Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
1021/11.3TBABT.E1.S1
Nº Convencional: 7ª SECÇÃO
Relator: LOPES DO REGO
Descritores: RESPONSABILIDADE CIVIL EXTRACONTRATUAL
CÁLCULO DA INDEMNIZAÇÃO
DANO NÃO PATRIMONIAL
EQUIDADE
MATÉRIA DE DIREITO
DANO BIOLÓGICO
Data do Acordão: 01/21/2016
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: CONCEDIDO PARCIAL PROVIMENTO ÀS REVISTAS
Área Temática:
DIREITO CIVIL - DIREITO DAS OBRIGAÇÕES / FONTES DAS OBRIGAÇÕES / RESPONSABILIDADE CIVIL / RESPONSABILIDADE PELO RISCO / MODALIDADES DAS OBRIGAÇÕES / OBRIGAÇÃO DE INDEMNIZAÇÃO.
DIREITO PROCESSUAL CIVIL - PROCESSO DE DECLARAÇÃO / SENTENÇA ( NULIDADES ) / RECURSOS.
Legislação Nacional:
CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL (CPC): - ARTIGO 635.º, N.º5.
Jurisprudência Nacional:
ACÓRDÃOS DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA:
-DE 23/10/2008, PROCESSO N.º.08B2318, EM WWW.DGSI.PT ;
-DE 27/10/2009, PROCESSO N.º 560/09.0YFLSB, EM WWW.DGSI.PT ;
-DE 20/01/2010, PROCESSO N.º 203/99, EM WWW.DGSI.PT ;
-DE 20/05/2010, PROCESSO N.º 103/2002.L1.S1, EM WWW.DGSI.PT ;
-DE 07/10/2010, PROCESSO N.º 839/07.6TBPFR.P1.S1, EM WWW.DGSI.PT ;
-DE 16/02/2012, PROCESSO N.º 1043/03.8TBMCN.P1.S1, EM WWW.DGSI.PT .
Sumário :
1. O juízo de equidade das instâncias, essencial à determinação do montante indemnizatório por danos não patrimoniais, assente numa ponderação, prudencial e casuística, das circunstâncias do caso – e não na aplicação de critérios normativos – deve ser mantido sempre que – situando-se o julgador dentro da margem de discricionariedade que lhe é consentida - se não revele colidente com os critérios jurisprudenciais que, numa perspectiva actualística, generalizadamente vêm sendo adoptados, em termos de poder pôr em causa a segurança na aplicação do direito e o princípio da igualdade.

2. Não é desproporcionada à gravidade objectiva e subjectiva das lesões sofridas por lesado em acidente de viação o montante de €50.000,00, atribuído como compensação dos danos não patrimoniais, num caso caracterizado pela existência em lesado jovem, de 27 anos de idade, de múltiplos traumatismos (traumatismo na bacia, traumatismo toráxico, com hemotórax, traumatismo crânio-encefálico grave, com hemorragia subaracnoideia e contusão cortico-frontal, à esquerda, traumatismo abdominal, fratura do condilo occipital esquerdo, fratura do acetábulo direito e desernevação do ciático popliteu externo direito), envolvendo sequelas relevantes ao nível psicológico e de comportamento, produzindo as lesões internamento durante 83 dias, quantum doloris de 5 pontos em 7 e dano estético de 2 pontos em 7; ficando com um deficit funcional permanente da integridade físico - psíquica, fixável em 16 pontos, e com repercussão nas actividades desportivas e de lazer, fixável em grau 2 em 7,envolvendo ainda claudicação na marcha e rigidez da anca direita; implicando limitações da  marcha, corrida, e todas as actividades físicas que envolvam os membros inferiores e determinando alteração relevante no padrão de vida pessoal do lesado, que coxeia e é inseguro, física e psiquicamente, triste, deprimido e com limitação na capacidade de iniciativa; sofrendo incómodos, angústias e perturbações resultantes das lesões que teve, dos tratamentos e intervenções cirúrgicas a que foi sujeito; terá de suportar até ao fim dos seus dias os sofrimentos e incómodos irreversivelmente decorrentes das limitações com que ficou.

3. O dano biológico, perspectivado como diminuição somático-psíquica e funcional do lesado, com substancial e notória repercussão na vida pessoal e profissional de quem o sofre, é sempre ressarcível, como dano autónomo, independentemente do seu específico e concreto enquadramento nas categorias normativas do dano patrimonial ou do dano não patrimonial.

4. A indemnização a arbitrar pelo dano biológico, consubstanciado em relevante limitação ou défice funcional sofrido pelo lesado, perspectivado na óptica de uma capitis deminutio na vertente profissional, deverá compensá-lo, apesar de não imediatamente reflectida em perdas salariais imediatas ou na privação de uma específica capacidade profissional, quer da relevante e substancial restrição às possibilidades de obtenção, mudança ou reconversão de emprego e do leque de oportunidades profissionais à sua disposição, quer da acrescida penosidade e esforço no exercício da sua actividade profissional corrente, de modo a compensar as deficiências funcionais que constituem sequela das lesões sofridas - não se revelando desproporcionado ao quadro atrás definido, em lesado que não logrou obter emprego estável após o acidente, o montante de €32.500,00, fixado na sentença proferida em 1ª instância.

Decisão Texto Integral:

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça



1. AA intentou acção condenatória, na forma de processo ordinário, contra Império BB - Companhia de Seguros, S.A., pedindo a sua condenação no pagamento da importância de €446,380,00, sendo € €354.000,00, a título de danos patrimoniais e €100.000,00 fundados no ressarcimento de danos não patrimoniais - mas com a dedução de € 7.620,00, já pagos - acrescida de juros moratórios, contados desde a citação, fundando-se nas lesões sofridas em acidente de viação da responsabilidade de segurado da R. A acção foi julgada parcialmente procedente em 1ª instância, pelo que, em conformidade, foi a demandada - ora denominada CC - Companhia de Seguros, S.A.- condenada no pagamento da importância de €43.130,00, (sendo arbitrado o montante de €6.000 a título de ressarcimento de danos não patrimoniais, de €32.500 como compensação do dano biológico e €12.250 por despesas médico medicamentosas futuras, a que se deduziu o valor da quantia já adiantada pela seguradora) acrescida de juros de mora e de quantia a fixar em sede de liquidação de sentença, referente às intervenções cirúrgicas (extracção de material de osteossíntese, artroplastia total da anca e respectivas revisões) a que o lesado terá de ser sujeito no futuro.


