Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
835/17.5T8SXL.L1-2
Relator: PEDRO MARTINS
Descritores: RESIDÊNCIAS ALTERNADAS
FALTA DE ACORDO
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 09/20/2018
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: N
Texto Parcial: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Sumário: A residência alternada pode ser fixada pelo tribunal mesmo que os progenitores estejam em desacordo com ela e sem que seja necessário que não exista conflito entre eles.
Decisão Texto Parcial:Acordam no Tribunal da Relação de Lisboa os juízes abaixo identificados:

A 31/03/2017, J requereu a presente regulação do exercício das responsabilidades parentais relativamente ao seu filho D, nascido a 22/09/2015 (cfr. fls. 9), filho também de T, devido à separação de facto dos progenitores.
Teve lugar a conferência de pais de 09/05/2017 na qual se fundamentou e fixou um regime provisório de regulação, ao abrigo do art. 28 [ou melhor, do art. 38] do RGPTC, que é, no essencial, depois de desenvolvido, o que foi fixado como definitivo (transcrito a seguir), sendo fixada a residência alternada.
A mãe recorreu do regime provisório para o Tribunal da Relação de Lisboa, o qual por acórdão de 07/08/2017 confirmou integralmente o regime provisório fixado.
Por falta de acordo dos pais, foram os mesmos remetidos para a audição técnica especializada.
Após nova conferência de pais foram as partes convidadas a apresentar alegações, o que fizeram.
Teve lugar o julgamento, em Fev2018, e em 01/03/2018 foi proferida a seguinte sentença, nos termos do art. 40 do RGPTC:
1. O exercício das responsabilidades parentais relativo às questões de particular importância fica a cargo de ambos os pais.
O menor só poderá viajar com cada um dos pais para o estrangeiro com a autorização escrita do progenitor com quem não esteja.
O exercício das responsabilidades parentais relativo aos actos da vida corrente do menor fica a cargo do progenitor com quem o menor estiver em cada momento.
2. O menor residirá alternadamente com ambos os progenitores, estando às 2.ªs, 3.ªs e 4.ª-feiras com um dos progenitores e sendo entregue na 5.ª de manhã na escola ficando com o outro progenitor. Fica com o outro progenitor na 5.ª, 6.ª e sábado de manhã até às 10 horas. Às 10h de sábado até à 2.ª-feira de manhã fica com o outro progenitor. Depois fica 2.ª, 3.ª e 4.ª com o outro e assim sucessivamente.
O progenitor com quem não estiver ligará todos os dias às 19h.
O progenitor com quem o menor não estiver pode visitar o menor, desde que avise o outro progenitor.
A partir dos 6 anos, os pais, por acordo, podem instituir um regime de residência alternada semanal.
As férias do Natal, Páscoa e Verão serão repartidas em partes iguais.
A consoada e a passagem de ano serão alternadas com cada progenitor.
O menor passará o dia de aniversário de cada um dos progenitores com o respectivo progenitor, bem como o dia do pai com o pai e dia da mãe com a mãe. No aniversário do menor tomará uma refeição principal com cada progenitor.
Quando o menor estiver de férias com um progenitor este indicará o local onde se encontra [e] fornecerá um contacto efectivo que permita ao outro contactar com o menor.
3. Os pais dividirão todas as despesas relevantes do menor em partes iguais.
A mãe recorre desta sentença, arguindo nulidades da mesma e impugnando parte da decisão da matéria de facto e o regime de regulação fixado, que entende deve ser o do exercício conjunto das responsabilidades parentais com residência exclusiva com a mãe (não diz nada quanto aos alimentos).
O pai e o MP contra-alegam, defendendo a improcedência do recurso.
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Questões que importa decidir: se procedem as arguições de nulidade da sentença, ou a impugnação da decisão da matéria de facto e se o regime da regulação do exercício das responsabilidades parentais fixado deve ser alterado.
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Factos provados que importam à decisão destas questões:
1- O filho nasceu a 22/09/2015.
2- Os progenitores viveram juntos durante cerca de dois anos e separam-se em Março de 2017.
