Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
1166/10.7TBVCD.P1.S1
Nº Convencional: 7ª SECÇÃO
Relator: MARIA DOS PRAZERES PIZARRO BELEZA
Descritores: RESPONSABILIDADE EXTRACONTRATUAL
ACIDENTE DE VIAÇÃO
CÁLCULO DA INDEMNIZAÇÃO
DANO BIOLÓGICO
DANOS PATRIMONIAIS
DANOS FUTUROS
DANOS NÃO PATRIMONIAIS
INCAPACIDADE
INCAPACIDADE PERMANENTE PARCIAL
EQUIDADE
PRINCÍPIO DA IGUALDADE
JUROS DE MORA
INICIO DA MORA
DUPLA CONFORME
RECURSO SUBORDINADO
Data do Acordão: 06/04/2015
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: NEGADAS AS REVISTAS
Área Temática:
DIREITO CIVIL - DIREITO DAS OBRIGAÇÕES / FONTES DAS OBRIGAÇÕES / RESPONSABILIDADE CIVIL / MODALIDADES DAS OBRIGAÇÕES / OBRIGAÇÃO DE INDEMNIZAÇÃO / CUMPRIMENTO E NÃO CUMPRIMENTO DAS OBRIGAÇÕES / MORA DO DEVEDOR.
Legislação Nacional:
CÓDIGO CIVIL (CC): - ARTIGO 494.º, 496.º, N.ºS1 E 3, 566.º, N.º3, 805.º, N.º 3.
CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL (CPC) / 2013: - ARTIGOS 633.º, N.º5.
PORTARIA N.º 377/2008, DE 26-05, COM OU SEM AS ALTERAÇÕES INTRODUZIDAS PELA PORTARIA N.º 679/2009, DE 25-06.
Jurisprudência Nacional:
ACÓRDÃOS DO SUPREMO TRIBUNAL DA JUSTIÇA:

-DE 25 DE OUTUBRO DE 2007, PROC. N.º 07B3026;
-DE 25 DE JUNHO DE 2002, PROC. N.º 02A1321;
-DE 22 DE JANEIRO DE 2009, PROC. 07B4242;
-DE 24 DE SETEMBRO DE 2009, PROC. N.º 09B0037;
-DE 7 DE JULHO DE 2009, PROC. N.º 205/07.3GTLRA.C1;
-DE 28 DE OUTUBRO DE 2010, PROC. N.º 272/06.7TBMTR.P1.S1, E DE 5 DE NOVEMBRO DE 2009 PROC. Nº 381-2002.S1;
-DE 20 DE OUTUBRO DE 2011, PROC. Nº 428/07.5TBFAF.G1.S1;
-DE 31 DE JANEIRO DE 2012, PROC. N.º 875/05.7TBILH.C1.S1;
-DE 10 DE OUTUBRO DE 2012, PROC. 643/2001.G1.S1, DE 21 DE FEVEREIRO DE 2013, PROC. N.º 2044/06.0TJVNF.P1.S1, DE 20 DE NOVEMBRO DE 2014, PROC. Nº 5572/05.0TVLSB.L1.S1;
-DE 31 DE MARÇO DE 2012, 1145/07.1TVLSB.L1.S, NA LINHA DOS ACÓRDÃOS DE 20 DE JANEIRO DE 2010, PROC. Nº 203/99.9TBVRL.P1.S1, OU DE 20 DE MAIO DE 2010, PROC. N.º 103/2002.L1.S1;
-DE 31 DE MAIO DE 2012, PROC. Nº 14143/07.6TBVNG.P1.S1, E DE 23 DE NOVEMBRO DE 2011, PROC. Nº 90/06.2TBPTL.G1.S1;
( TODOS EM WWW.DGSI.PT ).
-DE 11 DE SETEMBRO DE 2014, PROC. N.º 3437/07.0TBVCT.G1.S1, COM SUMÁRIO DISPONÍVEL EM WWW.STJ.PT .
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ACÓRDÃO DE UNIFORMIZAÇÃO DE JURISPRUDÊNCIA Nº 4/2002, DE 9 DE MAIO DE 2002 (DIÁRIO DA REPÚBLICA, I SÉRIE A, DE 27 DE JUNHO DE 2002).
Sumário :
I - Apesar das instâncias terem coincidido quanto à determinação do momento do início da contagem dos juros de mora, se a Relação aumentou, em relação à decisão da 1.ª instância, as indemnizações a que os juros respeitam, tal não chega para se afirmar existir dupla conformidade.

II - Ainda que assim não fosse, aplicar-se-ia, por analogia, o regime previsto pelo n.º 5 do art. 633.º do NCPC (2013) para a eventualidade de ser interposto recurso principal e de se questionar a possibilidade de recurso subordinado, por falta de sucumbência suficiente: sendo admissível a revista principal, é admissível a revista subordinada, ainda que quanto a esta, haja dupla conforme.

III - O critério fundamental para a fixação, tanto das indemnizações atribuídas por danos patrimoniais futuros (vertente patrimonial do chamado dano biológico) como por danos não patrimoniais (dano biológico e demais danos não patrimoniais), é a equidade.

IV - A utilização de critérios de equidade não impede que se tenham em conta as exigências do princípio da igualdade. A prossecução desse princípio implica a procura de uma uniformização de critérios, naturalmente não incompatível com a devida atenção às circunstâncias do caso.

V - Os critérios seguidos pela Portaria n.º 377/2008, de 26-05, com ou sem as alterações introduzidas pela Portaria n.º 679/2009, de 25-06, destinam-se expressamente a um âmbito de aplicação extra-judicial e, se podem ser ponderados pelo julgador, não se sobrepõem ao critério fundamental para a determinação judicial das indemnizações fixado pelo Código Civil.

VI - É sabido que a limitação funcional, ou dano biológico, em que se traduz uma incapacidade é apta a provocar no lesado danos de natureza patrimonial e de natureza não patrimonial.

VII - Os danos patrimoniais futuros decorrentes de uma lesão física não se reduzem à redução da capacidade de trabalho, já que, antes de mais, se traduzem numa lesão do direito fundamental do lesado à saúde e integridade física, pelo que não pode ser arbitrada uma indemnização que apenas tenha em conta aquela redução e a perda de rendimento que dela resulte, ou a necessidade de um acréscimo de esforço para a evitar.

