetiva dimensão, quer em termos de mediatismo" (in sua 2ª conclusão), que o presente processo atingiu, "a manutenção da actual conexão prejudica desproporcionadamente os arguidos cujas identidades ou concretas imputações não são merecedoras de todo este aparato (processual e/ou mediático)" (vd. de novo sua 2ª conclusão). Afirmam ainda: “O presente processo é O MEGAPROCESSO da Justiça portuguesa” (vd. início daquela sua 2ª conclusão)
O presente processo é inegavelmente o que se convencionou chamar de mega processo.
Mediático, extenso e complexo, comporta 28 arguidos (pessoas individuais e coletivas) acusados de diversos crimes.
Porém, ser um processo mediático – resultado do interesse quer do público quer da comunicação social em geral e do jornalismo de investigação em particular – é algo comum a muitos outros processos, e corrente nos chamados “crimes de sangue”, que não justifica a pretendida separação de processos.
Ser complexo é algo frequente em todos os casos em que se investigam e julgam factos relativos à criminalidade económico-financeira, como sucede nos muitos processos surgidos do colapso do universo Espírito Santo, dos relativos ao caso BPN e noutros em que estiveram ou estão envolvidos entidades bancárias, mas que também per se não justifica a pretendia separação de processos.
Quanto a ser extenso, o que igualmente não é critério para a pretendida separação de processos, recordamos aqui que quando em 2011 o processo 1718/02.9JDLSB chegou em recurso ao ora relator já comportava mais de cinquenta e seis mil páginas de processado só nos cerca de duas centenas e meia de volumes principais.
Quanto ao número de arguidos nem é muito elevado quando comparado por exemplo com o julgamento do mega processo de corrupção na Brigada de Trânsito da GNR, que teve lugar no tribunal de Sintra em 2005, que tinha 195 arguidos ou, mais recentemente, com as quatro dezenas de arguidos, 37 dos quais ficaram em prisão preventiva, por alegado envolvimento nos incidentes ocorridos em 15 de maio na academia de futebol do Sporting, em Alcochete.
A argumentação apresentada pelos ora recorrentes de não se pretenderem ver envolvidos num processo que atrai as atenções dos meios de comunicação social e em que se encontram envolvidas pessoas social, económica e politicamente expostas, não colhe. Com o devido respeito, tal alegação é manifestamente subjetiva, em particular face a arguidos que, tudo indicia, voluntariamente se envolveram com as pessoas de que agora se pretendem afastar, tendo em vista, nos termos da acusação contra eles deduzida, a celebração de negócios que lhes proporcionaram elevados ganhos e que estão em causa nos factos que lhes foram imputados.
Se as pessoas e os negócios em causa serviam para alcançar a obtenção dos pretendidos ganhos, afigura-se-nos que não é "ponderoso nem atendível" que agora, em face do ruir do negócio e da relevância criminal dada aos factos praticados, se pretendam ver separadas as culpas e a apreciação judicial sobre as mesmas.
Assinale-se que os ora recorrentes estão acusados (cfr. fls. 44696 dos autos principais) da prática de:
BB
- Um CRIME DE CORRUPÇÃO PASSIVA, relativamente aos pagamentos recebidos enquanto Diretor da MM, no âmbito da PPP1, mediante acordo celebrado com a DD, crime p. e p. pelo art.373°, n.° 1 do Código Penal, com referência ao art.386°, n.° 1 e 2 do mesmo diploma legal.
- Um CRIME DE BRANQUEAMENTO DE CAPITAIS, em coautoria com os arguidos EE, FF, AA e com a sociedade DD, relativamente à utilização desta última sociedade e sua contabilidade para a colocação de fundos na esfera patrimonial do arguido BB, crime p. e p. pelo art.368°A, n.° 1,2 e 3 do Cód. Penal.
AA
- Um CRIME DE CORRUPÇÃO ATIVA, em coautoria com os arguidos FF, EE e com as sociedades DD, LEC SA, LEC SGPS e CCCC SA, relativamente aos pagamentos efetuados a BB, enquanto Diretor da MM, no âmbito da PPP1, mediante acordo celebrado com a DD, crime p. e p. pelo art. 374°, n.° 1 do Código Penal.
- Um CRIME DE BRANQUEAMENTO DE CAPITAIS, em coautoria com os arguidos EE, FF, BB e com a sociedade DD, relativamente à utilização desta última sociedade e sua contabilidade para a colocação de fundos na esfera patrimonial do arguido BB, crime p. e p. pelo art. 368°A, n.° 1, 2 e 3 do Cód. Penal.” (fim de transcrição).

