Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
394/21.4T8AMD.L1-7
Relator: DIOGO RAVARA
Descritores: REGULAÇÃO DO PODER PATERNAL
REGIME PROVISÓRIO
RESIDÊNCIAS ALTERNADAS
PERÍODOS DE ALTERNÂNCIA
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 06/22/2021
Votação: MAIORIA COM * VOT VENC
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PARCIALMENTE PROCEDENTE
Sumário: I- A circunstância de a criança ter pouco mais de um ano não obsta ao estabelecimento de um regime provisório de exercício das responsabilidades parentais que compreenda um sistema de residência alternada.
II- Porém, e porque as crianças desta idade ainda não compreendem os conceitos de “ontem”, “hoje” e “amanhã”, a alternância da residência deve, sempre que possível adaptar-se a tal circunstância.
III- Tal adaptação passa por estabelecer períodos de alternância inferiores a uma semana.
IV- Residindo ambos os progenitores em localidades próximas e próximas do infantário da criança, aquele equilíbrio pode obter-se mediante um esquema de alternância do tipo 2-2-3, em que a criança fica com um dos progenitores na 2ª e 3ª feiras, com o outro às 4ªs e 5ªs, e o fim-de-semana (de 6ª a 2ª feira) com o primeiro, invertendo-se a situação na semana subsequente.
V- A circunstância de a criança sofrer de alergias graves e poder necessitar de tomar medicação de emergência não obsta ao estabelecimento daquele regime de residência alternada, posto que não sendo nenhum dos progenitores profissional de saúde, nem tendo especiais qualificações neste domínio, e tendo a Mãe aprendido a ministrar aquele medicamento, também o Pai poderá adquirir iguais competências.
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam os Juízes na 7ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa:

1. Relatório
Em 10-03-2021 A, titular do n.º de identificação civil … e do nº de identificação fiscal ... intentou no Juízo de Família e Menores de Almada providência tutelar cível de regulação do exercício das responsabilidades parentais, com processo especial, relativa à sua filha L... ......, nascida em ...-02-2020, titular do nº de identificação civil … também filha de B, titular do nº de id. civil …, e do nº de identificação fiscal …, pedindo, a final e em síntese, a fixação de um regime de exercício das responsabilidades parentais relativas à L... que compreenda, nomeadamente os seguintes aspetos:
- Que a L... fique a residir com a Mãe;
- Que as responsabilidades parentais relativas a questões de particular importância respeitantes à L... sejam exercidas por ambos os progenitores;
- Que o Pai possa passar com a L... fins-de-semana alternados;
- Que seja fixada uma pensão de alimentos a pagar pelo Pai.[1]
Em 08-04-2021 realizou-se a conferência na qual, não logrando os progenitores chegar a acordo relativo à regulação do exercício das responsabilidades parentais das filhas de ambos foram tomadas declarações aos progenitores, após o que o Tribunal a quo proferiu despacho regulando provisoriamente o exercício das responsabilidades parentais nos seguintes termos:
“I -  A criança passará uma semana em casa de cada progenitor, alternadamente (com mudança à segunda-feira) sendo o exercício das responsabilidades parentais exercido em conjunto por ambos os pais.
II – Ambos os progenitores ficam obrigados a dar conhecimento mútuo de todas as circunstâncias e acontecimentos de importância relevante para a vida, educação e saúde da filha (na semana não residente). 
III – Os progenitores poderão contactar diariamente com a filha, telefonicamente, por correio eletrónico ou qualquer outro meio tecnológico, sem prejuízo dos seus períodos de descanso.
IV - Ambos os pais asseguram o sustento da menor na semana que lhes compete e comparticiparão na metade das despesas médicas, medicamentosas e escolares/infantário, respeitantes à criança.” [2]
Inconformada com tal decisão, veio a requerente interpor recurso de apelação cuja motivação culminou nas seguintes conclusões:
1- Nos presentes autos de regulação das responsabilidades parentais a favor de L...…, nascida a 22 de fevereiro de 2020, foi determinado, a título provisório, o seguinte regime das responsabilidades parentais:
(…)
2- O Douto Despacho que fixa o regime de residência alternada por períodos de uma semana relativa à menor L... viola os princípios do Interesse Superior da Criança e do Jovem e da Proporcionalidade e Atualidade, devidamente consagrados no artigo 4.º do RGPTC por remissão para a LPCJP, violando igualmente o disposto no artigo 1906.º do Código Civil.
3- Pelo que o objeto do presente recurso se reporta à questão de saber se, perante a factualidade apurada, e as circunstâncias relativas à menor, constantes dos autos, o regime provisório de responsabilidades parentais fixados a favor da menor L..., estabelecendo um regime de residência, alternada viola os princípios do Interesse superior da criança e do jovem e da Proporcionalidade e atualidade devidamente consagrados no artigo 4.º do RGPTC por remissão para a LPCJP, e bem assim o disposto no artigo 1906.º do Código Civil ,  bem como se atendendo aos factos apurados nos autos se o mesmo se revela como o adequado a proteger o superior interesse da menor.
4- O regime provisório fixado a favor da menor é manifestamente ilegal pela violação dos princípios e do dispositivo normativo acima referenciado, pelo que se impõe a revogação do regime provisório determinado e a substituição por outro que melhor se adeque aos interesses da menor.
5- Dos autos resulta, em suma,  que os pais da menor separaram-se em dezembro de 2020, quando a menor tinha 9 meses de idade, data a partir da qual a menor passou a residir com a mãe e irmã materna; que a menor está com o pai apenas aos fins de semana de 15 em 15 dias, de sexta a domingo; que menor padece de alergias graves alimentares e respiratórias com reações anafiláticas, e está a ser seguida no Hospital São Francisco Xavier, serviço de Imuno alergologia e que por esse facto a menor carece de cuidados de saúde redobrados, designadamente na introdução de alimentos, no contacto com novos fatores exteriores, tanto mais que lhe foi prescrita caneta de adrenalina para reverter os choques anafiláticos; que o pai nunca acompanhar a menor às consultas médicas.
6- Deve ser dado como assente, o relatado pela mãe em Conferencia de Pais, embora omissa na respetiva ATA, designadamente que era necessária uma vigilância especial da menor no que diz respeito a introdução de novos alimentos e contacto com novos ambientes/objetos; o pai nunca acompanhou a menor a consultas de pediatria/alergologia; o pai não consegue diagnosticar infeções/reações alérgicas na menor, situação muito grave; que a médica assistente da menor só autorizou a mãe a fazer esquema terapêutico em SOS, como forma de evitar reações anafiláticas e recurso ao hospital, uma vez que atenta a experiência e os conhecimentos sobre a situação clínica da menor, só a mãe está habilitada a reconhecer quando tal será necessário; que atentas as circunstâncias da L... a médica assistente da menor entendia que não era benéfico para a menor a residência alternada.
7- Ao contrário do que refere o Tribunal a quo, a mãe, ora recorrente não só alegou a tenra idade da criança como circunstância impeditiva de um regime de residência alternada, como também o facto de residir exclusivamente com esta desde dezembro de 2020, bem como a situação médica/clínica da menor que era contrária à residência alternada, como havia sido mencionado pela médica assistente da menor.
8- A este propósito cumpre à recorrente proceder à junção da declaração da médica assistente da menor, nos termos do artigo 651.º do CPC, a qual atesta, em suma, que ….”  não sou de acordo com semanas alternadas nesta situação e idade. Penso que seria mais favorável uma situação com pernoita, mais curtas, ainda que com visitas frequentes do progenitor que não tem a pernoita. ….”. (conforme documento 1 que se junta para os devidos efeitos legais).
9- Face ao exposto, verifica-se que a decisão ora recorrida, ao fixar um regime de residência alternada, violou o artigo 4º do RGPTC que consagra o princípio do superior interesse da criança, e o principio da proporcionalidade e atualidade consagrado no RGPTC por remissão para a lei de proteção de crianças e jovens em perigo, bem como o disposto no artigo 1906.º do Código Civil.
10- Para além da tenra idade da menor, associada assim à noção de tempo, que ainda não está adquirida em crianças com um ano, importa ainda referir que atendendo à situação clínica da menor importa considerar que o regime de residência alternada não se afigura como adequado a salvaguardar o superior interessa da menor, situação esta devidamente atestada pela médica assistente da menor.
11- Assim, deve o Douto Despacho que fixou o regime provisório de responsabilidades parentais, determinando a residência alternada da menor por períodos de uma semana, ser revogado e substituído por outro que determine que a menor residirá com a mãe, passando fins de semana alternados com o pai , de sexta a domingo, podendo ainda estar com o pai, uma/ duas vezes durante a  semana lanchando/jantando com este, salvaguardando- se assim o superior interesse da criança e o vinculo afetivo com o progenitor não residente.[3]
O apelado não apresentou contra-alegações.
O Mmº Juiz a quo admitiu o recurso, indeferindo, contudo, a pretensão da requerente quanto à atribuição ao mesmo de efeito suspensivo, antes lhe atribuindo o efeito meramente devolutivo.
