Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
7090/10.6TBSXL-B.L1-7
Relator: LUÍS FILIPE PIRES DE SOUSA
Descritores: REGULAÇÃO DO PODER PATERNAL
APLICAÇÃO DA LEI NO TEMPO
RESIDÊNCIAS ALTERNADAS
PRESSUPOSTOS DE APLICAÇÃO
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 12/15/2020
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PROCEDENTE
Sumário: I- Constitui procedimento incorreto dar como provado facto que integra a reprodução textual do teor de relatório de avaliação psicológica feito a pedido da mãe porquanto: (i) os relatórios em causa têm a matriz e natureza substantiva de uma prova pericial particular, figura não reconhecida na nossa legislação; (ii) não foi observada a metodologia própria para a avaliação pericial no âmbito do exercício das responsabilidades parentais; (iii) a reprodução singela do teor dos relatórios como facto provado constitui uma forma de esquiva à formulação de um juízo crítico sobre os mesmos, constituindo uma fusão inadmissível entre o meio de prova e o facto provado a que aquele se dirige; (iv) tais relatórios estão desatualizados, reportando-se a um período superior a um ano antes do julgamento.
II - A nova redação do Artigo 1906º do Código Civil, decorrente da Lei nº 65/2020, de 4.11, com entrada em vigor em 1.12.2020, aplica-se ao caso em apreço, atento o disposto no Artigo 12º, nº2, segunda parte, do Código Civil.
III - Da nova redação do Artigo 1906º não resulta que a residência alternada seja tida pelo legislador como o regime regra.
IV - Entre os argumentos que favorecem a instituição da residência alternada avultam os seguintes: satisfaz o princípio da igualdade dos progenitores; permite uma estruturante identificação aos modelos parentais, fundamental para um normal desenvolvimento da identidade pessoal do menor; diminui o conflito parental e previne a violência na família; potencia a qualidade da relação progenitor/criança; reduz o risco e a incidência da “alienação parental”; mantém  relações familiares semelhantes às do momento pré-divórcio, porque os relacionamentos com o pai e a mãe se aproximam dos da família intacta; os conflitos de lealdade que os jovens mostram tendem a desparecer com a organização dos tempos em família e a igual importância dos pais na vida dos mais novos;  fortalece a atividade e os laços afetivos entre os filhos e os pais e reforça, por esta via, o papel parental; a criança sentirá que pertence aos dois lares em igualdade de circunstâncias; melhor aptidão para preservar as relações de afeto, proximidade e confiança que ligam o filho a ambos os pais.
V- O argumento assente na instabilidade que a mudança de residência pode provocar deve ser relativizado porquanto: a instabilidade é uma realidade na vida de uma criança com pais separados, que começa com a separação, a qual implica que as crianças  terão que se integrar sempre em duas residências; trata-se de  mais uma adaptação a fazer nas suas vidas, sendo certo que as crianças são dotadas de grande aptidão para se integrarem em situações novas;   a continuidade  e estreitamento da implicação materna e paterna, da cooperação parental, e dos benefícios daí resultantes para o menor sobrelevam face a tal inconveniente.
VI- No caso em apreço, deve o regime ser alterado para uma residência alternada porquanto: (i) as famílias reconstruídas dos progenitores mantêm e projetam uma relação de afeto com os menores, a qual é essencial ao seu desenvolvimento sadio; (ii) o pai evidencia competências parentais, afeto pelos filhos e vontade de exercê-las em prol dos filhos; (iii) os factos apurados indicam que a conduta do pai é, progressivamente, fonte de bem-estar emocional dos filhos; (iv) a alteração para o  regime de residência alternada constitui uma modificação que não é radical nem abrupta na medida em que os filhos já estão a privar com o pai, de forma alargada, desde outubro de 2019, o que causou agrado aos menores; (v) não releva tanto a gratificação imediata adveniente da alteração, mas sim  os benefícios a médio-longo prazo na vida dos menores com a sedimentação de uma vinculação afetiva no dia a dia com o pai, com a supressão de conflitos de lealdade na sua psique, com o previsível apaziguamento da conflitualidade entre os pais, circunstâncias que abonam o seu desenvolvimento equilibrado, saudável e com autoestima reforçada; (vi) os menores estão no limiar da puberdade, fase etária de progressiva autonomização dos progenitores bem como da dependência dos mesmos para a realização dos trabalhos escolares, sendo certo que os menores são assistidos por explicações; (vii) os progenitores mantêm um nível de colaboração satisfatório em prol dos menores, o que permite antever o seu aprofundamento futuro; (viii) ambos os progenitores têm condições económicas e habitacionais mais do que suficientes para facultarem aos filhos uma vida confortável, residindo com proximidade entre si e da escola.
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam os Juízes na 7ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa:

RELATÓRIO
 AA instaurou ação contra BB, pedindo que seja alterado o regime de exercício das responsabilidades parentais quanto aos filhos comuns, CC e DD , nascidos, respetivamente, a 25 de dezembro de 2006 e 11 de julho de 2008.
Alegou, em síntese, que quando foi regulado o exercício das responsabilidades parentais quanto aos filhos, os mesmos ficaram à guarda da mãe. Porém, entende que estão presentemente reunidas todas as condições para que seja fixado um regime de residência alternada, até porque corresponde à vontade das crianças passarem mais tempo consigo.
A Requerida foi citada, opondo-se ao pedido, por entender que tal provocaria instabilidade nos filhos.
Procedeu-se à audição das crianças e realizou-se conferência de pais, na qual não foi alcançado o acordo, tendo-se alterado, em termos provisórios e parcialmente, o regime de exercício das responsabilidades parentais quanto às mesmas, no que diz respeito ao regime de convívio com o pai.
Requerente e Requerido apresentaram alegações e indicaram prova, incluindo testemunhal.
Após a realização do julgamento, foi proferida sentença com o seguinte dispositivo:
« Perante tudo o que ficou exposto, decido:
1. julgar a presente ação instaurada por AA contra BB improcedente e, em consequência, manter a residência dos seus filhos CC e DD  junto da mãe, não fixando um regime de residência alternada;
2. ainda assim, alterar a cláusula do regime de exercício das responsabilidades parentais relativa aos fins de semana que as crianças passam com o pai, nos seguintes termos:
Nos fins de semana que o CC e o DD houverem de passar com o pai, este irá buscá-los à quarta-feira, à escola ou a outro local a combinar com a mãe, devendo entregá-los na escola, na segunda-feira seguinte, no início das respetivas atividades escolares.”
*
Não se conformando com a decisão, dela apelou o requerente, formulando (após despacho a ordenar a sua síntese), no final das suas alegações, as seguintes conclusões[1], que se reproduzem:
a) Não se reconhece a verificação de qualquer impedimento sério à fixação da residência alternada.
b) Os relatórios de avaliação psicológica não espelham a realidade dos factos, por estarem em contradição com a vontade dos menores e pelo hiato de tempo face à audição dos mesmos.
c) Pelo facto do ora recorrente ter intentado ação com vista à obtenção da guarda alternada baseado na vontade dos menores e que tal alteração não iria resultar em quebra de rotina, a ora recorrida tratou de solicitar avaliação psicológica dos menores que concluiu que os menores estavam contra qualquer alteração e que iria afetar precisamente a sua rotina.
d) O tribunal a quo deveria ter sopesado todas estas circunstâncias supramencionadas no sentido de acolher total ou parcialmente o vertido nos respetivos relatórios.
e) Os relatórios em causa defendiam a manutenção do regime anterior sob pena de destruturação interna dos menores.
f) Os menores foram ouvidos em sede de Conferência de Pais no dia 01.10.2019 tendo expressado a sua vontade de em época escolar manterem o convívio de quarta-feira a Domingo e em férias manter as semanas alternadas.
g) Os menores justificaram a sua pretensão com o único fundamento que a progenitora dava mais acompanhamento nomeadamente aquando da realização dos TPC’s.
h) Não se verificou qualquer tipo de constrangimento no sentido dos mesmos quererem ficar mais tempo com o progenitor, nem tendo tal facto sido assinalado pelo tribunal e tal como resulta aliás da gravação a forma espontânea como se expressaram.
i) Não se vislumbrando que ao terem manifestado querer estar mais tempo com o progenitor pudessem estar em qualquer sofrimento interno, antes pelo contrário, reconheceram o papel da figura paterna e pretendem estar mais tempo com o mesmo, concluindo-se que, ao invés, pretenderam efetivamente uma alteração ao regime até aí vigente.
j) A vontade dos menores e as justificações por si apresentadas contrastam frontalmente com o vertido nos relatórios em que os menores alegadamente manifestavam total discordância com qualquer alteração ao regime até aí instituído.
k) Ao invés, resulta da alteração após a conferência de pais que os menores estavam estruturados em termos psicológicos, dado que a própria sentença reconheceu que tal alteração só teve benefícios para os menores.
l) Pelo que, não subsiste qualquer razão objetiva e não sendo nada indicado em contrário para que os menores em época escolar possam também beneficiar de semanas alternadas entre os progenitores.
m) Uma vez que no período das férias escolares de Natal, Páscoa e Verão dos menores estes já passam com ambos os progenitores na proporção de metade e não foi assinalado qualquer desagrado por parte dos mesmos.
n) Dúvidas não restam que, pelas regras da experiência e do senso comum, que no período escolar não existiria qualquer destruturação interna por meros dois dias, tal como não se observou também quando o tribunal a quo alterou provisoriamente os períodos de convívio com o pai.
o) Pelo que também não deverá ser dado como provado no ponto 20 na parte em que refere que os menores manifestam ansiedade quanto ao desfecho dos autos, já que não desejam que seja fixado um regime de residência alternada.
p) O relatório quanto ao menor CC assinalou uma dificuldade de relacionamento com a madrasta, sendo que tal não corresponde à verdade dado que os menores manifestaram aquando da sua audição que “Gostam da madrasta” (Cf. Ata da Conferência de Pais de 01.10.2019).
q) Sendo que, no entender do ora recorrente, o tribunal a quo nem deveria ter acolhido a fundamentação e respetivas conclusões dos sobreditos relatórios.
r) Em face da gritante discrepância dos relatórios de avaliação psicológica com a vontade dos menores expressa na conferência de pais e a prova testemunhal produzida, deveria o tribunal a quo ter justificado as razões pelas quais considerou, sem reservas, os sobreditos relatórios, não obstante as divergências e incongruências constantes nos mesmos.
s) Os relatórios aconselham a manutenção da rotina à data vigente sob pena de destruturação interna e tristeza na criança, sendo que tal avaliação mostra-se totalmente desajustada, dado que em resultado da alteração decretada pelo tribunal a própria sentença reconheceu os benefícios de tal alteração.
