Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
19190/18.0T8PRT.P1.S1
Nº Convencional: 1.ª SECÇÃO
Relator: MARIA JOÃO VAZ TOMÉ
Descritores: RESPONSABILIDADE EXTRACONTRATUAL
ACIDENTE DE VIAÇÃO
CÁLCULO DA INDEMNIZAÇÃO
EQUIDADE
DANO BIOLÓGICO
DANO PATRIMONIAL
DANOS NÃO PATRIMONIAIS
PRINCÍPIO DA IGUALDADE
PRINCÍPIO DA ADEQUAÇÃO
DISCRICIONARIEDADE
NULIDADE DE ACÓRDÃO
OMISSÃO DE PRONÚNCIA
Data do Acordão: 09/13/2022
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: NEGADA
Indicações Eventuais: TRANSITADO EM JULGADO
Sumário :
I. A nulidade por omissão de pronúncia reconduz-se a um vício formal, em sentido lato, traduzindo-se em “error in procedendo” ou erro procedimental que afeta a validade da decisão, não incorrendo em omissão de pronúncia o acórdão que, tendo conhecido das questões que lhe competia apreciar, não respondeu, um a um, a todos os argumentos apresentados pelo recorrente, ou não apreciou questões com conhecimento prejudicado pela solução dada a questão anterior.

II. O não afastamento, pela sindicância do juízo equitativo, da necessidade de ponderar as exigências do princípio da igualdade, ilustra a tendencial uniformização de critérios na fixação judicial dos montantes indemnizatórios, sem prejuízo da consideração das circunstâncias do caso concreto. A decisão segundo a equidade não exclui o pensamento analógico. De acordo com o entendimento consolidado da jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça sobre a reapreciação dos critérios gerais relativos à fixação da indemnização por danos patrimoniais, designadamente por via do recurso à equidade, é o de que, em princípio, deverá manter-se  o juízo casuístico feito pelas Instâncias, salvo se for manifesto que a indemnização concretamente arbitrada não se contém dentro dos critérios jurisprudenciais habitualmente seguidos em casos similares. Contudo, a fixação da indemnização do dano biológico, na sua vertente patrimonial, devendo observar os critérios habitualmente seguidos pela jurisprudência, terá sempre de levar em conta as particularidades de cada caso concreto.

III. O critério da gravidade dos danos (art. 496.º, n.º 1, do CC) permite estabelecer uma harmonização prática entre os princípios da solidariedade perante a vítima e da tolerância.

IV. O ressarcimento dos danos não patrimoniais coloca, pois, o problema da “atribuição de um preço” a  qualquer coisa que, por definição, não o tem, visando uma reparação económica adequada da perda de utilidade sofrida pelo lesado.

V. A quantificação dos danos não patrimoniais, em virtude da respetiva natureza, é remetida para um sistema de valoração fundado na equidade (art. 496.º, n.º 4, do CC). A liquidação dos danos não patrimoniais com base na equidade não é arbitrária: o juízo equitativo, ainda que permita ao julgador alguma margem de discricionariedade, deve fundar-se em critérios de adequação, de proporção e de ponderação prudente e racional de todas as circunstâncias do caso concreto. 5. A tenra idade da lesada e o tempo já decorrido da sua vida, preenchido por dores significativas e constantes, várias intervenções cirúrgicas e tratamentos médicos, que perdurarão, já que a sua recuperação nunca será total, são circunstâncias revestidas de particular importância que não podem deixar de ser devidamente atendidos.

Decisão Texto Integral:
Acordam no Supremo Tribunal de Justiça,




I - Relatório


1. AA intentou a presente acção declarativa de condenação, sob a forma de processo comum, contra Companhia de Seguros Tranquilidade, S.A.[1], pedindo que esta seja condenada a pagar-lhe a quantia global de 141.361,38 €, dos quais 41.361,38 € por danos patrimoniais e 100.000,00 € por danos não patrimoniais, acrescida de juros de mora à taxa legal vincendos desde a citação até integral pagamento, em consequência do atropelamento de que foi vítima, causado pela condutora do veículo envolvido, cujos danos provenientes da respetiva circulação se encontravam assumidos pela Ré mediante contrato de seguro que identifica.

2. Citada, a Ré impugnou os factos alegados pela Autora e pugnou pela improcedência da ação e a sua absolvição do pedido.

3. Identificado o objeto do processo e enunciados os temas de prova, não houve qualquer reclamação.

4. Foi realizada a audiência de discussão e julgamento de acordo com o formalismo legal.

5. A 26 de abril de 2021, o Tribunal de 1.ª Instância decidiu o seguinte:

Pelo exposto:

Julgo parcialmente procedente a presente acção, e, em consequência, condeno a R. Companhia de Seguros a pagar à A. a quantia de 56.594,10 € (cinquenta e seis mil quinhentos e noventa e quatro euros e dez cêntimos), acrescida de juros de mora vencidos e vincendos, à taxa legal de 4% ao ano, desde a citação até integral pagamento.

Custas por A. e R. na proporção do respectivo decaimento.

6. Não conformadas com a sentença que julgou parcialmente procedente a ação e, consequentemente, condenou a Ré a pagar à Autora a quantia de 56.594,10 € (cinquenta e seis mil quinhentos e noventa e quatro euros e dez cêntimos), acrescida de juros de mora vencidos e vincendos, à taxa legal de 4% ao ano, desde a citação até integral pagamento, tanto a Autora, AA, como a Ré, Generali Seguros, S.A., interpuseram recurso de apelação.

7. A 15 de dezembro de 2021, o Tribunal da Relação do Porto decidiu o seguinte:

Acordam, pois, os juízes que compõem a ... Secção (... Secção Cível) do Tribunal da Relação do Porto em:

A - conceder parcial provimento ao recurso interposto pela Apelante AA e em consequência condenar a Ré Generali a pagar à Autora:

a) a quantia de € 1.594,10 ( mil quinhentos e noventa e quatro euros e dez cêntimos) a título de danos emergentes;

b) a quantia de € 30.000,00 (trinta mil euros) a título de dano biológico;

c) a quantia de € 40.000,00 (quarenta mil euros) a titulo de danos não patrimoniais, absolvendo a Ré da restante parte do pedido.

B- Sobre as als. a) e b) do ponto A incidem juros moratórios, à taxa legal de 4%, desde a citação até integral pagamento.

C- Sobre a al. c) do ponto A incidem juros moratórios, à taxa legal de 4%, desde a prolação da sentença em 1ª instância em 26 de Abril de 2021 até integral pagamento, sendo, nesta parte, de conceder provimento ao recurso interposto pela Apelante Ré Seguradora Generali.


*

Custas por ambas as partes na proporção do respectivo decaimento”.

8. Inconformada, a Ré interpôs recurso de revista, apresentando as seguintes Conclusões:

1. O Tribunal a quo não apreciou convenientemente as alegações de recurso apresentadas pela Recorrente, atendendo que não tomou posição quanto às decisões proferidas em casos análogos ao sub judice, invocadas pela Recorrente para justificar o decréscimo        das parcelas indemnizatórias fixadas em 1.ª Instância.

2. Não bastando, em sede de fundamentação, a menção do critério da equidade e da razoabilidade, assim como dos parâmetros apurados em 1.ª Instância (défice funcional, dano estético e quantum doloris).

3. Além do mais, constatamos que o Tribunal a quo, contrariando a factualidade dada como não provada pelo Tribunal de 1.ª Instância, consignou ser inequívoca a ocorrência de danos futuros previsíveis, razão pela qual fixou uma indeminização a título de dano biológico superior em € 5.000,00 (cinco mil euros), portanto, no montante de € 30.000,00 (trinta mil euros), sob o fundamento que a incapacidade permanente é indemnizável independentemente do Lesado exercer, ou não, profissão remunerada ou de, em consequência da incapacidade, o seu rendimento diminuir.

4. Identicamente, adoptando idêntico critério, pese embora mantendo a vaga fundamentação, fixou uma indemnização a título de dano não patrimonial superior em € 10.000,00 (dez mil euros), portanto, no montante de € 40.000,00 (quarenta mil euros).

5. Portanto, na fixação de ambas as parcelas indemnizatórias, demonstrou o Tribunal a quo omissão de fundamentação, apreciação e interpretação detalhadas, culminando numa indemnização absolutamente desproporcional ao caso sub judice, sendo certo que sempre se impunha uniformidade de critérios, em observância do princípio da igualdade - Cfr. Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça com data de 25.02.2010, bem como Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra com data de 28.05.2013.

6. Ademais, o princípio da proporcionalidade sempre demanda que aos danos mais graves correspondesse uma indemnização mais generosa, em prol da uniformidade, considerando os parâmetros jurisprudenciais geralmente adoptados para os casos análogos, tais como a idade do Lesado e os respectivos danos – Cfr. Artigo 8.º, n.º 3, do CC.

7. Aliás, os Tribunais Superiores têm vindo a fixar indemnizações substancialmente inferiores àquela em que foi a Recorrente condenada em 1.ª Instância, conforme decorre dos arestos invocados pela Recorrente, que justificam os valores por si mencionados, desconsiderados pelo Tribunal a quo, que inclusive aumentou as parcelas indemnizatórias.

8. Com efeito, impõe-se invocar a nulidade do acórdão recorrido, sob a égide do disposto no artigo 615.º, n.º 1, al. d), do CPC, aplicável exvi artigo 666.º, n.º 1, do CPC, fazendo-se, adicionalmente, referência ao consignado pelo artigo 608.º, n.º 2, do CPC, aplicável exvi artigo 663.º, n.º 2, do CPC, o qual determina que as questões a ser resolvidas pelo Tribunal devem contender com a substanciação da causa de pedir e do pedido, o que efectivamente sucede no caso sub judice - Cfr. Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça com data de 09.12.2014.

9. O presente recurso não se prende meramente com a discordância quanto à tese defendida no acórdão recorrido, que sustenta as parcelas indemnizatórias arbitradas, mas sobretudo com o facto do Tribunal a quo ter feito tábua rasa dos inúmeros arestos transcritos, que sustentam os montantes peticionados pela Recorrente, não lhes fazendo referência, nem tão pouco mencionando as razões que o levaram a arbitrar valores manifestamente superiores.

10. Não obstante, cumpre evidenciar que não estamos perante uma questão que se encontre prejudicada pelas demais, isto é, pela solução dada a outra questão, bem como que os arestos mencionados não devem ser havidos tão só como argumentos aduzidos pela Recorrente em defesa ou reforço da sua posição, sobre os quais o Tribunal não tem obrigação de dar resposta especificada ou individualizada, dado que consubstanciam casos análogos que reforçam a necessidade de uniformidade de critérios - Cfr. Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça com data de 27.03.2014.

11. A Recorrente socorreu-se de arestos referentes a casos análogos para justificar os valores a arbitrar à Recorrida, não se tratando de uma mera alegação para ir ao encontro dos seus interesses.

12. Face ao exposto, perante a arguida nulidade de omissão de pronúncia, impõe-se a anulação do acórdão recorrido pelo Tribunal ad quem, devendo o processo baixar ao Tribunal a quo, a fim de proceder à reforma da decisão anulada, pronunciando-se convenientemente sobre os arestos superiores, referentes aos parâmetros jurisprudenciais - Cfr. Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça com data de 13.11.2014.

13. Caso assim não se entenda, por mera cautela de patrocínio, deve o presente recurso ser julgado procedente, sendo, consequentemente, revogado o segmento decisório que condenou a Recorrente a pagar à Recorrida a quantia de € 30.000,00 (trinta mil euros) a título de dano biológico e, bem assim, a quantia de € 40.000,00 (quarenta mil euros) a título de danos não patrimoniais, substituindo-se por decisão que, neste particular, condene a Recorrente a pagar à Recorrida os montantes de € 7.000,00 (sete mil euros) e € 5.000,00 (cinco mil               euros), respectivamente, valores justos, proporcionais e razoáveis.

Nestes termos, e nos que V. Exas. muito doutamente suprirão,

Deve o presente recurso ser julgado totalmente procedente e, em consequência, ser declarado nulo o acórdão em crise, por omissão de pronúncia, nos termos do artigo 615.º, n.º 1, al. d), aplicável por força do artigo 666.º, n.º 1, do CPC, com as legais consequências. Caso assim não se entenda, por mera cautela de patrocínio,

Deve o presente recurso ser julgado procedente, sendo, consequentemente, revogado o segmento decisório que condenou a Recorrente a pagar à Recorrida a quantia de € 30.000,00 (trinta mil euros) a título de dano biológico e, bem assim, a quantia de € 40.000,00 (quarenta mil euros) a título de danos não patrimoniais, substituindo-se por decisão que, neste particular, condene a Recorrente a pagar à Recorrida os montantes de € 7.000,00 (sete mil euros) e € 5.000,00 (cinco mil euros), respectivamente, valores justos, proporcionais e razoáveis.”

9. A Autora apresentou contra-alegações, formulando as seguintes Conclusões:

1. A Recorrida pugna pela manutenção do douto acordão a quo no que respeita ao quantum indemnizatório global e especificadamente, na sua vertente de dano biológico e dano não patrimonial.

2. O valor indemnizatório a atribuir à Recorrente a título de dano biológico não deverá ser inferior ao valor fixado pelo Tribunal a quo de € 30.000,00 (trinta mil euros).

3. O valor indemnizatório a atribuir à Recorrente a título de danos não patrimoniais não deverá ser inferior ao valor fixado pelo Tribunal a quo de € 40.000,00 (quarenta mil euros).

4. A gravidade da situação de facto, por obrigação do princípio da equidade e igualdade, justifica a atribuição à Recorrente da indemnização fixada pelo Tribunal a quo.

5. Para o cálculo da indemnização do dano biológico devem ser tidos em conta os habituais princípios orientadores do cálculo  da indemnização pelo dano patrimonial futuro, idade, retribuição, esperança média de vida e a indemnização não deverá ser substancialmente reduzida em face do facto de não existir perda efetiva de rendimento e da imprevisibilidade do evento futuro (profissão e retribuição).