2. Inconformado, apelou o A., tendo a Relação julgado a apelação parcialmente procedente e alterando, em consequência, a sentença recorrida, fixando a indemnização, por danos patrimoniais e não patrimoniais, em €82.500,00 (€50.000,00 + €20.000,00 + €12,500,00) – começando por fixar o seguinte quadro factual:

- No dia 12 de setembro de 2009, pelas 4 horas e 50 minutos, o automóvel ligeiro de passageiros com matrícula 39-90-... transitava a Estrada Nacional 118, na freguesia de São Miguel de Rio Torto, no sentido Rossio-Tramagal, sendo conduzido por DD, sendo nele transportado o Autor AA;

- O condutor do veículo de matrícula 39-90-... seguia com uma taxa de álcool no sangue de 1,93 g/l;

- Ao km133,880, ao descrever uma curva, o condutor DD perdeu o controlo do veículo de matrícula 39-90-..., que se despistou e saiu da estrada para o seu lado esquerdo, considerando o sentido de marcha em que seguia;

- No local do despiste, existia iluminação pública e a velocidade máxima a que se podia circular era de 50 km/h;

- No local, a faixa de rodagem tinha uma largura de 6,15 metros e o eixo da via encontrava-se delimitado por traço contínuo;

- Em consequência do despiste do veículo de matrícula 39-90-..., o Autor AA ficou com: traumatismo na bacia, traumatismo toráxico, com hemotórax, traumatismo crânio-encefálico grave, com hemorragia subaracnoideia e contusão cortico-frontal, à esquerda, traumatismo abdominal, fratura do condilo occipital esquerdo, fratura do acetábulo direito e desernevação do ciático popliteu externo direito;

- O Autor AA ficou com perturbações cerebrais, que lhe provocaram dificuldades de expressão, compreensão e concentração, dificuldades na articulação da fala em ler e escrever;

- Foi assistido no Hospital Distrital de Abrantes e assistido no Hospital de Santa Maria;

- Tendo estado internado nos dois hospitais, durante 83 dias;

- Foi operado à fratura do acetábulo direito, que foi fixada com placas e parafusos;

- Meses depois do acidente, recuperou parcialmente a dorsiflexão do pé direito;

- O Autor AA ficou com claudicação na marcha;

- O Autor AA ficou com rigidez da anca direita;

- Com consolidação viciosa do acetábulo direito e necessidade de cirurgia: artoplastia total da anca;

- O Autor perdeu a vontade de viver;

- Desanimou;

- Ficou com defeitos de memória;

- Ficou afetado na sua capacidade de iniciativa;

- Passou ano e meio em tratamentos, consultas e observações nos serviços de neurocirurgia, ortopedia, psicologia e fisioterapia do Hospital de Santa Maria e na Clinica EE, Ldª., de Abrantes;

- Tendo sido sujeito a diversos meios auxiliares de diagnóstico: eletromiogramas, tacs, rx e ressonâncias magnéticas;

- O Autor AA continua com defeitos de atenção, de capacidade de evocação recente, alteração de caráter depressivo com irritabilidade, diminuição de iniciativa e dos interesses, diminuição da flexibilidade mental e embotamento das respostas emocionais, que ocorrem em consequência da steess pós-trauma;

- O Autor AA necessita de regular acompanhamento psicoterápico para controlo e condução das suas capacidades de relacionamento e emocionais;

- O quantum doloris do Autor AA é de 5 pontos em 7;

- O dano estético do Autor AA é de 2 pontos em 7;

- Como consequência do despiste, o Autor AA ficou com um deficit funcional permanente da integridade fisico-psíquica, fixável em 16 pontos, e com repercussão nas atividades desportivas e de lazer, fixável em grau 2 em 7;

- O Autor AA ficou com limitações das atividades que impliquem marcha, corrida, equilíbrio mono podal à direita e carga com o membro inferior direito;

- Com limitações em todas as atividades físicas que envolvam os membros inferiores;

- Ao nível das repercussões na atividade profissional, o Autor AA ficou com lesões compatíveis com o exercício da atividade habitual, mas com esforço;

- O Autor AA irá necessitar de intervenções cirúrgicas à anca direita, para extração de material de osteossíntese e artroplastia total da anca, e para revisão posterior da mesma;

- Precisando também de assistência médica e de medicamentos toda a vida;

- À data de 12 de setembro de 2009, o Autor AA era operador ajudante, segundo ano, na empresa FF - Equipamentos para o lar, S.A.., ganhando, em termos médios, não menos de €600,00, resultantes de salários, acrescidos de prémios de produtividade e subsídios;

- Quando do despiste, o Autor AA tinha 27 anos de idade;

- O Autor AA, antes do despiste, era um jovem saudável e escorreito, alegre e divertido e trabalhador competente;

- Era praticante desportivo, tendo jogado futebol;

- Como consequência do despiste, o Autor AA coxeia e é inseguro, física e psiquicamente, triste, deprimido e com limitação na capacidade de iniciativa;

- Sofreu incómodos, angústias e perturbações resultantes das lesões que teve, dos tratamentos e intervenções cirúrgicas a que foi sujeito, da doença, dos internamentos hospitalares e das dezenas de deslocações que, para tratamentos, teve que fazer entre Tramagal e Lisboa e entre Tramagal e Abrantes,

- Terá de suportar até ao fim dos seus dias os sofrimentos e incómodos decorrentes das limitações que ficou;

- Sem esperanças, nem possibilidades de readquirir a plenitude das suas capacidades de jovem, nem de deixar de ter os sofrimentos, perturbações e incómodos que as suas limitações lhe geram;

- Em assistência médico-medicamentosa, o Autor AA terá gastos anuais não inferiores a €250,00;

- Por contrato de seguro, titulado pela apólice nº Au …49 foi transferida para Ré Companhia de Seguros BB, S. A. a responsabilidade civil pelos danos causados a terceiros pela circulação do veículo de matrícula 32-09-NF;

- A Ré Companhia de Seguros BB, S.A. custeou a assistência clínica ao Autor AA, pagou-lhe as despesas de tratamentos e deslocações e fez-lhe adiantamentos por conta da indemnização dos seus danos, no montante global de €7.620,00;

- A Companhia de Seguros BB, S.A. foi incorporada, por fusão, na Companhia de Seguros GG, S.A., atualmente, CC - Companhia de Seguros, S.A..


3. Passando a pronunciar-se sobre as questões suscitadas pelo recorrente – todas elas atinentes à determinação do montante da indemnização a arbitrar – considerou a Relação no acórdão recorrido:

Quanto à fixação dos danos não patrimoniais

Na petição inicial, o recorrente AA quantificou os danos não patrimoniais em €100.000,00.

Contudo, o Tribunal recorrido fixou-os em € 38.500,00, correspondente à soma das parcelas de €32.500,00 (dano biológico), €4.000,00 (preço da dor) e €2.000,00 (dano estético).