t) Pelo que, não pode ser dado provado o vertido no ponto 9. dos factos dados como provados e nem tão pouco que os factos relativos e as conclusões nele vertidas possam ser igualmente aceites como verdadeiras e fidedignas não podendo o tribunal socorrer-se de tais relatórios para justificar a não atribuição da guarda alternada.
u) Deverá ser considerado dado como provado que Requerente e Requerida residem atualmente próximo um do outro.
v) Quanto ao ponto 14 dos factos dados como provados, deverá ao invés passar a constar que “O Requerido tenciona mudar em breve para uma nova habitação, ainda mais próxima da casa da Requerida, na qual cada uma das crianças terá um quarto próprio.".
w) Deverá ainda ser dado como provado que os menores frequentam explicações quando estão com ambos os progenitores.
x) A sentença apenas julgou improcedente o pedido de residência alternada baseado na vontade dos menores, acrescido de eventuais consequências psicológicas suportados nos relatórios solicitados pela própria progenitora.
y) Cabe aos representantes legais máxime ao tribunal avaliar o que é o melhor tendo vista o superior interesse da criança, e nunca conceder aos menores o poder pleno de decisão.
z) Sendo certo que na idade dos menores tal nunca deveria suceder.
aa) Da audição dos menores não resulta qualquer elemento intransponível à fixação da residência alternada.
bb) A alteração ao regime anteriormente instituído revelou-se muito positiva, tendo inclusivamente sido reconhecido pelos próprios menores que tinham beneficiado e que o próprio progenitor tinha feito um esforço por estar mais presente,
cc) Não se vislumbra que objetivamente o alargamento em mais dois dias em época escolar, seja negativo para os menores, tanto mais que no período de férias o convívio já tem lugar de forma alternada.
dd) A verdadeira razão invocada pelos menores em sede da sua audição seria o acompanhamento da progenitora nos trabalhos de casa.
ee) Aliás, porque os aludidos TPC’s são realizados nas explicações, sendo que só no fim de semana há necessidade de recorrer aos respetivos progenitores.
ff) O que manifestamente não pode ser decisivo.
gg) No caso dos autos não se verificam quaisquer situações de maus-tratos ou abusos por parte do ora recorrente.
hh) Dada a boa relação que os menores têm com o progenitor, tudo aponta para que rapidamente se habituariam à nova rotina, tal como ficou provado nos autos,
 ii) Inclusivamente a manter-se o regime atual vigente em época escolar, este tem o condão de provocar, em tese, uma maior quebra da rotina do que necessariamente as semanas alternadas, dado que a troca far-se-ia às quartas-feiras e não durante o fim-de-semana.
jj) As alegadas consequências psicológicas estavam expressas em relatórios cujo hiato de tempo já se encontra distante da sua audição.
kk) Sendo que a sua vontade contrasta largamente com a que se encontra descrita nos referidos relatórios de avaliação psicológica.
ll) A residência alternada permitirá que os menores possam beneficiar em pleno de ambos os progenitores, sendo que permitirá reduzir se não mesmo eliminar qualquer foco de tensão.
mm) Face à circunstância do caso em concreto seguramente não será por conceder a um pai mais dois dias em período escolar iria causar necessariamente ansiedade, mal-estar e uma violência desnecessária, tal como vertido na sentença,
 nn) Este regime excecional da guarda dos menores atribuída apenas a um dos progenitores tem precisamente aplicação não casos em que não haja acordo quanto ao regime regra entre os progenitores, como é o caso vertente dos presentes autos,
oo) A questão da residência, não colidirá necessariamente com o tipo de guarda que seja estipulado ou acordado.
pp) O critério orientador da decisão relativa ao exercício das responsabilidades parentais são os interesses das crianças.
qq) Portanto, o que importa é encontrar a solução que melhor favoreça um equilibrado e são desenvolvimento das crianças e não a solução que mais agrade a um ou aos dois progenitores.
rr) Para se aferir o modelo que melhor favoreça o bom desenvolvimento das crianças não pode deixar de se tomar em conta as características concretas de ambos os pais e das próprias crianças, endógenas e exógenas, não perdendo de vista o relacionamento e a capacidade de diálogo que os progenitores apesar de separados, conseguem manter.
ss) Ambos os progenitores têm condições físicas, morais, sociais e económicas para assegurar os cuidados dos menores, as responsabilidades parentais devem ser reguladas de igual forma entre os dois
tt) O progenitor está em condições de assegurar aos menores a estabilidade e de uma rotina diária com regras simples e bem definidas de forma a permitir um crescimento harmonioso.
uu) O critério que deve servir de referência ao julgador é o do superior interesse dos menores, sendo em função dele que se deve determinar a sua residência, o regime de visitas, o quantitativo dos alimentos que lhe são devidos, bem como a forma de os prestar.
vv) A decisão recorrida violou o disposto na Lei 61/2008, de 31/10 e o artigo 1906.°, n.°s 1, 3 e 5, do CC.
ww) Deveria a decisão recorrida ter determinado a guarda partilhada dos menores CC e DD, com semanas alternadas acrescendo os dias 2a e 3a feiras, uma vez que nos precisos termos já constantes do regime provisório que vigorou no decurso dos autos se verificou não terem havido as alegadas “alterações psicológicas” junto dos menores que a ora Requerida e os relatórios de avaliação psicológica elaborados a pedido pela progenitora tanto queriam fazer crer.
xx) Devendo a guarda partilhada com alternância semanal proceder-se da seguinte forma: ir buscar os menores ao colégio na 2a feira após términus das suas atividades escolares e extracurriculares e proceder à troca dos progenitores na 2a feira seguinte, mãe.
yy) Na sentença, o julgador acaba por assumir como único critério para a tomada de decisão for a vontade dos menores e as alegadas consequências psicológicas, desvalorizando por completo todas os demais critérios, além da posição naturalmente do pai que, desde o início do processo, também procurar o melhor para os seus filhos.
zz) A residência alternada terá a virtude de diminuir verdadeiramente esse conflito ao eliminar quase por completo as discussões entre as partes,
 aaa) A guarda alternada tem vindo a ser reconhecida pela doutrina e jurisprudência como o melhor para as crianças que não sejam de tenra idade, sempre que os pais vivam perto um do outro e as crianças tenham uma forte relação/ligação com ambas as figuras parentais, o que é o caso dos autos.
bbb) Na ponderação de todos os elementos em causa nos autos e face ao que se expôs quanto ao interesse dos menores, conclui-se que a solução da residência alternada é aquela que melhor acautela esse interesse e o desenvolvimento dos menores.
Termos em que, com o douto suprimento de V. Exas, deve a Sentença sob recurso ser considerada improcedente e, em consequência, ser lavrado Acórdão que revogue a decisão recorrida, determinando a guarda dos menores, CC e DD, deve ser partilhada com semanas alternadas, sendo que ambos progenitores assumirão as responsabilidades parentais que a cada um couber na semana que estiverem com os menores, sendo que as questões de particular interesse para a vida dos menores serão decididas conjuntamente por ambos os progenitores.
Concluindo o Douto Tribunal ad quem que os menores passem a residir com ambos os progenitores, suportando cada um as despesas inerentes à alimentação, calçado e vestuário na semana em que tenham os menores na sua companhia e face à repartição de despesas essenciais já determinada, não se encontra qualquer justificação plausível para manter a prestação fixada, pois só assim se fará a verdadeira JUSTIÇA!»
Contra-alegou a requerida, propugnando pela improcedência da apelação (fls. 101-107).
QUESTÕES A DECIDIR
Nos termos dos Artigos 635º, nº4 e 639º, nº1, do Código de Processo Civil, as conclusões delimitam a esfera de atuação do tribunal ad quem, exercendo um função semelhante à do pedido na petição inicial.[2] Esta limitação objetiva da atuação do Tribunal da Relação não ocorre em sede da qualificação jurídica dos factos ou relativamente a questões de conhecimento oficioso, desde que o processo contenha os elementos suficientes a tal conhecimento (cf. Artigo 5º, nº3, do Código de Processo Civil). Também não pode este Tribunal conhecer de questões novas que não tenham sido anteriormente apreciadas porquanto, por natureza, os recursos destinam-se apenas a reapreciar decisões proferidas, ressalvando-se as questões de conhecimento oficioso, v.g., abuso de direito.[3]
Nestes termos, as questões a decidir são as seguintes:
i. Impugnação da decisão relativa à matéria de facto;
ii. Reapreciação de mérito (residência alternada).
Corridos que se mostram os vistos, cumpre decidir.
FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO
A sentença sob recurso considerou como provada a seguinte factualidade:
1. CC e DD  nasceram, respetivamente, a 25 de abril de 2006 e 11 de julho de 2008 e são filhos do Requerente AA e da Requerida BB.
2. Por acordo homologado por sentença, de 17 de junho de 2011, foi regulado o exercício das responsabilidades parentais quanto ao CC e ao DD, que ficaram a residir com a mãe, tendo o exercício das responsabilidades parentais quanto às questões de particular importância sido atribuído a ambos os pais.
3. No que diz respeito ao convívio das crianças com o pai, foi fixado o seguinte regime:
1. Os menores passarão com o pai fins de semana alternados, de quinze em quinze dias, indo o pai busca-los a casa da mãe às sextas-feiras pelas 19 horas e entregá-los aos domingos, às 19 horas.
2. Os menores jantarão com o pai duas vezes por semana, comunicando o pai à mãe os dias que os irá buscar com uma antecedência de 24 horas e indo buscá-los ao colégio a partir das 17 horas e entregando-os na casa da mãe até às 21 horas.
3. Na semana em que os menores não passam o fim de semana com o pai podem pernoitar na casa deste uma vez por semana, desde que a pernoita seja comunicada à mãe com a antecedência de 24 horas.
4. Os menores estarão com cada um dos progenitores na véspera e dia de Natal, na véspera e dia de Ano Novo, Carnaval e Páscoa, sendo a véspera de Natal de 2011 a passar com o progenitor.
5. As férias escolares de Natal, Páscoa e Verão dos menores serão passadas com ambos os progenitores na proporção de metade, acordando estes com cerca de pelo menos um mês de antecedência na parte que caberá a cada um.”
4. No que diz respeito a alimentos, foi fixada uma pensão de alimentos a favor de cada uma das crianças no valor de € 250 mensais.
5. O CC e o DD foram ouvidos em tribunal, no dia 1 de outubro de 2019, tendo verbalizado que gostavam de passar mais algum tempo com o pai, embora, em tempo de aulas, não queiram passar uma semana com cada um dos pais, à semelhança do que acontece com as férias, sendo que, nestes períodos, lhes agrada que tal aconteça.
