Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
841/12.6TBMGR.C1.S1
Nº Convencional: 7ª SECÇÃO
Relator: ANTÓNIO JOAQUIM PIÇARRA
Descritores: SIMULAÇÃO
PRESUNÇÕES JUDICIAIS
OBJECTO DO RECURSO
OBJETO DO RECURSO
QUESTÃO RELEVANTE
MATÉRIA DE FACTO
PODERES DA RELAÇÃO
PODERES DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA
IMPUGNAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO
ADMISSIBILIDADE DE RECURSO
RECURSO DE REVISTA
Data do Acordão: 01/19/2017
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: NEGADAS AS REVISTAS
Área Temática:
DIREITO CIVIL - RELAÇÕES JURÍDICAS / FACTOS JURÍDICOS / NEGÓCIO JURÍDICO / EXERCÍCIO E TUTELA DE DIREITOS / PROVAS.
PROCESSO CIVIL - PROCESSO DE DECLARAÇÃO / SENTENÇA ( NULIDADES ) / RECURSOS / ALTERAÇÃO DA DECISÃO SOBRE A MATÉRIA DE FACTO / RECURSO DE REVISTA / FUNDAMENTOS DA REVISTA / PODERES DE COGNIÇÃO DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA.
Doutrina:
- Alberto dos Reis, “Código Processo Civil” Anotado, V Volume, 143.
- Antunes Varela e outros, Manual de Processo Civil, Coimbra Editora, 1985, 500 e 501.
- Beleza dos Santos, A simulação em Direito Civil, Vol. II, Coimbra, 1955, 160 e 161.
- Francisco Manuel Lucas Ferreira de Almeida, Direito Processual Civil, Volume II, Almedina, 2015, 371.
- J.O. Cardona Ferreira, Guia de Recursos em Processo Civil, 6.ª edição, Coimbra Editora, 69.
- Manuel de Andrade, Noções Elementares de Processo Civil, Coimbra Editora, 1976, 214.
Legislação Nacional:
CÓDIGO CIVIL (CC): - ARTIGOS 240.º, N.ºS 1 E 2, 349.º, 351.º.
CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL (CPC): - ARTIGOS 607.º, N.ºS 4 E 5, 608.º, N.º2, 615.º, N.º 1, ALÍNEA D), 660.º, N.º 2, 662.º, N.ºS 1, 2, 3 E 4, 663.º, N.º2, 666.º, 668.º, N.º 1, AL. D), 674.º, N.ºS 1 A 3, 682.º, N.ºS 1 E 2.
LEI DE ORGANIZAÇÃO DO SISTEMA JUDICIÁRIO (LOSJ) – LEI N.º 62/2013, DE 26 DE AGOSTO: - ARTIGO 46.º.
Jurisprudência Nacional:
ACÓRDÃOS DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA:

-DE 25/11/2014, PROFERIDO NO PROCESSO N.º 6629/04. 0TBBRG.G1.S1, E DE 24/11/2016, PROFERIDO NO PROCESSO N.º 96/14.8TBSPS.C1.S1, AMBOS ACESSÍVEIS ATRAVÉS DE WWW.DGSI.PT .
Sumário :
I – As questões a decidir, em sede recursória, centram-se nos pontos essenciais do objecto do recurso, delimitado pelas conclusões, não abrangendo os argumentos fáctico-jurídicos invocados em defesa das teses sustentadas pelas partes.

II - Na fixação da matéria factual relevante para a solução do litígio a Relação tem a derradeira palavra, através do exercício dos poderes que lhe são conferidos pelos n.ºs 1 e 2 do art.º 662.º do Cód. de Proc. Civil, acrescendo que da decisão proferida nesse particular pela Relação não cabe recurso para o Supremo Tribunal de Justiça (art.º 662º, n.º 4, do Cód. Proc. Civil).

III - É residual a intervenção do Supremo Tribunal de Justiça no apuramento da factualidade relevante da causa, restringindo-se, afinal, a fiscalizar a observância das regras de direito probatório material, a determinar a ampliação da matéria de facto ou o suprimento de contradições sobre a mesma existentes.  

IV – O uso de presunções não se reconduz a um meio de prova próprio, consistindo antes, como se alcança do art.º 349º do Cód. Civil, em ilações que o julgador extrai a partir de factos conhecidos (factos de base) para dar como provados factos desconhecidos (factos presumidos).

V – A presunção traduz-se e concretiza-se num juízo de indução ou de inferência extraído do facto de base ou instrumental para o facto essencial presumido, à luz das regras da experiência, sendo admitida nos casos e termos em que é admitida a prova testemunhal (art.º 351º do Cód. Civil).

VI - Face à competência alargada da Relação em sede da impugnação da decisão de facto (art.º 662º, n.º 1, do Cód. Proc. Civil), é lícito à 2ª instância, com base na prova produzida constante dos autos, reequacionar a avaliação probatória feita pela 1ª instância, nomeadamente no domínio das presunções judiciais, nos termos do n.º 4 do art.º 607º, aplicável por via do art.º 663º, n.º 2, ambos do Cód. Proc. Civil.

VII - Todavia, em sede de recurso de revista, a sindicância sobre a decisão de facto das instâncias em matéria de presunções judiciais é muito circunscrita, admitindo-se, ainda que com alguma controvérsia, que o Supremo Tribunal de Justiça apenas poderá sindicar o uso de tais presunções pela Relação se este uso ofender qualquer norma legal, se padecer de evidente ilogicidade ou se partir de factos não provados.

VIII – É muito rara e difícil a prova directa da simulação negocial, pois «aqueles que efectuam contratos simulados ocultam os seus propósitos e intenções, não manifestando publicamente a sua vontade de simular, antes se esforçando em tornar verosímil o que há de aparente e fictício no acto que praticam».

IX - Por essa razão, «há quase sempre que recorrer para a demonstrar a um conjunto de factos conhecidos, tais como as condições pessoais ou patrimoniais dos outorgantes, as relações em que eles se encontram entre si, os factos que precedem a realização do acto jurídico, as circunstâncias em que foi celebrado, o seu próprio conteúdo e finalmente os factos posteriores à celebração, mas com eles relacionados».

Decisão Texto Integral:

           


Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:

Relatório

I AA e marido, BB, residentes em Lisboa, CCe marido, DD, residentes no Reino Unido, instauraram acção declarativa, sob a forma de processo ordinário, contra:

1 – EE e mulher, FF, residentes em Trutas, Marinha Grande;

2 – GG, Ldª, com sede em......, Marinha Grande;

3 – HH (entretanto falecido e actualmente representado pelos seus herdeiros – devidamente habilitados - II, JJ e KK) e mulher, II, residentes em......, Marinha Grande;

4 – LL, residente em Embra, Marinha Grande;

5 – MM, residente em Embra, Marinha Grande;

6 – NN – ....................... Ldª, com sede em Embra, Marinha Grande;

7 – OO, residente em Amieirinha, Marinha Grande;

8 – PP e mulher, QQ, residentes em Casal dos Ossos, Marinha Grande, alegando, em síntese, que:

São credores dos 1ºs e 4º Réus pelo valor de €698 317,00, conforme sentença transitada em julgado proferida, em 27 de Outubro de 2009, no processo ordinário que sob o nº 5441/03.9TBLRA correu termos pelo 1º Juízo Cível da Comarca de Leiria.