Os factos apurados - não impugnados dos pelas partes -, com relevância para a quantificação dos danos não patrimoniais, são os seguintes: em consequência do despiste do veículo, o recorrente AA sofreu traumatismo na bacia, traumatismo toráxico, com hemotórax, traumatismo crânio-encefálico grave, com hemorragia subaracnoideia e contusão cortico-frontal, à esquerda, traumatismo abdominal, fratura do condilo occipital esquerdo, fratura do acetábulo direito e desernevação do ciático popliteu externo direito; ficou com perturbações cerebrais, que lhe provocaram dificuldades de expressão, compreensão e concentração, dificuldades na articulação da fala em ler e escrever; esteve internado, durante 83 dias; ficou com claudicação na marcha e com rigidez da anca direita; perdeu a vontade de viver, desanimou; ficou com defeitos de memória e afetado na sua capacidade de iniciativa; continua com defeitos de atenção, de capacidade de evocação recente, alteração de caráter depressivo com irritabilidade, diminuição de iniciativa e dos interesses, diminuição da flexibilidade mental e embotamento das respostas emocionais; o quantum doloris foi de 5 pontos em 7 e o dano estético é de 2 pontos em 7; ficou com um deficit funcional permanente da integridade físico - psíquica, fixável em 16 pontos, e com repercussão nas atividades desportivas e de lazer, fixável em grau 2 em 7; ficou com limitações das atividades que impliquem marcha, corrida, equilíbrio mono podal à direita e carga com o membro inferior direito, com limitações em todas as atividades físicas que envolvam os membros inferiores; aquando do despiste, tinha 27 anos de idade; era saudável e escorreito, alegre, divertido e praticante desportivo, tendo jogado futebol; agora, coxeia e é inseguro, física e psiquicamente, triste, deprimido e com limitação na capacidade de iniciativa; sofreu incómodos, angústias e perturbações resultantes das lesões que teve, dos tratamentos e intervenções cirúrgicas a que foi sujeito; terá de suportar até ao fim dos seus dias os sofrimentos e incómodos decorrentes das limitações que ficou.

A gravidade dos danos descritos é, pois, inquestionável.

Como tal, justifica-se a concessão ao recorrente AA de uma satisfação de ordem pecuniária de montante suficiente para, no decurso da sua vida - em princípio, ainda longa - fazer esquecer, para além das dores já sofridas e a sofrer, certamente, as sequelas físicas e psíquicas deixadas pelo acidente. 

Em casos com alguma similitude com a dos presentes autos, o Supremo Tribunal de Justiça fixou a indemnização por danos não patrimoniais, em €30.000,00 e € 25.000,00 .

Ora, sendo as consequências para o recorrente AA mais graves que as tidas em consideração nos acórdãos antes mencionados - acréscimo de sequelas físicas, na área da locomoção - fixa esta Relação, em nome da “segurança na aplicação do direito” e do “princípio da igualdade” e tendo ainda em consideração ”as regras de boa prudência, de bom sendo prático, de justa medida das coisas e de criteriosa ponderação das realidades da vida”, a compensação por danos não patrimoniais sofridos pelo dito lesado em €50.000,00.

Procede, assim, ainda que parcialmente, esta parte do recurso.


Quanto à fixação dos danos patrimoniais

Nesta área, a única facticidade alegada - também não impugnada pelas partes - foi a seguinte: em assistência médico-medicamentosa, o recorrente AA terá gastos anuais não inferiores a €250,00; ao nível das repercussões na atividade profissional, ficou com lesões compatíveis com o exercício da atividade habitual, mas com esforço; à data de 12 de setembro de 2009, era operador ajudante, segundo ano, na empresa FF - Equipamentos para o lar, S.A.., ganhando, em termos médios, não menos de €600,00, resultantes de salários, acrescidos de prémios de produtividade e subsídios.

Daqui decorre que o dito recorrente não deixou de poder executar o seu trabalho. Apenas, o executa com mais esforço.

Quanto ao primeiro segmento dos danos patrimoniais - gastos anuais não inferiores a €250,00 - estão os mesmos contemplados na decisão recorrida, em moldes que não foram alvo de contestação.

No que concerne ao segundo - dano material decorrente de maior esforço na atividade profissional -, importa, de forma residual, recorrer, também, à equidade, dada “a falta de prova de dados concretos”,

Assim, executando os critérios que lhe dão forma, fixa-se, nesta área, a indemnização de €20.000,00  .


Em síntese: em caso de juízo de equidade do tribunal recorrido, deve o mesmo ser mantido, desde que “se não revele colidente com os critérios jurisprudenciais que generalizadamente vêm sendo adotados, em termos de poder pôr em causa a segurança na aplicação do direito e o princípio da igualdade; a indemnização por dano patrimonial decorrente de maior esforço na atividade profissional, em virtude de sequela física causada por acidente de viação, deve ser fixada, na “falta de prova de dados concretos”, com recurso à equidade.


4. Inconformadas com este conteúdo decisório, interpuseram ambas as partes recurso de revista, que encerram com as seguintes conclusões:

1 - O acidente dos autos transformou um trabalhador competente e jovem praticante de desporto num coxo inseguro, sem remissão.

2 - Antes do acidente, o recorrente era um jovem saudável e escorreito, alegre e divertido e trabalhador activo; e praticava desporto; depois do acidente coxeia e é inseguro físico e psiquicamente, triste e deprimido e com perturbações cerebrais, defeitos de memória, dificuldades na articulação da fala, na leitura e na escrita e sem capacidade de iniciativa, nem vontade de viver.

3 - E passou a necessitar de regular acompanhamento psicoterápico;

4 - Ficou com limitações físicas nos membros inferiores e

5 - Precisará de assistência médica e medicamentosa toda a vida,

6 - Terá que sofrer novas intervenções cirúrgicas: uma será para extracção do material de osteossíntese que lhe foi aplicado e outra consistirá na artroplastia total da anca - tendo que fazer outras mais tarde para revisão da dita artroplastia.

7 - E terá que suportar toda a vida os sofrimentos e incómodos decorrentes das limitações com que ficou.

8 - Neste quadro, não se vê, que se alcance compensação razoável dessa desgraça, que se minore a trágica condição do recorrente com 50.000,00 €.

9 - Tanto mais que nos últimos 35 anos passámos de taxas de juros de mais de 35% para taxas inferiores a 1% - pelo que pequeno provento obterá o recorrente com esses 50.000,00 €.

10 - Deve, por isso, atribuir-se ao recorrente a compensação de 150.000,00 €, para conforto da desventura a que foi remetido pelo acidente.

11 - E os danos patrimoniais do recorrente não devem ser valorados em menos de 86.632,00 €

12 - Visto que o recorrente, tendo 27 anos à data do acidente, poderia contar com mais 53 anos de vida, sendo pelo menos 42 de vida activa; ganhando 600,00 €/ mês à data do acidente obteria 8.400,00 €/ano, 352.800,00 € nos referidos 42 anos, e 16% desse montante são 56.448,00 €.

13 - Corrigindo esse número com a desvalorização da moeda obteremos 73.382,00 €.

14 - Somando-se-lhes os 13.250,00 € de assistência médica e medicamentosa fixados na 1ª instância teremos 86.630,00 €.