6. A jurisprudência emitida pelos nossos tribunais superiores, vem invariavelmente decidindo que: “as tabelas constantes da Portaria n.º 377/2008, de 26-05, alterada pela Portaria n.º 679/2009, de 25-06, apenas relevam no plano extrajudicial ou, quando muito, como critério orientador ou referencial, mas nunca vinculativo para os tribunais (arts. 564.º e 566.º, n.º 3, do CC)”.

7. A doutrina e a jurisprudência vêm considerando como integrantes do dano biológico diversas vertentes, parâmetros ou modos de expressão, entre eles avultando, pelo seu significado ou relevância o “quantum doloris” – que sintetiza as dores físicas e morais sofridas no período de doença e de incapacidade temporária –, o “dano estético” – que simboliza o prejuízo anátomo-funcional associado às deformidades e aleijões que resistiram ao processo de tratamento e recuperação da vítima –, o “prejuízo de afirmação social” – dano indiferenciado, que respeita à inserção social do lesado nas suas variadíssimas vertentes (familiar, profissional, sexual, afectiva, recreativa, cultural e cívica) – o “prejuízo da saúde geral e da longevidade” – aqui avultando o dano da dor e o défice de bem estar, valorizando-se os danos irreversíveis na saúde e no bem estar da vítima e corte na expectativa da vida – e, por fim, o “pretium juventutis” – que realça a especificidade da frustração do viver em pleno a primavera da vida.

8. A Recorrente, tal como provado nos presentes autos, viu a sua infância e juventude ser, irremediavelmente, afetada pelas lesões de que foi vítima, podendo afirmar-se que não teve a oportunidade de viver em pleno a primavera da vida.

9. A indemnização a título de danos não patrimoniais, embora tendo por escopo central a respetiva compensação económica, em termos de proporcionar à Recorrente uma quantia pecuniária que permita satisfazer interesses que apaguem ou atenuem o sofrimento causado pela lesão, serve ainda para sancionar a conduta do agente.

10. Considerando, por um lado, a idade da A. (6 anos à data do acidente), as espécies de lesões sofridas, as intervenções cirúrgicas a que teve de se submeter, os dias de internamento, o período de défice temporal temporário, o período de repercussão temporária na atividade formativa, as sequelas no membro inferior esquerdo, em especial a necessidade constante, ainda hoje, de usar meias de contenção elástica até ao joelho, o edema no pé esquerdo, com tendência para agravar com o calor e com a idade; o quantum doloris de grau 5 e o dano estético de grau 4, numa escala máxima de 7 pontos, a angústia pelo receio de perder a perna, quando criança, e o receio de não poder exercer em pleno a sua atividade profissional, já enquanto adulta, a perda de auto-estima, da vergonha de ir à praia e de usar roupas que exponham o joelho, e da alegria de viver ou desgosto inerentes a tais padecimentos e, por outro lado, que tais consequências decorrem de um acidente de trânsito cuja responsabilidade é imputada, a título de culpa exclusiva, à condutora do veículo atropelante, dentro dos padrões que têm vindo a ser seguidos pela jurisprudência dos nossos tribunais superiores, tem-se por mais condizente e ajustado a esses padrões a indemnização fixada pelo Tribunal a quo.

11. Na ponderação difícil que tem de ser feita neste caso, procurando a justiça da  indemnização entende-se que o valor fixado pelo Tribunal a quo a título de dano não patrimonial é o adequado e equitativo para a compensação daqueles danos.

12. O Acórdão do Tribunal a quo não padece de qualquer nulidade ou invalidade de natureza alguma, mostrando-se a decisão proferida em conformidade com a prova produzida em audiência de julgamento, respectiva fundamentação, também devidamente enquadrada em face dos dispositivos legais devidamente aplicáveis, nos termos supra expostos, devendo manter-se integralmente.

Nestes Termos e demais de direito que Vossas Excelências doutamente suprirão deve o presente recurso ser julgado improcedente por não provado com a consequente manutenção integral do douto Acórdão da Relação nos termos decididos, fazendo-se desse modo, Verdadeira Justiça!

10. A 24 de março de 2022, em conferência, o Tribunal da Relação do Porto decidiu o seguinte:

Por todo o exposto, acordam os juízes que compõem a ... Secção (... Secção Cível) do Tribunal da Relação do Porto, em julgar inverificada a nulidade do Acórdão por omissão de pronúncia.

Oportunamente subam os autos ao STJ para apreciação do recurso de revista interposto.




II – Questões a decidir

Decorre da conjugação do disposto nos arts. 608.º, n.º 2, 609.º, n.º 1, 635.º, n.º 4, e 639.º, do CPC, que são as conclusões das alegações de recurso que estabelecem o respetivo thema decidendum. Impõe-se ainda ao Tribunal ad quem apreciar as questões de conhecimento oficioso que resultem dos autos. Assim, estão em causa as questões de saber:

- se o acórdão recorrido padece de nulidade por não se ter pronunciado sobre os acórdãos referentes a casos análogos que a ora Recorrente havia indicado, em sede de recurso de apelação, para justificar os montantes indemnizatórios que pretendia ver arbitrados à Autora;

- no caso de a nulidade invocada não proceder, saber qual o quantum indemnizatório devido pelo dano biológico, na dimensão patrimonial, e pelos danos  não patrimoniais sofridos pela Autora em consequência do acidente de viação de que foi vítima.




III - Fundamentação

A) De Facto


O Tribunal de 1.ª Instância considerou como provados os seguintes factos:

1 - No dia 27 de Outubro de 2006 ocorreu em ..., um acidente seguido de atropelamento da A.

2. A A. nasceu no dia .../.../1999.

3. À data do referido acidente, o veículo ligeiro de matrícula ..-..-NQ, propriedade de R..., S.A., era conduzido por BB.

4. A condutora do veículo automóvel de matrícula ..-..-NQ conduzia na Rua ..., em ..., e, ao aproximar-se do cruzamento formado com a Rua ..., não respeitou o sinal de Stop que naquela artéria o precede.

5. Em consequência, o veículo de matrícula ..-..-NZ que circulava na Rua ... embateu na lateral direita do NQ, provocando na respectiva condutora a perda de controlo sobre o mesmo que rodopiou para a sua direita, galgou o passeio e embateu na A.

6. Na altura do acidente não chovia, estando bom tempo. 7. Com boa visibilidade.

8. Ao ter desrespeitado o sinal Stop, agiu a BB, com falta de atenção, de prudência e de cuidado.

9. Em consequência directa e necessária do acidente em causa, advieram para a Autora inúmeros prejuízos.

10. Além das dores, a Autora sofreu várias lesões na perna esquerda e direita. 11. Após o acidente a A. foi transportada de imediato pela ambulância do Instituto Nacional de Emergência Médica (INEM) para o Hospital ... no ..., onde foi assistida.

12. A A., em consequência do acidente de que foi vítima, esteve internada no H..., E.P.E., desde o dia 27 de Outubro até ao dia 03 de Novembro de 2006.

13. A A. foi submetida a intervenção cirúrgica no dia 28 de Outubro de 2006, na qual foi efectuada a correcção dos esfacelos e encavilhamento femural com varetas elásticas.

14. A fractura e os esfacelos evoluíram favoravelmente em termos de consolidação e cicatrização, embora a fractura do fémur tenha consolidado com alongamento.

15. A A. foi sujeita a nova intervenção cirúrgica, para extração de material de síntese do fémur esquerdo, tendo sido internada no H..., E.P.E., em 31 de Julho de 2007 e tido alta a 3 de Agosto de 2007.

16. A A., em 24 de Outubro de 2007, como sequelas do acidente, apresentava um alongamento do fémur esquerdo de cerca de 1,5 cm, bem como cicatrizes atróficas de 7 + 3,5 e 17 cm na coxa esquerda e direita.

17. A A., no dia 27 de Novembro de 2007, foi, pela primeira vez, observada na consulta de cirurgia plástica pelo Dr. CC, tendo, à data, as seguintes deformidades cicatriciais:

a. Face interna do 1/3 médio e distal da coxa esquerda (cerca de 20 cm); b. Face externa da coxa direita (+- 6 cm);

c. Face interna e externa do joelho esquerdo (+- 6 cm) correção ortopédica; d. Área de tumefacção procomtérica esquerda (provável hematoma agravado com extrato necrose).

18. Naquela data, 27 de Novembro de 2007, atenta a idade da A., não foi aconselhado tratamento cirúrgico.

19. O referido relatório médico, à data, considerava que as deformidades apresentadas pela A. eram susceptíveis de uma desvalorização pela TNI da seguinte forma: Cap II – 1.5. a) – propondo-se, dada a extensão das lesões, 8% de incapacidade.

20. No dia 28 de Janeiro de 2008, o Dr. DD, médico especialista de ortopedia e traumatologia e medicina desportiva, elaborou o relatório clínico da A., tendo, entre o mais, constatado que esta apresentava alongamento do membro inferior esquerdo com cerca de um centímetro e meio e como consequência deste apresenta desvio da coluna vertebral em atitude escoliótica.

21. A A. passou a ter que usar palmilhas de correcção.

22. A A. apresentava ainda duas cicatrizes atróficas na coxa esquerda e cicatriz atrófica na coxa direita.

23. No dia 08 de Setembro de 2008, o Dr. EE, professor da ..., especialista em Ortopedia e Traumatologia Infantil, constatou que a A., como consequência do acidente, apresentava:

a. Aumento de comprimento do fémur esquerdo, que naquele momento se cifrava em aproximadamente 0,9 mm;

b. Cicatrizes coloides na face interna do joelho esquerdo e nos pontos de entrada das varetas de Tem;

c. Hematoma na face externa da anca esquerda.

24. No dia 06 de Abril de 2009, a A. foi novamente submetida no Hospital ... a uma intervenção cirúrgica, que consistiu numa epifisiodese temporária da cartilagem de crescimento distal do fémur.

25. Nessa altura, a A. tinha uma dismetria na sequência de fratura do fémur. 26. Na cirurgia, foi feita uma abordagem externa do fémur distal, dissecação dos tecidos subcutâneos, identificação da cartilagem de crescimento distal do fémur por radioscopia e colocação de placa em 8 com 2 parafusos.

27. Segundo o mesmo relato clínico, foi feita uma abordagem interna do fémur distal, dissecação cuidada dos tecidos subcutâneos, identificação da cartilagem de crescimento distal do fémur por radioscopia e colocação de placa em 8 com 2 parafusos.

28. No dia 14 de Novembro de 2016 a A. foi submetida no Hospital ... a intervenção cirúrgica pela especialidade de Cirurgia Pediátrica para excisão de cicatriz resultante do referido acidente.

29. No seguimento daquela cirurgia ocorreu um processo de infecção da ferida operatória com deiscência da mesma, o que motivou múltiplas vindas ao hospital para cuidados de penso até 28 de Março de 2017.

30. De 23/12/2016 a 30/03/2017, na sequência da ferida infetada, a A., teve de andar de canadianas, o que lhe provocou perda de massa muscular e a consequente necessidade de fazer fisioterapia.

31. A A. manteve-se em tratamento até 28 de Março de 2017, altura em que a ferida ficou cicatrizada.

32. A A. apresentava ainda uma cicatriz evidente que poderia precisar de nova correcção, motivo pelo qual se manteve em seguimento na consulta de Cirurgia Pediátrica.

33. A A., desde pelo menos finais de 2016, começou a ter o tornozelo do pé esquerdo constantemente inchado.

34. A A., após ter sido vista pelo serviço de ortopedia do Hospital ..., foi aconselhada a fazer fisioterapia, para o que procurou acompanhamento médico no Hospital ..., tendo para o efeito, realizado diversas consultas e atos médicos.

35. A A. sofreu desde o acidente, dores quantificáveis no grau 5, numa escala de 1 a 7.

36. A A. necessitou de ajuda de terceira pessoa para a realização da sua higiene pessoal, para se alimentar, para se vestir e despir, para ir à casa de banho fazer as suas necessidades fisiológicas, sendo que a perna esquerda registava diminuição da força muscular e não conseguia andar.

37. O comportamento da A. mudou, passando a irritar-se facilmente por não conseguir fazer o que pretendia, a ter insónias, oscilando o humor, a nível comportamental.

38. O processo de cuidados de emergência e internamento médico provocou na A. um estado altamente stressante e desgaste do ponto de vista psicológico e físico.

39. A A., na sequência do atropelamento que sofreu, teve necessidade de apoio psicológico, especificamente dirigido a processo ansioso, tendo para o efeito consultas de psicologia nos dias 27/11/2006, 11/12/2006, 15/12/2006 e 20/12/2006.

40. A A. teve apoio psicológico, especificamente dirigido a processo ansioso, tendo para o efeito, consultas de psicologia nos dias 15/01/2007, 16/02/2007, 16/03/2007, 13/04/2007 e 11/05/2007.

41. A 20/02/2007 havia necessidade de manter processos de reequilibração, que exigiam o seu tempo e a não serem colmatados podiam arriscar efeitos nefastos ao nível psicológico para toda a vida da criança, muitas vezes com reflexos mais ou menos imediatos sobre o rendimento escolar.

42. No ano de 2006/2007 a A. frequentou o 2º ano de escolaridade na ... – ..., num horário duplo da manhã (8h-13h), com intervalos das 10h30m às 11 h, complementado com a actividades de enriquecimento curricular, às 3ªs e 5ªs feiras entre as 14h15m e as 18h, com intervalo das 15h30m às 16h.

43. Durante os intervalos das aulas supra referidas, a mãe da A. tinha de ir à escola para a apoiar na realização das necessidades básicas.