Instauraram acção executiva contra os mesmos, com base nessa sentença condenatória, no âmbito da qual foi efectuada a penhora das quotas e imóveis infra identificados (no pedido).

Constataram, no entanto, que os mesmos se encontravam inscritos a favor de pessoa diversa dos Executados por força dos negócios e actos que haviam sido celebrados e praticados entre os Réus.

Esses actos e negócios não correspondem à real vontade dos outorgantes, tendo sido simulados com o objectivo de subtrair os bens em causa do património dos devedores e tornar impossível a satisfação do crédito dos Autores.

Não foi pago qualquer preço pelas aludidas transmissões, sendo que todos os intervenientes nesses actos tinham conhecimento do crédito dos Autores.

São, por isso, nulos por simulação e, ainda que assim não seja, sempre serão ineficazes relativamente aos Autores nos termos previstos no art. 610º e segs. do CC.

Com tais fundamentos, concluíram por pedir que:

a) Seja declarado nulo, por simulação absoluta, o contrato de cessão de quota celebrado entre os 1ºs. Réus e a 2ª Ré, através do qual esta registou a seu favor, mediante a Menção Dep 75/2009-04-20, a aquisição da quota do valor nominal de €3.250,00, de que a 1ª Ré era titular no capital da sociedade denominada “FF – C ”, matriculada na Conservatória do Registo Comercial da Marinha Grande sob o nº000000;

b) Seja declarado nulo, por simulação absoluta, o contrato de cessão de quota celebrado entre os 1ºs Réus e o 3º Réu, através do qual este registou a seu favor, mediante a Menção Dep 000004-20, a aquisição da quota do valor nominal de €1.500,00, de que a 1ª Ré era titular no capital da sociedade denominada “FF –......., Lda.”, matriculada na Conservatória do Registo Comercial da Marinha Grande sob o nº 00000000;

c) Seja declarado nulo, por simulação absoluta, o contrato de compra e venda formalizado pela escritura pública, celebrada entre os 4º e 5º Réus e a 6ª Ré, no dia 30 de Junho de 2008, iniciada a fls. 0000 do Livro 52-A, do Cartório Notarial da Marinha Grande, e que teve por objecto o prédio urbano descrito na Conservatória do Registo Predial da Marinha Grande, na ficha nº 0000 da freguesia da Marinha Grande e inscrito na matriz daquela freguesia sob o artigo 17758;

d) Seja declarado nulo, por simulação absoluta, o contrato de cessão de quota celebrado entre o 4º e o 7º Réus, através do qual este registou a seu favor, mediante a Menção Dep 00000000, a aquisição da quota do valor nominal de €25.000,00, de que o 4º Réu era titular no capital da sociedade denominada “NN – ....................... Lda.”, matriculada na Conservatória do Registo Comercial da Marinha Grande sob o nº0000000;

e) Seja declarado nulo, por simulação absoluta, o divórcio por mútuo consentimento, que decretou a dissolução do casamento celebrado entre os 4º e 5º Réus, proferido no processo nº 210 de 2010, da Conservatória do Registo Civil da Marinha Grande, bem como a partilha que lhe foi subsequente, nos termos da qual foi adjudicado à 5ª Ré, o direito de propriedade da fracção autónoma identificada pela letra “H”, do prédio urbano descrito na Conservatória do Registo Predial da Marinha Grande, sob o nº 0000/Marinha Grande;

f) Seja declarado nulo, por simulação absoluta, o contrato de compra e venda celebrado entre a 5ª e o 8º Réus e que teve por objecto o prédio urbano descrito na Conservatória do Registo Predial da Marinha Grande, na ficha n0000-H, da freguesia da Marinha Grande;

g) Seja ordenado o cancelamento dos registos de aquisição efectuados pela 2ª Ré, 3º Réu, 6ª Ré, 7º e 8º, Réus, bem como o averbamento nº5, de 2010-03-10, do assento de nascimento nº.....do ano de 2008 da Conservatória do Registo Civil da Covilhã, referente à 5ª Ré e idêntico averbamento feito no assento de nascimento do 4º Réu, que tem o nº689 do ano de .....4 da Conservatória do Registo Civil da Marinha Grande, bem como o registo de aquisição efectuado pela 5ª Ré, correspondente à Ap 0000000de 2010/12/10, no prédio descrito na CRP da Marinha Grande sob a ficha 0000– H, da freguesia da Marinha Grande, além de todos os outros que venham eventualmente, com bases neles, a ser feitos.

Subsidiariamente, e para a hipótese de não serem julgados procedentes, todos ou algum dos pedidos formulados nas alíneas a), b), c), d) e e), pedem que:

g) Sejam declarados ineficazes em relação aos Autores os negócios celebrados entre os 1ºs e a 2ª e 3º Réus, assim como o negócio jurídico celebrado entre os 4º e 5º e a 6º Réus, entre o 3º e o 7º Réus e a partilha subsequente a divórcio efectuada entre o 4º Réu e a 5ª Ré, e entre a 5ª Ré e os 8ºs Réus, termos do disposto nos artigos 610º, e ss. do Código Civil;

h) Sejam os 2º, 3º, 6º, 7º, 5º e 8º Réus condenados a reconhecer a ineficácia, em relação aos Autores, dos negócios em que participaram e, consequentemente, a não se oporem à execução desses bens nos seus patrimónios e ainda que os Autores pratiquem os actos de conservação de garantia patrimonial autorizados por Lei, na medida necessária à satisfação do seu crédito sobre os 1ºs e 4º Réus, tudo nos termos do disposto no artigo 616º do Código Civil.

Os Réus MM, NN – ....................... Ldª, OO, PP e QQ apresentaram contestação conjunta, impugnando parte dos factos vertidos na petição inicial e alegando, em resumo, que pretenderam efectivamente celebrar os negócios em causa e que não actuaram com a intenção de prejudicar quem quer que fosse, desconhecendo até os problemas económicos e financeiros de NN e o crédito dos Autores.

Mais alegaram ainda que a actuação dos Autores, ao proporem a presente acção, causou prejuízos à sociedade NN, Ldª que, atento o registo da acção, ficou impedida de vender a moradia identificada nos autos, ficando com a sua actividade paralisada e passando a surgir, aos olhos de fornecedores e clientes, como uma empresa de risco elevado.

Com tais fundamentos, concluíram pela improcedência da acção e litigância de má fé dos Autores, a sancionar com multa e indemnização, e, em reconvenção, pediram a condenação dos mesmos a pagarem à NN, Ldª indemnização por danos não patrimoniais e patrimoniais, a fixar em execução de sentença.