VIII - Para calcular a compensação a atribuir por danos não patrimoniais, nos termos do n.º 1 do art. 496.º do CC, o tribunal decide segundo a equidade, tomando em consideração “o grau de culpabilidade do agente, a situação económica deste e do lesado e as demais circunstâncias do caso”, o que, desde logo, revela a natureza também sancionatória da obrigação de indemnizar.

IX - Tendo ficado provado que as sequelas decorrentes de um acidente ocorrido em 2005 determinaram para a autora, então com 17 anos de idade, uma incapacidade parcial permanente para o trabalho de 16,9 pontos – e, por isso, com efectiva repercussão na actividade laboral –, nada há a censurar à utilização de tabelas e à introdução das correcções habitualmente citadas na jurisprudência, nem ao recurso ao valor de € 800,00 ilíquido auferido pela lesada a título de salário, a partir de 2013, para fixar o valor da indemnização devida por danos patrimoniais futuros em € 55 000,00, como decidiu a Relação.

X - Tendo em consideração: (i) as circunstâncias do acidente, o sofrimento que implicou, os tratamentos médicos, intervenções, internamentos e períodos que se lhe seguiram que se prolongaram no tempo, tendo a lesada apenas tido alta mais de 4 anos depois do acidente; (ii) a repercussão não patrimonial da incapacidade parcial permanente fixada à autora; (iii) as sequelas do acidente, as repercussões estéticas, as dores e demais sofrimento que se prolongarão pela vida da autora, que à data do acidente era saudável e tinha apenas 17 anos, e, finalmente; (iv) o grau de culpa da condutora do veículo causador do acidente que resultou de uma infracção séria às regras de circulação automóvel, traduzidas no desrespeito de um sinal de stop colocado à entrada de um cruzamento, mostra-se ajustado fixar a indemnização devida à autora por danos não patrimoniais em € 40 000,00, como decidiu a Relação.

XI - Para o cálculo da referida indemnização, não se mostra adequado o confronto com a indemnização pela perda do direito à vida, cuja razão de ser é claramente diferente daquela que justifica a indemnização ao lesado que sobrevive a um acidente, do qual resulta para ele sofrimentos e sequelas mais ou menos significativas.

XII - Tendo a sentença declarado expressamente que o cálculo que efectuou para a determinação dos montantes indemnizatórios foi actualizado, e tendo o acórdão recorrido confirmado esta decisão, louvando-se no AUJ n.º 4/2002, deve o início da contagem dos juros ser reportado à data da decisão e não à data da citação.

Decisão Texto Integral:
Acordam, no Supremo Tribunal de Justiça


1. - AA instaurou uma acção contra BB - Seguros, S.A. (posteriormente incorporada, por fusão, em CC - Companhia de Seguros, S.A.), pedindo a sua condenação no pagamento de uma indemnização de € € 69.375,67, € 25.000,00 por danos não patrimoniais e € 44.375,67 por danos patrimoniais, decorrentes de um acidente de viação causado por culpa exclusiva do condutor de um veículo segurado na ré, que embateu naquele em que seguia a autora, como passageira.

A ré contestou, aceitando “a responsabilidade civil pelo acidente de viação que vem alegado”, afirmando no entanto o desconhecimento de vários factos e opondo serem exagerados os montantes indemnizatórios pedidos.

A fls. 287, a autora veio aumentar para € 40.000,00 o pedido de indemnização por danos não patrimoniais e para € 80.000,00 o pedido de indemnização por danos patrimoniais. Pelo despacho de fls. 299, a ampliação foi admitida.

A sentença de fls. 365 julgou a acção parcialmente procedente, condenando a ré no pagamento de € 65.000,00, € 25.000,00 por danos não patrimoniais e € 40.000,00 por danos patrimoniais, com juros de mora, contados à taxa legal desde a data da sentença, até integral e efectivo pagamento da indemnização. O tribunal considerou que o acidente se ficou a dever a culpa exclusiva da condutora do veículo segurado na ré e que os valores indemnizatórios equitativamente a fixar seriam aquelas, sendo certo que, segundo parece resultar do texto, não terá sido considerada a ampliação do pedido. Mas a sentença esclareceu que “o valor da indemnização foi aferido pelo valor da moeda à data” em que foi proferida.

A autora recorreu para o Tribunal da Relação do Porto, que aumentou a indemnização para € 95.000,00, € 55.000,00 por danos patrimoniais e € 40.000,00 por danos não patrimoniais, mantendo a data da sentença como início da contagem dos juros de mora.

2. - CC - Companhia de Seguros, S.A. recorreu para o Supremo Tribunal de Justiça. Nas alegações de recurso que apresentou, formulou as seguintes conclusões:

«A) Os montantes indemnizatórios arbitrados na douta sentença da primeira instância, quer a título de perda de capacidade de ganho no futuro, quer para compensação dos danos não patrimoniais sofridos pela ora recorrida mostram-se inteiramente justos, porque proporcionais e equitativos;

B) Tal como resulta do elenco dos factos assentes, a sinistrada não sofreu, por via directa ou sequer indirecta do acidente que a vitimou, qualquer incapacidade que realmente a incapacite de exercer no presente e no futuro a plenitude das funções e tarefas próprias da sua actividade profissional, seja ela qual for em concreto, sabendo-se até que, volvidos sete anos sobre o evento danoso se encontra a trabalhar, sem qualquer restrição, auferindo um salário mensal muito dentro da média salarial especifica do segmento etário e das habilitações técnico-profissionais em que se insere;

C) Nada nos autos permite concluir pela previsibilidade de uma substancial restrição às oportunidades e ou possibilidades à disposição da recorrida, em função da sequela corporizada no défice á sua integridade físico-psíquica, avaliada como foi em perícia médico-legal em 16,90 pontos;

D) Os esforços acrescidos, necessariamente proporcionais à dimensão daquele deficit físico-psíquico não constituem um dano futuro autónomo a reclamar uma indemnização especificamente adequada a superá-lo, como se de uma incapacidade laboral se tratasse;