15 - Com os 150.000,00 de danos não patrimoniais a indemnização global dos danos não patrimoniais do recorrente e dos seus danos patrimoniais já apurados será de 236.630,00 €.

16 - O douto acórdão recorrido violou o disposto nos art°s 496°, 562° e 564°do Cód. Civil,

17 - Deve por isso ser revogado, proferindo-se acórdão que fixe a indemnização dos danos do recorrente já verificados no montante de 236.630,00 € - mantendo-se a remessa para liquidação de sentença da indemnização referente às intervenções cirúrgicas (extracção de material de osteossíntese, artroplastia total da anca e respectivas revisões) ordenada na sentença da 1a instância e confirmada pelo douto Acórdão recorrido.


NULIDADE DO ACÓRDÃO

Vem provado que a Ré custeou a assistência clínica ao A., pagou-lhe despesas de tratamentos e deslocações e fez-lhe adiantamentos por conta da indemnização dos seus danos no montante global de 7.620,00€.

O Tribunal da 2ª instância ponderou os danos do A. no montante global de 82.500,00 € mas olvidou o facto da Ré ter feito àquele o referido adiantamento por conta dos danos e não operou como se impunha a correspondente operação subtrativa, tida em conta e bem, na sentença da 1ª instância.

Nada justifica que este valor extra- judicialmente adiantado pela Ré ao A. tenha natureza e tratamento distintos dos valores de reparação provisória arbitrados judicialmente, no âmbito de procedimento cautelar e que são imputáveis "ope legis" na liquidação definitiva do dano (artigo 383º/3 do NCPC) e imperativamente restituíveis no todo ou em parte, quando a decisão final denegue reparação, ou atribua valor indemnizatório inferior ao provisoriamente concedido (artigo 390º/2 do NCPC).

Aliás, o próprio A. no artigo 10° da sua douta p.i. alegou ter-lhe a Ré pago despesas diversas (tratamentos e deslocações) e ter-lhe feito adiantamentos por conta da indemnização dos seus danos no montante global de 7.620,00 €.

E, corolário lógico e consequente do que alegou em 10° da douta p.i., no pedido final tal qual formulado pode ler-se: - "Deve julgar-se a acção procedente condenando-se a Ré a pagar ao A. a indemnização de 446.380,00€ (os 454.000,00€ referidos, descontados os 7.620,00€ e já pagos ao A. pela Ré) ".

O douto Acórdão não tendo operado no valor global dos danos que entende atribuíveis ao A., a dedução do valor de 7.620,00 € entregue pela Ré àquele, antecipadamente e por conta dos seus danos, proferiu decisão em rota de manifesta contradição/oposição com os fundamentos de facto, tornando-o nulo, nos termos conjugados dos artigos 674º/1 alínea c) e 615º/1/alínea c) ambos do NCPC, nulidade que se invoca para todos os legais efeitos.


QUANTIFICAÇÃO DOS DANOS

A sentença da 1ª instância, face à diminuição da integridade bio- psíquica do A., fixada em 16 pontos, mas sem ser impeditiva do seu desempenho profissional, atribui ao A. reparação pelo correspondente Dano Biológico, conferindo-lhe natureza não patrimonial e fixou os danos do A. pelo montante global de 50.750,00€ e com as seguintes proveniências:

1) Despesas médico-medicamentosas - 12.250,00€

2) Dano Biológico - 32.500,00€

3) Danos Morais - 6.000,00€

A sentença da 1ª instância condenou a Ré a pagar ao A. a quantia global liquida de 43.130,006 na exata medida em que - e bem - subtraiu ao valor global indemnizatório encontrado, de 50.750,00€, o valor do adiantamento indemnizatório de 7.620,00€ pago antecipadamente pela Ré (50.750,00€ -7.620,00€ = 43.130,00€).

O douto Acórdão do TRE, partiu do pressuposto de que a diminuição da integridade física do A., fixada em 16 pontos, constitui incapacidade parcial permanente, e é geradora de danos patrimoniais futuros na medida em que vai exigir daquele, ao longo da sua vida activa, maiores esforços para manter os mesmos níveis de rendimento que estariam ao seu alcance, não fossem as ocorridas lesões e sequelas.

10ª

Consequentemente, perante os mesmos factos que vêm demonstrados e definitivamente adquiridos, atribui ao A. os seguintes valores de reparação:

1) Despesas médico-medicamentosas - 12.250,00€

2) Danos Patrimoniais Futuros - 20.000,00€

3) Danos Morais - 50.000,00€

11ª

O Acórdão incrementou assim o valor compensatório por danos morais que vinha da 1ª instância quantificado em 6.000,00€ para a quantia de 50.000,00€, aumentando-o assim em mais 44.000,00€.

12ª

De acordo com os critérios jurisprudenciais conhecidos, a quantificação dos Danos Morais deve inspirar-se nas bitolas, no caso, do Anexo IV da Portaria 679/2009 de 25/06 e socorrer-se também das regras da prudência, senso prático, realidades da vida, justa medida das coisas e ter em devida conta para atingir os patamares da justiça e igualdade mínima relativos, os cômputos operados em situações similares, porventura de maior e ou menor gravidades, e que já tenham sido decididas, sem esquecer os contornos de cada caso em concreto, sendo certo que, aqueles patamares são captáveis no confronto da situação sob apreço com as decisões bem recentes desse STJ e atrás sumariadas ainda que muito em síntese.

13ª

No caso dos autos, a quantificação compensatória dos Danos Morais do A. no valor de 50.000,00€ desrespeita e menospreza todos os critérios atrás mencionados, e, dentro do quadro da factualidade que vem adquirida, e atentas as lesões por aquele sofridas, as correspondentes sequelas, tratamentos, internamento, cirurgia e limitações bio psíquicas, estéticas e de lazer, na linha da boa prudência, a quantia de 6.000,00€ que foi fixada em 1ª instância, poderá, no limite, sofrer ligeiro incremento, situando-se no valor de aproximadamente 15.000,00€ que não mais.

14ª

Em todo e qualquer caso, esse STJ, caso a nulidade invocada não venha a ser suprida, deve sempre, no limite, operar, no valor global dos danos atribuíveis ao A. a dedução da quantia de 7.620,00€ que a Ré antecipadamente adiantou àquele por conta da indemnização de todos os seus danos.

15ª

O douto Acórdão proferido pelo TRE fez incorrecta aplicação e interpretação do que vem estatuído nos artigos 624º/1 alínea c) e 615º/1 c) ambos do NCPC; da Portaria 377/2008 de 26/05 alterada pela Portaria 679/2009 de 25/06; artigos 496º/1 e 493° do CC; e artigo 566º/2 do CC, e a correcta interpretação e aplicação de tais normativos dita a proferição de Acórdão que conheça da nulidade da decisão proferida pelo Tribunal da Relação de Évora, prevista nos termos conjugados dos artigos 674º/1 /c) e 615º/1/ c) ambos do NCPC, e tudo sob as legais consequências, e que altere/modifique esta mesma decisão, baixando o valor compensatório atribuído ao A. por Danos Morais para quantia próxima do valor calculado em 1ª instância, e que, em qualquer caso, e no limite, não deve ultrapassar a quantia de 15.000,00€, valor este que é equitativo e que é apto a atingir o patamar da desejada justiça relativa, devendo sempre operar-se no valor indemnizatório que vir a ser atribuído ao A., a dedução da quantia de 7.620,00€ que a recorrente antecipadamente adiantou a este por conta da indemnização de todos os seus danos globais.