Os Réus HH, II e GG, Ldª também apresentaram contestação conjunta, alegando que pagaram as cessões de quotas em que tiveram intervenção e que desconheciam o crédito dos Autores, para além de que, atenta a data da propositura da acção (23/05/2012) e o disposto no art. 291º do CC, a eventual nulidade da cessão de quotas não prejudica o direito de propriedade que os Réus adquiriram, por documento particular de 13/04/2009, sobre as quotas da sociedade FF – Ca.......Ldaª.

O Réu EE contestou, sustentando que os factos alegados que lhe dizem respeito são falsos, não teve qualquer intenção de prejudicar os Autores e foi alheio ao contrato de cessão de quotas de FF, Unipessoal, Ldª, cuja actividade era exercida apenas pela sua mulher – de quem já se encontra divorciado – e que apenas assinou o documento que titula o contrato a pedido da mulher e para lhe facilitar a vida.

A Ré FF também contestou, impugnando alguns dos factos alegados e sustentando ter cedido as quotas societárias porque necessitava de fazer obras no salão, tendo recebido o valor devido por essa cedência, que foi um negócio efectivamente pretendido pelas partes, além de que desconhecia os negócios do seu marido e, mais concretamente, o negócio que levou à presente acção.

Os Autores apresentaram réplica, reafirmando os factos que haviam alegado, impugnando os factos em que se fundamenta a reconvenção e alegando que, seis anos antes da propositura desta acção, a sociedade NN, Ldª já estava quase paralisada e sem actividade, tendo passado a dedicar-se à exploração de uma creche e jardim de infância, concluindo, assim, pela improcedência da reconvenção e pela litigância de má fé dos Réus contestantes.

Saneado o processo, com admissão da reconvenção, delimitação do objecto do litígio e enunciação dos temas de prova.

O processo seguiu a sua tramitação e, realizada a audiência de discussão e julgamento, com gravação dos depoimentos nela prestados, foi proferida sentença que, na total improcedência da acção e da reconvenção, absolveu os Réus e os Autores dos respectivos pedidos.

Discordando dessa decisão, apelaram os Autores, com parcial êxito, tendo a Relação de Coimbra, após aditar alguns pontos à matéria de facto, revogado parcialmente a sentença da 1ª instância e decidido o seguinte:

a) Declarar nulo, por simulação absoluta, o contrato de cessão de quota celebrado entre os 1ºs. Réus e a 2ª Ré, através do qual esta registou a seu favor, mediante a Menção Dep 75/2009-04-20, a aquisição da quota do valor nominal de €3.250,00, de que a 1ª Ré era titular no capital da sociedade denominada “FF , Lda.”, matriculada na Conservatória do Registo Comercial da Marinha Grande sob o nº 0000000;

b) Declarar nulo, por simulação absoluta, o contrato de cessão de quota celebrado entre os 1ºs Réus e o 3º Réu, através do qual este registou a seu favor, mediante a Menção Dep 000000-20, a aquisição da quota do valor nominal de €1.500,00, de que a 1ª Ré era titular no capital da sociedade denominada “FF –......., Lda.”, matriculada na Conservatória do Registo Comercial da Marinha Grande sob o nº 0000000;

c) Declarar nulo, por simulação absoluta, o contrato de compra e venda formalizado pela escritura pública, celebrada entre os 4º e 5ª Réus e a 6ª Ré, no dia 30 de Junho de 2008, iniciada a fls. 146, do Livro 52-A, do Cartório Notarial da Marinha Grande, e que teve por objecto o prédio urbano descrito na Conservatória do Registo Predial da Marinha Grande, na ficha nº 0000, da freguesia da Marinha Grande e inscrito na matriz daquela freguesia sob o artigo 17758;

d) Declarar nulo, por simulação absoluta, o contrato de cessão de quota celebrado entre o 4º e o 7º Réus, através do qual este registou a seu favor, mediante a Menção Dep 0000/2009-07-09, a aquisição da quota do valor nominal de €25.000,00, de que o 4º Réu era titular no capital da sociedade denominada “NN – ....................... Lda.”, matriculada na Conservatória do Registo Comercial da Marinha Grande sob o nº0000000;

e) Ordenar o cancelamento dos registos de aquisição efectuados pela 2ª Ré, 3º Réu, 6ª Ré e 7º Réu, com base nos actos mencionados nas alíneas antecedentes, além de todos os outros que venham eventualmente, com bases neles, a ser efectuados.

f) confirmar no mais a sentença.

Agora inconformados, interpuseram os Réus MM, NN – ....................... Ldª, OO, PP e QQ recurso revista, finalizando a sua alegação, com as seguintes conclusões:

A) No acórdão recorrido verifica-se violação de lei substantiva e processual, bem como do erro na apreciação das provas, por se verificar ofensa de uma disposição expressa de lei que exija certa espécie de prova para a existência do facto, nos termos do deposto no artigo 674.°, n.° 1, alíneas a) e b) e n.° 3 do CPC;

B) O acórdão recorrido viola as seguintes disposições legais: 240.°, 342.° e ss., 346.°, 347.°, 349.°, 351 do Código Civil; artigo 615.°, 662.° e 674.°do CPC; artigos 202.°e 205.° da CRP;

C) O acórdão recorrido viola ainda os princípios da livre convicção do julgador e do dispositivo;

D) O acórdão recorrido enferma ainda de erro na aplicação do direito, nomeadamente das disposições legais e princípios acima indicados; Devendo por isso o tribunal ad quem apreciar a violação da lei substantiva que consistiu no erro da aplicação dos artigos 240.°, 342.°, 349.°, 351.° e 342, todos do Código Civil.

E) Para fundamentar a alteração da decisão proferida sobre a matéria de facto, o tribunal a quo baseou-se apenas, e só, em presunções judiciais, não conferindo - e bem! - qualquer credibilidade ao depoimento da única testemunha arrolada pelos ora Recorridos para sustentar a sua pretensão. Sendo que, com base na dificuldade de prova, o tribunal da Relação acaba por julgar o pleito apenas, e só, com apelo às presunções judiciais;

F) O acórdão recorrido violou as regras respeitantes ao ónus da prova, previstas nos artigos 342.° e ss. do Código Civil, violando ainda os princípios da livre convicção do julgador e do dispositivo;

G) A dificuldade de prova não pode permitir - como pretendem os Recorridos - que estes se ''livrem" do ónus de produção de prova que sobre si impende.

H) A dificuldade de prova não pode permitir à parte sobre a qual recai o ónus da prova, nada provar! Se assim fosse, bastaria invocar a dificuldade de prova, para que a parte nada fizesse.

I) A admitir o entendimento vertido no douto acórdão acerca do uso de presunções judiciais, as normas referentes ao ónus da prova - artigos 342.° e ss. do CC - ficariam destituídas de qualquer sentido.