E) Ao invés, tais esforços, na justíssima medida em que constituem o reflexo directo da amputação parcial de um todo até então perfeito, com repercussões em todas as dimensões da vida da lesada deverão ser compensados como dano moral;

F) O valor indemnizatório do dano biológico consistente numa IPG de 16,9 pontos reconhecida à recorrida deverá ser calculado de acordo com as previsões da Portaria 337/2008 de 26 de Maio, revista pela Portaria 679/2009 de 25 de Junho;

G) O montante indemnizatório encontrado e sentenciado na primeira instância, e com o qual a ora recorrente se conformou, é largamente superior ao que resultaria da aplicação das tabelas constantes nos referidos diplomas legais, pelo que deverá o mesmo ser mantido;

H) O douto acórdão recorrido ao reconhecer à sinistrada uma indemnização de € 55.000 apenas com base na ficcionada incapacidade laboral de 16,9 pontos, mantendo e aumentando até a compensação por danos não patrimoniais, violou o principio do indemnizatório que, como é consabido, proíbe a acumulação de indemnizações para os mesmos danos;

I) A compensação arbitrada em primeira instância no tocante à compensação pelos danos não patrimoniais está igualmente em conformidade com os valores que se alcançaram em situações tão graves quanto a da aqui autora /recorrida em inúmeras decisões judiciais;

J) Ao invés, a quantia fixada pelo Tribunal a quo corresponde a dois terços do valor que, em regra, vem sendo fixado pela supressão do direito à vida, o qual se cifra em importância que ronda os € 60.000 (valor este que acabaria por ser adoptado pelo legislador em 2008 para ser oferecido, em termos de proposta razoável – vide anexo C da Portaria n" 377/2008);

K) Como flui do acervo de factos provados e acima enumerados, a recorrida sofreu dores, que de forma alguma se pretendem desvalorizar, mas não ficou definitivamente portadora de nenhuma enfermidade significativa;

L) A obrigação de indemnização, qualquer que seja o título de imputação do qual emerge a específica relação creditória, tem por função e limite a supressão dos danos sofridos em consequência de determinado evento, não podendo assumir qualquer tipo de feição lucrativa para o credor da obrigação de indemnização:

M) O Tribunal a quo fez, pois, uma errada aplicação do direito aos factos provados, tendo violado o disposto nos artigos 483°, 494°,496°, 562°, 563° e 566°, todos do Código Civil e ainda o disposto nos artigos 4° e 7° nº 1 da Portaria 377/2008 de 26/05 na sua redacção actual, para além de não ter respeitado os princípios basilares do direito civil português da equidade, adequação e igualdade.

Termos em que, e nos do douto suprimento de V. Exas, deve ser concedido provimento ao presente recurso, revogando-se o douto acórdão recorrido e substituindo-se por outro que, na procedência das conclusões supra enunciadas, mantenha a decisão proferida pela primeira instância, como é de direito e de JUSTIÇA.»


A autora contra-alegou, sustentando a manutenção dos valores arbitrados, nestes termos:

«1. Embora, peque por defeito, a indemnização atribuída à ora Recorrida a título de dano patrimonial deve manter-se nos € 55.000,00,

2. Sendo, de igual modo, a indemnização pelo dano não patrimonial no valor de € 40.000,00.

3. Já que, ao contrário do que pretende e defende a Recorrente, o dano biológico, que é funcional, sofrido com gravidade pela ora Recorrida é autónomo do dano não patrimonial.

4. No cálculo da indemnização por danos patrimoniais futuros, em que intervém necessariamente a equidade, não deve ficcionar-se que a vida física do dano corresponde à sua vida activa.

5. E, os tribunais não estão vinculados, na fixação equitativa dos montantes indemnizatórios a atribuir aos lesados em acidentes de viação, à aplicação das tabelas plasmadas na Portaria nº 377/2008, alterada pela Portaria 679/2000 de 25 de Junho, estes estabelecendo padrões mínimos, a cumprir pelas seguradoras, na apresentação a tais lesados de propostas sérias e razoáveis de regularização de sinistros, indemnizando o dano corporal»


A autora recorreu subordinadamente, restringindo o recurso a duas questões – omissão de pronúncia e início da contagem dos juros moratórios – , concluindo assim as alegações:

«1. A ora Recorrida aquando da apresentação do requerimento de ampliação do pedido de fls. 287 a 289, requereu no seu ponto 2 que fossem relegados para execução de Sentença o que refere o Relatório pericial elaborada pelo IML (e, cujo conteúdo não foi posto em causa pelo relatório de perícia colegial) que se traduz no seguinte: "Na situação em apreço é de perspectivar a existência de Dano Futuro (considerando exclusivamente como tal o agravamento das sequelas que constitui uma previsão fisiopatologicamente certa e segura, por corresponder à evolução lógica, habitual e inexorável do quadro clínico), o que pode obrigar a uma futura revisão do caso. Poderá no futuro não ser possível um parto por via vaginal, caso não existam as condições ditas ideais, face às condicionantes pélvicas pós-sinistro, podendo ser necessária(s) cesariana(s). É uma situação de muito difícil quantificação (face a eventual necessidade de valoração em pontos, pelo que tal deve ser relegado para execução o eventual dano que venha a obrigar a uma futura revisão do caso.

2. E no ponto 4 do mesmo requerimento de ampliação do pedido e, ainda tendo em conta o referido relatório pericial do IML, nesta consta que o défice funcional permanente da integridade físico psíquica: fixável em 19 pontos, sendo de admitir a existência de Dano futuro, mas de muito difícil valoração em pontos, bem como de "Ajudas técnicas permanentes: ajudas medicamentosas", que por não serem quantificáveis, devem ser relegados para execução de Sentença.

3. Ora, não há qualquer dúvida que, o douto Acórdão de fls .... de que se recorre, observou o teor daquele requerimento de ampliação do pedido de fls. 287 a 287, nomeadamente, quanto ao valor ampliado.

