Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
875/05.7TBILH.C1.S1
Nº Convencional: 6.ª SECÇÃO
Relator: NUNO CAMEIRA
Descritores: ACIDENTE DE VIAÇÃO
MORTE
DANO MORTE
DIREITO À INDEMNIZAÇÃO
DANOS NÃO PATRIMONIAIS
DANOS PATRIMONIAIS
DANOS FUTUROS
ALIMENTOS
DEVER DE ASSISTENCIA
CÔNJUGE SOBREVIVO
CÁLCULO DA INDEMNIZAÇÃO
EQUIDADE
PRIVAÇÃO DO USO DE VEICULO
Data do Acordão: 01/31/2012
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: CONCEDIDA EM PARTE
Sumário : I - No que respeita ao dano morte, que representa o bem mais valioso da pessoa e simultaneamente o direito de que todos os outros dependem, a compensação atribuída pelo STJ tem oscilado, nos últimos anos, entre € 50 000 e € 80 000, com ligeiras e raras oscilações para menos ou para mais.

II - Considerando a juventude da vítima, com 27 anos de idade à data do acidente, e o futuro radioso que tinha à sua frente, e atendendo a que não há, no caso, que ponderar a situação económica do lesante, visto que não é o seu património, mas sim o da seguradora, que suportará o pagamento da indemnização, entende-se que é de elevar para € 75 000 a compensação de € 60 000, fixada pela 1.ª instância e mantida pela Relação, pelo dano da morte.

III - No que respeita às indemnizações por danos morais próprios arbitradas ao viúvo da mencionada vítima e ao pai de uma segunda vítima falecida, com 20 anos, na sequência do mesmo acidente de viação, que o acórdão recorrido fixou em € 25 000 para cada um, considerando que são muito graves os danos morais, quer de um, quer de outro, e que as indemnizações atribuídas a este título pela Relação já se encontram no patamar mais elevado das que no STJ têm sido arbitradas em situações paralelas, não serão as mesmas aumentadas, como pretendido pelos recorrentes.

IV - O direito de indemnização excepcionalmente reconhecido no art. 495.º, n.º 3, do CC, não tem por objecto a prestação de alimentos assente num vínculo de natureza familiar entre a vítima e o credor da indemnização; daí que o prejuízo a indemnizar seja somente o da perda de alimentos decorrente da falta da vítima, não podendo o lesante ser condenado em prestação superior (quer no valor, quer na duração) à que o lesado suportaria se fosse vivo.

V - Os cônjuges estão reciprocamente obrigados ao dever de assistência – art. 1672.º do CC –, o qual compreende a obrigação de prestação de alimentos e a de contribuição para os encargos da vida familiar; no entanto, a primeira destas obrigações só tem autonomia em face da segunda quando os cônjuges vivem separados, de direito ou mesmo só de facto; se vivem juntos, o dever de prestação de alimentos toma a forma de dever de contribuição para os encargos da vida familiar.
VI - Consequentemente, o cálculo desta indemnização, no caso de morte de um dos cônjuges, não pode obedecer “cegamente” aos parâmetros que em geral são seguidos na respectiva determinação quando está em causa uma incapacidade parcial permanente para o trabalho, até porque os alimentos prestados a terceiro não participam do mesmo grau de previsibilidade que o ganho potencial da própria vítima.

VII - Considerando a situação do recorrente que, à data do acidente, era casado com a primeira vítima e se encontrava desempregado, deve partir-se do princípio que esse desemprego não iria perdurar até à idade da reforma de sua falecida mulher, pois isso significaria, em termos práticos, que viveria mais de quarenta anos exclusivamente a expensas dela, hipótese que, por ser irrazoável, não é de conjecturar; deve considerar-se que pelo menos 2/3, senão mais, do vencimento anual da vítima (€ 24 373,10) se destinavam aos encargos normais da sua vida familiar; e deve ainda reputar-se como um facto normal, natural, e nesse sentido previsível, que o recorrente, dada a sua juventude, refaça e reconstrua a sua vida num futuro mais ou menos próximo, voltando a casar e assim constituindo uma nova família. Tudo ponderado, e sem perder de vista que a contribuição da vítima para os encargos familiares tenderia a aumentar se o casal, como era seu desejo, viesse a ter filhos a breve trecho, além de que a indemnização arbitrada será paga de uma só vez (o que representa uma vantagem patrimonial muito relevante), considera-se que o montante de € 80 000 fixado pela Relação é justo e equitativo, não merecendo qualquer censura.

VIII - Relativamente à indemnização a este mesmo título fixada ao pai da segunda vítima, viúvo e vivendo desde a morte de sua mulher na companhia da filha – filha, aliás, única e que realizava após a morte da mãe todas as tarefas domésticas indispensáveis ao lar de ambos –, considerando que se viu obrigado a contratar uma empregada doméstica, o que importa um dispêndio de € 300 a € 400 mensais, que à data do acidente que provocou a morte da filha tinha 41 anos de idade, e desconhecendo-se outros aspectos da sua vida que seriam relevantes para melhor apurar o montante indemnizatório devido (por exemplo: que profissão tem, quanto ganha, e de que tempo e condições de saúde dispõe ele próprio para cuidar dos trabalhos domésticos), afigura-se que, num juízo equitativo mais aderente à realidade factual apurada, deverá a indemnização de € 7500 arbitrada pela Relação ser elevada para € 20 000, tendo em atenção que a vítima, se viva fosse, estaria muito provavelmente nesta altura a viver na sua própria casa, independente, e não com o seu pai, tanto mais que à data do acidente já ambos procediam ao restauro dum imóvel encostado à casa dele, imóvel esse que seria a futura habitação da filha.

IX - Tendo-se provado que a viatura se incendiou em consequência do acidente e ficou totalmente inutilizada, sem qualquer valor, comercial ou outro, não se justificando, por isso, o seu depósito pago numa garagem, e considerando que a sentença arbitrou já uma indemnização pela perda total da viatura, tomando por base o seu valor na ocasião do acidente, decisão esta que não foi objecto de recurso, não tem o recorrente, viúvo da primeira vítima, direito a uma indemnização pela privação do uso do veículo acidentado.
Decisão Texto Integral:

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:

I. Síntese dos termos essenciais da causa e do recurso

AA, viúvo, BB e sua mulher CC, e DD, viúvo, propuseram uma acção forma ordinária contra EE - COMPANHIA DE SEGUROS, SA, FF e sua mulher GG, e HH, pedindo a condenação dos réus no pagamento da quantia global de € 1.402,017,90, acrescida de juros de mora às taxas legais sucessivamente em vigor até efectivo e integral pagamento.