Nestes termos e melhores de Direito deve o presente recurso vir a ser julgado procedente e provado e proferido Acórdão que conheça da nulidade da decisão proferida pelo Tribunal da Relação de Évora, nulidade esta prevista nos termos conjugados dos artigos 674º/1 /c) e 615º/1/ c) ambos do NCPC ordenando a sanação da mesma ou sanando-a com dedução no valor global indemnizatório e compensatório atribuído ao A., da quantia de 7.620,00€ que a recorrente antecipadamente adiantou ao A. por conta da indemnização dos seus danos, e que altere e modifique a decisão proferida pelo Tribunal da Relação de Évora baixando o valor compensatório atribuído ao A. por Danos Morais para quantia próxima do valor que foi calculado em 1ª instância e que em qualquer caso e no limite não deve ultrapassar o patamar dos 15.000,00€, desta proveniência, e sempre com dedução no valor global indemnizatório que vier a ser encontrado e atribuído ao A/recorrido, da quantia de 7.620,00€ que a Ré/recorrente adiantou a este ultimo por conta da indemnização de todos os seus danos.


5. Como decorre das alegações apresentadas pelas partes, a sua dissidência incide sobre o montante indemnizatório arbitrado pela Relação no acórdão recorrido, como compensação, quer dos danos não patrimoniais sofridos pelo lesado, quer do dano biológico decorrente das sequelas irreversíveis das lesões sofridas – que, não privando embora o lesado da possibilidade de exercer a actividade profissional corrente, implicam uma evidente e substancial dificuldade acrescida nesse possível exercício, constituindo ainda factor inevitável de perda de oportunidades no acesso e progressão no mercado de trabalho.

Em ambos os casos – e como é incontroverso – a quantificação de tal tipo de danos implica o apelo decisivo a critérios ou juízos de equidade .

Ora – como temos entendido reiteradamente (cfr. por ex. o Ac. de 20/5/10, proferido no P. 103/2002.L1.S1) – não poderá deixar de ter-se em consideração que tal «juízo de equidade» das instâncias, alicerçado, não na aplicação de um estrito critério normativo, mas na ponderação das particularidades e especificidades do caso concreto, não integra, em bom rigor, a resolução de uma «questão de direito», pelo que tal juízo prudencial e casuístico das instâncias deverá, em princípio, ser mantido, salvo se o julgador se não tiver contido dentro da margem de discricionariedade consentida pela norma que legitima o recurso à equidade – muito em particular, se o critério adoptado se afastar, de modo substancial e injustificado, dos critérios ou padrões que generalizadamente se entende deverem ser adoptados, numa jurisprudência evolutiva e actualística, abalando, em consequência, a segurança na aplicação do direito, decorrente da necessidade adopção de critérios jurisprudenciais minimamente uniformizados, e , em última análise, o princípio da igualdade.

Deste modo, mais do que discutir e reconstruir a substância do casuístico juízo de equidade que esteve na base da fixação pela Relação do valor indemnizatório arbitrado, em articulação incindível com a especificidade irrepetível do caso concreto, plasmada nas particularidades singulares da matéria de facto fixada, importa essencialmente verificar, num recurso de revista, se os critérios seguidos e que estão na base de tais valores indemnizatórios são passíveis de ser generalizados para todos os casos análogos – muito em particular, se os valores arbitrados se harmonizam com os critérios ou padrões que, numa jurisprudência actualista, devem sendo seguidos em situações análogas ou equiparáveis – em situação em que estamos confrontados com gravosas incapacidades que afectam, de forma sensível e irremediável, o padrão e a qualidade de vida de lesados.

Comecemos pela análise do quantitativo arbitrado a título de ressarcimento do dano não patrimonial – cumprindo realçar que, a este propósito, as partes formulam pretensões totalmente desproporcionadas e antagónicas – pugnado o lesado pelo valor de €150.000 e a seguradora pelo montante manifestamente irrisório de €15.000!

Como é manifesto, nenhuma destas radicalmente diversas formas de avaliação do dano se revelam adequadas.

Adere-se inteiramente, quanto a este ponto, ao entendimento subjacente, por exemplo, ao Ac. de 23/10/08, proferido no p.08B2318, - que inteiramente se reitera - segundo o qual, em situações limite de numerosas lesões físicas, de elevada gravidade e sofrimento para o lesado, acarretando profundíssimos sofrimentos e sequelas, o valor indemnizatório arbitrado como compensação dos danos não patrimoniais não tem como limite as quantias geralmente arbitradas a título de compensação da lesão do direito à vida, podendo excedê-las substancialmente (arbitrando-se à lesada, no verdadeiro caso limite aí debatido, indemnização no montante de €180.000); pode ainda invocar-se, a este propósito e na mesma linha, o acórdão de 7/10/10 (P 839/07.6TBPFR.P1.S1) em que se decidiu – também perante um verdadeiro caso-limite, pela extrema gravidade das sequelas das lesões sofridas pelo sinistrado, - que :

Não é excessiva uma indemnização de €150.000,00, calculada como compensação dos danos não patrimoniais, decorrentes de lesões físicas gravosas e absolutamente incapacitantes, envolvendo uma IPG de 80% e a incapacidade definitiva para qualquer trabalho, com absoluta dependência de terceiros para a realização das actividades diárias e necessidades de permanente assistência clínica, envolvendo degradação plena e irremediável do padrão de vida do lesado

Veja-se ainda o decidido no Ac. de 16/2/12, proferido pelo STJ no P. 1043/03.8TBMCN.P1.S1, em que – salientados e ponderados os critérios padrão seguidos na jurisprudência recente a propósito da compensação de sequelas incapacitantes de particularíssima gravidade - se decidiu que:

Tendo – além do mais descrito no elenco factual - ficado definitivamente dependente de terceira pessoa para o que constitui o mais elementar da vida, como movimentar-se – com necessidade de cadeira de rodas – comer, vestir-se, calçar-se, tratar da sua higiene e efetuar as necessidades fisiológicas e tendo ainda ficado com dificuldade em articular palavras e incontinente, seria adequado o montante de € 200.000 relativo à compensação pelos danos não patrimoniais. Pretendendo ele, em sede de recurso, apenas € 150.000 é de conceder tal quantia, considerando-a já depois do que seria de abater em virtude da repartição do risco acima referida.