44. A A. frequentava, desde Outubro de 2004, aulas de ballet na Escola ... de ..., tendo, em resultado do acidente de que foi vítima, feito uma paragem nas respectivas aulas, não tendo, por isso, realizado o exame anual, efectuado no dia 20 de Março de 2007.

45. A A., antes do acidente, era uma criança alegre, com saúde, energia, activa e dinâmica, meiga e atenciosa com os pais e com os irmãos.

46. A A. nunca terá uma recuperação total e ficou com uma limitação física que a limitará para toda a vida, quer em termos pessoais e familiares, quer escolares quer, mais tarde, profissionais, já que frequenta o curso de enfermagem que exigirá, como profissão, uma grande exigência e disponibilidade física.

47. A A. sofreu muito no momento e imediatamente após o atropelamento, pensando que podia ficar sem a perna esquerda.

48. A recuperação das cirurgias e tratamentos foi sempre dolorosa.

49. A A. deixou de poder fazer os jogos de criança, praticar ballet, atletismo, de que tanto gostava, desde logo a conselho médico.

50. A A. teve de usar durante longos períodos canadianas e quando as deixava de usar, sempre o fez com queixas de dor e claudicação na marcha.

51. A A., volvidos mais de 10 anos sobre a data do acidente, ainda tem dificuldade em correr e em saltar por dor na perna esquerda, sentindo-se aborrecida e muito triste por não poder fazer o que as demais amigas fazem.

52. A A. sente dores na perna esquerda e coluna, com os esforços e as mudanças de temperatura, sendo, não pouco frequente, necessário tomar analgésicos ou anti-inflamatórios, tipo Ben-U-Ron ou Brufen.

53. Sente no dia-a-dia algumas dificuldades ao final do dia por dor, inchaço e falta de força na perna esquerda.

54. Em termos de danos permanentes, a A. ficou a padecer de um défice funcional permanente da integridade físico-psíquica de 3 pontos.

55. O dano estético permanente é fixável em 4 numa escala de 1 a 7.

56. A A. está muito impaciente, zangada e revoltada com a sua situação física.

57. A A. tem vergonha de manter o joelho da perna esquerda descoberto para não mostrar a cicatriz.

58. Não vai, por isso, à praia e à piscina com os amigos.

59. Não usa saias ou calções acima do joelho.

60. A Autora, nos atos da sua vida diária, tem também dificuldades em subir e descer escadas por dores na perna esquerda.

61. Como consequência do acidente, a Autora apresenta as seguintes sequelas lesionais:

Membro inferior direito

- Perímetro da coxa de 44,5 cm, medido a 15 cm da interlinha articular do joelho.

- Comprimento aparente do membro de 94 cm; comprimento real de 91 cm.

- Uma cicatriz irregular, nacarada e quase imperceptível, na face posterolateral do terço proximal da coxa, com 3 por 2 cm de maiores dimensões.

Membro inferior esquerdo:

- discreta assimetria no contorno lateral da anca relativamente ao membro contralateral.

- perímetro da coxa de 44,5 cm, medido a 15 cm da interlinha articular do joelho.

- comprimento aparente do membro de 94 cm; comprimento real de 91 cm.

- várias cicatrizes, globalmente visíveis a distância social: uma nacarada, linear e irregular, entre a face posteromedial do terço distal da coxa, estendendo-se pela sua região medial e terminando na região anterosuperior do joelho, com 25 por 1 cm de maiores dimensões; uma cicatriz ligeiramente acastanhada e deprimida na face anteromedial do joelho, com 8 por 3 cm de maiores dimensões; uma cicatriz nacarada ténue, irregular, na face medial do joelho, com 5 por 3 cm de maiores dimensões; duas cicatrizes nacaradas lineares, ténues, de tipo cirúrgico, na face lateral do joelho, uma com 8 por 1 cm de maiores dimensões e outra com 3,5 por 0,5 cm de maiores dimensões, ténues e pouco notórias a distância social.

- joelho: manobras meniscais negativas; sem derrame articular ou instabilidades ligamentares objectiváveis.

- ligeiro edema do maléolo lateral (portadora de meia de contenção elástica até ao joelho); dor referida à palpação da sua vertente antero-inferior.

62. Como consequência directa e instantânea do acidente a Autora sofreu fortes dores.

63. Dores e ansiedade quando foi atropelada, que se mantiveram ao longo da infância e juventude em consequência dos tratamentos a que foi sujeita.

64. O quantum doloris da A. é fixável em 5 numa escala de 1 a 7.

65. No momento do embate e nos dias que se lhe sucederam sentiu angústia, medo e receou pela perda da perna esquerda.

66. A Autora apresentava uma série de sintomas físicos e psico-emocionais de fundo ansioso, revelando alterações compatíveis com um quadro de sintomatologia de stresse pós–traumática, pensamentos recorrentes sobre o acidente, mal-estar psicológico quando é exposta a estímulos semelhantes a aspectos do acidente com reactividade fisiológica, irritabilidade, dificuldade de concentração.

67. A data da consolidação médico-legal das lesões da A. é fixável em 12/09/2011.

68. O período de défice funcional temporário total é fixável num período de 17 dias.

69. O período de défice funcional temporário parcial é fixável num período de 1900 dias.

70. O período de repercussão temporária na actividade formativa total é fixável num período total de 32 dias.

71. O período de repercussão temporária na actividade formativa parcial é fixável num período total de 1885 dias.

72. As sequelas descritas são em termos de repercussão permanente na actividade formativa compatíveis com o exercício da sua actividade enquanto estudante de enfermagem, podendo implicar esforços suplementares.

73. A R. pagou à A., a título de indemnização por despesas comprovadas as seguintes quantias:

a. 11/12/2006 – Serviços hospitalares e natação – € 82,00;

b. 24/07/2007 - Serviços hospitalares, consulta e natação – € 325,00;

c. 29/01/2007 - Serviços hospitalares, consultas/medic./transportes – € 237,54;

d. 21/09/2007 - Serviços hospitalares, fisioterapia/medic. – € 613,48;

e. 07/05/2007 - Serviços hospitalares, nat./psicologia– € 360,00;

f. 16/04/2007- Serviços hospitalares, nat./psicologia– € 392,00;

g. 27/06/2007- Serviços hospitalares, nat.personalizada– € 245,00;

h. 15/02/2007- Serviços hospitalares – € 357,93;

i. 05/04/2007- Serviços hospitalares – € 54,85;

j. 22/07/2011- por conta do dano moral – € 1.250,00;

74. A R., por conta das despesas e dano moral pagou à A. a quantia total de € 3.917,80.

75. A R., desde aquele último pagamento, em 22/07/2011, não mais pagou à A. qualquer despesa tida por esta em consequência do acidente, tendo sido ela a suportar as mesmas, designadamente:

a. Consulta de ortopedia na ..., no dia 13 de Março de 2017, tendo para o efeito despendido a quantia de € 15,00.

b. Consulta de angiologia e cirurgia vascular no ... – Hospital ..., no dia 20/04/2017, tendo para o efeito despendido a quantia de € 3,99.

c. Consulta de ortopedia no ... – Hospital ..., no dia 29/05/2017, tendo para o efeito despendido a quantia de € 3,99.

d. Consulta de ortopedia no ... –Hospital ..., no dia 23/06/2017, tendo para o efeito despendido a quantia de € 3,99.

e. Consulta de medicina física e reabilitação no ... – Hospital ..., no dia 30/06/2017, tendo para o efeito despendido a quantia de € 3,99.

f. Consulta de angiologia e cirurgia vascular no ... – Hospital ..., no dia 04/07/2017, tendo para o efeito despendido a quantia de € 3,99.

g. Consulta de medicina física e reabilitação no ... – Hospital ..., no dia 17/07/2017, tendo para o efeito despendido a quantia de € 3,99.

h. Consulta de ortopedia no ... – Hospital ..., no dia 28/07/2017, tendo para o efeito despendido a quantia de € 3,99.

76. A A. pagou uma consulta de cirurgia plástica que realizou, no dia 27/11/2007, no H... SA., tendo para o efeito despendido a quantia de € 62,50.

77. A A. pagou pela realização de um exame pericial com relatório que realizou, no dia 27/11/2007, no H... SA., tendo para o efeito despendido a quantia de € 160,00.

78. A A. pagou por duas consultas de ortopedia que teve com o Dr. DD, ortopedista, no dia 08/11/2007 e 15/11/2007, a quantia total de € 300,00.

79. A A. pagou pela realização de raios X ao tornozelo que realizou na ..., no dia 13/04/2017, a quantia total de € 2,80.

80. A A., entre o dia 13/04/2017 e o dia 27/09/2017, realizou consultas, exames e os mais diversos atos médicos no ... – Hospital ..., e, porque filha de um beneficiário da ADSE, com quem o ... – Hospital ... tem convenção, pagou a quantia total de € 186,62.

81. A A., no dia 05/12/2016, para aquisição de Avene Cicalfate, creme cicatrizante e antibacteriano, para aplicar no joelho, pagou na Farmácia .... Lda., a quantia de € 15,50.

82. A A., no dia 03/02/2017, para aquisição de umas canadianas pagou na E..., Lda. (ortopedia), a quantia de € 10,50.

83. A A., no dia 29/04/2018, para aquisição de óleo hidratante pagou no Jumbo, a quantia de € 11,59.

84. A A., no dia 13/07/2017, para aquisição de Mediform penso pagou na Farmácia ..., a quantia de € 68,94.

85. Pelo que a este título a Autora despendeu o montante de € 861,38.

86. Como consequência directa e necessária do acidente, para além das despesas já ressarcidas pela Ré, a Autora suportou as despesas, referentes a combustível, portagens e estacionamento, para deslocação a consultas, no que despendeu quantia não inferior a 500,00 €.

87. Antes do acidente, a Autora era uma criança alegre.

88. "Transformou-se" numa criança triste, sorumbática e complexada, sentindo-se diminuída fisicamente.

89. A A., à presente data, com 18 anos de idade, ainda não se sente psicologicamente capaz para ser sujeita a mais uma intervenção, desta feita, cirurgia plástica na perna esquerda, com vista à tentativa de disfarçar as cicatrizes.

90. A Autora encontra-se bastante desgostosa por sentir que as consequências do acidente, para o qual nada contribuiu, permanecem.

91. No momento do embate e nos longos dias que se lhe sucederam sentiu angústia, medo e receou pela perda da perna esquerda.

92. A proprietária do veículo NQ havia transferido para a Ré Companhia de Seguros Tranquilidade, S.A, a responsabilidade civil, através do contrato de seguro titulado pela apólice ...49.

93. Este contrato era válido à data do acidente e o montante suficiente para cobrir os danos.

94. A A. continua, em consequência das lesões que sofreu na perna esquerda, a necessitar de acompanhamento médico, tendo, em 22/07/2020, sido vista na consulta de fisiatria pela Dr.ª FF, por apresentar um edema no tornozelo e pé esquerdos com circometria com diferença de 2/3 cm entre os membros.

95. Por causa do edema no tornozelo pé esquerdo, a A. foi orientada para a realização de fisioterapia, tendo realizado 34 sessões entre 27/07/2020 e 6/11/2020, na M..., Lda., tendo despendido quantia de 140,72 €.

96. Na aquisição de um par de meias elásticas, por prescrição médica de tratamento com meia de contenção, a A. despendeu a quantia de 92,00 €.

97. Porque o edema no tornozelo esquerdo, apesar da fisioterapia realizada, não passou, foi a uma consulta de cirurgia vascular com o Prof. Doutor GG que considerou que, em consequência da cirurgia correctiva da cicatriz da perna esquerda que aquela fez em 2016, se estabeleceu um edema linfático importante que atinge a coxa distal, perna e todo o pé.

98. O uso de meia de compressão elástica e a drenagem linfática manual regular não permitem o controlo dos sintomas, nomeadamente a sensação de peso, tensão, calor e cansaço fácil do membro”.


O Tribunal de 1.ª Instância deu como não provados os seguintes factos:

Todos os que se mostram em contradição com os que acima se deram como provados, designadamente, e ainda que:

•    Seja aconselhável novo tratamento cirúrgico à A. •O humor da A. seja depressivo.

•    A A. tenha deixado de poder praticar ciclismo.

•    Haja a possibilidade de os danos da A. se agravarem no futuro.

•    O dano da A. em termos de défice funcional permanente da integridade físico-psíquica seja de 8 pontos.

•    Que em termos de repercussão permanente nas actividades desportivas e de lazer o dano deva ser fixável num grau 5 numa escala de 1 a 7.

•   A A. tenha dores na coluna lombar.”


B) De Direito


Enquadramento

1. Está em causa o recurso de revista interposto por Generali Seguros, S.A, Ré na ação declarativa de condenação instaurada por AA, do acórdão do Tribunal da Relação do Porto que decidiu os recursos de apelação apresentados por ambas as partes nos seguintes termos:

A - conceder parcial provimento ao recurso interposto pela Apelante AA e em consequência condenar a Ré Generali a pagar à Autora:

a)   a quantia de € 1.594,10 ( mil quinhentos e noventa e quatro euros e dez cêntimos) a título de danos emergentes;

b)    a quantia de € 30.000,00 (trinta mil euros) a título de dano biológico;

c)   a quantia de € 40.000,00 (quarenta mil euros) a título de danos não patrimoniais, absolvendo a Ré da restante parte do pedido.

B - Sobre as als. a) e b) do ponto A incidem juros moratórios, à taxa legal de 4%, desde a citação até integral pagamento.

C - Sobre a al. c) do ponto A incidem juros moratórios, à taxa legal de 4%, desde a prolação da sentença em 1ª instância em 26 de Abril de 2021 até integral pagamento, sendo, nesta parte, de conceder provimento ao recurso interposto pela Apelante Ré Seguradora Generali.”.

2. O Tribunal de 1.ª Instância, julgando parcialmente procedente a ação, condenou a Ré a pagar à Autora a quantia global de € 56.594,10 (cinquenta e seis mil quinhentos e noventa e quatro euros e dez cêntimos)[2], acrescida de juros de mora vencidos e vincendos, à taxa legal de 4% ao ano, desde a citação até integral pagamento.