Recebido o recurso neste Tribunal da Relação, por despacho do relator foi indeferida a junção de documento apresentado pela apelante juntamente com as alegações de recurso.
Foram colhidos os vistos.
2. Objeto do recurso
Conforme resulta das disposições conjugadas dos arts. 635º, n.º 4 e 639º, n.º 1 do CPC, é pelas conclusões que se delimita o objeto do recurso, seja quanto à pretensão dos recorrentes, seja quanto às questões de facto e de Direito que colocam[4]). Esta limitação dos poderes de cognição do Tribunal da Relação não se verifica em sede de qualificação jurídica dos factos ou relativamente a questões de conhecimento oficioso, desde que o processo contenha os elementos suficientes a tal conhecimento (cfr. art. 5º n.º 3 do Código de Processo Civil).
Não obstante, excetuadas as questões de conhecimento oficioso, não pode este Tribunal conhecer de questões que não tenham sido anteriormente apreciadas porquanto, por natureza, os recursos destinam-se apenas a reapreciar decisões proferidas[5].
Nesta conformidade, as questões a apreciar e decidir são as seguintes:
a) A impugnação da decisão sobre matéria de facto – Conclusão 6-
b) Determinar se deve ser fixado a título provisório um regime de exercício das responsabilidades parentais respeitantes à L... que compreenda um sistema de residência alternada ou se, como pretende a apelante, tal regime deve estipular que a L... resida com a progenitora, sem prejuízo do estabelecimento de um regime de visitas ao pai, com momentos de convívio durante a semana, e passando a L... fins-de-semana alternados com o Pai - Conclusões 2- a 5-, e 7- a 11-.
3. Fundamentação
3.1. Os factos
O Tribunal a quo considerou indiciariamente provados os seguintes factos:
1. Os pais da menina L... viveram juntos até dezembro de 2020;
2. Desde a data da separação a filha ficou a residir com a mãe, e passa os fins-de-semana alternados com o pai;
3. O agregado familiar da mãe é composto, pela L..., a filha mais velha e os avós maternos;
4. A mãe está empregada, é administrativa bancária, com o horário das 09:00 às 18:00 horas;
5. A L... fica no infantário durante o dia, das 08:40 às 18:15 horas;
6. A L... tem alergias alimentares e respiratórias, está a ser seguida no Hospital São Francisco Xavier.
7. O requerido é um bom pai e cuidava da filha quando vivia com a requerente;
8. Quando a L... está com o pai tem o cuidado de não dar alimentos que causa reações alérgicas à filha;
9. Está empregado, é analista de dados no BNP Paribas, com o horário das 09:00 às 16.00 horas;
10. O pai sempre acompanhou o processo de alergias da filha;
11. Quando viviam junto com a requerente cuidava da filha tal como a mãe;
12. A progenitora é uma boa mãe.
Porque releva para a presente causa, e se acham provado por documento autêntico[6], consideram-se ainda provados os seguintes factos:
13. L... ...... nasceu em ...-02-2020, e é filha da requerente, A, e do requerido, B.
3.2. Os factos e o direito
3.2.1. – Da impugnação da decisão sobre matéria de facto
3.2.1.1. – Considerações gerais
Dispõe o art. 662º n.º 1 do CPC que a Relação deve alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto, se os factos tidos por assentes, a prova produzida ou um documento superveniente, impuserem decisão diversa.
Por seu turno estatui o art. 640º n.º 1 do mesmo código que quando seja impugnada a decisão sobre matéria de facto deve o recorrente especificar, sob pena de rejeição, os concretos factos que considera incorretamente julgados; os concretos meios probatórios constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que imponham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida; e a decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.
O n.º 2 do mesmo preceito concretiza que, sempre que o recorrente se baseie no teor de depoimentos prestados, deve o mesmo, sob pena de imediata rejeição da impugnação da decisão sobre matéria de facto, indicar com exatidão as passagens da gravação em que funda o recurso. A observância desse ónus pressupõe a indicação do início e fim das passagens dos depoimentos tidas por relevantes, podendo o recorrente, se assim o entender, proceder à transcrição dessas passagens. Tal indicação não tem necessariamente que constar das conclusões, mas deve constar da motivação do recurso. No sentido exposto cfr., entre muitos outros, os acs. RC de 17-12-2017 (Isaías Pádua), proc. 320/15.0T8MGR.C1; e STJ 06-12-2016 (Garcia Calejo), p. 437/11.0TBBGC.G1.S1.
A lei impõe assim ao apelante específicos ónus de impugnação da decisão de facto, sendo o primeiro o ónus de fundamentar a discordância quanto à decisão de facto proferida, o qual implica a análise crítica da valoração da prova feita em primeira instância, tendo como ponto de partida a totalidade da prova produzida em primeira instância.
Sumariando os ónus impostos pelo citado preceito, ensina ABRANTES GERALDES[7]:
“(…) podemos sintetizar da seguinte forma o sistema que agora vigora sempre que o recurso de apelação envolva a impugnação da decisão sobre a matéria de facto:
a) Em quaisquer circunstâncias, o recorrente deve indicar sempre os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados, com enunciação na motivação do recurso, e síntese nas conclusões;
b) Deve ainda especificar, na motivação, os meios de prova constantes do processo ou que nele tenham sido registados que, no seu entender, determinam uma decisão diversa quanto a cada um dos factos;
c) Relativamente aos pontos de facto cuja impugnação se funde, no todo ou em parte, em provas gravadas, para além da especificação obrigatória dos meios de prova em que o recorrente se baseia, cumpre-lhe indicar com exatidão, na motivação, as passagens da gravação relevantes e proceder, se assim o entender, à transcrição dos excertos que considere oportunos;
d) (…)
e) O recorrente deixará expressa, na motivação, a decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas, tendo em conta a apreciação crítica dos meios de prova produzidos, exigência que vem na linha do reforço do ónus de alegação, por forma a obviar à interposição de recursos de pendor genérico ou inconsequente;
f) (…).”
3.2.1.2. O caso dos autos
No caso em apreço, pretende a requerente a alteração da decisão sobre matéria de facto, sustentado para tanto, o que segue:
“Deve ser dado como assente, o relatado pela mãe em Conferencia de Pais, embora omissa na respetiva ATA, designadamente que era necessária uma vigilância especial da menor no que diz respeito a introdução de novos alimentos e contacto com novos ambientes/objetos; o pai nunca acompanhou a menor a consultas de pediatria/alergologia; o pai não consegue diagnosticar infeções/reações alérgicas na menor, situação muito grave; que a médica assistente da menor só autorizou a mãe a fazer esquema terapêutico em SOS, como forma de evitar reações anafiláticas e recurso ao hospital, uma vez que atenta a experiência e os conhecimentos sobre a situação clínica da menor, só a mãe está habilitada a reconhecer quando tal será necessário; que atentas as circunstâncias da L... a médica assistente da menor entendia que não era benéfico para a menor a residência alternada.” – vd. conclusão 6- e art. 8º da motivação do recurso.
Da transcrição supra resulta de forma cristalina que a apelante fundamenta a sua divergência quanto à decisão sobre matéria de facto exclusivamente nas declarações prestadas pela requerente na conferência, e que não se acham refletidas na respetiva ata.
Verifica-se igualmente que o documento que acompanhou as alegações de recurso poderia também suportar, em parte, a posição manifestada pela apelante.
 Sucede, contudo, que este documento não foi admitido, por ter sido considerado extemporâneo, e que relativamente às mencionadas declarações, o único registo que os autos documentam é o que consta da ata da conferência, visto que as declarações prestadas pelos progenitores não foram gravadas.
Note-se que o art. 155º do CPC não impõe a gravação doas declarações prestadas pelos progenitores na referida conferência, visto que apenas prevê a gravação das que sejam prestadas em audiência final.
Assim, caso a requerente considerasse que a ata não retratava, de forma completa, o teor das suas declarações, devia, em devido tempo, ter requerido a sua retificação, nos termos do disposto no nº 9 do citado art. 155º do CPC. E se considerasse que tal ata não retratava de modo fiel os atos praticados na mesma diligência, sempre poderia ter deduzido o competente incidente de falsidade – art. 451º do CPC – No sentido exposto, vd. ac. RE 11-01-2018 (Albertina Pedroso), p. 939/16.1T8BJA-A.E1.
Não tendo exercido nenhuma das referidas faculdades, ambas sujeitas ao prazo legal de 10 dias (arts. 149, nº 1º e 451º, nº 2, ambos do CPC) precludida ficou a possibilidade de invocar tais desconformidades.
Consequentemente, não podendo o teor da ata da conferência ser questionado, na parte em que documenta as declarações dos progenitores, não constando destas, tal como ali se acham registadas, quaisquer elementos que justifiquem a alteração da decisão sobre matéria de facto, e não tendo o documento junto com as alegações de recurso sido admitido, conclui-se pela improcedência da impugnação da decisão sobre matéria de facto.