Alegaram, em resumo, que nas circunstâncias de tempo e de lugar referidas na petição inicial, II, mulher do 1º autor e filha dos 2ºs e 3ºs autores, e JJ, filha do 4º autor, faleceram em consequência de um acidente de viação verificado por culpa exclusiva do condutor do veículo -OM, seguro na ré EE, que, sendo filho dos 2ºs réus,  FF e GG, o fazia no interesse e por conta da 3ª ré, HH, sua proprietária.

A ré EE contestou, impugnando por desconhecimento a forma como o acidente se deu, bem como os danos, que reputou exagerados, além de esclarecer que à data do sinistro a propriedade do veículo OM pertencia à firma KK, SA, conforme apólice de seguro que juntou ao processo.

A ré HH também contestou. Invocou a sua própria ilegitimidade por não ser a dona do OM à data dos factos, mas sim a sociedade KK, SA; impugnou por desconhecimento a versão do acidente apresentada na petição inicial, os danos e as indemnizações pedidas; e alegou ainda que o condutor do OM o fazia sem a sua autorização ou conhecimento, pedindo, em conformidade, a sua absolvição da instância ou  do pedido.

Os 2ºs réus, FF e sua mulher, não contestaram.

Os autores replicaram, reafirmando a legitimidade de todos os réus e requerendo a intervenção principal de KK - ... PORTUGAL, SA, que foi admitida.

A chamada KK, contestando, invocou a sua própria ilegitimidade por na altura do acidente não ser a proprietária do OM, mas mera entidade financiadora da sua aquisição por terceiro, aderindo, no mais, às restantes contestações; e concluiu pela sua absolvição da instância ou do pedido pelo facto de o veículo OM nunca ter sido conduzido sob as suas ordens e no seu interesse.

No despacho saneador decidiu-se julgar a ré HH parte legítima, mas procedente a excepção de ilegitimidade suscitada pela chamada KK, SA, que por isso foi absolvida da instância.

Realizado o julgamento e estabelecidos os factos foi proferida sentença que, julgando a acção parcialmente procedente, condenou a ré EE a pagar aos autores a quantia global de € 512.282,30, acrescida de juros de mora à taxa legal de 4% desde a citação até integral pagamento.

Todos os autores e a ré EE apelaram.

Por acórdão de 22/3/11 a Relação de Coimbra deu provimento parcial às apelações e, julgando a acção parcialmente procedente, condenou a ré a pagar aos autores a quantia global de € 324.782,30, distribuída da seguinte forma:

- Para os autores AA, BB e CC, como herdeiros de II, € 7.895,89 pelos danos patrimoniais causados no património desta;

- Para o autor AA, € 63.000,00 pelos danos não patrimoniais e perda do direito à vida sofridos pela vítima II, ex vi do nº 2 do art.º 496 do CC; € 25.000,00 pelos danos não patrimoniais iure próprio; € 80.000,00 resultantes da perda de alimentos, ex vi dos nºs 1 e 3 do art.º 495 do CC; e € 500 pelos danos patrimoniais próprios;

- Para os autores BB e CC, € 25.000 para cada um, a título de danos não patrimoniais iure próprio, e € 100,00 de danos patrimoniais próprios;

- Para o autor DD, € 63.000,00 pelos danos não patrimoniais e perda do direito à vida de JJ, ex vi do art.º 496, nº 2 do CC; € 25.000 de danos não patrimoniais iure próprio; € 2.786,41 de danos patrimoniais emergentes e, ex vi do art.º 495, nºs 1 e 3, € 7.500,00 pela perda de alimentos que aquela sua filha deixou de lhe prestar.

- Relativamente aos juros de mora, a Relação decidiu o seguinte (que se transcreve):

“Uma vez que, naturalmente, se verifica agora a actualização dos montantes atinentes aos danos não patrimoniais, e, bem assim, das quantias arbitradas a título de perda de alimentos futuros, vai ainda a Ré condenada a pagar aos AA. juros de mora, à taxa anual de 4%, desde esta decisão, sobre cada um dos montantes acima referidos com essa natureza, e desde a citação sobre as restantes importâncias (ou seja, sobre todas as que respeitam a danos patrimoniais que não são designados de perda de alimentos futuros)”.

De novo inconformados, os autores AA e DD interpuseram recurso de revista para este Supremo Tribunal de Justiça.

Apresentaram extensas alegações e não menos alongadas conclusões (tudo ocupando, no total, 126 páginas), onde sustentam, no essencial e em resumo, o seguinte:

1º- Pela violação do direito à vida de II deve ser atribuída uma compensação de 120.000,00 € (e nunca inferior aos 80.000,00 € fixados no acórdão recorrido);

2º- Pela violação do direito à vida de JJ deve ser atribuída uma compensação de 110.000,00 € (e nunca inferior aos 80.000,00 € fixados no acórdão recorrido);

3º- Os danos morais do autor AA devem ser compensados, pelo menos, em 50.000,00 € (e nunca em valor inferior aos 35.000,00 € indicados na petição inicial);

4º- Os danos morais do autor DD devem ser compensados, pelo menos, em 50.000,00 € (e nunca em valor inferior aos 35.000,00 € indicados na petição inicial);

5º- Os danos futuros do autor AA devem ser fixados em 600.00,00 € (e nunca num valor inferior a 450.000,00 €, por ser este, aproximadamente, o valor médio das compensações definidas na jurisprudência citada no corpo das alegações);

6º- Os danos futuros do autor DD devem ser fixados em 380.000,00 (e nunca num valor inferior a 190.400,00 € por ser este, aproximadamente, o valor médio das compensações definidas na jurisprudência citada no corpo das alegações);

7º- Os danos patrimoniais da vítima II devem ser fixados, equitativamente, num mínimo de 8.376,00 €, devendo a ré, no limite, ser condenada numa indemnização que tenha por referência o valor de 2,75 €, contado desde a data do acidente até à data do valor a entregar;

8º- À condenação da ré nas diversas quantias peticionadas deve acrescer a condenação em juros de mora desde a data da citação até ao efectivo pagamento.

A recorrida contra alegou, defendendo a manutenção do julgado.

II. Fundamentação

a) Matéria de Facto:

1 - No dia ... faleceu II, que tinha então ... anos de idade, pois nascera em....

2 - No mesmo dia faleceu também JJ, então com ... anos de idade, pois nascera em ....

3 - Também na sequência do acidente ocorrido nesse mesmo dia faleceu LL.

4 - O A. AA é o viúvo da falecida II.

5 - Os AA. BB e esposa CC são, respectivamente pai e mãe da falecida II.

6 - Os três são, também, os seus únicos herdeiros.