3. Não conformada com a decisão do Tribunal superior, a Ré interpôs o presente recurso de revista, por entender, em síntese, que aquele fez uma errada aplicação dos critérios que devem nortear a fixação da indemnização a tanto a título de dano biológico como de danos não patrimoniais, omitindo ainda pronúncia sobre inúmeros arestos que a Recorrente havia indicado em sede de apelação.


(In)admissibilidade do recurso de revista

1. A Ré Generali Seguros, S.A, interpôs o presente recurso de revista nos termos dos arts. 671.º, n.º 1, e 674.º, n.º 1, al. c), do CPC.

2. Tendo em conta o valor da causa, a legitimidade da Recorrente e o teor do acórdão recorrido, conclui-se pela admissibilidade do presente recurso de revista, nos termos do disposto nos artigos 629.º, n.º 1, 631.º, n.º 1, 671.º, n.º 1, e 674.º, n.º 1, al. c), do CPC.


Nulidade ou não do acórdão recorrido por omissão de pronúncia

1. A Recorrente começa por sustentar que o Tribunal a quo arbitrou indemnizações excessivas e desproporcionais, desconsiderando os arestos por si mencionados e transcritos em sede de recurso de apelação, referentes a casos análogos, não se pronunciando sobre estes e limitando-se a fundar a sua decisão na equidade.

2. Invoca, por isso, a nulidade do acórdão por omissão de pronúncia sob a égide do disposto no art. 615.º, n.º 1, al. d), do CPC, aplicável à 2.ª Instância ex vi do art. 666.º, n.º 1, do mesmo corpo de normas.

3. A propósito da questão em apreço, no âmbito do seu recurso de revista, a Recorrente apresenta as seguintes Conclusões:

(…)

8. (…) impõe-se invocar a nulidade do acórdão recorrido, sob a égide do disposto no artigo 615.º, n.º 1, al. d), do CPC, aplicável ex vi artigo 666.º, n.º 1, do CPC, fazendo-se, adicionalmente, referência ao consignado pelo artigo 608.º, n.º 2, do CPC, aplicável ex vi artigo 663.º, n.º 2, do CPC, o qual determina que as questões a ser resolvidas pelo Tribunal devem contender com a substanciação da causa de pedir e do pedido, o que efectivamente sucede no caso sub judice  - Cfr. Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça com data de 09.12.2014.

9. O presente recurso não se prende meramente com a discordância quanto à tese defendida no acórdão recorrido, que sustenta as parcelas indemnizatórias arbitradas, mas sobretudo com o facto do Tribunal a quo ter feito tábua rasa dos inúmeros arestos transcritos, que sustentam os montantes peticionados pela Recorrente, não lhes fazendo referência, nem tão pouco mencionando as razões que o levaram a arbitrar valores manifestamente superiores.

10. Não obstante, cumpre evidenciar que não estamos perante uma questão que se encontre prejudicada pelas demais, isto é, pela solução dada a outra questão, bem como que os arestos mencionados não devem ser havidos tão só como argumentos aduzidos pela Recorrente em defesa ou reforço da sua posição, sobre os quais o Tribunal não tem obrigação de dar resposta especificada ou individualizada, dado que consubstanciam casos análogos que reforçam a necessidade de uniformidade de critérios - Cfr. Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça com data de 27.03.2014.

11. A Recorrente socorreu-se de arestos referentes a casos análogos para justificar os valores a arbitrar à Recorrida, não se tratando de uma mera alegação para ir ao encontro dos seus interesses.

12. Face ao exposto, perante a arguida nulidade de omissão de pronúncia, impõe-se   a   anulação   do   acórdão   recorrido   pelo Tribunal ad quem, devendo o processo baixar ao Tribunal a quo, a fim de proceder à reforma da decisão anulada, pronunciando-se convenientemente sobre os arestos superiores, referentes  aos   parâmetros  jurisprudenciais  -   Cfr. Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça com data de 13.11.2014.

4. A Autora AA contra-alegou, pugnando pela improcedência da nulidade suscitada.

5. A nulidade por omissão de pronúncia reconduz-se a um vício formal, em sentido lato, traduzindo-se em “error in procedendo” ou erro procedimental que afeta a validade da decisão. Esta nulidade está diretamente relacionada com o disposto no art. 608.º, n.º 2, do CPC, segundo o qual “O juiz deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, excetuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras; não pode ocupar-se senão das questões suscitadas pelas partes, salvo se a lei lhe permitir ou impuser o conhecimento oficioso de outras.

6. Como é reiteradamente afirmado pela jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça, “a nulidade por omissão de pronúncia, representando a sanção legal para a violação do estatuído naquele nº 2, do artigo 608.º, do CPC, apenas se verifica quando o juiz deixe de pronunciar-se sobre as «questões» pelas partes submetidas ao seu escrutínio, ou de que deva conhecer oficiosamente, como tais se considerando as pretensões formuladas por aquelas, mas não os argumentos invocados, nem a mera qualificação jurídica oferecida pelos litigantes[3]” , não incorrendo em omissão de pronúncia o acórdão que, tendo conhecido das questões que lhe competia apreciar, não respondeu, um a um, a todos os argumentos apresentados pelo recorrente, ou não apreciou questões com conhecimento prejudicado pela solução dada a questão anterior[4].

7. A omissão de pronúncia significa, fundamentalmente, a ausência de posição ou de decisão do Tribunal sobre matérias em que a lei imponha que o juiz tomasse posição expressa, sendo que “tais questões são aquelas que os sujeitos processuais interessados submetem à apreciação do tribunal (art. 660.º, n.º 2, do CPC) e as que sejam de conhecimento oficioso, de que o tribunal deva conhecer independentemente de alegação e do conteúdo concreto da questão controvertida, quer digam respeito à relação material, quer à relação processual[5].

8. Efetivamente, a nulidade em apreço apenas ocorre quando não haja pronúncia sobre pontos fáctico-jurídicos estruturantes da posição dos pleiteantes.

9. No caso sub judice, a alegada omissão de pronúncia prende-se com o não acolhimento pelo Tribunal a quo, para fundamentar a decisão adotada, da jurisprudência referenciada pela Recorrente.

10. O dever de pronúncia a que o Juiz está adstrito não abrange todas as razões e contra-argumentos, de facto ou de direito, invocados pelas partes, em defesa das suas posições[6].

11. No acórdão recorrido, o Tribunal da Relação do Porto pronunciou-se sobre todas as questões que lhe foram submetidas pelas partes, conhecendo todas as problemáticas suscitadas em sede de recurso de apelação, como sejam as referentes à fixação da indemnização devida a título de dano biológico e de danos não patrimoniais, sobre o que proferiu decisão fundamentada.

12. Não incorre, assim, em omissão de pronúncia, o acórdão recorrido que, tendo conhecido das questões essenciais sobre as quais lhe competia decidir, não respondeu, um a um, a todos os argumentos exibidos pela Recorrente, nem aderiu à jurisprudência ou opiniões expendidas no recurso de apelação apresentado.

13. Consequentemente, a arguição de nulidade do acórdão recorrido carece de fundamento, pelo que deverá a mesma ser julgada improcedente.


Do quantum indemnizatório

1. A Recorrente, não se conforma com o entendimento vertido no Acórdão proferido, nomeadamente com as parcelas indemnizatórias atribuídas à Recorrida em montante superior àquele estabelecido pelo Tribunal de 1.ª Instância.

2. A este propósito, a Recorrente apresenta as seguintes Conclusões recursórias:

1. O Tribunal a quo não apreciou convenientemente as alegações de recurso apresentadas pela Recorrente, atendendo que não tomou posição quanto às decisões proferidas em casos análogos ao sub judice, invocadas pela Recorrente para justificar o decréscimo das parcelas indemnizatórias fixadas em 1.ª Instância.

2. Não bastando, em sede de fundamentação, a menção do critério da equidade e da razoabilidade, assim como dos parâmetros apurados em 1.ª Instância (défice funcional, dano estético e quantum doloris).

3. Além do mais, constatamos que o Tribunal a quo, contrariando a factualidade dada como não provada pelo Tribunal de 1.ª Instância, consignou ser inequívoca a ocorrência de danos futuros previsíveis, razão pela qual fixou uma indeminização a título de dano biológico superior em € 5.000,00 (cinco mil euros), portanto, no montante de € 30.000,00 (trinta mil euros), sob o fundamento que a incapacidade permanente é indemnizável independentemente de o Lesado exercer, ou não, profissão remunerada ou de, em consequência da incapacidade, o seu rendimento diminuir.

4. Identicamente, adoptando idêntico critério, pese embora mantendo a vaga fundamentação, fixou uma indemnização a título de dano não patrimonial superior em € 10.000,00 (dez mil euros), portanto, no montante de € 40.000,00 (quarenta mil euros).

5.   Portanto, na fixação de ambas as parcelas indemnizatórias, demonstrou o Tribunal a quo omissão de fundamentação, apreciação e interpretação detalhadas, culminando numa indemnização absolutamente desproporcional ao caso sub judice, sendo certo que sempre se impunha uniformidade de critérios, em observância do princípio da igualdade - Cfr. Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça com data de 25.02.2010, bem como Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra com data de 28.05.2013.

6.  Ademais, o princípio da proporcionalidade sempre demanda que aos danos mais graves correspondesse uma indemnização mais generosa, em prol da uniformidade, considerando os parâmetros jurisprudenciais geralmente adoptados para os casos análogos, tais como a idade do Lesado e os respectivos danos - Cfr. Artigo 8.º, n.º 3, do CC.

7. Aliás, os Tribunais Superiores têm vindo a fixar indemnizações substancialmente inferiores àquela em que foi a Recorrente condenada em 1.ª Instância, conforme decorre dos arestos invocados pela Recorrente, que justificam os valores por si mencionados, desconsiderados pelo Tribunal a quo, que inclusive aumentou as parcelas indemnizatórias.

(…)

13. Caso assim não se entenda, por mera cautela de patrocínio, deve o presente recurso ser julgado procedente, sendo, consequentemente, revogado o segmento decisório que condenou a Recorrente a pagar à Recorrida a quantia de € 30.000,00 (trinta mil euros) a título de dano biológico e, bem assim, a quantia de € 40.000,00 (quarenta mil euros) a título de danos não patrimoniais, substituindo-se por decisão que, neste particular, condene a Recorrente a pagar à Recorrida os montantes de € 7.000,00 (sete mil euros) e € 5.000,00 (cinco    mil    euros), respectivamente, valores  justos, proporcionais e razoáveis.”.


a) Dano biológico – vertente patrimonial

1. A propósito da fixação da indemnização do dano biológico, perante o défice funcional permanente de que a Autora ficou a padecer, o acórdão recorrido fundamenta a sua decisão do seguinte modo:

No tocante a esta questão a sentença recorrida, atendendo ao concreto défice sofrido pela A., de 3 pontos, ao impacto de tal défice na sua condição física e à sua idade à data do acidente, fixou a indemnização a atribuir à A. no montante de € 25.000,00.

Ora, in casu, resultou provado que em termos de danos permanentes, a A. ficou a padecer de um défice funcional permanente da integridade físico psíquica de 3 pontos (cfr. item 54 do probatório). Para além disso, o dano estético permanente foi fixado em 4 numa escala de 1 a 7 (cfr. item 55 do probatório). Por último, o quantum doloris foi fixado em 5 numa escala de 1 a 7 (cfr. item 64 do probatório).

A tudo acresce que a A. aqui Apelante apresentava uma série de sintomas físicos e psico-emocionais de fundo ansioso, revelando alterações compatíveis com um quadro de sintomatologia de stresse pós-traumático, pensamentos recorrentes sobre o acidente, mal-estar psicológico quando é exposta a estímulos semelhantes a aspectos do acidente com reactividade fisiológica, irritabilidade, dificuldade de concentração.

Atenta a matéria factual exposta revela-se inequívoca a ocorrência de danos futuros previsíveis e que, consequentemente, carecem de ser ressarcidos.

A incapacidade permanente é de per si indemnizável quer em sede patrimonial quer em sede não patrimonial, independentemente de o lesado exercer ou não profissão remunerada ou de, em consequência da incapacidade, o seu rendimento diminuir.

De facto, “quer para cálculo da indemnização por dano futuro resultante (como antes se dizia) de IPP (incapacidade parcial permanente), quer da devida pelo dano biológico (como agora se diz), considerando as variáveis envolvidas (uma das quais é a repercussão, ou não, no rendimento salarial) e tendo em conta que a Jurisprudência é geralmente avessa às Tabelas em voga para uso pelas Seguradoras na chamada “proposta razoável”, sempre o critério decisivo último tem sido e continua a ser a equidade” (Ac. STJ-S, de 1-07-2010, na CJ, ano XVIII, Tomo II, página 139).

Como igualmente referido no Acórdão do STJ, de 02.05.2012 (Relator: Consº. Fonseca Ramos):

“A equidade - que postula a justiça do caso concreto - tem de ser o critério determinante para calcular o valor indemnizatório dos danos futuros previsíveis, sobretudo, quando se trata de indemnizar o dano emergente da afectação das faculdades físicas ou mentais do lesado, já que, não sendo de dogmatizar o valor de tabelas e cálculos, importa sopesar um conjunto de factores, os mais deles de verificação aleatória, incerta, mutável e imprevisível”.

