Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça | |||||||||||||||||||||||
Processo: |
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Nº Convencional: | 2.ª SECÇÃO | ||||||||||||||||||||||
Relator: | AFONSO HENRIQUE | ||||||||||||||||||||||
Descritores: | CONCORRÊNCIA MANIPULAÇÃO DE MERCADO DETERMINAÇÃO DO PREÇO REPARAÇÃO DO DANO CÁLCULO DA INDEMNIZAÇÃO PRESUNÇÃO JUDICIAL PODERES DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA EQUIDADE TRIBUNAL ESTRANGEIRO DESVALORIZAÇÃO DA MOEDA JUROS DE MORA ACÓRDÃO UNIFORMIZADOR DE JURISPRUDÊNCIA DIREITO DA UNIÃO EUROPEIA VIOLAÇÃO IMPUGNAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO | ||||||||||||||||||||||
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Data do Acordão: | 02/13/2025 | ||||||||||||||||||||||
Votação: | UNANIMIDADE | ||||||||||||||||||||||
Texto Integral: | S | ||||||||||||||||||||||
Privacidade: | 1 | ||||||||||||||||||||||
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Meio Processual: | REVISTA (CONCORRÊNCIA) | ||||||||||||||||||||||
Decisão: | NEGADAS | ||||||||||||||||||||||
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Sumário : | I. A presente ação declarativa foi intentada na sequência da prolação, em 19-07-2016, da “Decisão Final da Comissão Europeia, no âmbito do processo AT.39824 – Cartel de Camiões, por violação do artigo 101.º do TFUE e do artigo 53.º do Acordo EEE”, tendo em vista a reparação dos danos decorrentes da violação das normas da concorrência. II. Trata-se duma ação de private enforcement, regulamentado pela Diretiva 2014/104/UE do Parlamento Europeu e do Conselho de 26-11-2014, publicada no JOCE em 5/12/2014 - Diretiva do Private Enforcement, a qual foi transposta para o ordenamento jurídico nacional. III. No cálculo da indemnização e atento ao considerando 12 da mencionada Diretiva, o pagamento de juros tem uma componente essencial da reparação para compensar os danos sofridos, sendo devidos desde o momento em que ocorreu o dano até ao momento do pagamento da reparação, sem prejuízo da sua qualificação como juros compensatórios ou juros de mora no âmbito do direito nacional. IV. A presunção judicial extraída relativamente à existência de um efetivo dano na esfera jurídica da A, está materializada no facto de que houve um aumento de preços brutos e líquidos dos camiões transacionados. V. Na sequência da prova da verificação de um dano - coincidente com o sobrecurso - há que recorrer à estimativa judicial para a determinação do quantum do dano - art. 17.º, n.º 1 da Diretiva 2004/104 e art. 9.º, n.º 2 da Lei n.º 23/2018, de 5 de junho. VI. Na ausência de padrão similar na jurisprudência nacional, importa considerar comparativamente, as decisões proferidas por outros tribunais europeus no âmbito do mesmo cartel dos camiões, em particular decisões do Tribunal Supremo de Espanha respeitantes a idêntica infração e do mesmo cartel que fixaram as indemnizações com recurso a estimativas judiciais, em 5% do preço de venda de camiões efetivamente pago pelos demandantes a título de sobrecusto. | ||||||||||||||||||||||
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Decisão Texto Integral: |
ACORDAM NESTE SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (2ª SECÇÃO) I. A autora, Transportes Guilherme Fernandes, Lda. intentou a presente ação declarativa, sob a forma de processo comum, contra Renault Trucks, S.A. Em sede de primeira instância, havia sido proferida sentença com o seguinte dispositivo: “Assim sendo, face ao exposto e pelos motivos expendidos, julgo a ação intentada pela Autora TRANSPORTES GUILHERME FERNANDES, LDA. contra a Ré RENAULT TRUCKS SAS parcialmente procedente e, em consequência: Condeno a Ré a pagar à Autora a quantia, a título de capital, de € 126.397,10 (cento e vinte e seis mil, trezentos e noventa e sete euros e dez cêntimos) e a quantia de € 54.540,74 (cinquenta e quatro mil, quinhentos e quarenta euros e setenta e quatro cêntimos), a título de juros civis, vencidos até à data da citação da Ré (23.07.2019), o que perfaz a quantia global de € 180.937,84 (cento e oitenta mil, novecentos e trinta e sete euros e oitenta e quatro cêntimos), à qual acresce o valor a título de juros civis à taxa legal de 4% (quatro porcento) e nas demais que sucessivamente venham a ser aprovadas legalmente, vencidos desde a data de 24.07.2019 e vincendos, até efetivo e integral pagamento sobre o capital de € 126.397,10 (cento e vinte e seis mil, trezentos e noventa e sete euros e dez cêntimos); Absolvo a Ré do mais peticionado nestes autos pela Autora.” II. Interposto recurso para o Tribunal da Relação, nesta foi proferido acórdão que julgou parcialmente procedente a apelação e, consequentemente, revogando a sentença da primeira instância decidiu o seguinte: “Condenar a ré a pagar à autora a quantia, a título de capital, de 38.530,05 € (trinta e oito mil quinhentos e trinta euros e cinco cêntimos) e a quantia de 15.463,31 € (quinze mil quatrocentos e sessenta e três euros e trinta e um cêntimos), a título de juros civis vencidos até à data da citação da Ré (23.07.2019), o que perfaz a quantia global de 53.993,36 € (cinquenta e três mil novecentos e noventa e três euros e trinta e seis cêntimos), à qual acrescem juros civis à taxa legal, atualmente de 4% (quatro porcento), sobre o capital descrito, vencidos desde a data de 24.07.2019 e vincendos até efetivo e integral pagamento”, absolvendo no mais a Ré. III. Inconformadas com aquela decisão da Relação, veio cada uma das partes interpor recurso de revista, sendo que a ré apresenta ainda, a título subsidiário, recurso de revista excecional. A) Conclusões do recurso/revista da autora: 1. O presente recurso de revista diz respeito a uma ação de indemnização por danos causados à Recorrente pela prática ilícita anticoncorrencial levada a cabo pela Recorrida, entre 1997 e 2011, a qual foi punida pela Comissão Europeia, através da Decisão proferida no Processo AT. 39824 – Cartel dos Camiões, publicada a 6 de abril de 2017 no JOUE. 2. O douto Acórdão recorrido condenou parcialmente a Recorrida no pagamento de uma indemnização pelos danos que causou à Recorrente, revogando parcialmente a sentença proferida pelo Tribunal da Concorrência, Regulação e Supervisão. 3. A Autora diverge do douto Acórdão recorrido em dois pontos. 4. O primeiro ponto prende-se com a parte da decisão que denegou o direito à Autora de obter uma compensação económica autónoma pelo dano emergente da depreciação do valor da moeda (“dano da desvalorização monetária”), devido pelo tempo decorrido entre a data da produção do dano e a data da decisão que ordenou a reparação do mesmo. 5. Quanto a este ponto, em primeira instância, o TCRS decidiu no sentido da admissibilidade da indemnização contemplar a correção monetária de acordo com o índice “Deflator do PIB”, em cumulação com a indemnização por juros de mora. 6. No douto Acórdão recorrido, entendeu-se, porém, que “os juros [de mora] já contemplam a atualização do montante indemnizatório ao abrigo do artigo 566.º n.º 2 do Código Civil” (cfr. ponto VI do Sumário), tendo sido rejeitada essa possibilidade de cumulação. 7. Foram os seguintes os argumentos aduzidos no douto Acórdão recorrido para sustentar o seu entendimento: a) O considerando 12 da Diretiva n.º 2014/104/UE, do Parlamento e do Conselho, ressalva que “[c]abe aos Estados-Membros estabelecer as regras a aplicar para o efeito”, leia-se, para o efeito de compensar a desvalorização monetária e a perda de oportunidade para a parte lesada de dispor do capital; b) Em sede de direito nacional, é entendimento jurisprudencial dominante que os juros de mora têm tanto a função específica de indemnizar os danos decorrentes do intempestivo cumprimento da obrigação como o de contrabalançar a desvalorização monetária (AUJ STJ 4/2002, in D.R. I-A de 27.06.2002, p. 5064. Este Acórdão é citado na sentença recorrida a p. 179); c) A aplicação da taxa de juros legal desde o momento do dano, de uma perspetiva nacional, compensará as duas vertentes que cumpre acautelar à luz do Direito da União, pelo que não deverá ser cumulada com a atualização feita na sentença recorrida. 8. Primeiro, o douto Acórdão recorrido, s.m.o., faz uma errónea interpretação do considerando 12 da Diretiva ao estender, como defende, a sua aplicabilidade à matéria referente à desvalorização monetária, quando, na verdade, o referido considerando 12 da Diretiva não se refere expressamente a esta questão, mas unicamente à questão do pagamento de juros desde a data da produção do dano. 9. O que a Diretiva prevê e pretende assegurar é que o direito de reparação retroaja à data da efetiva produção do dano – afastando e prevalecendo sobre eventuais prescrições legais aplicáveis a juros de mora que possam existir no plano dos direitos nacionais –, procurando salvaguardar eventuais obstáculos à aplicação desta regra no plano dos direitos nacionais, por razões de nomenclatura jurídica, determinando que os juros serão sempre devidos independentemente de se denominarem de mora ou compensatórios, ou de integrarem a categoria de danos emergentes ou de lucros cessantes. 10. Esta posição do Direito da União afigura-se-nos como incompatível com a ideia que o conceito de juros (legais) de mora possa englobar, ou integrar, a tipologia de dano que decorre da depreciação monetária. 11. O dano resultante da desvalorização da moeda é um dano financeiro que resulta do facto de o valor do dinheiro se alterar ao longo do tempo. 12. Tem em comum com os juros moratórios o facto de também ser um dano que decorre “dos efeitos nefastos do tempo” [cfr. Ac. TJUE de 3 de fevereiro de 1994, C-308/87 Grifoni II, ECLI:EU:C:1994:38, parágrafo 40]. 13. Por seu turno, os juros de mora visam ressarcir o lesado de outra decorrência do decurso nefasto do tempo, isto é, da perda de oportunidade de aplicação do seu capital. 14. Essa lesão é também um dano indemnizável autonomamente, que ocorre por via do pagamento de juros de mora, nos termos do 806.º do Código Civil, no caso de obrigações pecuniárias, das quais é exemplo a obrigação de indemnização fixada em dinheiro, nos termos do n.º 1 do art. 566.º do Código Civil. 15. A Recorrente tem o direito a ser indemnizada pela desvalorização monetária (por via da correção do valor do dinheiro) e, cumulativamente, pelos juros de mora, decorrentes da perda de oportunidade de aplicação do capital de que se viu privada, por via da conduta infratora da Recorrida, quer no plano do direito nacional, quer no plano do direito europeu. 16. Segundo, decorre da Portaria n.º 291/2003, de 08/04, de forma expressa, que a mesma se dirige exclusivamente à fixação da taxa de juros legais, na decorrência do estipulado no art. 559.º-1 do Código Civil. 17. A Portaria n.º 291/2003 não tem pois qualquer relação ou conexão com o dano referente à desvalorização monetária, dado que não visa regulamentar o disposto no n.º 2 do art. 566.º do Código Civil. 18. Não pode, pois, considerar-se, do ponto de vista da lei nacional, que a taxa de juro legal definida na Portaria n.º 291/2003 compensa a vertente indemnizatória que decorre da desvalorização da moeda, pois tal não está no seu escopo, nem no escopo do legislador que para ela remete exclusivamente para efeitos do n.º 1 do art. 559.º do Código Civil. 19. Terá, pois que se entender, que quando o ponto 20 do Guia Prático da Comissão se refere à possibilidade de o direito nacional poder ter em conta estes efeitos – desvalorização monetária e oportunidade perdida de aplicação do capital – sob a forma de “juros legais ou outro tipo de juros”, tal realidade não é a existente no plano de direito interno português, na medida em que os “juros legais” não integram a vertente de ressarcimento da desvalorização monetária, conforme resulta do disposto no art. 559.º-1 do Código Civil, combinado com a Portaria n.º 291/2003 e as suas predecessoras. 20. Terceiro, a interpretação do art. 566.º-2 do Código Civil fixada no Acórdão de Uniformização de Jurisprudência, n.º 4/2002, publicado no D.R. de 27 de junho de 2002, não tem aplicação no caso concreto. 21. Por um lado, o seu âmbito predominante de aplicação, embora situando-se na esfera da responsabilidade civil extracontratual, é fortemente influenciado pela conjuntura económica à data em que foi proferido e orientado para a indemnização por danos não patrimoniais e por danos patrimoniais futuros decorrentes de incapacidade geral permanente. 22. Por outro, no AUJ n.º 4/2002, a atualização da indemnização não foi realizada através de um critério económico objetivo (p. ex., a aplicação do Índice de Preços do Consumidor ou o Deflator do PIB), antes correspondendo a uma atualização equitativa de acordo com critérios de experiência do decisor, em face da natureza não patrimonial do dano. 23. Por fim, o AUJ n.º 4/2002 deixa em aberto a questão que se pode suscitar quando o autor pedir de início a atualização monetária até ao pagamento, conforme sucedeu no caso sub judice. 24. O acervo comunitário, a Decisão TJUE C-380/87 Grifonni II, o Parecer do Advogado Geral Saggio, nos processos apensos C-104/89 e C-37/90, Mulder e outros, bem como o disposto no considerando 12 e no art. 3.º da Diretiva 2014/104/UE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 26 de novembro de 2014 (Private Enforcement) e o ponto 20 do Guia Prático da Comissão convergem no sentido de estabelecer, de forma clara, a separação das duas vertentes indemnizatórias relacionadas com os efeitos do decurso do tempo. 25. E associam o dever de pagamento de juros de mora, desde a data da efetiva produção do dano até efetivo pagamento da indemnização, à vertente única da perda de oportunidade de aplicação do capital ou, se quisermos, à indemnização exclusiva do dano da mora. 26. Pelo que, de acordo com o Direito da União, fica fora do conceito de juros de mora o ressarcimento dos danos resultantes da variação das flutuações da moeda, isto é, da desvalorização da moeda, a qual deverá ser autonomamente ressarcida, quando tal seja peticionado, como ocorreu nestes autos. 27. Sob o prisma da legislação nacional, esta tipologia de dano não está contemplada na definição de “taxa de juro legal”. 28. Por outro lado, no quadro do Direito da União Europeia, é clara a distinção entre danos emergentes, onde se inclui o dano inerente à desvalorização monetária, lucros cessantes e, adicionalmente, os juros a contar da data da ocorrência do dano até ao pagamento efetivo do capital. 29. A interpretação perfilhada no douto Acórdão recorrido, s.m.o., é contrária ao entendimento do direito europeu, na medida em que restringe e comprime o direito ao ressarcimento de parte do dano emergente (a desvalorização monetária) englobando-o no direito a “juros” – restringindo, por esta via, também inevitavelmente este último –, direitos esses que são autónomos e distintos para efeitos de aplicação do direito europeu. 30. O douto Acórdão recorrido ao ter decidido pela não cumulação dos pedidos formulados pela Autora, negando provimento ao pedido autónomo de indemnização pelo dano da desvalorização da moeda, nos termos em que o fundamentou, interpretou erroneamente e, por essa via, violou o Direito da União (Decisão TJUE C-380/87 Grifonni II, o Parecer do Advogado Geral Saggio, nos processos apensos C-104/89 e C-37/90, Mulder e outros, bem como o disposto no considerando 12 e no art. 3.º da Diretiva 2014/104/UE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 26 de novembro de 2014 (Private Enforcement) e o ponto 20 do Guia Prático da Comissão sobre a quantificação dos danos nas ações de indemnização que tenham por fundamento infrações aos artigos 101.o ou 102.o do TFUE), os princípios da efetividade, da equivalência e da interpretação conforme e os artigos 564.º-1, 566.º-2 e 559.º-1, todos do Código Civil. 31. Perante o exposto, requer a V.ª Exa. seja, nesta parte revogado o douto Acórdão recorrido, reafirmando-se a doutrina acolhida na douta sentença proferida pelo TCRS, e, em consequência, ser a Recorrida condenada a pagar à Recorrente, a indemnização devida pela desvalorização monetária, cumulativamente com a indemnização já atribuída pela indisponibilidade do capital, equivalendo esta última exclusivamente aos juros de mora legais devidos desde a data do facto danoso até efetiva e integral reparação, isto é, não se integrando na taxa de juro legal a vertente de compensação pela depreciação da moeda. 32. O segundo ponto de divergência da Recorrente encontra-se relacionado com a parte da douta decisão recorrida em que foi fixada, por estimação judicial, nos termos do art. 17.º-1 da Diretiva 2014/104/UE e do art. 9.º-2 da Lei n.º 23/2018, de 5 de junho, uma percentagem de 5% de sobrecusto (“mark-up”, “overcharge” ou “preço adicional”) sobre o preço de aquisição individual de cada camião adquirido pela Recorrente. 33. A douta sentença proferida pelo TCRS decidiu fixar o sobrecusto (“mark up” ou “overcharge”) em 15,4%, tal como resultava do relatório pericial apresentado pela Recorrente. 34. Porém, o douto Acórdão recorrido veio considerar que tal relatório pericial não era suficientemente convincente para quantificar o dano e, recorrendo à estimação judicial admitida nos termos do art. 17.º-1 da Diretiva e do art. 9.º-2 da Lei n.º 23/2018, veio fixar o sobrecusto em 5%. 35. A Recorrente não se conforma igualmente com esta parte da decisão, por entender que, ainda que por estimação judicial, o sobrecusto deveria ter sido fixado em percentagem superior a 5%, por forma a garantir a integral reparação do lesado de forma justa, equilibrada, proporcional e adequada à tipologia, às características, ao contexto e aos efeitos da infração. 36. Em suma, o douto Acórdão recorrido optou por fixar o sobrecusto na percentagem de 5% com base nos seguintes fundamentos principais: - ser essa a experiência recente (julho de 2023) do Supremo Tribunal Espanhol em cerca de 15 casos referentes ao cartel dos camiões, que fixou por estimativa judicial o sobrecusto em 5%; - ser essa a experiência recente (07.02.2023) do Competition Appeal Court Britânico, que fixou por estimativa judicial o sobrecusto em 5%, após intensa discussão assente em relatórios económicos de ambas as partes; - por tal percentagem, porque “assente em estatísticas retiradas de meta estudos sobre carteis, conjugadas com circunstâncias factuais retiradas da Decisão da Comissão, critérios jurisprudenciais e provas produzidas em cada caso”, (…) não deixar de “realçar e expressar prudência quando o tribunal se substitui às partes no exercício da estimativa judicial”; - por se situar no “limite mínimo” e tal equivaler ao “ponto médio entre 0% e 10% dos efeitos dos carteis mais conservadores”; - salvaguardando, porém, que a percentagem de 5% fixada “poderá não responder ao objetivo de reparação integral do dano”. 37. O douto Acórdão recorrido decidiu afastar-se da hipótese da fixação da percentagem de sobrecusto em 10% porque: - não obstante assumir que, de acordo com a experiência húngara e os resultados do estudo Oxera 2009 “um cartel tem uma elevada probabilidade de implicar um sobrecusto de pelo menos 10%” - e que “tendo em conta essa elevada probabilidade poderíamos ser tentados a seguir tal via” - e “se olharmos às características do cartel em causa e respetiva gravidade, (…) tal valor não se afigura[r] prima facie exagerado” - preferiu optar pela fixação do sobrecusto em 5%, por via de uma assumida posição “conservadora”, destinada a prevenir uma “indemnização excessiva e o enriquecimento sem causa inerente” - porquanto, “em última análise, o ónus de quantificação do dano” pertencia à Recorrente. 38. Finalmente, decidiu afastar-se da percentagem de 15,4% calculada pelo relatório Cerejeira porque considerando que: - o relatório Cerejeira mostrou as suas fragilidades principalmente devido à falta de divulgação completa dos dados da Eurotax usados, o que, devido a tal opacidade, não permitiu a este tribunal, e à parte contrária, exercer um escrutínio efetivo; - embora reconhecendo que tal “opacidade” não se deveu a qualquer conduta omissiva da Autora, mas antes ao facto de o próprio Professor Cerejeira estar impedido de proceder à divulgação dos dados, por via da imposição de deveres de confidencialidade por parte da Eurotax . (p. 80 do Acórdão recorrido). 39. A aqui recorrente entende que o sobrecusto, mesmo que por via de estimação judicial, mas com base numa diferente ponderação dos mesmos critérios que orientaram o Tribunal a quo nessa estimação, deveria ter sido fixado na percentagem de, pelo menos, 15,4%, para que a mesma fosse adequada à reparação integral do dano sofrido pela Autora, pela consideração conjunta de todos e de cada um dos seguintes fundamentos: 40. A conduta infratora teve uma impressionante e anómala longa duração no tempo. Vigorou, de forma ininterrupta, durante 14 anos, isto é, entre janeiro de 1997 e janeiro de 2011, duração essa que foi sublinhada, quer na Decisão da Comissão, quer pelo TCRS neste processo, quer pelo douto Acórdão ora recorrido que se refere à “muito longa duração do cartel”. 41. Conforme resulta da experiência comum, a maior duração do cartel é um fator de gravidade adicional da conduta infratora e, necessariamente, um fator de agravamento dos efeitos do mesmo e do prejuízo para os lesados pela infração. 42. Este foi um cartel que permaneceu secreto durante 14 anos e que uma vez detetado deu origem a uma das maiores coimas alguma vez aplicada a nível europeu aos infratores. 43. O cartel em causa é qualificado como um “hardcore cartel”. 44. O cartel teve uma dimensão transnacional, tendo sido abrangidos todos os países que integram o Espaço Económico Europeu, numa mais uma vez impressionante dimensão regional, o que inevitavelmente implicou uma notável sofisticação, alocação de recursos e investimento financeiro para garantir a coordenação que se manteve durante 14 anos, de “forma intencional, coordenada e continuada”. 45. Também no que concerne à quota de mercado, resulta da Decisão condenatória que os infratores tinham uma quota de mercado de quase 90% em todos os países do Espaço Económico Europeu. 46. O propósito deste cartel, para além do aumento dos preços dos camiões, visou também fazer repercutir nos adquirentes de camiões – antes mesmo da sua incorporação nos camiões vendidos – os custos de investimento que estavam obrigados a fazer (no futuro) em tecnologias de redução de emissões, impostas pelas normas europeias Euro 3 a Euro 6. 47. Não se concebe, à luz das regras de experiência e da ponderação de riscos que os fabricantes envolvidos terão equacionado, que a dimensão do seu benefício económico seja compatível com o aumento médio dos preços dos camiões em apenas mais 5%. 48. No setor dos camiões, Portugal é um pequeno mercado (cerca de 8 vezes mais pequeno em volume de compras) quando comparado com Espanha ou o Reino Unido, pelo que, se aí, o sobrecusto estimado de forma mínima e conservadora, foi fixado numa taxa de 5%, em Portugal terá sido seguramente superior, atenta a menor capacidade de negociação do preço que caracteriza os mercados de menor dimensão. 49. A estimação judicial do dano deve ser equilibrada, proporcional e adequada à reparação integral dos danos sofridos pelo lesado, pois só desse modo se poderá evitar o enriquecimento ilegítimo do infrator. 50. Uma interpretação da norma do n.º 2 do art. 9.º da Lei n.º 23/2018 no sentido de se admitir como válida uma estimação pelo mínimo, ou conservadora, é violadora da letra e espírito da referida norma. 51. Não pode aceitar-se, à luz do princípio da efetividade, que esteve subjacente à formulação do art. 17.º-1 da Diretiva e do n.º 2 do art. 9.º da referida Lei, e, portanto, da previsão de estimação judicial aí contemplada, que a mesma deva ser conservadora porque o ónus de prova da quantificação do dano incumbe ao lesado. 52. Este argumento, s.m.o., desvirtua o propósito da norma em causa e a razão de ser da mesma, a qual, conforme ficou, de resto, cabalmente explicado, advém do facto de neste tipo de processos judiciais, pela complexidade técnica, pela exigência financeira e pelas características intrínsecas a este tipo de infrações, a prova ser muitas vezes excessivamente difícil ou impossível para que a Autora consiga, em condições de igualdade de armas, cumprir o ónus que lhe compete. 53. A adequação da estimação deverá fazer-se, tendo em conta não só as características acima elencadas, como também os dados da experiência, com destaque para os meta-estudos existentes sobre efeitos dos cartéis, em especial o parecer jurídico-económico, elaborado pela Oxera em 2009, bem como decisões jurisprudenciais, nomeadamente noutras jurisdições, sobre processos de cartéis de camiões. 54. No que se refere a metaestudos, a Oxera apurou que: a. O sobrecusto médio com base nos dados que analisou se situou nos 18%” b. Na grande maioria - 77% - dos casos em que os cartéis tiveram efeitos, o sobrecusto médio foi superior a 10%. c. Numa comparação entre cartéis nacionais e cartéis internacionais, o estudo Oxera situa a média do sobrecusto em 26% no que se refere a cartéis internacionais em comparação com um sobrecusto médio de 16% para os cartéis nacionais; d. Nos 6 cartéis de extensão europeia analisados no estudo, a média de sobrecusto fixou-se em 27% em comparação com um sobrecusto médio nos Estados Unidos da América e Canadá, em que a média se situou nos 16%. 