J) Não se desconhece que o Supremo Tribunal de Justiça apenas aprecia matéria de direito. Contudo, existem exceções que não constituem limites puros à sua interferência no que respeita à fixação da matéria provada ou não provada, bem como situações em que existiu um verdadeiro erro de aplicação do direito como in casu, que infra se exporá.

K) O acórdão que se pretende recorrer incorreu na violação de lei substantiva ao invocar presunções judiciais quando tal não lhe era consentido ou, pelo menos, nos termos e com os limites com que o fez.

L) O acórdão recorrido, no uso das presunções, não teve em conta os documentos juntos dos autos - não impugnados pelos Recorridos -, que de per si, têm força probatória plena, entre os quais, os juntos por requerimentos juntos aos autos em 4 de Setembro de 2015;

M) Todos os documentos em causa, a serem devidamente valorados, permitem-nos concluir que, efetivamente, a utilização das presunções nos termos em que o foi é ilógica, para além de contrariar a força probatória plena dos referidos documentos, que lhe é conferida por força do disposto no artigo 376.° do Código Civil.

N) Tratando-se de documentos com força probatória plena, a única forma de a contrariar seria, nos termos do disposto no artigo 347.° do CC, através de "meio de prova que mostre não ser verdadeiro o facto que dela for objecto, sem prejuízo de outras restrições especialmente determinadas na lei". O que não se verificou.

O) O tribunal a quo escudando-se nas presunções fez tábua rasa do referido preceito legal, excedendo, também por esta via, os poderes que lhe são conferidos pelo artigo 662.° do CPC.

P) Quanto a facto de venda da moradia à sociedade Recorrida "NN, Lda." - da qual era sócio NN conjuntamente com a Recorrida MM -, refira-se que a mesma foi vendida à aludida sociedade Recorrida, por escritura pública outorgada no Cartório Notarial da Marinha Grande, em 30 de Junho de 2008, pelo preço de € 141.000,00 (cento e quarenta e um mil euros), conforme se comprova pela certidão predial permanente com o código de acesso PP-063 0-000000- 00000000.Sendo que a escritura pública é um documento com força plena, atento o estatuído no artigo 376.° do CC.

Q)  Não pode o tribunal de 2ª instância alterar este facto provado - através de documento autêntico com força probatória plena - meramente com base em presunções judiciais.

R) O mesmo se diga a respeito da venda da quota da sociedade Ré NN, Lda, formalizada através de documento com força probatória plena. Sendo que os documentos atinentes ao pagamento do preço – cópia do cheque e do respectivo documento de depósito- não foram impugnados.

S) É mais que evidente que o Recorrente OO quis ser sócio da sociedade Recorrida e, por isso, comprou quotas da mesma e ainda subscreveu um aumento do capital social.

T) Todos os factos supra mencionados podiam todos ser sido objeto de prova pelos Recorridos, em cumprimento do ónus da prova que sobre si impendia.

U) As presunções judiciais não são, assim, propriamente meios de prova, mas sim ilações que o julgador tira de um facto conhecido para firmar um facto desconhecido, conforme decorre do artigo 349.° Código Civil. No entanto, pressupõem a existência de um facto conhecido (base da presunção), cuja prova incumbe à parte que a presunção favorece.

V)  In casu, a parte a quem a presunção favorecia, não provou um único facto dos que invocou. Pelo que nem sequer há qualquer base para a presunção.

W) As presunções judiciais só são legítimas quando não alterem os factos que a prova haja fixado, isto é, se o facto desconhecido foi objeto de prova e das respostas do julgador, o sentido destas, em relação a esse facto, não pode ser alterado.

X)  É precisamente o caso dos autos, porquanto o facto desconhecido foi objeto de prova, que foi devidamente valorada pelo julgador de 1ª. Instância.

Y)  O tribunal a quo, fazendo apelo às presunções judiciais, altera de forma manifesta os factos provados relevantes para a decisão da causa. O que, a nosso ver, excede manifestamente o alcance dos artigos 349.° e 351.°, ambos do CC, bem como do artigo 662.° do CPC.

Z) O Tribunal da Relação tem um papel meramente residual de aferição da razoabilidade da convicção probatória do julgador da 1.ª instância. O que não ocorreu no caso em apreço, porquanto toda a matéria de facto relevante para   a decisão da causa foi alterada, tendo por base, apenas e só, presunções judiciais, ceifando por completo o entendimento do julgador da 1.ª instância. Esquecendo totalmente que para a formação da convicção entram necessariamente elementos que em caso algum podem ser importados para a gravação da prova, por mais fiel que ela seja das incidências concretas da audiência;

AA)Ao tribunal de segunda jurisdição não compete ir à procura de uma nova convicção, aliás, tal está-lhe completamente vedado, já que lhe cabe apenas averiguar se a convicção expressa pelo tribunal da 1ª instância fez uma correta apreciação da prova produzida e livremente apreciada. O tribunal a quo excedeu, assim, manifestamente os seus poderes.

BB) Devendo por isso o tribunal ad quem apreciar a violação da lei substantiva que consistiu no erro da aplicação dos artigos 240.°, 342.°, 349.°, 351.° e 342, todos do Código Civil.

CC) pelo que deve o tribunal ad quem suprimir os factos presumidos pela violação das normas supra referidas, uma vez que o tribunal de 2ª instância procedeu a um errado juízo dedutivo e presuntivo sobre factos que ofenderam as supra referidas normas legais.

DD) Entendemos, assim, que fruto da ofensa às mencionadas normas legais, como acima se expôs, particularmente os artigos 342.° e 376.° do CC, bem como o artigo 662.° do CPC.

EE) O tribunal da Relação não procedeu a uma adequada e integral utilização dos meios que o artigo 662° do CPC faculta na apreciação da impugnação da decisão de facto.

FF) Vem sendo entendido, de forma pacífica, que a interpretação do artigo 662.° do CPC, apesar da irrecorribilidade prevista no seu n.° 4, reserva ao Supremo "uma margem de intervenção para situações em que o resultado final ao nível da decisão da matéria de facto foi prejudicada por errada aplicação da lei de processo", podendo ser exercida censura sobre o uso que a Relação fez dos seus poderes de anulação.

GG) Pelo exposto, é nosso entendimento, tendo ainda em consideração a ratio do artigo 682.°, n.° 3, do CPC, que se deve anular a decisão da Relação sobre a matéria de facto.

HH) A sindicância do uso das presunções judiciais, porque feito em violação da lei, é matéria de direito, pelo que cabe na alçada do STJ.

II) O STJ pode sindicar o uso de presunções judiciais pela Relação para averiguar se ela ofende qualquer norma legal, se padece de alguma ilogicidade ou se parte de factos não provados.

JJ) No caso em apreço é manifesto que para além de ofender normas legais, é ilógica.

KK) Os Venerandos Desembargadores, violaram de forma clamorosa o n,° 3 do artigo 674.° do CPC na medida em que fundamentaram a sua decisão apenas e só em presunções judiciais, quando existem factos provados por documentos com força probatória plena, e que foram ignorados.