3.2.2. Da regulação do exercício das responsabilidades parentais
3.2.2.1. Generalidades
A presente apelação tem por objeto a decisão proferida no final da conferência que teve lugar no âmbito do procedimento tutelar cível de regulação do exercício das responsabilidades parentais relativas à L....
Com efeito, estabelece o art. 38º do RGPCT que “se ambos os pais estiverem presentes ou representados na conferência, mas não chegarem a acordo que seja homologado, o juiz decide provisoriamente o pedido em função dos elementos já obtidos, suspende a conferência e remete as partes para:
a) Mediação, nos termos e com os pressupostos previstos no art. 24º, por um período máximo de três meses; ou
b) Audição técnica especializada, nos termos previstos no artigo 23º, por um período máximo de dois meses”.
Como se afere pela leitura do citado preceito, o mesmo prevê que sempre que na Conferência os progenitores não logrem chegar a um acordo, devem ter lugar as seguintes diligências: decisão provisória, suspensão da conferência, e remissão das partes para medição ou audição técnica especializada.
Trata-se, sem dúvida de três atos ou diligências que, verificado o circunstancialismo da falta de acordo entre os progenitores, a lei processual consagra como obrigatórios.
Por outro lado, a norma citada estabelece igualmente a ordem pela qual esses atos ou diligências devem ter lugar: primeiro a definição de um regime provisório, depois, a prolação da decisão decretando suspensão da conferência, e finalmente a mediação ou audição técnica especializada.
A razão e ser dessa ordenação é clara: pretende-se que no final da conferência de Pais, se encontre definido o regime que vigorará na pendência da ação, assegurando que até à decisão final a criança e os seus progenitores disponham de um núcleo mínimo de regras definidoras das relações entre todos e com os demais.
Por outro lado, estipula o art. 28º, nº 1 do mesmo diploma que “em qualquer estado da causa e sempre que o entenda conveniente, a requerimento ou oficiosamente, o tribunal pode decidir provisoriamente questões que devam ser apreciadas a final (…)”, acrescentando o nº 2 do mesmo preceito que “podem também ser provisoriamente alteradas as decisões já tomadas a título definitivo”.
O objeto da decisão provisória é, pois, o mesmo que terá a decisão final.
Sobre o que deva apreciar-se na decisão final, alude o art. 40º, nº 1 do RGPTC, que dispõe que “na sentença, o exercício das responsabilidades parentais é decidido de harmonia com os interesses da criança, devendo determinar-se que seja confiada a ambos ou a um dos progenitores, a outro familiar, a terceira pessoa, ou a instituição de acolhimento, aí se fixando a residência daquela“.
Por seu turno, estabelece o nº 2 do mesmo artigo que “é estabelecido regime de visitas que regule a partilha de tempo com a criança (…)”.
Finalmente, releva ainda o disposto no nº 8 do mesmo preceito, o qual dispõe que “quando for caso disso a sentença pode determinar que o exercício das responsabilidades parentais relativamente a questões de particular importância na vida do filho caiba em exclusivo a um dos progenitores”.
Dos preceitos citados, que traduzem, no plano processual, as diretrizes traçadas no art. 1906º do CC decorre, pois, que as questões nucleares a decidir no âmbito da providência tutelar cível de regulação do exercício das responsabilidades parentais são as respeitantes, ao exercício das responsabilidades parentais respeitantes às questões de particular importância, à residência da criança, e ao convívio da criança com cada um dos progenitores. Poderá ainda relevar a questão dos alimentos ou, numa forma mais ampla, a repartição dos encargos financeiros relativos à criança[8].
Como ressalta, desde logo, das referências constantes dos nºs 2, 5, 6 e 8, do art. 1906º do CC, a pedra de toque e critério norteador das decisões a proferir neste âmbito é o conceito de superior interesse da criança.
Este conceito, mencionado em inúmeras disposições legais, e acolhido no art. 3º da Convenção sobre os Direitos da Criança, não tem definição legal. Trata-se de um conceito indeterminado, a preencher de acordo com as circunstâncias de cada caso.
Como bem referiu o Tribunal da Relação de Guimarães, refletindo acerca deste conceito e da sua interconexão com o sentido último das responsabilidades parentais, “O interesse da criança é um conceito jurídico indeterminado optando o legislador por um conceito desta natureza por entender que uma norma legal não pode jamais apreender o fenómeno familiar na sua infinita variedade e imensa complexidade.
Para o equilibrado desenvolvimento psico-afectivo dos filhos de pais separados ou divorciados, é indispensável uma boa imagem de cada um dos pais e ela não é possível – ou é muito difícil – se não mantiverem entre os dois uma relação correta, serena, respeitosa, leal e colaborante, pelo menos na qualidade de progenitores.
É por isso que se fala em “responsabilidades parentais” entendidas estas como o “conjunto de poderes e deveres destinados a assegurar o bem-estar moral e material do filho, designadamente tomando conta da pessoa deste, mantendo relações pessoais com ele, assegurando a sua educação, o seu sustento, a sua representação legal e a administração dos seus bens” (Princípio 1.º do Anexo à Recomendação n.º R (84) sobre as Responsabilidades Parentais adotada pelo Comité de Ministros do Conselho da Europa em 28 de Fevereiro de 1984).
Na exposição de motivos desta recomendação, é especialmente referido que “o objetivo (…) é convidar as legislações nacionais a considerarem os menores já não como sujeitos protegidos pelo Direito, mas como titulares de direitos juridicamente reconhecidos (…) a tónica é colocada no desenvolvimento da personalidade da criança e no seu bem-estar material e moral, numa situação jurídica de plena igualdade entre os pais (…) exercendo os progenitores esses poderes para desempenharem deveres no interesse do filho e não em virtude de uma autoridade que lhes seria conferida no seu próprio interesse” (§ 3.º e 6.º da exposição de motivos).
Assim, o conteúdo das responsabilidades parentais é composto por um conjunto de direitos dirigidos à realização da personalidade dos pais, um conjunto de direitos e deveres irrenunciáveis, inalienáveis e originários, mediante os quais os pais assumem a responsabilidade dos filhos.
As responsabilidades parentais definem-se, assim, como poderes funcionais cujo exercício é obrigatório ou condicionado, acentuando-se a funcionalização dos direitos dos pais aos interesses dos filhos, consistindo, assim, não apenas no conjunto de direitos e obrigações, mas também nos cuidados quotidianos a ter com a saúde, a segurança, a educação e a formação da criança, através dos quais esta se desenvolve intelectual e emocionalmente” - RG 02-11-2017 (Eugénia Cunha), proc. 996/16.0T8BCL-C.G.
É, pois, neste contexto que cumpre apreciar a decisão recorrida.
Sobre a questão da residência da Criança, e sobre a problemática da residência alternada, teve este coletivo a oportunidade de se pronunciar, no ac. RL 20-11-2020 (Diogo Ravara), p. 3162/17.4T8CSC.L1-7.
Com efeito, já ali afirmámos, e mantemos que no tocante à residência da criança, dispõe o nº 1 do art. 40º do RGPTC que “O exercício das responsabilidades parentais é regulado de harmonia com os interesses da criança, devendo determinar-se que seja confiada a ambos, a um dos progenitores, a outro familiar, a terceira pessoa ou a instituição de acolhimento, aí se fixando a residência daquela”.
O critério decisório dos interesses da criança a que alude este preceito acha-se plasmado no nº 5 do art. 1906º do CC, aplicável ao caso dos autos ex vi do art. 1912º, nº 1 do mesmo Código: “O Tribunal determinará a residência do filho e os direitos de visita de acordo com os interesses deste, tendo em atenção as circunstâncias relevantes, designadamente o eventual acordo dos pais e a disponibilidade manifestada por cada um deles para promover relações habituais do filho com o outro”.
Como salienta RICARDO MATOS[9], do confronto entre estes dois preceitos ressalta a circunstância de a norma processual ser mais clara do que a substantiva na admissão expressa de um regime de residência alternada, na medida em que se reporta à possibilidade de a criança ser confiada “a ambos” os progenitores, “aí se fixando a residência” da criança.
Esta menor definição da lei substantiva terá estado na origem da Petição “em prol da presunção jurídica da residência alternada para crianças de pais e mães separados ou divorciados” apresentada à Assembleia da República e à qual foi atribuído o n.º 530/XIII/3ª[10], que veio a ser debatida na sessão pela Assembleia da República em 15-11-2019[11], motivou uma iniciativa legislativa entretanto caducada[12], e de acordo com notícias publicadas na imprensa, conduziu à apresentação de outras no mesmo sentido[13].
A questão foi, posteriormente, retomada na presente legislatura, mediante inúmeras iniciativas legislativas, por parte da quase totalidade dos partidos com assento parlamentar e nessa sequência, a Assembleia da República aprovou na generalidade os projetos de Lei nºs 52/XIV/1ª (PAN), 87/XIV/1ª (PS), 107/XIV/1ª (PSD), 110/XIV/1ª (CDS-PP), e 114/XIV/1ª (BE). Tais projetos foram harmonizados de acordo com um “texto de substituição[14], que deu origem à recentíssima Lei nº 65/2020, de 04-11.
