Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | RECLAMAÇÃO | ||
Relator: | ABRANTES GERALDES | ||
Descritores: | RECLAMAÇÃO DUPLA CONFORME FUNDAMENTAÇÃO ESSENCIAL QUESTÕES SECUNDÁRIAS | ||
Data do Acordão: | 04/28/2014 | ||
Votação: | ----------------------- | ||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
Meio Processual: | RECLAMAÇÃO | ||
Decisão: | INDEFERIDA A RECLAMAÇÃO | ||
Área Temática: | DIREITO PROCESSUAL CIVIL - PROCESSO DE DECLARAÇÃO / RECURSOS. | ||
Legislação Nacional: | CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL (NCPC): - ARTIGOS 671.º, Nº 3, 672.º, Nº 1. | ||
Sumário : | 1. Apesar da confirmação, pela Relação, da decisão da 1ª instância, não existe dupla conforme quando a fundamentação empregue em ambas as decisões seja essencialmente diversa. 2. A alusão à natureza essencial ou substancial da diversidade da fundamentação determina que sejam desconsideradas para o efeito as discrepâncias marginais ou secundárias que não constituem um enquadramento jurídico alternativo. 3. Existindo coincidência em ambas as decisões a respeito da qualificação atribuída pela Autora ao contrato no qual alicerçou a sua pretensão, uma divergência relativamente a uma questão prejudicada por aquela resposta não impede a verificação de dupla conforme. A.G. | ||
Decisão Texto Integral: |
1. Do despacho que rejeitou o recurso de revista, com fundamento na existência de dupla conforme, veio a A. reclamar para este Supremo, alegando que a fundamentação da decisão da 1ª instância é essencialmente diversa da fundamentação do acórdão da Relação, ainda que tenha determinado o mesmo resultado. A tal pretensão se opôs a R. alegando que a fundamentação é essencialmente idêntica, não havendo motivo para a admissão da revista.
4. Ao caso sub judice é aplicável já o NCPC, considerando, além do mais, que o acórdão da Relação data de 5-12-2013, tratando-se de uma acção que foi instaurada em 2010. Nesta acção a A., ora reclamante, veio alegar que sucedeu na posição jurídica que uma sociedade comercial detinha num contrato que foi celebrado com a R., invocando, assim, os direitos que para tal sociedade decorrem do referido contrato. Alegou a A. que se tratava de um contrato de compra e venda de infra-estruturas e de equipamento para distribuição e fornecimento de gás combustível, comprometendo-se a R. a pagar à antecessora da A. um determinado preço pela transferência dos activos que no futuro fosse efectuada, encontrando-se a R. em mora relativamente à obrigação de pagamento do preço. Tal pretensão foi impugnada pela R., alegando, além do mais, que a A. não cumpriu as obrigações a que se vinculara, o que determinou a perda de interesse na transmissão dos activos que fora acordada.
5. Tanto a 1ª instância como a Relação julgaram improcedente a acção, embora sem uma completa coincidência de fundamentos: a) Em primeiro lugar, a primeira instância considerou que não estava demonstrada a legitimidade substantiva da A. relativamente à pretensão que deduziu contra a R. (fls. 102). Invocando a A. que sucedera na posição jurídica que outra sociedade – a AA - Companhia Produtora e Distribuidora de Gás, SA - detinha num contrato que foi celebrado com a ora R. BB - Sociedade Distribuidora de Gás Natural do Douro, SA, concluiu o tribunal de 1ª instância, em via principal, que, assim, improcedia a acção. Já no recurso de apelação que a A. interpôs, a Relação alterou a decisão da matéria de facto e, a partir daí, concluiu que “a A. sucedeu na posição daquela (AA-Companhia Produtora e Distribuidora de Gás, SA”) no contrato aqui em causa e, portanto, tem legitimidade substantiva para, com fundamento nele, pretender exigir e efectivar os direitos resultantes do seu alegado incumprimento” (fls. 77). Porém, como o revela o segmento posterior do acórdão, tal não foi suficiente para considerar procedente a acção, uma vez que a improcedência da acção foi confirmada a partir de fundamentos que também foram analisados na sentença. Nesta perspectiva, a resposta positiva que a recorrente obteve relativamente à primeira questão que foi apreciada na sentença de 1ª instância não apresenta qualquer relevo para levar à admissão do recurso de revista.