3- Aquando da separação a mãe levou o D consigo, bem como todos os objectos relacionados com o menor.
4- Não houve consenso entre os progenitores quanto à residência e convívios, propondo o pai uma semana com cada progenitor em lugar de um fim-de-semana de 15 em dias e um dia por semana, como foi o regime que vigorou após a separação por decisão da mãe.
5- Ambos os progenitores reconhecem um ao outro capacidade e um forte apego afectivo com o filho e esse apego existe de facto.
6- Ambos os progenitores reconhecem a importância do filho estar com o outro progenitor e ambos têm motivação e disponibilidade para estar com o filho, ainda que fora do período de licença de maternidade, o pai tem tido mais disponibilidade de horários para estar com o menor, sendo por isso o pai quem em regra o leva e vai buscar à escola.
7- Ambos os progenitores têm dado prioridade aos interesses do filho em detrimento dos seus problemas e conflitos.
8- Na tomada de declarações, no início do julgamento, a 07/02/2018 pela mãe foi referido que: 
Têm feito o regime provisório que consta de fl. 30 e o menor está bem e feliz. Perguntado se algum dos progenitores foi visitar o menor quando estava com o outro progenitor, a mesma disse que o pai do menor o visitou quando o menor estava consigo e a depoente visitou o menor em casa do pai quando estava com ele e que tudo correu bem. A escola corre bem, e tem acompanhado o percurso escolar do D tal como o pai. O D está no Colégio X e ambos os progenitores têm pago as despesas em partes iguais e não tem havido nenhum desentendimento quanto à partilha e pagamentos das despesas. O menor tem estado com outros familiares maternos e paternos nomeadamente com os avós, tios e primos. A mãe actualmente reside em X, e o pai reside na morada indicada na petição inicial. Não têm ambos mais filhos. Nas instâncias da sua advogada foi perguntado se houve alguma alteração no comportamento do menor após o regime provisório, a mesma disse que ao início o menor estava muito choroso mas que agora está bem. Pela advogada do pai foi perguntado se esse comportamento choroso foi após a separação ou após regulado o regime provisório, a mesma disse que foi nas duas situações.
Pelo pai foi referido que:
O D é uma criança feliz. Confirma no essencial o que foi dito pela mãe. Perguntado se o menor ficava choroso após a separação disse que do tempo que o menor estava consigo não estava choroso e estava bem. Depois do regime provisório disse que o menor ficou bem. Tem acompanhado o menor na escola e falado com a educadora. Confirma que visitou o menor quando ele estava com a mãe e que a mãe visitou o mesmo quando estava consigo e que tudo correu bem. Têm dividido as despesas e tem corrido tudo bem e não tem mais filhos. O menor tem estado com avos, tios e primos paternos e maternos.
9- Nos tempos que se seguiram à separação dos progenitores o menor andou um pouco mais choroso.
10- A mãe divulgou nas redes sociais uma foto do menor a tomar banho (cfr. fls. 150) e após a separação em troca de mensagens com o pai referiu que o filho não era dele e que “eu vou bazar do país com o D …. Só para que saibas” – fls. 150-151.
11- Os pais desde a separação cuidam do menor quando estão com ele, dão banho, fazem as refeições, cuidam de tudo o que é necessário para o seu dia-a-dia. O menor chega pontualmente à escola, bem tratado e arranjado, está bem integrado, bem-disposto e na escola é uma criança feliz, sem problemas de apetite, de sono, sem birras à chegada e à saída e a escola é paga pontualmente por ambos os pais.
12- O menor está perfeitamente adaptado ao actual regime de residência e convívios, o que é reconhecido por ambos os pais, e é uma criança feliz.
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Da impugnação da decisão da matéria de facto
Do disposto no art. 640 do CPC, decorre que nas alegações de recurso o recorrente deve obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição, (1-a) os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados; e (1-b) os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida; e (2-a) quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso na respectiva parte, indicar com exactidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes.
Ou seja, em relação a cada concreto ponto de facto que o recorrente pretende que seja dado como provado, ele deve ter o cuidado de indicar quais os concretos meios de prova que impõem essa decisão.