Este diploma, que entrou em vigor em 01-12-2020[15] alterou o art. 1906º do CC nos seguintes termos:
- modificando a redação do nº 6, que passa a ter o seguinte teor: “Quando corresponder ao superior interesse da criança e ponderadas todas as circunstâncias relevantes, o tribunal pode determinar a residência alternada do filho com cada um dos progenitores, independentemente do mútuo acordo nesse sentido e sem prejuízo da fixação da prestação de alimentos”;
- passando os atuais nºs 6 e 7 a ser os nºs 7 e 8;
- aditando um nº 9 com o seguinte teor: “O tribunal procede à audição da criança nos termos previstos nos artigos 4.º e 5.º do Regime Geral do Processo Tutelar Cível.”
Como facilmente se alcança, a ideia inicial de consagração de uma presunção favorável à residência alternada foi abandonada, limitando-se o legislador a acolher a possibilidade de o Tribunal determinar a residência alternada, em moldes idênticos aos previstos no art. 40º do RGPTC, que já admitia que a criança fosse confiada a ambos os progenitores, se bem que utilizando linguagem mais clara.
Trata-se, por isso, de uma alteração meramente clarificadora e interpretativa.
Com efeito, o critério legal previsto no art. 1906º, nº 1 do CC deve ser aplicado tendo presente o princípio constitucional da igualdade dos progenitores no exercício dos deveres de educação dos filhos e do direito a manter com os mesmos uma relação estreita e próxima, decorrentes dos arts. 36º e 68º da Constituição da República Portuguesa.
Aliás, a articulação entre o critério do superior interesse da criança e o princípio da igualdade entre os progenitores é expressamente abordada no princípio 2 da já mencionada Recomendação R(84) 4, de acordo com o qual “Qualquer decisão de autoridade competente relativamente à atribuição de responsabilidades parentais ou ao modo como estas responsabilidades devem ser exercidas deve basear-se prioritariamente nos interesses da criança. Contudo, a igualdade entre progenitores também deve ser respeitada (…).”
Nesta medida estatui o nº 7 do art. 1906º do CC que “O tribunal decidirá sempre de harmonia com o interesse do menor, incluindo o de manter uma relação de grande proximidade com os dois progenitores, promovendo e aceitando acordos ou tomando decisões que favoreçam amplas possibilidades de contacto com ambos e de partilha de responsabilidades entre eles” (acentuado e itálico nossos).
É à luz destes preceitos e princípios que cumpre apreciar a questão de saber se no caso dos autos deve ser aplicada a solução da residência alternada em substituição do modelo que vigorava à data da propositura da presente providência de regulação do exercício das responsabilidades parentais, assente num regime de residência única, em casa da requerida, sem prejuízo de um regime de visitas ao requerente, de acordo com a L... estaria em casa do mesmo em fins-de-semana alternados e durante parte das férias escolares ou se, como pretende requerente, deverá antes “repristinar-se” a solução que vigorou de facto desde a separação dos progenitores até à prolação da decisão recorrida.
Na falta de um conceito legal de residência alternada podemos defini-la como o modelo de organização da vida da criança de acordo com o qual esta reside alternadamente com um/a e outro/a dos progenitores, em períodos que abrangem também os dias de semana.
Como explicam ALEXANDRA ANCIÃES e RUTE AGULHAS[16], “Por residência alternada entende-se uma partilha tendencialmente equitativa do tempo com ambos os pais, sendo que essa partilha não tem de ser 50/50 ou semanal.” Na verdade - acrescentam as mesmas autoras - “Não temos de dividir o tempo com um cronómetro! Há situações em que tal não se afigura viável. Uma divisão de tempo que permita que a criança passe, pelo menos, 35% do tempo com um dos pais, é já considerada muito equitativa.”
Como é sabido, tradicionalmente, os filhos de pais separados eram entregues à guarda e cuidados de um dos progenitores, que na maioria dos casos era a mãe, sendo atribuídos direitos de visita ao outro progenitor, habitualmente metade dos fins-de-semana; procurando igualmente repartir-se entre os progenitores o tempo das férias escolares, e consagrar visitas nos dias do Pai e da Mãe, e nos aniversários da criança e de cada um dos progenitores.
Porém, como refere SOFIA MARINHO[17], “O regime da residência materna e contacto e sustento paternos transpôs para as famílias pós divórcio / separação a naturalização da referenciação dos papeis sociais, dos comportamentos parentais e da identidade de cada sexo a funções diferenciadas segundo estereótipos de género, na reprodução, na vida familiar, no mercado de trabalho e na vida pública em geral (…). Foi legitimado, portanto, no modelo de homem ganha-pão e de mulher cuidadora, consignado socialmente às famílias nucleares, durante o século XX e responsável pelo confinamento da mulher à esfera doméstica e elo afastamento do pai dos quotidianos familiares e da educação dos filhos”.
Por outro lado sublinham ALEXANDRA ANSIÃES E RUTE AGULHAS[18]  que “estudos realçam que é na primeira infância que as crianças estabelecem essa relação de vinculação, pedra basilar do seu desenvolvimento. Para que esta se estabeleça é fundamental que ocorram interações continuadas e regulares entre a criança e os cuidadores. Estas podem ocorrer em diversos contextos de cuidados, por e.g., mudar uma fralda ou dar o leite, ou de brincadeira e lazer. O principal é que as interações ocorram e sejam marcadas pela sensibilidade e responsividade dos cuidadores: mãe ou pai.
Se, tradicionalmente, a mãe está associada ao papel cuidador, atualmente o pai está mais investido nos cuidados e educação da criança e, tal como a mãe, o pai aprende e constrói a sua parentalidade. Estudos apontam que os pais podem ser cuidadores sensíveis dos seus filhos e que as crianças estabelecem relações seguras, quer com as mães, quer com os pais nos primeiros anos de vida.
É nesta fase do desenvolvimento infantil mais sensível e crucial para que esta relação de vinculação possa ser estabelecida. E para que a vinculação possa ser segura, é fundamental que a criança se sinta amada, protegida e cuidada, permitindo-lhe criar laços que, de uma forma gradual, irão potenciar também a capacidade em explorar o seu meio envolvente e socializar. Ora, para que estes vínculos possam ser estabelecidos é imprescindível um convívio regular e extenso com estas figuras de referência”.
Este convívio regular e extenso corresponde ao tempo da vida quotidiana da criança. Na realidade, uma relação entre a criança e um dos progenitores que se desenvolve sobretudo em períodos temporais mais curtos, e que tendem a corresponder a momentos de descanso e lazer, como são os fins-de-semana e as férias escolares não cumpre integralmente aquele desiderato de viabilizar uma vinculação da criança ao progenitor que abranja todos os aspetos do exercício da paternidade.
Por isso acrescentam as mesmas autoras que “não bastam meras visitas ou convívios, uma vez que estes não serão suficientes para que haja um adequado envolvimento parental”[19].
Ou como sublinha MARIA PERQUILHAS[20], “O regime de visitas que costumava fixar-se não se revela adequado à manutenção de relações familiares estruturadas e profundas. Não permite a vivência do dia-a-dia da criança por parte do progenitor não residente, que fica impedido de participar no quotidiano do filho. É com e no quotidiano, que implica um sem número de tomada de decisões, de partilhas, de atos cúmplices muitas vezes irrepetíveis, experiências pessoais, crescimento físico e emocional, processo educativo e social, que as relações se mantêm, fortalecem, solidificam e se criam laços próprios da família.”
Também PEDRO RAPOSO DE FIGUEIREDO[21] salienta a necessidade de pensar a questão da residência alternada no contexto dos mais recentes estudos científicos no âmbito da psicologia, da pedopsiquiatria, e da sociologia. Refere este autor:
“(…) pondo em crise a tradicional ideia da preferência maternal para crianças de tenra idade, RICHARD WASHARK, Professor de Psiquiatria Clínica na Universidade de Texas, nos Estados Unidos da América, publicou um relatório subscrito por 110 especialistas de reconhecida craveira na área, onde se conclui que as crianças de idades mais novas (bebés com menos de 4 anos) precisam de pernoitas com ambos os progenitores numa situação de separação[22].
Num comunicado do mesmo autor pode ler-se: “[pesquisas aceites dos últimos 45 anos, opõem-se à ideia de que as crianças abaixo dos 4 anos (ou dos 6), precisam de passar o seu tempo exclusivamente com um progenitor e que não conseguem aceitar estar longe desse progenitor, mesmo recebendo afeto e carinho do outro. Proibições ou avisos que impeçam as crianças e bebés de passarem a noite ao cuidado do seu pai são inconsistentes com o nosso atual conhecimento do desenvolvimento da criança”.
(...)