55. Por seu lado, o estudo - Connor e Lande de 2008 -, citado no próprio parecer Oxera de 2009, apurou: a. um sobrecusto médio de 20% do preço do cartel. b. que os cartéis nacionais têm uma média de sobrecusto situada entre os 17% e 19%, enquanto que os cartéis internacionais atingem um sobrecusto médio de 30% a 33%. 56. Em suma, decorre da experiência recolhida nos principais estudos e metaestudos relacionados com cartéis que o sobrecusto detetado, em cartéis internacionais e europeus, é superior a 18%, atingindo nalguns casos uma média de 33%, em cartéis de dimensão internacional. 57. Também a jurisprudência espanhola – que começou por fixar o sobrecusto, de forma receosa, em 5%, tendo vindo a evoluir da posição inicial mais restritiva para uma posição mais equilibrada, como sucedeu em quatro acórdãos do Tribunal Supremo Espanhol, de 29/11/2023, que fixaram a estimativa do sobrecusto em 16,35 %. 58. Por sua vez, o relatório pericial que foi apresentado pela Recorrente, o Relatório Cerejeira, elaborado pelo Professor AA, estimou o sobrecusto para Portugal em 15,4%. 59. O mark up de 15,4% a que chegou o Relatório Cerejeira, muito embora ainda assim se situe abaixo daquele que terá sido o efetivo prejuízo sofrido pela Autora, atendendo ao acima exposto, sempre será um valor que, pelo menos, mais se aproxima – sendo que essa aproximação será sempre por defeito – ao efetivo dano sofrido pela Recorrente e sem que se corra o risco de esta poder vir a enriquecer sem causa. 60. Por fim, os receios de um eventual enriquecimento sem causa (da Recorrida) ocorrerão inevitavelmente se o valor do sobrecusto se mantiver nos 5% decididos no douto Acórdão recorrido. 61. Pelas razões apontadas, salvo melhor opinião, deverá ser revogado o douto Acórdão proferido, na parte em que estimou o sobrecusto em 5%, e ser substituída a estimativa judicial por um valor não inferior a 15,4%, interpretando-se a norma do art. 9.º-2 da Lei n.º 23/2018, à luz princípio da efetividade, no sentido de que a estimação judicial não deverá ser uma estimação de mínimos nem conservadora e deverá ser equilibrada, proporcional e adequada à reparação integral dos danos sofridos pela Recorrente. 62. Caso venha a presente revista a obter provimento, deverá, em consequência, ser revogado, na parte visada, o Acórdão recorrido e, em consequência, ser declarada a: 1. Condenação da Recorrida a pagar à Recorrente o valor de 126.397,10 €, referente ao sobrecusto por esta suportado, de 15,4% do preço de cada veículo adquirido; 2. Condenação da Recorrida no pagamento dos juros civis vencidos, à taxa legal, sobre o valor de 126.397,10 €, até à data da citação, que ascendem à quantia de 54.540,74 €; e 3. Condenação da Recorrida no pagamento dos juros civis à taxa legal, atualmente de 4%, sobre o capital de 126.397,10 €, vencidos desde 24.07.2019 e vincendos até efetivo e integral pagamento. 63. Sem prescindir, e a título subsidiário, o douto Acórdão recorrido não procedeu à condenação autónoma da Ré na depreciação monetária sofrida pela Autora, questionando a utilização do indicador “Deflator do PIB” para apurar o valor dessa depreciação. 64. Pode ler-se a este propósito, que “não podemos concordar com a acumulação que se realizou na sentença recorrida, entre os juros de mora e a atualização que operou, não com base na taxa de inflação como seria expectável, mas de acordo com o deflator do PIB (…)” – p. 92 do douto Acórdão recorrido. 65. Deste modo, subsidiariamente, a Recorrente procedeu ao cálculo da depreciação monetária de acordo com a taxa de inflação, extraída do Índice de Preços do Consumidor (“IPC”) e, caso se venha a entender dever ser aplicado o Índice de Preços de Consumidor para efeitos de determinação autónoma da depreciação monetária sofrida, deverá corrigir-se a condenação da Recorrida nos seguintes termos: 1. Condenação da Recorrida no pagamento à Recorrente do valor de 126.002,34 €, referente ao sobrecusto por esta suportado, de 15,4% do preço de cada veículo adquirido; 2. Condenação da Recorrida no pagamento dos juros civis vencidos, à taxa legal, sobre o valor de 126.002,34 €, até à data da citação, que ascendem à quantia de 54.370,40 €; e 3. Condenação da Recorrida no pagamento dos juros civis à taxa legal, atualmente de 4%, sobre o capital de 126.002,34 €, vencidos desde 24.07.2019 e vincendos até efetivo e integral pagamento. Termos em que, revogando a douta decisão recorrida e condenando a recorrida, nos termos acima expostos, será feita justiça. B) Conclusões do recurso/revista da ré: - A utilização pelo Tribunal Recorrido de uma presunção contra legem, em sede probatória, é fundamento suficiente para que o Supremo Tribunal de Justiça avoque a si o conhecimento desta questão, em sede de revista, nos termos e para os efeitos do disposto nos artigos 640.º, 662.º, n.º 1, 674.º, n.º 1, alínea b) e n.º 3 e 682.º, n.º 2, do CPC. - A Doutrina e Jurisprudência entendem que as presunções não se reconduzem a um meio de prova próprio, consistindo antes em ilações que o julgador extrai a partir de factos conhecidos para dar como provados factos desconhecidos, nos termos definidos no artigo 349.º do CC. 2 - Mesmo que se acreditasse que o Supremo Tribunal de Justiça estaria impedido de conhecer da utilização da presunção pelo facto de ambas as instâncias terem a ela recorrido, esta regra não se aplicaria ao presente caso, já que os fundamentos essenciais em que assenta a presunção foram diferentes entre a primeira e segunda instância. A presunção judicial não pode ser formulada com o objetivo de suprir a falta de prova que incumbe ao onerado. - A presunção legal prevista no artigo 17.º, n.º 2, da Diretiva não é aplicável, mas sim as regras gerais do direito civil relativamente à responsabilidade por facto ilícito, aos meios de prova e repartição de ónus de prova, como estabelecidos nos artigos 341.º a 396.º e 483.º a 498.º do CC. - À recorrida cabia demonstrar que a infração resultou em danos ou efeitos anticoncorrenciais (o que não aconteceu). Além disso, a Recorrente demonstrou a inexistência de um sobrecusto. - O Acórdão Recorrido viola as disposições substantivas respeitantes ao ónus da prova (artigo 342.º do CC), à prova por presunção (artigos 349.º e 351.º do CC); e desconsidera a disposição que estabelece o princípio a observar em casos de dúvida (artigo 414.º do CPC). - Face ao insucesso da Recorrida em provar a existência do nexo de causalidade e do dano, pressupostos da responsabilidade civil extracontratual, o Tribunal Recorrido deu uso a uma presunção judicial, em ordem a que a causa procedesse. - Se o raciocínio presuntivo do Tribunal Recorrido foi de que se partindo da Decisão da Comissão seria mais provável a existência de danos, a verdade é que o mesmo não pode proceder. - O juiz não pode simplesmente elaborar uma presunção judicial para colmatar as falhas de prova que incumbem ao lesado, algo que não foi igualmente respeitado pelo Tribunal Recorrido no que respeita aos requisitos do dano e do nexo de causalidade. Se não resultou provado o nexo de causalidade e o dano, então o ónus não deve ser afastado e utilizada uma presunção judicial. - Se a parte não foi capaz de cumprir o ónus de prova que sobre ela impendia, então não deve considerar-se o facto provado, mesmo que tal acarrete a improcedência da ação. - Além do recurso erróneo à presunção judicial, o próprio juízo presuntivo do Tribunal Recorrido carece de logicidade. O Tribunal Recorrido primeiro analisa a existência de um dano e só admitida a existência, procede à sua quantificação - um raciocínio viciado, já que deveria atentar-se primeiro sobre a concreta realidade dos factos, de modo a aferir os danos verificados. E uma vez determinado os danos efetivos que se verificaram, conclui-se logicamente pela verificação deste pressuposto. - Não resulta nem dos factos provados, nem da prova produzida, que a alegada conduta ilícita tenha sido causa de danos à Recorrida, nem tão pouco a quantificação desses danos. - O Tribunal Recorrido fez um uso arbitrário do expediente das presunções judiciais, e, portanto, incorreu numa concreta violação de direito probatório material, apreciável em sede de Revista. A presunção judicial também não pode ser formulada com base em danos abstratos: da necessidade de demonstração e de quantificação dos danos - Não podia o Tribunal Recorrido formular uma presunção como aquela que ora se discute para retirar conclusões quanto à existência e ao quantum dos supostos danos invocados nos presentes autos pela Recorrida. - Quando se presume que os cartéis causam danos, uma tal presunção refere-se à possibilidade de os cartéis – em abstrato / por natureza – poderem causar danos, mas não é certo que tal tenho ocorrido no caso da infração. - Uma presunção de danos não se refere (nem pode referir) a um dano concreto causado por um cartel e também não deve servir para diminuir a exigência probatória quanto à sua quantificação. - Assim, caberá sempre a quem alega o dano demonstrar que sofreu o específico e concreto dano; se tal não sucede, não compete ao tribunal fazê-lo, nem mesmo através de um juízo presuntivo. - Nomeadamente nos termos do artigo 17.º, n.º 2 da Diretiva. - Em particular, o Tribunal Recorrido deveria questionar-se se a Recorrida sofreu efetiva e concretamente algum dano em resultado da Infração, algo que só poderia ser determinado através de prova econométrica, sendo que a que foi apresentada pela Recorrida não se apresenta sólida nem fiável. - Distraindo-se no que realmente importa, o Tribunal Recorrido opta por ignorar que nem todos os cartéis causam danos e que nem todos os danos causados por cartéis assumem a forma de um sobrecusto. - Contudo, o Tribunal Recorrido, em vez de traçar as suas conclusões com base na prova carreada para os autos, optou (erradamente) por formular uma presunção judicial com base em danos abstratos, à boleia de um raciocínio falacioso segundo o qual todos os cartéis causam danos e sob a forma de aumento de preços, esquecendo-se que era necessário que a Recorrida tivesse demonstrado a verificação de um concreto e específico dano, algo que não logrou fazer. O nexo de causalidade não pode ser presumido: a Recorrida tinha o ónus de provar e, em qualquer caso, a Recorrente fez contraprova da existência de nexo causal. A presunção judicial em causa ultrapassou em moldes arbitrários a falta de prova sobre o nexo causal. - O Tribunal Recorrido faz uso de um juízo presuntivo para dar como provado mais um dos requisitos da responsabilidade civil, não tendo em conta aquilo que fora apresentado nos autos, desonerando a Recorrida daquilo que só a si incumbia provar. - Não estando o requisito do dano provado nos autos, não podia o Tribunal Recorrido socorrer-se de uma presunção judicial para, também por essa via, presumir um qualquer nexo causal. - Essa presunção de nexo causal não poderia existir atenta a factualidade presente nos autos. - Não se aplicando a presunção (nem legal, nem judicial) de existência de um nexo causal, cabia à Recorrida fazer a prova do mesmo - o que não logrou fazer, já que não identificou sequer qual o concreto facto ilícito que espoletou o dano por si alegadamente sofrido. - É evidente a fragilidade da identificação de um processo causal por parte do Tribunal Recorrido relativamente ao alegado sobrecusto suportado com a aquisição de cada um dos Veículos. - A prova testemunhal produzida nos autos, em particular os depoimentos prestados pelo Professor AA, BB e CC, não permite demonstrar a causalidade exigida de acordo com o “padrão probatório” relevante. - O Tribunal Recorrido desconsiderou que (i) pode ser cometida uma infração sem que haja qualquer efeito real nos preços pagos pelos consumidores; (ii) não há qualquer conclusão na Decisão de que a Infração no presente caso tenha efetivamente resultado em preços mais elevados; e (iii) ainda que, fosse possível que da Infração tenham resultado preços pagos pelos compradores a jusante mais elevados do que teria sido o caso na ausência da infração, também é possível que a infração não tenha tido tal efeito (conforme elucida o Relatório Oxera); ou (iv) tendo tido, esse sobrecusto sempre teria sido repercutido pela recorrida a jusante. O juízo de probabilidade aplicado pelo Tribunal Recorrido é manifestamente desadequado. - Falha o Tribunal Recorrido no dever de identificação, à luz de todo o processo causal, de qual o comportamento ou comportamentos que em concreto foram adequados a causar os danos alegados, em conformidade com o requerido pelo disposto no artigo 563.º do CC. Sem essa concretização, não é possível sequer identificar um processo causal), não sendo possível avaliar, logicamente, se o mesmo respeita o critério da causalidade adequada. - O juízo de probabilidade do Tribunal Recorrido assenta numa presunção judicial legalmente inadmissível que parte de factos não provados e raciocínios ilógicos. Assim, não era possível ao Tribunal formular uma qualquer presunção judicial de nexo causal entre a Infração e os putativos danos e, tendo-o feito, fica demonstrado (uma vez mais) que formulou uma presunção judicial em claro desrespeito pelos ditames legais. A presunção judicial de danos em resultado da Infração aplicada pelo Tribunal Recorrido parte de factos não provados e de raciocínios ilógicos. O Tribunal Recorrido assenta a presunção de danos num facto base – que não existe – de que a Infração em causa correspondia predominantemente a um acordo estável e permanente de preços entre as visadas da Decisão da Comissão. - A infração respeita predominantemente a trocas de informações sobre preços brutos de tabela – que, como ficou demonstrado nos presentes autos, não eram pagos por qualquer entidade em Portugal (incluindo a Recorrida) – e não predominantemente a um acordo estável e permanente de preços entre as visadas da Decisão da Comissão. - A Decisão (i) não demonstrou que quaisquer acordos (pontuais) tenham sido efetivamente implementados ou tenham produzido efeitos restritivos para a concorrência no EEE ou em Portugal; (ii) não considerou quaisquer efeitos da conduta; (iii) não determinou, de modo algum, que tenha havido uma fixação generalizada dos preços de venda a final dos camiões em geral; (iii) nem que as visadas tenham acordado, mesmo que ocasionalmente, preços líquidos -244 i.e., preços já com descontos pagos por importadores ou distribuidores e, posteriormente, por clientes - em Portugal. - O Acórdão Recorrido viola o direito probatório material, concretamente o artigo 349.º CC, pois que a presunção aplicada partiu de factos não provados, o que impõe que o Acórdão Recorrido seja revogado nessa parte. Não resulta da Decisão que a infração tenha resultado em danos ou sequer em efeitos anticoncorrenciais - O Tribunal Recorrido não apresenta sustento argumentativo para poder afirmar com segurança que da concreta conduta imputada à recorrente se poderiam presumir efeitos anticoncorrenciais e, em específico, danos para a recorrida. - O conceito de infração única e continuada não é transponível para uma ação de indemnização. - No âmbito da aplicação privada das regras de concorrência, uma remissão para uma Decisão reveste-se de pouca utilidade na presente ação, na medida em que não permite identificar a concreta conduta que terá gerado o pretenso dano causado a um suposto lesado. - A Decisão não conheceu da existência de efeitos ou de danos decorrentes da infração. A Comissão não estudou nem apurou quaisquer efeitos anticoncorrenciais decorrentes da infração imputada à recorrente, não identificou efeitos nos mercados a jusante (de distribuição retalhista de camiões médios e pesados) em Portugal ou em qualquer outro país, e muito menos concluiu pela verificação de danos causados à recorrida. - A Comissão não apresentou dados que sejam minimamente indiciadores de impactos negativos das condutas em causa no mercado. - Mal andou o Tribunal Recorrido ao presumir que a conduta atribuída à Recorrente gerou danos na esfera jurídica da recorrida. - Da conduta atribuída à recorrente não se permite qualquer demonstração (ou presunção) da causalidade entre o facto ilícito e o dano alegadamente sofrido pela Recorrida. Em Decisão, para. 51. nenhum momento nela se conclui que a conduta em questão produziu efeitos restritivos no mercado ou, mais longinquamente ainda, que a conduta produziu danos na esfera jurídica da Recorrida. - As conclusões retiradas pelo Tribunal Recorrido sem mais da conduta atribuída à Recorrente quanto aos seus efeitos (e a repercussão desses efeitos até ao comprador indireto) consubstancia um raciocínio evidentemente ilógico (rectius, um salto ilógico no desconhecido, dando por adquirido aquilo que não é suportável face à realidade). A relação que o Tribunal Recorrido estabelece entre algumas características da infração e os resultados alegadamente obtidos pela mesma é também ilógica - O Tribunal Recorrido estabelece um juízo presuntivo ilógico entre, por um lado, (i) o tempo que a Infração durou, (ii) a dimensão das empresas envolvidas e o seu peso no mercado, (iii) o nível de coordenação entre as empresas visadas, (iv) a relação entre os preços brutos e preços líquidos e, por outro, os danos sofridos pela Recorrida em resultado da infração – sendo este juízo presuntivo evidentemente ilógico, não tendo qualquer respaldo na Decisão nem na realidade económica em causa. - Revelam-se estas hipóteses especialmente remotas quando consideradas as características concorrenciais no mercado dos camiões, que não eram propícias à sustentação de um equilíbrio colusivo e ao aumento dos preços e, bem assim, a prova apresentada nos autos no que respeita ao processo de formação de preços da Recorrente e a relação entre os seus preços brutos e líquidos. - A duração da Infração não deverá consubstanciar um qualquer indício sobre a existência ou não de efeitos anticoncorrenciais ou, ainda mais remotamente, de danos daquela decorrentes. O facto de a Infração ter durado 14 anos não permite per se inferir aexistência de um sobrecusto suportado pela Recorrida com a aquisição dos camiões dos autos. - A presunção de danos, como apresentada pelo Tribunal Recorrido, esquece um conjunto de aspetos da realidade económica em causa, que fazem claramente duvidar da possibilidade de se retirar da Infração a existência de danos sofridos pela Recorrida, nomeadamente: a. A natureza e função dos preços brutos de tabela; b. Os níveis de descontos aplicados ao longo da cadeia de distribuição variarem entre si e a Renault Trucks Portugal, Lisboa e Porto deterem um grau de discricionariedade na definição deste desconto em cada transação; c. O mercado dos camiões pesados ser caracterizado por uma concorrência intensa entre fabricantes, mesmo durante o período da Infração; d. Os camiões serem produtos complexos e altamente heterogéneos com características técnicas específicas; e. A própria cadeia de distribuição e comercialização dos camiões Renault, durante o período da Infração, corroborar que a Infração não era apta a produzir, de forma automática, os danos alegadamente sofridos pela recorrida em resultado da Infração. O Guia Prático da Comissão e os resultados do Relatório Oxera de 2009 não permitem a criação de uma presunção de danos - O Tribunal Recorrido assenta o seu juízo presuntivo em documentos – Guia Prático e Relatório Oxera de 2009 – fazendo, no entanto, uma leitura míope dos mesmos. - Isto porque, mesmo que os documentos mencionem que é mais provável que possa existir danos de uma prática de cartel, são também os mesmos documentos que recusam a utilização destes dados probabilísticos aí presentes da forma como foram pelo Tribunal Recorrido, o que faz com que este raciocínio do Acórdão Recorrido tenha de ser rejeitado. A prova económica da Recorrente contraria a tese da existência de danos - Se o Tribunal Recorrido tivesse tomado em devida consideração a prova produzida pela Recorrente (nomeadamente, o Relatório RT e o depoimento do Professor DD), em vez de a descartar sem mais (depois de lhe reconhecer valor), nunca teria concluído por uma presunção de danos. - É que as críticas assacadas ao Relatório RT pelo Acórdão Recorrido, que encontra fragilidades no Relatório RT tanto na abrangência dos dados no período da Infração, como na abrangência dos dados no período pós-Infração, não têm a mínima razão de ser. - O Relatório RT cobre suficientemente tanto o período da Infração como o período pós Infração, o que permite, com a devida segurança, atestar a robustez deste Relatório e da sua conclusão de ausência de sobrecusto. - À luz da compreensão, por parte do Acórdão Recorrido, quanto à falta de dados, não se percebe que o Tribunal Recorrido assevere que o Professor Ricardo Gonçalves não explicou, de forma suficiente e cabal, a razão pela qual a existência de um sobrecusto no período inicial da Infração não era um resultado relativamente ao qual houvesse indícios consonantes. - Por outro lado, o Acórdão Recorrido afirma que nos anos pós-Infração ocorreu uma série de fenómenos que fizeram que pelo menos uma parte deste período (nomeadamente 2013 e partes de 2012 e 2014) não seja comparável ao período da Infração, o que afetaria a fiabilidade da conclusão do Relatório RT pela inexistência de sobrecusto por decorrência da Infração. - Mas a verdade é que o Relatório RT permite explicar, devido às variáveis económicas de que faz uso, a evolução dos preços líquidos no período de 2012 a 2014, nomeadamente pelo controlo da evolução dos custos de produção e pela evolução da procura de camiões em Portugal nesse período, de forma a assegurar a comparabilidade com o período da infração. - Assim, facilmente se constata que não têm razão de ser as limitações apontadas pelo Acórdão Recorrido ao Relatório RT, resultando estas de uma leitura parcial e superficial do Relatório em questão – em especial quanto ao poder explicativo das variáveis ora apresentadas, já que, ao contrário do que é afirmado pelo Acórdão Recorrido, essas variáveis permitem compreender/explicar o nível dos preços líquidos praticados em todo o período observado e, logicamente, também nos anos de 2012 a 2014. - O que significa que o período pós-Infração – de pouco menos de 4 anos – serve claramente para a comparação com o período da Infração, ao contrário do que defende o Acórdão Recorrido, e, como tal, a conclusão a que se chega no Relatório RT da inexistência de um sobrecusto é uma conclusão fiável. - Também não colhe a crítica de que estão ausentes do Relatório “análises detalhadas sobre a eventual relação entre preços brutos e líquidos”, uma vez que isto é apenas um reflexo lógico da realidade específica que estudou. - Se a recorrida reclama que pagou “efetivamente” preços mais altos do que seria suposto na ausência da Infração, e se o Relatório RT analisa esses preços líquidos/efetivamente pagos pelos clientes finais, deixa de haver qualquer necessidade de se estudar profusamente os respetivos preços brutos – que não foram pagos por nenhum cliente. - Porque apenas estudou preços brutos, essa crítica (de ter passado ao lado desse passo intermédio que seria estabelecer a conexão entre preços brutos e preços pagos pelos clientes) só pode ser (e foi pelo próprio Tribunal Recorrido) feita ao estudo da recorrida, e nunca ao da recorrente. - Caso a motivação do Acórdão Recorrido acerca do Relatório RT tivesse sido diferente (e, acrescente-se, correta), avaliando-se a real valência do mesmo para os presentes autos, isto sempre significaria que a presunção de danos em resultado da Infração, como definida pelo Acórdão Recorrido, não poderia valer. - Do exposto resulta patente no raciocínio empregado pelo Tribunal Recorrido uma insuficiência no fundamento cognoscitivo da regra de experiência, pelo que o Acórdão Recorrido viola o direito probatório material, concretamente o artigo 349.