Ora, a recorrente, quanto aos concretos pontos de facto que pretende dar como provados, não os indica como tais, antes pega no requerimento que fez a 22/11/2017 e transcreve na íntegra os seus arts. 4 a 6, 8 a 12, 17, 18, 20, 21 e 23, sem sequer atentar que parte dessas alegações está em desacordo com os depoimentos que invoca e com as conclusões que tira (assim, por exemplo, naqueles artigos diz que o pai vive sozinho dependente da ajuda da mãe - avó paterna - e que é esta que confecciona a comida e fica com o menor, dando-lhe o jantar, quando nas alegações de recurso diz que ele vive com uma companheira e o menor quase nunca está com a avó paterna).
Por outro lado, a recorrente, como se verá à frente, pega em vários depoimentos, transcreve-os na íntegra ou parcialmente, nalguns casos analisa-os, faz comentários, diz porque é que deviam ter sido considerados relevantes, mas não os liga expressamente com nenhum concreto ponto de facto que pretende que seja dado como provado.
Assim sendo, impor-se-ia, desde logo, a rejeição da impugnação da decisão da matéria de facto, pois que não pode ser o tribunal, em prejuízo da parte contrária (que seria apanhada de surpresa com isso, impedindo-a do exercício efectivo do contraditório, em violação do art. 3 do CPC), a isolar os pontos de facto concretos que a recorrente quer impugnar e depois a estabelecer quais os concretos meios de prova que poderiam suportar tal pretensão.
Tanto mais que, como a mãe não impugna nenhum dos factos dados como provados, verificar-se-ia uma de duas hipóteses: (i) esses factos não estão em contradição com os factos que a recorrente pretende dar como provados e por isso permanecem como tal. Ora, da simples leitura deles decorre que são base suficiente para se concordar com que a residência alternada é a melhor solução para o caso dos autos. (ii) Ou então aqueles factos dados como provados estão parcialmente em contradição com os que a recorrente pretende dar como provados e, de novo, teria que ser o tribunal a estar a fazer a análise e a decidir em relação a que factos é que tal ocorreria, com completa impossibilidade para a parte contrária de exercer o contraditório quanto a isso.
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De qualquer modo, analisar-se-á melhor todo o corpo das alegações do recurso (que é praticamente igual às conclusões do recurso sem as transcrições dos depoimentos) para se ver o que é que se poderá aproveitar do mesmo:
Começa a recorrente por dizer que “na motivação de facto, o julgador decidiu e concluiu sem ter fundamentado o critério que levou a que considerasse que os depoimentos das testemunhas N e C mereceram pouca credibilidade, aliás relativamente a está ultima testemunha nem sequer o julgador assentou a sua conclusão no depoimento desta testemunha, não fazendo a análise critica da mesma, limitando-se a dizer que o mesmo não era objectivo e não tinha credibilidade [..].”
Ora, esta crítica e todas as outras críticas no mesmo sentido – que são as tais arguições de nulidade da sentença -, não tem qualquer razão de ser. O juiz, na sentença, não tem de fazer a análise crítica de toda a prova produzida. Tem, sim, de fazer a análise crítica da prova que invoque. É isso o que resulta do art. 607, n.ºs 3 e 4 do CPC. Depois, se incorrer em erro de julgamento da matéria de facto, por não ter utilizado um dado elemento de prova, cabe aos recorrentes invocar os elementos de prova que o juiz não utilizou e tentar demonstrar o erro por não o ter feito (art. 640 do CPC).
Por outro lado, a falta ou insuficiência da fundamentação da decisão da matéria de facto nada tem a ver com a nulidade da sentença (art. 615 do CPC). As questões que essa falta ou insuficiência suscita têm, sim, a ver com as normas do art. 662/2-c-d do CPC.
Vão assim improcedentes as arguições de nulidade da sentença. Conhecer-se-ão, se surgir a oportunidade, as eventuais faltas ou insuficiências da fundamentação da decisão da matéria de facto.