No mesmo sentido, no tocante à incapacidade permanente geral, o Tribunal da Relação do Porto em Acórdão de 9/03/2020, relatado por Eugénia Cunha, esclarece que: “A posição maioritária vem considerando que o dano em causa deve ser calculado como um dano patrimonial futuro, em que o prejuízo a indemnizar se traduz na perda de utilidade proporcionada pelo bem corpo, não relevando para o efeito o facto de as lesões sofridas pelo demandante não terem implicado, de forma imediata, a perda de rendimentos. O respetivo valor não poderá ser apurado com exatidão, mas com recurso à equidade, como critério dominador, nos termos do art.º 566.º, n.º 3, tendo-se em consideração fatores como as sequelas resultantes da lesão, a idade do lesado aquando da lesão, a expectativa de vida (e não a esperança de vida ativa) do lesado, as possibilidades de progressão na carreira, e o facto de o pagamento da indemnização ser efetuado de uma só vez" - in www.dgsi.pt.

Tudo ponderado, nomeadamente que a aqui apelante tinha 6 anos à data do acidente, utilizando o legal critério da equidade e da previsibilidade pelos danos futuros, entendemos como adequado fixar o valor da indemnização a título de dano biológico, na sua vertente patrimonial, no montante de € 30.000,00 (trinta mil euros), acrescido de juros de mora vencidos e vincendos, à taxa legal de 4% ao ano, desde a citação até integral pagamento”.

2. Resulta da fundamentação do acórdão recorrido que a quantificação do montante indemnizatório pelo dano biológico, na sua dimensão patrimonial, foi feita com recurso à equidade, atendendo às particularidades do caso concreto.

3. O princípio geral da obrigação de indemnizar é o da reconstituição da situação que existiria se não se tivesse verificado o evento lesivo (art. 562.º do CC). A reconstituição in natura é substituída pela indemnização em dinheiro “sempre que a reconstituição natural não seja possível, não repare integralmente os danos ou seja excessivamente onerosa para o devedor” (art. 566.º, n.º 1, do CC).

4. A determinação do montante da indemnização, que deve abranger os danos emergentes e os lucros cessantes (art. 564.º, n.º 1, do CC), tem lugar de acordo com a teoria da diferença, consagrada no art. 566.º, n.º 2, do CC.

5. Todavia, “se não puder ser averiguado o valor exato dos danos” e, por isso mesmo, a teoria da diferença não puder ser aplicada, “o tribunal julgará equitativamente dentro dos limites que tiver por provados” (art. 566.º, n.º 3, do CC).

6. Efetivamente, de acordo com o art. 566.º, n.º 3, do CC, “Se não puder ser averiguado o valor exacto dos danos, o tribunal julgará equitativamente dentro dos limites que tiver por provados”. O Tribunal decide, pois, segundo a equidade ou aequitas.

7. Apesar de a referir em diversos contextos, o CC não contém uma definição de equidade. A primeira norma a mencioná-la é a do art. 4.º, em sede de fontes do Direito, que admite que os Tribunais possam julgar ex aequo et bono, i.e., segundo a equidade.

8. Segundo a jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça[7], a aplicação de puros juízos de equidade não se traduz, cum summo rigore, na resolução de uma “questão de direito”. Se o Tribunal é chamado a pronunciar-se sobre “o cálculo da indemnização” que “haja assentado decisivamente em juízos de equidade”, não lhe “compete a determinação exata do valor pecuniário a arbitrar (…), mas tão somente a verificação acerca dos limites e pressupostos dentro dos quais se situou o referido juízo equitativo, formulado pelas instâncias face à ponderação casuística da individualidade do caso concreto sub iudicio[8].

9. Conforme a jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça, o recurso à equidade “não afasta a necessidade de observar as exigências do princípio da igualdade, o que implica a procura de uma uniformização de critérios, naturalmente não incompatível com a devida atenção às circunstâncias do caso[9]. O não afastamento, pela sindicância do juízo equitativo, da necessidade de ponderar as exigências do princípio da igualdade, ilustra a tendencial uniformização de critérios na fixação judicial dos montantes indemnizatórios, sem prejuízo da consideração das circunstâncias do caso concreto[10].

10. De modo particularmente claro e impressivo, “escreveu-se no acórdão de 7 de Junho de 2011, www.dgsi.pt, proc. nº 3042/06.9TBPNF.P1.S1: “Mais do que discutir a substância do casuístico juízo de equidade que esteve na base da fixação pela Relação do valor indemnizatório arbitrado, em articulação incindível com a especificidade irrepetível do caso concreto, importa essencialmente verificar, num recurso de revista, se os critérios seguidos e que estão na base de tais valores indemnizatórios são passíveis de ser generalizados para todos os casos análogos – muito em particular, se os valores arbitrados se harmonizam com os critérios ou padrões que, numa jurisprudência actualista, devem sendo seguidos em situações análogas ou equiparáveis (…)”.”[11].

11. A equidade traduz-se, pois, no critério decisivo para a fixação do montante da compensação por danos cujo valor exato não possa ser averiguado. Trata-se da equidade como padrão de justiça do caso concreto, da decisão ex aequo et bono (segundo a equidade). O julgamento segundo a equidade “é sempre o produto de uma decisão humana que visará ordenar determinado problema perante um conjunto articulado de proposições objectivas; distingue-se do puro julgamento jurídico por apresentar menos preocupações sistemáticas e maiores empirismo e intuição[12].

12. Porém, a decisão segundo a equidade não exclui o pensamento analógico. Uma solução individualizadora que assuma todas as circunstâncias do caso concreto não pode encontrar-se sem a comparação de hipóteses. “O que ocorre é que as analogias de que o julgador inevitavelmente se socorre se encontram, na equidade, desvinculadas da autoridade do sistema. O recurso à analogia na equidade mostra, portanto, a suscetibilidade de generalização do critério de decisão que também possui a sentença de equidade[13].

13. Está em causa o princípio da igualdade, que manda tratar o igual de modo igual e o diferente de modo diferente, na medida da diferença”.

14. Pode, assim, concluir-se que a equidade não remete, de forma alguma, para o simples entendimento pessoal do juiz ou para a sua íntima convicção, e, também por isso, afasta-se o puro arbítrio judicial. Não está igualmente em causa, na decisão segundo a equidade, uma apreciação intuitiva e puramente individual, mas antes racional e objetivável[14].

15. Insiste-se: o recurso à equidade, à luz do art. 566.º, n.º 3 do CC, com vista à determinação do quantum da indemnização por danos patrimoniais futuros, não afasta – conforme mencionado supra - a conveniência de uma harmonização de critérios jurisprudenciais.

16. Estando em causa uma indemnização fixada pelo Tribunal da Relação segundo a equidade, num recurso de revista importa, essencialmente, verificar se os critérios adotados para a determinação do montante indemnizatório se afiguram suscetíveis de ser generalizados e se harmonizam com os padrões que, numa jurisprudência atualista, devem ser observados em situações análogas ou equiparáveis[15].

17. De acordo com o entendimento consolidado da jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça sobre a reapreciação dos critérios gerais relativos à fixação da indemnização por danos patrimoniais, designadamente por via do recurso à equidade, é o de que, em princípio, deverá manter-se  o juízo casuístico feito pelas Instâncias, salvo se for manifesto que a indemnização concretamente arbitrada não se contém dentro dos critérios jurisprudenciais habitualmente seguidos em casos similares[16].

18. Resta, pois, atender à fundamentação do acórdão recorrido e aos critérios por este utilizados para o cálculo da indemnização por dano biológico, na sua vertente patrimonial, a fim de apreciar a adequação do juízo casuístico aí feito à luz das questões suscitadas nas conclusões recursórias[17].

19. A Recorrente discorda da indemnização arbitrada alegando, desde logo, que o acórdão recorrido, ao consignar a ocorrência de danos futuros previsíveis, fê-lo “contrariando a factualidade não provada.”

20. Resulta, efetivamente, não provado que “haja a possibilidade de os danos da A. se agravarem no futuro”. Contudo, apesar da não prova do agravamento dos danos, encontra-se inequivocamente provado que há danos que vão permanecer no futuro, independentemente de se virem ou não a agravar. Vide, a este respeito, o facto provado sob o n.º 94 (“a A. continua, em consequência das lesões que sofreu na perna esquerda, a necessitar de acompanhamento médico, tendo, em 22/07/2020, sido vista na consulta de fisiatria pela Dra. FF, por apresentar um edema no tornozelo e pé esquerdos com circometria com diferença de 2/3 cm entre os membros.”). Por outro lado, no que toca às sequelas físicas, ficou provado sob o n.º 46 que “a A nunca terá uma recuperação total e ficou com uma limitação física que a limitará para toda a vida, quer escolares, quer, mais tarde, profissionais (…)” e, sob o n.º 72, que “as sequelas físicas têm repercussão permanente na atividade formativa compatíveis com o exercício da sua atividade enquanto estudante de enfermagem, podendo implicar esforços suplementares”.

21. Perante o exposto, a afirmação da Recorrente de que o Tribunal recorrido contrariou a factualidade em causa nos autos ao considerar a ocorrência de danos futuros previsíveis não encontra aderência na realidade factual dada como assente.

22. De resto, nesta sede, o Supremo Tribunal de Justiça tem afirmado, repetidamente, que “uma incapacidade permanente geral, compatível com o exercício da atividade profissional habitual mas exigindo esforços suplementares para a desenvolver, é causa de danos patrimoniais futuros, indemnizáveis nos termos dos artigos 562.º e segs. do Código Civil, maxime dos artigos 564.º e 566.º[18].

23. Entende-se, assim, que o juízo de probabilidade ensaiado no acórdão recorrido se estriba de forma fundamentada na matéria de facto dada como provada, não se podendo ignorar o facto de o acidente ter ocorrido em 2006, quando a Autora tinha 6 anos de idade,  e que, desde então, continua a sofrer das limitações físicas dadas como provadas, a ser submetida a tratamentos médicos e, necessariamente, a padecer das dores e angústias associadas a todo esse processo penoso e prolongado no tempo[19].

24. No caso dos autos, relevam a idade da lesada ao tempo do sinistro (6 anos), a esperança média de vida (que, para as mulheres nascidas em 1999, é de 79,6 anos), a percentagem da incapacidade geral permanente (3%), assim como a conexão entre as lesões físicas sofridas e as exigências próprias da atividade profissional compatível com a formação/preparação técnico-profissional da Autora lesada[20]. No que toca a este último fator – i.e., a conexão entre as lesões físicas sofridas pela Autora e as exigências próprias da atividade profissional que será por si exercida atenta a sua formação (enfermagem) -, importa recordar a circunstância de aquela assentar numa reconhecida exigência física. Estes fatores foram devidamente ponderados no acórdão recorrido que, a esse propósito, cita jurisprudência do Tribunal da Relação do Porto – cf. Acórdão de 9 de março de 2020 (Eugénia Cunha), proc. n.º 9721/17.8T8VNG.P1.

25. Por conseguinte, conclui-se que o Tribunal recorrido, ainda que de forma sintética, atendeu a todos os fatores casuísticos relevantes para a determinação do quantum indemnizatório devido a título de dano biológico, na sua vertente patrimonial, não se afastando, como se verá infra, daqueles que são os critérios e montantes habitualmente aplicados pela jurisprudência.

26. A Recorrente invoca, pois, a incompatibilidade do valor arbitrado pelo acórdão recorrido com os valores das indemnizações que têm vindo a ser concedidas pela jurisprudência dos Tribunais superiores em casos similares.

27. Por conseguinte, reveste-se de particular importância uma análise comparativa, a este propósito, em termos de ponderação prudencial, com outras decisões do Supremo Tribunal de Justiça – in casu, fundamentalmente aquelas mencionadas pela Recorrente nas suas alegações de recurso -, em ordem à consideração de critérios jurisprudenciais que, numa perspetiva atualista, generalizadamente vêm sendo adotados, de molde a não pôr em causa a segurança na aplicação do Direito e o princípio da igualdade.

28. Contudo, a este este propósito, importa referir que a fixação da indemnização do dano biológico, na sua vertente patrimonial, devendo observar os critérios habitualmente seguidos pela jurisprudência, terá sempre de levar em conta as particularidades de cada caso concreto. Afigura-se, por isso, pejado de dificuldades o cálculo de uma indemnização por simples comparação com outras decisões do Supremo Tribunal de Justiça apenas mediante ponderação dos fatores de idade, esperança média de vida e índice de incapacidade geral permanente. Com efeito, além desses fatores, o Tribunal deve atender a todos os outros fatores que relevem casuisticamente[21], designadamente à necessidade de tratamento médico continuado, às limitações reais físicas existentes suscetíveis de condicionar o exercício da profissão, às repercussões dessas limitações no rendimento médio mensal auferido ou a auferir e na progressão da carreira, assim como às demais condicionantes físicas tidas por relevantes.