º CC, pois que a presunção extraída padece de evidente ilogicidade, o que impõe que o Acórdão Recorrido seja revogado também nesta parte. O Tribunal Recorrido converteu uma presunção judicial ilidível numa presunção judicial inilidível - O Tribunal Recorrido converteu uma presunção – que, pela sua natureza (judicial), sempre seria ilidível – numa presunção inilidível, o que, como se sabe, não é legalmente admissível. Fê-lo ao (i) basear a sua presunção de dano (e nexo causal) no pressuposto de que, baseando-se nas descrições da Decisão, a probabilidade de ter existido um efetivo aumento de preços brutos e líquidos, devido à Infração, era bastante mais provável do que a hipótese contrária, ainda que inexista uma demonstração sólida e indubitável de que a infração tenha tido efeitos no mercado e que tipo de efeitos foram esses; e (ii) ao desconsiderar o relatório económico apresentado pela recorrente, na medida em que, a conclusão nele apontada não pode ser aceite, devido à estreiteza dos dados, não só quanto ao período em que persistiu a infração, mas também no período pós-infração. - A abordagem adotada pelo Tribunal Recorrido viola os mais elementares direitos processuais da recorrente, em particular o seu direito de defesa, e abre portas a que todas as ações de responsabilidade civil estejam destinadas ao sucesso. Consequências da formulação legalmente inadmissível de presunção judicial de dano e de nexo de causalidade - O Tribunal Recorrido formulou presunções judiciais de forma inadmissível, tendo aplicado incorretamente as regras sobre a distribuição do ónus da prova, pois que erradamente aliviou a Recorrida do ónus que sobre ela impendia de demonstrar que a Infração lhe causou danos e qual extensão de tais danos. - Uma vez que tal ónus não foi cumprido, não restava outra alternativa que não revogar a Sentença Recorrida e substituí-la por uma outra que julgasse improcedente a pretensão indemnizatória da Recorrida, por não demonstração dos pressupostos legais de que a lei faz depender a atribuição de uma indemnização por responsabilidade civil por facto ilícito. Da inadmissibilidade do recurso à estimativa judicial Questão previa: é admissível ao Supremo Tribunal de Justiça conhecer da estimativa judicial aplicada pelo tribunal Recorrido a título de revista normal - A análise da estimativa judicial aplicada pelo Tribunal Recorrido é sindicável junto do Supremo Tribunal de Justiça pois (i) por um lado, a quantificação do dano situa-se no plano do Direito (na medida em que está na esfera do Supremo Tribunal de Justiça o controlo dos pressupostos e limites de que depende o recurso à estimativa judicial e porque o Tribunal que a ela recorre não deixa de ter de o fazer segundo um juízo de razoabilidade e proporcionalidade, critérios que configuram exigências de direito); e (ii) por outro lado, nem sequer se coloca um eventual problema de dupla conforme pois esta questão coloca-se ex novo com o Acórdão Recorrido, razão pela qual o recurso de revista normal também a este nível é naturalmente admissível. - É, na verdade, este o entendimento veiculado na nossa Doutrina e Jurisprudência, sendo certo que também o Tribunal Recorrido reconhece que a estimativa judicial se encontra, relativamente à questão da quantificação do dano, num plano jurídico. Não estão preenchidos os requisitos para o recurso à estimativa judicial - O Tribunal Recorrido recorreu à estimativa judicial sem que se encontrassem preenchidos os requisitos para a sua aplicação. - O Tribunal Recorrido deu como provada a existência de dano com base numa presunção judicial ilógica e inválida. Portanto, não estando a existência do dano validamente estabelecida, o recurso à estimativa judicial revela-se, também e necessariamente, inválido. - O Tribunal Recorrido incorreu em contradição, entre, por um lado, a análise que fez dos relatórios económicos das Partes e, por outro, a conclusão de que, “apesar de todo o debate contraditório encetado pelas partes sobre a quantificação do dano”, o caso sub judice é um caso marcado por uma “quase impossibilidade ou uma excessiva dificuldade na quantificação exata do dano”. - O Tribunal Recorrido ultrapassou os limites que lhe permitiriam recorrer à estimativa judicial. E que, ao fazê-lo, violou também o Direito da União Europeia, desrespeitando a Diretiva (e a respetiva lei de transposição), bem como a jurisprudência do TJUE, que clarificou quaisquer dúvidas que porventura pudessem subsistir. Antes se lhe impunha ter simplesmente aplicado as regras de distribuição do ónus da prova. Esta aplicação levaria à inevitável conclusão de que os factos alegados pela recorrida no que diz respeito à quantificação do alegado dano não foram por esta provados, o que inviabilizaria concluir pela condenação da Recorrente no pagamento de uma indemnização. - O Tribunal Recorrido também não aplicou corretamente o requisito para o recurso a uma estimativa judicial do quantum do alegado dano que exige que seja, no caso concreto, “na prática, impossível ou excessivamente difícil [quantificar o alegado dano] com precisão”. - O Tribunal Recorrido não considerou determinados parâmetros que estava obrigado a tomar em conta, não avaliou de forma exaustiva, como lhe era exigido, se a Recorrida tinha esgotado todos os mecanismos conferidos pelo legislador da União para sanar quaisquer eventuais assimetrias de informação entre a Recorrida e a Recorrente. - O Tribunal Recorrido não avaliou devidamente se a hipótese de a impossibilidade prática de computar o dano resultava da inação da Recorrida, caso em que “não [caberia] ao juiz nacional substituir-se [à parte demandante] nem colmatar as suas falhas”. - A Recorrida não procurou quantificar o dano de forma exata recorrendo aos mecanismos para o efeito previstos na Diretiva e na LPE, o Tribunal Recorrido não estava, também por esta razão, habilitado a recorrer a uma estimativa judicial. - As características da Infração, como apontadas pelo Tribunal Recorrido, no sentido de supostamente gerarem dificuldades, não preenchem o critério da impossibilidade prática ou excessiva dificuldade. Nenhuma das supostas dificuldades genéricas mencionadas pelo Tribunal Recorrido é suficientemente específica e particularmente importante para poder levar legitimamente à conclusão de que se encontra preenchido o requisito da impossibilidade prática ou da excessiva dificuldade. - A Recorrida não logrou quantificar o alegado dano, não porque essa quantificação era praticamente impossível ou excessivamente difícil, mas porque a Recorrida não foi, efetivamente, diligente na tentativa de quantificar o alegado dano. - Para além disso, o Tribunal Recorrido identificou uma série de deficiências (que eram supríveis) ao Relatório Cerejeira, como tal, poderiam ter sido a priori ultrapassadas de forma a permitir uma quantificação, nomeadamente: (i) a opacidade quanto ao tratamento de dados; (ii) a utilização de um mercado de comparação inadequado; (iii) o uso do deflator do PIB; (iv) a ausência de controlo da complexidade e da diversidade nas características dos veículos; e (v) a ausência de controlo dos efeitos da crise financeira a partir de 2008. vide: Processo C-312/21, Tráficos Manuel Ferrer, ECLI:EU:C:2023:99, para. 65. Processo C-312/21, Tráficos Manuel Ferrer, ECLI:EU:C:2023:99, para. 57. - É juridicamente errado recorrer-se a uma estimativa judicial, visto que “na hipótese de a impossibilidade prática de avaliar o dano resultar da inação do demandante, não cabe ao juiz nacional substituir‑se a este último nem colmatar as suas falhas”. O Tribunal Recorrido deveria ao invés ter considerado se havia provas suficientes dos danos alegadamente sofridos e, caso não houvesse, recusar a atribuição de qualquer indemnização. Consequências do recurso a uma estimativa judicial legalmente inadmissível - Uma vez que os requisitos para o recurso a uma estimativa judicial quer por via do artigo 9.º, n.º 2 da LPE (lei especial), quer pela via do artigo 566.º, n.º 3 do CC, não estavam preenchidos, o Tribunal Recorrido deveria ter decidido o caso através da aplicação ao caso concreto das regras sobre distribuição do ónus da prova e sobre os standards probatórios exigíveis neste âmbito, não restando outra solução ao Tribunal Recorrido que não fosse a absolvição da Recorrente do pedido. - De acordo com os artigos 342.º e 483.º do CC, 5.º e 414.º do CPC , era à recorrida que cabia alegar e provar os factos demonstrativos do preenchimento de cada um dos pressupostos legais de que a depende a responsabilidade civil por facto ilícito: o facto ilícito, a culpa e o dano, bem como o nexo causal entre o facto e o dano, em concreto, a Recorrida estaria sempre onerada com a demonstração de que a Infração lhe causou um dano concreto e o respetivo quantum, sendo que a prova económica que apresentou não foi suficiente para cumprir o standard de prova exigido nesta sede. - Contudo, o Tribunal Recorrido ignorou as regras e exigiu standards probatórios diferentes à recorrida e à recorrente, em violação das disposições contidas nos artigos 341.º a 396.º e 483.º a 498.º do CC e 414.º do CPC, fazendo tábua rasa do direito aplicável aos presentes factos e votando a Recorrente a um desfavorecimento processual e substantivo, em clara violação do princípio da igualdade de armas estatuído nos artigos 13.º e 20.º da CRP, o que não pode ser admitido. - O Acórdão Recorrido deve ser revogado e substituído por outro que aplique corretamente as regras sobre distribuição do ónus da prova e, consequentemente, absolva a Recorrente dos pedidos contra si formulados. Subsidiariamente, da inadmissibilidade da estimativa do quantum em 5% - Considerando-se admissível o recurso à estimativa judicial pelo Tribunal Recorrido, para determinação do quantum – no que não se concede - sempre se concluirá que a estimativa 248 Processo C-312/21, Tráficos Manuel Ferrer, ECLI:EU:C:2023:99, para. 57 (ênfase nosso) de 5% corresponde a um valor do quantum do dano arbitrário e, por isso, inadmissível. Questão previa: a determinação do quantum é um julgamento de direito - O valor de indemnização fruto de um juízo de equidade configura matéria de direito, a qual pode e deve ser apreciada pelo Supremo Tribunal de Justiça em sede de revista, sendo certo que a equidade tem de obedecer a um princípio de justiça, igualdade e proporcionalidade e tem ainda como limite as regras de ónus de prova, não podendo ser meio de substituição à prova que incumbia à parte fazer. Da intransponibilidade de decisões estrangeiras para o ordenamento jurídico português Sem prejuízo das razões já avançadas quanto à impossibilidade do uso, neste caso, de um estimativa judicial, note-se que o Tribunal Recorrido se limita a reproduzir, sem quaisquer razões para tal, o valor da estimativa alcançada por jurisprudência (não estabilizada) espanhola e britânica com o intuito de aplicar as respetivas soluções (que consistem numa presunção judicial de 5% de sobrecusto) ao caso em apreço, em vez de ter chegado a um valor de estimativa informado pela prova produzida nos autos. - Pelo que a estimativa a que chegou o Tribunal Recorrido é arbitrária e juridicamente inadmissível. - Essas decisões estrangeiras não gozam de uma presunção de justeza porque ainda podem ser revertidas, padecendo de fragilidades inultrapassáveis que nunca seriam admissíveis no nosso ordenamento jurídico. - Por outro lado, tais arestos nunca poderiam ser mobilizados para se decidir a causa sub judice também porque assentam em factos, prova produzida, regras de direito e sistemas jurídicos completamente diferentes. - O Tribunal Recorrido pareceu procurar justificar tal solução dizendo que se trata da mesma infração e que a aplicação do Direito da União Europeia é comum aos três países. - No entanto, o Tribunal Recorrido deu mais importância a essas duas similitudes genéricas e irrelevantes entre os casos do que às significativas e profundas diferenças materiais que os separam, tanto no domínio dos factos como no domínio do direito aplicável em sede de responsabilidade civil extracontratual. - Mas o Tribunal Recorrido limitou-se a usar, de forma automática e acrítica, as soluções alcançadas nessas decisões, dizendo que o “valor de 5% apresenta-se como prudente e razoável”, mas sem avançar qualquer tipo de fundamentação ou justificação para tal, razão pela qual essa estimativa só pode ser considerada arbitrária. - Qualquer estimativa judicial de sobrecusto no caso sub judice (no que, novamente, não se concede) devia basear-se na prova produzida nos presentes autos, o que resultaria num valor bem mais próximo de 0% do que do valor de 5% a que o Tribunal Recorrido chegou pelo decalque de decisões que nenhumas relevâncias têm para o caso sub judice. A repercussão do alegado sobrecusto deveria ter sido computada na estimativa judicial do dano - Caso o preço efetivamente pago pela recorrida com as aquisições de camiões Renault tivesse sido superior àquele que teria pago na ausência da Infração – no que não se concede – a recorrida não teria sofrido qualquer dano pois teria repercutido qualquer aumento de custos nos preços por si praticados pelos seus serviços - o Tribunal Recorrido admitiu a possibilidade de existência de tal repercussão, tal como advogado pela recorrente, podendo ser aqui aplicável o mecanismo da estimativa judicial previsto no artigo 9.º, n.º 2, da LPE para determinação de tal repercussão, como o próprio Tribunal recorrido admite. - A recorrente efetuou todos os esforços probatórios possíveis para quantificação da repercussão, mas deparou-se com uma impossibilidade prática e excessivamente difícil que impediu o exercício cabal do seu direito de defesa, porquanto os documentos relevantes para o efeito – a existirem – encontrar-se-iam exclusivamente na posse da Recorrida. Na prática, a prova da repercussão do dano alegado no caso concreto viu-se prejudicada pela ausência de documentos suficientes para essa determinação. - Perante tal impossibilidade, e partindo do pressuposto de que a recorrida sofreu o alegado dano, o Tribunal Recorrido deveria ter feito uso da estimativa judicial para o cálculo da medida da repercussão, à semelhança do que sucedeu com a quantificação do dano alegado pela recorrida, aplicando o raciocínio vertido no Acórdão Tráficos Manuel Ferrer. Mas não o fez e, por isso, o Tribunal Recorrido acabou por aplicar medidas distintas a realidades semelhantes, desfavorecendo injustificadamente a Recorrente, numa verdadeira dualidade de critérios, a qual não é admissível por constituir uma ofensa ao princípio da igualdade das partes estatuído nos artigos 13.º e 20.º da CRP, além de permitir a atribuição de uma sobrecompensação à Recorrida, algo que o sistema de responsabilidade civil português, de natureza ressarcitória, simplesmente não admite. - O Tribunal Recorrido devia ter reduzido a percentagem atribuída a título de danos (5%) por forma a refletir a medida da repercussão, o que se aproximaria de um cenário de 0%, senão mesmo de 0%. Assim, não podia o Tribunal Recorrido ter chegado a um quantum do dano no valor de 5%. - No entanto, tal não sucedeu, razão pela qual deve o Acórdão Recorrido ser revogado e substituído por outro que efetue a devida quantificação da medida da repercussão do putativo dano, nos termos legalmente previstos. Normas violadas pelo acórdão recorrido e inconstitucionalidade da sua interpretação - O Acórdão Recorrido padece de vícios de inconstitucionalidade já apontados à decisão de primeira instância devido à interpretação que faz do artigo 9.º, n.º 1 da LPE (mas também, em conexão com este, o artigo 3.º, n.º 1 da LPE). - Em concreto, o Acórdão Recorrido sustenta normativamente uma interpretação do artigo 3.º, n.º 1, e do artigo 9.º, n.º 1, da LPE, segundo a qual da verificação em abstrato de danos por infração do direito da concorrência decorrem forçosamente quer a presunção judicial de danos – que o mesmo Tribunal considera de impossível quantificação -, quer a presunção do respetivo nexo de causalidade entre a Infração e os danos invocados. - Os vícios de inconstitucionalidade decorrem, fundamentalmente, do facto de a conclusão pela responsabilidade civil extracontratual da Recorrente, baseando-se numa presunção judicial que se revela, em termos práticos, inilidível, – obstáculo que não é alheio ao facto de o Tribunal Recorrido confirmar a dificuldade e complexidade da prova em contrário, – afetar princípios e direitos constitucionalmente protegidos da Recorrente. - Em causa está a interpretação da norma do artigo 3.º, n.º 1 e da norma do artigo 9.º, n.º 1 e n.º 2, ambos da LPE, que é inconstitucional em três vertentes: a. Por violação do princípio do Estado de Direito do artigo 2.º da CRP, quando interpretadas – ainda que implicitamente - no sentido de a simples constatação de uma infração ao direito da concorrência permitir uma presunção judicial de danos – uma presunção, na prática, inilidível, porquanto relativamente a todos os cartéis a prova em contrário será sempre tida como impossível -, bem como na presunção do referido nexo de causalidade entre a Infração e os danos para efeitos de determinação da responsabilidade extracontratual. b. Por violação do princípio da proporcionalidade em sentido lato previsto no artigo 2.º e no artigo 18.º da CRP, quando interpretada no sentido de a mera existência de uma infração objeto de decisão da Comissão contra uma qualquer pessoa jurídica implicar uma presunção judicial de danos contra os quais a prova é considerada impossível e cujo quantum é, paradoxalmente, tido como não quantificável, bem como a presunção do nexo de causalidade entre a infração cometida e os mesmos danos. c. Por violação do princípio da igualdade previsto no artigo 13.º da CRP e do princípio da igualdade de armas consagrado no artigo 20.º da CRP, quando interpretada no sentido de a mera existência de uma infração objeto de decisão da Comissão em que seja visada uma pessoa jurídica fazer presumir, necessária e sequencialmente, os danos e o nexo de causalidade, afirmando-se a prova em contrário como de impossível verificação, determinando-se assim uma obrigação de indemnizar mediante parâmetros normativos diferenciados dos previstos no artigo 483.º do CC. - A interpretação aludida é ainda violadora do direito de propriedade previsto no artigo 62.º, n.º 1 da CRP, dado que a interpretação perfilhada pelo Acórdão Recorrido dos normativos supra indicados, no sentido de que os danos resultantes de infrações por cartel ao direito da concorrência devem ser objeto de presunção judicial a partir da mera constatação do ilícito anticoncorrencial, considerando-se, em paralelo, de “impossível” realização “a prova da hipótese contrária”, consubstancia a criação, por via judicial, de um tipo de responsabilidade indemnizatória assente numa presunção de danos não afastáveis por prova em contrário, que é lesiva do direito de propriedade da Recorrente – como de qualquer outra pessoa jurídica colocada na mesma situação da Recorrente. Nestes termos, e nos demais de Direito que V. Exas. doutamente suprirão, deve o presente Recurso de Revista ser admitido e considerado procedente, nos termos expostos supra e, em consequência: Ser o Acórdão Recorrido revogado e substituído por outro, nos termos do qual se absolva a Recorrente de todos os pedidos contra si formulados. V. Da admissibilidade dos recursos/revistas a) Recurso da autora/A Tendo em conta o valor da causa, a legitimidade da recorrente e o teor do acórdão recorrido, conclui-se pela admissibilidade do presente recurso de revista, nos termos do disposto nos artigos 629.º, n.º 1, 631.º, n.º 1, 638.º, n.º 1, 671.º, n.º 1, 675.º, n.º 1 e 676.º, todos do Código de Processo Civil. b) Recurso da ré/R No que concerne ao recurso da R, importa analisar a questão prévia da admissibilidade do recurso de revista (ordinário), atendendo ao teor da decisão do acórdão do Tribunal da Relação, que deu parcial provimento à sua pretensão aduzida no recurso de apelação. De acordo com o art. 671.º, n.º 3, do CPC, “sem prejuízo dos casos em que o recurso é sempre admissível, não é admitida revista do acórdão da Relação que confirme, sem voto de vencido e sem fundamentação essencialmente diferente, a decisão proferida na 1.ª instância, salvo nos casos previstos no artigo seguinte.” Este preceito, introduzido com o objetivo de racionalizar o acesso ao Supremo Tribunal de Justiça e de reforçar as suas funções de orientação e uniformização da jurisprudência, consagra a regra da chamada “dupla conforme”, que torna inadmissível o recurso do acórdão do Tribunal da Relação que confirme, sem voto de vencido e sem fundamentação essencialmente diferente, a decisão proferida no Tribunal de 1ª Instância. Conforme a jurisprudência consolidada do Supremo Tribunal de Justiça, o conceito de fundamentação essencialmente diferente não se basta com qualquer modificação ou alteração da fundamentação no iter jurídico que suporta o acórdão do Tribunal da Relação em confronto com a sentença de 1.ª Instância, sendo antes indispensável que, naquele aresto, ocorra uma diversidade estrutural e substancialmente diferente no plano da subsunção do enquadramento normativo da mesma matéria litigiosa1. Neste sentido, se pronuncia Abrantes Geraldes, defendendo que “a alusão à natureza essencial da diversidade da fundamentação claramente nos induz a desconsiderar, para o mesmo efeito, discrepâncias marginais, secundárias, periféricas, que não representa, efetivamente um percurso jurídico diverso. O mesmo se diga quando a diversidade de fundamentação se traduza apenas na recusa, pela Relação, de uma das vias trilhadas para atingir o mesmo resultado ou, do lado inverso, no aditamento de outro fundamento jurídico que não tenha sido considerado ou que não tenha sido admitido, ou no reforço da decisão recorrida através do recurso a outros argumentos, sem pôr em causa a fundamentação usada pelo tribunal de 1.ª instância”2. Nesta medida, estaremos perante uma fundamentação essencial diversa “quando a solução jurídica do pleito prevalecente na Relação tenha assentado, de modo radicalmente ou profundamente inovatório, em normas, interpretações normativas ou institutos jurídicos perfeitamente diversos e autónomos dos que haviam justificado e fundamentado a decisão proferida na sentença apelada – ou seja, quando tal acórdão se estribe decisivamente no inovatório apelo a um enquadramento jurídico perfeitamente diverso e radicalmente diferenciado daquele em que assentara a sentença proferida em 1ª instância” (acórdão do STJ de 19-02-20153) Assim, “para efeitos de descaracterização da dupla conforme nos termos do n.º 3 do art. 671.º do CPC, verifica-se fundamentação essencialmente diferente quando o acórdão da Relação, embora confirmativo da decisão da 1.ª instância, sem vencimento, o faça com base em fundamento de tal modo diferente que possa implicar um alcance do caso julgado material diferenciado do que viesse a ser obtido por via da decisão recorrida” (acórdão do STJ de 27-04-20174) - Que dizer? O recorrente pretende, nesta sede, a reapreciação de várias questões, todas elas conexas com a mesma problemática: a quantificação dos danos levada a cabo pelo acórdão recorrido com recurso a estimativa ou presunção judicial, invocando a violação das regras de distribuição de ónus da prova e a ilogicidade do juízo presuntivo aí delineado. No que respeita a esta concreta temática, pese embora a decisão recorrida seja mais favorável à ré, ora recorrente, sem que exista voto de vencido, é inequívoco que o acórdão do Tribunal da Relação recorre a fundamentação de facto (mediante a alteração feita ao facto descrito em 32.) e de direito essencialmente diferente (designadamente no âmbito do percurso presuntivo que elabora a propósito da quantificação do dano – sobrecusto - ocorrido na esfera jurídica da autora), circunstância que descaracteriza a dupla conformidade decisória. Assim e verificados que estão os demais pressupostos gerais de admissibilidade, admite-se também o recurso/revista apresentado pela R. A) APRECIANDO E DECIDINDO Thema decidendum - Em função das conclusões dos recursos, são estas as questões a dirimir: a) Do recurso apresentado pela A; 1. Saber se deve ser reconhecido à autora o direito de obter uma compensação económica autónoma pelo dano emergente da depreciação do valor da moeda (“dano da desvalorização monetária”), devida pelo tempo decorrido entre a data da produção do dano e a data da decisão que ordenou a reparação do mesmo. 2. Saber se a “estimativa judicial” do sobrecusto efetuada no acórdão recorrido é desproporcional ao efetivo dano sofrido pela Autora e ao benefício alcançado pela Ré com a prática infratora. b) Do recurso apresentado pela R; 1. Saber se é legalmente inadmissível a aplicação por parte do tribunal recorrido de juízo presuntivo quanto à existência de danos e nexo de causalidade por violação das regras de distribuição do ónus da prova. 2. Aferir da ilogicidade do referido juízo presuntivo. 3. Saber se o critério judicial utilizado pelo tribunal recorrido para apurar o quantum indemnizatório se mostra em conformidade com a lei e a constituição. B) DOS FACTOS Atendendo aos elementos dos autos e tendo em consideração a decisão do acórdão do Tribunal da Relação sobre a impugnação da matéria de facto, são os seguintes os factos provados: - Da Decisão da Comissão Europeia datada de 19.07.2016 – Processo AT.39824 — Camiões: 1. No dia 18.01.2011, a Comissão, no âmbito do processo com a referência CASE AT.39824 Trucks (PROCESSO AT.39824 Camiões), ao abrigo do disposto no artigo 101.º do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia (TFUE) e do disposto no artigo 53.º do Acordo sobre o Espaço Económico Europeu (Acordo EEE), iniciou uma investigação ao mercado de produção de veículos pesados de mercadorias. 