Ora, como parece evidente, a especificidade do caso dos autos – apesar da inquestionável gravidade que representa para o lesado - nada tem a ver com a tipologia destas situações de extrema gravidade para a vítima, e que têm conduzido a jurisprudência a arbitrar valores próximos ou equiparáveis ao montante peticionado pelo lesado/recorrente.

Os traços fundamentais que permitem identificar o caso dos autos traduzem-se no seguinte quadro fundamental:

- existência em lesado jovem, de 27 anos de idade, de múltiplos traumatismos em consequência do acidente traumatismo na bacia, traumatismo toráxico, com hemotórax, traumatismo crânio-encefálico grave, com hemorragia subaracnoideia e contusão cortico-frontal, à esquerda, traumatismo abdominal, fratura do condilo occipital esquerdo, fratura do acetábulo direito e desernevação do ciático popliteu externo direito);

- sequelas relevantes ao nível psicológico e de comportamento ( ficou com perturbações cerebrais, que lhe provocaram dificuldades de expressão, compreensão e concentração, dificuldades na articulação da fala em ler e escrever, perdeu a vontade de viver, desanimou; ficou com defeitos de memória e afetado na sua capacidade de iniciativa; continua com defeitos de atenção, de capacidade de evocação recente, alteração de caráter depressivo com irritabilidade, diminuição de iniciativa e dos interesses, diminuição da flexibilidade mental e embotamento das respostas emocionais;

 - internamento, durante 83 dias;

 ficou com claudicação na marcha e com rigidez da anca direita; ficou com limitações das atividades que impliquem marcha, corrida, equilíbrio mono podal à direita e carga com o membro inferior direito, com limitações em todas as atividades físicas que envolvam os membros inferiores quantum doloris de 5 pontos em 7 e dano estético é de 2 pontos em 7; ficou com um deficit funcional permanente da integridade físico - psíquica, fixável em 16 pontos, e com repercussão nas actividades desportivas e de lazer, fixável em grau 2 em 7;

 - alteração relevante no padrão de vida pessoal do lesado, em consequências das lesões sofridas e respectivas sequelas: à data do acidente o lesado tinha 27 anos de idade; era saudável e escorreito, alegre, divertido e praticante desportivo, tendo jogado futebol; agora, coxeia e é inseguro, física e psiquicamente, triste, deprimido e com limitação na capacidade de iniciativa; sofreu incómodos, angústias e perturbações resultantes das lesões que teve, dos tratamentos e intervenções cirúrgicas a que foi sujeito; terá de suportar até ao fim dos seus dias os sofrimentos e incómodos irreversivelmente decorrentes das limitações com que ficou.


Ora, ponderadas adequadamente tais circunstâncias do caso  e os critérios jurisprudenciais que – numa jurisprudência actualista – devem ser seguidos na concretização do juízo de equidade, não se vê que o critério seguido pela Relação se afaste, de modo significativo, dos padrões que vêm sendo seguidos em casos equiparáveis, conduzindo frequentemente a valores indemnizatórios da ordem dos €40.000/50.000 (importando notar que, em alguns arestos, o valor indemnizatório arbitrado era questionado apenas pela seguradora/ recorrente, pelo que estava fora do objecto do recurso qualquer ampliação do montante fixado na Relação): pelo contrário, o que seria totalmente desproporcionado e incompatível com tais critérios jurisprudenciais actualmente prevalecentes seria o arbitramento de uma quantia do tipo da proposta pela seguradora /recorrente, arbitrando ao lesado, num caso caracterizado pelas múltiplas e gravosas lesões sofridas, com relevante sofrimento e reflexo drástico no padrão de vida do lesado, de um valor monetário na ordem dos €15.000…

Em suma, seguindo a via metodológica atrás enunciada, considera-se que não merece censura o estabelecimento de indemnização pelos danos não patrimoniais no valor de €50.000, num caso que – estando embora longe das situações que têm levado ao estabelecimento de montantes indemnizatórios na ordem dos €150.000 (implicando situações de invalidez, com total degradação do padrão de vida e da autonomia pessoal do lesado) – implica uma gravidade objectiva e subjectiva (pela extensão e multiplicidade das lesões, físicas, neurológicas e psíquicas e pelo seu reflexo profundamente adverso e irreversível nas potencialidades pessoais e no padrão futuro de vida de sinistrado jovem) que ultrapassa manifestamente o patamar médio de gravidade dos acidentes rodoviários.


6. A outra questão suscitada em sede de quantificação da indemnização arbitrada presente revista prende-se com a ressarcibilidade do «dano biológico» sofrido pelo lesado e respectiva quantificação – ou seja: se é autonomamente indemnizável a perda parcial de uma plenitude de capacidades pessoais, com possível incidência – não apenas nas actividades da vida pessoal e familiar do lesado – mas também no exercício futuro de actividade laboral, decorrente das sequelas causadas pelo acidente: na verdade, no caso dos autos, o lesado passou a padecer de um défice funcional permanente da integridade físico-psíquica de 16 pontos, decorrente de lesões compatíveis com o exercício da actividade profissional habitual, mas com esforço acrescido, sem que daí haja resultado, todavia, imediata e directamente, uma efectiva diminuição do nível de rendimentos profissionais auferidos na actividade laboral que habitualmente vinha exercendo.

Saliente-se que, nesta sede, estamos naturalmente limitados pela matéria de facto fixada pelas instâncias, tendo de realçar-se que – como decorre claramente da sentença proferida e da matéria de facto considerada provada e não provada o lesado não demonstrou a existência de uma incapacidade permanente para o trabalho, por não se ter apurado que as lesões com que o A. ficou não sejam compatíveis com o exercício da actividade profissional, uma afectação permanente da capacidade profissional ou qualquer outra actividade dentro da sua área de preparação técnico profissional, ou sequer que a capacidade de ganho haja ficado afectada – não se tendo igualmente provado que o A. tenha perdido o emprego como consequência do despiste (cfr. fls. 208/209 e 219 da sentença, em que se conclui que a incapacidade permanente geral de que padece não tem interferência directa sobre a sua capacidade de auferir proventos, pelo que não pode proceder o pedido indemnizatório a título de lucros cessantes, com base em invocada incapacidade parcial permanente para trabalhar.

É, pois, este o quadro factual a ter em conta para fixar o montante indemnizatório devido nesta sede – importando realçar que este tipo de dano - o dano biológico - tem plena autonomia relativamente aos danos não patrimoniais, atrás abordados e quantificados (abalo psicológico sofrido, dores intensas, sensação de depressão e incapacitação para uma vida social e pessoal activa); o que está agora em causa é avaliar as possíveis e previsíveis consequências do défice funcional de que passou a padecer o lesado no plano específico das suas actividades profissionais, essencialmente numa dupla perspectiva: por um lado, visando obter o ressarcimento do esforço acrescido que será necessário para que, ao longo da sua vida profissional, compense tal défice, de modo a prosseguir o tipo de actividade laboral que exercia à data do acidente; e, por outro lado, visando compensá-lo da perda de oportunidades profissionais que, ao longo da sua carreira, tal capitis deminutio - que irremediavelmente o afectará de modo permanente e definitivo - irá, com toda a probabilidade, implicar.