29. Impõe-se, assim, considerar a jurisprudência referenciada pela Recorrente (em sede de alegações de recurso) para demonstrar o excesso do quantum indemnizatório fixado pelo Tribunal a quo:

- Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 16 de março de 2017 (Maria da Graça Trigo), proc. n.º 294/07.0TBPVC.C1.S1  – reporta-se a um caso em que foi fixado em 2 pontos percentuais o défice funcional permanente da integridade físico-psíquica de uma estudante de 15 anos, que esteve internada num total de 30 dias e foi submetida a uma intervenção cirúrgica, apresentando um dano estético de 5/7 e a quem foi atribuída uma indemnização global de € 31.000,00 (correspondendo a quantia de € 6.000,00 ao dano biológico[22] e a de € 25.000,00 aos danos não patrimoniais). Convém salientar que, apesar da similitude da percentagem de défice funcional permanente e do dano estético, as especificidades do caso dos presentes autos distinguem-no significativamente daqueloutro. Com efeito, a idade da ora Autora, ao tempo do acidente, era de 6 anos, tendo a mesma sido, desde então, sujeita a um acompanhamento médico regular e prolongado no tempo, havendo sido submetida a 4 intervenções cirúrgicas (cf. factos provados sob os n.os 15, 24, 28), enquanto a lesada do processo indicado pela Recorrente foi apenas submetida a uma intervenção cirúrgica; acresce que, 14 anos após o acidente, a Autora continua a necessitar de acompanhamento médico (cf. factos provados sob os n.os 94 e 95). Não se ignora ainda a diferença da formação profissional dada como provada, já que a ora Autora, ao contrário da outra lesada, frequenta o curso superior de enfermagem, profissão que é reconhecidamente exigente do ponto de vista físico;

- Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 29 de setembro de 2015 (Martins de Sousa), proc. n.º 501/05.4TBMAR.G2.S1 – tem por objeto um caso em que a lesada, de 25 anos de idade à data de um acidente de viação, ficou a padecer de incapacidade permanente geral de 23 pontos, compatível com a atividade habitual (carteira de profissão com salário de € 550,00), mas exigindo esforço suplementar, e em que lhe foi atribuída uma indemnização de € 17.000,00 pelo dano biológico sofrido (na sua vertente patrimonial). Também esta hipótese não se assemelha àquele sub judice. Uma vez mais, a tenra idade da Autora não pode deixar de ter aqui uma importância determinante, pois que as lesões por si sofridas condicionaram todo o seu processo de crescimento e desenvolvimento físico e psíquico, para além de que a sua esperança média de vida é manifestamente superior. Por outro lado, o cálculo do dano biológico naqueloutro processo – na sua vertente patrimonial - baseou-se concretamente na profissão exercida pela lesada e no rendimento efetivamente auferido pela mesma, operação que também não pode ser transponível para o caso ora sub judice;

- Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 8 de junho de 2017 (Arménio Sottomayor), proc. n.º 1029/12.1TAMAI.P1.S1[23] – está em causa uma mulher de 74 anos de idade à data do sinistro, com défice funcional permanente de 31 pontos, a quem foi arbitrada uma indemnização de €10.000,00 a título de dano biológico. Este caso não é análogo ao dos autos. De qualquer modo, o Tribunal conferiu à referida lesada uma indemnização de € 75.000,00 a título de danos futuros, valor muito superior àquele resultante da ponderação feita pelo Tribunal a quo a propósito dos danos futuros previsíveis;

- Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 11 de fevereiro de 2015 (Martins de Sousa), proc. n.º 3329/09.9TBVLG.P1.S1 – reporta-se a um caso em que um lesado, de 10 anos de idade, em consequência de um acidente de viação, sofreu um arranhão numas das pernas (cf. facto aí provado sob o n.º 91) e um susto (cf. facto aí provado sob o n.º 92), sendo que o défice funcional permanente que lhe foi fixado (na escala de 4) deriva de um quadro de ansiedade que implica a necessidade de acompanhamento psicológico especializado e sistemático (cf. facto aí provado sob o n.º 118.). Por força do período de instabilidade emocional experienciado, com repercussão no seu desenvolvimento integral, o Tribunal entendeu arbitrar-lhe uma indemnização de € 12.500,00 a título de dano biológico. Este caso não apresenta quaisquer semelhanças com a situação que nos ocupa que é, do ponto de vista clínico e físico, substancialmente mais grave e em que as sequelas sofridas pela lesada têm perdurado ao longo dos muitos anos que já decorreram desde a data do acidente (em 2006). Justifica-se, assim, in casu, que a indemnização a atribuir à Autora seja francamente superior àquela que foi conferida ao referido lesado.

30. Recordem-se ainda dois acórdãos que, apesar de se debruçarem sobre situações factualmente distintas daquela em apreço, ilustram a justeza ou proporcionalidade da indemnização atribuída à ora Autora/Recorrida:

- Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 8 de janeiro de 2019 (Catarina Serra), proc. n.º 4378/16.6T8VCT.G1.S1[24] - versa sobre um caso em que o sinistrado, de 14 anos de idade ao tempo do acidente, apresenta défice funcional permanente de 1%, tendo-se considerado que as sequelas físicas por si sofridas, embora importassem esforços acrescidos, não se repercutiriam na atividade profissional habitual (engenheiro). O lesado não sofreu dias de internamento, nem tão pouco foi submetido a qualquer intervenção cirúrgica. Foi-lhe atribuída uma indemnização de € 10.000,00 a título de dano biológico. Conforme o acórdão referido, “a circunstância de o lesado não exercer uma actividade profissional remunerada, por ser estudante (facto 24), não deveria impedir a ressarcibilidade dos danos patrimoniais futuros, sendo usados na jurisprudência diversos critérios para calcular, nesta hipótese, o valor da indemnização. Considerando a que o lesado, na data do acidente, tinha 14 anos de idade (facto 38) e frequentava o 10.º ano de escolaridade (facto 42), entendeu adequado adoptar o critério do valor do salário mínimo e meio.”.

- Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 18 de janeiro de 2018 (Pedro Lima Gonçalves), proc. n.º 223/15.8T8CBR.C1.S1 – tem por objeto uma situação em que à lesada, de 22 anos de idade, também estudante de enfermagem e com défice funcional permanente de 11%, considerando-se que as sequelas de que ficou a padecer, embora compatíveis com a atividade profissional de enfermagem, implicariam esforços acrescidos, e que apresentava algumas limitações físicas para as atividades quotidianas, foi atribuída uma indemnização de € 55.000,00 a título de dano biológico na sua vertente patrimonial.

31. Pode dizer-se que a situação em apreço nos presentes autos como que se situa algures entre os dois casos por último mencionados, pois que é manifestamente mais grave do que o primeiro – razão pela qual o montante indemnizatório (€ 7.000,00) preconizado pela Recorrente sempre se afiguraria como manifestamente insuficiente – e é, pelo menos ao nível do défice funcional permanente fixado, menos gravoso do que o segundo. Daí que o quantum indemnizatório atribuído pelo dano biológico, na sua dimensão patrimonial, de € 30.000,00, se afigure razoável, equilibrado e justo.

32. Perante o exposto, tendo aplicado os critérios habituais da jurisprudência para fixar um montante indemnizatório equitativo superior àquele atribuído pelo Tribunal de 1.ª Instância, em ordem a melhor atender às especificidades do caso concreto, o acórdão recorrido não merece qualquer censura na solução que alcançou.

33. Assim, a pretensão da Recorrente não pode deixar de soçobrar nesta parte.


b) Dos danos não patrimoniais

1. Quanto à compensação dos danos não patrimoniais, o acórdão recorrido fundamenta a sua decisão do seguinte modo:

No que respeita aos danos não patrimoniais são ressarcíveis os danos que pela sua gravidade merecem a tutela do direito - cfr. artigo 496.º, n.º 3 do Código Civil..

In casu, como veremos infra, tal acontece, devendo a indemnização realizar-se através de uma compensação a fixar-se de acordo com os critérios da equidade e da razoabilidade tendo em conta o grau de culpabilidade do agente, a sua situação económica, bem como a do lesado e as demais circunstâncias do caso, revestindo “assim tal indemnização uma natureza acentuadamente mista: por um lado, visa compensar de algum modo, mais do que indemnizar os danos sofridos pela pessoa lesada ; por outro lado, não lhe é estranha a ideia de reprovar ou castigar, no plano civilistico e com os meios próprios do direito privado, a conduta do agente"'(Antunes Varela in Das Obrigações em Geral, Vol. I, 3ª edição, pag. 502) - cfr. artigos 494.º e 566.º, n.º 1 do Código Civil.

Ora, tendo em consideração o quantum doloris, fixável em 5, numa escala valorativa de 7 graus, desde o acidente até à data da consolidação das lesões (cerca de cinco anos), o dano estético fixável em 4, numa escala valorativa de 7 graus, assim como a perturbação e demais sofrimentos físico e psíquico decorrente do impacto negativo que as lesões tiveram no estado psíquico e anímico da Apelante AA, atendendo à sua idade, a satisfação pecuniária pela gravidade dos danos não patrimoniais deverá ser ajustada no montante de € 40.000,00 (quarenta mil euros), o qual se fixa.

Nestes termos, é de conceder parcial provimento ao recurso interposto pela Autora Apelante AA no que concerne ao montante dos danos (biológico e não patrimoniais) e julgar totalmente improcedente o recurso interposto pela Ré Apelante Generali quanto a essa matéria.”.

2. Para além de se ter verificado a a lesão de bens ou interesses que, por definição, não têm mercado, e, por isso, não são dotados de um valor económico objetivo - o valor da utilidade perdida, enquanto destinada a satisfazer uma necessidade não patrimonial, apenas pode ser concretamente apreciado pela vítima -, as consequências negativas dessa lesão sofridas pela vítima não são passíveis de avaliação pecuniária.

3. O dano não patrimonial é, assim, insuscetível de avaliação pecuniária.

4. O critério da gravidade dos danos (art. 496.º, n.º 1, do CC) permite estabelecer uma harmonização prática entre os princípios da solidariedade perante a vítima e da tolerância. Por conseguinte, o ressarcimento dos danos não patrimoniais apenas é devido quando estes não forem considerados fúteis ou banais e se haja ultrapassado o nível de tolerabilidade imposto pela convivência social.

5. O ressarcimento dos danos não patrimoniais coloca, pois, o problema da “atribuição de um preço” a  qualquer coisa que, por definição, não o tem, visando uma reparação económica adequada da perda de utilidade sofrida pelo lesado.

6. A quantificação dos danos não patrimoniais, em virtude da respetiva natureza, é remetida para um sistema de valoração fundado na equidade (art. 496.º, n.º 4, do CC).

7. A liquidação dos danos não patrimoniais com base na equidade não é, conforme referido supra, arbitrária: o juízo equitativo, ainda que permita ao julgador alguma margem de discricionariedade, deve fundar-se em critérios de adequação, de proporção e de ponderação prudente e racional de todas as circunstâncias do caso concreto.

8. O montante atribuído a título de compensação dos danos não patrimoniais destina-se a permitir ao lesado encontrar alguma compensação pelo mal sofrido, pela dor e o sofrimento, proporcionando-lhe uma satisfação que os atenue. Isto implica que a medida dessa compensação deva ser proporcional à gravidade dos danos, levando em linha de conta, “as regras da boa prudência, do bom senso prático, da justa medida das coisas e do criterioso sopesar das realidades da vida”, em conformidade com o disposto no art. 496.º, n.º 4, do CC.

9. Desde logo, de acordo com o art. 494.º do CC, por força da remissão estabelecida no 496.º, n.º 4, do mesmo corpo de normas, deve atender-se ao grau de culpabilidade do agente, à situação económica deste e do lesado – que, in casu, não revela e às demais circunstâncias do caso.

10. Afigura-se igualmente relevante considerar que “a utilização de critérios de equidade não impede que se tenham em conta as exigências do princípio da igualdade, sendo que a prossecução desse princípio implica a procura de uma uniformização de critérios, naturalmente incompatível com as circunstâncias do caso (Acórdão do STJ, de 4 de junho de 2015, acessível em www.dgsi.pt)”[25].

11. Atendendo ao que foi mencionado supra a propósito da apreciação do montante indemnizatório atribuído a título de danos patrimoniais e da sindicância dos critérios decisórios fundados em juízos de equidade, importa, nesta sede, considerar a fundamentação do acórdão recorrido, assim como os critérios por este adotados para analisar a (in)adequação do quantum compensatório conferido a título de danos não patrimoniais.

12. Dos factos provados resulta, além do mais, que:

35. A A. sofreu desde o acidente, dores quantificáveis no grau 5, numa escala de 1 a 7.

36. A A. necessitou de ajuda de terceira pessoa para a realização da sua higiene pessoal, para se alimentar, para se vestir e despir, para ir à casa de banho fazer as suas necessidades fisiológicas, sendo que a perna esquerda registava diminuição da força muscular e não conseguia andar.

37. O comportamento da A. mudou, passando a irritar-se facilmente por não conseguir fazer o que pretendia, a ter insónias, oscilando o humor, a nível comportamental.

38.  O processo de cuidados de emergência e internamento médico provocou na A. um estado altamente stressante e desgaste do ponto de vista psicológico e físico.

39. A A., na sequência do atropelamento que sofreu, teve necessidade de apoio psicológico, especificamente dirigido a processo ansioso, tendo para o efeito consultas de psicologia nos dias 27/11/2006, 11/12/2006, 15/12/2006 e 20/12/2006.

40. A A. teve apoio psicológico, especificamente dirigido a processo ansioso, tendo para o efeito, consultas de psicologia nos dias 15/01/2007, 16/02/2007, 16/03/2007, 13/04/2007 e 11/05/2007.

41. A 20/02/2007 havia necessidade de manter processos de reequilibração, que exigiam o seu tempo e a não serem colmatados podiam arriscar efeitos nefastos ao nível psicológico para toda a vida da criança, muitas vezes com reflexos mais ou menos imediatos sobre o rendimento escolar.

42. No ano de 2006/2007 a A. frequentou o 2.º ano de escolaridade na ... - ..., num horário duplo da manhã (8h-13h), com intervalos das 10h30m às 11 h, complementado com a actividades de enriquecimento curricular, às 3ªs e 5ªs feiras entre as 14h15m e as 18h, com intervalo das 15h30m às 16h.

43. Durante os intervalos das aulas supra referidas, a mãe da A. tinha de ir à escola para a apoiar na realização das necessidades básicas.

44. A A. frequentava, desde Outubro de 2004, aulas de ballet na Escola ... de ..., tendo, em resultado do acidente de que foi vítima, feito uma paragem nas respectivas aulas, não tendo, por isso, realizado o exame anual, efectuado no dia 20 de Março de 2007.

45. A A., antes do acidente, era uma criança alegre, com saúde, energia, activa e dinâmica, meiga e atenciosa com os pais e com os irmãos.

46. A A. nunca terá uma recuperação total e ficou com uma limitação física que a limitará para toda a vida, quer em termos pessoais e familiares, quer escolares quer, mais tarde, profissionais, já que frequenta o curso de enfermagem que exigirá, como profissão, uma grande exigência e disponibilidade física.