2. A decisão da Comissão em dar início a tal investigação assentou num pedido de imunidade apresentado pela Man à Direcção-Geral da Concorrência no dia 20.09.2010, nos termos do disposto no ponto 14 da Comunicação da Comissão relativa à imunidade em matéria de coimas e à redução do seu montante nos processos relativos a cartéis, momento em que revelou a sua participação num alegado cartel de camiões que afetava o mercado único europeu. 3. Sendo que, conforme exigem os pontos 8 e 9 da mesma Comunicação, a Man, imediatamente, forneceu informações e elementos de prova que permitiram à Comissão efetuar uma inspeção direcionada à (in)existência do cartel denunciado. 4. Tal qual a Man, a Volvo/Renault, a 28.01.2011, também apresentou pedido de imunidade e, bem assim, o fez a Daimler, a 10.02.2011 e a Iveco e a Fiat, a 10.02.2011, todas assumindo o compromisso de colaborar com a Comissão na descoberta da verdade. 5. A investigação começou pela realização de uma série de inspeções surpresa às instalações das fabricantes, entre 18.01.2011 e 21.01.2011. 6. No dia 20.11.2014, a Comissão deu início a um processo, nos termos do disposto no artigo 11.º, n.º 6 do Regulamento (CE) n.º 1/2003, contra a DAF, a DAIMLER, a IVECO, a MAN, a VOLVO e a RENAULT e adotou uma comunicação de objeções, a qual foi notificada a estas entidades. 7. Após a adoção da comunicação de objeções, as referidas empresas contactaram informalmente a Comissão e solicitaram que o processo prosseguisse no âmbito do procedimento de transação. 8. Após as destinatárias terem confirmado a sua disponibilidade para participarem em conversações de transação, a Comissão decidiu iniciar procedimentos de transação para o processo em causa. 9. Posteriormente, a MAN, a DAF, a DAIMLER, a VOLVO, a RENAULT e a IVECO apresentaram à Comissão o seu pedido formal de transação, nos termos do disposto no artigo 10.º-A, n.º 2 do Regulamento (CE) n.º 773/2004 da Comissão. 10. Em 18.07.2016, o Comité Consultivo em matéria de acordos, decisões, práticas concertadas e de posições dominantes emitiu um parecer favorável. 11. Tendo a Comissão Europeia adotado a Decisão datada de 19.07.2016 – Processo AT.39824 — Camiões e publicada no mesmo dia, com o conteúdo constante do documento n.º 1 junto com a petição inicial que aqui se considera integralmente reproduzido. 12. Nessa sede, foi consignado o seguinte, em sede de “Introdução”: “(1) A presente Decisão é relativa a uma infração única e continuada do Artigo 101.º do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia ("TFUE") e do Artigo 53.º do Acordo sobre o Espaço Económico Europeu ("Acordo EEE"). “(2) A infração consistiu em acordos colusórios relativos aos preços e aos aumentos do preço bruto no EEE dos camiões de média tonelagem e pesados; e na temporização e a transmissão dos custos relativos à introdução das tecnologias de emissões para camiões e média tonelagem e pesados conforme exigido pelas normas EURO 3 a 6. A infração abrangeu todo o EEE e decorreu entre 17 de Janeiro de 1997 e 18 de Janeiro de 2011. “(3) Os factos descritos na presente Decisão foram aceites pela MAN, Daimler, Iveco, Volvo e DAF (os "Destinatários") no procedimento de resolução.(…)” 13. Foram identificados os seguintes “produtos sujeitos ao processo”: “(5) Os produtos relacionados com a infração são camiões com um peso situado entre as 6 e as 16 toneladas ("camiões de média tonelagem") e camiões com um peso superior a 16 toneladas ("camiões pesados"), tanto na forma de camiões rígidos como de camiões tractores de semi-reboque (doravante, os camiões de média tonelagem e pesados são designados colectivamente por "Camiões")” (excluindo camiões para utilização militar.). O processo não diz respeito aos serviços pós-venda, outros serviços e garantias para camiões, venda de camiões usados ou quaisquer outros bens ou serviços vendidos pelos destinatários da presente Decisão”; 14. Os “Destinatários da Decisão” foram identificados como sendo os seguintes: “(6) Participaram na infracção as empresas que correspondem às entidades jurídicas indicadas nas secções 2.2.1 a 2.2.5 (designadas colectivamente por "Destinatários"). MAN (7) A MAN (as MAN SE e as suas filiais são designadas colectivamente por "MAN") (…) “1.2.2. Daimler (…) “1.2.3. Iveco “(13) A Iveco (a CNH Industrial e a Fiat Chrysler Automobiles N.V. e as respectivas filiais activas na produção, financiamento e comercialização de camiões Iveco são designadas colectivamente por "Iveco") (…)” “1.2.4. Volvo/Renault “(17) A Volvo/Renault (Aktiebolaget Volvo (publ), designada por "AB Volvo", e as suas filiais são doravante designadas colectivamente por "Volvo" ou "Volvo/Renault") é a empresa-mãe da Volvo Lastvagnar AB (designada doravante por "Volvo HQ") e da Renault Trucks SAS (designada doravante por "Renault HQ", Renault Trucks SAS e as suas filiai são designadas colectivamente por ''Renault''). (18) A AB Volvo e as suas filiais têm actividade na produção e comercialização de camiões, autocarros, equipamentos de construção, sistemas de transmissão para aplicações marítimas e industriais. Além disso, a AB Volvo também presta serviços financeiros. (19) As entidades jurídicas da Volvo/Renault que são responsáveis pela infracção são as seguintes: – AB Volvo (publ), com sede social em Gotemburgo, Suécia; – Volvo Lastvagnar AB, com sede social em Gotemburgo, Suécia; – Renault Truck SAS com sede social em Saint-Priest, França; – Volvo Group Trucks Central Europe GmbH (designada doravante por "Volvo DE") com sede social em Ismaning, Alemanha. Renault Trucks Deutschland GmbH (designada doravante por ''Renault DE''). Com efeitos a partir de 23 de Outubro de 2014, a Renault DE foi incorporada na Volvo DE. As actividades realizadas pela Renault até 23 de Outubro d 2014 foram assumidas e são agora realizadas pela Volvo DE. A entidade incorporad permanece activa com o nome Volvo Group Trucks Central Europe GmbH ("Volvo DE"). (…) 1.2.5. DAF (21) A DAF (a PACCAR Inc. e as suas filiais europeias ativas na produção, comercialização e financiamento de camiões são designadas por "DAF") (…).” 15. Em sede do item “Descrição do mercado dos camiões”, a Decisão fez constar, nomeadamente, o seguinte: “1.3.2. Estrutura da força de vendas: Todos os Destinatários têm filiais de comercialização nacionais nos principais países do mercado que normalmente importam os camiões. Todos os Destinatários vendem os seus produtos através de distribuidores e das respectivas redes de revendedores autorizados ou, em certos casos/regiões específicas, directamente aos principais clientes. Alguns dos distribuidores e revendedores são propriedade dos fabricantes de camiões como parte da respectiva organização de vendas, outros são independentes. 1.3.3. Características do mercado dos camiões (26) A procura de camiões é altamente cíclica. Enquanto os automóveis de passageiros são adquiridos por clientes particulares e comerciais, os camiões são adquiridos exclusivamente pelos clientes comerciais. Uma vez que os camiões são bens duradouros para utilização profissional, em muitos casos os clientes adiam o investimento na renovação da frota durante os períodos de crise económica, compensando essa falta de investimento quando se verifica uma maior prosperidade nos negócios. Os camiões não são produtos de base, mas são especificados de acordo com os requisitos individuais do cliente e são inerentemente complexos. Todos os Destinatários disponibilizam uma gama de camiões e centenas de opções e variantes diferentes. Além disso, a fiabilidade perceptível, o desempenho técnico, o consumo de combustível, os custos de manutenção e a imagem de marca desempenham um papel importante nas decisões de compra dos clientes. Outros aspectos importantes são a dimensão da rede de estações de serviço, os custos do serviço pós-venda, os custos operacionais, etc. 1.3.4. Mecanismos de fixação de preços e listas de preços brutos (27) De um modo geral, o mecanismo de atribuição de preços do sector dos camiões segue o mesmo processo para todos os Destinatários. Como acontece em muitos outros sectores, a atribuição de preços parte normalmente do preço de tabela bruto inicial estipulado pela Sede. Em seguida, são estipulados preços de transferência para a importação de camiões para os diferentes mercados através de empresas distribuidoras detidas a 100 % ou independentes. Além disso, existem também os preços que serão pagos pelos revendedores que operam nos mercados nacionais e os preços líquidos finais cobrados aos clientes. Estes preços líquidos finais cobrados aos clientes são negociados pelos revendedores ou pelos fabricantes nos casos em que estes vendem directamente aos revendedores ou aos clientes de frota. Os preços líquidos finais cobrados aos clientes reflectem descontos substanciais sobre o preço de tabela bruto inicial. Nem todos os procedimentos são sempre seguidos, uma vez que os fabricantes também vendem directamente aos revendedores ou aos clientes de frota. (28) No que diz respeito às listas de preços brutos iniciais dos novos camiões, à excepção da Iveco, todos os Destinatários aplicaram uma tabela de preços brutos com preços de tabela brutos harmonizados em todo o EEE. A Renault introduziu as listas de preços para o EEE em 2000, mas demorou algum tempo a implementá-las (…). As listas de preços para o EEE continham os preços de todos os modelos de camiões e também todas as opções de instalação na fábrica que o respectivo fabricante oferecia. 1.3.5. Transparência no mercado dos camiões (29) O sector dos camiões é caracterizado por um elevado grau de transparência. Os Destinatários tiveram acesso a dados concorrencialmente relevantes, como os registos dos camiões através dos registos públicos. Além disso, os produtores de camiões e as respectivas empresas distribuidoras mantiveram uma troca regular de dados com diversas associações do sector. Nalgumas destas associações, verificou-se uma troca de dados sobre a recepção de encomendas e os períodos de entrega ou níveis de stock. Além disso, os Destinatários tiveram acesso a mais dados, em graus variáveis, através da apresentação espontânea, pelos clientes, das ofertas dos concorrentes com o objectivo de negociar os preços, e também através da metodologia do cliente mistério. (30) Por conseguinte, uma das incertezas que os Destinatários ainda tinham relativamente ao mercado dos camiões era o comportamento futuro dos produtores de camiões e, mais concretamente, as suas intenções no que diz respeito às alterações aos respectivos preços brutos e às tabelas de preços brutos.” 15.A Sob a epígrafe de “A investigação da Comissão”, foi consignado o seguinte: “(…) a MAN, DAF, Daimler, Volvo/Renault e Iveco (ou seja, os Destinatários) apresentaram à Comissão pedidos formais de transacção ao abrigo do n.º 2 da alínea a) do Artigo 10.º do Regulamento (CE) n.º 773/2004 (as "propostas de transacção"). A proposta de transacção de cada Destinatário continha: – um reconhecimento, em termos claros e inequívocos, da responsabilidade do Destinatário pela infracção descrita resumidamente quanto ao objecto, aos principais factos e à qualificação jurídica, incluindo a sua função e a duração da sua participação na infracção de acordo com os resultados das negociações conducentes à transacção” 16. No que toca à “Descrição da Conduta”, a Decisão fez consignar o seguinte, designadamente: “46) Todos os Destinatários trocaram tabelas de preço brutos e informações sobre preços brutos, e a maioria dos Destinatários (ver (48)) participou na troca de configuradores de camiões informatizados. Todos estes elementos constituíam informações sensíveis do ponto de vista comercial. Ao longo do tempo, os configuradores de camiões, que incluem os preços brutos detalhados de todos os modelos e opções, substituíram as tabelas de preços brutos tradicionais. Esta processo facilitou o cálculo do preço bruto de cada uma das possíveis configurações de camiões. A troca foi realizada ao nível multilateral e ao nível bilateral. (47) Na maioria dos casos, a informação sobre os preços brutos dos componentes de camiões não estava disponível publicamente e a informação que estava disponível publicamente não era tão detalhada e precisa como a informação que foi trocada entre os Destinatários e entre outras entidades. Com a troca da informação sobre os preços brutos e as tabelas de preços brutos actuais, juntamente com o recurso a outras informações sobre o mercado, os Destinatários conseguiram calcular melhor os preços líquidos actuais aproximados dos seus concorrentes – em função da qualidade das informações sobre o mercado que tinham à sua disposição. (48) Da mesma forma, a troca dos configuradores contribuiu para a comparação das próprias ofertas com as dos concorrentes, o que aumentou ainda mais a transparência do mercado. Concretamente, tornou-se possível compreender, com base nos configuradores dos camiões, quais eram os extras compatíveis com cada modelo de camião, e quais eram as opções que fariam parte do equipamento de série ou que seriam um extra. À excepção da DAF, todos os Destinatários tiveram acesso ao configurador de pelo menos um outro Destinatário. Alguns configuradores apenas concediam acesso a informações técnicas, como os portais dos fabricantes de carroçarias, e não incluíam quaisquer informações sobre preços.” 17. No que toca à “Natureza e âmbito da infracção”, a Decisão verteu o seguinte: “(49) Os contactos colusórios nos quais participaram os Destinatários no período de 1997 a 2010 ocorreram na forma de reuniões regulares nas instalações das associações industriais, em feiras comerciais, demonstrações de produtos pelos fabricantes ou reuniões entre concorrentes organizadas para o efeito da infracção. Também incluíram trocas regulares por correio electrónico e chamadas telefónicas. As sedes dos Destinatários (doravante: o Nível das Sedes) estiveram directamente envolvidas na negociação dos preços, dos aumentos dos preços e da introdução de novas normas de emissões até 2004. A partir, pelo menos, de Agosto de 2002, ocorreram negociações através de Filiais alemãs (doravante: o Nível Alemão) que, em graus variáveis, seguiam instruções das respectivas Sedes. (50) Entre os acordos colusórios, incluíram-se acordos e/ou práticas concertadas relativas à atribuição de preços e aos aumentos dos preços brutos para alinhar os preços brutos no EEE, e a temporização e a transmissão dos custos relativos à introdução das tecnologias de emissões exigidas pelas normas EURO 3 a 6. (51) Entre 1997 e até ao final de 2004, os Destinatários participaram em reuniões realizadas entre membros da direção superior de todas as Sedes (ver, por exemplo, (52)). Nestas reuniões, que ocorreram várias vezes por ano, os participantes discutiram e, em alguns casos, chegaram a acordo em relação aos aumentos dos respectivos preços brutos. Antes da introdução das tabelas de preços aplicáveis ao nível pan-europeu (EEE) (ver acima em (28)), os participantes discutiram os aumentos dos preços brutos, com a especificação da aplicação em todo o EEE dividido pelos principais mercados. Durante as reuniões bilaterais complementares em 1997 e 1998, além das habituais discussões pormenorizadas sobre os futuros aumentos dos preços brutos, os Destinatários relevantes trocaram informações sobre a harmonização das tabelas de preços brutos para o EEE. Em determinadas ocasiões, os participantes, incluindo representantes das Sedes de todos os Destinatários, discutiram também os preços líquidos para alguns países. (…) Além dos acordos relativos aos níveis dos aumentos dos preços, os participantes informaram-se regularmente uns aos outros sobre os aumentos planeados para os preços brutos. (…) Além das reuniões, houve trocas regulares de informações sensíveis do ponto de vista concorrencial por telefone e correio electrónico. (52) Os seguintes exemplos de reuniões ilustram a natureza das discussões, nomeadamente entre os Destinatários ao Nível das Sedes durante o período inicial da infracção. A 17 de janeiro de 1997, foi organizada uma reunião em Bruxelas. Participaram nesta reunião representantes das Sedes de todos os Destinatários. Os elementos de prova demonstram que foram discutidas as futuras alterações aos preços brutos de tabela. Durante uma reunião realizada a 6 de Abril de 1998 no contexto de uma reunião de uma associação industrial, na qual participaram representantes das Sedes de todos os Destinatários, os participantes coordenaram a introdução no mercado dos camiões que cumpriam a norma EURO 3. Concordaram não comercializar camiões em conformidade com a norma EURO 3 antes de ser obrigatório fazê-lo, e chegaram a acordo em relação a um intervalo de preço adicional para os camiões em conformidade com a norma EURO 3. Nas próximas alterações às tabelas de preços em euros, os elementos de prova demonstram também que todos os Destinatários estavam envolvidos em discussões relativas à utilização da introdução da moeda Euro para reduzir os descontos. As partes envolvidas constataram que a França tinha os preços mais baixos e concordaram que os preços praticados nesse país tinham de ser aumentados. (54) Após a introdução da moeda Euro e com a introdução de tabelas de preços pan- europeias (EEE) para quase todos os fabricantes (ver (28)), os Destinatários começaram sistematicamente a trocar os respectivos aumentos planeados para os preços brutos através das filiais alemãs (ver, por exemplo, (59)), enquanto os contactos ao nível dos membros da direcção superior das Sedes continuaram paralelamente entre 2002 e 2004. Por exemplo, durante uma reunião nos dias 10 e 11 de Abril de 2003, no contexto de uma reunião de uma associação industrial na qual participaram, entre outros, representantes das Sedes de todos os Destinatários, ocorreram discussões relativas, entre outros aspectos, aos preços e às modalidades de introdução no mercado dos camiões que cumpriam a norma Euro 4, semelhantes às discussões que tinham ocorrido previamente em relação à norma Euro 3 (ver (52)). Além disso, os representantes não-executivos das Sedes e das Filiais Alemãs organizaram ocasionalmente reuniões que incluíram pontos de ordem de trabalhos e discussões tanto comuns como individuais (ver, por exemplo, (59)). “(…) Além destas reuniões, ocorreram trocas regulares de informações por telefone e correio eletrónico. Entre os tópicos discutidos, incluíram-se tópicos técnicos e prazos de entrega, mas também os preços (normalmente preços brutos). (…) “(56) Nos anos posteriores, as reuniões realizadas ao Nível Alemão tornaram-se mais formalizadas e as informações sobre os aumentos dos preços brutos que não estavam disponíveis no domínio público passaram a ser registadas numa folha de cálculo dividida por modelo padrão de camião para cada produtor. Estas trocas de informações ocorreram várias vezes por ano. As futuras informações trocadas sobre os aumentos dos preços brutos foram referentes apenas aos modelos básicos de camiões ou aos camiões e às opções disponíveis (em muitos casos, estas informações foram indicadas separadamente nas tabelas trocadas) e normalmente não foram trocados preços líquidos nem aumentos de preços líquidos. As informações relativas aos futuros aumentos planeados para os preços brutos trocadas ao nível das Filiais Alemãs foram, em graus variáveis, encaminhadas para as respetivas Sedes. (57) A troca de informações sobre os futuros aumentos planeados para os preços brutos e a nova tecnologia das normas de emissões continuou a verificar-se ao longo dos anos e, a partir de 2007, passou a incluir também os períodos de entrega dos produtores de camiões. A partir de 2008, as trocas de informações tornaram-se mais formalizadas através do recurso a um modelo unificado concebido para a troca de informações relativas aos aumentos planeados dos preços brutos. (58) No mínimo, estas trocas de informações colocaram os Destinatários na posição de poder considerar as informações trocadas no âmbito do seu processo de planeamento e para o planeamento de futuros aumentos dos preços brutos no ano civil seguinte. Além disso, as informações podem ter influenciado o posicionamento de preço de alguns dos novos produtos dos Destinatários. (59) Os seguintes exemplos ilustram a natureza das discussões nas quais participaram os representantes do Nível Alemão. No final de 2004, um funcionário da DAF Trucks Deutschland GmbH enviou uma mensagem de correio electrónico a vários destinatários entre os quais se encontram os representantes das Filiais Alemãs, pedindo-lhes que comunicassem os seus aumentos de preços brutos planeados para 2005. As informações resumidas e compiladas sobre os preços foram enviadas, alguns dias depois, a todos os participantes, incluindo todos os Destinatários, e continham informações sobre os aumentos de preços brutos planeados. Os Destinatários participaram numa reunião que ocorreu entre 4 e 5 de julho de 2005 em Munique, na qual compareceram representantes não-executivos do Nível das Sedes e funcionários das Filiais Alemãs. Com base nos elementos de prova, parece que foram agendadas actividades comuns e reuniões. Além disso, foram também previstas sessões especiais com a participação de representantes não-executivos das Sedes e reuniões individuais com a participação dos representantes das Filiais Alemãs. Durante uma destas sessões individuais, os participantes, entre os quais se incluíam todos os Destinatários, trocaram informações sobre os futuros aumentos dos respectivos preços brutos em 2005 e 2006, e também sobre os custos adicionais do cumprimento das normas de emissões EURO 4. Noutras reuniões, nas quais participaram representantes das Filiais Alemãs, foi dada continuidade às discussões sobre aumentos dos preços e os aumentos dos preços para as normas Euro 4 e Euro 5, nomeadamente as reuniões realizadas 12 de abril de 2006 e também nos dias 12 e 13 de Março de 2008. (60) Os elementos de prova demonstram que tinham sido obtidas, dos participantes nas trocas de informações e a partir de Novembro de 2010 e Janeiro de 2011, informações sobre os aumentos dos preços brutos de, entre outros, todos os Destinatários. O conteúdo desta lista foi reproduzido numa nota manuscrita por um funcionário da MAN que também recebeu as informações sobre os aumentos dos preços brutos relativas aos outros participantes directamente da Daimler. Estas informações foram fornecidas quando a Daimler contactou a MAN para ficar a conhecer os detalhes do próximo aumento dos preços brutos da MAN.” 18. Quanto ao “âmbito geográfico” da infração, o mesmo foi definido como tendo abrangido “todo o EEE ao longo de toda a duração da infração”; 19. No que se relaciona com a “Duração da Infração”, a decisão fixou-a nos seguintes marcos temporais: “(62) Conforme enunciado na Secção 4.2, todos os Destinatários iniciaram a participação na infracção a 17 de Janeiro de 1997. (63) Considera-se que a infracção terminou no dia 18 de Janeiro de 2011, que é a data do início das inspecções. (…)” 20. Em sede de “apreciação jurídica”, a Decisão consignou, nomeadamente, o seguinte: “(…) (68) A conduta descrita na anterior Secção 4 pode caracterizar-se como uma infracção complexa do Artigo 101.º do TFUE e do Artigo 53.º do Acordo EEE, uma vez que é composta por várias acções que podem ser classificadas como acordos ou práticas concertadas, no âmbito das quais os Destinatários substituíram conscientemente os riscos da concorrência pela colaboração prática. “(69) Por conseguinte, esta conduta apresenta todas as características de um acordo e/ou prática concertada na aceção do n.º 1 do Artigo 101.º do TFUE e do n.º 1 do Artigo 53.º do Acordo EEE, uma vez que tinha por objeto a prevenção, restrição e/ou distorção da concorrência no que diz respeito a Camiões no EEE. Concretamente, os Destinatários estavam envolvidos nas atividades anti concorrenciais descritas acima em relação à venda de Camiões através de várias camadas de reuniões entre concorrentes e outros contactos, que ocorreram ao Nível das Sedes e ao Nível Alemão. (…) (71) No presente processo, a conduta descrita na Secção 4 constitui uma infracção única e continuada do n.º 1 do Artigo 101.º do TFUE e do n.º 1 do Artigo 53.º do Acordo EEE no período de 17 de Janeiro de 1997 a 18 de Janeiro de 2011. Simultaneamente, com base nos factos descritos anteriormente, qualquer um dos aspectos da conduta, incluindo no que diz respeito a qualquer um dos produtos e em relação a qualquer um dos Estados-Membros (ou regiões mais vastas), tem por objectivo a restrição da concorrência e, por conseguinte, constitui, só por si, uma infracção do Artigo 101.º do TFUE e/ou do Artigo 53.