Esta questão não é nova na jurisprudência e doutrina, estando amplamente tratado, quer o problema da ressarcibilidade de tal dano biológico, quer o da respectiva qualificação ou enquadramento jurídico, nas categorias normativas dos danos patrimoniais ou não patrimoniais.

Como se afirma, por exemplo, no Ac. deste Supremo de 27/10/09, proferido no P. 560/09.0YFLSB:

 Já o Acórdão deste mesmo Supremo Tribunal, de 4 de Outubro de 2005 – 05 A2167, julgou no sentido de que “o dano biológico traduz-se na diminuição somático-psíquica do indivíduo, com natural repercussão na vida de quem o sofre.” 

Certo que se trata de um dano (que na definição do Prof. A. Varela “é perda in natura que o lesado sofreu em consequência de certo facto nos interesses [materiais, espirituais ou morais] que o direito viola ou a norma infringida visam tutelar.” – in “Das Obrigações em Geral”, I, 591, 7.ª ed.) 

Mas há que proceder à integração do dano biológico, ou na categoria do dano patrimonial – como “reflexo do dano real sobre a situação patrimonial do lesado.” – Prof. A. Varela, ob. cit.) abrangendo não só o dano emergente, como perda patrimonial, como o lucro frustrado, ou cessante –, ou na classe dos danos não patrimoniais (como dores físicas, desgostos morais, vexames, perda de prestigio ou de reputação e que atingem bens como a saúde, o bem estar, a liberdade, a beleza, o bom nome, que não integram o património do lesado). 

A maioria da jurisprudência, e certa doutrina, consideram o dano biológico como de cariz patrimonial. (cf., entre outros, o citado Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 19 de Maio de 2009 e os Acórdãos de 4 de Outubro de 2007 – 07B2957, de 10 de Maio de 2008 – 08B1343, 10 de Julho de 2008 – 08B2101, e de 6 de Maio de 1999 – 99B222, e Prof. Sinde Monteiro, in “Estudos sobre a Responsabilidade Civil”, 248). 

Em abono deste entendimento refere-se que, mesmo não havendo uma repercussão negativa no salário ou na actividade profissional do lesado – por não se estar perante uma incapacidade para a sua actividade profissional concreta- pode verificar-se uma limitação funcional geral que terá implicações na facilidade e esforços exigíveis o que integra um dano futuro previsível, segundo o desenvolvimento natural da vida, em cuja qualidade se repercute. 

Mas também é lícito defender-se que o ressarcimento do dano biológico deve ser feito em sede de dano não patrimonial. 

Nesta perspectiva, há que considerar, desde logo, que o exercício de qualquer actividade profissional se vai tornando mais penoso como decorrer dos anos, o desgaste natural da vitalidade (paciência, atenção, perspectivas de carreira, desencantos…) e da saúde, tudo implicando um crescente dispêndio de esforço e energia. 

E esses condicionalismos naturais podem é ser agravados, ou potenciados, por uma maior fragilidade adquirida a nível somático ou em sede psíquica. 

Ora, tal agravamento, desde que não se repercuta directa – ou indirectamente – no estatuto remuneratório profissional ou na carreira em si mesma e não se traduza, necessariamente numa perda patrimonial futura ou na frustração de um lucro, traduzir-se-á num dano moral. 

Isto é, o chamado dano biológico tanto pode ser ressarcido como dano patrimonial, como compensado a título de dano moral. 

A situação terá de ser apreciada casuisticamente, verificando se a lesão originou, no futuro, durante o período activo do lesado ou da sua vida e, só por si, uma perda da capacidade de ganho ou se traduz, apenas, numa afectação da sua potencialidade física, psíquica ou intelectual, para além do agravamento natural resultante da idade. 

E não parece oferecer grandes dúvidas que a mera necessidade de um maior dispêndio de esforço e de energia, mais traduz um sofrimento psico-somático do que, propriamente, um dano patrimonial. 


Aderindo, no essencial, a este entendimento, parece-nos importante começar por distinguir os problemas da ressarcibilidade do dano biológico e do seu enquadramento ou qualificação jurídica nas categorias do dano patrimonial ou do dano moral – ou eventualmente como «tertium genus», como dano de natureza autónoma e específica, por envolver prioritariamente uma afectação da saúde e plena integridade física do lesado : é que, qualquer que seja o enquadramento jurídico que, no caso, se entenda reflectir mais adequadamente a natureza das coisas, é indiscutível que a perda genérica de potencialidades funcionais do lesado constitui seguramente um dano ressarcível, englobando-se as sequelas patrimoniais da lesão sofrida seguramente no domínio dos danos futuros, ressarcíveis através da aplicação da «teoria da diferença»; ou, não sendo perspectiváveis perdas patrimoniais ou de oportunidades profissionais próximas ou previsíveis, a penosidade acrescida no exercício das tarefas profissionais correntes constitui seguramente um dano não patrimonial que, pela sua gravidade, não poderá deixar de merecer a tutela do direito.

Essa natureza híbrida ou mista do dano biológico é perfeitamente detectável no caso dos autos, em que estamos confrontados com relevantes limitações funcionais do lesado que, de nenhum modo, se podem perspectivar como pequenas invalidades permanentes, geradoras de um mero «dano de complacência» (veja-se a situação analisada no Ac. deste Supremo de 20/1/2010, no p.203/99): na verdade, embora tais sequelas incapacitantes não tenham tido – perante a factualidade que as instâncias tiveram por provada - um imediato e directo reflexo no nível de remuneração auferida na actividade profissional do lesado, uma vez que não se provou que ele tivesse deixado de trabalhar na empresa onde exercia funções como consequência do acidente, elas poderão revelar-se plausivelmente no decurso da vida profissional futura do lesado.

Deste modo, embora possa não ocorrer uma imediata diminuição de rendimentos profissionais ou da capacidade laboral para os angariar, por o lesado não ter visto cessada ou restringida uma actividade profissional como decorrência imediata do sinistro e da diminuição de capacidades pessoais por ele provocada, é indiscutível que o lesado vê diminuída a amplitude ou o o leque das actividades laborais que pode perspectivar exercer plenamente no futuro, ficando – por via da perda de capacidades funcionais- necessariamente condicionado e «acantonado» no exercício de actividades menos exigentes – o que naturalmente limita de forma relevante as suas potencialidades no mercado do trabalho ( facto particularmente atendível numa organização económica que crescentemente apela à precariedade e à necessidade de mudança e reconversão na profissão exercida, a todo o momento susceptível de mutação ao longo da vida do trabalhador).