4. Não se pronunciou, contudo, quanto à matéria fáctica referida nos seus pontos 2 e 4 e, que a ora Recorrente, reputa de capital importância, uma vez que não pode prescindir desta ajuda medicamentosa, e, que infelizmente, lhe tem provocado obesidade, agravando o seu estado físico-psíquico.

5. Ao não pronunciar-se relativamente à matéria atrás descrita nos pontos 2 e 4 do requerimento de ampliação do pedido, o douto Acórdão de fls .... de que se recorre, violou o disposto nos art° s 608° n° 2 e 615° n? 1 al. d) do C.C.

6. Quanto à incidência dos juros moratórios sobre as quantias indemnizatórias, refere que, a ora Recorrente, na petição inicial formulou o pedido de condenação da Ré em indemnização por danos patrimoniais e não patrimoniais acrescida de juros à taxa legal desde a citação.

7. Os valores encontrados a título de indemnização pelos referidos danos estão de resto de acordo (nomeadamente, dano não patrimonial) com os montantes de indemnização a atribuir tendo como referência o pedido ampliado nos termos em que foi formulado.

8. E, como atrás se disse, nomeadamente, a quantia arbitrada a título de danos patrimoniais peca por defeito.

9. Acresce que a responsabilidade na eclosão do acidente dos autos, foi prontamente assumida pela Recorrida CC, que prestou assistência clínica à ora Recorrente.

10. Em princípio, os montantes indemnizatórios deverão ser, todos eles, reportados à data da citação, de harmonia com a regra geral plasmada nos art°s 804° nº 1 e 805° n° 3 do C.C .. Só não será assim se, em data subsequente à data da citação, vier a ser emitida uma qualquer decisão judicial actualizadora expressa que contemple, por majoração (e com base na estatuição - previsão do nº 2 do art° 562° do C. Civil, esses cômputos indemnizatórios, com apelo aos factores/índices de inflação e/ou da desvalorização ou correcção monetária ou de variação de preços ao consumidor, entre outros factores volumétricos.

11. Fixar o montante de juros moratórias fazendo apelo a supostas actualizações implícitas sob a invocação de um abstracto cumprimento do poder-dever postulado no nº 2 do art° 566° do C. Civil não tem qualquer fundamento.

12. Violou, pois, o douto Acórdão de fls. , de que se recorre o disposto nos art°s 804° nº 1 e 805° nº 3 do C. Civil bem como o Acórdão Uniformizador de Jurisprudência n° 4/2002 de 2002.05.09 publicado no D.R. - I- A de 2002-06-27.

Termos em que atento o douto suprimento de V. Exas deve ser dado provimento ao presente recurso subordinado.


A ré contra-alegou. Sustentou não ser admissível o recurso subordinado, na parte relativa aos juros de mora, por a tanto se opor a dupla conformidade entre as decisões das instâncias e, de qualquer modo, improceder o recurso quanto a ambas as questões.

Os recursos foram admitidos, pelo despacho de fls. 512.


3. Vem provado o seguinte:

«1. No dia 30 de Julho de 2005, cerca das 0,30 horas, na Avenida Júlio Graça, esta comarca, ocorreu um acidente de viação em que foram intervenientes:

- o veículo ligeiro de passageiros de matrícula …-…-QU, propriedade de DD - Compra e Venda de Bens Imóveis, Lda, conduzido por EE, ao serviço, sob as ordens e no interesse do seu proprietário; e o veículo ligeiro de passageiros de matrícula …-…-HL, propriedade de FF e por ele conduzido.

2. A ora autora seguia no HL como passageira gratuitamente transportada.

3. O HL circulava a velocidade moderada nunca superior a 40 Km/h, adequada às condições da via e do local, pela metade direita da faixa de rodagem, no sentido de marcha poente – nascente da Avenida de Ferrol.

4. Por seu lado, o QU circulava pela Avenida Júlio Graça, no sentido sul-norte.

5. No local onde a A. Júlio Graça cruza do lado esquerdo com a Avenida de Ferrol, existe um sinal de stop, sinal que obriga todos os condutores, que circulam pela Avenida Júlio Graça e, pretendem transpor o cruzamento com a Avenida de Ferrol a pararem completamente e a deixarem passar todo o trânsito, que por esta Avenida circulam em ambos os sentidos.

6. Todavia, a condutora do QU circulava totalmente distraída, sem votar qualquer atenção à sua condução, ao trânsito que no local se processava e à sinalização vertical ali existente, com a mais completa falta de cuidado, de prudência, de respeito, de diligência, de habilidade e de destreza.

7. Por tudo isto, não obstante poder ver o HL a pretender passar à sua frente, não parou em obediência ao sinal de stop ali existente e avançou pelo cruzamento entre as Avenidas já referidas de um modo brusco, repentino e inopinado, acabando por embater com a parte da frente do QU na parte lateral direita e frontal do HL, indo imobilizar-se a cerca de 5 metros deste.

8. Por contrato de seguro titulado pela apólice n.° …, o proprietário do QU havia transferido para a antecessora da Ré a responsabilidade emergente da circulação do QU.

9. Em 23 de Outubro de 2009 a A. foi sujeita a exame por um médico indicado pela ré, que lhe atribuiu uma IPG de 8 pontos e um dano estético de 4 numa escala de 7.

10. A autora nasceu em 16 de Dezembro de 1987.

11. A autora recebeu tratamentos médicos nos serviços clínicos da BB Seguros, a expensas desta, e teve alta em 23.10.2009.

12. Mercê do acidente, a autora sofreu esfacelo da hemiface direita, esfacelo do olho direito e do braço esquerdo, fractura da bacia do tipo C – fractura bilateral de ramos com disjunção sacroilíaca bilateral, ferimentos na cabeça e no tornozelo esquerdo, bem como diversos hematomas pelo corpo.

13. Do local do acidente foi imediatamente transportada para o SU do Hospital da Póvoa/Vila do Conde, onde foi submetida a diversos exames radiológicos e análises clínicas, entrando consciente, pouco colaborante e desorientada.

14. Foi transferida para o SU do Hospital de S. João para avaliação por Ortopedia.

15. Permanecendo ali internada, durante 12 dias, no Serviço de Traumatologia com diagnóstico de esfacelo da hemiface direita.