6. Por despacho proferido na mesma data foi alterado provisoriamente o regime de exercício das responsabilidades parentais quanto ao CC e ao DD, apenas na parte respeitante aos períodos de convívio com o pai em fins de semana, nos seguintes termos:
“Quando as crianças houverem de passar o fim semana com o pai, este irá buscá-los à Escola à quarta-feira no final das respetivas atividades letivas e irá entregá-las no mesmo local na segunda-feira seguinte.”
7. As crianças manifestam agrado pela alteração efetuada ao regime de convívio com o pai.
8. A Requerida solicitou a avaliação psicológica dos filhos à Sra. Psicóloga AC, com vista a perceber se a alteração do regime de exercício das responsabilidades parentais, nos termos pretendidos pelo Requerente, seria benéfica para os mesmos.
9. Realizada tal avaliação, a Sra. Psicóloga elaborou relatórios, dos quais constam, para além do mais, o seguinte:
a) Quanto ao CC:
“(...) Apresenta no desenho e no diálogo com a Psicóloga, o irmão como figura mais relevante e importante na sua vida. Quando questionado acerca dos atuais companheiros dos pais, revela uma forte ligação ao companheiro da mãe e alguma dificuldade na relação com a SS, companheira do pai.
Apresenta uma mãe protetora e muito presente e um pai mais ausente e egocêntrico. (...)
Quando questionado acerca da possibilidade de viver com a mãe semana sim, semana não, alternando com a casa do pai, não mostra qualquer recetividade, ficando visivelmente aflito e verbalizando que não quer e que por ele está bem assim.
Aprofundando esta temática, o CC verbaliza que o pai não lhe dá muita atenção e o apoio que ele acha que precisa, mostrando um pai distante, mesmo quando está por perto dos filhos. A vontade do CC seria ter os pais juntos e a família em harmonia, mas na impossibilidade de ver este desejo concretizado, prefere manter a sua rotina atual, estando mais tempo com a mãe, na casa da mãe que sente como a sua.
Todas estas afirmações além de verbalizadas pelo próprio, foram percecionadas nos testes psicológicos aplicados durante a avaliação.
(...)
Conclusão:
(...) para bem da estabilidade psíquica do CC, não se aconselha qualquer alteração na dinâmica existente, pois qualquer alteração face à rotina à qual está habituado, poderá representar destruturação interna e tristeza na criança.”
b) Quanto ao DD:
“(...) Não gosta de ver os pais a discutir e sente que de facto não é justo estar mais tempo com a mãe, no entanto, não consegue imaginar a sua vida a viver uma semana com cada um. Não quer fazer o pai sofrer e por isso (sic) “Eu minto ao pai para ele não ficar triste mas eu quero que fique assim como está... eu até queria tirar as quartas-feiras.”
(...)
O DD vê o pai como alguém sem paciência e bastante rígido. (sic) “Gosto mais de perguntar coisas à SS, o pai é bruto, a SS ajuda-me e acalma o pai, ela é que me ajuda a fazer os TPC.”
A SS é a atual companheira do pai e é uma pessoa de quem o DD gosta e em quem confia bastante.
(...)
Em relação à mãe, o DD apresenta uma mãe bastante calma, que (sic) “não se descontrola como o pai, que se irrita mas com calma.” Tem uma boa relação com a mãe, vê-a como alguém sempre presente, que lhe dá segurança e que o ajuda sempre que precisa.
Revela também ao longo da avaliação uma forte relação com o irmão, em quem deposita muita confiança e com quem partilha todos estes momentos em casa da mãe e do pai. (...)
Conclusão:
- O DD é uma criança muito sensível e perspicaz. Percebe que o pai peça a guarda partilhada para que seja igual em relação à mãe, mas na verdade não consegue ver isso como uma coisa boa na sua vida, preferindo manter o esquema em que se encontra, que lhe dá segurança e o deixa feliz.
- Não quer magoar o pai, mas gostava que o pai fosse mais calmo e mais presente quando está com ele.
(...) ”
*
10. O CC e o DD vivem habitualmente com a mãe e com o padrasto, em Fernão Ferro.
11. As crianças mantêm um relacionamento de grande proximidade afetiva com a mãe, sentindo que esta é mais disponível para lhes prestar apoio nas tarefas diárias e, em particular, nas escolares.
12. Mantêm igualmente uma relação de proximidade afetiva com o padrasto.
13. O Requerido vive com a sua esposa e, em semanas alternadas, com o filho desta, o GG, que tem 13 anos de idade, na QC.
14. O Requerido tenciona mudar em breve para uma nova habitação, mais próxima da casa da Requerida, na qual cada uma das crianças terá um quarto próprio.
15. O CC e o DD gostam de estar com o pai e a sua família, incluindo o GG.
16. O casal trata as três crianças de forma igualitária, existindo um relacionamento harmonioso entre todos os elementos do agregado familiar.
17. O pai mostra-se disponível para estar com os filhos e dar-lhes atenção, bem como para prestar‑lhes apoio nas questões escolares, sempre que necessário.
18. O CC e o DD frequentam a escola em PF, fazendo o percurso de casa para a escola de carro, seja com o pai, seja com a mãe, consoante aquele com o qual se encontrem.
19. Os dois irmãos mantêm um relacionamento entre si de grande proximidade afetiva e cumplicidade e desejam viver juntos.
20. As crianças manifestam ansiedade quanto ao desfecho dos presentes autos, já que não desejam que seja fixado um regime de residência alternada, não obstante gostarem de estar com o pai e com a sua família e entenderem que o mesmo atualmente é mais paciente e mais atencioso para consigo.
21. As crianças manifestam igualmente tristeza pelo facto de os pais não manterem entre si um melhor relacionamento.
22. Ainda assim, ambos os pais assumem uma postura de alguma flexibilidade perante o regime de exercício das responsabilidades parentais que se encontra fixado, aceitando, por exemplo, que os filhos fiquem com o outro quando deveriam ficar consigo, de modo a proporcionar o convívio com outros familiares.
FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO
Impugnação da decisão relativa à matéria de facto.
O apelante impugna a decisão relativa à matéria de facto, formulando os seguintes pedidos:
a) Deve ser dado como não provado o facto 9, não devendo o tribunal socorrer-se dos relatórios para justificar a não atribuição da guarda alternada (Conclusão T));
b) Não deverá ser dado como provado o facto 20 no segmento «os menores manifestam ansiedade quanto ao desfecho dos autos já que não desejam que seja fixado um regime de residência alternada» (conclusão O));
c) Deve ser dado como provado que o requerente e a requerida residem atualmente próximo um do outro (conclusão U));
d) Deve ser alterada a redação do facto 14 para: «O requerido tenciona mudar em breve para uma nova habitação, ainda mais próxima da casa da requerida, na qual cada uma das crianças terá um quarto próprio» (conclusão V));
e) Deve ser dado como provado que os menores frequentem explicação quando estão com ambos os progenitores (Conclusão W)).
Apreciando.
O tribunal a quo deu como provado sob 9 o teor de dois relatórios realizados por psicóloga clínica, na sequência de análise que tal psicóloga fez aos menores. A metodologia adotada, neste circunspecto, pelo tribunal a quo não é aceitável, quer por razões processuais quer por razões de fundo.
Em primeiro lugar, os relatórios em causa têm a matriz e natureza substantiva de uma prova pericial particular, figura não reconhecida na nossa legislação, ao contrário do que acontece, por exemplo, em Espanha. Ou seja, o que a mãe dos menores quis fazer – e fez – foi uma perícia particular aos menores, fora do quadro das perícias legalmente previstas para estes casos (cf. Artigos 42º, nº6, do RGPTC e 467º, nº3, do Código de Processo Civil).[4] Este processo foi instaurado em 12.11.2018 e a avaliação em causa decorreu entre dezembro de 2018 e janeiro de 2019 (fls. 33 v.).
Em segundo lugar, não foi observada a metodologia própria para a avaliação pericial no âmbito do exercício das responsabilidades parentais, a qual pressupõe «(…) a realização de entrevistas individuais e conjuntas com os pais, entrevistas individuais e conjuntas com a(s) criança(s), e a observação das interações entre os diversos membros do sistema familiar (…). O processo deve ainda ser complementado com a recolha de informação junto de fontes colaterais, da rede formal ou informal» - Rute Agulhas e Alexandra Anciães, “Avaliação pericial no âmbito do exercício das responsabilidades parentais. Que contribuição para a atribuição de residência alternada?”, in Sofia Marinho e Sónia Vladimira Correia, Uma Família Parental, Duas Casas, Edições Sílabo, 2017, p. 210. Ou seja, a psicóloga clínica não observou o protocolo necessário à realização de prova pericial neste âmbito, não constando do relatório a observação de interações da mãe com os menores, nem tendo sido entrevistado o pai, cuja ausência só ganharia relevância atendível no âmbito de uma perícia ordenada pelo tribunal.
Em terceiro lugar, no âmbito da valoração da prova, há que cindir entre fonte de prova, meio de prova (instrumento de que o juiz se serve para verificar as afirmações fácticas das partes), convicção firmada sobre o meio de prova e subsequente facto provado (cf. Luís Filipe Sousa, Direito Probatório Material Comentado, 2020, pp. 7-8, 55-63; Luís Filipe Sousa, Prova Testemunhal, Noções de Psicologia do Testemunho, 2ª ed., 2020, pp. 379-390). No caso, a fonte de prova foram os menores e o meio de prova –admitido pelo tribunal – foram os “relatórios de avaliação psicológica” dos menores elaborados pela psicóloga clínica. Tais relatórios, como qualquer meio de prova, devem ser objeto de um juízo crítico para apreciação do seu valor persuasivo quanto à ocorrência dos factos sob discussão nos autos, devendo o julgador exarar as razões pelas quais os relatórios devem, ou não, ser relevados.  Após a formulação desse juízo crítico, o tribunal deve exarar quais os factos que considera provados com base no meio de prova, no caso, nos relatórios de avaliação psicológica. Todavia, os meios de prova não são factos, mas instrumentos processuais para a prova de factos, de modo que o que o tribunal deve considerar, ou não, como provados são factos autónomos e não a reprodução dos meios de prova. Vale isto por dizer que não constitui procedimento correto reproduzir, textualmente, o teor dos relatórios (=meio de prova), devendo, isso sim, enumerar-se factos provados, os quais poderão estar sustentados nesse meio de prova. Deste modo, não devia o tribunal a quo ter reproduzido, textualmente, os relatórios, mas sim ter enunciado factos provados com redação própria (por exemplo, o que foi feito no facto provado sob 11), atendendo ao teor dos relatórios, caso concluísse pela sua atendibilidade e relevância (cf. Artigo 986º, nº2, do Código de Processo Civil). A reprodução singela do teor dos relatórios como facto provado constitui uma forma de esquiva à formulação de um juízo crítico sobre os mesmos, constituindo uma fusão inadmissível entre o meio de prova e o facto provado a que aquele se dirige.