Os bebés e crianças precisam de progenitores que respondam consistente, afetiva e sensitivamente às suas necessidades. Não necessitam, e a maioria não tem, um progenitor a full-time de presença constante. Muitas mães casadas e que são hospedeiras de bordo, doutoras e enfermeiras, trabalham em turnos noturnos que as mantêm longe das suas crianças e bebés durante a noite. Tal como estas mães casadas, as mães solteiras não precisam de se preocupar em deixar os seus filhos aos cuidados dos seus pais ou avós durante o dia ou noite”[23].
As mais promissoras investigações sobre a residência alternada vêm, porém, de um país Europeu, a Suécia, onde o Centre for CHESS — Health Equity Studies tem publicado vários artigos sobre a temática da residência alternada, com dados muito significativos.
De uma forma geral, estes estudos têm demonstrado que as crianças que não convivem habitualmente com um dos progenitores têm mais problemas psicossomáticos do que as crianças que vivem em famílias nucleares.
No entanto, as crianças em residência alternada, em análise longitudinal, apresentam melhor saúde psicossomática do que as crianças que apenas convivem com um dos progenitores. Assim, as crianças em residência alternada, em comparação com as crianças em residência única, têm um maior nível de satisfação geral, mostram melhores resultados quanto aos fatores psicológicos (v.g., menos depressões), têm melhor relacionamento com ambos os progenitores e estão mais satisfeitas com a sua situação escolar, sendo que os casos de bullying têm aqui menor expressão numérica do que nas situações de crianças com residência única[24].
Numa investigação em que foram medidos o bem-estar subjetivo das chanças, a qualidade familiar e a relação com os pares (para uma amostra do 1 (>4.580 crianças entre os 12 e 15 anos), os resultados obtidos demonstraram que as crianças em famílias nucleares apresentavam resultados elevados, resultados médios em residência alternada e resultados baixos em residência única[25].
Num outro estudo[26], com uma amostra de 1.297 crianças entre os 4 e 1H anos, 10% das quais em situação de residência alternada (dados de 2011), leram observados baixos problemas emocionais e de comportamento, designadamente, entre pares, nas crianças em famílias nucleares. Para os critérios referidos, as crianças em situação de residência alternada apresentavam resultados médios, tendo sido obtidos resultados elevados para crianças em residência única. No mesmo estudo, foram também observados os progenitores e as conclusões apontaram no mesmo sentido, com maior satisfação com a saúde, a situação social e económica em famílias com crianças em situação de residência alternada do que em residência única. Nos indicadores relativos a sintomas psicossomáticos e doenças das crianças, em indivíduos entre os 12 e 15 anos, mais uma vez as residências únicas apresentaram os piores resultados[27].
Num artigo muito recente, com uma amostra de 5.000 crianças entre os 10 e os 18 anos, foram encontradas as mesmas relações quanto ao modelo de residência quando avaliadas as condições económicas e materiais, as relações sociais entre progenitores e entre pares, saúde, comportamentos, condições de trabalho, segurança na escola e na comunidade e ainda atividades culturais e de lazer[28].
Surpreendente é, também, um estudo que conclui que as crianças em situação de residência alternada apresentam menores níveis de stress do que as crianças em residência única, contrariando perceções que muitos profissionais da área da infância e juventude vinham manifestando sobre esta matéria[29].
Vários estudos demonstram, finalmente, uma elevada taxa de satisfação daqueles que viveram em residência alternada (acima dos 90%) e um número igualmente elevado de estudantes que afirmam que teria sido do seu melhor interesse ter convivido mais com o seu pai[30]
Ora, não sendo indiferente às conclusões dos estudos citados, entendo que os mesmos servem, desde logo, para desmistificar a ideia de que a residência alternada é necessariamente fonte de instabilidade para a criança, comprometendo, por isso, o seu são desenvolvimento.“[31]
Todos estes aspetos foram amplamente evidenciados na Recomendação do Comité de Ministros do Conselho da Europa nº 2006 (19) sobre parentalidade positiva[32], e nas Resoluções  da Assembleia Parlamentar do Conselho da Europa nºs 1921 (2013) de 25-01-2013 sobre igualdade de género, conciliação da vida privada e profissional e corresponsabilidade, e 2079 (2015), de 02-10-2015, sobre igualdade e responsabilidades parentais partilhadas: o papel dos pais; em sintonia com o pensamento de muitos cultores do Direito da Família ao nível europeu. Neste particular, releva sobremaneira o estudo “Principles of European Family Law Regarding Parental Responsabilities”[33] que, no seu ponto 3.20 prevê expressamente a residência alternada, por acordo dos progenitores ou decisão do Tribunal[34].
Neste contexto, tem vindo a assumir crescente apoio a afirmação da residência alternada como desejável regime-padrão, ou regra ideal, possibilitando uma repartição mais igualitária do tempo da criança entre os seus progenitores, ou talvez melhor: proporcionando à criança um convívio equilibrado com cada um dos seus progenitores.
Nesta perspetiva, no plano do convívio da criança com ambos os progenitores, a residência alternada situa-se no mesmo nível igualitário alcançado pelo exercício conjunto das responsabilidades parentais (art. 1906º, nº 1 do CC).
Mas mais do que a igualdade parental, a residência alternada apresenta-se como meio de alcançar o objetivo do pleno gozo pela criança, do seu direito de manter uma relação de grande proximidade com os dois progenitores (art. 1906º, nº 8 do CC).
Não obstante, como já referimos, podem as circunstâncias do caso desaconselhar esta solução.
Com efeito, algumas vozes na doutrina e jurisprudência sustentaram que só seria possível implementar soluções de residência alternada em caso de acordo dos progenitores – vd. TOMÉ DE ALMEIDA RAMIÃO[35], HELENA MELO, JOÃO RAPOSO, LUÍS CARVALHO, MANUEL BARGADO ANA TERESA LEAL[36], e acs. RL 14-12-2006 (Bruto da Costa), p. 3456/2006-8; RL 02-2015 (Catarina Arêlo Manso), p. 1463/14.2TBCSC.L1-8; RC 06-10-2015 (Jorge Arcanjo), p. 1009/11.4TBFIG-A.C1, e RP 24-10-2019 (Carlos Portela), p. 3852/18.4T8VFR-A.L1
Mas cremos que esta interpretação, que à data em que a citada autora se pronunciou configurava uma leitura possível dos textos legais, se acha agora inviabilizada face ao atual teor do nº 6 do art. 1906º do CC que expressamente admite a possibilidade de o Tribunal estabelecer um regime de residência alternada independentemente de mútuo acordo dos progenitores nesse sentido.
Em sentido algo diverso, considerando que a mãe é sempre a figura de referência se pronunciou Mª CLARA SOTTOMAYOR[37].
Outros sustentaram que a residência alternada não é adequada a situações de elevada conflitualidade entre os progenitores, embora seja compatível com situações em que apesar das suas divergências, estes sabem preservar os filhos dos conflitos entre ambos – cfr. acs. RL 13-12-2012 (Rijo Ferreira), p. 1608/07.9TBCSC.L1-1; RL 22-01-2015 (Teresa Pardal), p. 4547/11.5TBCSC.L1-6; RL 17-12-2015 (Anabela Calafate), p. 6001/11.6TBCSC.L1-6; RC 27-04-2017 (Maria João Areias), p. 4147/16.3T8PBL-A.C1; RL 07-08-2017 (Pedro Martins), p. 835/17.5T8SXL-A-2; e RP 24-01-2018 (Fátima Andrade), p. 67/13.1TMPRT-F.P1.
Outros ainda defenderam que a circunstância de estar em causa uma criança de idade inferior a quatro anos (ou seja, na 1ª infância) pode desaconselhar a implementação deste regime – Vd. acs. RC 11-12-2018 (Alberto Ruço), p. 2311/18.0T8PBL-A.C1, e 07-05-2019 (Rodrigues Pires), p. 1655/18.5T8AVR-A.P1.
Acresce ainda que alguma jurisprudência encarou de forma restritiva a possibilidade de estabelecer regimes de residência alternada a título provisório – vd. ac. RG 12-01-2017 (Eva Almeida), p. 996/16.0T8BCL-D.G1. Posição da qual este coletivo divergiu, no ac. RL 11-12-2019 (Diogo Ravara), p. 2425/18.6T8CSC-D.L.1.
Não obstante, e mesmo antes da ultima alteração à redação do art. 1906º do CC outra jurisprudência já vinha entendendo que a residência alternada não pressupõe necessariamente o acordo dos progenitores, e muito menos que os mesmos mantenham relação próxima, ou tenham facilidade em dialogar   – vd. ac. RL 24-01-2017 (Rosa Ribeiro Coelho), p. 945/15.2T8AMD-A.L1-7 e RL 20-09-2018 (Pedro Martins), p. 835/17.5T8SXL-2, RL 12-04-2018 (Ondina Alves), p. 670/16.8T8AMD.L1-2, RC 11-12-2018 (Fonte Ramos), p. 1032/17.5T8CBR.C1. Neste sentido se pronunciaram também MARIA PERQUILHAS[38], PEDRO RAPOSO DE FIGUEIREDO[39], e ANDRÉ LAMAS LEITE[40].