16. E foi operada no SU de Cirurgia Plástica.

17. A autora foi operada no SU de Ortopedia à fractura da bacia do tipo C - fractura bilateral de ramos com disjunção sacroilíaca bilateral com fixação percutânea com parafusos canulados bilateralmente das sacroilíacas e correcção do esfacelo do braço esquerdo.

18. Decorrido satisfatoriamente o período pós-operatório, a autora foi transferida para o Hospital de Guimarães em 12 de Agosto de 2009, onde permaneceu em convalescença e efectuando os tratamentos necessários até ao dia 17 de Agosto de 2009, data em que lhe foi dada alta.

19. Apesar dos tratamentos e cirurgias a que se submeteu, a autora ficou a padecer definitivamente do esfacelo da face, olho direito e braço esquerdo.

20. A autora ficou a padecer de ansiedade, medos e receios exagerados e maior irritabilidade.

21. A autora passou a sofrer de cefaleias.

22. Apesar dos tratamentos e cirurgias a que se submeteu, a autora ficou a padecer, ainda e definitivamente de sequelas do foro estético e funcional – cicatrizes no olho direito e na cara.

23. O saco lacrimal não une bem e soltam-se as lágrimas sem motivo aparente.

24. A autora apresenta cicatrizes várias e queimaduras no braço esquerdo provocadas pelos vidros que não foi possível extrair na totalidade e provocam dores.

25. E cicatrizes na cabeça com perda de cabelo.

26. A autora ficou com uma cicatriz no tornozelo esquerdo.

27. Todas estas sequelas determinam para a autora uma incapacidade parcial permanente para o trabalho de 16,9 pontos.

28. Provocaram à autora um quantum doloris de grau 6 em 7.

29. As lesões sofridas provocaram-lhe dores físicas muito intensas, tanto no momento do acidente como no decurso do tratamento.

30. As sequelas de que a autora ficou a padecer definitivamente continuam a provocar-lhe dores físicas, incómodo e mal estar.

31. Implicam maior esforço para a autora na prática de desporto e quando tem de permanecer muito tempo de pé.

32. E irão acompanhá-la durante toda a vida.

33. E que se exacerbam com as mudanças de tempo.

34. A autora era, à data do acidente, saudável, fisicamente bem constituída, dinâmica, alegre e trabalhadora.

35. A autora aufere desde Fevereiro de 2013 um vencimento mensal ilíquido de 800,00€ (oitocentos euros).»


4. No recurso interposto pela ré, discute-se apenas o montante das indemnizações atribuídas por danos patrimoniais futuros e por danos não patrimoniais, que a recorrente considera excessivo.

No recurso subordinado, suscita-se a omissão de pronúncia descrita e o momento a partir do qual devem ser contados os juros de mora.


5. Antes de entrar na respectiva apreciação, cumpre apreciar a questão da admissibilidade do recurso subordinado, quanto à decisão relativa aos juros de mora. Com efeito, as instâncias coincidiram quanto à determinação do momento do início da respectiva contagem; mas isso não chega para se afirmar existir dupla conformidade de decisões. Mesmo que se possa autonomizar a questão, para efeitos de admissibilidade do recurso de revista, a verdade é que os montantes das condenações no pagamento de juros são diferentes, uma vez que a Relação aumentou as indemnizações a que os juros respeitam.

E ainda que assim não fosse, aplicar-se-ia por analogia o regime previsto pelo nº 5 do artigo 633º do Código de Processo Civil para a eventualidade de ser interposto recurso principal e de se questionar a possibilidade de recurso subordinado, por falta de sucumbência suficiente: sendo admissível a revista principal, é admissível a revista subordinada, ainda que, quanto a esta, haja dupla conforme.


6. Prévia à consideração dos montantes indemnizatórios é ainda a nulidade do acórdão recorrido, arguida pela autora, por não se ter pronunciado “relativamente à matéria atrás descrita nos pontos 2 e 4 do requerimento de ampliação do pedido”.

Mas não procede esta arguição de nulidade. Não consta dos referidos pontos 2 e 4 a definição ou a ampliação de nenhum pedido, nem a definição de nenhuma questão, que coubesse ao tribunal apreciar. Note-se que nem nas alegações de revista se identifica qual foi esse pedido ou essa questão omitida, como se pode verificar na transcrição das conclusões correspondentes.


7. A recorrente CC - Companhia de Seguros, S.A. questiona os montantes das indemnizações atribuídas por danos patrimoniais futuros (vertente patrimonial do chamado dano biológico) e por danos não patrimoniais (dano biológico e demais danos não patrimoniais). Antes de passar à apreciação respectiva, cumpre recordar o seguinte:

– Como sabemos, trata-se, em ambos os casos, de indemnizações cujo critério fundamental de fixação é a equidade (artigos 496º, nº 3 e 566º, nº 3 do Código Civil). Ora, como o Supremo Tribunal da Justiça já observou em diversas ocasiões (cfr., por exemplo, o acórdão de 28 de Outubro de 2010 (www.dgsi.pt, proc. nº272/06.7TBMTR.P1.S1, em parte por remissão para o acórdão de 5 de Novembro de 2009, www.dgsi.pt, proc. nº 381-2002.S1), “a aplicação de puros juízos de equidade não traduz, em bom rigor, a resolução de uma «questão de direito»”; se é chamado a pronunciar-se sobre “o cálculo da indemnização” que “haja assentado decisivamente em juízos de equidade”, não lhe “compete a determinação exacta do valor pecuniário a arbitrar (…), mas tão somente a verificação acerca dos limites e pressupostos dentro dos quais se situou o referido juízo equitativo, formulado pelas instâncias face à ponderação casuística da individualidade do caso concreto «sub iudicio»”. Cfr. ainda os acórdãos de 10 de Outubro de 2012, www.dgsi.pt, proc. 643/2001.G1.S1 ou de 21 de Fevereiro de 2013, www.dgsi.pt, proc.nº 2044/06.0TJVNF.P1.S1 ou de 20 de Novembro de 2014, www.dgsi.pt, proc. nº 5572/05.0TVLSB.L1.S1, que se segue de perto;