º do Acordo EEE. “O único objectivo económico anti concorrencial da colusão entre os Destinatários foi coordenar o comportamento mútuo ao nível da atribuição de preços brutos e a introdução de determinadas normas de emissões para eliminar a incerteza quanto ao comportamento dos respectivos Destinatários e, em última análise, a reacção dos clientes no mercado. As práticas de colusão tinham um único objectivo económico, nomeadamente a distorção da fixação independente dos preços e do movimento normal dos preços dos camiões no EEE. (…) (74) Embora os contactos colusórios tenham ocorrido, a partir de 2004, entre as Filiais Alemãs e não entre Sedes, tais contactos tinham, ainda assim, o mesmo objectivo das reuniões anteriores realizadas entre os representantes do Nível das Sedes, nomeadamente a distorção da fixação independente de preços e do movimento normal dos preços dos Camiões no EEE. Esta situação é comprovada pelo facto de as discussões realizadas entre os representantes das Filiais Alemãs terem continuado a abordar os mesmos tópicos, e da mesma forma, que as reuniões anteriores realizadas entre os representantes das Sedes. (75) Com a troca das tabelas de preços brutos aplicáveis em todo o EEE, os Destinatários encontravam-se em melhor posição para compreender, com base as informações sobre os aumentos dos preços que foram trocadas pelas Filiais Alemãs, a estratégia de cada um para os preços na Europa, do que se apenas pudessem contar com as informações do mercado que tinham à disposição. (…) (81) O comportamento anti concorrencial descrito nos anteriores pontos (49) a (60) tem o objectivo de limitar a concorrência no mercado ao nível do EEE. A conduta é caracterizada pela coordenação dos preços brutos entre os Destinatários que eram concorrentes, directamente e através da troca de informações sobre os aumentos planeados dos preços brutos, da limitação e temporização da introdução da tecnologia que cumpria as novas normas de emissões e da partilha de outras informações sensíveis do ponto de vista comercial, como a recepção de encomendas e os tempos de entrega. Uma vez que os preços são um dos principais instrumentos da concorrência, os vários acordos e mecanismos adoptados pelos Destinatários tinha o objectivo principal de limitar a concorrência em termos de preços na acepção do significado do n.º 1 do Artigo 101.º e do n.º 1 do Artigo 53.º do Acordo EEE. (82) É jurisprudência assente que, para os efeitos previstos no Artigo 101.º do TFUE e no Artigo 53.º do Acordo EEE, não é necessário considerar os efeitos reais de um acordo quando este tem por objectivo o impedimento, a limitação ou a distorção da concorrência no mercado interno e/ou no EEE, conforme aplicável. Por conseguinte, no presente processo, não é necessário demonstrar os efeitos anti concorrenciais reais, uma vez que o objectivo anti concorrencial da conduta em questão ficou comprovado. (…)” 21. Sob a epígrafe de “Efeitos no comércio”, a Decisão atentou para o seguinte: “(85) (…) tendo em conta a quota de mercado e o volume de negócios dos Destinatários no EEE, pode assumir-se que os efeitos no comércio são consideráveis”; 22. Em termos de “Responsabilidade”, a par das demais Destinatárias, a Decisão considerou responsáveis pela infração do Artigo 101.º do TFUE e do Artigo 53.º do Acordo EEE: “(…) 6.4 Volvo/Renault (98) As seguintes entidades jurídicas são consideradas conjunta e solidariamente responsáveis pela infracção cometida pela Volvo/Renault: (…) (c) a Renault Trucks SAS é responsável, enquanto participante directa, pelo envolvimento na infração de 17 de Janeiro de 1997 a 18 de Janeiro de 2011 e, enquanto empresa-mãe, pela conduta da sua filial Volvo Group Trucks Central Europe GmbH (na medida em que é a sucessora legal e económica da Renault Trucks Deutschland GmbH) de 20 de janeiro de 2004 a 18 de janeiro de 2011. A Renault confirmou que exerceu, durante o período relevante e enquanto empresa-mãe, uma influência decisiva sobre a sua filial Volvo Group Trucks Central Europe GmbH (na medida em que é a sucessora legal e económica da Renault Trucks Deutschland GmbH)” 23. Na fixação das coimas, a Comissão teve em conta, entre outros aspetos, para além do modo intencional com que a infração foi cometida, o facto de os mecanismos de coordenação de preços, de entre as restrições à concorrência, assumirem os efeitos mais prejudicais; a duração da infração; a elevada quota de mercado dos destinatários no mercado europeu de camiões médios e pesados, o facto de a infração ter abrangido todo o território do EEE, aplicando o ponto 25 das Orientações para o cálculo das coimas aplicadas por força do n.º 2, alínea a), do artigo 23.º do Regulamento (CE) n.º 1/2003, justificando que a infração cometida pelos Destinatários tinha envolvido colusão horizontal em matéria de preços na acepção do significado desse ponto 25, conforme descrito no ponto “7. MEDIDAS CORRETIVAS” da Decisão; 24. A Comissão concedeu imunidade total da coima à MAN, sendo que a VOLVO e a RENAULT beneficiaram de uma redução de 40% do montante da sua coima, a DAIMLER de uma redução de 30% e a IVECO de uma redução de 10%; 25. Por fim, termos de dispositivo da Decisão, foi consignado o seguinte: “Artigo 1.º Por terem participado em práticas de colusão relativamente aos preços e aos aumentos do preço bruto no EEE dos camiões de média tonelagem e pesados e à temporização e transmissão dos custos relativos à introdução das tecnologias de emissões para camiões de média tonelagem e pesados conforme exigido pelas normas EURO 3 a 6, as seguintes empresas violaram o Artigo 101.º da TFUE e o Artigo 53.º do Acordo EEE durante os períodos indicados: (a) MAN SE, de 17 de Janeiro de 1997 a 20 de Setembro de 2010; MAN Truck & Bus AG, de 17 de Janeiro de 1997 a 20 de Setembro de 2010; MAN Truck & Bus Deutschland GmbH, de 3 de Maio de 2004 a 20 de Setembro de 2010 (b) AB Volvo (publ), de 17 de Janeiro de 1997 a 18 de Janeiro de 2011; Volvo Lastvagnar AB, de 17 de Janeiro de 1997 a 18 de Janeiro de 2011; Volvo Group Trucks Central Europe GmbH, de 20 de Janeiro de 2004 a 18 de Janeiro de 2011; Renault Trucks SAS, de 17 de Janeiro de 1997 a 18 de Janeiro de 2011; (c) Daimler AG, de 17 de Janeiro de 1997 a 18 de Janeiro de 2011 (d) Fiat Chrysler Automobiles N.V., de 17 de Janeiro de 1997 a 31 de Dezembro de 2010; CNH Industrial N.V., de 1 de Janeiro de 2011 a 18 de Janeiro de 2011; Iveco S.p.A., de 17 de Janeiro de 1997 a 18 de Janeiro de 2011; Iveco Magirus AG, de 26 de Junho de 2001 a 18 de Janeiro de 2011; (e) PACCAR Inc., de 17 de Janeiro de 1997 a 18 de Janeiro de 2011; DAF Trucks N.V., de 17 de Janeiro de 1997 a 18 de Janeiro de 2011; DAF Trucks Deutschland GmbH, de 20 de Janeiro de 2004 a 18 de Janeiro de 2011 Artigo 2.º São aplicadas as seguintes coimas pela infracção referida no Artigo 1.º: (a) EUR 0 conjunta e solidariamente à MAN SE, MAN Truck & Bus AG e à MAN Truck & Bus Deutschland GmbH (b) EUR 670 448 000 conjunta e solidariamente à AB Volvo (publ), à Volv Lastvagnar AB e à Renault Trucks SAS, das quais a Volvo Group Trucks Central Europe GmbH é considerada conjunta e solidariamente responsável pelo pagamento do montante de EUR 468.855.017. (c) EUR 1 008 766 000 à Daimler AG. (d) EUR 494 606 000 à Iveco S.p.A., da qual: (1) a Fiat Chrysler Automobiles N.V. é considerada conjunta e solidariamente responsável pelo pagamento do montante de EUR 156.746.105, (2) a Fiat Chrysler Automobiles N.V. e a Iveco Magirus AG são responsáveis conjunta e solidariamente pelo pagamento do montante de EUR 336.119.346, e (3) A CNH Industrial N.V. e a Iveco Magirus AG são responsáveis conjunta e solidariamente pelo pagamento do montante de EUR 1.740.549. (e) EUR 752 679 000 conjunta e solidariamente à PACCAR Inc. e à DAF Trucks N.V., da qual a DAF Trucks Deutschland GmbH é conjunta e solidariamente responsável pelo pagamento do montante de EUR 376 118 773. (…)” - Dos veículos abrangidos pela Decisão, que foram objeto de contratos celebrados pela Autora e consequências da conduta da Ré: 26. A Autora tem por objeto comercial o transporte rodoviário; 27. A Ré integra o Grupo Volvo no qual figura, como empresa-mãe, a firma Aktiebolaget Volvo (publ) também designada por Volvo; 28. Entre outras, a Ré e o respetivo grupo empresarial no qual se insere dedicam-se à produção e comercialização de camiões, autocarros, equipamentos de construção, sistemas de transmissão para aplicações marítimas e industriais; 29. No âmbito e para o exercício da sua atividade comercial, a Autora adquiriu e/ou locou (locação financeira) os seguintes veículos pesados novos, com mais de 6 toneladas, fabricados pela Ré:
30. A Ré, em conluio com outros fabricantes de camiões e por força das condutas que foram consideradas provadas em sede da Decisão da Comissão, aumentou intencional, coordenada e continuadamente, com os seus concorrentes, os preços brutos dos camiões de peso superior a 6 toneladas, que fabricou e comercializou, diretamente ou através da sua rede de distribuição, no período de 17.01.1997 a 18.01.2011; 31. Tendo a Ré fixado preços brutos superiores àqueles que seriam praticados caso não tivesse adotado a conduta descrita na Decisão da Comissão, tal aumento nos preços brutos foi projetado, na mesma proporção, nos preços líquidos de venda dos veículos; 32. O aumento do preço fixou-se num mark-up245 de preço por veículo, de valor não concretamente apurado. [facto alterado pelo Tribunal da Relação] 33. Foi na sequência direta da conduta da Ré demonstrada na Decisão da Comissão que a Autora, por ter adquirido (quer mediante fundos próprios, quer mediante financiamentos por contratos de locação financeira), no período entre 2001 e 2008, os referidos veículos fabricados por aquela, teve de suportar um excesso de custo no preço líquido (sem IVA) de venda dos veículos, de valor não concretamente apurado, que de outra forma não teria tido. 34. Sobrecustos esses que a Autora suportou, quer por via da assunção da obrigação do pagamento de tal preço nos casos em que veio a consolidar a propriedade dos veículos na sua esfera jurídica, sem ou com financiamento, nomeadamente por via de locações financeiras; 35. Quer por via da assunção da obrigação de pagamento das rendas mensais das locações (financeiras, ALD ou outras), nos casos em que tal não sucedeu. Assim, quuanto ao veículo com matrícula ..-..-TH: 36. Relativamente ao veículo com matrícula ..-..-TH, a Autora celebrou, em data não concretamente apurada, mas que se situa em Abril de 2002, na qualidade de locatária, um contrato de locação financeira n.º .......65, em que foi locadora a sociedade BCP, S.A.; 37. Foi a Autora quem escolheu o referido veículo junto do fornecedor Renault Trucks Portugal, Lda., com o preço de venda de € 72.325,70 (acrescido de IVA), coincidindo este preço com o preço atribuído ao “bem locado” / “capital” no contrato de locação; 38. O referido veículo (Renault AE 489.19T 41.3) foi locado à Autora, pelo prazo de 48 meses; 39. Nos termos das condições particulares do referido contrato, a Autora obrigou-se a pagar à empresa locadora uma renda inicial de € 14.465,14 e 47 rendas mensais de € 1.377,59, a que acrescida IVA à taxa legal; 40. Nos termos das condições particulares do referido contrato, o valor residual do bem locado seria no termo do contrato de € 1.446,51, acrescido de IVA à taxa legal; 41. A Autora liquidou todas as rendas previstas no contrato, tendo despendido globalmente a quantia de € 79.211,87 (acrescida de IVA) em rendas mensais que pagou; 42. Este valor é superior ao – e integra o – preço de venda do veículo à locadora, o qual, por sua vez, incorpora um sobrecusto de valor não concretamente apurado, já que no preço da compra pela locadora estava integrado o valor do mark-up supra referido em 32; 43. Esse sobrecusto de valor não concretamente apurado foi, por sua vez, integrado nas rendas pagas pela Autora e repercutido nesta. Relativamente ao veículo com a matrícula ..-..-QM: 44. Relativamente ao veículo ..-..-QM, a Autora celebrou em 25.09.2001, na qualidade de locatária, o contrato de locação financeira n.º .......90, em que foi locadora a sociedade BCP Leasing, S.A.; 45. Foi a Autora quem escolheu o referido veículo novo junto do fornecedor Renault Trucks Portugal, Lda., com o preço de venda de € 67.337,72 (acrescido de IVA), coincidindo este preço atribuído ao “bem locado” / “capital” no contrato de locação; 46. O referido veículo (AE 440.19T 41) foi locado à Autora, pelo prazo de 48 meses; 47. Nos termos das condições particulares do referido contrato, a Autora obrigou-se a pagar à empresa locadora uma renda inicial de € 10.100,66 e 47 rendas de € 1.350,86, a que acrescia IVA à taxa legal; 48. Nos termos das condições particulares do referido contrato, o valor residual do bem locado seria no termo do contrato de € 1.346,75, acrescido de IVA à taxa legal; 49. A Autora liquidou todas as rendas, exerceu o direito de opção de compra e liquidou o valor residual, em data coincidente com 15.01.2007; 50. A Autora foi a única utilizadora do veículo desde o momento da sua compra em novo até à data em que adquiriu a respetiva propriedade, não obstante não ter inscrito a mesma a seu favor; 51. O contrato de locação financeira foi um mero instrumento destinado a financiar a aquisição da propriedade do veículo pela Autora; 52. No preço da compra pela locadora estava integrado um valor de mark-up de valor não concretamente apurado e supra referido em 32; 53. As rendas e valor residual despendido pela Autora incorporaram o valor integral do preço do veículo e em consequência, a Autora suportou o valor do mark-up de valor não concretamente apurado, através das rendas mensais e do valor residual que pagou. Relativamente ao veículo de matrícula ..-EE-..: 54. Relativamente ao veículo de matrícula ..-EE-.., a Autora celebrou, em 28.08.2007, na qualidade de locatária, o contrato de locação financeira mobiliária n.º .....83, em que foi locadora a sociedade BARCLAYS BANK, PLC; 55. Foi a Autora quem escolheu o referido veículo junto do fornecedor Renault Trucks Lisboa Unipessoal, Lda., com o preço de venda de € 86.203,00; 56. Por via de tal contrato, o referido veículo (MAGNUM 4X2) foi locado à Autora, pelo prazo de 60 meses, com início a 18.09.2007 e termo a 18.09.2012; 57. Nos termos das condições particulares do referido contrato, a Autora obrigou-se a pagar à empresa locadora uma renda inicial de € 4.310,15 e 59 rendas mensais calculadas de acordo com uma Taxa de Juro Nominal convencionada entre as partes, a que acrescia IVA à taxa legal; 58. Nos termos das condições particulares do referido contrato, o valor residual do bem locado seria de € 8.620,30, a que acrescia IVA à taxa legal; 59. A Autora liquidou todas as rendas, exerceu o direito de opção de compra e liquidou o valor residual, em 18.09.2012; 60. A propriedade do ..-EE-.. foi, de seguida, inscrita a favor da Autora, através do registo de propriedade n.º ...48, em 25.10.2012; 61. A Autora foi a única utilizadora do veículo desde o momento da sua compra em novo até à data da inscrição da propriedade a seu favor; 62. O contrato de locação financeira foi um mero instrumento destinado a financiar a aquisição da propriedade do veículo pela Autora; 63. No preço da compra pela locadora estava integrado um valor de mark-up de valor não concretamente apurado e supra referido em 32; 64. As rendas e valor residual despendido pela Autora incorporaram o valor integral do preço do veículo e em consequência, a Autora suportou o valor de mark-up de valor não concretamente apurado, através das rendas mensais e do valor residual que pagou. Relativamente ao veículo com a matrícula ..-DG-..: 65. Relativamente ao veículo ..-DG-.., a Autora celebrou, em 13.04.2007, na qualidade de locatária, o contrato de locação financeira referência n.º ......97, em que foi locadora a sociedade BANCO BPI, S.A.; 66. Foi a Autora quem escolheu o referido veículo junto do fornecedor Renault Trucks Lisboa Unipessoal, Lda., com o preço de venda de € 86.203,00 (acrescido de IVA), coincidindo este preço com o preço atribuído ao “bem locado” / “capital” no contrato de locação; 67. Por via de tal contrato, o referido veículo (MAGNUM 4X2) foi locado à Autora, pelo prazo de 72 meses, com início a 25.04.2007 e termo a 25.04.2013; 68. Nos termos das condições particulares do referido contrato, a Autora obrigou-se a pagar à empresa locadora uma renda inicial de € 15.000,00 e 71 rendas mensais de € 1.156,64, a que acrescia IVA à taxa legal; 69. Nos termos das condições particulares do referido contrato, o valor residual do bem locado seria de € 1.724,06, a que acrescia IVA à taxa legal; 70. A Autora liquidou todas as rendas, exerceu o direito de opção de compra e liquidou o valor residual, em Abril de 2013; 71. A propriedade do ..-DG-.. foi, de seguida, inscrita a favor da Autora, através do registo de propriedade n.º ...56, em 15.01.2014; 72. A Autora foi a única utilizadora do veículo desde o momento da sua compra em novo até à data da inscrição da propriedade a seu favor; 73. O contrato de locação financeira foi um mero instrumento destinado a financiar a aquisição da propriedade do veículo pela Autora; 74. No preço da compra pela locadora estava integrado o valor do mark-up de valor não concretamente apurado e supra referido em 32; 75. As rendas e valor residual despendido pela Autora incorporaram o valor integral do preço do veículo e em consequência, a Autora suportou o valor do mark-up de valor não concretamente apurado, através das rendas mensais e do valor residual que pagou. Relativamente ao veículo de matrícula ..-DG-..: 76. Relativamente ao veículo ..-DG-.., a Autora celebrou, em data não concretamente apurada mas que situa em Maio de 2007, na qualidade de locatária, o contrato de locação financeira mobiliária n.º ....16, em que foi locadora a sociedade Caixa Leasing e Factoring Instituição Financeira de Crédito, S.A.; 77. Foi a Autora quem escolheu o referido veículo junto do fornecedor Renault Trucks Lisboa Unipessoal, Lda., com o preço de venda de € 86.203,00 (acrescido de IVA), coincidindo este preço com o preço atribuído ao “bem locado” / “capital” no contrato de locação; 78. Por via de tal contrato, o referido veículo (MAGNUM 4X2) foi locado à Autora, pelo prazo de 60 meses; 79. Nos termos das condições particulares do referido contrato, a Autora obrigou-se a pagar à empresa locadora uma renda inicial de € 15.000,00 e 59 rendas mensais de € 1.338,24, a que acrescia IVA à taxa legal; 80. Nos termos das condições particulares do referido contrato, o valor residual do bem locado seria de € 4.310,15, a que acrescia IVA à taxa legal; 81. A Autora liquidou todas as rendas, exerceu o direito de opção de compra e liquidou o valor residual; 82. A propriedade do ..-DG-.. foi, de seguida, inscrita a favor da Autora, através do registo de propriedade n.º ...48, em 13.07.2012; 83. A Autora foi a única utilizadora do veículo desde o momento da sua compra em novo até à data da inscrição da propriedade a seu favor; 84. O contrato de locação financeira foi um mero instrumento destinado a financiar a aquisição da propriedade do veículo pela Autora; 85. No preço da compra pela locadora estava integrado o valor do mark-up de valor não concretamente apurado e supra referido em 32; 86. As rendas e valor residual despendido pela Autora incorporaram o valor integral do preço do veículo e em consequência, a Autora suportou o valor do mark-up de valor não concretamente apurado, através das rendas mensais e do valor residual que pagou. Relativamente ao veículo de matrícula ..-..-ZO: 87. Relativamente ao veículo de matrícula ..-..-ZO, a Autora celebrou, em 25.02.2005, na qualidade de locatária, o contrato de locação financeira n.º ......93, em que foi locadora a sociedade BBVA Instituição Financeira de Crédito, S.A.; 88. Foi a Autora quem escolheu o referido veículo junto do fornecedor Renault Trucks Lisboa Unipessoal, Lda., com o preço de venda de 76.000,00 (acrescido de IVA), coincidindo este preço com o preço atribuído ao “bem locado” / “capital” no contrato de locação; 89. Por via de tal contrato, o referido veículo (AE 480 19T 41.3) foi locado à Autora, pelo prazo de 60 meses, com início a 25.02.2005 e termo a 24.02.2010; 90. Nos termos das condições particulares do referido contrato, a Autora obrigou-se a pagar à empresa locadora uma renda inicial de 16.524,73 e 59 rendas mensais de € 1.130,39, a que acrescia IVA à taxa legal; 91. Nos termos das condições particulares do referido contrato, o valor residual do bem locado seria de € 1.520,00, a que acrescia IVA à taxa legal; 92. A Autora liquidou todas as rendas, exerceu o direito de opção de compra e liquidou o valor residual; 93. A propriedade do ..-..-ZO foi, de seguida, inscrita a favor da Autora, através do registo de propriedade n.º ...85, em 25.06.2010; 94. A Autora foi a única utilizadora do veículo desde o momento da sua compra em novo até à data da inscrição da propriedade a seu favor; 95. O contrato de locação financeira foi um mero instrumento destinado a financiar a aquisição da propriedade do veículo pela Autora; 96. No preço da compra pela locadora estava integrado o valor do mark-up de valor não concretamente apurado e supra referido em 32; 97. As rendas e valor residual despendido pela Autora incorporaram o valor integral do preço do veículo e em consequência, a Autora suportou o valor do mark-up de valor não concretamente apurado, através das rendas mensais e do valor residual que pagou. Relativamente ao veículo de matrícula ..-..-TX: 98. Relativamente ao veículo de matrícula ..-..-TX, a Autora comprou à sociedade Renault Trucks Portugal, Lda., o veículo Renault, Modelo AE 480.19T 41.3, pelo preço de € 72.001,48 (acrescido de IVA), preço esse que incluía um sobrecusto de valor não concretamente apurado. 99. A propriedade do veículo foi, de seguida, inscrita a favor da Autora, através do registo de propriedade n.º ...33, em 06.09.2002. Relativamente ao veículo de matrícula ..-..-TX: 100. Relativamente ao veículo de matrícula ..-..-TX, a Autora comprou-o à sociedade Renault Trucks Portugal, Lda., pelo preço de € 72.001,48 (acrescido de IVA), preço esse que incluía um sobrecusto de valor não concretamente apurado. 101. A propriedade do veículo foi, de seguida, inscrita a favor da Autora, através do registo de propriedade n.º ...36, em 06.09.2002. Relativamente ao veículo de matrícula ..-..-TG: 102. Relativamente ao veículo de matrícula ..-..-TG, a Autora celebrou, em data não concretamente apurada mas que se situa em Abril de 2002, na qualidade de locatária, o contrato de locação financeira n.º ......34, em que foi locadora a sociedade BBVA LEASING Sociedade de Locação Financeira, S.A.; 103. Foi a Autora quem escolheu o referido veículo junto do fornecedor Renault Trucks, Lda., cujo valor se computa em € 72.325,69 (25); 104. Por via de tal contrato o referido veículo (Modelo AE 480 19T 41.3) foi alugado à Autora, pelo prazo de 48 meses, com início a 27.03.2002 e termo a 27.03.2006; 105. Nos termos das condições do referido contrato, a Autora obrigou-se a pagar à empresa locadora uma renda inicial de € 14.465,14 e 47 rendas mensais de € 1.318,14, a que acrescia IVA à taxa legal; 106. Nos termos das condições particulares do referido contrato, o valor residual do bem locado seria de € 1.446,51, a que acrescia IVA à taxa legal; 107. O contrato foi integralmente cumprido até 28.02.2005, data em que o contrato cessou antecipadamente; 108. Tendo a Autora despendido globalmente, pelo menos, a quantia de € 72.325,69 (acrescida de IVA) (26), em valor residual e rendas mensais que liquidou, desde 27.04.2002 até 28.02.2005; 109. No preço da compra pela locadora estava integrado o valor do mark-up de valor não concretamente apurado e supra referido em 32; 110. Os montantes despendidos pela Autora incorporaram o valor integral do preço do veículo e em consequência, a Autora suportou o valor do mark-up de valor não concretamente apurado, através dos montantes que pagou. Relativamente ao veículo de matrícula ..-GA-..: 111. Relativamente ao veículo de matrícula ..-GA-.., a Autora celebrou, em data não concretamente apurada mas que situa próxima de Julho de 2008, na qualidade de locatária, o contrato de locação financeira mobiliária processo n.º .....05, em que foi locadora a sociedade BESLEASING E FACTORING Instituição Financeira de Crédito, S.A. 112. Foi a Autora quem escolheu o referido veículo junto do fornecedor dos camiões novos da Ré em Portugal (27), com o preço de venda de € 80.000,00 (acrescido de IVA), coincidindo este preço com o preço atribuído ao “bem locado” / “capital” no contrato de locação; 113. Por via de tal contrato, o referido veículo (HR 450.19 T 39 c/c) foi locado à Autora, pelo prazo de 60 meses; 114. Nos termos das condições particulares do referido contrato, a Autora obrigou-se a pagar à empresa locadora renda inicial de € 8.000,00 e 59 rendas mensais de € 1.273,09, a que acrescia IVA à taxa legal; 115. Nos termos das condições particulares do referido contrato, o valor residual do bem locado seria de € 8.000,00, a que acrescia IVA à taxa legal; 116. A Autora liquidou todas as rendas, exerceu o direito de opção de compra e liquidou o valor residual; 117. A propriedade do ..-GA-.. foi, de seguida, inscrita a favor da Autora, através do registo de propriedade n.