Em quarto lugar, os relatórios em causa foram elaborados entre dezembro de 2018 e janeiro de 2009, tendo decorrido a sessão de julgamento em 4.2.2020 e datando a sentença de 30.3.2020. Existe um hiato temporal significativo entre a elaboração de tais relatórios e o julgamento, sendo que a própria psicóloga que elaborou os relatórios afirmou, no seu depoimento, que “um ano na vida das crianças é muito tempo”. Daqui também se infere que, mesmo a relevarem-se tais relatórios, os mesmos não estariam atualizados à data da sentença. Foi por esta mesma ordem de razões, que a própria psicóloga afirmou, no seu depoimento, que procedeu à reinquirição dos menores cerca de um mês antes do julgamento.
Por toda esta ordem de razões, entendemos que não pode ser dado como provado o facto 9, devendo o mesmo ser suprimido.
Sustenta o apelante que não deverá ser dado como provado o facto 20 no segmento «os menores manifestam ansiedade quanto ao desfecho dos autos já que não desejam que seja fixado um regime de residência alternada» (conclusão O).
O tribunal a quo não fundamentou a decisão de facto, facto por facto, mas relatando o essencial dos depoimentos prestados, mais afirmando: «Foram também tidas em conta as declarações prestadas perante o tribunal, de forma muito espontânea, livre e tranquila pelo CC e pelo DD, não deixando qualquer dúvida quanto à correspondência real dos mesmos
Os menores foram ouvidos pelo tribunal a quo em 1.10.2019, tendo sido elaborada em ata a seguinte síntese das suas declarações:
«Acham que foi boa ideia terem vindo a Tribunal transmitir a sua opinião.
Residem com a mãe e costumam ir juntos para a casa do pai nos fins-de-semana, de quinze em quinze dias, e também à quarta-feira.
Gostavam de estar mais um bocadinho com o pai, pois consideram que o tempo que passam com este é pouco, ficando com saudades dele.
O pai é muito ocupado porque tem um stand de automóveis, em que é ele o patrão, e recebe muitas chamadas telefónicas mas, mesmo assim, quando o pai passa o fim-de-semana com eles, faz um esforço para estar com os filhos.
Na casa da mãe, vivem com esta, o padrasto e a irmã “emprestada”, que se chama L … e é filha do padrasto.
A sua relação com o padrasto é boa.
Na casa do pai, vivem ainda a madrasta e o “irmão emprestado”, que se chama GG.
Gostam da madrasta.
Frequentam o Colégio “(...)” e o pai, às vezes, vai vê-los ao Colégio.
O pai reside na QC e a mãe reside nos (...) e deslocam-se para a escola de carro.
Quando passam o fim-de-semana com o pai, ele leva-os à Escola na segunda-feira e a mãe vai buscá-los à tarde.
O pai disse-lhes que queria passar mais tempo com eles. A ideia de passarem uma semana com o pai e outra semana com a mãe não lhes agrada, referindo o CC que o pai não os ajuda muito nos trabalhos de casa. Contudo, nas férias gostavam de passar semana sim, semana não, com o pai, sendo que já estão a fazer isso e tem corrido bem. Assim, durante o tempo de aulas gostavam de ficar mais algum tempo com o pai, mas não a semana toda. No tempo de aulas, acham que é melhor ficarem com a mãe.
A mãe e o pai falam poucas vezes um com o outro.»
As declarações foram ouvidas integralmente, afigurando-se que a ata elaborada corresponde ao que foi declarado pelos menores.
Releva também neste âmbito o depoimento da psicóloga clínica, Dra. AC, a qual foi ouvida como testemunha, tendo entrevistado os menores cerca de um mês antes do julgamento. Questionada quanto  às diferenças de sentir dos menores entre o período em que realizou os relatórios (dezembro de 2018/janeiro de 2019) e a entrevista prévia ao julgamento, assinalou as seguintes: os menores apresentam um desgaste psíquico interno grande; sentem-se mais pressionados do que era percetível na primeira entrevista; o DD “quer paz”; na primeira entrevista, os menores representarem a figura paterna como muito rígida, agora, percebe-se que melhorou bastante aos olhos dos filhos que o retratam como mais paciente e atento. O DD mostra-se “agradado com a situação” (cf. facto 6) e verbalizou isso. Por sua vez, o CC afirmou que “está bem assim”, como está agora. “Ele quer é que isto se resolva.” Instada sobre qual a fonte do sofrimento interno intenso dos menores a que se reportou, a testemunha afirmou que tal fonte “está nesta luta entre os pais”, sendo que os pais não conseguem dar-se bem, não conseguem respeitar-se. O CC verbalizou à testemunha “custa-me muito no pai ouvir falar mal da mãe e na mãe ouvir falar mal do pai.”
Mais afirmou esta testemunha que o DD tem “uma maturidade emocional excecional”, percebendo que, ao ficarem as coisas como estão, o pai ficará triste. O DD não quer pensar nele, achando mais justo estarem uma semana com cada um dos progenitores, já se sentindo preparado para ficar uma semana com cada um. Pelo contrário, o CC pretende ficar como está. Na análise da testemunha, os menores estiveram muitos anos com a mãe, tendo uma vinculação fortíssima com a mãe. Os “miúdos têm muitas vezes que se adaptar” e isso não quer dizer que estejam mais felizes e equilibrados do que poderiam estar.
A testemunha NG é o companheiro da mãe dos menores desde há 6 anos. Afirma que os menores têm uma relação de proximidade diária com a mãe. Desde há dois anos, que o pai está mais presente, tendo havido uma alteração da relação. Antes da entrada deste processo, o DD, quando vinha da casa do pai, não queria falar e, às vezes, chorava, o que a testemunha interpreta como derivado de conversas ouvidas ao pai no sentido de que seria instaurado este processo. O DD é que domina as escolhas entre os irmãos, apesar de ser o mais novo. Os menores têm estado mais tranquilos depois da última alteração (facto 6). “Estão ansiosos porque não sabem o que poderá acontecer” na sequência do processo, quais serão as alterações na vida deles.
SA é amigo do pai, sendo padrinho do DD. Relatou que a respetiva família, o pai dos menores, a companheira e estes convivem em férias (incluindo em Moçambique) e passagens de ano, sendo que os pais autorizaram reciprocamente a saída dos menores para o estrangeiro na companhia do outro progenitor. Relatou que o pai vai mudar-se para uma moradia com quatro quartos, passando cada um dos menores a ter o seu próprio quarto. A companheira atual do pai tem um filho de 13 anos, o qual se dá bem com os menores: “é como se fossem três irmãos”. Os pais vivem perto um do outro.
SS é a atual companheira do pai, há cerca de cinco anos. Tem um filho de 13 anos em regime de residência alternada, sendo que o respetivo filho e os menores são muito unidos e cúmplices. Afirma que trata os três de forma igual de tal modo que confirmou (facto já relatado pela testemunha anterior) que os próprios menores farão um sorteio para distribuírem entre si os quartos na casa nova. “Temos os nossos momentos de brincar e de regras.” Os menores mostraram-se satisfeitos em estar mais tempo com o pai (cf. facto 6). O pai é que os vai buscar ao colégio e leva-os aos treinos de futebol. É que propôs que os menores frequentassem explicações, sendo que os menores fazem os trabalhos de casa na explicação durante a semana. Ao fim de semana, têm de fazer os trabalhos em casa e o pai supervisiona. Retrata o DD como sendo mais espontâneo (“fala com o coração”) e o CC como sendo mais resguardado. Não vê nos menores sofrimento, angústia ou tristeza.
Deste acervo probatório resulta que as crianças evidenciam apreensão e ansiedade quanto ao desfecho dos autos, o que é perfeitamente normal num contexto de litígio desta natureza, independentemente de a relação com cada progenitor ser mais ou menos próxima. Também resulta que a causa primária do sofrimento interno (a que se reporta a psicóloga) não é propriamente a solução proposta no processo pelo pai, mas sim a persistente “luta entre os pais” (cf. facto provado sob 21), ou seja, a causa de sofrimento dos menores deriva do quadro de dissídio existente entre os pais, os quais não terão ainda logrado separar o contexto da parentalidade do contexto da conjugalidade, já cessada. Assim, não faz sentido a redação do facto 20 quando estabelece uma relação de causa-efeito entre a residência alternada e a ansiedade dos menores. Acresce que a vontade expressa pelos menores, de forma atualizada (AC), quanto à perspetiva de uma residência alternada não é coincidente. Enquanto o CC persiste em manifestar desagrado quanto a tal cenário, o DD, admite-o de forma mais racional (AC), sendo que – consoante expressa a psicóloga – tem maior maturidade emocional e lidera a relação entre os irmãos (neste sentido, também NG).
Assim sendo, justifica-se a alteração da redação do facto 20 nos seguintes termos:
20. As crianças manifestam ansiedade quanto ao desfecho do processo. Com referência à data do julgamento, a fixação de um regime de residência alternada não agrada ao CC, sendo admitida pelo DD. As crianças gostam de estar com o pai e com a sua família e, atualmente, entendem que o pai é mais paciente e atencioso com elas.
Pretende o apelante que deve ser dado como provado que o requerente e a requerida residem atualmente próximo um do outro.
Tal situação foi verbalizada pela testemunha SA. Recorrendo às moradas dos pais constantes dos articulados, utilizando a aplicação viamichelin.pt, infere-se que os pais residem a 7 km entre si, percurso de 13 minutos de automóvel.
Assim sendo, justifica-se o aditamento do facto provado:
23. Os pais das crianças residem atualmente próximo um do outro (7 km).
O apelante pretende que a redação do facto 14 seja alterada para: «O requerido tenciona mudar em breve para uma nova habitação, ainda mais próxima da casa da requerida, na qual cada uma das crianças terá um quarto próprio». A única diferença entre a redação da sentença e a proposta é o aditamento de “ainda”.
Ora, esta alteração de redação – mesmo a proceder – não tem qualquer relevância para a decisão de mérito porquanto o facto aditado 23 já é suficiente, consoante se verá infra.
O direito à impugnação da decisão de facto não subsiste a se mas assume um caráter instrumental face à decisão de mérito do pleito. Deste modo, por força dos princípios da utilidade, economia e celeridade processual, o Tribunal ad quem não deve reapreciar a matéria de facto quando o(s) facto(s) concreto(s) objeto da impugnação for insuscetível de, face às circunstância próprias do caso em apreciação e às diversas soluções plausíveis de direito, ter relevância jurídica, sob pena de se levar a cabo uma atividade processual que se sabe, de antemão, ser inconsequente.[5] Dito de outra forma, o princípio da limitação dos atos, consagrado no Artigo 130º do Código de Processo Civil ,  deve ser observado no âmbito do conhecimento da impugnação da matéria de facto se a análise da situação concreta evidenciar, ponderadas as várias soluções plausíveis da questão de direito, que desse conhecimento não advirá qualquer elemento factual cuja relevância se projete na decisão de mérito a proferir – Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 17.5.2017, Isabel Pereira, 4111/13.