LL) Cabe ao Ilustre Supremo Tribunal de Justiça sindicar o juízo que o tribunal a quo fez acerca do âmbito e profundidade da tarefa de análise crítica das provas que lhe cumpre realizar, até porque, se desconhece se reapreciou efetivamente todas as provas indicadas pela parte, inclusivamente a respectiva audição dos depoimentos, o que no acórdão não se descortina se tal procedimento foi efetuado.

MM) A prova por presunção efetuada pelo tribunal de 2ª instância não é uma prova totalmente aberta e plena, aliás, como não o é a livre convicção;

NN) Se, de facto, o recurso às presunções judiciais constitui uma das formas lícitas do julgador poder extrair conclusões e proferir uma decisão de mérito que salvaguarde a verdade material e a justiça do caso concreto, certo é que existem limites para tal; Sendo que a jurisprudência tem entendido que não se pode suprir por via judicial da presunção judicial a carência de prova dum facto sujeito a julgamento, uma vez que, se tal acontecesse, se estaria a violar o princípio do dispositivo;

OO) Não é possível determinar um facto por presunção judicial, se o quesito que visava o mesmo facto mereceu resposta negativa. Sendo que é precisamente o caso dos autos, já que a presunção operou em relação a factos não provados.

PP) Existindo violação ao dispositivo do Código Civil no seu artigo 351.°, é evidente que ocorreu má aplicação do artigo 240.° do mesmo diploma legal, referente à simulação;

QQ) Uma vez que o tribunal da 2.a instância baseando-se em presunções judiciais, que ultrapassaram os limites impostos legalmente, declarou factos provados que indiciaram a existência de uma simulação, verificando-se que tais factos não se podem considerar como provados pelo tribunal ad quem, pelas razões supra expostas, automaticamente não se poderá concluir que existiu simulação, devendo manter-se a sentença do tribunal da 1ª instância.

RR) O douto acórdão viola o espírito e a ratio da lei para a aplicação das presunções judiciais.

SS) No caso dos autos, porquanto o uso das presunções judiciais parte de factos não provados. Pelo que, para além de ilógica, é ilegal, violando inclusivamente normas constitucionais, entre as quais as contidas nos artigos 202.°e 205.° da Constituição da República Portuguesa (doravante CRP).

TT) Fazendo apelo às regras da experiência, ao senso comum e às presunções aplicadas ao caso em análise nunca poderia concluir-se pela simulação dos negócios jurídicos em causa.

UU) Pelo contrário, atendendo às regras de experiência comum, conjugadas com os documentos juntos aos autos, a conclusão que se impunha era precisamente a da validade do negócio de cessão de quotas e de venda da casa para a Recorrente NN.

VV) O acórdão recorrido é nulo (artigo 674.°, n.° 1, alínea c) e nos termos do disposto no artigo 615.°, n.° 1, alínea d), ambos do CPC);

WW) Conforme consta destes autos, nomeadamente da resposta às alegações - quer no corpo da resposta, quer nas conclusões - os ora Recorridos, em sede de alegações, alegaram factos novos. Factos esses que foram tidos em conta pelo tribunal a quo para formular a sua convicção e, consequentemente, para alterar a decisão da matéria de facto.

XX) Não fossem os novos factos carreados ao processo pelos Recorrentes - entre os quais se refere, a título exemplificativo, os inerentes ao suposto incumprimento de obrigações fiscais por parte dos Recorrentes, como indício da alegada simulação - e decerto que o tribunal a quo teria tido outra convicção e ponderado outros factores na invocação do "senso e experiência comuns".

YY) O acórdão recorrido é totalmente omisso em relação a tal questão. Pelo que o acórdão é nulo, nos termos do disposto no artigo 615.°, n.° 1, alínea d) do CPC, porquanto o tribunal não se pronunciou sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento.

ZZ) No caso em apreço os Recorridos nada provaram acerca da simulação que invocaram. Sendo que o ónus da prova, recaia sobre si, nos termos do disposto no artigo 342.° do CC.

AAA) Os negócios que os Recorridos entendem que são simulados, são, na verdade, negócios perfeitamente normais no comércio jurídico, feitos ao abrigo da liberdade de iniciativa económica, constitucionalmente consagrada. Negócios onerosos que foram pagos.

Por sua vez, a ré FF concluiu, assim, a revista autónoma que interpôs:

A. No acórdão recorrido verifica-se violação de lei substantiva e processual, e bem assim, o erro na apreciação das provas, nos termos do disposto no artigo 674.°, n.° 1, alíneas a) e b) e n.° 3 do CPC;

B. O acórdão recorrido viola ainda as seguintes disposições legais: 240.°, 342.° e ss., 346.°, 347.°, 349.°, 351° do Código Civil; artigo 615.°, 662.° e 674.°do CPC; artigos 202.°e 205.° da CRP;

C. O acórdão recorrido viola ainda os princípios da livre convicção do julgador e do dispositivo;

D. Para fundamentar a alteração da decisão proferida sobre a matéria de facto, o tribunal a quo baseou-se tão só em presunções judiciais.

E. O acórdão recorrido, no uso das presunções, não teve em conta os documentos juntos dos autos, como legalmente se impunha nos termos do disposto no artigo 347.° do CC. O que não se verificou.

F. Quanto às vendas das quotas da sociedade FF - ......., Lda, formalizada através de documento com força probatória plena. Sendo que os documentos atinentes ao pagamento do preço e respectivo recebimento - cópia do cheque e do respectivo documento de transferência, e bem assim, dos comprovativos bancários de depósito e/ou extractos bancários, os mesmos não foram impugnados.

G. É mais que evidente que os 2º e 3º RR quiseram ser sócio da sociedade Recorrida e, por isso, compraram as quotas da mesma, tendo pago o respectivo preço.

H. Todos os factos supra mencionados podiam todos ser sido objeto de prova pelos Recorridos, em cumprimento do ónus da prova que sobre si impendia. O que não sucedeu.

I. As presunções judiciais não são, meios de prova, mas sim ilações que o julgador tira de um facto conhecido para firmar um facto desconhecido, conforme decorre do artigo 349.° Código Civil, pelo que a prova incumbe ã parte que a presunção favorece.

J. In casu, a parte a quem a presunção favorecia, não provou um único facto dos que invocou. Pelo que nem sequer há qualquer base para a presunção.

K. Assim, e em função de tudo o que acima fica exposto, é nosso entendimento, tendo ainda em consideração a ratio do artigo 682.°, n.° 3, do CPC, que deve ser anulada a decisão da Relação sobre a matéria de facto, o que desde já se requer.

Os Autores ofereceram contra-alegação a pugnar pelo insucesso de ambos os recursos e, colhidos os vistos, cumpre apreciar e decidir.