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[omite-se a transcrição das restantes 13 páginas da discussão desta impugnação que foi improcedente]
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Do recurso sobre matéria de direito
Nas conclusões XXXVI a XLII a recorrente diz apenas o seguinte:
(i) Atendendo à tenra idade do menor e à discordância dos pais, quanto ao exercício das responsabilidades parentais, a sentença não devia ter sido fixado o regime de residência alternada; ou seja, a jurisprudência considera que não é de atribuir a residência alternada nestas situações:
ac. do TRL de 6/2/2007, proc. 705/07.7 [ou melhor: 705/2007-7];
ac. do TRP de 14/06/2010, proc. 148/09.6TBPFR.P1;
ac. do TRP de 28/09/2010, proc.  3234/08.6TBVCD.P1;
ac. do TRP de Porto de 29/11/2011, proc. 107/08.6TBSJM-B.P1;    ac. do TRL de 18/03/2013, proc. 3500/10.0TBBRR.L1-6;
ac. do TRP de 13/05/2014, proc. 5253/12.9TBVFR-A.P1;
(ii) Vai no mesmo sentido a posição da Conselheira Maria Clara Sottomayor, in “Estudos e Monografias – Exercício do Poder Paternal”, Porto, Publicações Universidade Católica, 2003, 2ª ed. págs, 439 a 444, que escreve: “ a guarda alternada acarreta para a criança inconvenientes graves pela instabilidade que cria nas suas condições de vida e pelas separações repetidas relativamente a cada um dos seus pais, causadas pela constante mudança de residência.”
(iii) Até porque quanto ao período de férias ultrapassa a opinião dos pais relativamente a esta questão, sendo uma decisão ambígua que poderá vir a suscitar problemas de aplicabilidade.
(iv) A sentença fez uma errada interpretação do art. 1906 do CC, porquanto o mesmo não consagra que os menores tenham residência alternada.
(v) A residência alternada não deverá ser uma imposição do tribunal mas antes uma aceitação da vontade de ambos os progenitores deste regime, sendo aconselhável ser aplicado a crianças que possam ser ouvidas pelo juiz e MP.
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Decidindo:
Como decorre do relatório deste acórdão, sobre a questão da residência exclusiva a favor da mãe ou da residência alternada com os dois pais, já recaiu, neste mesmo processo, um acórdão deste TRL, de 07/08/2017, que está nos autos, é do conhecimento de todos os intervenientes e está publicado na base de dados do IGFEJ, com o n.º 835/17.5T8SXL.L1 e também, com formato electrónico menos confuso, em outrosacordaostrp.com, onde já se analisaram todos os argumentos da mãe, designadamente o da “tenra idade do menor” e o da existência de desacordo entre os progenitores quanto à residência alternada, tendo-se também considerado a posição da Prof. Maria Clara Sottomayor, e não só, bem como uma série de vários acórdãos no sentido da tese defendida pela mãe. Discutiu-se aí ainda, segundo se crê com suficiente desenvolvimento (e referências doutrinárias e jurisprudenciais), que não se podia exigir a inexistência de conflitos entre os progenitores para se poder aplicar o regime da residência alternada.
A mãe não discute minimamente, em termos concretos, a escolha da residência alternada, que a decisão recorrida fundamentou agora, como já o tinha feito na regulação provisória, em termos concretos e não com base em posições de princípio, escolha que aquele acórdão confirmou também com base na situação em concreto. E a aplicação em concreto desse regime durante quase um ano demonstrou de forma suficiente justificar-se perfeitamente para o bem do menor.
Quanto à discussão jurídica, a mãe não adianta agora quaisquer novos argumentos. Limita-se a repetir os anteriores e a invocar seis novos acórdãos.
Ora, destes seis acórdãos, 4 deles não têm nada a ver com o caso dos autos: o ac. do TRL de 6/2/2007, proc. 705/2007-7, diz respeito a um caso em que a menor foi confiada à guarda da mãe, por acordo de ambos os progenitores; e os acs. do TRP de 14/06/2010, proc. 148/09.6TBPFR.P1, do TRP de 28/9/2010, proc. 3234/08.6TBVCD.P1, e do TRP de Porto de 29/11/2011, proc. 107/08.6TBSJM-B.P1, dizem respeito ao montante da prestação de alimentos.