7 - O A. DD é o pai da falecida JJ e, também, o seu único herdeiro.

8 - A responsabilidade civil inerente à circulação do veículo ligeiro de passageiros de matrícula -ER, propriedade da II, encontrava-se transferida para a seguradora EE - Companhia de Seguros SA, por efeito da celebração do contrato de seguro, em vigor à data do acidente, com a apólice nº ....

9 - A responsabilidade, pelo menos pelos danos causados a terceiros, na decorrência da circulação rodoviária do veículo -OM, encontrava-se transferida para a ora Ré EE através de contrato de seguro válido e em vigor que tomou a apólice nº ...

10 - À data do sinistro e desde 18/9/00, que a Ré HH figurava registralmente como proprietária do -OM, embora existisse encargo de reserva, desde a mesma data, a favor de MM & Cª, Lda.

11 - No mesmo acidente o veículo ligeiro de passageiros, Opel Corsa, era conduzido por LL.

12 - Cujos pais, FF e GG, são seus herdeiros.

13 - No dia 18/7/02, pelas 9 horas, ocorreu na EN nº 109-7, na ponte da Barra, concelho de Ílhavo, um acidente de viação envolvendo três viaturas ligeiras de passageiros.

14 - O veículo também envolvido no acidente de matrícula -OM, marca Opel, modelo Corsa, adiante designado por OM, era conduzido pelo dito LL.

15 - A estrada onde ocorreu o acidente era e é uma extensa recta, com mais de 1 km, cuja faixa de rodagem tinha e tem 13, 10 metros de largura.

16 - A referida faixa de rodagem possui duas hemi-faixas de rodagem que, por sua vez, tinham e têm duas vias de trânsito, perfazendo desse modo quatro vias de trânsito, sendo duas em cada sentido.

17 - Cada hemi-faixa tinha e tem a largura aproximada de 6,55 metros, pelo que cada via de trânsito tinha e tem cerca de 3,28 metros.

18 - O piso era e é de asfalto betuminoso, encontrava-se seco, liso, e sem quaisquer irregularidades.

19 - A estrada tinha e tem boa visibilidade em mais de 1 Km.

20 - Estava sol e o céu encontrava-se limpo.

21 - A velocidade máxima legalmente permitida e devidamente assinalada naquele local era e é de 50 Km/hora.

22 - Correu os respectivos trâmites no Tribunal da Comarca de Ílhavo, o inquérito nº 133/02.9TBAILH, que foi arquivado ao abrigo do art.º 277, nº 2, do CPP.

23 - Encontrando-se a responsabilidade por danos causados a terceiros pelo veículo OM transferida para a seguradora EE, esta já assumiu a existência de elementos que permitem concluir por uma plena e convicta aceitação da responsabilidade.

24 - Tendo procedido ao pagamento dos danos causados no mesmo acidente ao veículo EC.

25 - O veículo ER, Opel Corsa, ficou em estado insusceptível de reparação e totalmente inutilizado, conforme documenta o valor dos salvados que é de € 0,00.

26 - O veículo encontrava-se em excelentes condições mecânicas e de carroçaria, sendo um veículo comercialmente valorizado por ser citadino, tendo nessa data valor não inferior a € 3.000,00.

27 - A viatura OM ficou completamente destruída.

28 - A viatura EC ficou com a zona frontal completamente destruída.

29 - A vítima II havia contraído casamento com o A. AA em 07/04/2002.

30 - Numa das viaturas envolvidas no acidente - o-ER - seguia como condutora a II.

31 - Acompanhada pela ocupante sua prima JJ.

32 - Ambas vítimas mortais do acidente.

33 - Outra das viaturas - a -EC, marca BMW, adiante designada por EC - era conduzida por NN.

34 - Única de entre os condutores envolvidos no acidente a sobreviver.

35 - Na sequência do acidente o local em que ficou imobilizado o ER deteriorou-se com o incêndio.

36 - O asfalto no local do acidente permaneceu vários anos com sinais do incêndio ocorrido na viatura ER.

37 - A viatura OM, conduzida pelo LL, circulava na EN nº 109-7, na ponte da Barra, vinda do IP 5, no sentido Aveiro-Barra.

38 - Os veículos ER e EC circulavam na mesma faixa de rodagem.

39 - Circulando em sentido, Barra-Aveiro, àquele em que circulava o OM.

40 - Seguindo o EC na retaguarda do ER.

41 - Ambos ocupavam a via de trânsito da esquerda, atento o seu sentido de marcha Barra-Aveiro.

42 - Encontravam-se a efectuar uma ultrapassagem a outros veículos que circulavam na faixa da direita, da mesma faixa.

43 - À frente dos veículos ER e EC e na mesma hemi-faixa e no mesmo sentido, seguia um outro conduzido por OO.

44 - Inopinadamente então o veículo dirigido pelo condutor do OM transpôs as duas linhas longitudinais contínuas adjacentes de cor branca.

45 - Que dividem os sentidos daquela faixa de rodagem, ou seja que separam as duas hemi-faixas.

46 - E foi ocupar a via de trânsito da esquerda, da hemi-faixa de sentido Barra-Aveiro.

47 - Via essa (esquerda da hemi-faixa do sentido Barra-Aveiro) onde seguia o veículo conduzido por OO, e, à sua retaguarda, os veículos ER e EC.

48 - Ao aperceber-se que um veículo - OM - circulava em sentido oposto, na mesma via de trânsito (ou seja, na referida via de trânsito da esquerda, no sentido Barra-Aveiro) e que, dessa forma, este lhe iria embater, a OO guinou então bruscamente para a direita.

49 - Conseguindo ainda evitar a colisão frontal com o OM.

50 - Via essa onde instantes depois se veio a dar a violenta colisão provocada pelo embate (do OM com o ER).              

51 - Atenta subitaneidade e proximidade com que se lhe deparou o OM. A condutora do ER não conseguiu evitar o embate.

52 - O veículo OM embateu frontalmente no ER.

53 - Sendo este - o ER - embatido acto contínuo pelo EC.

54 - O EC embateu em parte não apurada do ER.

55 - Tendo a condutora do EC e a ocupante sofrido ferimentos ligeiros.

56 - Tudo aconteceu muito rapidamente.

57 - E só mais tarde souberam que a colisão tinha envolvido um terceiro veículo que foi o causador do acidente.

58 - Em consequência da colisão provocada pelo OM, que originou também o embate do EC, a viatura ER incendiou-se ardeu totalmente.

59 - De que resultou a carbonização dentro da viatura das duas ocupantes - a II e a JJ.

60 - A viatura OM ficou completamente destruída.

61 - A viatura EC ficou com a zona frontal completamente destruída.