II -  Fundamentação de facto

A factualidade dada como provada, nas instâncias, é a seguinte:

1. Por sentença proferida, em 27 de Outubro de 2009, na acção declarativa com processo ordinário que sob o nº 5441/03.9TBLRA correu termos pelo 1º Juízo Cível da Comarca de Leiria, foram, entre outros, os réus EE e mulher FF, e LL condenados, solidariamente, a pagar aos autores a quantia de €698.317,00, acrescida de juros, à taxa Euribor a três meses, com um spread de 2,5%, contados desde 1 de Julho de 2003 e até integral pagamento.

2. Para cobrança coerciva do seu crédito, os ora autores instauraram, contra os 1ºs. réus, o 4º réu e os demais responsáveis solidários da obrigação em que todos foram condenados, por apenso à acção referida, uma execução de sentença para pagamento de quantia certa.

3. No âmbito dessa execução, relativamente aos executados aqui réus, foram feitas as seguintes penhoras:

3.1. Propriedade dos executados EE e mulher FF.

a) Quota social, do valor nominal de € 1.500,00 de que a ré FF era titular no capital social da sociedade denominada FF– ......., Lda., com sede na Rua de Leiria, nº 54, r/c esq., Embra, 2430-091 Marinha Grande, matriculada na Conservatória do Registo Comercial da Marinha Grande sob o número único de matrícula e de identificação fiscal 0000000;

b) Quota social, do valor nominal de € 3.250,00 de que era igualmente titular no capital social dessa mesma sociedade.

3.2. Propriedade do executado LL.

c) Moradia Unifamiliar de .... e... andar para habitação, garagem e logradouro, sita na ....., Nº ....., Embra, freguesia e concelho da Marinha Grande, inscrita na matriz respectiva sob o art.º 17.758 e descrita na Conservatória do Registo predial da Marinha Grande sob o nº 0000/Marinha Grande;

d) Fracção autónoma identificada pela letra “H”, correspondente ao terceiro andar direito – norte- para habitação e uma arrecadação no sótão, do prédio urbano em regime de propriedade horizontal, sito na Rua das..........s, nº.... freguesia e concelho da Marinha Grande, inscrito na matriz sob o art.º 0000 e descrito na Conservatória do Registo Predial da Marinha Grande sob o nº 0000/Marinha Grande;

e) Quota social, do valor nominal de €25.000,00, de que o réu LL era titular no capital social da sociedade denominada NN, ....................... Lda., com sede na ....., nº ....., Embra, 2430-108 Marinha Grande, matriculada na Conservatória do Registo Comercial da Marinha Grande sob o número único de matrícula e de identificação fiscal 0000000.

4. Feitas as penhoras e efectuados os seus registos nas competentes Conservatórias da Marinha Grande, foi constatado que recaíra sobre as quotas dos valores nominais de €1.500,00 e de €3.250,00, de que a ré FF, era titular na sociedade FF – ......., Lda., registo de aquisição a favor de pessoa diversa do executado, no caso, registo de aquisição do respectivo direito de propriedade a favor dos réus HH e GG, Lda.

5. Relativamente às penhoras registadas no património do 4º réu, LL, resultou que todas elas tinham também sido lavradas com provisoriedade por natureza, por o respectivo direito de propriedade estar inscrito a favor de pessoa diversa do executado, no caso a 5ª, 6ª e 7º réus.

6. Formalizado por escrito particular assinado no dia 13 de Abril de 2009, a ré FF, procedeu aos seguintes actos:

a) Enquanto titular de uma quota com o valor nominal de €5.000,00, no capital social da sociedade unipessoal de por quotas denominada FF – ......., Unipessoal, Lda., de que era a única gerente, dividiu essa sua participação social em três novas quotas, de €250,00, €3.250,00 e €1.500,00.

b) Com o consentimento do marido, o réu EE, declarou ceder à ré GG, Lda. a quota de €3.250,00 e ao réu HH a quota de €1.500,00 pelos respectivos valores nominais, reservando para si a quota de €250,00.

c) Com a tomada de posição na sociedade de dois novos sócios, a sociedade foi transformada em sociedade por quotas, adoptando a denominação FF – ......., Lda.

7. O réu LL, com o consentimento da mulher, a ré MM, pela escritura de compra e venda e assunção de dívida, outorgada no dia 30 de Junho de 2008, exarada de folhas 146 a 147 vº, do Livro 52-A, do Cartório Notarial da Marinha Grande, a cargo da notária

RR pelo preço declarado de €141.000,00, declarou transmitir para a ré NN, ....................... Lda., agindo em representação desta enquanto seu gerente, o direito de propriedade que incide sobre o prédio urbano descrito na Conservatória do Registo Predial da Marinha Grande sob o nº 0000/Marinha Grande.

8. Em 9 de Julho de 2009, o réu LL declarou vender a quota de que era titular na sociedade NN, Lda., como valor nominal de €25.000,00, ao réu OO, tendo sido tal transmissão levada ao registo da sociedade junto da Conservatória do Registo Comercial de Leiria.

9. Em partilha subsequente a divórcio que dissolveu o casamento que LL e MM tinham celebrado, foi adjudicado a esta o direito de propriedade sobre a fracção autónoma identificada pela letra H do prédio descrito na Conservatória do Registo Predial da Marinha Grande sob o nº 0000/Marinha Grande.

10. Em data posterior à do registo de penhora efectuada no âmbito da acção executiva aludida supra, a ré MM transmitiu aos 8ºs réus, o direito de propriedade sobre essa fracção autónoma.

11. O réu NN casou com a ré MM, em 3 de Junho de 2006, tendo esta adoptado os apelidos do marido “LL”.

12. O casamento que celebraram veio a ser dissolvido por divórcio, declarado por decisão de 9 de Março de 2010, transitada na mesma data, proferida pela Conservatória do Registo Civil da Marinha Grande, tendo a ré mulher mantido os apelidos de “LL”.

13. Os Réus FF e EE não quiseram ceder à GG, Lda. ou a HH as quotas sociais dos valores nominais de €3.250,00 e de €1.500,00, respectivamente, de que aquela era titular na sociedade denominada MM – ......., Lda., nem estes quiseram adquiri-las (aditado pela Relação).

14. Os Réus LL e MM não quiseram vender à sociedade NN, Lda. o prédio urbano acima identificado nem esta sociedade o quis comprar (aditado pela Relação).

15. O Réu LL, aproveitando-se da circunstância de ser sócio e gerente da NN, ....................... Lda., utilizou esta sociedade para excluir formalmente do seu património pessoal a casa onde habitava, o imóvel descrito na CRP da Marinha Grande sob o nº 0000/Marinha Grande, colocando-a em nome da referida sociedade para esconder aos Autores a verdadeira identidade do seu proprietário e para lhes tornar impossível, à custa desse bem, a cobrança coerciva do seu invocado crédito (aditado pela Relação).

16. O Réu LL também não teve intenção nem quis ceder ao Réu OO a quota do valor nominal de €25.000,00, que detinha na sociedade que fundara e mantém o seu nome, a NN, Lda., nem quem declarou adquiri-la o quis verdadeiramente fazer (aditado pela Relação).