º ...09, em 18.12.2014; 118. A Autora foi a única utilizadora do veículo desde o momento da sua compra em novo até à data da inscrição da propriedade a seu favor; 119. O contrato de locação financeira foi um mero instrumento destinado a financiar a aquisição da propriedade do veículo pela Autora; 120. No preço da compra pela locadora estava integrado o valor do mark-up de valor não concretamente apurado e supra referido em 32; 121. As rendas e valor residual despendido pela Autora incorporaram o valor integral do preço do veículo e em consequência, a Autora suportou o valor do mark-up de valor não concretamente apurado, através das rendas mensais e do valor residual que pagou. 122. A Autora, ao pagar os preços mencionados para aquisição dos veículos (quer mediante fundos próprios, quer mediante financiamentos por contratos de locação financeira), suportou sobrecustos do preço de compra de cada veículo, sobrecustos estes de valor não concretamente apurado. - Do conhecimento da Autora acerca da infração em causa e da identidade dos infratores: 123. No dia 18.01.2011, a Comissão Europeia tornou pública a realização de várias buscas e apreensões a vários fabricantes de camiões. 124. No dia 20.11.2014, foi divulgado um comunicado de imprensa emitido pela Comissão Europeia que tornou pública a prolação da Comunicação de Objeções e divulgou informação sobre: i) quem foram os destinatários da Comunicação de Objeções (i.e., diversos fabricantes de camiões médios e pesados, sem indicação das suas designações comerciais); ii) as práticas concertadas que envolveriam uma coordenação ao nível dos preços; iii) a área geográfica em questão (Espaço Económico Europeu); e iv) que as práticas em apreço poderiam constituir uma violação do artigo 101.º do TFUE e do artigo 53.º do Acordo sobre o Espaço Económico Europeu. 125. No dia 19.07.2016, a Comissão Europeia emitiu um comunicado de imprensa sobre a sua Decisão, incluindo a seguinte informação: (i) a identidade dos alegados infratores, incluindo a Ré; (ii) a descrição da conduta em análise; (iii) o período durante o qual ocorreu a alegada violação às normas da concorrência; (iv) o montante das coimas. 126. No dia 06.04.2017, o Jornal Oficial da União Europeia publicou o Resumo da Decisão da Comissão de 19/07/2016 relativa a um processo nos termos do art. 101.º do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia e do art. 53.º do Acordo sobre o Espaço Económico Europeu – Processo AT.39824 — Camiões. 127. Num noticiário da SIC Notícias, de ... de Janeiro de 2011, numa reportagem da SIC Notícias intitulada "Fabricantes de camiões como D......, V...., S..... ou M.. sob investigação", publicada em ... de Janeiro de 2011 e numa notícia da T.......... . ........, intitulada “V.... provisiona 400 milhões por suspeitas de cartel”, publicada em ... de Novembro de 2014, foram noticiadas as diligências de busca e apreensão da Comissão de 18 de Janeiro de 2011. 128. No dia 09.07.2019, a Autora fez dar entrada em juízo a petição inicial que deu início à presente ação; 129. Nessa data, a Autora requereu a citação urgente da Ré; 130. No dia 23 de Julho de 2019, a Ré foi citada nos presentes autos. - Outros factos alegados pela Ré, com relevo para a boa decisão da causa: 131. No período pós-1999, as listas de preços brutos pan-europeias eram definidas centralmente, na sede da Ré; 132. Antes de qualquer alteração à lista de preços brutos ser implementada, a Renault Portugal, a empresa de mercado em Portugal, era informada dessa alteração, existindo depois uma comunicação a esta entidade dos preços brutos alterados; 133. Durante o período da conduta a que alude a Decisão, as vendas de camiões em Portugal eram negociadas pela Renault Portugal ou pelos concessionários por si integralmente detidos – a Renault Porto e a Renault Lisboa, tendo estas existido entre finais de 2003 e 2007; 134. Desde 1997 até finais de 2003, a Renault Portugal era a única que procedia à importação e comercialização de veículos da Renault no mercado português; 135. Em finais de 2003, foram criadas duas concessionárias integralmente detidas pela Renault Portugal – Renault Porto e Renault Lisboa, desenvolvendo a sua atividade no Porto e em Lisboa, respetivamente, apesar de a Renault Portugal continuar a fazer vendas diretas a clientes finais localizados fora de Lisboa e do Porto ou que tivessem atividade com dimensão nacional; 136. A partir de 2008, a Renault Portugal passou a ter de adquirir à Renault Espanha as viaturas fabricadas pela Ré. - Factos não provados 1. O sobrecusto na aquisição de viaturas supra referidas em 36 a 121 dos factos provados, foi de 15,4% sobre os repetivos preços; - Relativamente ao veículo de matrícula ..-..-TG: 2. O contrato de locação financeira dado como provado foi celebrado em março de 2002; - Outros factos alegados pela Ré: 3. A Autora teve conhecimento da infração imputada à Ré e dos seus alegados infratores antes de qualquer um dos momentos referidos nos factos provados n.ºs 123 a 127; 4. A Autora fez refletir o sobrecusto nos preços dos veículos adquiridos junto dos seus clientes pelos serviços prestados; 5. A Autora mitigou o sobrecusto através da revenda dos veículos. C) DO DIREITO Da compensação económica autónoma pelo dano emergente da depreciação do valor da moeda (“dano da desvalorização monetária”), devida pelo tempo decorrido entre a data da produção do dano e a data da decisão que ordenou a reparação do mesmo Na presente ação, a autora/A veio, além do mais, peticionar, como dano autónomo, que a ré/R fosse condenada a ressarci-la do sobrecusto que teve de suportar indevidamente, considerando o valor desse sobrecusto ajustado e atualizado de acordo com o índice do Banco de Portugal, designado como “deflator do PIB”. Em primeira instância, foi atribuída à A uma indemnização com vista a contemplar a correção monetária de acordo com o referido índice “deflator do PIB”, em cumulação com a indemnização por juros de mora. Diferentemente, no acórdão recorrido, entendeu-se que os juros de mora contemplam, em si mesmos, a atualização do montante indemnizatório ao abrigo do art.º 566.º, n.º 2 do CC, pelo que foi rejeitada a cumulação ora peticionada pela A. Discorda a A da interpretação que o acórdão recorrido faz do considerando 12 da Directiva n.º 2014/104/UE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 26-11-2014, relativa a certas regras que regem as ações de indemnização no âmbito do direito nacional por infração às disposições do direito da concorrência dos Estados-Membros e da União Europeia (Diretiva do Private Enforcement). Por outro lado, a A invoca ainda uma errada interpretação, por parte do acórdão recorrido, do disposto na Portaria n.º 291/2003, de 8-04, defendendo, contrariamente à tese vingada no referido aresto, que a aludida portaria não tem qualquer relação ou conexão com o dano referente à desvalorização monetária, dado que não visa regulamentar o disposto no n.º 2 do art. 566.º do CC. Defende ainda a mesma A a inaplicabilidade da jurisprudência uniformizada no Acórdão n.º 4/2002 ao caso sob escrutínio. A problemática ora suscitada prende-se, no essencial, com a questão de saber se é permitido cumular o aumento do montante indemnizatório decorrente da desvalorização da moeda com os juros de mora legalmente devidos. Importa, desde já, fazer uma breve resenha quanto ao quadro normativo aqui aplicável. Em matéria de concorrência ao nível do direito europeu, são aplicáveis, além do mais, os artigos 101.º e 102.º do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia (TFUE), normas que prevalecem sobre o direito derivado da União Europeia e que beneficiam do primado do Direito da União Europeia sobre o direito nacional. Do ponto de vista adjetivo, atente-se ainda no Regulamento (CE) n.º 1/2003, do Conselho, de 16 de dezembro de 2002, relativo à execução das regras de concorrência estabelecidas nos ex-artigos 81.º e 82.º do Tratado [atualmente, art.ºs 101.º e 102.º do TFUE], cujo art.º 16.º, n.º 1, sob a epígrafe “Aplicação uniforme do direito comunitário da concorrência”, dispõe que, quando se pronunciarem sobre acordos, decisões ou práticas ao abrigo dos anteriores artigos 81.º ou 82.º (atuais 101.º e 102.º) do Tratado que já tenham sido objeto de decisão da Comissão, os tribunais nacionais não podem tomar decisões que sejam contrárias à decisão aprovada pela Comissão. Neste caso foi proferida em 19-07-2016 Decisão Final da Comissão Europeia, no âmbito do processo AT.39824 – Cartel de Camiões, relativa a um processo intentado por violação do artigo 101.º do TFUE e do artigo 53.º do Acordo EEE. A presente ação declarativa foi intentada na sequência da prolação de tal decisão e visa, por via de indemnização, a reparação dos danos que a autora alega ter tido na decorrência da violação das nomas da concorrência por parte da ré. Estamos, pois, no presente caso perante uma ação de private enforcement, o que veio a ser expressamente regulamentado pela Diretiva 2014/104/UE do Parlamento Europeu e do Conselho de 26 de novembro de 2014, publicada no JOCE em 5/12/2014 - Diretiva do Private Enforcement, a qual foi transposta para ordenamento jurídico nacional pela Lei n.º 23/2018, de 05 de junho. Aproximando-nos da temática que nos ocupa nesta sede, dispõe o considerando 12 da mencionada Directiva que o “pagamento de juros é uma componente essencial da reparação para compensar os danos sofridos, tendo em conta o decorrer do tempo, e deverá ser devido desde o momento em que ocorreu o dano até ao momento do pagamento da reparação, sem prejuízo da sua qualificação como juros compensatórios ou juros de mora no âmbito do direito nacional e da questão de saber se o decorrer do tempo é tido em conta como uma categoria separada (juros) ou como uma parte constitutiva dos danos emergentes ou dos lucros cessantes. Cabe aos Estados-Membros estabelecer as regras a aplicar para o efeito”. A propósito desta matéria, ao nível do direito interno, são aplicáveis os artigos 483.º, 566.º, n.º 2, 805.º e 806.º, do Código Civil, segundo os quais, prima facie, os juros seriam computados a partir da citação, porquanto se trata de responsabilidade civil extracontratual e de um crédito ilíquido (v. artigos 805.º, n.º 3, 806.º, n.º 1, do Código Civil). Quanto à contabilização dos juros no âmbito do Direito da Concorrência, afirmou-se no Acórdão do TJUE de 13-07-2006 (processos C‑295/04 a C‑298/04, Manfredi e o., EU:C:2006:461) que “[q]uanto ao pagamento de juros, o Tribunal de Justiça lembrou no n.º 31 do acórdão de 2 de Agosto de 1993, Marshall (C-271/91, Colect., p. I-4367), que a sua atribuição, nos termos das normas nacionais aplicáveis, deve ser considerada uma componente indispensável da indemnização”. Discorrendo sobre a problemática da contabilização dos juros, o acórdão recorrido, após concluir que a data a partir da qual se devem contar os juros de mora é a data da ocorrência do dano, acrescentou, porém, que: “…já não podemos concordar com a acumulação que se realizou na sentença recorrida, entre os juros de mora e a atualização que operou, não com base na taxa de inflação como seria expectável, mas de acordo com o deflator do PIB, atualização esta em relação ao qual a Recorrente se insurgiu (artigos 1007 e ss. da motivação e artigo 201 das Conclusões). Recorde-se, neste âmbito, que mesmo o considerando 12 da Diretiva supra citado, ressalva que “[c]abe aos Estados-Membros estabelecer as regras a aplicar para o efeito”, leia-se, para o efeito de compensar a desvalorização monetária e a perda de oportunidade para a parte lesada de dispor do capital. Ora, como se sabe, em sede de direito nacional, é entendimento jurisprudencial dominante que os juros de mora têm tanto a função específica de indemnizar os danos decorrentes do intempestivo cumprimento da obrigação como de contrabalançar a desvalorização monetária (AUJ STJ 4/2002, in D.R. I-A de 27.06.2002, p. 5064. Este acórdão é citado na sentença recorrida a p. 179). Se assim é a aplicação da taxa de juros legal desde o momento do dano, de uma perspetiva nacional, compensará as duas vertentes que cumpre acautelar à luz do Direito da União, pelo que não deverá ser cumulada com a atualização feita na sentença recorrida. Neste ponto, caso haja alguma desatualização da taxa de juros, presentemente de 4% (Portaria n.º 291/2003, de 08.04), face a recentes aumentos da inflação, cremos que terá de ser o Legislador português a fazer as necessárias alterações. Recorde-se que entre 1999 e 2003 a taxa de juros situava-se nos 7% (Portaria n.º 263/99, de 12.04) e entre 1995-1999 nos 10% (Portaria n.º 1171/95, de 25.09).”. Atendendo à configuração do quadro normativo aplicável e que, neste particular conspecto, releva a legislação nacional de cada estado-membro, não podemos senão sufragar o entendimento vertido no acórdão recorrido, sendo que o mesmo encontra respaldo na posição que tem vingado na jurisprudência deste Supremo Tribunal, onde se tem reconhecido a natureza indemnizatória dos juros de mora e a inclusão no seu âmbito de todos os prejuízos resultantes da mora, aí incluídos os provenientes da desvalorização da moeda (cf., a título de exemplo, os Acórdãos do STJ de 14-05-2015, processo n.º 1520/04.3TBPBL.C1.S1-A, disponível em www.dgsi.pt, Acórdão do STJ de 06-07-20006 e Acórdão Uniformizador de Jurisprudência n.º 4/2002, de 27-06)7. No AUJ n.º 4/20028, esta concreta problemática foi objeto de apreciação nos termos que, por relevantes, a seguir se transcrevem (com realce nosso): “… no sentido da orientação que advoga a existência de uma harmonia sistemática entre os dois preceitos, isto é, a admissibilidade da acumulação de juros de mora desde a citação com a atualização da indemnização em função da taxa da inflação, podem enumerar-se, sem preocupações de exaustividade, os seguintes acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça: de 17 de Novembro de 1992 (ver nota 12), de 17 de Janeiro de 1995 (ver nota 13), de 30 de Maio de 1995 (ver nota 14), de 28 de Setembro de 1995 (ver nota 15), de 3 de Dezembro de 1998 (ver nota 16), de 13 de Janeiro de 2000 (ver nota 17) e de 23 de Novembro de 2000 (ver nota 18). Sustentando, pelo contrário, a inadmissibilidade da referida acumulação, ou seja, entendendo que os dois preceitos se sobrepõem num espaço da sua estatuição, o que impõe a necessidade da interpretação restritiva do falado segmento do n.º 3 do artigo 805.º, podem enumerar-se os seguintes acórdãos, também deste Supremo Tribunal de Justiça: de 6 de Outubro de 1987 (ver nota 19), de 20 de Dezembro de 1990 (ver nota 20), de 26 de Fevereiro de 1991 (ver nota 21), de 14 de Março de 1991 (ver nota 22), de 31 de Março de 1993 (ver nota 23), de 15 de Dezembro de 1998 (ver nota 24), de 12 de Julho de 2001 (ver nota 25), de 6 de Novembro de 2001 (ver nota 26) e de 12 de Março de 2002 (ver nota 27). 4.3 - O principal argumento aduzido pelos defensores da primeira orientação radica no distinto objecto e na diversa natureza que preside à atualização da expressão monetária da indemnização relativa ao período compreendido entre a data da citação e a data da decisão actualizadora, por um lado, e, por outro, ao pagamento de juros correspondentes ao mesmo lapso de tempo, na medida em que aquela visa a manutenção do valor real da indemnização, ao passo que este visará compensar o lesado pela demora na reparação dos danos sofridos. Pode ainda dizer-se que, de acordo com este entendimento, os juros de mora a atribuir não revestem apenas natureza compensatória, mas também uma função sancionatória, a que não é alheio o facto de a obrigação de indemnizar resultar da prática de um facto ilícito ou da criação de um risco especial. Pelo contrário, para a segunda orientação, que, diga-se, desde já, acompanhamos, não é defensável a cumulatividade de juros de mora desde a citação, em conformidade com o disposto no n.º 3 do artigo 805.º com a atualização da indemnização, na medida em que ambas as providências influenciadoras do cálculo da indemnização devida obedecem à mesma finalidade, que consiste em fazer face à erosão do valor da moeda no período compreendido entre a localização no tempo do evento danoso e o da satisfação da obrigação indemnizatória.”. O aresto acabado de citar, partindo da conceção de que os juros moratórios exercem a função de indemnização pelo retardamento de uma prestação pecuniária (artigo 806.º, n.º 1), sendo, assim, devidos a título de indemnização, defendeu, no entanto, o entendimento de que, a partir da entrada em vigor do Decreto-Lei n.º 200-C/80, aos juros moratórios passou a estar cometida não só a função específica de indemnizar os danos decorrentes do intempestivo cumprimento da obrigação, mas também a de contrabalançar a desvalorização monetária, numa indirecta reacção contra o princípio nominalista consagrado no artigo 550.º do CC. Nesta medida, sendo certo que a regra do n.º 3 do artigo 805.º do CC teve em vista “combater o fenómeno da inflação e os seus efeitos desequilibradores nas relações jurídicas creditícias”9, designadamente, nas derivadas de facto ilícito ou risco, se o juiz calcula o capital a valores actualizados, deixa de fazer sentido a aplicação retroactiva do corrector monetário. Esta interpretação não pode ser considerada violadora do direito da União, porquanto, como se deixa expresso no considerando 12 da Diretiva acima citada, a regulação da matéria é feita por cada Estado membro e, no caso, a lei interna não comprime o direito ao ressarcimento da desvalorização monetária, antes a assume integrada na taxa de juro legal. Nesta medida, concorda-se com a posição afirmada no acórdão recorrido, pelo que improcedem as objeções da recorrente quanto ao aí decidido nesta parte. Do sobrecusto fixado no acórdão recorrido: - Da indeterminação do montante do sobrecusto (facto provado em 32.) - Da prova do dano e do nexo causal O segundo ponto de divergência da autora/A quanto ao acórdão recorrido diz respeito à alteração de facto que foi efetuada pelo Tribunal da Relação ao facto n.º 32 dos factos provados. Esta divergência acaba por convergir com o recurso apresentado pela ré/R, pelo que apreciaremos, de seguida, todas as problemáticas correlacionadas com esta concreta temática (refletida nos subpontos acima identificados). Na sentença proferida pela primeira instância, o Tribunal havia considerado provado que: “32 - O aumento do preço fixou-se num mark-up de preço de estimadamente, 15,4% por veículo.”. O acórdão recorrido, porém, alterou a redação de tal facto, tendo decidido que o valor estimado do sobrecusto não foi concretamente apurado, nos seguintes termos: “32 - O aumento do preço fixou-se num mark-up de preço por veículo, de valor não concretamente apurado.”. No que toca à prova desta matéria em suma, a aquisição dos camiões pela recorrida por um preço com um sobrecusto de 15,4% causado pela infração, a sentença da primeira instância baseou-se, em primeiro lugar e de forma essencial e determinante, nos relatórios técnicos elaborados pelo Senhor Professor AAe esclarecimentos prestados pelo mesmo em audiência, interpretados em harmonia com o Guia Prático (2013) e à luz do princípio da efetividade (p. 83 e ss.). Por sua vez, o acórdão recorrido, que discorre sobre esta questão de facto de forma exaustiva, mediante análise global dos elementos de prova existentes nos autos, considerou o referido Relatório Cerejeira insuficiente, em virtude de os dados da Eurotax não poderem ter sido disponibilizados no processo e em face de outros elementos de prova no processo que infirmam as conclusões aí expressas. O acórdão recorrido, a este propósito, escreve: “… Os Relatórios da autoria do Professor AA, são desde logo parcos na exposição do tratamento de dados efetivamente dado, contrariamente aos relatórios do Professor DD onde os estudos são continuamente acompanhados de explicações textuais e visuais. Com os relatórios da autoria do Professor AA, principalmente o primeiro (apresentado com a petição inicial aperfeiçoada), para além das explicações metodológicas e a enunciação das variáveis escolhidas, conhecemos pouco mais do que o ponto de partida e o ponto de chegada do tratamento de dados. O ponto de chegada é a tabela acima reproduzida. Tudo o que sucedeu no meio é nos vedado ver, nomeadamente, as variações nos preços de um grupo e do outro no tempo. Ora tratando o método em causa de comparações de variações de preços no tempo, onde se pretende confirmar diferenças e similitudes nas respetivas tendências, tal lacuna afigura-se-nos grave. Deste modo, aliás, constituindo os resultados expostos na tabela de meras médias de preços observados durante cada período de tempo, durante o cartel e pós-cartel, desconhecem-se quaisquer eventuais flutuações extraordinárias verificadas em cada período, por exemplo aquelas que eventualmente ocorreram durante a crise financeira mundial de 2008-2010, tal como apontado pela Recorrente nas suas Conclusões (nomeadamente, artigos 170, 202, 235), e abordado no Relatório de Análise do Professor DD supra analisado. Recorde-se que uma média (em inglês, o “mean” ou “average”)20 nada nos diz sobre a distribuição das observações, apenas nos indica o resultado da divisão da soma das observações, pelo número das observações. Podem existir, assim, observações extremadas, designadas de outliers, que fazem subir ou descer a média, apesar de constituírem instâncias extraordinárias em relação à maioria. Podem haver, por exemplo, preços muito elevados no início e meio do período observado, mas preços muito baixos no fim, que fazem, assim, baixar a média (ou vice-versa). Com os relatórios do Professor AA, desconhecemos por completo a distribuição e evolução das observações (preços) no longo período de tempo em causa, neste caso os 14 anos durante o a infração e os 7 que o sucederam. É certo que o depoimento do Professor AA esclarece muitos pontos importantes que estavam flagrantemente ausentes do seu primeiro relatório, nomeadamente, a forma como acedeu à base de dados Eurotax (aspeto a que voltaremos infra), a utilização de dados apenas relativos a Portugal (aproximadamente a 26m45 da gravação), a inclusão de dados relativos a camiões de marcas asiáticas de número bastante reduzido (aproximadamente a 56m05 da gravação) e a percentagem de dados relativos a camiões de marca Renault que se estimam em 10% (aproximadamente a 58m10 da gravação). Acrescem as explicações acerca do uso do deflator do PIB (aproximadamente a partir de 1h13m20). Tais esclarecimentos, contudo, não escondem o facto de que na análise comparativa efetuada, onde o fator tempo é um fator essencial, continuamos a desconhecer por completo o comportamento dos preços em cada ano durante os cerca de 21 anos observados.” E conclui o mesmo acórdão recorrido: “Conclui-se, portanto, que a prova subjacente aos factos relativos ao quantum do dano, em essência, a quantificação do sobrecusto em 15,4%, não é suficientemente convincente, sendo certo, aliás, que tal prova se apresentava como praticamente impossível ou excessivamente difícil. Quanto a esta conclusão de que a prova se apresentava como praticamente impossível ou excessivamente difícil, desde logo pela dificuldade de acesso a dados, é de notar que mesma a Recorrente apenas tinha dados na sua posse relativos ao período de 2004-2014, período este considerado insuficiente, como vimos, para podermos retirar conclusões seguras sobre a inexistência de um sobrecusto e, ainda menos, do seu quantum exato. Discordamos, pois, nestes pontos da matéria de facto, da posição expressa na sentença recorrida e na Resposta da Recorrida (p. 52 e ss.) que sustentam a prova dos factos ora em causa, de forma determinante e inequívoca com base nos relatórios técnicos apresentados pelo Professor AA e demais esclarecimentos por este prestados. Resultando tais meios de prova insuficientes, apesar de termos anteriormente concluído pela existência de preços de aquisição inflacionados nas compras feitas pela Recorrida, preços esses inflacionados devido à infração, continuamos a desconhecer o valor concreto de tal sobrecusto. Nestes termos, sem necessidade de mais considerações, há que alterar a matéria de facto em questão nestes pontos, de modo a refletir a conclusão de que o valor do sobrecusto permanece indeterminado.”. Vejamos. Segundo o n.º 1 do art. 662.º do Código de Processo Civil, “A Relação deve alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto, se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa.” No conspecto jurisprudencial, é unanimemente aceite que o STJ detenha o poder de “verificar se o uso dos poderes conferidos pelo art. 662º, 1 e 2, do CPC foi exercido dentro da imposição de reapreciar a matéria de facto de acordo com o quadro e os limites configurados pela lei para o exercício de tais poderes(-deveres) – não uso ou uso deficiente ou patológico –, que, no essencial e no que respeita ao n.º 1 do art. 662º, resultam da remissão do art. 663º, 2, para o art. 607º, 4 e 5, do CPC (o n.º 2 já é reforço dos poderes em segundo grau)” (cf. Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 03-11-202110). No mesmo sentido vejam-se, a título exemplificativo, os acórdãos de 19-09-201711 e de 30-05-201912. Como sublinha Abrantes Geraldes, o atual art. 662.