62 - O veículo OR ficou imobilizado, obliquado, na sua hemi-faixa, via da esquerda na qual seguia.

63 - Ficou com a sua parte frontal perto do eixo da via.

64 - Depois de ter sido embatido nessa via, pelo OM.

65 - Foi também nessa via embatido pelo EC.

66 - O acidente deu-se na via de trânsito da esquerda, adstrita à circulação no sentido de marcha Barra-Aveiro.

67 - Na via de trânsito da esquerda, no sentido de marcha Barra-Aveiro, ficaram destroços dos veículos, entre os quais água, óleo, combustível.

68 - O veículo OM, após o embate, ficou atravessado na hemi-faixa de rodagem, no sentido Barra-Aveiro, ocupando parcialmente as duas vias de trânsito.

69 - As viaturas OM e OR ficaram imobilizadas a uma distância uma da outra de 18,70 m.

70 - A viatura de matrícula OM ficou imobilizada com a sua traseira a uma distância de 1,1 m.

71 - O veículo OM circulava a uma velocidade não concretamente apurada, não inferior a 50 Km/hora.

72 - O EC, na sequência do embate, virou para a esquerda.

73 - Indo imobilizar-se na hemi-faixa de rodagem contrária ao seu sentido de marcha, junto ao passeio ali existente, depois de nele ter embatido.

74 - As traseiras do EC e do ER ficaram distanciadas a 3,30 metros uma da outra, após a imobilização.

75 - Para a identificação dos cadáveres da condutora II e da ocupante a sua prima JJ, teve que se proceder ao estudo através de marcadores genéticos.

76 - A condutora do EC foi submetida a teste de despistagem de álcool sendo resultado negativo.

77 - A análise laboratorial para efeitos igualmente de despistagem de álcool, efectuada no sangue de LL, foi igualmente negativa.

78 - Em consequência directa e necessária da colisão provocada pelo OM, que fez com que o EC também colidisse com o ER e provocasse subsequentemente o incêndio deste, vieram a falecer as pessoas já identificadas.

79 - Em consequência das lesões corporais descritas nos relatórios de autópsia.

80 - Provocada pelo acidente.

81 - O condutor do OM sofreu lesões traumáticas - melhor descritas no relatório de autópsia constante do processo de inquérito.

82 - Sendo as mesmas causa necessária e adequada da morte.

83 - Em consequência directa e necessária do acidente, a vítima II ficou carbonizada no interior do veículo, e sofreu as lesões corporais melhor descritas no mencionado relatório de autópsia.

84 - Após a colisão do OM na viatura ER, esta de imediato se incendiou, tendo as suas duas ocupantes permanecido vivas durante alguns instantes, envoltas em fumo e chamas.

85 - A II transportava consigo, inclusivamente, os registos dos seus mais recentes momentos de alegria - os álbuns de fotografia do seu casamento, celebrado há cerca de três meses, e da subsequente lua de mel - devastados pelas chamas.

86 - Não fumava nem ingeria habitualmente bebidas alcoólicas.

87 - Gozava de perfeita saúde.

88 - Era pessoa trabalhadora com uma licenciatura em Gestão e Planeamento de Turismo, obtida na Universidade de Aveiro, tendo sido uma das melhores alunas do seu ano.

89 - Trabalhava na Escola Superior de Educação de Coimbra, com a categoria profissional equiparada a assistente do 1º Triénio.

90 - Já depois do seu decesso, a Escola Superior de Educação de Coimbra, onde a II leccionava, dói notificada da lista provisória de seriação de candidatos ao concurso público documental para admissão de um assistente para a área científica de Ciências Sociais -Turismo, para aquela Escola, lista em que a II ficou em primeiro lugar.

91 - Era titular de um vastíssimo curriculum vitae, redigido poucos dias antes da malfadada data do acidente, que atesta, sem sombra de dúvida, as suas imensas capacidades profissionais.

92 - Do qual se destacavam, nomeadamente, as suas participações como oradora convidada em conferências em Portugal e no estrangeiro, bem como o facto de se encontrar neste momento a terminar a sua tese de Mestrado, subordinada ao tema A qualidade como factor de competitividade das Organizações de Turismo, que iria entregar até 30 de Setembro de 2002.

93 - Tinha já projectado não só com o seu marido e restante família mas também com o seu orientador de mestrado, o prosseguimento dos seus estudos com vista a obter o Doutoramento, muito provavelmente em Inglaterra.

94 - Sustentava grandes e fundadas expectativas de subida rápida naquela instituição, dada a sua enorme capacidade intelectual e profissional.

95 - Era uma pessoa respeitadora e respeitada por todos, muito amada pelo seu marido, pais e demais familiares, constituindo uma família feliz.

96 - Possuía um consistente núcleo de amigos no qual era muito acarinhada, sendo motivo de orgulho e admiração para todos eles.

97 - A II e o A. AA namoraram durante 8 anos.

98 - Projectavam para breve o nascimento de um filho.

99 - E a aquisição de casa própria.

100 - Era uma pessoa alegre, bem disposta, humana, caridosa, extremosa esposa, era feliz e proporcionava felicidade às pessoas que a rodeavam.

101 - O desgosto do marido e pais ora Autores foi enorme, sobretudo nas circunstâncias em que ocorreu, designadamente, o seu súbito desaparecimento, o que lhes causou fortíssima dor moral.

102 - O A. marido e a II constituíam um casal muito feliz e afectuoso, sendo aquela um ombro aconchegante para o marido, sendo a II uma pessoa bem disposta e bondosa, o que fazia aumentar o amor que o A. seu marido, por ela sentia.

103 - Constituindo não só socialmente como no aconchego do lar um casal feliz.

104 - O A. AA viu-se privado do amor, amparo, carinho, e boa disposição da vítima e da companhia da mesma para partilhar os dias menos bons, tal como os de felicidade, sucessos e progressos na vida profissional de cada um e na vida conjugal de ambos.

105 - Desta forma o marido sofreu e continua a sofrer enorme desgosto e fortíssima dor moral com o seu súbito desaparecimento.

106 - Nunca mais foi o mesmo encontrando-se psicologicamente debilitado.

107 - Não se conforma com a perda irreparável e, diária e continuamente, recorda com indelével tristeza e saudade o amor e dedicação que tinha pela esposa e esta por ele.

108 - Viu-se até privado das fotos e negativos da sua recente lua de mel - calcinadas no veículo - sendo que apenas conseguiu recuperar os retratos de casamento porque o fotógrafo tinha os negativos.

109 - A aliança da II não foi recuperada e esta foi sepultada com o vestido que usou no dia do casamento.