Resulta assim claro que, ponderada a duração do seu estatuto de arguidos nos presentes autos e a inserção dos factos que lhe são imputados no contexto geral da acusação e a gravidade dos mesmos, não assiste aos requerentes um interesse nem ponderoso nem atendível para que seja determinada a separação de processos.
A separação de processos pode ainda ser determinada se se verificar que a conexão pode retardar excessivamente o julgamento, o que poderá corresponder a um interesse dos arguidos ou da pretensão punitiva do Estado - art. 30.°, n.° 1, al. c) do CPP.
Não nos parece seja o caso. Tudo aponta para que a instrução seja aberta a curto prazo e segundo as regras da experiência comum a sua previsível duração não retardará excessivamente o julgamento.
Acresce que, sem a instrução concluída sempre seria prematura a separação de processos, pois mesmo que a não tenham requerido – o que desconhecemos e nem temos de apurar – podem desta beneficiar, não sendo de excluir que a decisão instrutória (de pronúncia ou não pronúncia), a proferir nesta fase processual, lhes possa ser favorável.
Dito de outro modo. Em rigor, havendo lugar a instrução nos autos, não é possível, neste momento, antever ou perspetivar se vai haver pronúncia e subsequente julgamento de todos os arguidos ou de apenas alguns, se eventual pronúncia será por todos os factos imputados aos arguidos ou apenas por parte deles, pelo que não faria qualquer sentido ordenar a separação de processos com o fundamento numa delonga (do julgamento) não determinada, de duração temporal não previsível.
Com efeito, ainda que os arguidos, ora recorrentes, não tenham porventura entretanto requerido a abertura da instrução, sempre a mesma terá de ter lugar em relação aos arguidos que a requereram, pelo que há que salvaguardar a hipótese de, nos termos do disposto no art. 307.°, n.º 4, do CPP, o Juiz de Instrução dela retirar as consequências legalmente impostas a todos os arguidos, possibilidade que logo poderia ficar prejudicada com a separação de processos pretendida - o que só por si constituiria razão suficiente para justificar o indeferimento da mesma.
Por outro lado, também não corresponde à verdade que o conjunto dos factos imputados aos arguidos, em sede da acusação, seja desligado dos demais factos imputados a outros arguidos.
A intervenção do arguido AA encontra-se narrada, em sede de acusação, no contexto da atividade desenvolvida pela sociedade CC SA (CC, depois designada DD) e consequentemente encontra-se integrada com atuações imputadas aos arguidos EE e FF, para além das sociedades do próprio Grupo CCC que também foram acusadas.
Tal resulta expressamente do narrado no capítulo III, ponto 3.2.2 da acusação, em particular nos pontos 1792 e seguintes, onde se relata o conluio subjacente à constituição da dita CC, para além do acordo entre arguidos subjacente a todas as intervenções do arguido AA (pontos 1808 e seguintes do texto acusatório).
Também sob o ponto de vista do arguido BB, a sua
intervenção encontra-se conexa com a mesma sociedade CC (depois designada DD) pela teia de pretensas relações comerciais e de fluxos financeiros imputados em sede de acusação (pontos 1456 e seguintes e 1840 e seguintes da acusação), para além da conjugação com as intervenções dos arguidos EE e FF - veja-se o ponto 1808 do narrativo acusatório.

Esta constatação significa que, ao contrário do alegado pelos recorrentes, os factos que lhes são imputados não podem ser separados do apuramento de responsabilidades de outros arguidos, o que quer dizer que, a operar-se a separação agora requerida, os mesmos factos passariam a integrar o objeto de diferentes processos, rompendo uma unidade coerente de apreciação, que afigura-se-nos ser, na realidade, evitar.
Nesta perspetiva, a separação agora requerida representaria mesmo um grave risco para a pretensão punitiva do Estado - que é, em si mesmo, também, um pressuposto a atender em sede de qualquer decisão sobre o cessar das conexões de processos definidas nos autos - conforme disposto no art. 30.°, n.º 1, alínea b) do CPP.
Concluindo, dir-se-á não se verificar circunstância alguma que, no quadro de argumentação dos recorrentes - o da previsão do art. 30.°, n.º 1, als. a) e c), do CPP - justifique a separação de processos, designadamente por, contrariamente ao que os mesmos pretendem, as circunstâncias que invocam para sustentar a sua pretensão, não serem suscetíveis de, em tal quadro, determinar a cessação da conexão.
Finalmente, escusam os recorrentes de esgrimir com a norma do art. 42.° da Lei n° 34/87, de 16.07, segundo a qual "a instrução e o julgamento de processos relativos a crime de responsabilidade de titular de cargo político, cometido no exercício das suas funções, far-se-ão, por razões de celeridade, em separado dos relativos a outros co-responsáveis que não sejam titulares de cargos políticos" (vd. motivação de recurso a fls. 49225 dos autos principais e constante a fls. 32 do presente recurso em separado).