17. O que os aludidos Réus pretenderam, com os actos mencionados nos pontos antecedentes foi subtrair ao património dos 1ºs e 4º Réus os bens em causa para tornar impossível aos Autores, à custa desses bens, a cobrança coerciva do seu invocado crédito, sendo que todos intervenientes nesses actos tinham conhecimento das dívidas em que 1ºs e 4º Réus estavam constituídos junto dos Autores (aditado pela Relação).

         III – Fundamentação de direito

A apreciação e decisão de ambas as revistas passam, atentas as conclusões das alegações dos recorrentes (art.ºs 635º, n.º 4 e 639º, n.º 1, do Cód. de Proc. Civil[1]), pela análise e resolução das seguintes questões por eles colocadas a este tribunal:

- Nulidade do acórdão recorrido por omissão e/ou excesso de pronúncia; e
- Violação pela Relação dos seus poderes na modificação do quadro factual.
Apreciemos, então, separadamente cada uma dessas questões.

1 – A primeira causa de nulidade que os recorrentes assacam ao acórdão recorrido radica na omissão de pronúncia prevista no art.º 615º, n.º 1, alínea d) - primeiro segmento - do Cód. Proc. Civil, também aplicável ao acórdão da Relação ex vi do art.º 666º do mesmo código. Este vício traduz-se no incumprimento ou desrespeito, por parte do julgador, do dever prescrito no art.º 608º, n.º 2 do Cód. Proc. Civil[2],

Além dessa causa de nulidade, os recorrentes assacam igualmente ao acórdão recorrido excesso de pronúncia ou pronúncia indevida, causa de nulidade também prevista no art.º 615º, n.º 1, alínea d) – segundo segmento - do Cód. Proc. Civil, aplicável ao acórdão da Relação ex vi do art.º 666º do mesmo código.

Esse vício inquinador do acórdão sob censura derivaria da circunstância de nele, por um lado, se terem tomado em consideração factos novos alegados pelos autores, na apelação que levaram à Relação, como indício da simulação, e, por outro, nada dizer sobre o que, a esse propósito, contrapuseram em resposta.

Há nesta invocação dos recorrentes clara confusão entre o que constituem questões a apreciar e razões ou argumentos aduzidos pelas partes. Na verdade, são coisas diferentes deixar de conhecer de questão de que deva conhecer-se e deixar de apreciar qualquer consideração, argumento ou razão produzida pela parte.

Com efeito, quando as partes põem ao tribunal de recurso determinada questão, socorrem-se, a cada passo, de várias razões ou fundamentos para fazer valer o seu ponto de vista. O que importa é que o tribunal decida a questão posta, não lhe incumbindo apreciar todos os fundamentos ou razões em que as partes se apoiam para sustentar a sua pretensão[3], pois a expressão questões referida nos art.ºs 660º, nº 2 e 668º, nº 1 d) do Cód. Proc. Civil não abrangem os argumentos ou razões jurídicas invocadas pelas partes. As questões a decidir centram-se nos pontos essenciais do objecto do recurso, delimitado pelas conclusões. Só isso tem o tribunal que conhecer, e já não os argumentos fáctico-jurídicos invocados em defesa das teses sustentadas pelas partes.

No caso, os autores impugnaram parte da decisão referente à matéria de facto prolatada pela 1ª instância (a relativa aos factos integradores da alegada simulação negocial), tendo aduzido argumentos vários que naturalmente foram rebatidos pelos réus, com os seus argumentos. A questão a dilucidar na apelação era, portanto, determinar se deveria esse segmento decisório sobre a matéria de facto ser alterado, como sustentavam os primeiros, ou manter-se, como defendiam os últimos.

O acórdão proferido conheceu dessa questão, dando razão aos autores e alterando a matéria de facto, mas confinando-se dentro do quadro factual definido nos articulados. Certo que não rebateu escalpelizadamente todos e cada um dos argumentos e contra-argumentos das partes, mas isso não o inquina com o invocado vício de nulidade, na medida em que tais aspectos da retórica argumentativa tecida pelas partes não constituem questão a decidir.

Não ocorreu, por isso, omissão ou excesso de pronúncia, apresentando-se destituída de fundamento a arguição da pretensa nulidade do acórdão recorrido que não enferma, de modo algum, desse vício que os recorrentes lhe atribuem.

2 - Passando, agora, à abordagem da questão enunciada em segundo lugar, impõe-se sublinhar, desde logo, que na fixação da matéria factual relevante para a solução do litígio a Relação tem a derradeira palavra, através do exercício dos poderes que lhe são conferidos pelos n.ºs 1 e 2 do art.º 662.º do Cód. de Proc. Civil, acrescendo que da decisão proferida nesse particular pela Relação não cabe sequer recurso para o Supremo Tribunal de Justiça (art.º 662º, n.º 4, do Cód. Proc. Civil). Este limita-se, no exercício da sua função de tribunal de revista, a definir e aplicar o regime ou enquadramento jurídico adequado aos factos já anterior e definitivamente fixados, ou seja, apenas conhece de direito, sendo que, no âmbito do recurso de revista, o modo como a Relação fixou os factos materiais só é sindicável se foi aceite um facto sem produção do tipo de prova para tal legalmente imposto, ou se tiverem sido incumpridos os preceitos reguladores da força probatória de certos meios de prova, podendo, no limite, mandar ampliar a decisão sobre a matéria de facto (cfr. art.º 46.º da Lei de Organização do Sistema Judiciário – Lei n.º 62/2013, de 26 de Agosto - e art.ºs 662º, n.º 4, 674º, n.ºs 1 a 3, e 682º, n.ºs 1 e 2, do Cód. de Proc. Civil).

É, pois, residual a intervenção do Supremo Tribunal de Justiça no apuramento da factualidade relevante da causa, restringindo-se, afinal, a fiscalizar a observância das regras de direito probatório material, a determinar a ampliação da matéria de facto ou o suprimento de contradições sobre a mesma existentes. Nessas situações, do que se tratará é de saber se a Relação, ao proceder da forma como o fez, se conformou, ou não, com as normas que regulam tal matéria (direito probatório), o que, no fundo, constitui matéria de direito, caindo, por isso, na esfera de competência própria e normal do Supremo Tribunal de Justiça.

Esclarecido isto, e focando-nos na alteração da matéria de facto realizada pela Relação, traduzida no aditamento dos pontos 13. a 17. do elenco factual provado (correspondentes aos factos integradores da alegada simulação negocial), não vemos qualquer inobservância dessas regras probatórias. Pelo contrário, como se alcança do teor do acórdão recorrido, mais propriamente de folhas 1131 a 1135 verso, as provas indicadas pelos Apelantes, para sustentar a parte impugnada da decisão da matéria de facto, foram examinadas pela Relação, que motivou a sua decisão de forma coerente e transparente, de acordo com o princípio da convicção racional, consagrado pelo art.º 607º, n.º 5, do Cód. Proc. Civil, que combina o sistema da livre apreciação ou do íntimo convencimento com o sistema da prova positiva, sendo certo que nesse domínio (da livre convicção do julgador) está vedado ao Supremo exercer censura e sindicar a respectiva substância (art.º 662º, n.º 4, do Cód. Proc. Civil).