47. A A. sofreu muito no momento e imediatamente após o atropelamento, pensando que podia ficar sem a perna esquerda.

48. A recuperação das cirurgias e tratamentos foi sempre dolorosa.

49. A A. deixou de poder fazer os jogos de criança, praticar ballet, atletismo, de que tanto gostava, desde logo a conselho médico.

50. A A. teve de usar durante longos períodos canadianas e quando as deixava de usar, sempre o fez com queixas de dor e claudicação na marcha.

51. A A., volvidos mais de 10 anos sobre a data do acidente, ainda tem dificuldade em correr e em saltar por dor na perna esquerda, sentindo-se aborrecida e muito triste por não poder fazer o que as demais amigas fazem.

52. A A. sente dores na perna esquerda e coluna, com os esforços e as mudanças de temperatura, sendo, não pouco frequente, necessário tomar analgésicos ou anti-inflamatórios, tipo Ben-U-Ron ou Brufen.

53. Sente no dia-a-dia algumas dificuldades ao final do dia por dor, inchaço e falta de força na perna esquerda.

54. Em termos de danos permanentes, a A. ficou a padecer de um défice funcional permanente da integridade físico-psíquica de 3 pontos.

55. O dano estético permanente é fixável em 4 numa escala de 1 a 7.

56. A A. está muito impaciente, zangada e revoltada com a sua situação física.

57. A A tem vergonha de manter o joelho da perna esquerda descoberto para não mostrar a cicatriz.

58. Não vai, por isso, à praia e à piscina com os amigos.

59. Não usa saias ou calções acima do joelho.

60. A Autora, nos atos da sua vida diária, tem também dificuldades em subir e descer escadas por dores na perna esquerda.

61.Como consequência do acidente, a Autora apresenta as seguintes sequelas lesionais:

Membro inferior direito

-  Perímetro da coxa de 44,5 cm, medido a 15 cm da interlinha articular do joelho.

-  Comprimento aparente do membro de 94 cm; comprimento real de 91 cm.

-    Uma cicatriz irregular, nacarada e quase imperceptível, na face posterolateral do terço proximal da coxa, com 3 por 2 cm de maiores dimensões.

Membro inferior esquerdo:

-  discreta assimetria no contorno lateral da anca relativamente ao membro contralateral.

-  perímetro da coxa de 44,5 cm, medido a 15 cm da interlinha articular do joelho.

-  comprimento aparente do membro de 94 cm; comprimento real de 91 cm.

- várias cicatrizes, globalmente visíveis a distância social: uma nacarada, linear e irregular, entre a face posteromedial do terço distal da coxa, estendendo-se pela sua região medial e terminando na região anterosuperior do joelho, com 25 por 1 cm de maiores dimensões; uma cicatriz ligeiramente acastanhada e deprimida na face anteromedial do joelho, com 8 por 3 cm de maiores dimensões; uma cicatriz nacarada ténue, irregular, na face medial do joelho, com 5 por 3 cm de maiores dimensões; duas cicatrizes nacaradas lineares, ténues, de tipo cirúrgico, na face lateral do joelho, uma com 8 por 1 cm de maiores dimensões e outra com 3,5 por 0,5 cm de maiores dimensões, ténues e pouco notórias a distância social.

-    joelho: manobras meniscais negativas; sem derrame articular ou instabilidades ligamentares objectiváveis.

-  ligeiro edema do maléolo lateral (portadora de meia de contenção elástica até ao joelho); dor referida à palpação da sua vertente antero-inferior.

62. Como consequência directa e instantânea do acidente a Autora sofreu fortes dores.

63. Dores e ansiedade quando foi atropelada, que se mantiveram ao longo da infância e juventude em consequência dos tratamentos a que foi sujeita.

64. O quantum doloris da A. é fixável em 5 numa escala de 1 a 7.

65. No momento do embate e nos dias que se lhe sucederam sentiu angústia, medo e receou pela perda da perna esquerda.

66. A Autora apresentava uma série de sintomas físicos e psico-emocionais de fundo ansioso, revelando alterações compatíveis com um quadro de sintomatologia de stresse pós-traumática, pensamentos recorrentes sobre o acidente, mal-estar psicológico quando é exposta a estímulos semelhantes a aspectos do acidente com reactividade fisiológica, irritabilidade, dificuldade de concentração.

(…)”.

13. Ou seja, os danos não patrimoniais sofridos pela Autora são vastos e relevantes. De um lado, o quantum doloris – traduzido no sofrimento físico e/ou psíquico - é de 5 em 7 e, de outro, o dano estético – consubstanciado no prejuízo anátomo-funcional associado às deformidades e aleijões que resistiram ao processo de tratamento e recuperação da vítima - é de 4 em 7. Ambos assumem graus elevados.

14. Além desses danos e do défice funcional permanente da Autora, outros danos relevantes devem ser compensados, como os efeitos das várias intervenções cirúrgicas a que foi sujeita, as consequências sofridas no seu desenvolvimento social e emocional, a menorização resultante das suas dores constantes - “prejuízo da saúde geral” -, circunstância esta que acompanha alguém que sofre um acidente aos 6 anos de idade. Acresce ainda que a Autora continua a necessitar de medicamentos, consultas e tratamentos médicos.

15. Todos estes fatores foram devidamente considerados pelo Tribunal recorrido no âmbito da determinação do quantum compensatório dos danos não patrimoniais.

16. Por seu turno, o valor concretamente atribuído à Autora não se afasta daqueles que são os montantes habitualmente adotados pela jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça em casos aproximadamente semelhantes (ponderando, além do mais, o quantum doloris e o dano estético, assim como a sujeição a cirurgias e tratamentos prolongados no tempo).

17. Neste sentido,

 - Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 28 de janeiro de 2016 (Maria da Graça Trigo), proc. n.º 7793/09.8T2SNT.L1.S1[26] – neste caso foi fixada uma compensação pelos danos não patrimoniais no montante de € 40.000,00. A vítima padecia de um quantum doloris de grau 5, sujeitou-se a 4 operações, a internamentos por longos períodos de tempo, teria ainda de se submeter a mais duas operações, teve vários tratamentos de reabilitação e o dano estético era de grau 4;

- Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 26 de janeiro de 2016 (Fonseca Ramos), proc. n.º 2185/04.8TBOER.L1.S1[27] – determinou a compensação dos danos não patrimoniais no valor de € 45.000,00 a jovem de 20 anos de idade, desportista, que ficou com várias cicatrizes em zonas visíveis e padeceu de acentuado grau de sofrimento (quantum doloris de grau 5) e relevante dano estético;

-  Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 21 de janeiro de 2016 (Lopes do Rego), proc. n.º 1021/11.3TBABT.E1.S1[28] - fixou a compensação dos danos não patrimoniais no montante de € 50.000,00 a jovem de 27 anos de idade, levando em linha de conta os múltiplos traumatismos, as sequelas psicológicas, o quantum doloris de grau 5, o dano estético de 2 pontos, a incapacidade parcial de 16 pontos, a repercussão nas atividades desportivas e de lazer de grau 2, a claudicação na marcha e a rigidez da anca direita;

-  Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 4 de junho de 2015 (Maria dos Prazeres Pizarro Beleza), proc. n.º 1166/10.7TBVCD.P1.S1[29]) – estabeleceu-se a compensação dos danos não patrimoniais no valor de € 40.000,00 a jovem de 17 anos de idade, vítima de vários tratamentos médicos, intervenções e internamentos, de repercussões estéticas e de quantum doloris de grau 6.

18. Em todas as situações retratadas nos acórdãos mencionados estão em causa lesados de idade jovem, mas não de tenra idade como a vítima do caso sub judice. A tenra idade da lesada e o tempo já decorrido da sua vida, preenchido por dores significativas e constantes, várias intervenções cirúrgicas e tratamentos médicos, que perdurarão, já que a sua recuperação nunca será total, são circunstâncias revestidas de particular importância que não podem deixar de ser devidamente atendidos.

19. Acresce que a jurisprudência de que a Recorrente se socorre (nas suas alegações de recurso) para tentar demonstrar o excesso do quantum compensatório fixado pelo Tribunal recorrido está longe de ilustrar a desproporcionalidade da quantia arbitrada no caso concreto.

20. Recorde-se, a este respeito, a situação apreciada no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 18 de janeiro de 2018 (Pedro de Lima Gonçalves), proc. n.º 223/15.8T8CBR.C1.S1, proc. n.º 223/15.8T8CBR.C1.S1 – estava em causa uma lesada de 22 anos de idade, também estudante de enfermagem e com défice funcional permanente de 11%. Considerou-se que as sequelas, embora compatíveis com a atividade profissional de enfermagem, implicariam esforços acrescidos. Foi-lhe atribuída uma compensação no valor de € 30.000,00, a título de danos não patrimoniais.  Porém, a tenra idade da ora Autora aquando do acidente - tinha apenas 7 anos e, por isso uma elevada esperança de vida – justificaria, só por si, um aumento desse montante: sério pretium infantil, frustração do viver em pleno a infância.

21. À indicação dos restantes acórdãos pela Recorrente subjaz, fundamentalmente, a proximidade dos fatores de idade e de défice funcional permanente perante o caso dos presentes autos. Todavia, os fatores a ponderar na quantificação da compensação dos danos não patrimoniais vão muito para além da idade e do défice funcional permanente. Estes, sendo relevantes para a fixação da indemnização do dano biológico, na sua vertente patrimonial, são manifestamente insuficientes para justificar a comparação pretendida pela Recorrente nesta parte.

22. Com efeito,

o dano não patrimonial assume vários modos de expressão: o chamado quantum doloris, que se reporta às dores físicas e morais sofridas no período de doença e de incapacidade temporária, com tratamentos, intervenções cirúrgicas, internamentos (nele se considerando a extensão e a gravidade das lesões, e a complexidade do seu tratamento clínico); o dano estético, prejuízo anátomo-funcional e que se refere às deformidades e aleijões que perduraram para além do processo de tratamento e recuperação da vítima; o prejuízo de distracção ou passatempo, caracterizado pela privação das satisfações e prazeres da vida, como a renúncia a actividades extra-profissionais, desportivas ou artísticas; o prejuízo de afirmação social, dano indiferenciado, que respeita à inserção social do lesado, nas suas variadas vertentes (familiar, profissional, sexual, afectiva, recreativa, cultural, cívica), integrando este prejuízo a quebra da «alegria de viver»; o prejuízo da saúde geral e da longevidade, em que avultam o dano da dor e o défice de bem estar, e que valoriza as lesões muito graves, com funestas incidências na duração normal da vida; os danos irreversíveis na saúde e bem estar da vítima e o corte na expectativa de vida; o prejuízo juvenil, que afecta os sinistrados muito jovens que ficam privados das alegrias próprias da sua idade; o prejuízo sexual, consistente nas mutilações, impotência, resultantes de traumatismo nos órgãos sexuais; e o prejuízo da auto-suficiência, caracterizado pela necessidade de assistência duma terceira pessoa para os actos correntes da vida diária (tudo conforme Ac. do STJ, de 25.11.2009, Raúl Borges, Processo nº 397/03.0GEBNV.S1, reiterado depois no Ac. da RG, de 10.10.2013, Helena Melo, Processo nº 5981/12.0TBVCT.G1).” [30].

23. A decisão recorrida, sustentada na extensa factualidade provada, oferece suficiente fundamentação do montante compensatório atribuído à Autora, quer a título de dano biológico, na sua vertente patrimonial, quer de danos não patrimoniais. Não se afigura que as quantias compensatórias conferidas à Autora, atendendo às especificidades ou particularidades do caso concreto, se afastem dos critérios jurisprudenciais que têm vindo a ser adotados. A natureza, a intensidade e a gravidade dos danos justificam-nas. De resto, está igualmente em causa a função sancionatória ou punitiva da compensação dos danos não patrimoniais.

24. Pode assim dizer-se que o Tribunal da Relação do Porto prolatou uma decisão fundada num juízo equitativo razoável, justo e equilibrado perante as circunstâncias do caso em apreço e os valores arbitrados em casos similares.

25. Termos em que a pretensão da Recorrente improcede também nesta parte.


IV - Decisão

Nos termos expostos, acorda-se em julgar improcedente o recurso de revista interposto por Generali Seguros, S.A., confirmando-se o acórdão recorrido na sua totalidade.

Custas pela Recorrente.