De facto, e contra o que sustenta a jurisprudência citada pelos recorrentes, essa norma não dispensa um juízo acerca da verificação, em concreto, das razões de celeridade (a favor do titular do cargo político em causa), sob pena de inconstitucionalidade da mesma, por violação do princípio da igualdade consagrado no art. 13.° da CRP.
Em especial quando o titular de cargo político já o não é!
Ou seja, não pode entender-se, aí, que a separação funciona ope legis mas, tão-só, que funciona com base na apreciação ope judicis em concreto da existência de "razões de celeridade" que justifiquem a necessidade do julgamento em separado (cfr., neste sentido, Paulo Pinto de Albuquerque, "Comentário do Código de Processo Penal", 3.ª edição, nota 2 ao art. 30.°).
E só assim interpretada a norma não será inconstitucional, inconstitucionalidade essa, aliás, sustentada por Francisco Aguilar em "Imunidades dos Titulares de Órgãos Políticos de Soberania", in Jornadas de Direito Processual Penal e Direitos Fundamentais, coordenação científica de Maria Fernanda Palma, Coimbra, Almedina, 2004.
Por outras palavras: a lei deve ser igual para todos os cidadãos, não devendo existir situações de privilégios pessoais que limitem a aplicabilidade da lei.
Por isso, o reconhecimento de situações excecionais face ao princípio geral da igualdade exige uma justificação convincente e bem fundamentada, pois à ideia de igualdade é inerente a vedação de privilégios e de discriminações de situações de desvantagem e, por outro lado, deverá haver tratamento igual para situações iguais e um tratamento desigual só para situações desiguais.
No fundo, quanto a este princípio, a questão central é a de saber, nas palavras de Gomes Canotilho e Vital Moreira, se "existe fundamento material bastante para diferenciações de tratamento jurídico" (in Constituição da República Portuguesa Anotada, vol. I, 3.ª edição revista, Coimbra Editora, 2007, p. 341).
Entende, pois, este Tribunal ad quem, que a pretensão dos arguidos/recorrentes AA e BB não pode proceder, incluindo por razões de conformidade com a Constituição da República.
Atendendo aos interesses em confronto e ao momento dos autos, imediatamente posterior à dedução de acusação pelo Ministério Público, a separação de processos, no caso presente, seria suscetível de inconformidade com os princípios consagrados na Constituição da República tendo, em especial, em vista salvaguardar a eficácia da Justiça.
Como se expendeu no Acórdão do Tribunal da Relação do Porto, proferido em 3 de julho de 2002, no processo 809/02 e consultável na JusNet, a propósito dos casos enunciados nas alíneas a), b) e c) do n.° 1 do art. 30.°, do CPP: “Nos casos referidos, aceita-se que se possa proceder ao julgamento em separado, «para obviar à chicana processual ou aos riscos de a vantagem da concentração da prova - sempre conveniente - estar a colocar em séria crise a liberdade de um dos réus, ou a celeridade processual que é um direito fundamental - art. 6.º, da Convenção Europeia dos Direitos do Homem» [Cfr. Gil Moreira dos Santos, Noções de Processo Penal, 1994, pp. 194 e 195, advertindo que «este princípio deverá ser entendido (...) com as maiores cautelas, tendo em atenção que a eficiência, enquanto processo de realização da justiça, estabilização das normas e paz jurídica dos cidadãos, porque tradução do carácter preventivo das normas, só deve ceder na medida em que implique uma compressão dos direitos do arguido, para além do limite temporal razoável definido no art. 6.º da Convenção Europeia e que o nosso legislador constitucional ainda quer limitar aludindo ao mais curto prazo compatível com as garantias de defesa - n.º 2 do art. 32° da Constituição da República»].(fim de transcrição).
E como doutamente se consagrou no Acórdão deste Tribunal da Relação de Lisboa, de 14 de outubro de 1998, prolatado no processo 5643/98 e consultável na JusNet, que subscrevemos:
“É sabido que a competência material e territorial são os regimes-regras, mas a lei, em certas situações manda que se afastem esses regimes atribuindo competência para o procedimento que não a teriam, segundo os princípios gerais.
Daí que se tenha legislado sobre conexão material e processual pois "do interesse de manter a competência para o julgamento do juiz natural, seguindo os critérios normais, para cada crime, opõe-se o interesse da economia processual visto que, dada a conexão dos crimes, as mesmas provas e os mesmos argumentos servem ou se invocam para a sua verificação. É de bom senso evitar a repetição inútil das mesmas provas, em processos diferentes. Para além deste motivo, afigura-se indispensável evitar julgados contraditórios". - Cavaleiro Ferreira, Curso - citado por Simas Santos in CPP - 1º vol. ed. 1996.