Finalmente, pretende o apelante que deve ser dado como provado que os menores frequentam explicação quando estão com ambos os progenitores.
Esta situação foi esclarecida, de forma bastante contextualizada, pela testemunha SS Cristina, razão da procedência desta impugnação.
Assim sendo, adita-se o facto:
24. Os menores frequentam explicação quer quando estão com o pai quer quando estão com a mãe.
Reapreciação de mérito (residência alternada).
O tribunal a quo indeferiu a fixação de um regime de residência alternada, adotando a seguinte fundamentação a tal respeito:
«Tendo em conta o que se expôs, há, então, que decidir se o CC e o DD deverão passar a residir com ambos os progenitores, em regime de alternância, conforme pretende o Requerente.
Assim, no presente caso, tivemos a oportunidade de ouvir o CC e o DD, tendo resultado das suas palavras que desejavam estar mais tempo com o pai, embora ambos tenham deixado bem claro que não queriam que fosse fixado um regime de residência alternada. Ainda assim, afigura‑se-me que resulta da prova que foi produzida que as crianças mantêm uma relação afetiva próxima com ambos os progenitores (embora de maior proximidade com a mãe) e respetivos agregados familiares e que ambos desejam assumir uma presença ativa na vida dos filhos, em todas as suas vertentes. Para além disso, resulta igualmente provado que os pais residem próximo um do outro e dispõem das condições pessoais, materiais e familiares para cuidarem dos filhos, sendo que os respetivos companheiros estabelecem relações positivas com as crianças e mostram-se disponíveis para participar na prestação de cuidados, constituindo-se igualmente como figuras afetivas relevantes e positivas. E, ainda que a relação entre os pais possa não ser exemplar, os mesmos conseguem manter entre si níveis de diálogo razoáveis em prol dos filhos e, aparentemente, têm consciência da importância recíproca de cada um deles na vida das crianças. Finalmente, não se pode deixar de notar como muito positivo o facto de as próprias crianças reconhecerem no pai uma alteração de atitude e na forma como se relaciona com elas, sendo agora mais paciente e mais disponível, o que pode ser entendido como um sinal de vontade sincera em estar mais presente na vida dos filhos, em conhecê-los melhor e dar-se a conhecer.
Perante este quadro e tendo presente o que atrás se expôs, poderia, pois, entender-se que nenhum inconveniente existe à fixação de um regime de residência alternada, o qual, na prática e face à alteração introduzida pelo despacho de 1 de outubro de 2019, se traduz em que as crianças permaneçam junto do pai mais quatro dias por mês, em tempo de aulas, visto que o tempo de férias escolares já é repartido por ambos os pais, de forma igualitária.
Porém, considerando a vontade manifestada pelas próprias crianças e, sobretudo, o estado de ansiedade e mal-estar que manifestam perante a possibilidade de tal alteração, afigura-se-me que nenhum benefício resultaria para as mesmas em lhes impor essa solução, sobretudo, ao nível da sua estabilidade emocional, que deve ser preservada.
Com efeito, verifica-se que as crianças reagiram com agrado ao alargamento do período de permanência junto do pai em conformidade com o decidido a título provisório, sentindo-se felizes e confortáveis com tal alteração, a qual lhes tem permitido conviver mais tempo com um pai que se mostra agora mais atencioso e disponível. Por outro lado, compreende-se a perspetiva do pai (que é legítima), ao pretender usufruir da companhia dos filhos em termos igualitários com a mãe. Porém, não sendo tal alteração desejada pelas crianças e podendo, até, as mesmas senti-la como um ato de desrespeito pela sua vontade, de violência desnecessária e como fonte de mau-estar, não se vislumbra qual o benefício que daí resultaria, não só para as próprias crianças, como para o pai. Com efeito, se o próprio DD consegue admitir fazer cedências à sua vontade, pondo a hipótese de se conformar com a residência alternada (ainda que tal não corresponda ao seu sentir) apenas para que o pai não fique triste, acredito que também o pai tenha essa capacidade de ceder para ver os filhos felizes, ainda para mais quando a alteração por si pretendida, face àquela que o tribunal já decidiu em termos provisórios, se traduz numa diferença pouco significativa.
Tendo, pois, em conta o exposto, deverá manter-se a residência habitual do CC e do DD junto da mãe, alargando-se o período de convívio com o pai nos termos já decididos nos autos em termos provisórios.»
Cumpre aferir da bondade desta decisão.
Nos termos do Artigo 1906º do Código Civil:
1 - As responsabilidades parentais relativas às questões de particular importância para a vida do filho são exercidas em comum por ambos os progenitores nos termos que vigoravam na constância do matrimónio, salvo nos casos de urgência manifesta, em que qualquer dos progenitores pode agir sozinho, devendo prestar informações ao outro logo que possível.
2 - Quando o exercício em comum das responsabilidades parentais relativas às questões de particular importância para a vida do filho for julgado contrário aos interesses deste, deve o Tribunal, através de decisão fundamentada, determinar que essas responsabilidades sejam exercidas por um dos progenitores.
3 - O exercício das responsabilidades parentais relativas aos atos da vida corrente do filho cabe ao progenitor com quem ele reside habitualmente ou a progenitor com quem ele se encontra temporariamente; porém este último, ao exercer as suas responsabilidades, não deve contrariar as orientações educativas mais relevantes, tal como elas são definidas pelo progenitor com quem o filho reside habitualmente.
4 – O progenitor a quem cabe o exercício das responsabilidades parentais relativas aos atos da vida corrente poder exercê-las por si ou delegar o seu exercício.
5 - O Tribunal determinará a residência do filho e os direitos de visita de acordo com o interesse deste, tendo em atenção todas as circunstâncias relevantes, designadamente o eventual acordo dos pais e a disponibilidade manifestada por cada um deles para promover relações habituais do filho com o outro.
6 — Quando corresponder ao superior interesse da criança e ponderadas todas as circuns­tâncias relevantes, o tribunal pode determinar a residência alternada do filho com cada um dos progenitores, independentemente de mútuo acordo nesse sentido e sem prejuízo da fixação da prestação de alimentos.
7 – Ao progenitor que não exerça, no todo ou em parte, as responsabilidades parentais assiste o direito de ser informado sobre o modo do seu exercício, designadamente sobre a educação e as condições de vida do filho.
8 - O Tribunal decidirá sempre de harmonia com o interesse do menor, incluindo o de manter uma relação de grande proximidade com os dois progenitores, promovendo e aceitando acordos ou tomando decisões que favoreçam amplas oportunidades de contacto com ambos e de partilha de responsabilidades entre eles.
9 — O tribunal procede à audição da criança, nos termos previstos nos artigos 4.º e 5.º do Regime Geral do Processo Tutelar Cível”.
Os números 6 e 9 foram aditados pela Lei nº 65/2020, de 4.11, com entrada em vigor em 1.12.2020 (cf. Artigo 3º).
Nos termos do Artigo 12º, nº2, segunda parte, do Código Civil, a nova redação do Artigo 1906º do Código Civil aplica-se ao caso em apreço, na medida em que a lei nova deve aplicar-se às situações jurídicas (=consequências duradouras de factos jurídicos) que se constituíram na vigência da lei antiga (alteração da regulação das responsabilidades parentais) e que transitam para o domínio da lei nova (cf. Miguel Teixeira de Sousa, Introdução ao Direito, 2013, pp.  281 e 286). Ou seja, na medida em que a nova redação dissocia os efeitos das regulações das responsabilidades parentais dos factos que originaram tais regulações, a lei nova pode, sem retroatividade ser objeto de aplicação imediata e, deste modo, reger os efeitos futuros das situações em curso (cf. Maria João Fernandes, Comentário ao Código Civil, Parte Geral, Universidade Católica Editora, 2014, p. 62).
A questão da residência alternada tem vindo a ser objeto de larga análise na doutrina e na jurisprudência, havendo argumentos a favor deste regime e argumentos que o questionam.
A favor da instituição de regime com residência alternada do menor são aduzidos os seguintes argumentos.
Jorge Duarte Pinheiro, Estudos de Direito das Famílias e das Crianças, AAFDL Editora, 2015, pp. 338-339, defende que a regra deve ser a concessão a cada um dos progenitores de igual tempo de contacto ou residência, com o filho, e a atribuição da titularidade do exercício de todas as responsabilidades parentais a cada um dos progenitores que estiver, e enquanto estiver, com o filho, indicando as seguintes quatro fortes razões em abono do exercício alternado das responsabilidades parentais: 1. É um modo de tentar dar à criança dois pais em vez de um só ou de um meio; 2. É uma forma de organização que contribui para criar uma cultura autêntica de partilha das responsabilidades entre os pais; 3. É a modalidade que satisfaz o princípio da igualdade dos progenitores, imposto pelos Artigos 36º, nº5 e 13º da CRP e pelo Artigo 18º da Convenção Sobre os direitos da Criança; 4. É a forma de organização que melhor se adequa ao princípio de que os filhos não devem ser separados dos pais, salvo quando estes não cumpram os seus deveres fundamentais para com eles (Artigo 36º, nº6, da CRP).
«A residência alternada permite que os pais continuem a dividir atribuições, responsabilidades e tomadas de decisões em iguais condições, reconhecendo as suas diferenças e limitações bem como o valor do papel de cada para com a criança. Esta diferença clara e coerente de papéis materno e paterno é fundamental para o saudável crescimento dos filhos pois permite uma estruturante identificação aos modelos parentais, fundamental para um normal desenvolvimento da sua identidade pessoal» - Ana Vasconcelos, “Do cérebro à empatia. Do divórcio à Guarda Partilhada com Residência Alternada”, in A Tutela Cível do Superior Interesse da Criança, Tomo I, julho 2014, Ebook CEJ, p. 10.
Segundo um estudo de Edwark Kurk, “Arguments for na Equal Parental Responsibility Presumption In Contested Child Custody”, in The American Journal of Family Therapy, Volume 40, 2012, pp. 33-55, constituem argumentos que legitimam a imposição da residência alternada:
1. Preserva a relação da criança com ambos os pais.
2. Preserva a relação dos pais com a criança.
3. Diminui o conflito parental e previne a violência na família.
4.Respeita as preferências da criança e a opinião da mesma acerca das suas necessidades e superior interesse.
5. Respeita as preferências dos pais e a opinião dos mesmos acerca das necessidades e superior interesse da criança.
6. Reflete o esquema de cuidados parentais praticado antes do divórcio;
7. Potencia a qualidade da relação progenitor/criança;
8. Reduz a atenção parental centrada na “matematização do tempo” e diminui a litigância;
9. Incentiva a negociação e a mediação interparental e o desenvolvimento de acordos do exercício das responsabilidades parentais;
10. Proporciona guidelines claras e consistentes para a tomada de decisão judicial;
11. Reduz o risco e a incidência da “alienação parental”,
12. Permite a execução dos regimes de exercício das responsabilidades parentais, pela maior probabilidade de cumprimento voluntário pelos pais.
13. Considera os imperativos de justiça social relativos aos direitos da criança;
14. Considera os imperativos de justiça social relativos à autoridade parental, à autonomia, à igualdade, direitos e responsabilidades;
15. O modelo “interesse superior da criança/guarda e exercício unilateral” não tem suporte empírico;
16. A presunção legal de igualdade na guarda e exercício das responsabilidades parentais rem suporte empírico.
Analisando quarenta estudos realizados a nível internacional, Linda Nielsen, “Custódia física partilhada. 40 estudos sobre os seus efeitos nas crianças”, in Sofia Marinho e Sónia Vladimira Correia, Uma Família Parental, Duas Casas, Edições Sílabo, 2017, p. 67, afirma:
«De modo geral, os 40 estudos chegaram a várias conclusões semelhantes. Em primeiro lugar, a custódia física partilhada está associada a melhores resultados de crianças de todas as idades ao longo de um amplo espetro de indicadores de desempenho e bem-estar emocional, comportamental e de saúde física. Em segundo lugar, não foram encontradas evidências de que as dormidas na casa do pai e custódia física partilhada estejam associadas a desempenhos negativos dos bebés e das crianças pequenas. Em terceiro lugar, quando as crianças têm um mau relacionamento com o pai os resultados não são tão positivos. Em quarto lugar, mesmo que tendencialmente os progenitores com custódia física partilhada tendam a ter rendimentos mais elevados e a manterem relações com menor conflito, estes dois fatores isolados não explicam os melhores desempenhos das crianças. E, por fim, ainda que a maioria das crianças em custódia física partilhada admita que viver em duas casas pode ser, por vezes, complicado, muitas sentem que os benefícios superam de longe os possíveis inconvenientes.»
Daniel Sampaio, Dá-me a Tua Mão e Leva-me, Como Evoluiu a Relação Pai-Filho, Caminho, 2ª ed., 2020, pp. 146-147, analisa a questão nestes termos:
«Conhecem-se hoje diversas vantagens no modelo de residência partilhada. A principal é a de que, deste modo, mantemos as relações familiares semelhantes às do momento pré-divórcio, porque os relacionamentos com o pai e a mãe se aproximam dos da família intacta. Este esquema leva a um diálogo entre os progenitores, embora em muitos casos seja difícil e feito apenas por e-mail (muitas vezes para “fazer processo” e mais tarde apresentar em tribunal), porque é necessário fazer acordos e negociar diversos aspetos da vida dos filhos. Os conflitos de lealdade que muitos jovens mostram (devo estar mais com a minha mãe ou o meu pai vai ficar aborrecido?) tendem a desparecer com a organização dos tempos em família e a igual importância dos pais na vida dos mais novos. Finalmente, a residência partilhada permite algum espaço individual a cada um dos pais, nos tempos em que estão sozinhos, o qual pode ser importante sobretudo quando aparecem novas relações afetivas.
Quem não concorda com a residência partilhada argumenta que este regime só pode ser decretado nos casos em que o conflito entre os progenitores se reduziu ao mínimo, porque a manter-se a zanga ela seria ativada nas inevitáveis combinações do quotidiano. Não é essa a minha experiência, antes pelo contrário: nos caos em que tenho tido intervenção terapêutica, este regime atenua o conflito, pela razão simples de que “ninguém ganha” e a criança se “divide” entres os pais.
(…)
Na residência partilhada a criança convive com ambos os pais e essa constância de relacionamento permite um conhecimento mais direto e íntimo de cada um, o que torna a eventual influência negativa [reportando-se às práticas alienantes familiares] menos intensa.»
Neste âmbito, merecem destaque as ponderosas e exaustivas considerações tecidas no Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 12.4.2018, Ondina Alves, 670/16:
«As vantagens são inequívocas, porquanto além de eliminarem os conflitos, reduzem os efeitos do impacto da separação dos pais nas relações parentais, e nas que se estabelecem entre os progenitores e os respetivos filhos, com a envolvência direta e conjunta de ambos os pais, fortalecendo assim a atividade e os laços afetivos entre os filhos e os pais e reforçando, por esta via, o papel parental – cf. neste sentido Ac. TRL de 28.06.2012 (Pº 33/12.4TBBRR.L1-8), citando Waldir Grisard Filho, “Novo Modelo de Responsabilidade Parental” São Paulo, Revista dos Tribunais, 2000. e ainda MARIA ALICE ZARATIN LOTUFO, A guarda e o exercício do direito de visita, Revista do Advogado, São Paulo, n. 91, maio, 2007, 93-102, acessível em https://aplicacao.aasp.org.br/aasp/servicos/revista_advogado/paginaveis/91/index.asp#/93/zoomed.
 A residência alternada pode, portanto, ser mais benéfica para o menor que a residência exclusiva com um dos progenitores, porquanto aquela será a que está mais próxima da que existia quando os pais viviam na mesma casa, já que a criança continuará a estar com ambos os pais por períodos prolongados e equivalentes, com ambos estabelecendo relações de maior intimidade.
Com efeito, a criança sentirá que pertence aos dois lares em igualdade de circunstâncias e não se sentirá uma “visita” quando está com o outro progenitor e restantes pessoas do seu agregado familiar, mantendo em ambos os lares um «espaço» próprio para a criança e não um espaço sentido por ela sentido como «provisório» ou considerado como tal pelos outros elementos do agregado familiar.
Acresce que a igualização dos direitos e responsabilidades dos pais diminui a conflitualidade e encoraja a cooperação entre estes, uma vez deixa de haver um perdedor e um vencedor, o que reduz a tentativa de denegrir a imagem um do outro através de acusações mútuas. Por outro lado, mesmo que num período inicial subsista alguma conflitualidade entre os pais estes tendem, com a passagem do tempo, a ultrapassarem os seus conflitos, adaptando-se à nova situação e relacionando-se de uma forma pragmática.   
(…)
Conclui-se, portanto, que o regime de residência singular impede que o exercício das responsabilidades parentais, após a separação, possa ser o mais possível próximo de quando vigorava a união do casal, tanto mais que a permanência continuada da criança com apenas um dos progenitores implica, geralmente, que a separação dos pais tenha como consequência também a separação dos filhos daquele progenitor com quem apenas está durante o período estabelecido para as respetivas visitas.
Pelo contrário, na residência alternada estabelece-se uma relação próxima da criança com ambos os progenitores, sendo unanimemente aceite que a vinculação afetiva se constrói no dia-a-dia. Entre os pais e a criança tem de existir uma proximidade física que possibilite uma interligação afetiva real e consistente, sob pena de os laços já existentes se desvanecerem e os ainda inexistentes nunca chegarem a acontecer.
A residência alternada e a proximidade dos pais com os filhos, após a separação, é mais suscetível de minimizar os efeitos negativos da separação e pode constituir um fator inibidor de que o progenitor não residente se acomode e delegue no outro progenitor a responsabilidade pela educação e acompanhamento dos filhos, mesmo que o exercício das responsabilidades parentais seja conjunto. E, através da diminuição do sentimento de perda na sequência dessa separação pode, com grande probabilidade, levar a uma diminuição da conflitualidade entre os progenitores.             
 Este regime tem, pois, como vantagens a maior proximidade entre a criança e cada um dos pais e o facto de a criança não ter de escolher um pai em detrimento do outro, para além de que os pais também não se sentem privados dos seus direitos, permitindo a continuação das responsabilidades de ambos, suscetível de criar um forte vínculo emocional de pais e filhos e o bom desenvolvimento da criança, já que a segurança nas crianças está ligada à resposta imediata em situações de stress, com carinho e envolvimento, pelo que a capacidade de manter padrões de comportamento faz crescer nas crianças sentimentos de respeito, maturidade e autoestima positiva.»
Ainda na jurisprudência, é enfatizado que a residência alternada permite equilibrar o princípio da igualdade dos progenitores e o superior interesse da criança (Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 18.6.2019, Ana Rodrigues da Silva, 29241/16), sendo o instituto com melhor aptidão para preservar as relações de afeto, proximidade e confiança que ligam o filho a ambos os pais (Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 24.1.2017, Rosa Coelho, 954-15).
A doutrina e jurisprudência, que se pronunciam contra a residência alternada dos menores em caso de divórcio, invocam a seguinte ordem de argumentos: possibilidade de causar instabilidade à criança; constitui uma fonte de insegurança e de problemas de adaptabilidade; compromete a continuidade e unicidade da educação; é uma situação muito difícil e exigente para a criança; promove a hostilidade entre os progenitores (cf. Joana Salazar Gomes, O Superior Interesse da Criança e as Novas Formas de Guarda, UCP, 2017, pp. 75-80, 85-88; Pedro Raposo de Figueiredo, “A residência alternada no quadro do atual regime de exercício das responsabilidades parentais- A questão (pendente) do acordo dos progenitores”, in Julgar, nº 33, pp. 96-98; Maria Perquilhas, “O exercício das responsabilidades parentais: a residência partilhada (alternada): consensos e controvérsias”, in Divórcio e Parentalidade: Diferentes Olhares: do Direito à Psicologia, 2018, p. 69).
Obtemperando à objeção da instabilidade, acompanhamos o raciocínio do Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 2.11.2017, Eugénia Cunha, 996/16, quando aí se afirma que: «Não se deve exagerar o facto de a mudança de residência criar instabilidade e, por isso, representar inconveniente para a criança, pois que a instabilidade é uma realidade na vida de uma criança com pais separados, que, sempre, terão de se integrar em duas residências, sendo essa mais uma adaptação a fazer nas suas vidas, sendo certo que as crianças são dotadas de grande aptidão para se integrarem em situações novas.» Conforme refere Maria Teresa Bigote Chorão, O Superior Interesse da Criança e a Fixação da Residência Alternada em Caso de Divórcio, 2019, p. 35, «(…)  note-se que qualquer que seja o regime, parece-nos inevitável que se crie esta instabilidade na vida da criança com o divórcio, dado que sempre implica uma alteração radical nos seus moldes de vida.» Refere ainda que: «[o] habitual discurso sobre as desvantagens e os malefícios para a criança do “andar para lá e para cá” deve ser ponderado face aos objetivos de assegurar a continuidade da implicação materna e paterna e da cooperação parental» (p. 33).
Também não acompanhamos a argumentação no sentido de que este regime promove a hostilidade entre os progenitores. Além do que já foi mencionado supra (nomeadamente o texto de Daniel Sampaio), acompanhamos o Acórdão do Tribunal da Relação de  Lisboa de 6.2.2020, Pedro Martins, 6334/16, quando aí se afirma que: «Cremos ainda não poder dizer-se, sem mais, que a guarda/residência alternada fomenta o conflito entre os progenitores; ao invés, cremos que pode até concorrer para desvanecer os conflitos eventualmente existentes, pois que, com ela, nenhum deles se sentirá excluído ou preterido no seu direito de se relacionar com o filho e de participar ativamente, em termos práticos e psicológicos, no seu desenvolvimento como ser humano, sendo sabido que o progenitor “preterido”, movido pelo sentimento de exclusão que a maioria das vezes o assola, é levado a deixar de cumprir as suas obrigações parentais.»
 Acresce que, conforme referem Sofia Marinho e Sónia Vladimira Correia, Uma Família Parental, Duas Casas, Edições Sílabo, 2017, p. 257, «Ao invés da residência única, a residência alternada fomenta equilíbrios no desenvolvimento dos dois progenitores na parentalidade, pois permite não só que ambos tenham influência e responsabilidades sobre os cuidados e a educação de filhos e filhas no quotidiano, como também que ambos sejam autónomos e independentes no exercício da parentalidade. Nesta medida, esta é também um instrumento apaziguador de disputas sobre qual o progenitor que melhor serve o bem-estar da criança. (…) quando se favorece o envolvimento parental dos dois progenitores não é necessária uma relação de amizade para que ambos exerçam plenamente a sua parentalidade, pois ao contrário do que acontece na residência única não se atribui a um dos progenitores o poder de incluir ou excluir o outro da vida das crianças. Neste quadro, a concertação de atividades e de decisões entre progenitores ocorre em maior ou menor grau tanto numa relação em que o consenso é fácil como numa relação em que é difícil.»
Quanto ao estado da doutrina nacional, anterior à alteração advinda da Lei nº 65/2020, Marianna Chaves, “Responsabilidades parentais e guarda física – Uma distinção necessária”, in Lex Familiae, Ano 16, nº 31-32 (2019), p. 114, resume que:
«Mais cautelosa, a doutrina portuguesa considera que, um eventual acordo de exercício conjunto das responsabilidades parentais com residência alternada, somente poderá ser considerado diante de alguns pressupostos, que constituem critérios exemplificativos e orientadores, a serem ponderados pelos juízes e tribunais, tais como: a) capacidade de cooperação entre os progenitores; b) manifesta relação afetiva entre o filho e os pais; c) capacidade dos progenitores em colocar de lado as diferenças pessoais; d) capacidade de dar prioridade às necessidades dos filhos; e) idade e maturidade do filho; f) vontade manifestada pelo filho; g) identidade de estilos de vida e valores; h) capacidade de acordo sobre questões relativas a saúde, educação, religião (questões de particular importância); i) vontade de cooperar aliada a respeito e confiança mútuos; j) proximidade entre as residências dos pais e a escola da criança; k) flexibilidade de horários dos pais; l) ambiente laboral amigo da família.»
A recente alteração ao Artigo 1906º do Código Civil, efetuada pela Lei nº 65/2020, de 4.11, sana divergências doutrinárias e jurisprudenciais quanto à admissibilidade da residência alternada e regime desta, clarificando que a imposição de tal regime prescinde do acordo dos pais, mas não da competência e aptidão dos mesmos na medida em que o fundamento da imposição da residência alternada é sempre a salvaguarda do superior interesse da criança. Cremos, também, que esta redação não sana a discussão sobre a pertinência da residência alternada para crianças de tenra idade (cf. Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 18.6.2020, Jorge Leal, 2973/18, Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 7.5.2019, Rodrigues Pires, 1655/18, Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 11.12.2018, Alberto Ruço, 2311/18), discussão que não é pertinente neste processo.
Desta nova redação do Artigo 1906º não resulta também que a residência alternada seja tida pelo legislador como o regime regra. Com efeito, o texto definitivo diverge, substancialmente, da Proposta de Lei nº 87/XIV/1ª do PS que tinha o seguinte teor: «O tribunal privilegia a residência alternada do filho com ambos os progenitores, independentemente de mútuo  acordo nesse  sentido e sem prejuízo da fixação de alimentos,  sempre  que,  ponderadas  todas  as circunstâncias relevantes, tal corresponda ao superior interesse daquele»
https://debates.parlamento.pt/catalogo/r3/dar/s2a/14/01/016/2019-11-19/32?pgs=31-33&org=PLC&plcdf=true.
No que tange à primazia do interesse da criança, «(…) o interesse da criança é o núcleo duro que o legislador estabelece como o denominador intransponível nas decisões relativas à vida de uma criança sendo o pressuposto de qualquer decisão, e integrar tendo em conta a sua vida, os seus in­teresses e as consequências das opções e decisões, tendo em conta o seu desenvolvimento, identidade e dignidade» (Marisa Almeida Araújo, “A pluriparentalidade - O direito à convivência”, in Lex Familiae, Ano 16, N.º 31-32 (2019), p. 131). Segundo o Comentário geral n.º 14 (2013) do Comité dos Direitos da Criança sobre o direito da criança a que o seu interesse superior seja tido primacialmente em consideração, p. 17, «O conceito do interesse superior da criança é, portanto, flexível e adaptável. Deverá ser ajustado e definido numa base individual, em conformidade com a situação específica da criança ou das crianças envolvidas, tendo em conta o seu contexto, situação e necessidades pessoais. Nas decisões individuais, o interesse superior da criança deve ser avaliado e determinado à luz das circunstâncias específicas da criança em particular. Nas decisões coletivas – tais como as que emanam do legislador – o interesse superior das crianças em geral deve ser avaliado e determinado à luz das circunstâncias do grupo específico e/ou das crianças em geral.» O superior interesse da criança integra uma orientação para o julgador perante o caso concreto «no sentido de que a primazia deve ser dada à figura da criança como sujeito de direito, nomeadamente ao direito de manter relações gratificantes e estáveis com ambos os progenitores, obrigando estes a respeitar e fazerem respeitar esse interesse do menor» (Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 16.1.2017, Madeira Pinto, 2055/16).
Postas estas considerações de enquadramento, há que reverter ao caso concreto.
Merece o nosso inteiro acordo a análise feita na sentença impugnada neste segmento:
«(…) afigura‑se-me que resulta da prova que foi produzida que as crianças mantêm uma relação afetiva próxima com ambos os progenitores (embora de maior proximidade com a mãe) e respetivos agregados familiares e que ambos desejam assumir uma presença ativa na vida dos filhos, em todas as suas vertentes. Para além disso, resulta igualmente provado que os pais residem próximo um do outro e dispõem das condições pessoais, materiais e familiares para cuidarem dos filhos, sendo que os respetivos companheiros estabelecem relações positivas com as crianças e mostram-se disponíveis para participar na prestação de cuidados, constituindo-se igualmente como figuras afetivas relevantes e positivas. E, ainda que a relação entre os pais possa não ser exemplar, os mesmos conseguem manter entre si níveis de diálogo razoáveis em prol dos filhos e, aparentemente, têm consciência da importância recíproca de cada um deles na vida das crianças. Finalmente, não se pode deixar de notar como muito positivo o facto de as próprias crianças reconhecerem no pai uma alteração de atitude e na forma como se relaciona com elas, sendo agora mais paciente e mais disponível, o que pode ser entendido como um sinal de vontade sincera em estar mais presente na vida dos filhos, em conhecê-los melhor e dar-se a conhecer.»
Na verdade, emerge da factualidade provada que os progenitores refizeram, de forma estável, a sua vida afetiva com outros companheiros, sendo que os companheiros dos progenitores mantêm uma relação fluida e gratificante com os menores (factos 10, 12, 13, 15, 16). Ou seja, as famílias reconstruídas dos progenitores mantêm e projetam uma relação de afeto com os menores, a qual é essencial ao seu desenvolvimento sadio. Esta situação é merecedora de todo o encómio e nem sempre ocorre nestes contextos.
A relação dos menores com o pai tem sido aprofundada, quer ao nível do tempo em que os menores privam com o pai (desde outubro de 2019 que o pai está com as crianças de quarta-feira , no final das atividades letivas até à segunda-feira seguinte, nas semanas em que antes apenas passava o fim de semana com os filhos – facto 6), quer ao nível do envolvimento do pai na vida do dia a dia dos filhos, estando com estes e dando-lhes apoio nas questões escolares, sendo mais paciente e atento (factos 17, 18, 20). Esta vivência mais intensa e assídua com o pai é fonte de satisfação para os filhos (factos 7 e 20). Em suma, o pai evidencia competências parentais, afeto pelos filhos e vontade de exercê-las em prol dos filhos. Os factos apurados indicam que a conduta do pai é, progressivamente, fonte de bem-estar emocional dos filhos e não o inverso.
Não acompanhamos o tribunal a quo quando afirma que: «(…) considerando a vontade manifestada pelas próprias crianças e, sobretudo, o estado de ansiedade e mal-estar que manifestam perante a possibilidade de tal alteração, afigura-se-me que nenhum benefício resultaria para as mesmas em lhes impor essa solução, sobretudo, ao nível da sua estabilidade emocional, que deve ser preservada.»
Em primeiro lugar, tal asserção assentava, sobretudo, no facto 20 com a redação que lhe foi dada em primeira instância. Consoante se viu supra, tal redação foi alterada, retirando qualquer nexo causal entre a fixação de um regime de residência alternada e a alegada ansiedade dos menores. Repete-se: a causa primária do sofrimento interno dos menores não é propriamente a solução proposta no processo pelo pai, mas sim a persistente “luta entre os pais” (cf. facto provado sob 21), ou seja, a causa de sofrimento dos menores deriva do quadro de dissídio existente entre os pais, os quais não terão ainda logrado separar o contexto da parentalidade do contexto da conjugalidade, já cessada.
Em segundo lugar, a alteração para o um regime de residência alternada constitui uma modificação que não é radical nem abrupta na medida em que os filhos já estão a privar com o pai, de forma alargada, desde outubro de 2019, o que causou agrado aos menores (factos 6 e 7).
Em terceiro lugar, é natural que os filhos - mantendo uma vinculação mais estreita com a mãe, com quem viveram a maior parte do tempo, sentindo que esta é mais disponível (factos 10 e 11) - tenham alguma apreensão com os efeitos imediatos da instituição de residência alternada, cenário em que não estarão a maior parte do tempo com a mãe, tida como figura primária de referência. Porém, como se refere pertinentemente no Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 9.10.2018, Maria João Areias, 623/17, «(…) como salienta GG de Oliveira “Ascensão e queda da doutrina do “cuidador principal”, Lex Familiae, Revista Portuguesa de Direito da Família, Coimbra Editora, Ano 8, nº16., a doutrina do “cuidador principal” – enquanto fator determinante para a atribuição da guarda, ou “presunção de guarda” em favor do cuidador principal – encontra-se ultrapassada pela tendência contemporânea para manter os dois progenitores em relação próxima com o filho. “Isso não quer dizer que uma relação privilegiada com um dos progenitores não seja tida em consideração; mas sempre numa ponderação mais vasta de todos os factos que tende para a inclusão dos dois progenitores, em vez de se contentar com a fixação da guarda exclusiva e o exercício exclusivo das responsabilidades que lhe andava associado.”  Não havendo sistemas perfeitos, há que ponderar, não tanto a gratificação imediata adveniente da alteração, mas os benefícios a médio-longo prazo na vida dos menores com a sedimentação de uma vinculação afetiva no dia a dia com o pai, com a supressão de conflitos de lealdade na sua psique, com o previsível apaziguamento da conflitualidade entre os pais (cf. supra), circunstâncias que abonam o seu desenvolvimento equilibrado, saudável e com autoestima reforçada.
Em quarto lugar, a vontade expressa pelos menores tem de ser analisada com cuidado.
No que tange à relevância da vontade expressa pela criança, «A preferência da criança ou do adolescente, não obstante tenha de ser conjugada com outros critérios e não possa ser vinculativa por si só, revela-se como um fator essencial para determinar o superior interesse do menor. A valoração que o juiz deverá dar à vontade do menor depende das circunstâncias concretas do caso, devendo o peso da sua preferência deverá ser tanto maior quanto maior a sua idade e maturidade» (Maria Teresa Bigote Chorão, O Superior Interesse da Criança e a Fixação da Residência Alternada em Caso de Divórcio, 2019, p. 26).  «(…) se é imprescindível saber a opinião da criança sobre o modo como vai, doravante, partilhar a sua vida familiar com os seus progenitores, nunca se lhe deve atribuir o papel de decidir com quem deseja ficar ou como deseja ficar, para que não se reforce um conflito de lealdade ou um eventual sentimento de culpa perante a separação e o conflito entre os progenitores» -  Ana Vasconcelos, “Do cérebro à empatia. Do divórcio à Guarda Partilhada com Residência Alternada”, in Jurisdição da Família e das Crianças, Ações de formação 2011-2012, Textos Dispersos, p. 85. «A expressão “sendo a sua opinião tida em consideração” constante do art. 5º, nº 1 do RGPTC deve ser interpretada no sentido de impor ao julgador a ponderação dos pontos de vista e argumentos da criança, sem que o mesmo fique vinculado a decidir de acordo com a opinião da criança» (Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 10.11.2020, Diogo Ravara, 3162/17).
Estando no centro da disputa paternal e manifestando conflitos de lealdade (cf. supra o que foi expresso pelo DD), é natural que os menores não tenham a capacidade de antever, a longo prazo, as vantagens que a residência alternada lhes poderá edificar na sua vida, quedando-se por um raciocínio mais imediatista de esquiva e desagrado perante o nível de relacionamento dos pais, que poderia ser melhor (facto 21). Mesmo assim, é de notar a evolução da posição do DD (com maior maturidade que o irmão apesar de ser mais novo) que admite a instituição da residência alternada, antevendo que a mesma será pacificadora e securizante. «O superior interesse da criança não deve ser apreciado segundo critérios subjetivos da vontade dos pais ou da própria criança» (Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 11.10.2018, Gabriela Rodrigues, 27942/12) de modo que a opinião dos menores não é vinculante.
Em quinto lugar, os menores estão no limiar da puberdade, fase etária de progressiva autonomização dos progenitores bem como da dependência dos mesmos para a realização dos trabalhos escolares, sendo certo que os menores são assistidos por explicações (cf. facto aditado). Ou seja, a diferente disponibilidade do pai e da mãe – que advirá também da respetiva situação profissional -  já não é tão decisiva a partir desta fase etária. Não se quer com isto dizer secundarizar a relevância do apoio dos pais, mas apenas sinalizar que a sua centralidade não é sempre a mesma. Conforme se refere em caso similar decidido no Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 9.10.2018, Maria João Areias, 623/17, «(…) tratando-se de menores com 12 e 15 anos de idade, a peso dos cuidados básicos a prestar diminui, face ao fator relacional, a assumir extrema importância na fase da adolescência.»
Em sexto lugar, os progenitores – apesar de não terem dissociado ainda definitivamente a coparentalidade da cessação da conjugalidade – mantêm um nível de colaboração satisfatório em prol dos menores, o que permite antever o seu aprofundamento futuro.
Em sétimo lugar, é notório que ambos os progenitores têm condições económicas e habitacionais mais do que suficientes para facultarem aos filhos uma vida confortável, sendo certo que frequentam colégio privado. Também abona o novo regime a circunstância de os progenitores residirem próximo entre si e da escola.
Por todo o exposto, afigura-se-nos que é no interesse dos menores, sobretudo a médio e longo prazo, a alteração do regime peticionada pelo pai.
Assim sendo, justifica-se a revogação da sentença e a alteração do regime das responsabilidades parentais nestes termos:
1. Os menores ficam a residir junto do pai e da mãe, passando uma semana com um e uma semana com o outro, alternadamente, cumprindo ao progenitor, com quem as menores irão ficar, recolher os menores no colégio à segunda-feira, após términus das suas atividades escolares e extracurriculares.
2. As responsabilidades parentais relativas às questões de particular importância para a vida das menores serão exercidas em comum por ambos os progenitores.
3.  Os menores passarão a véspera de Natal com um e o dia de Natal com o outro progenitor, o mesmo sucedendo com a véspera e dia de Ano Novo, alternando sucessivamente nos anos seguintes, Independentemente do progenitor com quem os menores devam estar no período correspondente, se não houver coincidência dos períodos ditos em 1., o que é aconselhável que ocorra.
4. As férias escolares de Natal, Páscoa e Verão dos menores serão passadas com ambos os progenitores na proporção de metade, acordando estes com cerca de, pelo menos, um mês de antecedência a parte que caberá a cada um, regime este que afasta o referido em 1.
5. Não se fixa qualquer quantia a título de pensão de alimentos a cargo dos progenitores, devendo cada um progenitor prover ao sustento dos menores, no período em que residam consigo, sendo as despesas escolares e de atividades extracurriculares repartidas por igual entre os progenitores.
6. As despesas médicas e medicamentosas extraordinárias, imprevistas e de vulto, designadamente com tratamentos dentários, aparelhos dentários, vacinas não incluídas no plano nacional de vacinação, aquisição de óculos, tratamentos dermatológicos ou intervenções cirúrgicas, na parte não comparticipada, serão pagas, por ambos os progenitores, à razão de metade, mediante a apresentação de cópia do recibo correspondente.
A fundamentação autónoma da condenação em custas só se tornará necessária se existir controvérsia no processo a esse propósito (cf. art. 154º, nº1, do Código de Processo Civil; Acórdãos do Tribunal Constitucional nºs. 303/2010, de 14.7.2010, Vítor Gomes, e 708/2013, de 15.10.2013, Maria João Antunes).
DECISÃO
Pelo exposto, acorda-se em julgar procedente a apelação e, em consequência, revoga-se a sentença impugnada, alterando-se a regulação das responsabilidades parentais nos seguintes termos:
1. Os menores ficam a residir junto do pai e da mãe, passando uma semana com um e uma semana com o outro, alternadamente, cumprindo ao progenitor, com quem as menores irão ficar, recolher os menores no colégio à segunda-feira, após términus das suas atividades escolares e extracurriculares.
2. As responsabilidades parentais relativas às questões de particular importância para a vida das menores serão exercidas em comum por ambos os progenitores.
3.  Os menores passarão a véspera de Natal com um e o dia de Natal com o outro progenitor, o mesmo sucedendo com a véspera e dia de Ano Novo, alternando sucessivamente nos anos seguintes, independentemente do progenitor com quem os menores devam estar no período correspondente, se não houver coincidência dos períodos ditos em 1., o que é aconselhável que ocorra.
4. As férias escolares de Natal, Páscoa e Verão dos menores serão passadas com ambos os progenitores na proporção de metade, acordando estes com cerca de, pelo menos, um mês de antecedência a parte que caberá a cada um, regime este que afasta o referido em 1.
5. Não se fixa qualquer quantia a título de pensão de alimentos a cargo dos progenitores, devendo cada um progenitor prover ao sustento dos menores, no período em que residam consigo, sendo as despesas escolares e de atividades extracurriculares repartidas por igual entre os progenitores.
6. As despesas médicas e medicamentosas extraordinárias, imprevistas e de vulto, designadamente com tratamentos dentários, aparelhos dentários, vacinas não incluídas no plano nacional de vacinação, aquisição de óculos, tratamentos dermatológicos ou intervenções cirúrgicas, na parte não comparticipada, serão pagas, por ambos os progenitores, à razão de metade, mediante a apresentação de cópia do recibo correspondente.
Custas pela apelada na vertente de custas de parte (Artigos 527º, nºs 1 e 2, 607º, nº6 e 663º, nº2, do Código de Processo Civil).

Lisboa, 15.12.2020
Luís Filipe Sousa
Carla Câmara
José Capacete
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[1] O apelante cumpriu o despacho mediante singela supressão de conclusões.
[2] Abrantes Geraldes, Recursos no Novo Código de Processo Civil, 5ª ed., 2018, p. 115.
[3] Abrantes Geraldes, Op. Cit., p. 119.
Neste sentido, cf. os Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 9.4.2015, Silva Miguel, 353/13, de 10.12.2015, Melo Lima, 677/12, de 7.7.2016, Gonçalves Rocha, 156/12, de 17.11.2016, Ana Luísa Geraldes, 861/13, de 22.2.2017, Ribeiro Cardoso, 1519/15, de 25.10.2018, Hélder Almeida, 3788/14.

[4] «Pretendendo um dos progenitores infirmar as conclusões de relatório psicológico realizado por estabelecimento hospitalar, por determinação do juiz, caber-lhe-á reclamar daquele ou requerer segunda perícia, não podendo pura e simplesmente contraditá-lo, por via da junção aos autos de relatório psicológico elaborado por psicólogo que lhe presta serviços» - Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 13.7.2017, Ezaguy Martins, 12010/14.
[5] Cf.: Acórdãos do Tribunal da Relação de Coimbra de 24.4.2012, Beça Pereira, 219/10, de 14.1.2014, Henrique Antunes, 6628/10, de 27.5.2014, Moreira do Carmo, 1024/12; Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 3.10.2019, Paulo Reis, 582/17; Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 23.1.2020, Tomé Gomes, ECLI:PT:STJ:2020:4172.16.4T8FNC.L1.S1., de 24.9.2020, Graça Trigo, 127.16, ECLI; Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 14.7.2020, Rita Romeira, 1429/18.