º do Código de Processo Civil (através dos seus n.os 1 e 2/a)/b)) representa uma clara evolução no sentido de que a Relação dispõe de autonomia decisória, “competindo-lhe formar e formular a sua própria convicção, mediante a reapreciação dos meios de prova indicados pelas partes ou daqueles que se mostrem acessíveis e com observância do princípio do dispositivo no que concerne à identificação dos pontos em discórdia.”13 Segundo o mesmo autor “está afastada, em definitivo, a defesa de que a modificação na decisão da matéria de facto apenas deve operar em casos de «erros manifestos» de reapreciação (…).”14 No caso sob escrutínio, não está em causa a violação pela decisão recorrida das regras atinentes a prova vinculada ou prova com força legalmente vinculativa, pelo que o juízo efetuado pela Relação a propósito do facto relativo à quantificação do sobrecusto, movendo-se no âmbito da liberdade de apreciação de prova (cfr. arts. 366.º e 396.º do Código Civil e 466.º, n.º 3 do Código de Processo Civil), não é sindicável pelo Supremo Tribunal de Justiça, nos termos do disposto nos arts. 662.º/4 e 674.º/3, 1.ª parte, do Código de Processo Civil. Assim, relativamente ao que a recorrente/A suscita relativamente ao exercício puramente valorativo dos elementos documentais e testemunhais a que a Relação recorre para fundamentar a sua decisão de facto na parte em que considerou não provado o montante determinado do mark up ou sobrecusto, não tem o Supremo Tribunal de Justiça poderes para proceder à sua reapreciação, sendo que não se descortina, nem a recorrente invoca propriamente, a ocorrência de qualquer violação de lei adjetiva ou a ofensa de disposição expressa na lei que exija certa espécie de prova ou que fixe o valor de determinado meio de prova. Nesta parte, o que verdadeiramente a recorrente/A, pretende quando se insurge contra a reapreciação da decisão de facto, é, na verdade, questionar a valoração da prova produzida nesta parte por parte da instância recorrida, com a qual não se conforma. Sucede, porém, que a valoração das provas das provas, sujeitas à livre ponderação, na apreciação e alteração da matéria de facto por parte da instância recorrida, está subtraída aos poderes deste Supremo Tribunal. No mesmo sentido, se pronunciou, entre muitos outros, o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 04-06-201915 de acordo com o qual “(…) III - Tendo presente os poderes legais conferidos ao STJ, não pode este tribunal modificar ou sancionar a decisão fáctica fixada pela Relação quando esteja em causa a valoração de meios de prova sem valor tabelado, sujeitos à livre apreciação do tribunal.” Acrescente-se que o iter probatório analisado pela Relação se funda primacialmente na análise bastante exaustiva da documentação junta aos autos, a qual foi conjugada com os depoimentos das testemunhas, tudo analisado à luz das regras da experiência aqui aplicáveis e do contexto específico de mercado em que os factos ocorreram, não se descortinando a relevância, neste domínio puramente factual, da argumentação expendida pela recorrente acerca do critério de determinação do sobrecusto a apurar nos autos. Atente-se que, neste domínio, o Tribunal da Relação não recorreu, no percurso de fundamentação decisória empreendido, a uma verdadeira presunção judicial (cf. prevista no art. 349.º do CC), pois que, no segmento factual em que nos movemos, nada resultou provado quanto à concreta quantificação do sobrecusto: apenas que este existiu em montante não concretamente apurado. Pode, porém, entender-se existir o recurso a uma verdadeira presunção judicial na parte em que o tribunal recorrido deu como provado que existiu um efetivo sobrecusto (cf. factos 30 a 33) e, portanto, um verdadeiro dano na esfera jurídica da autora, ainda que não quantificado (contra o que a ré se insurge no seu recurso), pois que retira de factos conhecidos (as características do cartel, a longa duração dos acordos visando o aumento de preços, a elevada quota de mercado das infratoras, a intensa coordenação entre as mesmas), por apelo a um raciocínio lógico-dedutivo assente nas regras da experiência e da normalidade do acontecer, a conclusão acerca da realidade de um facto desconhecido: a existência de um efetivo dano materializado no sobrecusto de aquisição dos veículos pela autora. A este propósito, também aqui de forma bastante exaustiva, o acórdão recorrido: “… A Recorrida adquiriu todos os camiões com preços de venda fixados durante o período da infração. Ora, no Guia Prático,11 bastante referenciado nestes autos, citando o estudo Oxera 2009, por sua vez sustentado numa série de estudos empíricos já existentes sobre os efeitos dos cartéis, concluiu-se que em 93% dos casos verificaram-se subidas de preços, ou seja, sobrecustos ou preços adicionais12 (parágrafo 142 do Guia Prático). Apenas 7% dos cartéis estudados não implicaram um sobrecusto. Nesta sede, o mesmo Guia Prático não deixa de referir que “os tribunais nacionais, com base nesses conhecimentos empíricos, têm sustentado que os cartéis conduzem normalmente a um preço adicional e que, quanto maior tiver sido a duração e a sustentabilidade de um cartel, tanto mais difícil será para um requerido argumentar a ausência de qualquer incidência negativa nos preços num caso específico. Tais ilações são, todavia, uma questão da competência das legislações aplicáveis” (parágrafo 145). Como recordamos supra em sede de Considerações prévias, em sede de standard da prova, dir-se-á que a quem cabe provar determinado facto de acordo com as regras de repartição do ónus da prova, nomeadamente os factos atinentes ao dano, terá de demonstrar que a hipótese fáctica visada encontra confirmação positiva nos meios de prova que apresentou e é mais provável do que não (teoria da probabilidade prevalecente). Mais acrescentamos, seguindo o STJ no Acórdão de Uniformização de Jurisprudência n.º 2/2022, “a teoria da causalidade adequada cujo objetivo é excluir a imputação de danos que tenham ocorrido devido a um encadeamento de circunstâncias completamente invulgar e que, dum ponto de vista hipotético, não eram de esperar, a ponto de, como é sabido, no domínio da responsabilidade por factos ilícitos e culposos (como é o caso), ser considerada “preferível” a sua formulação negativa, o que significa que para a imputação objetiva dum dano à conduta do lesante será suficiente, em princípio, que a respetiva concretização não se encontre fora de toda a probabilidade”. Ora, seguindo estes ensinamentos e o já exposto, óbvio se torna que a hipótese defendida pela recorrida, no sentido de que adquiriu camiões a um preço mais elevado (dano), preços estes aumentados devido à infração em causa, ou seja, devido aos descritos acordos colusórios (nexo causal), não só é mais provável do que a hipótese contrária, como é bastante mais provável (como se diria em inglês, numa fórmula conhecida, much-more-likely-than-not). Com efeito, a recorrida adquiriu veículos pesados novos, ou através de contratos de locação financeira ou diretamente à Renault Trucks Portugal, Lda, por preços fixados no período em que perdurava o dito cartel, que envolvia a coordenação dos preços brutos, no sentido do seu aumento. É certo que a Recorrente alega, em sede de recurso, que demonstrou nos autos que a hipótese contrária era a mais provável, ou seja, de que inexistiu sobrecusto ou overcharge (ver, em especial, artigos 114-116 das conclusões, nas partes aqui relevantes, ou seja, relativas, à prova da existência de sobrecusto). Em abstrato, conduzindo-nos pelas estatísticas apresentadas no Guia Prático e demais estudos referidos, segundo os quais 93% de cartéis estudados implicaram sobrecustos, sempre sobraria 7% de casos onde tal sobrecusto não se verificou. Vejamos, pois, da pertinência da contraprova. Neste âmbito, foi junto pela Recorrente um outro estudo da Oxera do ano de 2019, junto como doc. 6 da contestação (ref.ªs ...42 e ......58, versões no original inglês e tradução portuguesa), de natureza confidencial e encomendado pelas OEMs (original equipment manufacturers ou fabricantes originais de equipamentos), ou seja, por empresas visadas pela Decisão da Comissão. Neste estudo (doravante Oxera 2019), pode ler-se na página 6 que “[a] Decisão por si só não fornece a base para estabelecer uma inferência económica relativamente à questão de saber se da infração no Caso de Camiões resultaram custos adicionais”. Ou seja, este estudo conclui que a Decisão da Comissão é insuficiente para dele inferir-se a existência de um aumento de preços ou sobrecusto. Contudo, as entidades referidas, ao encomendarem o dito estudo, como salienta a sentença recorrida (p. 73), limitaram-se “a pedir que o estudo se centrasse apenas em parte da infracção, ou seja, na troca de informações”. Efetivamente, na página 6 do referido estudo admite-se “Foi-nos solicitado que preparássemos este relatório com base no facto de que a principal característica da infração no Caso de Camiões foi a troca de informações entre os OEM sobre preços brutos. Como questão de teoria económica, os efeitos concorrenciais da troca de informações podem ser distinguidos dos efeitos de outras formas de conduta associados a infrações colusivas [na língua inglesa original, cartel infringements]”. Ou seja, o estudo explicitamente assume como pressuposto que a infração em causa consistiu essencialmente em trocas de informações entre os fabricantes (e vendedores) dos camiões, pressuposto este com o qual não se pode concordar após a análise da Decisão supra realizada. Mais salienta o texto citado que os efeitos da troca de informações no mercado são diversos dos efeitos de carteis. Ora, estando precisamente aqui em causa um cartel, onde, para além de trocas de informações sensíveis, se verificou que as empresas efetivamente conluiaram e coordenaram o aumento de preços brutos entre si, com o objetivo de distorcer o estabelecimento independente dos preços no mercado e coordenar os timings e respetiva repercussão de custos da introdução de standards de tecnologias de emissões, devemos concluir que aquele estudo parte de um pressuposto manifestamente incorreto. Nestes termos, devemos concluir no sentido da sua irrelevância no que concerne às possíveis inferências baseadas naquele pressuposto. Contudo, o estudo Oxera 2019 não deixa de tecer também considerações sobre possíveis efeitos de cartéis, tal como o cartel efetivamente aqui em causa. Com efeito, recorrendo aos mesmos dados do Guia Prático e do estudo Oxera 2009 (página 10, figura 3.1)13 também conclui que apenas 7% dos cartéis não implicam uma subida de preços no respetivo mercado. Este gráfico corrobora, portanto, que de acordo com a experiência, a probabilidade de um cartel implicar uma efetiva subida de preços é muito elevada.” Acrescenta o acórdão recorrido que: “…perante uma coordenação de atividades do cartel regular e intensa, realizada inclusivamente pelas próprias cúpulas em pessoa várias vezes ao ano, temos de discordar do estudo Oxera 2019 quando afirma inexistir base suficiente para inferir-se que os preços efetivamente praticados não sofreram aumentos devido a tais atividades ilícitas. Perante o concreto cartel ora em causa, com as características que temos vindo a sublinhar, e conduzindo-nos pela razoabilidade e as máximas da experiência comum, cremos ser bastante provável o contrário, ou seja, que se partindo de um preço bruto superior, o preço líquido final também seria mais elevado. Com efeito, resulta das regras da lógica que, se se parte de um preço bruto X, a haver um desconto, por exemplo, um desconto de 20%, o preço líquido final Y refletirá o preço bruto donde se partiu. Assim sendo, acordando as empresas em causa no aumento dos preços brutos é bastante provável que os preços líquidos de venda dos camiões tenham sofrido um aumento proporcional àqueles, tal como concluiu a sentença recorrida no facto provado 30. Cremos, portanto, que a conclusão precedente é a que efetivamente resulta como sendo bastante provável perante as descrições constantes da Decisão, em especial, a longa duração dos acordos colusórios visando o aumento de preços, a extensão territorial do cartel, a elevada quota de mercado das infratoras, a que acresce a intensa coordenação verificada entre as mesmas. Tal conclusão é, pois, a que resulta das máximas da experiência comum e das regras da Lógica.” Perante o exposto, temos que o acórdão recorrido, baseando-se nas descrições da Decisão da Comissão, concluiu que a probabilidade de ter existido um efetivo aumento de preços brutos e líquidos, devido à infração é bastante mais provável do que a hipótese contrária e que essa probabilidade não se mostra abalada pela contraprova apresentada pela ré. Como se escreve no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 11-04-201916: “as presunções judiciais não se reconduzem a um meio de prova próprio, consistindo, antes, em ilações que o julgador extrai a partir de factos conhecidos para dar como provados factos desconhecidos, nos termos definidos no artigo 349.º do Código Civil”; Por sua vez, no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 19-01-201717 entendeu-se que “VI - Face à competência alargada da Relação em sede da impugnação da decisão de facto (art.º 662º, n.º 1, do Cód. Proc. Civil), é lícito à 2ª instância, com base na prova produzida constante dos autos, reequacionar a avaliação probatória feita pela 1ª instância, nomeadamente no domínio das presunções judiciais, nos termos do n.º 4 do art.º 607º, aplicável por via do art.º 663º, n.º 2, ambos do Cód. Proc. Civil”, pelo que não suscita dúvidas que o Tribunal da Relação, no processo de formação da sua convicção própria, possa socorrer-se de presunções judiciais. No âmbito de reapreciação probatória, constitui jurisprudência consolidada a de que o STJ pode fiscalizar o uso de presunções judiciais por parte do Tribunal da Relação para aferir se das mesmas decorre a ofensa de qualquer norma legal, se padecem de evidente ilogicidade ou se partiram de factos não provados (cfr., a título exemplificativo, os acórdãos de 29-09-201618, de 11-04-201919, e de 24-11-202020). No caso, a presunção judicial extraída relativamente à existência de um efetivo dano na esfera jurídica da autora, materializada no facto de que houve um aumento de preços brutos e líquidos dos camiões transacionados, não partiu de factos não provados nem ofende qualquer norma legal, tendo ocorrido sobre matéria em relação à qual se mostra admissível o recurso a presunções judiciais (cfr. art. 351.º do CC, por referência aos arts. 392.º e seguintes do mesmo código e art. 607.º, n.º 5 do CPC, aplicável por via do art. 663.º, n.º 5 do mesmo diploma). Resta aquilatar da “manifesta ilogicidade” da referida presunção, ou seja, se a mesma se funda em “máximas de experiência inexistentes, desprovidas de qualquer fundamento (…). O que o Supremo avalia é se existe um fundamento mínimo ou suficiente, em termos de probabilidade, para estabelecer uma relação entre os factos conhecidos (factum probans) e o facto desconhecido (factum probandum). Está em causa a apreciação da suficiência do nexo lógico utilizado e não aferir se existiam nexos lógicos alternativos a ponderar pelo Tribunal da Relação.” 21 Se o percurso lógico utilizado não se mostrar incompatível com as regras da experiência usadas na decisão recorrida, o Supremo Tribunal de Justiça não deve afastar ou censurar a ilação retirada dos factos provados pela Relação. Para aferir então da invocada ilogicidade da presunção, torna-se necessário averiguar se da decisão de facto e/ou da respetiva motivação constam os factos instrumentais a partir dos quais o tribunal extraiu ilações em sede dos factos essenciais, em conformidade com o estatuído nos arts. 349.º do CC e 607.º, n.º 4 do CPC (Acórdão do STJ de 29.09.201622). Na aproximação ao caso concreto, temos por certo que do elenco dos factos provados constam todos os elementos que suportam a presunção judicial de que existiu um efetivo aumento de preços – sendo que a Decisão da Comissão implica uma presunção inilidível sobre a existência, natureza e âmbito material e territorial da infração (cf. art. 16.º, n.º 1 do Regulamento (CE) n.º 1/2003) -, não se vislumbrando, no percurso decisório conducente ao facto presuntivo qualquer nota da manifesta ilogicidade. Veja-se que, conforme evidenciado pelo acórdão recorrido, resulta claro do artigo 1.º do dispositivo da Decisão da Comissão (dada como preproduzida no facto provado n.º 11)23 que a infração em causa envolveu, desde logo, atos colusórios ou de conluio (e não só a mera troca de informações sensíveis), atos estes relativos a preços e aumentos de preços brutos no Espaço Económico Europeu (EEE) de camiões médios e pesados e sobre os rimins e respetiva repercussão de custos da introdução de standars de tecnologias de emissões (a descrição detalhada da conduta ilícita consta dos considerandos 49 a 51). O tribunal recorrido socorre-se do que consta como provado na referida Decisão da Comissão, designadamente na longa duração do cartel (14 anos – de janeiro de 1997 a janeiro de 2011), a ampla extensão do cartel e a elevada quota de mercado, tudo circunstâncias que foram usadas na Decisão da Comissão para justificar a gravidade da infração e respetivas coimas aplicadas e que demonstram a plausibilidade da asserção de que a infração sancionada pela Comissão implicou uma efetiva subida dos preços praticados no mercado, quer brutos, quer líquidos, influenciando, assim, os preços de venda dos camiões adquiridos pela autora. Saliente-se que, no plano da lógica, não resulta como irrazoável, improvável ou arbitrário considerar que os cartéis conduzem habitualmente a um preço adicional e que, quanto maior a duração e sustentabilidade de um cartel, tanto mais difícil será argumentar a ausência de uma qualquer incidência negativa nos preços.24 Decorre, além disso, da extensa fundamentação do acórdão recorrido, que a contraprova apresentada pela ré foi atendida e devidamente analisada, não tendo servido para abalar o juízo presuntivo firmado quanto à existência do sobrecusto nos termos em que tal matéria resultou provada. Assim, analisada a motivação expendida pelo tribunal recorrido, não se constata haver, muito pelo contrário, insuficiência argumentativa para explicar o juízo inferencial alcançado. Vale tudo isto por dizer que, no caso presente, se mostram respeitados os parâmetros legais da utilização da presunção judicial, seja em sede da sua admissibilidade, seja em sede dos seus pressupostos e da sua aparente logicidade. Donde, em nosso entendimento, deverá improceder in totum a argumentação das recorrentes nesta parte, mantendo-se o quadro factual fixado pelo Tribunal recorrido nos seus precisos termos. Do quantum do dano com recurso a estimativa judicial Na sequência da prova da verificação de um dano (que, no caso, coincide com o sobrecurso) na esfera jurídica patrimonial da autora/A, embora não quantificado, em face da não prova da existência de um sobrecusto de 15,4% sobre os preços de aquisição dos camiões, o acordão recorrido recorreu à estimativa judicial para a determinação do quantum do dano, o que fez ao abrigo do disposto no art. 17.º, n.º 1 da Diretiva 2004/104 e art. 9.º, n.º 2 da Lei n.º 23/2018, de 5 de junho. Dispõe o art. 17.º, n.º 1 da Diretiva: “1. Os Estados-Membros asseguram que nem o ónus da prova nem o grau de convicção do julgador exigidos para a quantificação dos danos tornem o exercício do direito à indemnização praticamente impossível ou excessivamente difícil. Os Estados-Membros asseguram que os tribunais nacionais sejam competentes, de acordo com os processos nacionais, para calcular o montante dos danos, se for estabelecido que o demandante sofreu danos, mas seja praticamente impossível ou excessivamente difícil quantificar com precisão os danos sofridos, com base nos elementos de prova disponíveis. 2. Presume-se que as infrações de cartel causam danos. O infrator tem o direito de ilidir essa presunção. 3. Os Estados-Membros asseguram que, nas ações de indemnização, a autoridade nacional da concorrência possa, a pedido do tribunal nacional, prestar-lhe assistência na quantificação dos danos, caso a autoridade nacional da concorrência considerar adequada a prestação dessa assistência.”. Este artigo 17.º, n.º 1 da Diretiva não é senão a expressão do princípio da efetividade, segundo o qual as normas nacionais não devem tornar impossível, na prática, ou excessivamente difícil o exercício dos direitos conferidos pela ordem jurídica da União.25 A possibilidade de recorrer a uma estimativa judicial decorre do reconhecimento de que “a quantificação dos danos nos processos de concorrência, pela sua própria natureza, tem sido sempre caracterizada por limites consideráveis em relação ao grau de certeza e de exatidão que podem ser esperados. Por vezes, apenas são possíveis estimativas aproximadas” – cf. se escreve no ponto 9. da Comunicação da Comissão sobre a quantificação dos danos nas ações de indemnização que tenham por fundamento as infrações aos artigos 101.º e 102.º do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia Texto relevante para efeitos do EEE.26 A este propósito, e ao nível doutrinal, escreve Nuno A. P. Salpico, que o art. 17.º, n.º 1 da Diretiva tem dois efeitos principais: “1) permite a estimativa dos danos, privilegiando um juízo de aproximação ao valor “real” do dano, 2) autoriza o julgador a atenuar a exigência probatória relativamente à extensão do dano”.27 No sentido de que o art. 17.º, n.º 1 da Directiva tem como efeito “aligeirar o nível de prova exigido para efeitos de determinação do montante dos danos sofridos e sanar a assimetria de informação existente em detrimento da parte demandante”, “bem como às dificuldades resultantes do facto de a quantificação dos danos sofridos Por sua vez, estabelece o art. 9.º da Lei n.º 23/2018, de 5 de junho, sob a epígrafre “quantificação dos danos e do valor da repercussão”, que “1 - Os cartéis são responsáveis pelos danos causados pelas infrações que pratiquem, salvo prova em contrário. 2 - Se for praticamente impossível ou excessivamente difícil calcular com exatidão os danos totais sofridos pelo lesado ou o valor da repercussão a que se refere o artigo anterior, tendo em conta os meios de prova disponíveis, o tribunal procede a esse cálculo por recurso a uma estimativa aproximada, podendo, para o efeito, ter em conta a Comunicação da Comissão (2013/C 167/07), de 13 de junho de 2013, sobre a quantificação dos danos nas ações de indemnização que tenham por fundamento as infrações aos artigos 101.º e 102.º do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia. 3 - A Autoridade da Concorrência presta assistência ao tribunal, a pedido deste, na quantificação dos danos resultantes da infração ao direito da concorrência, podendo requerer ao tribunal a dispensa fundamentada de prestação de tal assistência.”. Na ausência de normativas europeias sobre a quantificação dos danos causados por infrações às regras do Direito da Concorrência, esta baseia-se nas normas e procedimentos nacionais, característicos de cada Estado-Membro. No caso, o artigo 9.º, n.º 2 acabado de citar remete os tribunais nacionais para a possibilidade de proceder ao cálculo dos danos com recurso a uma estimativa aproximada dos danos, o que mais não é do que admitir o recurso a um juízo de equidade (cf. art. 566.º, n.º 3 do CC). Ora, o entendimento consolidado da jurisprudência do STJ quanto à reapreciação dos critérios gerais relativos à fixação da indemnização por danos, designadamente por via do recurso à equidade, é o de que o juízo casuístico feito pelas instâncias deverá, em princípio, ser mantido a não ser que se torne manifesto que a indemnização concretamente arbitrada não se contém dentro dos critérios jurisprudenciais habitualmente seguidos em casos similares (cf. Acórdão do STJ de 23-03-2021; Revista: 1989/05.9TJVNF.G1.S1)28. Prosseguindo a mesma orientação, veja-se, entre outros, o recente Acórdão do STJ de 6-04-2021 (Revista n.º 2908/18.8T8PNF.P1.S1 - 1.ª Secção) em cujo sumário se escreve: “(…) VI. A orientação do STJ é a seguinte: “A aplicação de puros juízos de equidade não traduz, em bom rigor, a resolução de uma ‘questão de direito’»; se é chamado a pronunciar-se sobre «o cálculo da indemnização» que «haja assentado decisivamente em juízos de equidade», não lhe «compete a determinação exacta do valor pecuniário a arbitrar (…), mas tão somente a verificação acerca dos limites e pressupostos dentro dos quais se situou o referido juízo equitativo, formulado pelas instâncias face à ponderação casuística da individualidade do caso concreto ‘sub iudicio’». VII. Não sendo a decisão recorrida um caso que se afaste dos padrões gerais da jurisprudência na fixação deste tipo de danos, impõe-se apenas dizer que a função do STJ consiste em apurar se tal decisão se encontra devidamente justificada, face às circunstâncias do caso, e aos critérios gerais usados em casos similares, tudo ponderado à luz do princípio da igualdade.”