Os outros dois acórdãos que a recorrente invoca, do TRL de 18/03/2013, proc. 3500/10.0TBBRR.L1-6, e do TRP de 13/05/2014, proc. 5253/12.9TBVFR-A.P1, inserem-se na corrente jurisprudencial que entende que havendo desacordo dos pais, ou animosidade entre eles, a residência alternada, não pode ser fixada, já analisada no anterior acórdão deste TRL, não acrescentando tais acórdãos nenhuns argumentos novos, isto é, que já não tenham sido considerados.
Assim sendo, remete-se para o anterior acórdão a resposta aos argumentos da mãe, acrescentando-se apenas o seguinte:
Já depois daquele acórdão do TRL (em que se invocam vários outros no mesmo sentido), pronunciaram-se também no mesmo sentido, da desnecessidade de acordo dos progenitores e da irrelevância de princípio da existência de um qualquer litígio entre eles, os seguintes acórdãos:
O ac. do TRC de 24/10/2017, proc. 273/13.9TBCTB-A.C1:
Mesmo não existindo acordo dos pais, a alternância de residências é uma solução adequada ao exercício conjunto das responsabilidades parentais – artigo 1906 do CC –, salvo se o desacordo se fundamentar em razões factuais relevantes ou se mostrar que a medida não promove os interesses do filho.
O ac. do TRG de 02/11/2017, proc. 996/16.0T8BCL-C.G:
5. Não obstante a boa relação que o menor possa ter com os dois progenitores e a dedicação que ambos lhe dispensem, a residência alternada só poderá ser uma opção se for do interesse dos menores (n°s 5 e 7 do artigo 1906°, do CC);
6. É importante avaliar, na escolha do regime, se é esse o que, na prática, os pais vêm seguindo com sucesso, se é essa a vontade manifestada pelos próprios filhos, se estes mantêm uma relação afetiva sólida com ambos os pais e se as residências são próximas da escola/jardim-de-infância dos filhos;
7. Se todos estes fatores se conjugarem é, indubitavelmente, de defender que a residência alternada é o regime que mais evita conflitos de lealdade e sentimentos de abandono ou de rutura afetiva. Só a residência alternada conclama os progenitores para a participação mútua na vida dos filhos, porque permite que os pais continuem a dividir atribuições, responsabilidades e tomadas de decisões em iguais condições, ou seja, tal regime permite concretizar o princípio da igualdade de ambos os progenitores, no exercício das responsabilidades parentais;
8. Apesar de uma das três crianças ainda não ter autonomia - dado ter apenas 2 anos de idade – e de ser do seu interesse um regime que privilegie a estabilidade e uma orientação uniforme nas decisões correntes da sua vida, o regime da residência alternada mostra-se viável por os progenitores, pessoas cultas, manterem uma relação que privilegia o interesse dos filhos, os avós e tia-avó paternos continuarem a auxiliar (como já vinha acontecendo antes de cessar a coabitação dos progenitores) e o pai contar com auxílio de empregada doméstica, serem três os menores, sendo os outros dois mais velhos (com 8 e 5 anos de idade) e o progenitor ter fixado residência na cidade onde as crianças frequentam o colégio (escolhido pelos progenitores quando coabitavam, por ambos trabalharem nessa cidade);
9. O regime da residência alternada é o regime de regulação do exercício do poder paternal mais conforme ao interesse da criança porque lhe possibilita contactos em igual proporção com o pai, a mãe e respetivas famílias;
10. Não se deve exagerar o facto de a mudança de residência criar instabilidade e, por isso, representar inconveniente para a criança, pois que a instabilidade é uma realidade na vida de uma criança com pais separados, que, sempre, terão de se integrar em duas residências, sendo essa mais uma adaptação a fazer nas suas vidas, sendo certo que as crianças são dotadas de grande aptidão para se integrarem em situações novas;
11. É de primordial interesse para a criança poder crescer e formar a sua personalidade na convivência em termos de plena igualdade com a mãe e com o pai, sendo, como é o caso, em tudo idênticas as condições afetivas, materiais, culturais e sócio-económicas de ambos os progenitores.