Como salientou o RL 18-06-2019 (Ana Rodrigues da Silva), p. 29241/16.7T8LSB-A.L1-7, relatado pela aqui 1ª adjunta, “O conflito parental não pode ser limitador da escolha que melhor acautele o interesse das crianças, esse sim único critério a atender na fixação da residência da criança”.
Aliás, neste âmbito, afirmou-se já que “A mudança de paradigma impõe que a residência alternada surja hoje, não só, como uma das soluções a equacionar, mas ainda que, na tomada de decisão sobre a entrega da criança, se deva avaliar, em primeiro lugar, a aplicação do regime de residência alternada e, só se a mesma não se mostrar adequada ao caso concreto e não for aquela que melhor salvaguarda os interesses da criança, ponderar se a residência deve ser fixada junto do pai ou da mãe” – ac. RC 09-10-2018 (Mª João Areias), p. 623/17.9T8PBL.C1.
Seguindo uma argumentação próxima à deste aresto, foi igualmente enfatizado que nem sequer o argumento da tenra idade da criança será decisivo no sentido de obstar à implementação de um regime de residência alternada, admitindo-se mesmo no tocante a crianças com dois anos de idade – cfr. acs.  RG 02-11-2017 (Eugénia Cunha), p. 996/16.0T8BCL-C.G, e RE 14-07-2020 (Mário Coelho), p. 546/19.7T8PTM.E1.
Reportando-se às questões acima referidas na vigência da atual redação do art. 1906º do CC, cfr. tb. ac. RL 15-12-2020 (Luís Filipe Pires de Sousa), p. 7090/10.6TBSXL-B.L1.
Em jeito de apreciação global, concluímos como PEDRO RAPOSO DE FIGUEIREDO[41]  que “a implementação de um modelo de residência alternada, ainda que à margem do acordo dos progenitores, não só não se mostra legalmente proscrita como se apresenta nas melhores condições para responder à obrigação, legalmente prescrita, de, em sede de regulação das responsabilidades parentais, o tribunal tomar decisões que promovam amplas oportunidades de contactos com ambos os progenitores e de partilha de responsabilidades entre eles.
Por outro lado, desmistificados os riscos que tradicionalmente assombravam a adoção deste modelo de residência e recolhendo-se na ciência, em particular, na psicologia, na pediatria e na pedopsiquiatria, indicadores altamente positivos, do ponto de vista da saúde das crianças, quanto às vantagens da sua implementação, não se encontra fundamento válido para a tradicional resistência à sua utilização na prática judiciária, que ainda persiste em algumas correntes doutrinárias e jurisprudenciais.
O único critério e o limite último de qualquer decisão nesta matéria será, pois, ainda e sempre, o do superior interesse da criança, em cuja densificação o tribunal não poderá permanecer indiferente à evolução verificada na sociedade portuguesa ao nível da conjugalidade e da parentalidade.”
É que, como bem refere ANA TERESA LEAL[42], “a residência alternada pode minimizar os efeitos negativos da separação e pode constituir um fator inibidor de que o progenitor não residente se acomode e delegue no outro progenitor a responsabilidade pela educação e acompanhamento dos filhos, mesmo que o exercício das responsabilidades parentais seja conjunto. A vinculação afetiva constrói-se no dia-a-dia. Entre os pais e a criança tem que existir uma proximidade física que possibilite um entrosamento e uma interligação afetiva real e consistente, sob pena de os laços já existentes se desvanecerem e os ainda inexistentes nunca chegarem a acontecer”.
Mantendo este coletivo o entendimento expresso no excurso que antecede, cumpre apreciar o caso dos presentes autos à luz das considerações transcritas.
E fazendo-o diremos que em situações como a dos presentes autos se afigura desejável que na fixação de um regime provisório respeitante a crianças que se achem ainda na primeira infância, o Tribunal atenda à necessidade de evitar mudanças drásticas nas rotinas de vida da criança, antes se crê mais útil o estabelecimento de estratégias de aproximação progressiva rumo à solução que previsivelmente se creia adequada e possa vir a constituir o regime definitivo de exercício das responsabilidades parentais, mediante a definição de sucessivos regimes provisórios, nos termos do disposto nos arts. 28º e 38º do RGPTC - Aludindo à necessidade de estabelecer períodos de adaptação na transição entre sistemas de residência única para sistemas de residência alternada, cfr. ac. RL 18-06-2020 (Jorge Leal), p. 2973/18.8T8BRR.L1-2.
No caso vertente é manifesto que a decisão recorrida não se norteou por tal preocupação, antes substituiu um regime de residência única conjugado com um regime de visitas ao Pai por um regime de residência alternada com rotação semanal.
Em nosso entender, ainda que este fosse o regime que, na ótica do Tribunal a quo se apresentava como o mais adequado, melhor seria que se tivesse optado pela consagração de um regime provisório que, de alguma forma, se situasse entre os dois apontados pólos, permitindo que a L... se adaptasse progressivamente ao maior equilíbrio na repartição dos tempos de convívio com o Pai e a Mãe.
Note-se que tal estratégia de aproximação gradual face ao que se antevê como possível solução definitiva quanto à residência da criança pode implicar que na pendência da causa se sucedam vários regimes provisórios. Mas do mesmo passo pode igualmente beneficiar da reflexão crítica resultante da avaliação da forma como esses regimes resultam na prática, por ex. no contexto da audição técnica especializada.
Dito isto, e regressando ao caso dos autos, cumpre sublinhar ser nossa convicção que a tenra idade da L... de modo algum inviabiliza, por si mesma, o estabelecimento de um regime de residência alternada. Neste ponto divergimos frontalmente da tese sustentada pela apelante[43].
Não obstante, tal não significa que concordemos com o ritmo semanal da alternância de residência estabelecido na decisão recorrida.
Com efeito, como sublinha a requerente, a L... é uma criança com pouco mais de um ano de idade.
Ora, como salientam RUTE AGULHAS E ALEXANDRA ANCIÃES[44]:
“Crianças mais novas, até à idade pré-escolar, possuem uma noção de tempo ainda muito limitada que não vai além do ‘hoje’ e ‘amanhã’ (quando a criança tem dois a três anos de idade (e.g. Kelly  Lamb, 2000). A partir da idade pré-escolar, dos três aos seis anos de idade começa, de forma progressiva, a compreender a noção de ‘hoje’, ‘amanhã’, e, mais perto dos cinco/seis anos, ‘ontem’ e ‘depois de amanhã’. É a partir dos seis/sete anos de idade que apresenta um nível de desenvolvimento congnitivo que lhe permite compreender p que é uma semana e um mês. Uma noção de tempo mais abstrata adquire-se, de uma forma geral, a partir dos oitos anos de idade”.
Em sentido idêntico se pronunciou NUNO COSTA[45].
Os estudos mencionados pelos autores citados concluíram, pois, que a criança com menos de três anos de idade não compreende ainda os conceitos de “ontem”, “hoje”, “amanhã” e “depois de amanhã”, pelo que num quadro de rutura da comunhão de vida parental, a mesma tem enorme dificuldade em compreender a ausência de um dos progenitores, sendo certo que necessita de ambos e que a presença próxima de ambos é essencial para o seu desenvolvimento harmonioso.
Perante a irreversibilidade da rutura da comunhão de vida parental, o regime de residência da criança e convívio desta com ambos os progenitores deve permitir estabelecer uma relação próxima e gratificante com ambos, mas ao mesmo passo respeitar a noção de tempo própria da tenra idade da criança. Ora, em nosso entender, tal equilíbrio não se atinge através da definição do habitual esquema de residência alternada com rotação semanal, porventura adequado para crianças que já passaram a primeira infância, nem se alcança através de sistemas de residência fixa com um dos progenitores e estabelecimento de contactos com o progenitor não residente, porque estes também não asseguram o estabelecimento de laços de vinculação segura entre a criança e o referido progenitor não residente.
Como sublinham RUTE AGULHAS e ALEXANDRA ANCIÃES[46], “qualquer regime de contactos deve, necessariamente, ter em conta a noção de tempo da criança. Alternâncias com intervalos de tempo que vão além daquilo que a criança compreende aumentam a probabilidade desta experienciar stresse, com impacto negativo na relação que estabelece com cada um dos pais”.
Assim, é nossa convicção que nos casos em que ambos os progenitores dispõem de competências parentais e condições de vida para prover às necessidades de uma criança com a idade da L... em regime de residência alternada, a solução para aquele dilema reside em adequar os ritmos da alternância da residência à noção de tempo da criança.