– A utilização de critérios de equidade não impede que se tenham em conta as exigências do princípio da igualdade, como observa o acórdão recorrido. A prossecução desse princípio implica a procura de uma uniformização de critérios, naturalmente não incompatível com a devida atenção às circunstâncias do caso (acórdão de 22 de Janeiro de 2009, proc. 07B4242, www.dgsi.pt). Nas palavras do acórdão deste Supremo Tribunal de 31 de Janeiro de 2012 (www.dgsi.pt, proc. nº 875/05.7TBILH.C1.S1), “os tribunais não podem nem devem contribuir de nenhuma forma para alimentar a ideia de que neste campo as coisas são mais ou menos aleatórias, vogando ao sabor do acaso ou do arbítrio judicial. Se a justiça, como cremos, tem implícita a ideia de proporção, de medida, de adequação, de relativa previsibilidade, é no âmbito do direito privado e, mais precisamente, na área da responsabilidade civil que a afirmação desses vectores se torna mais premente e necessária, já que eles conduzem em linha recta à efectiva concretização do princípio da igualdade consagrado no artº 13º da Constituição” (cfr. acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 21 de Fevereiro de 2013 cit.);

– Como repetidamente tem observado o Supremo Tribunal de Justiça, o critério fundamental para a determinação judicial das indemnizações é fixado pelo Código Civil. Os critérios seguidos pela Portaria nº 377/2008, de 26 de Maio, com ou sem as alterações introduzidas pela Portaria nº 679/2009, de 25 de Junho, invocadas pela ré e, aliás, posteriores ao acidente dos autos – o que significa que nunca lhe seriam aplicáveis –, destinam-se expressamente a um âmbito de aplicação extra-judicial e, se podem ser ponderados pelo julgador, não se sobrepõem àquele (cfr., por todos, o acórdão de 7 de Julho de 2009, www.dgsi.pt, proc. nº 205/07.3GTLRA.C1).

Cumpre “não nos afastarmos do equilíbrio e do valor elativo das decisões jurisprudenciais mais recentes” (acórdão de 25 de Junho de 2002, www.dgsi.pt, proc. nº 02ª1321); nas palavras do acórdão deste Supremo Tribunal de 31 de Janeiro de 2012, (www.dgsi.pt, proc. nº 875/05.7TBBILH.C1.S1), “os tribunais não podem nem devem constribuir de nenhuma forma para alimentar a ideia de que neste campo as coisas são mais ou menos aleatórias, vogando ao sabor do acaso ou do arbítrio judicial. Se a justiça, como cremos, tem implícita a ideia de proporção, de medida, de adequação, de relativa previsibilidade, é no âmbito do direito privado e, mais precisamente, na área da responsabilidade civil que a afirmação desses vectores se torna mais premente e necessária, já que eles conduzem em linha recta à efectiva concretização do princípio da igualdade consagrado no artigo 13º da Constituição”;

– Como se disse já no acórdão deste Supremo Tribunal de 31 de Março de 2012 (www.dgsi.pt, 1145/07.1TVLSB.L1.S), na linha dos acórdãos de 20 de Janeiro de 2010 (www.dgsi.pt, proc. nº 203/99.9TBVRL.P1.S1) ou de 20 de Maio de 2010 (www.dgsi.pt, proc. nº 103/2002.L1.S1), “É sabido que a limitação funcional, ou dano biológico, em que se traduz esta incapacidade é apta a provocar no lesado danos de natureza patrimonial e de natureza não patrimonial. No que aos primeiros respeita, o Supremo Tribunal de Justiça já por diversas vezes frisou que «os danos futuros decorrentes de uma lesão física “não [se] reduzem à redução da sua capacidade de trabalho, já que, antes do mais, se traduzem numa lesão do direito fundamental do lesado à saúde e à integridade física; (…) por isso mesmo, não pode ser arbitrada uma indemnização que apenas tenha em conta aquela redução (…)” (cfr. também os acórdãos deste Supremo Tribunal de 28 de Outubro de 1999, proc. nº 99B717, e de 25 de Junho de 2002, proc. nº 02A1321, disponíveis em www.dgsi.pt).» acórdão de 30 de Outubro de 2008 (www.dgsi.pt, proc. nº 07B2978) – e a perda de rendimento que dela resulte, ou a necessidade de um acréscimo de esforço para a evitar (cfr. o acórdão de 20 de Outubro de 2011 (www.dgsi.pt, proc. Nº 428/07.5TBFAF.G1-S1) A lesão que a incapacidade revela pode, naturalmente, causar danos patrimoniais que se não traduzem em perda de ganho (…)”;“uma incapacidade permanente geral, compatível com o exercício da actividade profissional habitual mas exigindo esforços suplementares para a desenvolver, é causa de danos patrimoniais futuros, indemnizáveis nos termos dos artigos 562º e segs., do Código Civil, maxime dos artigos 564º e 566º” (acórdão deste Supremo Tribunal de  20 de Outubro de 2011, www.dgsi.pt, proc, nº 428/07.5TBFAF.G1.S1);

– Para calcular a compensação a atribuir por danos não patrimoniais “que, pela sua gravidade, mereçam a tutela do direito” (nº 1 do artigo 496º do Código Civil), o tribunal decide segundo a equidade, tomando em consideração “o grau de culpabilidade do agente, a situação económica deste e do lesado e as demais circunstâncias do caso” (nº 3 do mesmo artigo 496º e artigo 494º) – cfr., por exemplo, os acórdãos de 31 de Maio de 2012 (proc. nº 14143/07.6TBVNG.P1.S1, www.dgsi.pt) e de 23 de Novembro de 2011 (www.dgsi.pt, proc. nº 90/06.2TBPTL.G1.S1), o que desde logo revela a natureza também sancionatória da obrigação de indemnizar;

– Finalmente, cumpre recordar que não ficaram provados factos que possibilitem a redução dos montantes indemnizatórios considerados equitativos, nos termos previstos no artigo 494º do Código Civil, conjugado com o nº 3 do artigo 496º do mesmo Código; e que a equidade tem de ser justificada nos factos provados (nº 3 do artigo 566º do Código Civil).