110 - Logo que o A. AA teve conhecimento do acidente dirigiu-se à ponte da Barra, de onde seguiu com o irmão mais novo da II para o Hospital Infante D. Pedro Aveiro, no qual lhe foi comunicada a morte da II.

111 - Teve que proceder nesse Hospital ao reconhecimento do corpo carbonizado desta, o que lhe causou enorme perturbação, imagem essa que, ainda hoje, involuntariamente e com frequência, acaba por relembrar.

112 - No momento do reconhecimento do corpo, o A, AA apercebeu-se que faltavam partes do corpo da sua esposa e objectos pessoais, que foram recolhidos do carro por familiares, sendo os mesmos, posteriormente sepultados na respectiva campa.

113 - De todos estes acontecimentos resultaram imagens e odores que dolorosamente permanecerão vivas na sua memória, deixando sequelas profundas e insanáveis.

114 - Os Autores pais, BB e CC ainda estavam muito afeiçoados à filha, não só porque ela era extremosa e carinhosa com eles. O que também era correspondido por aqueles, como também porque tinha sido aquele o seu lar até à data do casamento.

115 - Mantinham estreitos contactos com a filha, que os visitava amiúde, mormente ao fim de de semana, pois que esta queria muito a seus pais, sendo ela muito amiga deles, tendo os autores fundadas expectativas de, por muito tempo, compartilharem com ela a alegria dos seus êxitos familiares e profissionais, e os futuros netos.

116 - Os Autores BB e CC continuam a sofrer enorme desgosto pela perda irreparável, não se conformando com a mesma.

117 - Continuamente recordam o amor e dedicação que tinham pela filha e esta por eles, nunca mais sendo os mesmos, tendo perdido em grande parte a motivação de viver.

118 - Passaram a sofrer de grande angústia e indelével tristeza e saudade.

119 - Levando inclusivamente a que o seu pai BB tivesse de revogar o seu contrato de trabalho por forma a tentar ajudar com as parcas forças que lhe sobravam a sua esposa e mãe da II, pois foi esta que mais revelou consequências do estado depressivo comum a todos os familiares próximos.

120 - Por ano, a II auferia da Esc. Sup. de Educação de de Coimbra um total de € 24.373,10.

121 - Dadas as capacidades intelectuais, académicas, profissionais e pessoais, tinha uma carreira brilhante na referida Escola e também fora dela.

122 - À data do acidente, o marido ora A. não recebia qualquer retribuição em virtude de se encontrar desempregado desde 31 de Dezembro de 2001, por reestruturação da empresa a que se encontrava contratualmente ligado.

123 - O A. perdeu a confiança, sociabilidade, boa disposição e aquelas características importantes no perfil de um delegado da informação médica.

124 - À data do acidente valia-lhe a imensa confiança que depositava na sua esposa e na vida conjugal que iniciavam, garantida pela segurança do vencimento desta.

125 - Assim, o salário da II era, no seu todo, o suporte económico do agregado familiar, atendendo - até essa data - à ausência do marido.

126 - Quer por tal facto, quer porque era uma pessoa regrada, sem vícios e com elevado sentido de família, a vítima praticamente nada gastava com ela.

127 - Gastava consigo quantia não concretamente apurada.

128 - O seu agregado familiar era composto por si e pelo A. AA.

129 - A II e o A. AA viviam na Costa Nova, numa casa de familiares, cujas despesas com água, luz e gás, entre outras eram suportadas, em parte, pela vítima.

130 - A II teria pela frente uma carreira que se afigurava promissora na Escola Superior de Educação ou em qualquer outra.

131 - Em consequência do incêndio do ER ficaram também desfeitos diversos objectos da vítima, entre os quais vestuário, calçado, anéis e brincos, em valor não concretamente apurado.

132 - Com o súbito e inesperado decesso, o A. viúvo teve que suportar as despesas com a urna, transporte do serviço fúnebre e serviços da agência funerária, que ascenderam a a € 2.195,89.

133 - Suportou as despesas com o coveiro, em quantia não concretamente apurada.

134 - Suportou as despesas com a Irmandade em quantia não concretamente apurada.

135 - com coroas e flores gastou quantia não concretamente apurada.

136 - Na sequência do choque emocional sofrido pela notícia do acidente com a consequente morte da esposa o AA teve apoio psiquiátrico, tendo que tomar fármacos até à pouco tempo, gastando, em consultas e medicamentos, quantia concretamente não apurada.

137 - A estas despesas acrescem as inerentes à aquisição de duplicados das fotografias de casamento, despendendo o A., a este título, cerca de € 1.500,00.

138 - O veículo foi transportado pelo Reboque M....

139 - Encontrando-se ainda hoje depositado no espaço da oficina Auto - L... - Reparação de Automóveis, Lda, sita na R... nº ..., ..., S. ..., Anadia.

140 - Face à morte da filha, II, os AA. seus pais viram-se na obrigaçõ de adquirir um espaço digno para sepultar os seus restos mortais, o que, acrescido das quantias inerentes à compra de pedras e lápides usuais de uma sepultura, ascendeu a quantia não concretamente apurada.

141 - Na sequência da realização das cerimónias fúnebres, os AA, BB e CC despenderam na compra de coroas e flores quantia concretamente não apurada.

142 - Como consequência directa do desgosto sofrido, a mãe da vítima entrou em depressão, gastando quantia não concretamente apurada em medicamentos.

143 - O pai da vítima II sofreu um forte abalo com a morte da filha.

144 - O Autor BB auferia a partir de Dezembro de 2003 o subsídio de desemprego no montante de € 708,90.

145 - Em consequência directa e necessária do acidente a vítima JJ ficou carbonizada no interior do veículo e sofreu as lesões corporais melhor descritas no mencionado relatório de autópsia, as quais foram causa adequada da sua morte.

146 - Gozava de boa saúde.

147 - Não fumava nem ingeria habitualmente bebidas alcoólicas.

148 - Era uma pessoa respeitável e respeitada por todos muito amada pelo seu pai e demais familiares e amigos, constituindo com o seu empenho uma família feliz.

149 - Com as devidas reservas inerentes à trágica morte da sua mãe, era uma pessoa alegre, bem disposta, humana e caridosa.

150 - Era estudante e pessoa trabalhadora.

151 - Estava nos primórdios da sua vida académica, social e profissional, pois que havia entrado para o Ensino Superior cerca de dois anos antes.

152 - Frequentava o 2º Ano da licenciatura em Ciências do Ambiente, na Universidade Moderna do Porto e, para ajudar ao seu próprio sustento, bem como o do seu pai, trabalhava, já a tempo parcial, na ... Portugal - ...l, Lda.