Entendemos, por isso, que no caso concreto, é viável e adequado estabelecer, a título provisório, um regime de residência alternada de acordo com o qual a L... não esteja mais de três dias sem contactar cada um dos progenitores.[47]
Tal desiderato alcança-se mediante um regime de alternância de residência do tipo 2-2-3, em que a criança passa a segunda e terça feira com um dos progenitores (recolhendo a criança na tarde de segunda feira à saída do infantário, e entregando-a no mesmo local na manhã de terça-feira), a quarta e quinta feiras com o outro (recolhendo a criança na tarde de quarta- feira à saída do infantário, e entregando-a no mesmo local na manhã de quinta-feira), e o fim-de-semana com o primeiro (de 6ª a 2ª feira, recolhendo a criança na tarde de sexta-feira, no infantário, e entregando-a no mesmo local na manhã de segunda-feira), invertendo-se o esquema na semana seguinte.
E no caso vertente, cremos que os factos indiciariamente apurados permitem concluir pela viabilidade de tal sistema, visto que se apurou que:
- ambos os progenitores estão habituados e são capazes de cuidar da L...[48];
- ambos têm horários de trabalho que lhes permitem levar a L... ao infantário e ir buscá-la ao final do dia[49];
- os progenitores residem em localidades próximas entre si (e, segundo cremos, também próximas do infantário que a L... frequenta)[50].
Note-se que a escolha do infantário como local onde cada um dos progenitores vai buscar a L... e a vai levar visa evitar contactos frequentes entre aqueles. Havendo consenso entre os progenitores com vista à escolha de outro local, poderão os mesmos sugerir tal alteração ao Tribunal a quo.
Quanto às objeções manifestadas pela requerente e fundadas na condição de saúde da L..., diremos que em nosso entender, as mesmas não obstam ao estabelecimento de um regime de residência alternada como o que preconizamos.
Com efeito, a própria requerente pugna por um regime de exercício das responsabilidades parentais que compreende fins-de-semana passados em casa do Pai, sem que, no seu entender, a eventual necessidade de administrar à L... medicação de emergência constitua obstáculo a que a mesma seja confiada ao Pai de 6ª feira a domingo.
Por outro lado, afigura-se cristalino que o Pai tem que ser capaz de administrar essa medicação à L..., tal com a Mãe o é. Note-se que a requerente é bancária, tal como o requerido[51], e nenhum deles dispõe de qualificações especiais que o torne mais habilitado para essa tarefa. Por isso, tal como a requerente aprendeu a fazê-lo, também o requerido será capaz de o fazer. Para tanto bastará que a médica assistente da L... o ensine a fazê-lo, se é que o mesmo ainda não adquiriu tal competência.
Também não convence o argumento de que a L... tem uma irmã materna, e que tal desaconselharia o estabelecimento de um regime de residência alternada, desde logo pela simples razão de que decorre do alegado pela apelante, que a L... também tem irmãs paternas[52].
Finalmente, não cremos que o regime que propugnamos viole os princípios da atualidade e proporcionalidade[53], na medida em que:
- Por um lado, quando comparado com a situação que se verificava no período que sucedeu à separação dos progenitores e antecedeu a definição do regime provisório representa uma mudança de menor impacto, por diminuir consideravelmente os tempos de ausência do Pai e da Mãe na vida da L...;
- Por outro, porque o referencial para aferição da proporcionalidade deve ser a situação que vigorava à data da separação dos progenitores, e não a situação que esta provocou.
Assim sendo, e por todo o exposto, conclui-se que a decisão apelada deve ser alterada, de modo a substituir o regime de residência alternada com ritmo semanal pelo sistema de alternância 2-2-3 atrás exposto.
A forma como este sistema de residência alternada se repercutir na vivência da L... poderá obviamente ser objeto de apreciação em sede de audição técnica especializada, de modo a habilitar o Tribunal a quo a aferir se o mesmo necessita de alterações ou melhorias, com vista à definição do regime a fixar na decisão final do presente procedimento tutelar cível. No sentido exposto, cfr. MARIA PERQUILHAS, ob. e lug. cits., p. 73-74.
3.2.3. Das custas
Nos termos do disposto no art. 527º, nº 1 do CPC, “A decisão que julgue a ação ou algum dos seus incidentes ou recursos condena em custas a parte que a elas houver dado causa ou, não havendo vencimento da ação, quem do processo tirou proveito.”
No caso em apreço, considerando que se concluiu que, apesar de se ter por adequada a fixação de um regime provisório de residência alternada, o ritmo semanal é demasiado alargado face à tenra idade da L..., entendemos que ambos os progenitores decaíram em proporções idênticas, razão pela qual se entende adequado que as custas sejam por ambos suportadas em partes iguais.
4. Decisão
Pelo exposto, acordam os juízes nesta 7ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Lisboa em:
a) Julgar improcedente a presente apelação, na parte que diz respeito à impugnação a decisão sobre matéria de facto;
b) No mais, julgar a presente apelação parcialmente procedente, embora com fundamentação diversa, alterando o regime provisório de exercício das responsabilidades parentais fixado na sentença apelada, nos seguintes termos:
i. A redação das cláusulas I- e IV- passará a ser a seguinte:
“I-
a) A L... residirá, alternadamente, com cada um dos progenitores, de acordo com o esquema semanal 2-2-3. Em consequência, a partir da semana subsequente à data em que as partes se considerarem notificadas do presente acórdão, passará a segunda e terça feira com a Mãe (recolhendo a criança nas tardes de segunda e terça feira à saída do infantário, e entregando-a no mesmo local nas manhãs de terça-feira e quarta-feira), a quarta e quinta feiras com o outro (recolhendo a criança nas tardes de quarta e quinta feira à saída do infantário, e entregando-a no mesmo local nas manhãs de quinta-feira e sexta-feira), e o fim-de-semana com o primeiro (de 6ª a 2ª feira, recolhendo a criança na tarde de sexta-feira, no infantário, e entregando-a no mesmo local na manhã de segunda-feira), invertendo-se o esquema na semana seguinte.; e assim sucessivamente.
b) A L... pernoitará em casa do progenitor com quem se encontre em cada momento.
c) O progenitor com quem a L... ficar em cada momento recolherá a L... no infantário que esta frequente, após o período das atividades escolares, e deixá-la-á no mesmo local na manhã do dia útil subsequente.
d) A L... deverá, a todo o momento, ter consigo, ou na mochila da escola a medicação de emergência de que necessita.”
(…)
IV-
a) Cada um dos progenitores assegura o sustento da L... nos períodos em que a L... se encontra ao seu cuidado.
b) Ambos os progenitores suportarão, em partes iguais, as despesas médicas, medicamentosas, e escolares/infantário, relativas à L....”
c) No mais, mantém-se inalterada a decisão recorrida.
Custas por apelante e apelado, em partes iguais.

Lisboa, 22 de junho de 2021 [54]
Diogo Ravara
(X) Ana Rodrigues da Silva
Micaela Sousa
*
(X) Declaração de voto de vencido
Julgaria improcedente a apelação, mantendo a decisão recorrida quanto ao regime de residência alternada com ritmo semanal em casa de cada progenitor, mais estabelecendo a pernoita com o outro progenitor a meio da semana por forma a adequar os ritmos da alternância da residência à noção de tempo da criança e, dessa forma, permitir que esta não esteja mais de três/quatro dias sem contactar com cada um dos progenitores, permitindo ainda a cada um destes a compatibilização das várias valências das suas vidas com os ritmos da criança.

Ana Rodrigues da Silva
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[1] Refª 18426925 / 38244380.
[2] Ref.ª 130077068.
[3] Refª 18662741 / 38637534, de 22-04-2021.
[4] Neste sentido cfr. Abrantes Geraldes, “Recursos no Novo Código de Processo Civil”, 5ª Ed., Almedina, 2018, pp. 114-117
[5] Vd. Abrantes Geraldes, ob. cit., p. 119
[6] Certidão de nascimento junta com o requerimento inicial.
[7] “Recursos no Novo Código de Processo Civil”, 5ª Edição, Almedina, 2018, pp. 165-166.
[8] Vd. art. 1906º, nº 6, parte final do CC.