b) Em segundo lugar, a 1ª instância não aceitou a qualificação jurídica do contrato que foi indicada pela A. – contrato de compra e venda de activos - conclusão que foi confirmada também pela Relação. A A. sustentou a sua pretensão na outorga de um contrato de compra e venda, nele sustentando a existência de obrigações que não foram cumpridas pela R. e nas quais fundou o pedido de pagamento de numerário. Na sentença de 1ª instância considerou-se que a qualificação que as partes deram ao contrato que celebraram (“contrato de compra e venda de infraestruturas e de equipamentos para distribuição e fornecimento de gás combustível canalizado”) não encontra correspondência com o seu conteúdo, já que nada convencionaram que seja típico de um contrato de compra e venda, sendo de qualificar, isso sim, como “contrato-promessa de venda dos bens e direitos nele contemplados, mediante o qual a A. se obrigou a celebrar acordos de transmissão das redes e clientes que detinha nos pólos de Amarante e Marco de Canaveses”. Tratar-se-ia, assim, de um “contrato-promessa de compra e venda unilateral, mediante o qual a A. assumiu o dever de alienar os bens nele contemplados, mediante preço a fixar de acordo com os critérios fixados no Anexo I ao mesmo contrato-promessa”, de modo que de tal contrato não resultaria para a ora R. “qualquer obrigação de pagamento da quantia reclamada nos autos” (fls. 107). Relativamente a esta questão, a Relação acabou por concluir (fls. 86) “não encontrar motivos bastantes para divergir da conclusão retirada pelo tribunal recorrido”, negando também a existência de um contrato de compra e venda onde a A. sustentara a sua pretensão, negação esta que foi acompanhada de diversa argumentação. Posto que não tenha sido tão categórica como foi a 1ª instância quanto à qualificação jurídica do contrato, confirmou a asserção inicial de que não se estava perante um contrato de compra e venda em cujo incumprimento a A. sustentara a sua pretensão. Nesta ordem de ideias, a fundamentação que levou à confirmação da improcedência da acção acaba por ser substancialmente idêntica, nesta parte, uma vez que recusou a qualificação jurídica pretendida pela A., a única que, de acordo com a causa de pedir invocada, permitiria acolher a pretensão que foi deduzida. Ainda que a Relação tenha considerado que existiria um “compromisso que, sendo pré-contratual ou já vinculativo, quiçá bilateralmente – coisa que nem sequer nos compete decidir e fixar aqui – e de à R. ser imputável conduta violadora das regras da boa fé (art. 227º) ou incumpridora (art. 442º), geraria crédito indemnizatório e não crédito de preço, sendo neste contexto que, em caso de dúvida e nos termos do art. 237º, se haveria de encontrar a solução mais razoável e equilibrada para liquidar a relação entre as partes decorrente daquele negócio” (fls. 69), não tomou posição inequívoca quanto à qualificação jurídica do contrato. Admitindo ora uma relação pré-contratual, ora um contrato-promessa, cada um deles gerador de um eventual direito de indemnização, por violação das regras da boa fé, no primeiro caso, ou por violação da promessa, no segundo, o que é relevante para o caso é a confirmação do que fora afirmado pela 1ª instância quando recusou qualificar o contrato como contrato de compra e venda, o único que poderia sustentar a pretensão relacionada com alegados preços que não teriam sido pagos pela R. à A. Sendo a qualificação jurídica do contrato o elemento essencial de que poderia derivar a procedência da acção, o facto de ambas as instâncias negarem a qualificação proposta pela A. revela que não existe qualquer divergência essencial – no sentido de decisiva para o resultado da lide – emergente da fundamentação do acórdão a respeito da segunda questão suscitada nos autos.
c) Em terceiro lugar, a 1ª instância argumentou ainda, de forma subsidiária, que mesmo que fosse de qualificar o contrato como contrato de compra e venda nem assim a pretensão procederia, uma vez que a A. “não logrou demonstrar nos autos o respectivo preço”, isto é, “o preço das redes e clientes alienados” (fls. 107). Relativamente a esta questão, a Relação considerou, em primeiro lugar, que estaria prejudicada pela resposta que foi dada à segunda questão. Depois, ainda que não tenha aceite o argumento referente à falta de demonstração do preço no âmbito de um putativo contrato de compra e venda, acabou por concluir que “sempre o preço devia ser encontrado, se fosse o caso, no seio do regime privativo do contrato de compra e venda, se este se tivesse demonstrado – o que não sucedeu. Não pelo que a apelante preconiza”. Ou seja, posto que exista uma divergência de entendimentos quanto ao modo como num contrato de compra e venda se determinaria o preço a pagar, tal divergência é circunstancial e não apresenta relevo para evitar uma situação de dupla conforme, já que ocorreu num segmento que se mostra prejudicado pela resposta que foi dada à segunda questão que era verdadeiramente central. Na verdade, o que se mostra decisivo numa e noutra decisão é sempre a recusa de qualificação do contrato como contrato de compra e venda, base de toda a demais argumentação expendida pela A. para sustentar o direito de crédito sobre a A.
5. Por conseguinte, uma vez que o confronto de ambas as decisões das instancias não nos revela uma fundamentação substancialmente ou essencialmente diversa, comprova-se uma situação de dupla conforme que é impeditiva da admissibilidade da revista normal.
6. Face ao exposto, indefere-se a reclamação. Custas a cargo da reclamante. Notifique. Lisboa, 28-4-14
Abrantes Geraldes
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