. Perante a similitude do percurso estimativo efetuado no caso decidendi cremos ser de aplicar, também aqui, o mesmo entendimento propugnado pela jurisprudência do STJ no que respeita à limitação do poder de sindicância deste Tribunal do juízo de equidade assente numa ponderação casuística. Assim, deverá ser mantido o juízo prudencial e casuístico efetuado pelas instâncias, a não ser que seja manifesto que o julgador não se conteve dentro da margem de discricionariedade consentida pela norma que legitima o recurso à estimativa ou equidade - muito em particular, se o critério adoptado se afastar, de modo substancial e injustificado, dos critérios ou padrões que generalizadamente se entende deverem ser adoptados, numa jurisprudência evolutiva e actualística, abalando, em consequência, a segurança na aplicação do direito, decorrente da necessidade de adopção de critérios jurisprudenciais minimamente uniformizados e, em última análise, o princípio da igualdade. Partindo desta asserção, resta, pois, atender à fundamentação do acórdão recorrido e aos critérios por este utilizados para o cálculo do dano, a fim de apreciar a adequação do juízo casuístico aí feito à luz das questões suscitadas nas conclusões recursórias. Em primeiro lugar, importa salientar que, na ausência de padrão comparativo na jurisprudência nacional, o acórdão recorrido, e bem, socorreu-se de decisões proferidas por outros tribunais europeus no âmbito do mesmo cartel dos camiões, tendo analisado os seus pressupostos e fatores de análise por comparação com a factualidade dada como provada no presente processo. Atentemos, pois, no acórdão recorrido: “…. De notar que na vizinha Espanha, ao que tudo indica, pendem milhares de processos de private enforcement ligados com o mesmo cartel e já foram decididos inúmeros casos, inclusive, pelo respetivo Tribunal Supremo. 29 As decisões do Tribunal Supremo em Espanha, que já envolviam 15 casos no passado mês de junho, confirmaram indemnizações fixadas, com recurso a estimativas judiciais, em 5% do preço de venda de camiões efetivamente pago pelos demandantes (a título de sobrecusto), em casos onde inexiste prova suficiente a sustentar um sobrecusto menor ou maior àquele valor. O estudo Oxera 2019 junto a estes autos com a contestação, já revelava conhecimento sobre diversos processos na Europa, quando mencionou que “em alguns processos que correm termos nos tribunais nacionais, os demandantes basearam os custos adicionais alegados nos níveis típicos ou médios dos custos adicionais identificados nos estudos empíricos sobre cartéis anteriores. O estudo da Oxera de 2009 continha uma visão global desses estudos anteriores e sabemos que alguns demandantes se referiram a esse nosso estudo de 2009” (ponto 1.7 do estudo). Obviamente que tais meta-estudos (estudos incidentes sobre outros estudos) sobre os efeitos de cartéis, nos quais se inclui o estudo Oxera 2009, jamais poderiam servir para fixar uma quantia precisa do dano verificado num caso concreto, leia-se, em sede de facto (neste sentido, Oxera 2019, ponto 1.8). Contudo, em sede de estimativa judicial, ou seja, em sede de direito, tais estudos foram considerados como elementos úteis e válidos pelos respetivos tribunais espanhóis, inclusive pelo Tribunal Supremo, para determinarem o quantum do dano. A este respeito, a decisão de segunda instância proferida em 20-12-2019, pela Audiencia Provincial de Valencia (SAP V 5941/2019 - ECLI:ES:APV:2019:5941),33 subjacente ao citado Ac. STS 2479/2023, refere “La sentencia apelada, ante la falta de prueba pericial apta para cuantificar el daño, estima en el 5% del precio de adquisición de los camiones, el daño sufrido por la demandante y asume los argumentos que resultan de la Sentencia del Juzgado Mercantil 3 de Valencia de 27 de febrero de 2019, que se sustenta en el informe Oxera, y en la que, con elección de la estimación más conservadora del muestreo estadístico, estima razonable un porcentaje de sobreprecio del 5% como media de compromiso entre los umbrales mínimos y máximos que intervienen como común denominador del 93% de los cárteles que aplican sobreprecios” (p. 19-20, com sublinhados nossos). Tal acórdão de segunda instância acabaria também ele por fixar a indemnização em 5% do preço de venda de cada camião efetivamente pago pela respetiva demandante, tendo sido este acórdão confirmado pelo Ac. TS 14-06-2023. No entanto, o acórdão de segunda instância, ou seja, da Audiencia Provincial de Valencia, não deixa de sublinhar a necessidade de acorrer, para além de dados estatísticos, a outras circunstâncias como os elementos presentes na Decisão da Comissão, tal como a natureza do cartel, a critérios jurisprudenciais e à prova produzida nos autos. Por sua vez, pode ler-se no Ac. STS 2479/2023 “… 5% del precio del camión, que es el porcentaje que el tribunal de segunda instancia considera como importe mínimo del daño, atendidas las referidas circunstancias del cártel y los datos estadísticos sobre los porcentajes de sobreprecio que suelen causar los cárteles, en aplicación de las facultades estimativas que el ordenamiento jurídico le atribuía antes incluso de la trasposición de la Directiva, como consecuencia directa del principio de indemnidad derivado de los arts. 1902 CC y 101 TFUE.” (p. 19).”. Para além disso, o acórdão recorrido atendeu ainda a um Acórdão proferido pelo Tribunal da Concorrência Britânico, que, no âmbito do mesmo cartel dos camiões, chegou a resultado coincidente embora com recurso a argumentação diversa (como é o caso do Acórdão do Competition Appeal de 07-02-202330, casos conexos n.ºs 1284/5/7/18 (T) e 1290/5/7/18 (T)). Perante a análise comparativa efetuada, o acórdão recorrido concluiu no sentido da fixação do dano em 5%, como se segue: “Em Espanha a estimativa judicial baseia-se, em importante medida, em estatísticas retiradas de meta-estudos sobre cartéis, conjugadas com circunstâncias factuais retiradas da Decisão da Comissão, critérios jurisprudenciais e provas produzidas em cada caso. As decisões do Reino de Espanha não deixam também de realçar e expressar prudência quando o tribunal se substitui às partes no exercício da estimativa judicial. No Reino Unido a solução apresenta-se como de cariz casuística, como é apanágio dos sistemas de Common Law. Não se recorreu a dados estatísticos alheios ao processo. A solução encontrada, mais do que conservadora, apresenta-se como equitativa perante o trabalho e esforços de ambas partes, em particular dos respetivos peritos, para o esclarecimento das dificuldades do processo. Outras soluções legais existem para casos como o presente, onde o apuramento exato do dano se apresenta como praticamente impossível ou excessivamente difícil. Por exemplo, como nos dá conta o estudo Oxera 2009, na Hungria estabelecia-se uma presunção ilidível de um sobrecusto de 10% em casos que envolviam violações ao artigo 101.º TFUE (Oxera 2009, p. 94). O valor de 10% aplicável por defeito na Hungria, é porventura compreensível se olharmos aos dados científicos presentes no aludido estudo Oxera 2009, citado no Guia Prático. Efetivamente, conduzindo-nos pelo gráfico supra ilustrado, se excluirmos os 7% de cartéis estudados que não implicaram um sobrecusto, e os cerca de 16% que implicaram um sobrecusto até 10%, restam aproximadamente 77% que implicaram um sobrecusto de pelo menos 10%. De acordo com tal estudo, portanto, em termos de probabilidades, um cartel tem uma elevada probabilidade de implicar um sobrecusto de pelo menos 10%. Tendo em conta tal elevada probabilidade poderíamos ser aqui tentados a seguir tal via, estabelecendo no nosso caso, por via de estimativa judicial, o valor do dano em 10%. Se olharmos, aliás, às características do cartel em causa e respetiva gravidade, do qual se salienta a sua longa duração, enorme extensão territorial, elevada quota de mercado e intensas trocas de informações sensíveis e coordenação para aumentos de preços, tal valor não se afigura, pelo menos prima facie, exagerado. Dentro do nosso sistema, contudo, cremos que a solução final também deverá fixar o montante do sobrecusto em 5% do preço de aquisição de cada camião, efetivamente pago pela Recorrida. Para além de circunstâncias da infração já aludidas, no nosso caso temos a aquisição pela Recorrida de 10 camiões, tendo o preço de venda mais baixo sido igual a 67.337,72 € e o mais elevado 86.203,00 €, confirmando as diferenças de preços entre camiões. Os preços de venda reportam-se a um período desde 25-09-2001 a Julho 2008. Tal período totaliza aproximadamente metade do tempo total da infração. A data da última fixação de peço de venda calha (julho 2008) já no período da crise financeira mundial. Em sede de prova, como vimos na resposta à impugnação de factos atinentes ao quantum do dano, o Relatório Cerejeira revelou-se opaco no tratamento efetivamente conferido aos dados, apresentando quase exclusivamente meras médias finais de preços, relativas a longos períodos de tempo com elevadas observações. O trabalho da equipa do Professor DD foi mais transparente, permitindo-nos, aliás, colocar em causa as conclusões do próprio Relatório de Análise inclusive com informação constante do mesmo, informação esta relativa a condicionantes internas da Recorrente verificadas nos anos de 2012-2014 e exteriores, portanto, aos próprios dados. O tratamento de dados realizado por esta equipa também permitiu observar algumas das expectáveis implicações da crise financeira mundial de 2008-2010, tal como a queda abrupta de vendas de camiões e o declínio de margens brutas médias da Recorrente. Mas também este trabalho se revelou em alguns aspetos opaco, por exemplo na ausência de qualquer análise das possíveis relações entre preços brutos e líquidos, quando confessadamente tinham dados para o efeito. Neste contexto, onde cada parte se defrontou com dificuldades próprias, o referido valor de 5% apresenta-se como prudente e razoável. É certo que a quantia assim fixada poderá não responder ao objetivo da reparação integral do dano. Contudo, não nos parece que seja irrelevante prevenir uma indemnização excessiva e o enriquecimento sem causa inerente. Aliás, o artigo 3.º, n.º 2 e 3 da Diretiva, que reflete jurisprudência anteriormente emitida pelo TJUE, salienta os dois interesses. De qualquer forma, na realidade desconhece-se qual o efetivo quantum do dano. Por último, justifica-se que seja adotada esta posição conservadora, porquanto, em última análise, o ónus de prova da prova da quantificação do dano pertencia à Autora, ora Recorrida.”. No que respeita ao recurso à estimativa judicial, começa por entender a ré/R que não se mostram preenchidos os requisitos para a sua aplicação, porquanto o Tribunal recorrido deu como provada a existência de dano com base numa presunção judicial ilógica e inválida. Sobre esta última questão, porém, já nos pronunciámos. Admitida a logicidade e validade da presunção judicial que conduziu à prova da existência de danos, nada há que permite concluir pela ilegalidade do recurso à estimativa judicial, estando esta possibilidade expressamente prevista na Diretiva e na legislação interna nos termos acima expostos, sendo compatível com as regras de distribuição do ónus da prova, como o é o recurso à equidade. Saliente-se que, no caso, não se tratará de recorrer à equidade para contornar questões de falta de prova de factos que pudessem ser provados, mas antes, dentro dos limites que foi possível ter por provados, encontrar a justa compensação para um dano que foi demonstrado, mas cuja extensão exata, não foi possível delimitar com todo o rigor. Nos termos da lei, tal incerteza pode ser suprida com recurso a parâmetros de razoabilidade, adequação e justa proporção, fazendo apelo à justiça do caso, tendo em conta os dados da experiência comum e um padrão de normal diligência. Não vale, pois, aqui invocar, como faz a ré, as regras do ónus da prova. É que os factos constitutivos do direito – a existência do dano e respetivo nexo causal – resultam efetivamente provados. Atente-se, por outro lado, que o objetivo do art. 17.º, n.º 1 da Directiva foi o de justamente “aligeirar o nível de prova exigido para efeitos de determinação do montante dos danos sofridos e sanar a assimetria de informação existente em detrimento da parte demandante, bem como as dificuldades resultantes do facto de a quantificação dos danos sofridos exigir que se avalie de que forma teria evoluído o mercado em causa se não tivesse existido a infração” – cf. Acórdão TJUE no caso C-267/20, Volvo e DAF Trucks31. Por outra banda, a solução pretendida pela R, no sentido de ser inadmissível o recurso à estimativa judicial neste caso, deixando sem tutela a posição jurídica da autora, conduziria, pois, a um resultado manifestamente iníquo e irrazoável, esse sim violador do princípio da efetividade da decisão da Comissão a que aludimos acima. Por seu turno, a autora não se conforma com esta parte da decisão por entender que, ainda que por estimativa judicial, o sobrecusto deveria ter sido fixado em percentagem superior, designadamente a que constava provada na primeira instância: de 15,4%. Para tanto, funda-se nos elementos de prova que, analisados pelo tribunal recorrido, conduziram à não prova do referido facto. Ainda a este propósito, a recorrente/A defende que a interpretação do art. 9.º, n.º 2 da Lei n.º 23/2018 no sentido de admitir como válida uma estimação pelo mínimo ou conservadora é violadora da letra e do espírito da referida norma. Não se vê como podem proceder as objeções da A, quando é certo que o ónus da prova sobre a quantificação recaia sobre si e que os elementos probatórios trazidos pela mesma a juízo não se mostraram suficientes para operar essa quantificação de forma cabal ou direta. Tal como determinado pelo citado art. 9.º, n.º 2 da Lei n.º 23/2018, a estimativa judicial assume-se, neste caso, como o único meio apto a colmatar as incertezas do material probatório na procura da justa composição do litígio, fazendo apelo a dados de razoabilidade e equilíbrio, tal como de normalidade, proporção e adequação às circunstâncias concretas, sem cair no arbítrio ou na mera superação da falta de prova de factos que pudessem ser provados. E, como vimos, os poderes de sindicância deste Tribunal reconduzem-se, neste caso, a um critério prudencial, nos termos do qual só deve ser considerada censurável uma solução que, de forma manifesta e intolerável, exceda a margem de liberdade decisória que permita considerar desajustado um determinado montante indemnizatório. Ora, no caso, no âmbito da determinação do dano, o acórdão recorrido socorreu-se de todos os elementos a valorar no caso e ainda do padrão indemnizatório que tem vindo a ser utilizado pela jurisprudência de outros tribunais europeus, como é o caso da atendibilidade das decisões do Tribunal Supremo em Espanha, que, no âmbito da mesma infração e do mesmo cartel, confirmaram indemnizações fixadas, com recurso a estimativas judiciais, em 5% do preço de venda de camiões efetivamente pago pelos demandantes (a título de sobrecusto), em casos onde inexistia prova suficiente a sustentar um sobrecusto menor ou maior àquele valor. Conforme também refere Nuno Salpico, o que releva, neste âmbito de estimativa de custos, é que “o método utilizado seja razoável em termos probabilísticos e económicos”32. E, neste caso, entende-se que o tribunal recorrido atendeu a todos os fatores casuísticos relevantes para efeitos de determinar o quantum indemnizatório devido a título de dano (sobrecusto), não se afastando, de forma irrazoável ou injustificada, daqueles que são os critérios e montantes aplicados pela jurisprudência de outros tribunais europeus no âmbito do mesmo cartel, que, não sendo obviamente vinculativa, não deixa de constituir um importante referencial decisório nesta matéria, até para efeitos de garantir a efetividade do princípio da igualdade relativa. Neste contexto, a decisão recorrida, sustentada numa motivação clara e exaustiva, oferece, quanto a nós, suficiente fundamentação do dano, podendo afirmar-se que o Tribunal Recorrido prolatou uma decisão fundada num juízo equitativo razoável, justo e equilibrado perante as circunstâncias do caso em apreço e os valores arbitrados em casos similares. Consequentemente, não há como fundamentar a invocada inconstitucionalidade, por parte da R, da interpretação normativa levada a cabo pelo Tribunal Recorrido, por não comprometer esta, pelas razões acima aduzidas, o ideal de segurança da aplicação do direito, o princípio da proporcionalidade ou o princípio da igualdade relativa. Concluindo e sumariando: 1. A presente ação declarativa foi intentada na sequência da prolação, em 19-07-2016, da “Decisão Final da Comissão Europeia, no âmbito do processo AT.39824 – Cartel de Camiões, por violação do artigo 101.º do TFUE e do artigo 53.º do Acordo EEE”, tendo em vista a reparação dos danos decorrentes da violação das normas da concorrência. 2. Trata-se duma ação de private enforcement, regulamentado pela Diretiva 2014/104/UE do Parlamento Europeu e do Conselho de 26-11-2014, publicada no JOCE em 5/12/2014 - Diretiva do Private Enforcement, a qual foi transposta para o ordenamento jurídico nacional. 3. No cálculo da indemnização e atento ao considerando 12 da mencionada Diretiva, o pagamento de juros tem uma componente essencial da reparação para compensar os danos sofridos, sendo devidos desde o momento em que ocorreu o dano até ao momento do pagamento da reparação, sem prejuízo da sua qualificação como juros compensatórios ou juros de mora no âmbito do direito nacional. 4. A presunção judicial extraída relativamente à existência de um efetivo dano na esfera jurídica da A, está materializada no facto de que houve um aumento de preços brutos e líquidos dos camiões transacionados. 5. Na sequência da prova da verificação de um dano - coincidente com o sobrecurso - há que recorrer à estimativa judicial para a determinação do quantum do dano - art. 17.º, n.º 1 da Diretiva 2004/104 e art. 9.º, n.º 2 da Lei n.º 23/2018, de 5 de junho. 6. Na ausência de padrão similar na jurisprudência nacional, importa considerar comparativamente, as decisões proferidas por outros tribunais europeus no âmbito do mesmo cartel dos camiões, em particular decisões do Tribunal Supremo de Espanha respeitantes a idêntica infração e do mesmo cartel que fixaram as indemnizações com recurso a estimativas judiciais, em 5% do preço de venda de camiões efetivamente pago pelos demandantes a título de sobrecusto. DECISÃO - Assim e pelos fundamentos expostos, decide-se negar as revistas e, consequentemente, confirma-se o acórdão recorrido. - Custas pelas recorrentes, na proporção do respectivo vencimento. Lisboa, 13-2-2025 Afonso Henrique (relator) Maria da Graça Trigo Ana Paula Lobo ___________
1. Vide, inter alia, Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 28 de abril de 2014 (Abrantes Geraldes), Proc. n.º 473/10.3TBVRL.P1-A.S1 – disponível para consulta in http://www.dgsi.pt/jstj.nsf/954f0ce6ad9dd8b980256b5f003fa814/cecba1cfc725e19b80257cc80041c4cf?OpenDocument; de 25 de maio de 2017 (Tomé Gomes), Proc. n.º 1182/14.0T8BRG-B.G1-A.S1; de 15-02-2018 (Rosa Ribeiro Coelho), Proc. n.º 28/16.9T8MGD.G1.S2 - disponível para consulta in http://www.dgsi.pt/jstj.nsf/954f0ce6ad9dd8b980256b5f003fa814/77ba2f0065da2e2380258236005eb6a4?OpenDocument; de 20 de fevereiro de 2020 (Ilídio Sacarrão Martins), Proc. n.º 3938/15.7T8VFR.P1.S1 – disponível para consulta in http://www.dgsi.pt/jstj.nsf/954f0ce6ad9dd8b980256b5f003fa814/e917fec9c4155d03802586ed0032c330?OpenDocument; de 17 de novembro de 2021 (Tibério Nunes da Silva), Proc. n.º 712/19.5T8LSB.L1.S1 - disponível para consulta in http://www.dgsi.pt/jstj.nsf/954f0ce6ad9dd8b980256b5f003fa814/431ce74bb03cd28080258790005d83ab?OpenDocument; de 4 de novembro de 2021 (Maria João Vaz Tomé), Proc. n.º 26069/18.3T8PRT.P1 - disponível para consulta in http://www.dgsi.pt/jstj.nsf/954f0ce6ad9dd8b980256b5f003fa814/9ad498dd428338b580258783005b600c?OpenDocument; de 9 de junho de 2021 (Ricardo Costa), Proc. n.º 1035/10.0TYLSB-B.L1.S1 – disponível para consulta in http://www.dgsi.pt/jstj.nsf/954f0ce6ad9dd8b980256b5f003fa814/44e70fa13e0aa69c8025868c0050e171?OpenDocument; de 22 de junho de 2021 (Maria Clara Sottomayor), Proc. n.º 15319/16.0T8PRT.P1.S1 – disponível para consulta http://www.dgsi.pt/jstj.nsf/954f0ce6ad9dd8b980256b5f003fa814/ce6e782f560d9586802586fe004cf22c?OpenDocument; de 6 de maio de 2021 (Oliveira Abreu), Proc. n.º 1097/16.7T8FAR.E2.S1 - disponível para consulta in http://www.dgsi.pt/jstj.nsf/954f0ce6ad9dd8b980256b5f003fa814/ed98e20592c7ceac802586d8005480cd?OpenDocument; de 29-04-2021 (João Cura Mariano), Proc. n.º 115/16.3T8PRG.G1.S1 - disponível para consulta in http://www.dgsi.pt/jstj.nsf/954f0ce6ad9dd8b980256b5f003fa814/45a2ab34cfb8b9f8802586d80051fa57?OpenDocumentC; de 2 de março de 2021 (Graça Amaral), Proc. n.º 2622/19.7T8VNF-B.G1.S1 - disponível para consulta in http://www.dgsi.pt/jstj.nsf/954f0ce6ad9dd8b980256b5f003fa814/3796c4959aa871908025868c0050679c?OpenDocument.↩︎ 2. José Abrantes Geraldes, Recursos em Processo Civil, 6.ª Ed., Coimbra, Almedina, 2020, p. 413.↩︎ 3. Processo n.º 302913/11.6YIPRT.E1.S1, disponível em http://www.dgsi.pt/jstj.nsf/954f0ce6ad9dd8b980256b5f003fa814/9465e7c3ce8fce1180257df1005b84f0?OpenDocument↩︎ 4. Processo n.º 273/14.1TBSCR.L1.S1, acessível em http://www.dgsi.pt/jstj.nsf/954f0ce6ad9dd8b980256b5f003fa814/79787ddb4805ad4580258114003705be?OpenDocument↩︎ 5. Mark-up constitui a diferença entre o valor cobrado por um determinado produto num contexto de restrição da concorrência e o valor que devia ser cobrado caso esse produto fosse vendido num contexto competitivo.↩︎ 6. No mesmo sentido, os Acórdãos do STJ de 27-05-1997, Processo n.º 898/96 - 1.ª Secção; Relator: Cons. Aragão Seia; de 04-06-1998, Processo n.º 419/98 - 2.ª Secção, Relator: Cons. Costa Marques; de 06.07.2000, in BMJ 499-309.↩︎ 7. Disponível em https://diariodarepublica.pt/dr/detalhe/jurisprudencia/4-2002-140138.↩︎ 8. Cf. Acórdão do STJ de 06.07.2000, in BMJ 499-309.↩︎ 9. Processo número 4096/18.0T8VFR.P1.S1, disponível em http://www.dgsi.pt/jstj.nsf/954f0ce6ad9dd8b980256b5f003fa814/af14fa923bb8ccc08025878300330e5a?OpenDocument↩︎ 10. Processo número 3805/04.0TBSXL.L1.S1, não publicado na “dgsi”.↩︎ 11. Processo número 156/16.0T8BCL.G1.S1, disponível em http://www.dgsi.pt/jstj.nsf/954f0ce6ad9dd8b980256b5f003fa814/2ce2ee5787ff982a8025840a0050ec20?OpenDocument↩︎ 12. António Santos Abrantes Geraldes, Recursos em Processo Civil, 6.ª edição atualizada, Coimbra, Almedina, 2020, p. 332.↩︎ 13. António Santos Abrantes Geraldes, ob. cit., p. 349.↩︎ 14. Processo número 64/15.2T8PRG-C.G1.S1, acessível em http://www.dgsi.pt/jstj.nsf/954f0ce6ad9dd8b980256b5f003fa814/0b89858b7e37f19380258411004f5dee?OpenDocument↩︎ 15. Processo número 8531/14.9T8LSB.L1.S1, disponível em http://www.dgsi.pt/jstj.nsf/954f0ce6ad9dd8b980256b5f003fa814/1b13eba9c6324a64802583d9004fb16a?OpenDocument↩︎ 16. Processo número 841/12.6TBMGR.C1.S1, disponível em http://www.dgsi.pt/jstj.nsf/954f0ce6ad9dd8b980256b5f003fa814/316583953b8794f2802580ae0042bb6d?OpenDocument↩︎ 17. Processo número 286/10.2TBLSB.P1.S1, disponível em http://www.dgsi.pt/jstj.nsf/954f0ce6ad9dd8b980256b5f003fa814/857116e69aa1f4a78025803d005539fc?OpenDocument↩︎ 18. Processo número 8531/14.9T8LSB.L1.S1, disponível em http://www.dgsi.pt/jstj.nsf/954f0ce6ad9dd8b980256b5f003fa814/1b13eba9c6324a64802583d9004fb16a?OpenDocument↩︎ 19. Processo número 2350/17.8T8PRT.P1.S1, disponível em http://www.dgsi.pt/jstj.nsf/954f0ce6ad9dd8b980256b5f003fa814/9437b8fccf93c27f8025863e003f63a9?OpenDocument↩︎ 20. Cf. Luís Filipe Pires de Sousa, Prova por Presunção no Direito Civil, 2017, pág. 192.↩︎ 21. Processo n.º 286/10.2TBLSB.P1.S1, disponível em http://www.dgsi.pt/jstj.nsf/954f0ce6ad9dd8b980256b5f003fa814/857116e69aa1f4a78025803d005539fc?OpenDocument↩︎ 22. Junta aos autos como Doc. 1 da petição inicial.↩︎ 23. Cf. se refere no Guia Prático de Quantificação dos Danos nas Ações de Indemnização com base nas infrações aos artigos 101.º e 102.º do TFUE, de 2013, disponível em http://ec.europa.eu/competition/antitrust/actionsdamages/quantification_guide_pt.pdf↩︎ 24. Princípio reconhecido pelo TJUE como emanação dos artigos 101.º e 102.º TFUE – cf. Acs. TJUE 20-09-2001, C-453/99, Courage e Crehan, EU:C:2001:465 e de 13.07.2006, Manfredi e o., C-295/04 a C-298/04, EU:C:2006:461).↩︎ 25. Disponivel para consulta em: https://eur-lex.europa.eu/legal-content/PT/TXT/?uri=CELEX%3A52013XC0613%2804%29↩︎ 26. In Cálculo de Danos e Equidade, Almedina, 2023, p. 110.↩︎ 27. Texto integral disponível em: http://www.dgsi.pt/jstj.nsf/954f0ce6ad9dd8b980256b5f003fa814/ea396af2368b96ed802586ce00343f1e?OpenDocument↩︎ 28. Informação que pode ser consultada em: https://competitionlawblog.kluwercompetitionlaw.com/2023/07/06/the-spanish-supreme-court-sentences-the-trucks-cartel/(acedido em 16-10-2023).↩︎ 29. Acessível em: https://www.catribunal.org.uk/cases/12845718-t-royal-mail-group-limited.↩︎ 30. Acórdão do TJUE de 22 de junho de 2022, C-267/20, Volvo e DAF Trucks, EU:C:2022:494, pg. 82.↩︎ 31. In ob. cit., p. 113.↩︎ |