153 - Tinha grande admiração pela sua prima II.

154 - A sua mãe havia falecido anos antes.

155 - O desgosto do pai, ora A., foi enorme.

156 - De um momento para o outro e de uma forma inesperada viu-se privado do amor, amparo, carinho e boa disposição da vítima e da companhia da mesma para com esta partilhar a sua vida.

157 - Por outro lado, o A. pai, DD, afeiçoado à filha.

158 - Não só porque ela era extremosa e carinhosa com ele, o que era correspondido por aquele.

159 - Como também porque aquela era a sua única filha e único elemento nuclear da sua família, em consequência da morte da sua esposa.

160 - Pai e filha viviam os dois sozinhos.

161 - Mantendo uma relação muito próxima de completa cumplicidade, partilhando um com o outro as felicidades e tristezas da vida pessoal e profissional de ambos.

162 - A filha aproveitava todos os momentos livres que possuía para dar assistência ao pai, atendendo à situação debilitada em que ficara com a morte da esposa.

163 - Mesmo durante os momentos em que se encontrava fora de casa, ou seja, nos períodos de trabalho e frequência de aulas, mantinha contacto constante com o pai.

164 - Ambos pretendiam evitar que um e outro se mantivessem sozinhos.

165 - O A. DD, vivendo sozinho, sente todos os dias e em todos os momentos da sua vida, a falta que a sua filha lhe faz.

166 - Aquele continua a sofrer enorme desgosto pela perda irreparável, não se conformando com a mesma.

167 - Diária e continuamente recorda o amor e dedicação que tinha pela filha e esta por ele, nunca mais sendo o mesmo, perdendo a motivação de viver.

168 - A felicidade e alegria desvaneceram-se do lar, passando a forte angústia e indelével tristeza e saudade.

169 - O Autor DD teve que proceder ao reconhecimento do corpo carbonizado da filha no Hospital Infante D. Pedro em Aveiro, sendo essa uma das imagens que ainda hoje involuntariamente e com frequência acaba por relembrar.

170 - As partes do corpo que foram posteriormente encontradas na viatura carbonizada foram sepultadas com o corpo da JJ.

171 - Um licenciado em Ciências do Ambiente aufere em início de carreira quantia concretamente não apurada.

172 - A JJ auferia no trabalho parcial que desenvolvia na ...Portugal -...l, Lda, a quantia mensal líquida de cerca de € 300,00.

173 - A falecida JJ gastava consigo quantia concretamente não apurada.

174 - Com o que auferia a JJ auxiliava o pai no pagamento dos seus estudos e nas despesas do agregado familiar, composto por si e pelo pai.

175 - Em consequência do incêndio do ER, ficaram também desfeitos diversos objectos da vítima, entre os quais vestuário, calçado, acessórios, anéis e brincos, em valor concretamente não apurado.

176 - A morte da sua única filha implicou que DD, desconhecedor das lides domésticas, tivesse sentido grandes dificuldades de adaptação à nova realidade.

177 - Visto que era a sua filha JJ que procedia, desde amorte da mãe, à realização de todas as tarefas habituais e indispensáveis ao lar de ambos.

178 - Atendendo à forte ligação que unia pai e filha, não seria previsível outro panorama senão aquele em que a JJ, se sobrevivesse, acompanharia o seu pai até aos últimos dias de vida.

179 - Pai e filha procediam ao restauro de uma casa encostada à daquele, futura casa própria daquela.

180 - Face ao desaparecimento repentino do seu único elemento do núcleo familiar, DD adquiriu a pedra e lápide usuais de uma sepultura, o que ascendeu a quantia não concretamente apurada.

181 - O que importa um dispêndio de cerca de € 300,00/400,00 por mês.

182 - Face à morte da filha, JJ, o A. DD adquiriu parte a pedra e lápide usuais de uma sepultura, o que ascendeu a quantia concretamente não apurada.

183 - Com o súbito e inesperado decesso da JJ, o seu pai teve que suportar as despesas com a urna, transporte do serviço fúnebre e serviços da agência funerária, na quantia de € 2.086,41.

184 - Despendeu quantia não apurada com coveiro e Irmandade.

185 - Despendeu quantia concretamente não apurada em flores.

186 - O interveniente LL, cerca de 1 mês antes, tinha sido vítima de um outro acidente - também por si causado - no qual desfez o veículo que conduzia.

187 - À data do acidente a ocupante do veículo então conduzido pelo LL, sua namorada da altura, filha da proprietária do OM - a Ré HH - esta ainda internada no Hospital em virtude das lesões - entre outras, a amputação de um braço - sofridas no mesmo.

188 - No dia em que ocorreu o acidente, a Ré HH encontrava-se internada no Hospital de Aveiro, tendo-lhe sido amputado o braço direito.

189 - A Ré desconhecia que o LL conduzia, naquele dia, o OM.

190 - Pelo que o LL nunca lhe pediu para fazer uso do mencionado veículo, nem ela pediu que o usasse em seu próprio benefício.

191 - O JJ conduzia o veículo sem o conhecimento e autorização da Ré.

192 - Desconhecendo esta de onde é que ele vinha e para onde ia.

b) Matéria de Direito

Os recorrentes começam por imputar ao acórdão recorrido uma nulidade decorrente da prática extemporânea do acto processual de apresentação das alegações por parte da ré que, apesar disso, não foi sancionado com multa, por não ter sido cumprido pela secretaria o disposto no artº 145º, nº 6, do CPC. Mas é patente que a questão suscitada nada tem que ver com uma pretensa nulidade do acórdão, pois os casos (situações) que a determinam estão taxativamente enumerados no artº 668º e na parte final do artº 716º, nº 1. Trata-se de problema com mera relevância tributária, a resolver oportunamente, assim que o processo baixe à primeira instancia, conforme o disposto nos nºs 7 e 8 do citado artº 145º.

Como se vê do elenco das conclusões enunciadas, mostra-se transitada em julgado a decisão da 1ª instância no sentido de que o único e exclusivo culpado pelo acidente tratado neste processo foi o condutor do veículo seguro na ré (o ligeiro de passageiros de marca Opel Corsa e matrícula -OM), discutindo-se no presente recurso somente a indemnização devida aos vários lesados por danos materiais e morais.

1) Quanto ao dano da morte a Relação manteve a compensação de 60 mil € arbitrada na sentença relativamente à vítima II, única que na apelação foi questionada, já que a fixada no caso de JJ, também falecida em consequência do acidente, não foi incluída no objecto daquele recurso (cfr. fls 1027/1028). Isto quer dizer, por um lado, que deve atribuir-se a lapso do recorrente a referência que faz nas conclusões da minuta ao facto de o acórdão recorrido ter fixado compensações de 80 mil € para cada uma das vítimas e, por outro, que o decidido neste ponto quanto à vítima JJ já transitou em julgado, sendo agora imodificável.