Os recorrentes insurgem-se essencialmente quanto ao uso pela Relação de presunções que, como se sabe, não se reconduzem a um meio de prova próprio, consistindo antes, como se alcança do art.º 349º do Cód. Civil, em ilações que o julgador extrai a partir de factos conhecidos (factos de base) para dar como provados factos desconhecidos (factos presumidos). A presunção traduz-se e concretiza-se num juízo de indução ou de inferência extraído do facto de base ou instrumental para o facto essencial presumido, à luz das regras da experiência[4], sendo admitida nos casos e termos em que é admitida a prova testemunhal (art.º 351º do Cód. Civil). Daí que, face à competência alargada da Relação em sede da impugnação da decisão de facto (art.º 662º, n.º 1, do Cód. Proc. Civil), é lícito à 2ª instância, com base na prova produzida constante dos autos, reequacionar a avaliação probatória feita pela 1ª instância, nomeadamente no domínio das presunções judiciais, nos termos do n.º 4 do art.º 607º, aplicável por via do art.º 663º, n.º 2, ambos do Cód. Proc. Civil.

Todavia, em sede de recurso de revista, a sindicância sobre a decisão de facto das instâncias em matéria de presunções judiciais é muito circunscrita, admitindo-se, ainda que com alguma controvérsia, que o Supremo Tribunal de Justiça apenas poderá sindicar o uso de tais presunções pela Relação se este uso ofender qualquer norma legal, se padecer de evidente ilogicidade ou se partir de factos não provados[5].

No caso, os recorrentes socorrem-se da ilogicidade que não concretizam e afirmam que a Relação partiu de factos não provados, mas nada disso se descortina nas aludidas páginas do acórdão da Relação. Ao invés, surge ali traçado um trilho argumentativo baseado em factos comprovados no processo (em lado algum se lança âncora a factos não constantes do processo ou não provados), conjugando-os com as circunstâncias temporais em que os mesmos ocorreram e com depoimentos testemunhais, para daí, com recurso às regras da experiência e num discurso escorreito e perfeitamente lógico, coerente e convincente, concluir pela comprovação dos factos aditados ao elenco factual provado e que respeitam à simulação negocial.

Aliás, não constitui novidade para ninguém ser muito rara e difícil a prova directa da simulação. Já o Prof. Beleza dos Santos dizia[6] que «aqueles que efectuam contratos simulados ocultam os seus propósitos e intenções, não manifestando publicamente a sua vontade de simular, antes se esforçando em tornar verosímil o que há de aparente e fictício no acto que praticam». Por essa razão, «há quase sempre que recorrer para a demonstrar a um conjunto de factos conhecidos, tais como as condições pessoais ou patrimoniais dos outorgantes, as relações em que eles se encontram entre si, os factos que precedem a realização do acto jurídico, as circunstâncias em que foi celebrado, o seu próprio conteúdo e finalmente os factos posteriores à celebração, mas com eles relacionados. Destes factos, que se conhecem, se deduzirá a simulação que se pretende demonstrar. Dentre esses factos constituirão indícios aproveitáveis aqueles que, segundo o que ensina a experiência comum, segundo o que normalmente acontece na vida, em regra só se verificam, quando se praticam actos simulados».

Foi exactamente isso que a Relação fez. E fê-lo, assinale-se, com inegáveis mestria e arte, denotando argúcia e experiência na análise crítica das provas produzidas que levou a cabo e capacidade decisória relativamente aos factos alegados integradores da simulação.

Deste modo, não há motivo para censurar o uso pela Relação de presunções, quando alterou a decisão referente à matéria de facto, sendo certo também que o teor dos diversos documentos a que aludem não implica, ao contrário do que sustentam, que se dê como não provada essa factualidade. Nada impedia a Relação de, com base em presunções e noutros meios de prova (depoimentos testemunhais) e dentro da sua liberdade decisória em sede de matéria de facto, considerar que essa factualidade estava provada, aditando-a ao elenco factual.

Não ocorreu, neste domínio, erro susceptível de sindicância deste Tribunal Supremo e também não se descortina qualquer violação das regras de direito probatório, soçobrando tudo o que os recorrentes alegaram e concluíram a tal propósito. Há que manter intocável, por isso, a materialidade fáctica dada por assente pela Relação, em face da qual, em especial da aditada, não restam dúvidas que, como bem equacionou e decidiu o acórdão recorrido, os assinalados negócios são nulos, por simulação (art.º 240º,n.ºs 1 e 2, do Cód. Civil).

Nesta conformidade, improcedem ou mostram-se deslocadas todas as conclusões dos recorrentes, a quem não assiste razão para se insurgir contra o decidido pela Relação, que não merece os reparos que lhe apontam, nem viola os princípios ou disposições legais que indicam.

IV – Decisão

Nos termos expostos, decide-se negar ambas as revistas e confirmar consequentemente o acórdão recorrido.

 Custas pelos recorrentes, sem prejuízo do apoio judiciário concedido à ré FF.


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Anexa-se sumário do acórdão (art.ºs 663º, n.º 7, e 679º, ambos do CPC).

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Lisboa, 19 de Janeiro de 2017

António Piçarra (Relator)

Fernanda Isabel Pereira

Olindo Geraldes

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[1] Na versão aprovada pela Lei nº 41/2013, de 26 de Junho, uma vez que o recurso tem por objecto decisão proferida já depois de 01 de Setembro de 2013 e o processo é posterior a 01 de Janeiro de 2008 (cfr. os seus art.ºs 5º, n.º 1, 7º, n.º 1, e 8º).

[2] Cfr. a este propósito, Francisco Manuel Lucas Ferreira de Almeida, in Direito Processual Civil, Volume II, Almedina, 2015, pág. 371, e J.O.Cardona Ferreira, Guia de Recursos em Processo Civil, 6ª edição, Coimbra Editora, pág. 69.
[3] Cfr. Alberto dos Reis, Código Processo Civil Anotado, V Volume, pág. 143, que mantém plena actualidade.
[4] Cfr., sobre a noção de prova por presunção Manuel de Andrade, Noções Elementares de Processo Civil, Coimbra Editora, 1976, pág. 214, e Antunes Varela e outros, Manual de Processo Civil, Coimbra Editora, 1985, págs. 500 e 501.
[5] Neste sentido, vide, entre outros, o acórdão do STJ, de 25/11/2014, proferido no processo n.º 6629/04. 0TBBRG.G1.S1, e o acórdão 24/11/2016, proferido no processo n.º 96/14.8TBSPS.C1.S1, ambos acessíveis através de www.dgsi. pt/stj.
[6] In “A simulação em Direito Civil, Vol. II, Coimbra, 1955, págs. 160 e 161.