8. No que toca à indemnização por danos patrimoniais futuros, a recorrente CC - Companhia de Seguros, S.A. sustenta que se deve manter a quantia arbitrada em 1ª Instância, € 40.000,00. Salienta que a autora “não sofreu, por via directa ou sequer indirecta do acidente (…), qualquer incapacidade que realmente a incapacite de exercer no presente e no futuro a plenitude das funções e tarefas próprias da sua actividade profissional”, e que a mesma “se encontra a trabalhar, sem qualquer restrição, auferindo um salário mensal muito dentro da média salarial específica do segmento etário e das habilitações técnico-profissionais em que se insere”; que a autora “não viu a sua capacidade de trabalho afectada”; que, “inexistindo qualquer prejuízo funcional”, não pode ser atribuída nenhuma indemnização “por dano (inexistente) patrimonial”; que “os esforços acrescidos (…) não constituem um dano futuro autónomo a reclamar uma indemnização especificamente adequada a superá-lo”; antes “deverão ser compensados como dano moral”.

No entanto, o resultado da prova não corresponde a estas afirmações, de que a incapacidade arbitrada à autora não tem repercussões laborais. Segundo se pode ler na sentença e no acórdão recorrido, ponto 27 da matéria de facto provada, as sequelas decorrentes do acidente “determinam para a autora uma incapacidade parcial permanente para o trabalho de 16,9 pontos”.

O acórdão recorrido, considerando esta prova – incapacidade para o trabalho – e o salário auferido pela lesada a partir de 2013, € 800,00 ilíquidos, chegou ao montante de € 55.000,00, utilizando as tabelas e introduzindo as correcções habitualmente citadas na jurisprudência; a diferença de resultado, relativamente à 1ª Instância, decorre de a Relação ter considerado expressamente o valor de € 800,00 mensais para o cálculo que efectuou.

Ora, tendo em conta que vem provado que a incapacidade se repercute na capacidade laboral, nada há a censurar à utilização dos critérios habituais – na verdade, os mesmos a que a 1ª Instância apelou –, nem ao recurso ao valor de € 800,00 como ponto de referência. Como a CC - Companhia de Seguros, S.A. observa, o referido salário corresponde a “um salário mensal muito dentro da média salarial específica do segmento etário e das habilitações técnico-profissionais em que se insere” a autora, nada havendo portanto que objectar à utilização desse valor; que, repete-se, segundo resulta da leitura atenta do acórdão recorrido, é a razão pela qual o acórdão atinge o valor que considerou equitativo.

O caso dos autos é, pois, diferente daquele que o Supremo Tribunal de Justiça apreciou, por exemplo, no acórdão de Supremo Tribunal de Justiça de 20 de Novembro de 2014, www.dgsi.pt, proc. nº 5572/05.0TVLSB.L1.S1, já citado, no qual ficou provado que as sequelas do acidente “não implica[va]m qualquer acréscimo de esforço ou esforço suplementar”, resultando a incapacidade então fixada  do “stress pós traumático resultante do atropelamento, o que lhe origina ansiedade e medo quando tem de atravessar uma passadeira, sendo esta sequela compatível com actividade actual, não implicando esforços complementares”. Concluiu-se, então, no sentido de que a prova apenas permitia considerar essa incapacidade relevante enquanto “dano não patrimonial” – não se traduziu, nem em perda de capacidade de ganho, nem na exigência de um maior esforço para obter o mesmo rendimento que alcançaria sem a incapacidade resultante do acidente.”

Mas merece ser confrontada com o valor da indemnização aqui atribuída aquela que foi arbitrada no proc. nº 3437/07.0TBVCT.G1.S1 pelo acórdão de 11 de Setembro de 2014, com sumário disponível em www.stj.pt . Nesse caso, foi fixada em € 72.000,00 a indemnização correspondente a danos patrimoniais futuros, decorrentes de uma incapacidade parcial permanente de 19 pontos, estando provado que “as sequelas com que ficou, em termos de rebate profissional, são compatíveis com a sua actividade profissional habitual, mas implicam esforços suplementares” , a uma lesada de 18 anos de idade, à data do acidente, quando era estudante, “tendo entretanto concluído o curso de educadora de infância e encontrando-se a trabalhar à data da sentença, auferindo cerca de € 800,00 líquidos mensais”.

Improcede assim, quanto a este ponto, a revista da recorrente CC - Companhia de Seguros, S.A..


9. Relativamente aos danos não patrimoniais, a Companhia de Seguros considera que a indemnização definida é superior àquelas que têm vindo a ser calculadas para situações tão graves como a dos autos e “corresponde a dois terços do valor que, em regra, vem sendo fixado pela supressão do direito à vida, que é o dano de maior gravidade, , € 60.000,00; e que o Tribunal da Relação não atendeu à “situação social e económica em que todos vivemos hodiernamente”.

Mas estas críticas também não merecem acolhimento.

Em primeiro lugar, não parece adequado o confronto que a recorrente estabelece com a indemnização pela perda do direito à vida, cuja razão de ser é claramente diferente daquela que justifica a indemnização ao lesado que sobrevive a um acidente, do qual resultam para ele sofrimentos e sequelas mais ou menos significativas. Cfr., neste sentido, o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 24 de Setembro de 2009, www.dgsi.pt, proc. nº 09B0037: “A compensação pela perda do direito à vida assenta em razões manifestamente diversas daquelas que justificam uma indemnização por outros danos não patrimoniais, o que torna inadequada a comparação entre os montantes arbitrados”.

Em segundo lugar, cumpre ter em conta as circunstâncias do acidente, o sofrimento que implicou, os tratamentos médicos, intervenções, internamentos e períodos de incapacidade que se lhe seguiram (cfr. pontos 12 a 18). Em particular, cumpre dar relevo ao logo tempo durante o qual se prolongaram esses tratamentos e essas intervenções. O acidente ocorreu em 30 de Julho de 2005 (ponto 1) e a lesada só teve alta mais de 4 anos depois, em 23 de Outubro de 2009 (ponto 11).