Lisboa, 13 de setembro de 2022

Maria João Vaz Tomé (Relatora)

António Magalhães

Jorge Dias

_______

[1] O Grupo Generali adquiriu a Seguradoras Unidas, S.A. (entidade que detinha a Tranquilidade) em janeiro de 2020.
[2] Que corresponde à soma das parcelas de € 1.594,10, a título de danos patrimoniais, de € 25.000,00, a título de indemnização por dano biológico, e de € 30.000,00, por danos não patrimoniais.
[3] Cf. Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 10 de dezembro de 2020 (Maria do Rosário Morgado), proc. n.º 12131/18.6T8LSB.L1.S1 - disponível para consulta in  http://www.dgsi.pt/jstj.nsf/954f0ce6ad9dd8b980256b5f003fa814/1a9ba43587c705068025865a004e28e8?OpenDocument.
[4] Cf. Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 16 de outubro de 2002 (Mário Torres), proc. n.º 02S1599 – disponível para consulta in 
http://www.dgsi.pt/jstj.nsf/954f0ce6ad9dd8b980256b5f003fa814/7bda63b81d54cf7080256c5d0034802d?OpenDocument.
[5] Cf. Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 15 de dezembro de 2011 (Raúl Borges), proc. n.º 17/09.0TELSB.L1.S1 – disponível para consulta in
http://www.dgsi.pt/jstj.nsf/954f0ce6ad9dd8b980256b5f003fa814/716b1b216836db4c802579980057452c?OpenDocument.
[6] Cf. Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 10 de dezembro de 2020 (Maria do Rosário Morgado), proc. n.º 12131/18.6T8LSB.L1.S1 – disponível para consulta in http://www.dgsi.pt/jstj.nsf/954f0ce6ad9dd8b980256b5f003fa814/1a9ba43587c705068025865a004e28e8?OpenDocument.
[7]  Cf. acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 23 de maio de 2019 (Maria dos Prazeres Beleza), proc. n.º 2476/16.5T8BRG.G1.S2; de 6 de dezembro de 2017 (Maria da Graça Trigo), proc. n.º 559/10.4TBVCT.G1.S1; de 28 de janeiro de 2016 (Maria da Graça Trigo), proc. n º 7793/09.8T2SNT.L1.S1; de 6 de abril de 2015, proc. nº 1166/10.7TBVCD.P1.S1, com remissão para os acórdão de 28 de outubro de 2010, proc. nº 272/06.7TBMTR.P1.S1, e 5 de novembro de 2009, proc. nº 381/2002.S1 – disponíveis para consulta in www.dgsi.pt.
[8] Cf. acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 6 de dezembro de 2017 (Maria da Graça Trigo), proc. n.º 559/10.4TBVCT.G1.S1; de 28 de janeiro de 2016 (Maria da Graça Trigo), proc. n º 7793/09.8T2SNT.L1.S1; de 6 de abril de 2015 (Maria dos Prazeres Pizarro Beleza), proc. n.º 1166/10.7TBVCD.P1.S1, com remissão para os acórdãos de 28 de outubro de 2010 (Lopes do Rego), proc. n.º 272/06.7TBMTR.P1.S1, e de 5 de novembro de 2009 (Lopes do Rego), proc. n.º 381-2002.S1 – disponíveis para consulta in www.dgsi.pt.
[9] Cf. acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 23 de maio de 2019 (Maria dos Prazeres Beleza), proc. n.º 2476/16.5T8BRG.G1.S2; de 8 de junho de 2017 (Maria dos Prazeres Pizarro Beleza), Proc. n.º 2104/05.4TBPVZ.P1.S2 - disponível para consulta em http://www.dgsi.pt/jstj.nsf/954f0ce6ad9dd8b980256b5f003fa814/c6ec438b8e346c658025813900593730?OpenDocument. Conforme este acórdão, importa “não nos afastarmos do equilíbrio e do valor relativo das decisões jurisprudenciais mais recentes acórdão de 25 de Junho de 2002 (www.dgsi.pt, proc. nº 02A1321); nas palavras do acórdão deste Supremo Tribunal, de 31 de Janeiro de 2012 (www.dgsi.pt, proc. nº 875/05.7TBILH.C1.S1), “os tribunais não podem nem devem contribuir de nenhuma forma para alimentar a ideia de que neste campo as coisas são mais ou menos aleatórias, vogando ao sabor do acaso ou do arbítrio judicial. Se a justiça, como cremos, tem implícita a ideia de proporção, de medida, de adequação, de relativa previsibilidade, é no âmbito do direito privado e, mais precisamente, na área da responsabilidade civil que a afirmação desses vectores se torna mais premente e necessária, já que eles conduzem em linha recta à efectiva concretização do princípio da igualdade consagrado no artº 13º da Constituição.
[10] Cf. acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 6 de dezembro de 2017 (Maria da Graça Trigo), proc. n.º 559/10.4TBVCT.G1.S1; de 28 de janeiro de 2016 (Maria da Graça Trigo), proc. n º 7793/09.8T2SNT.L1.S1; de 6 de abril de 2015 (Maria dos Prazeres Pizarro Beleza), proc. n.º 1166/10.7TBVCD.P1.S1, com remissão para os acórdãos de 28 de outubro de 2010 (Lopes do Rego), proc. n.º 272/06.7TBMTR.P1.S1, e de 5 de novembro de 2009 (Lopes do Rego), proc. n.º 381-2002.S1 – disponíveis para consulta in www.dgsi.pt.
[11] Cf. Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 8 de junho de 2017 (Maria dos Prazeres Pizarro Beleza), Proc. n.º 2104/05.4TBPVZ.P1.S2 - disponível para consulta em http://www.dgsi.pt/jstj.nsf/954f0ce6ad9dd8b980256b5f003fa814/c6ec438b8e346c658025813900593730?OpenDocument.
[12] Cf. António Menezes Cordeiro, “A decisão segundo a equidade”, in O Direito, Ano 122, 1990, abril-junho, p.272.
[13] Cf. Manuel Carneiro da Frada, “A equidade (ou a justiça com coração): a propósito da decisão arbitral segundo a equidade”, in Revista da Ordem dos Advogados, 2012, Ano 72, Vol. I, pp.140-141; acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 12 de janeiro de 2021 (Maria João Vaz Tomé), proc. n.º 2787/15.7T8BRG.G1.S1.
[14] Cf. Manuel Carneiro da Frada, “A equidade (ou a justiça com coração): a propósito da decisão arbitral segundo a equidade”, in Revista da Ordem dos Advogados, 2012, Ano 72, Vol. I, p.143; Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 31 de janeiro de 2012 (Nuno Cameira), Proc. n.º 875/05.7TBILH.C1.S1 - disponível para consulta em http://www.dgsi.pt/jstj.nsf/954f0ce6ad9dd8b980256b5f003fa814/e8780a8e82ded7968025799c00562411?OpenDocument -, segundo o qual “os tribunais não podem nem devem contribuir de nenhuma forma para alimentar a ideia de que neste campo as coisas são mais ou menos aleatórias, vogando ao sabor do acaso ou do arbítrio judicial. Se a justiça, como cremos, tem implícita a ideia de proporção, de medida, de adequação, de relativa previsibilidade, é no âmbito do direito privado e, mais precisamente, na área da responsabilidade civil que a afirmação desses vectores se torna mais premente e necessária, já que eles conduzem em linha recta à efectiva concretização do princípio da igualdade consagrado no artº 13º da Constituição.”.
[15] Cf. Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 8 de junho de 2017 (Maria dos Prazeres Pizarro Beleza), Proc. n.º 2104/05.4TBPVZ.P1.S2 – disponível para consulta in http://www.dgsi.pt/jstj.nsf/954f0ce6ad9dd8b980256b5f003fa814/c6ec438b8e346c658025813900593730?OpenDocument.
[16] Cf. Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 23 de março de 2021 (Fernando Samões), proc. n.º 1989/05.9TJVNF.G1.S1 – disponível para consulta in www.dgsi.pt.
Neste sentido, vide ainda Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 26 de maio de 2015 (Garcia Calejo), proc. n.º 2607/11.1TBVCT.G1.S1 [“(…) em caso de fixação de uma indemnização por danos não patrimoniais através da equidade, o STJ só deve intervir quando os montantes fixados se revelem em patente colisão com os critérios jurisprudenciais que vêm a ser adoptados”, pelo que “não ocorrendo essa clara oposição, a ponderação casuística das circunstâncias do caso deve ser mantida, já que o julgador se situou na margem de discricionariedade que lhe é consentida. Não se trata aqui de aplicação de critérios normativos, pelo que, em rigor, não está em causa a resolução de uma “questão de direito” a que uma revista deve particularmente dar resposta (art. 671.º, n.º 1, do NCPC (2013)”]; de 6 de abril de 2021 (Fátima Gomes), proc. n.º 2908/18.8T8PNF.P1.S1 [ “(…) VI. A orientação do STJ é a seguinte: “A aplicação de puros juízos de equidade não traduz, em bom rigor, a resolução de uma ‘questão de direito’»; se é chamado a pronunciar-se sobre «o cálculo da indemnização» que «haja assentado decisivamente em juízos de equidade», não lhe «compete a determinação exacta do valor pecuniário a arbitrar (…), mas tão somente a verificação acerca dos limites e pressupostos dentro dos quais se situou o referido juízo equitativo, formulado pelas instâncias face à ponderação casuística da individualidade do caso concreto ‘sub iudicio’». VII. Não sendo a decisão recorrida um caso que se afaste dos padrões gerais da jurisprudência na fixação deste tipo de danos, impõe-se apenas dizer que a função do STJ consiste em apurar se tal decisão se encontra devidamente justificada, face às circunstâncias do caso, e aos critérios gerais usados em casos similares, tudo ponderado à luz do princípio da igualdade.”]
[17] No conspecto jurisprudencial, no que respeita ao quantum da indemnização ao dano biológico, na sua dimensão patrimonial, refira-se, inter alia, o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 26 de maio de 2015 (Garcia Calejo), proc. n.º 2607/11.1TBVCT.G1.S1, segundo o qual “a jurisprudência tem vindo a entender que a indemnização neste âmbito deve ser calculada, em atenção ao tempo provável da vida activa do lesado, aos seus rendimentos anuais e à incapacidade sofrida, de forma a representar um capital produtor de rendimento que cubra a diferença entre a situação anterior e a actual até ao fim desse período, segundo as tabelas financeiras usadas para determinação do capital necessário à formação de uma renda periódica correspondente a uma taxa de juros.”. Porém, “dada a complexidade desta fórmula, tem-se vindo a esboçar neste STJ a orientação de se usar como elemento orientador uma regra simples, como a indicada no acórdão de 4-12-2007 (in www.dgsi.pt) que tem por base a indicada fórmula, sendo que os factores a aplicar (calculados por aplicação do programa informático Excel), serão os mencionados nesse aresto. Por outro lado, pese embora se deva considerar, para efeitos de cálculo, a vida activa do lesado até aos 65 anos, pois é nessa altura que se atinge a idade da reforma, parece-nos ser de ponderar que a vida não acaba com essa idade, mantendo-se a capacidade de ganho do lesado por mais algum tempo, se bem que se aceite que essa capacidade de auferir proventos diminui patentemente após terminar a vida profissional activa. Nesta conformidade, como tem vindo a ser entendido pela jurisprudência maioritária deste STJ, deve-se considerar uma idade de aproximadamente 70 anos, como limite da capacidade de ganho do lesado.”.
[18] Cf. Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 20 de outubro de 2011 (Maria dos Prazeres Beleza), proc. n.º 428/07.5TBFAF.G1.S1.
[19] Note-se que o dano biológico se traduz num “prejuízo que se repercute nas potencialidades e qualidade de vida do lesado, afectando-lhe o seu viver quotidiano na sua vertente laboral, recreativa sexual, social e sentimental. É um dano que determina perda das faculdades físicas e até intelectuais em termos de futuro, deficiências que se agravarão com a idade do ofendido. Em termos profissionais conduz este dano o lesado a uma posição de inferioridade no confronto com as demais pessoas no mercado de trabalho, exigindo-lhe, outrossim, um maior esforço para o desenvolvimento da sua laboração. Ou seja, é um prejuízo que se repercute no seu padrão de vida, actual e vindouro.” – cf. Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 26 de maio de 2015 (Garcia Calejo), proc. n.º 2607/11.1TBVCT.G1.S1; “(…) o dano biológico abrange um espectro alargado de prejuízos e incidentes na esfera patrimonial do lesado, incluindo a frustração de previsíveis possibilidades de desempenho de quaisquer actividades ou tarefas de cariz económico, mesmo fora da actividade profissional habitual, bem como os custos de maior onerosidade no exercício ou no incremento de quaisquer dessas actividades ou tarefas, com a consequente restrição de outras oportunidades de índole pessoal e profissional, no decurso de vida expectável.” – cf. Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 5 de maio de 2020 (Raimundo Queirós), proc. n.º 30/11.7TBSTR.E1 – disponível para consulta in https://jurisprudencia.csm.org.pt/ecli/ECLI:PT:STJ:2020:30.11.7TBSTR.E1.S1/.
[20] Cf. Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 1 de março de 2018 (Maria da Graça Trigo), proc. n.º 773/07.0TBALR.E1.S1 – disponível para consulta in www.dgsi.pt.
[21] Cf. Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 14 de janeiro de 2021 (Nuno Pinto de Oliveira), proc. n.º 644/12.8TBCTX.L1.S1 – disponível para consulta in http://www.dgsi.pt/jstj.nsf/954f0ce6ad9dd8b980256b5f003fa814/a9d35ebd106f8223802586790037e581?OpenDocument.
[22] No Tribunal de 1.ª Instância foi apurado o referido valor de € 6.000,00 qualificando-se o dano biológico na sua vertente não patrimonial, enquanto o Tribunal da Relação o qualificou como  dano patrimonial futuro.
[23] Disponível para consulta in http://www.dgsi.pt/jstj.nsf/954f0ce6ad9dd8b980256b5f003fa814/49b8ba2b440b96df8025838d0051e8e8?OpenDocument.
[24] Disponível para consulta in http://www.dgsi.pt/jstj.nsf/954f0ce6ad9dd8b980256b5f003fa814/0d6952bf3d15b72f8025837c005c455e?OpenDocument.
[25] Cf. Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 18 de janeiro de 2018 (PEDRO LIMA GONÇALVES), proc. n.º 223/15.8T8CBR.C1.S1.
[26] Disponível para consulta in http://www.dgsi.pt/jstj.nsf/954f0ce6ad9dd8b980256b5f003fa814/f7e690da9b50d25880257f48005a3d42?OpenDocument.
[27] Disponível para consulta in http://www.dgsi.pt/jstj.nsf/954f0ce6ad9dd8b980256b5f003fa814/1482d1a9849fcf8180257f48004fa482?OpenDocument.
[28] Disponível para consulta in http://www.dgsi.pt/jstj.nsf/954f0ce6ad9dd8b980256b5f003fa814/235ff0a5995079ac80257f4100513651?OpenDocument.
[29] Disponível para consulta in http://www.dgsi.pt/jstj.nsf/954f0ce6ad9dd8b980256b5f003fa814/e701af6a645baa5980257e5a005b2b63?OpenDocument.
[30] Cf. Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 28 de junho de 2018 (Maria João Matos), proc. n.º        
2476/16.5T8BRG.G1 - disponível para consulta in http://www.dgsi.pt/jtrg.nsf/86c25a698e4e7cb7802579ec004d3832/a6f300eed3818915802582d4004ba4c4?OpenDocument.