Resulta, assim, no dizer deste Mestre, que são razões de economia processual, do evitar de repetição de provas e de julgados contraditórios, que estão na base da conexão ou melhor, da necessidade de conexão de processos, podendo tirar-se a conclusão que, quando se põe termo à conexão com a consequente separação de processos conexos, está a pôr-se em causa o interesse da economia processual, impõe-se a repetição das provas e corre-se o risco de julgados contraditórios. Daí que, nos casos em que a lei permite a separação dos processos em casos taxativos e verificadas certas circunstâncias a avaliar pelo tribunal; a separação é a excepção à conexão.” (fim de transcrição).
Com efeito, a separação de processos sempre implica repetições de actos jurisdicionais, produção de prova, audição de testemunhas, decisões e recursos autónomos, pelo que deve ser encarada como uma opção claramente excecional, visto que o valor da eficácia da Justiça tem, também ele, consagração constitucional, como emanação que é do Estado de Direito Democrático, plasmado no art. 2.° da Constituição da República Portuguesa.
Na ponderação de valores a realizar, não se vislumbra que, ao menos por ora, o direito dos arguidos a uma decisão produzida num tempo razoável, que está longe de estar a ser constrangido, dado que o seu estatuto como arguidos vigora acerca de um ano (como acima dissemos foram constituídos nessa qualidade em Junho de 2017), deva prevalecer sobre o interesse da obtenção de uma decisão justa ou da realização da justiça no caso concreto.
Finalmente, dir-se-á ainda o seguinte:
Alega o Ministério Público na sua resposta ao recurso que:
“(…) tendo o Ministério Público deduzido acusação em Outubro de 2017, na qual entendeu definir um conjunto de factos como estando conexos e permitindo uma valoração negativa conjunta, seria aberrante que, passado um ano, fosse desfeito o seu trabalho de definição de um objeto para o exercício da ação penal. Na realidade, a pretensão dos ora Recorrentes representaria, caso admitida, a usurpação das faculdades conferidas, de forma autónoma, ao Ministério Público para o exercício da ação penal, onde se compreende o poder/dever de conformar um objeto processual e de pugnar pela sua sujeição a um julgamento.
A admissão de uma separação processual suportada no interesse dos arguidos, imediatamente posterior à dedução de acusação, sem a produção de outro tipo de prova dos factos, designadamente a possível em sede de instrução, que só em breve será aberta, contra os interesses tutelados pelo Ministério Público, representaria assim, em nosso entendimento, uma clara violação do princípio da autonomia do Ministério Público, consagrado no art. 219° da Constituição da República.
Assim, a interpretação do art. 30°, n.º 1 a) do CPP no sentido de reconhecer como ponderoso e atendível um interesse dos arguidos na separação de processos apenas suportado na dimensão do processo e na sua mediatização, desfazendo uma unidade factual que o Ministério Público definiu como a que pretendia ver sujeita a julgamento, seria violadora do disposto nos arts. 2.° e 219.°, n.ºs 1 e 2, da Constituição da República.” (fim de transcrição).
Contudo, não somos sensíveis a esta argumentação, que quanto a nós, com o devido respeito e salvo melhor opinião, não colhe, pois, por muito respeitável que seja a autonomia do Ministério Público, constitucionalmente consagrada, não é a mesma pertinente para determinar a não separação de processos e para, por essa via, não puder o recurso lograr provimento, se fosse caso disso.

III – Decisão

Pelo exposto, acordam os Juízes na 9ª Secção Criminal da Relação de Lisboa, em negar provimento ao recurso interposto pelos arguidos AA e BB, confirmando-se a decisão recorrida de indeferimento do pedido de separação processual oportunamente por aqueles formulado nos autos.
Custas pelos recorrentes, fixando-se a taxa de justiça no mínimo (art. 513.º do CPP e artigos 5.º e 8.º, n.º 9 e tabela III, do Regulamento das Custas Processuais, aprovado pelo Decreto-Lei n.° 34/2008, de 26 de fevereiro).

Notifique nos termos legais.
(o presente acórdão, integrado por dezoito páginas, foi processado em computador pelo relator, seu primeiro signatário, e integralmente revisto por si e pelo Exmº Juiz Desembargador Adjunto – art. 94.º, n.º 2, do CPP)

Lisboa, 4 de Outubro de 2018
Calheiros da Gama
Antero Luís