Em terceiro lugar, há que valorar a incapacidade parcial permanente fixada à autora, na sua repercussão não patrimonial, nos termos já em geral referidos (o dano biológico é uma lesão ao direito à integridade física).

Em quarto lugar, há que considerar as sequelas do acidente, as repercussões estéticas, as dores e demais sofrimento, que se prolongarão pela vida da autora (cfr. pontos 19 a 34), que era saudável à data do acidente (ponto 34); e que não esquecer que, nessa data, a autora tinha apenas 17 anos, o que desde logo significa que, de acordo com a esperança média de vida, poderão manter-se por várias décadas, o que, por si só, justifica o aumento da compensação a arbitrar, por confronto com lesados mais velhos. Só por este aspecto, o caso difere daquele que foi considerado no acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 15 de Março de 2012, www.dgsi.pt, proc. nº 4730/08.0TVLG.L1.P1, citado pela recorrente principal, relativo a um lesado com 57 anos à data do acidente, 40 mais velho do que a autora; ao que acresce que a diversidade de lesões e de sequelas tornam difícil a comparação dos danos.

Finalmente, cumpre atentar no grau de culpa da condutora do veículo causador do acidente, o que, em si mesmo, tem de ser ponderado no cálculo da indemnização por danos não patrimoniais: o acidente resultou de uma infracção séria às regras da circulação automóvel, o desrespeito de um sinal de stop colocado à entrada de um cruzamento de vias de circulação rodoviária (cfr., em especial, os pontos 5, 6 e 7 dos factos provados).

A recorrente Companhia de Seguros cita ainda o acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 1 de Abril de 2008, www.dgsi.pt, proc. nº  0821057; mas não se subscreve a afirmação de que se trata de uma “situação muito mais grave”, tendo em conta a globalidade da matéria de facto provada num e noutro caso. E indica ainda um acórdão que, com os dados fornecidos, não foi possível localizar: o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça “de 17.11.2009, 2 secação, proc. 688/05.1TBVNG.P1”. Admite-se que a recorrente se esteja a referir ao acórdão do Tribunal da Relação do Porto dessa data, 17 de Novembro de 2009, e não do Supremo Tribunal de Justiça, e com o nº 6888/05.1TBVNG.P1, no qual foi confirmada uma sentença que fixou em € 22.000,00 a indemnização por danos morais a um lesado de 17 anos, que sofreu com gravidade. Ainda assim, não se pode estabelecer comparação com o caso presente, desde logo porque o referido lesado, que tinha pedido uma indemnização de € 35.000,00, não recorreu da sentença; a apelação foi interposta, apenas, pela ré Companhia de Seguros. A eventual subida daquele montante de € 22.000,00 nem sequer foi considerada no acórdão citado.

Improcede também este ponto do recurso interposto por CC - Companhia de Seguros, S.A..


10. Resta analisar a questão relativa ao início da contagem dos juros de mora, fixada pelas instâncias no momento da sentença, por ter sido feita a actualização a esse momento.

A autora sustenta que esse momento deveria ser o da citação da ré, nos termos do disposto no nº 3 do artigo 805º do Código Civil.

Mas sem razão, como resulta da aplicação da doutrina firmada pelo Acórdão de Uniformização de Jurisprudência nº 4/2002, de 9 de Maio de 2002 (Diário da República, I Série A, de 27 de Junho de 2002), segundo o qual “Sempre que a indemnização pecuniária por facto ilícito ou pelo risco tiver sido objecto de cálculo actualizado, nos termos do nº 2 do artigo 566º do Código Civil, vence juros de mora, por efeito do disposto nos artigos 805º, n.º 3 (interpretado restritivamente), e 806º, nº 1, também do Código Civil, a partir da decisão actualizadora, e não a partir da citação”.

Com efeito, a sentença esclarece expressamente que o cálculo que efectuou para a determinação dos montantes indemnizatórios foi actualizado: “A estas quantias, liquidadas e fixadas na sentença, tendo em consideração que o valor da indemnização foi aferido pelo valor da moeda à data, por isso já actualizado, sobre ela devem somente, recair a obrigação de juros de mora, a partir da prolação da sentença e não da citação como pretende a autora”.

O acórdão recorrido confirma esta decisão, louvando-se também no Acórdão de Uniformização de Jurisprudência nº 4/2002.

Nas alegações de revista, a recorrente não justifica a discordância, limitando-se a afirmar que os montantes indemnizatórios “pecam por defeito” e “estão bem longe de poderem considerar-se actualizad[a]s”.

Ora os juros de mora não podem transformar-se, nem numa elevação indirecta dos montantes indemnizatórios, nem numa duplicação de indemnizações pela demora no pagamento da indemnização. No acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 22 de Janeiro de 2009 (www.dgsi.pt, proc. nº 07B4242), disse-se: “No sentido de que os juros de mora se contam desde a data da sentença da 1ª Instância, se a indemnização foi calculada com referência a esse momento, veja-se o acórdão deste Supremo Tribunal de 18 de Dezembro de 2007 (…). Como se escreveu no acórdão deste Supremo tribunal de 23 de Outubro de 2008 (proc. nº 08B2318, em www.dgsi.pt) “pois que a compensação pelos aludidos danos não patrimoniais terá sido – tal como agora o é aqui – concebida de forma actualizada, resultando num cúmulo injustificado a contagem dos juros de mora a partir da citação, já que a respectiva obrigação pecuniária agora em causa cobre todo o dano verificado. De facto, como se diz no acórdão deste STJ de 25/10/2007 – Pº 07B3026 (…), “… se no momento da prolação da decisão, o juiz actualiza o montante do dano liquidado para reparar o prejuízo que o lesado efectivamente sofreu, os juros moratórios, a serem concedidos desde a citação para a acção, representarão uma duplicação de parte do ressarcimento, e este excederá o prejuízo efectivamente verificado.”»

Não merece provimento, portanto, o recurso subordinado.

11. Nestes termos, nega-se provimento a ambos os recursos.

Custas por cada recorrente, relativamente ao recurso que interpôs.

Lisboa, 04 de Junho de 2015

Maria dos Prazeres Beleza (Relatora)

Salazar Casanova

Lopes do Rego