[9] “A «presunção jurídica da residência alternada» e a tutela do superior interesse da criança”, RMP 156, out-dez 2018, pp. 123-155, em especial pp. 139-143
[10] Disponível em
http://app.parlamento.pt/webutils/docs/doc.pdf?path=6148523063446f764c324679626d56304c334e706447567a4c31684a53556c4d5a5763765647563464473947615735686246426c64476c6a6232567a4c7a557a4d47466b5a6d4a6b4c54566c4f4745744e4759794f5331684e6d526b4c54426c4d54637a4e446b344e5759354f4335775a47593d&fich=530adfbd-5e8a-4f29-a6dd-0e1734985f98.pdf&Inline=true
[11] Sobre esta iniciativa, vd.
https://www.parlamento.pt/ActividadeParlamentar/Paginas/DetalhePeticao.aspx?BID=13214
O resultado deste debate pode ser consultado em
http://app.parlamento.pt/darpages/dardoc.aspx?doc=6148523063446f764c324679626d56304c334e706447567a4c31684a566b786c5a79394551564a4a4c305242556b6c42636e463161585a764c7a457577716f6c4d6a42545a584e7a77364e764a5449775447566e61584e7359585270646d4576524546534c556b744d4441334c6e426b5a673d3d&nome=DAR-I-007.pdf
[12]Cfr.https://www.parlamento.pt/ActividadeParlamentar/Paginas/DetalheIniciativa.aspx?BID=43655;
[13] Cfr.
https://www.dn.pt/poder/divorcio-ps-consagra-residencia-alternada-como-regime-preferencial-para-os-filhos-11534315.html
e
https://www.noticiasaominuto.com/pais/1362443/pan-apresenta-projeto-para-regime-de-residencia-alternada-para-criancas
[14] Disponível em:
https://app.parlamento.pt/webutils/docs/doc.pdf?path=6148523063446f764c324679626d56304c334e706447567a4c31684a566b786c5a793944543030764d554e425130524d5279394562324e31625756756447397a5357357059326c6864476c3259554e7662576c7a633246764c7a56685a474d784f5449784c574a6c4e4467744e4751344e5331685a4755344c545130596d55785a6d4578596a67354d7935775a47593d&fich=5adc1921-be48-4d85-ade8-44be1fa1b893.pdf&Inline=true
[15] cfr. art. 3º da referida Lei
[16] “Residência alternada: Nem sempre sim, nem sempre não” in blog PontoSJ, disponível em
https://pontosj.pt/especial/residencia-alternada-nem-sempre-sim-nem-sempre-nao/
[17] “A residência alternada e as transformações na família” in “Uma família parental, duas casas”, Sílabo, 2017, p. 24.
[18] Artigo citado.
[19] Idem.
[20] “O exercício das responsabilidades parentais. A residência partilhada (alternada). Consensos e controvérsias” in “Divórcio e parentalidade – Diferentes olhares - Do direito à psicologia”, Edições Sílabo, 2018, pp.59-76, em especial p. 74.
[21] “Residência alternada no quadro do atual regime de exercício das responsabilidades parentais — a questão (pendente) do acordo dos progenitores”, Revista Julgar, nº 33, set-dez 2017, pp. 89—108, disponível em http://julgar.pt/wp-content/uploads/2017/09/04R-Pedro-Raposo-de-Figueiredo-A-resid%C3%AAncia-alternada-rectificado.pdf 
[22] “Social Science and parenting plans for young children: A consensus report. Psychology, Public Policy and Law”, 2014, pp. 46-67, disponível em https://1drv.ms/b/s!AqneSWcIBOtass8cW3YyvsPkc7Kcug.
[23] “Press-Release: Experts Agree: Infants and Toddlers Need Overnight Care from Both Parents After their Separation”, 2014, disponível em
 https://sharedparenting.wordpress.com/2014/05/22/45/
[24] BERGSTRÖM, FRANSSON, & HJERN, “Barn med växelvis boende”, 2015, Centre for Health Equity- Studies, pp. 71-81, acessível em
https://www.chess.su.se/polopoly_fs/1.261599.1450340833!/menu/standard/file/Barn%20i%20va%CC%88xelvis%20boende%20-%20en%20forskningso%CC%88versikt.pdf 
[25] BERGSTRÖM, M., MODIN, B., FRANSSON, E., RAJMIL, L., BERLI, M., GUSTAFSSON, P., & HJERN, A., “Living in two homes-a Swedish national survey of wellbeing in 12 and 15 year olds with joint physical custody”, acessível em
https://bmcpublichealth.biomedcentral.com/articles/10.1186/1471-2458-13-868  
[26] BERGSTRÖM, M., FRANSSON, E., HJERN, A„ KÕHLER, L., 8 WALLBY, T, “Mental health in Swedish children living in joint physical custody and their parents´ life satisfaction: a cross-sectional study”, Scandinavian Journal of Psychology, 55, 2014, pp. 433-439, disponível em
https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pmc/articles/PMC4282795/
[27] BERGSTRÖM, M., FRANSSON, E., MODIN, B., BERLIN, M„ GUSTAFSSON, P., & HJERN, A., “Fifty moves a year: is there an association between joint physical custody and psychosomatic problems in children?” J Epidemiol Community, 2015 acessível em
https://jech.bmj.com/content/jech/69/8/769.full.pdf
[28] FRANSSON, E., LAFTMAN, S., OSTBERG, V., HJERN, A., & BERGSTRÖM, M., “The Living Conditions of Children with Shared Residence — the Swedish Example. Child Indicators Research”, 2017, pp. 1-23, acessível em
 https://link.springer.com/content/pdf/10.1007%2Fs12187-017-9443-1.pdf.
[29] TURUNEN, J., 2015, Shared Physical Custody and Children’s Experience of Stress. Stockholm, Family and Societies, Working Paper Series, acessível em
http://www.familiesandsocieties.eu/wp-content/uploads/2015/04/WP24Turunen.pdf.
[30] NIELSEN, L., “Shared Parenting After Divorce: A Review of Shared Residential Parenting Research”, Journal of Divorce & Remarriage, 2011, pp. 586-609, disponível em
http://c0371814.myzen.co.uk/wordpress/wp-content/uploads/2012/01/LindaNielsen_2011.pdf
[31] Acentuado nosso.
[32] Disponível em
http://www.kekidatabank.be/docs/Instrumenten/RvE/2006%20CMRec(2006)19_%20policy%20to%20support%20positive%20parenting.pdf
[33] Vd., por todos, AAVVV, publicação da iniciativa da Commission on European Family Law, Intersentia, 2007. O texto destes princípios pode ser consultado em
http://ceflonline.net/wp-content/uploads/Principles-PR-English.pdf
[34] Principle 3:20 Residence
(1) If parental responsibilities are exercised jointly the holders of parental responsibilities who are living apart should agree upon with whom the child resides.
(2) The child may reside on an alternate basis with the holders of parental responsibilities upon either an agreement approved by a competent authority or a decision by a competent authority. The competent authority should take into consideration factors such as:
(a) the age and opinion of the child;
(b) the ability and willingness of the holders of parental responsibilities to cooperate with each other in matters concerning the child, as well as their personal situation;
(c) the distance between the residences of the holders of the parental responsibilities and to the child’s school.
[35] “Regime Geral do Processo Tutelar Cível Anotado e Comentado”, 2ª Ed., Quid Iuris, p. 109;
[36]Felicidade, Poder Paternal e Responsabilidades Parentais”, 2ª ed., Quid Iuris, 2010, pp. 87 ss.
[37] “O interesse da criança e a guarda partilhada nos casos de divórcio” In Edição Comemorativa do Cinquentenário do Código Civil, Universidade Católica Portuguesa, 2017, pp. 557-578.
[38]Ob. e lug. cits., p. 73-74.  
[39] Ob. e lug. cits., p. 10-105.
[40] “O art. 1906.º do Código Civil e a (in)admissibilidade do regime de guarda (e residência) alternadas dos menores”, RMP 151, jul-set. 2017, pp. 65-81, em especial p. 75.
[41] Ob. e lug. cits., p. 108.
[42] “Novos modelos e tendências na regulação do exercício das responsabilidades parentais. A Residência alternada” in “A Tutela Cível do Superior Interesse da Criança”, Tomo I, ebook Centro de Estudos Judiciários, 2014, p. 377, disponível em
http://www.cej.mj.pt/cej/recursos/ebooks/familia/Tutela_Civel_Superior_Interesse_Crianca_TomoI.pdf
[43] Vejam-se, a este propósito, as referências bibliográficas e jurisprudenciais já documentadas no presente aresto.
[44] “Avaliação pericial no âmbito do exercício das responsabilidades parentais - que contribuição para a atribuição da residência alternada?”, in “Uma família parental, duas casas”, coord. SOFIA MARINHO e SÓNIA VLADIMIRA CORREIA, Edições Sílabo, 2017, pp. 208-229, p. 220.
[45]“A residência alternada e a jurisprudência dos tribunais da relação”, disponível em https://www.linkedin.com/pulse/resid%C3%AAncia-alternada-e-jurisprud%C3%AAncia-dos-tribunais-da-ribeiro?articleId=6653829117902901248
[46] Ob. e lug. cits., p. 220.
[47] Pronunciando-se sobre o caso concreto de uma criança de três anos de idade, em que ambos os progenitores possuíam adequadas competências para exercer de forma ajustada e centrada no bem estar da criança RUTE AGULHAS e ALEXANDRA ANCIÃES manifestam-se favoráveis a um regime de residência alternada que implique períodos de permanência da criança com cada um dos progenitores que não excedam os 4 dias consecutivos – cfr. ob. e lug. cits., p. 223.
[48] V. pontos 10 a 12 dos factos provados
[49] V. pontos 4., 5., e 9. dos factos provados
[50] Com efeito, a requerente reside em Alfragide, e o requerido em Carnaxide – vd. requerimento inicial.
[51] Pontos 4 e 9 dos factos provados.
[52] Vd. art. 3º do requerimento inicial.
[53] Conclusões 3 e 4.
[54]Acórdão assinado digitalmente – cfr. certificados apostos no canto superior esquerdo da primeira página.