Como já temos afirmado em anteriores ocasiões, sempre que estejam em causa danos de natureza não patrimonial, e uma vez que o único critério a que a lei manda atender é o da gravidade do dano - artº 496º, nº 1, do CC - há que tomar em atenção os padrões de valoração seguidos pelo STJ e, sempre que isso se não justifique por razões de carácter absolutamente excepcional, não nos afastarmos excessivamente dos valores que aqui vêm sendo atribuídos. Isto porque, como a lei também determina, o montante da indemnização deve ser fixado mediante recurso à equidade (nº 3 do mesmo preceito), o que, levando a ter que considerar as circunstâncias particulares de cada caso concreto, potencia o risco de decisões demasiadamente marcadas pelo subjectivismo dos magistrados; ora, isto não é positivo para a administração da justiça, desde logo porque os tribunais não podem nem devem contribuir de nenhuma forma para alimentar a ideia de que neste campo as coisas são mais ou menos aleatórias, vogando ao sabor do acaso ou do arbítrio judicial. Se a justiça, como cremos, tem implícita a ideia de proporção, de medida, de adequação, de relativa previsibilidade, é no âmbito do direito privado e, mais precisamente, na área da responsabilidade civil que a afirmação desses vectores se torna mais premente e necessária, já que eles conduzem em linha recta à efectiva concretização do princípio da igualdade consagrado no artº 13º da Constituição.

Ora, é sabido que o tempo da concessão de indemnizações miserabilistas, irrisórias, está definitivamente ultrapassado no nosso país, como se pode confirmar analisando sem ideias préconcebidas a evolução da jurisprudência do STJ nos últimos quinze anos. No que respeita ao dano morte, que representa o bem mais valioso da pessoa e simultaneamente o direito de que todos os outros dependem, a compensação atribuída tem oscilado nos últimos anos entre os 50 e os 80 mil €, com ligeiras e raras oscilações para menos ou para mais (cfr, a título de mero exemplo, os acórdãos do STJ de 10/1/08 (Revª 3716/07-6ª) e 24/6/08 (Revª 1185/08 - 6ª), ambos desta conferência de juízes, de 8/9/11 (Revª 2336/04.2TVLSB.L1.S1-2ª) e de 27/9/11 (Revª 425/04.2TBCTB.C1.S1-6ª). Atendendo ainda a que no caso presente não há que ponderar a situação económica do lesante visto que não é o seu património, mas sim o da seguradora, que suportará o pagamento da indemnização, e considerando, em especial, a juventude da vítima à data do acidente e o futuro radioso que tinha à sua frente (cfr. factos 1, 87, 88, 90, 91, 92 a 100 e 130), entende-se que é de elevar para 75 mil € a compensação pelo dano da morte da vítima II.

2) Mutatis mutandis, as precedentes considerações são válidas no que respeita às indemnizações por danos morais próprios arbitradas aos recorrentes AA (viúvo de II) e DD (pai de JJ), que o acórdão recorrido fixou em 25 mil € para cada um, mas que ambos querem ver aumentada para 50 mil €.

E assim, considerando que, sem qualquer dúvida, são muito graves os danos morais, quer de um, quer de outro - basta atentar, designadamente, no significado dos factos 101) a 107), 111) a 113) e 155) a 170) - e que as indemnizações atribuídas a este título pela Relação já se encontram no patamar mais elevado das que aqui têm sido arbitradas em situações paralelas, decide-se, nesta parte, não alterar o acórdão recorrido.

3) A título de danos futuros, a Relação fixou as indemnizações devidas aos recorrentes AA e DD em 80 mil e 7.500 €, reduzindo as que tinham sido atribuídas pela sentença (respectivamente, 250 mil e 50 mil €). Os recorrentes sustentam a sua elevação para 600 mil € no caso de AA e 380 mil € no caso de DD.

O direito à indemnização aqui em causa está previsto no artº 495º, nº 3, do CC, segundo o qual “têm igualmente direito a indemnização os que podiam exigir alimentos ao lesado ou aqueles a quem o lesado os prestava no cumprimento de uma obrigação natural”. Ora, conforme já tivemos ocasião de pôr em evidência no acórdão de 26/10/04 (Revª nº 2619.04 – 6ª), citando Antunes Varela (CC Anotado, V, 576), e Vaz Serra (Anotação ao acordão deste Tribunal de 16.4.74 – RLJ, ano 108º, 180 e segs), o direito de indemnização excepcionalmente reconhecido neste preceito não tem por objecto a prestação de alimentos assente num vínculo de natureza familiar entre a vítima e o credor da indemnização; daí que o prejuízo a indemnizar seja somente o da perda de alimentos decorrente da falta da vítima, não podendo o lesante ser condenado em prestação superior (quer no valor, quer na duração) à que o lesado suportaria se fosse vivo. Isto, por um lado. Por outro lado, e agora referimo-nos somente à situação do recorrente AA, que era casado com a falecida II à data do acidente, não pode perder-se de vista que os cônjuges estão reciprocamente obrigados ao dever de assistência - artº 1672º do CC - o qual compreende a obrigação de prestação de alimentos e a de contribuição para os encargos da vida familiar. No entanto, como bem observam Pereira Coelho e Guilherme de Oliveira (Curso de Direito de Família, Volume I, 4ª edição, pág. 355) “praticamente, a primeira destas obrigações só tem autonomia em face da segunda quando os cônjuges vivem separados, de direito ou mesmo só de facto. Se vivem juntos, “o dever de prestação de alimentos toma a forma de “dever de contribuição para os encargos da vida familiar”.  Consequentemente, o cálculo desta indemnização, no caso de morte de um dos cônjuges, não pode obedecer “cegamente” aos parâmetros que em geral são seguidos na respectiva determinação quando está em causa uma incapacidade parcial permanente para o trabalho, até porque, como acertadamente se diz no acórdão recorrido, os alimentos prestados a terceiro não participam do mesmo grau de previsibilidade que o ganho potencial da própria vítima. Assim, terá que atender-se, como manda o artigo 564º, nº 2, aos danos futuros, desde que sejam previsíveis, e, não podendo ser averiguado o seu valor exacto, julgar-se-á mediante o recurso à equidade, nos termos do artº 566º, nº 3. Ora, no caso presente deve partir-se do princípio que a situação de desempregado do recorrente não iria (irá) perdurar até à idade da reforma de sua falecida mulher, pois isso significaria, em termos práticos, que viveria mais de quarenta anos exclusivamente a expensas dela, hipótese que, por ser irrazoável, não é de conjecturar; deve considerar-se que pelo menos 2/3, senão mais, do vencimento anual da vítima (24.373,10 €) se destinavam aos encargos normais da sua vida familiar; e deve ainda reputar-se como um facto normal, natural, e nesse sentido previsível, que o recorrente, dada a sua juventude, refaça e reconstrua a sua vida num futuro mais ou menos próximo, voltando a casar e assim constituindo uma nova família. Tudo ponderado, e sem perder de vista que a contribuição da vítima para os encargos familiares tenderia a aumentar se o casal, como era seu desejo, viesse a ter filhos a breve trecho ( facto 98), além de que a indemnização arbitrada será paga de uma só vez (o que representa uma vantagem patrimonial muito relevante), considera-se que o montante a que a Relação chegou é justo e equitativo, não merecendo qualquer censura.