O ac. do TRE de 09/11/2017, proc. 1997/15.1T8STR.E1:
Residindo ambos os pais na mesma localidade, tendo ambos condições económicas e de habitabilidade para terem o filho consigo, dando ambos garantias de velar pela segurança, saúde, educação e desenvolvimento do filho e inexistindo quaisquer razões ponderosas que o desaconselhem, é de fixar a residência alternada, com ambos os pais, a um menor de 12 anos, por ser a solução que melhor defende o seu interesse.
O ac. do TRL de 12/04/2018, proc. 12-04-2018:
[…] esse desacordo dos pais não será, em princípio, impeditivo da fixação de residência alternada com ambos os progenitores.
Ac. do TRE de 07/06/2018: proc. 4505/11.0TBPTM.E1:
1. A guarda partilhada do filho, com residências alternadas, é a solução que melhor permite a manutenção de uma relação de grande proximidade com os dois progenitores, promovendo amplas oportunidades de contacto com ambos e de partilha de responsabilidades.
2. A lei não exige o acordo de ambos os pais na fixação da residência alternada do filho, devendo a solução ser encontrada de acordo com o seu interesse e ponderando todas as circunstâncias relevantes.
3. Mas esta solução apenas é possível caso os progenitores não residam a longa distância um do outro, porquanto os menores em idade escolar não podem ser obrigados a mudar de escola todas as semanas ou a realizar longos percursos para não faltar às aulas.
Sem exigir o acordo dos pais, veja-se também o estudo de Guilherme de Oliveira, A “residência alternada” na lei nº 61/2008, provavelmente dos primeiros meses de 2015, em Estudos em homenagem ao Prof. Doutor Carlos Pamplona Corte Real, Almedina, Nov2016, que não foi tomado em kconsideração naquele primeiro acórdão proferido neste processo, por não se ter atentado nele.
Afastando a necessidade de acordo, veja-se também o estudo de André Lamas Leite, publicado na Revista do Ministério Público, Julho-Setembro de 2017, n.º 151, págs. 65-81: O art. 1906.º do Código Civil e a (in)admissibilidade do regime de guarda (e residência) alternadas dos Menores, com as seguintes conclusões finais:
A Lei 61/2008, de 31/10, veio prever, como regime regra, no caso de ruptura do casamento ou de relação análoga, o regime de exercício partilhado das responsabilidades parentais, assim dando um cumprimento mais perfeito ao art. 36/3, da Constituição, o qual é uma concretização do princípio geral da igualdade do art. 13.
O art. 1906 do CC, admite a possibilidade de o tribunal, na ausência de acordo, decidir, mesmo sem que nenhum dos progenitores o tenha pedido, no sentido da guarda partilhada dos menores e, em consequência, da sua residência também alternada, tudo em conformidade com os elementos literal, histórico, sistemático e teleológico (em especial este último) usados na hermenêutica jurídica, como houve ocasião de demonstrar. Assim, interpretar o mesmo artigo em sentido contrário afigura-se-nos materialmente inconstitucional, por vulneração dos sobreditos preceitos.
Embora se não possa dizer, com toda a honestidade intelectual, que o art. 1906 do CC consagra uma preferência pela guarda e residências alternadas, também se não pode inferir do mesmo que a guarda apenas por um dos progenitores seja legalmente preferida. Destarte, terá de ocorrer uma análise casuística pelo tribunal, na ausência de acordo dos progenitores, sempre tendo por critério-rector o superior interesse do menor - n.º 7, do art. 1906, do CC.