Em suma: pelo menos para quem não está irremediavelmente afastado do ciclo laboral, a perda relevante de capacidades funcionais – embora não imediatamente reflectida nos rendimentos salariais auferidos na profissão exercida ou na específica capacidade para os angariar– constitui uma verdadeira «capitis deminutio» do lesado num mercado laboral em permanente mutação e turbulência, condicionando-lhe, de forma relevante e substancial, as possibilidades de obtenção, mudança ou reconversão de emprego e o leque de oportunidades profissionais à sua disposição, constituindo, deste modo, fonte actual de possíveis e futuros lucros cessantes, a compensar, neste caso, como verdadeiros danos patrimoniais .

Para além disto, terão naturalmente de ser ponderados e ressarcidos os danos não patrimoniais, decorrentes da notoriamente maior penosidade que o exercício da actividade profissional corrente passou a representar para o lesado, como forma de, contornando e ultrapassando as sequelas funcionais, lograr manter o mesmo nível de produtividade e de rendimento auferido.

A indemnização a arbitrar pelo dano biológico sofrido pelo lesado deverá, pois, compensá-la, quer da relevante e substancial restrição ou limitação às possibilidades de obtenção, mudança ou reconversão de emprego e da perda de chance ou do leque oportunidades profissionais à sua disposição, enquanto fonte actual de possíveis e futuros acréscimos patrimoniais, quer da acrescida penosidade e esforço no exercício da sua actividade profissional corrente, de modo a superar adequadamente as deficiências funcionais que constituem sequelas das lesões sofridas, garantindo um mesmo nível de produtividade e de rendimento auferido.

E, nesta dupla perspectiva, que temos por correcta e adequada, não parece justificada a redução do valor indemnizatório arbitrado, a este título, pela sentença proferida em 1ª instância, ao valorar o dano biológico em €32.500,00, atendendo essencialmente à idade do sinistrado, ao coeficiente de desvalorização sofrida e aos rendimentos profissionais previsíveis.

Note-se que esta específica quantificação do dano biológico não foi impugnada pela seguradora, apenas tendo interposto recurso de apelação o A. – não sendo razão justificativa para a automática redução da indemnização desta categoria específica de danos a simples circunstância de se ter corrigido a exígua indemnização devida a título de ressarcimento dos outros e autónomos danos não patrimoniais, ligados aos reflexos das sequelas das lesões sofridas na vida pessoal do lesado (sem qualquer avaliação, nessa sede, dos possíveis reflexos do défice funcional demonstrado na sua carreira profissional futura e no esforço para o exercício da profissão habitual).


Ora, no caso dos autos, para avaliar adequadamente os reflexos e incidências prováveis do défice funcional do lesado na sua previsível actividade profissional futura – apesar de não estar demonstrada uma diminuição do rendimento auferido ou da específica capacidade para o angariar - terá de se ter em conta:

- a idade do lesado/ jovem, atingido na fase inicial da sua carreira profissional – tendo, consequentemente, de suportar ao longo de muitos anos os sacrifícios acrescidos que o défice funcional demonstrado inelutavelmente irão implicar ;

- o reflexo, previsivelmente gravoso, do tipo de sequelas de que padece o sinistrado, com limitações importantes nas actividades que impliquem marcha, equilíbrio ou carga no membro inferior direito, no tipo de actividade profissional (de operador ajudante) que exercia à data do acidente e que terá possibilidade de , no futuro, vir a exercer, face às suas habilitações – envolvendo  uma componente de esforço físico inelutável;

- as dificuldades sentidas efectivamente na obtenção de emprego, apenas conseguindo actividades de curta duração em padaria, supermercado e hotel (cfr. pag. 208): ou seja, embora não tivesse ficado demonstrado que a perda de emprego ou a instabilidade laboral sofrida foram consequências directas do acidente ou da perda de funcionalidades que constituem sequelas das lesões sofridas, o que é certo é que o lesado não logrou, muito tempo após o acidente, voltar a exercer com um mínimo de estabilidade e permanência, uma actividade profissional – o que nos afasta decididamente dos casos (obviamente de menor gravidade) em que, apesar do défice funcional e dos esforços acrescidos para manter o mesmo nível de produtividade, o sinistrado prosseguiu efectivamente no exercício da sua anterior profissão (veja-se, por exemplo, o caso retratado no Ac. de 20/5/10, proferido pelo STJ no P. 103/2002.L1.S1).


7. Na sua alegação, invoca a seguradora/recorrente a nulidade do acórdão recorrido, decorrente de não se ter descontado – como fizera a sentença proferida em 1ª instância - ao valor global da indemnização arbitrada o montante de €7.620,00, decorrente – conforme se especificara na matéria de facto provada – de adiantamentos por conta da indemnização dos danos que viesse a ser fixada.

O A., na sua contra alegação, sustenta que não deve haver lugar a qualquer abatimento, já que tal valor, efectivamente pago pela seguradora, se teria destinado a pagar diversas despesas de tratamentos e deslocações.


Como se referiu, no caso dos autos a sentença proferida – em consonância com tal ponto da matéria de facto – procedeu ao efectivo desconto no montante da indemnização que arbitrou ao lesado do referido valor pecuniário.

Ora o A. – confrontado com tal dedução (cfr. fls. 224) – não impugnou, na apelação que interpôs, tal segmento da decisão proferida em 1ª instância, o que significa que, nessa parte, a mesma transitou em julgado, nos termos do art. 635º, nº5, do CPC, não podendo, consequentemente, vir agora questionar-se que a referida verba haja sido recebida a outro título ou natureza - a de efectivos adiantamentos por conta da indemnização final.

Procede, pois, nesta parte a revista interposta pela seguradora.


8. Nestes termos e pelos fundamentos apontados concede-se parcial provimento às revistas interpostas por A. e R., revogando, por isso, o segmento do acórdão recorrido, na parte em que fixou o dano biológico com incidência possível no plano das actividades profissionais do lesado, em €20.000,00, mantendo-se a fixação da indemnização correspondente a tal tipo de danos em €32.500,00; e determinando que se desconte na indemnização global arbitrada ao lesado o montante de €7.620,00, correspondente a adiantamentos feitos por conta da indemnização fixada a final – confirmando-se em tudo o mais o decidido no acórdão recorrido.

E, em consequência do parcial provimento de ambas as revistas, julga-se a acção parcialmente procedente, fixando-se a indemnização ao lesado em €87.380,00 (€50.000,00+32.500,00+12.500,00, a que se desconta o valor de €7.620,00), a que acresce a condenação ilíquida decretada em 1ª instância e não impugnada pelas partes, bem como nos respectivos juros moratórios.

Custas da acção e das revistas por autor e ré, fixando-se as mesmas em partes iguais, sem prejuízo de eventual fixação definitiva em sede de liquidação e do benefício do apoio judiciário de que beneficia o A.


Lisboa, 21 de Janeiro de 2016


Lopes do Rego (Relator)

Orlando Afonso

Távora Victor