O mesmo não é de dizer relativamente à indemnização a este título fixada para o recorrente DD, pai da vítima JJ. Fazemos nossas, é certo, as seguintes considerações do acórdão recorrido:

“Em jogo está aqui apurar-se se face ao contexto de vida da falecida JJ é de conceder ao A.DD, seu pai, algum montante indemnizatório, em função da já aludida norma do artº 495º, nº 3, do CC (cessação de alimentos futuros). Ora, deflui efectivamente dos facos provados em 152 e 172 que a JJ , auferindo cerca de 300,00 € mês, ajudava ao seu próprio sustento, bem como o do seu pai. Sendo igualmente verdadeiro que também frequentava a universidade, acredita-se que o seu contributo alimentar para o pai fosse pouco mais do que simbólico, diante das despesas naturais para uma jovem na sua situação concreta. Ignorando-se, porque não alegados, a idade ou o estatuto económico do A. DD, julga-se prudente, num julgamento equitativo, baixar para apenas 7.500,00 € a parcela indemnizatória que compete àquele A. pela perda de alimentos futuros ocasionada pela morte daquela filha” (fls 1034/1035).

Todavia, entende-se que o montante achado pela Relação deve sofrer um aumento porque, sendo o autor viúvo e vivendo desde a morte de sua mulher na companhia da filha - filha, aliás, única e que realizava após a morte da mãe todas as tarefas domésticas indispensáveis ao lar de ambos - viu-se obrigado a contratar uma empregada doméstica, o que importa um dis­pêndio de 300 a 400 € mensais (factos 176 a 178 e 180). Está assim claramente demonstrado o nexo de causalidade entre a contratação da empregada e a morte da filha. Sabendo-se, porém, que o autor contava à data do acidente 41 anos de idade (era, portanto, um homem ainda novo) e desconhecendo-se outros aspectos da sua vida que seriam rele­vantes para melhor apurar o montante indemnizatório devido a este título (por exemplo: que profissão tem, quanto ganha, e de que tempo e condições de saúde dispõe para cuidar dos trabalhos domésticos, sabido que na sociedade actual tais tarefas deixaram de ser exclusivamente desempenhadas no seio da família pelas mulheres), afigura-se que, num juízo equitativo mais aderente à realidade factual apurada, deverá a indemnização arbitrada pela Relação ser elevada para 20 mil €, tendo em atenção que a vítima JJ, se viva fosse, muito provavelmente estaria nesta altura a viver na sua própria casa, independente, e não com o seu pai, tanto mais que à data do acidente já ambos procediam ao restauro dum imóvel  encostado  à casa dele, imóvel esse que seria a futura habitação da filha (facto 179). 

4) O autor AA insiste ainda na obtenção duma indemnização no valor de 8.376,00 € ou, no mínimo, de 2,75 € diários desde a data do acidente até à do valor a entregar, com o fundamento de que a recorrida não colocou à sua disposição, enquanto cabeça de casal, um veículo de substituição, ou a quantia necessária à reparação da viatura sinistrada. Na sua tese, a mera privação do uso do veículo acidentado, mesmo sem a demonstração da sua repercussão negativa no acervo patrimonial do lesado, é susceptível de fundar a obrigação de indemnizar ainda que, em concreto, não se tenha provado que dela resultou o específico prejuízo patrimonial invocado.

Mas esta pretensão, salvo o devido respeito, não faz qualquer sentido e é de rejeitar liminarmente. Em primeiro lugar porque a viatura incendiou-se em consequência do acidente e ficou totalmente inutilizada, sem qualquer valor, comercial ou outro (factos 24, 84 e 139), não se justificando, por isso, o seu depósito pago numa garagem que não se provou sequer acarretar qualquer custo para o recorrente. E em segundo lugar porque a sentença arbitrou já uma indemnização pela perda total da viatura tomando por base o seu valor na ocasião do acidente, que considerou não ser inferior a 3 mil €, decisão esta que não foi objecto de recurso (fls 829).

5) Os recorrentes sustentam por fim que à condenação da ré nas diversas quantias pedidas devem acrescer juros de mora a contar da citação.

Mas não têm razão.

A Relação explicitou claramente no acórdão recorrido que o valor dos segmentos indemnizatórios respeitantes aos danos não patrimoniais e aos danos patrimoniais futuros se reportou “necessariamente” ao momento da sua decisão (fls 1038) acrescentando até que nestes danos seria incompreensível que o cálculo se reportasse a um momento anterior a esse; e como a sentença não fez a ressalva que se impunha, fê-la o acórdão recorrido na sua parte dispositiva, como oportunamente se referiu (cfr. secção I do presente acórdão). Nada a objectar, considerando, designadamente, o teor do acórdão de uniformização de jurisprudência 4/2002, de 9/5/02, segundo o qual “sempre que a indemnização pecuniária por facto ilícito ou pelo risco tiver sido objecto de cálculo actualizado, nos termos do nº2 do artigo 566º do Código Civil, vence juros de mora, por efeito do disposto nos artigos 805º, nº 3 (interpretado restritivamente), e 806º, nº 1, também do Código Civil, a partir da decisão actualizadora, e não a partir da citação”.

III. Decisão

Nos termos expostos acorda-se em conceder provimento parcial à revista.

Consequentemente, elevam-se para, respectivamente, 75 mil € e 20 mil € as indemnizações arbitradas pela perda do direito à vida da vítima II e pelos danos materiais futuros do autor DD, em tudo o mais se mantendo o acórdão recorrido.

Custas, aqui e nas instâncias, pelos autores e pela ré, na proporção de vencido, sem prejuízo do apoio judiciário concedido.

Lisboa, 31 de Janeiro de 2012

Nuno Cameira (Relator)

Sousa Leite

Salreta Pereira