Existem, na literatura da especialidade, posições divergentes quanto à maior conveniência para o processo de construção da personalidade e de desenvolvimento da mesma de ser decidida uma guarda alternada, pelo que voltamos à necessidade de uma ponderada análise caso a caso. Em decorrência, sempre e tão-só quando se prove a existência de uma situação de igualdade material do prisma dos vários aspectos das condições que os progenitores podem oferecer aos seus filhos, não é de eliminar - em nossa perspectiva, pelo contrário, é mesmo de preferir que o Tribunal se decida pela guarda alternada.
A concepção segundo a qual a mãe é sempre a única «figura de referência» está totalmente ultrapassada pelos instrumentos de Direito Internacional que vinculam Portugal, pela literatura especializada, pela lei constitucional pátria e pela lei ordinária, podendo, ao invés existir várias figuras de referência, as quais podem mesmo não ser necessariamente os progenitores.
Contra, mas anterior a todos estes acórdãos e doutrina, embora não referido no primeiro acórdão porque ainda não tinha sido publicado, veja-se o estudo de Maria Clara Sottomayor, O interesse da criança e a guarda partilhada nos casos de divórcio, provavelmente de fins de Março ou Abril de 2017, publicado em Edição comemorativa do cinquentenário do Código Civil, Universidade Católica Portuguesa, Lisboa, Outubro 2017, págs. 557 a 578. Este estudo não tem novos argumentos.
Contra ainda, vai o ac. do TRE de 22/03/2018, proc. 297/15.1T8PTM-C.E1, também sem novos argumentos.
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Restam os argumentos da desconsideração, pela sentença, da opinião dos pais, constante de um relatório social junto aos autos, relativamente à questão das férias e de ela ser uma decisão ambígua que poderá vir a suscitar problemas de aplicabilidade.
Diz-se, na sentença, nesta parte:
As férias do Natal, Páscoa e Verão serão repartidas em partes iguais.
Ora, não há aqui qualquer ambiguidade.
A recorrente, no recurso, pretende que o regime de férias seja este: o menor passará quinze dias de férias com cada um dos progenitores, passando uma semana durante o mês de agosto e a outra semana num período a acordar entre ambos os progenitores, conforme as respectivas disponibilidades.
Aqui sim, há ambiguidade e insuficiência, desde logo porque a recorrente implicitamente só se está a referir às férias de Verão, pelo que ficariam de fora as de Natal e de Páscoa, e porque parte do princípio que as férias de Verão são de 30 dias, o que não é certo, já que se as férias forem do filho, tendo este menos de 3 anos, elas serão muito mais longas, e sê-lo-ão provavelmente durante todo a sua vida de estudante.
Assim, é muito mais correcto o estabelecido na sentença, que deixa aos pais – tidos como bons pais de família (isto é, adultos responsáveis, correctos e de bom senso), como o indicam aliás as suas declarações em julgamento e o resultado da aplicação do regime até agora (descontando-se aquilo que consta do ponto 10 em relação à mãe) – o cuidado de, entre eles, virem a concretizar os períodos de férias que tenham de facto e a distribui-los entre eles de forma igualitária.
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Por fim, quanto à questão da regulação do exercício da responsabilidades parentais, a pretensão da recorrente não tem razão de ser. Ela quer que seja fixado o exercício conjunto das responsabilidades parentais, sendo que foi esse o regime fixado para as questões de particular importância, pelo que a discussão seria só sobre o exercício das responsabilidades parentais relativas aos actos da vida corrente do menor, que, segundo a sentença recorrida, fica a cargo do progenitor com quem o menor estiver em cada momento e a requerente defenderá que ele deve ser conjunto. Mas ela não tem um argumento que seja no sentido de defender tal pretensão, não a justificando pois minimamente. Ora, dos factos constantes do processo não decorre qualquer razão para que o exercício das responsabilidades parentais relativas aos actos da vida corrente do menor tenha de ser conjunto, isto é, pelos dois pais, um com o outro.
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Pelo exposto, julga-se totalmente improcedente o recurso.
Custas de parte do recorrido pela mãe (que, por outro lado, perde as suas, tudo por ter decaído no recurso).
Lisboa, 20/09/2018
Pedro Martins
Laurinda Gemas
Gabriela Cunha Rodrigues
Decisão Texto Integral: