Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0806/12
Data do Acordão:08/08/2012
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:FRANCISCO ROTHES
Descritores:EXECUÇÃO FISCAL
COMPENSAÇÃO DE CRÉDITOS
PRESTAÇÃO DE GARANTIA
PRAZO DE IMPUGNAÇÃO
PRINCÍPIO DA BOA-FÉ
SUSPENSÃO DA EXECUÇÃO FISCAL
Sumário:I - A compensação por iniciativa da AT apenas poderá ser efectuada no âmbito de uma execução fiscal depois de esgotadas as possibilidades de impugnação administrativa e judicial do acto de liquidação e de oposição à execução que a lei concede ao executado.
II - Era essa a melhor interpretação da lei no domínio da redacção inicial do art. 89.º, n.º 1, do CPPT e que foi inequivocamente vertida na letra do preceito na redacção que lhe foi dada pela Lei n.º 3-B/2010, de 18 de Abril (Lei do Orçamento do Estado para 2010), aplicável à situação sub judice.
III - Assim, é ilegal o acto de compensação efectuado pela AT antes de esgotados os prazos para reclamação graciosa e para impugnação judicial da liquidação que deu origem à dívida exequenda, como decorre da alínea a) do n.º 1 do art. 89.º do CPPT.
IV - Não faz sentido e não encontra apoio na lei o entendimento de que, ainda que estejam a correr aqueles prazos, a AT só está impossibilitada de proceder à compensação se a dívida exequenda se mostrar já garantida nos termos do art. 169.º, exigência essa que o art. 89.º, n.º 1, do CPPT apenas faz relativamente às situações previstas na sua alínea b), ou seja, quando estejam já pendentes os meios graciosos ou contenciosos.
V - Ainda que assim fosse, tendo o executado apresentado fiança dentro do prazo que lhe foi assinalado pelo órgão de execução fiscal para prestar garantia, não pode a AT proceder à compensação sem que previamente se pronuncie sobre a idoneidade da mesma, sob pena de violação do princípio ínsito no art. 89.º do CPPT.
VI - A prática de acto de compensação de crédito por iniciativa da administração tributária após a oportuna apresentação de requerimento para prestação de garantia e antes da sua apreciação também viola o princípio da boa fé que deve presidir à actividade administrativa (art. 6.º-A do CPA e art. 266.º da CRP), porque frustra a legítima expectativa de apreciação da pretensão, ancorada no princípio da decisão.
Nº Convencional:JSTA00067756
Nº do Documento:SA2201208080806
Data de Entrada:07/12/2012
Recorrente:FAZENDA PÚBLICA
Recorrido 1:A..., S.A.
Votação:UNANIMIDADE
Meio Processual:REC JURISDICIONAL
Objecto:SENT TAF PORTO PER SALTUM
Decisão:NEGA PROVIMENTO
Área Temática 1:DIR PROC TRIBUT CONT - EXEC FISCAL
Legislação Nacional:CPPTRIB99 ART89 N1 ART169
L 3-B/2010 DE 2010/04/28 ART120
CCIV66 ART9 N3
LGT98 ART55
CONST76 ART266
CPA91 ART6-A
Jurisprudência Nacional:AC TC 386/2005 DE 2005/07/13; AC STA PROC0947/04 DE 2005/10/18; AC STAPLENO PROC0997/08 DE 2009/12/02; AC STA PROC026/12 DE 2012/01/31; AC STA PROC0277/09 DE 2009/09/30; AC STA PROC0291/08 DE 2008/06/25; AC TCA PROC5616/01 DE 2003/06/21; AC STA PROC089/12 DE 2012/02/15; AC STA PROC0344/10 DE 2010/05/19
Referência a Doutrina:JORGE DE SOUSA CÓDIGO DE PROCEDIMENTO E DE PROCESSO TRIBUTÁRIO ANOTADO E COMENTADO 6ED VOLI PAG730-731
Aditamento:
Texto Integral: 1. RELATÓRIO
1.1 A sociedade denominada “A……, S.A.” (adiante Executada, Reclamante ou Recorrida), invocando o disposto no arts. 276.º e 278.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT), reclamou junto do Juiz do Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto da decisão que procedeu à compensação da dívida exequenda com um crédito que ela, Executada, detinha sobre a Administração tributária (AT).
Pediu a anulação daquela decisão com o fundamento de que, na data em que a compensação foi efectuada, ainda não se tinham esgotado os prazos de reclamação graciosa ou de impugnação judicial contra a liquidação que deu origem à dívida exequenda, bem como tinha já sido prestada garantia em ordem a obter a suspensão da execução fiscal, na sequência de notificação que para o efeito lhe foi efectuada pelo órgão de execução fiscal após a Executada ter manifestado a intenção de impugnar judicialmente aquela liquidação.

1.2 A Juíza do Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto julgou a reclamação procedente e, em consequência, anulou o acto reclamado.
Para tanto, em síntese, considerou «por um lado, que antes da compensação operar a dívida já se mostrava garantida por fiança e, por outro lado, que ainda não estavam decorridos os prazos legais de reclamação graciosa e impugnação judicial»; mais considerou, louvando-se em jurisprudência deste Supremo Tribunal Administrativo, que o art. 89.º, n.º 1, do CPPT – que ponderou na sua redacção original, como resulta da transcrição do mesmo feita na sentença – «não apoia a Administração na declaração de compensação de dívida tributária sem que sobre o acto de liquidação da mesma tenha decorrido o prazo de impugnação administrativa e contenciosa».
Concluiu que «o acto de compensação da dívida exequenda operada pela AT, ao abrigo do disposto no art. 89.º do CPPT, quando a dívida já se mostrava garantida e ainda não estavam esgotados os prazos de reclamação graciosa e impugnação judicial é ilegal, o que importa declarar, impondo-se, por esse motivo, a devolução do montante objecto de compensação acrescido de juros de mora até o efectivo reembolso».

1.3 A Fazenda Pública (adiante também Recorrente) não se conformou com essa sentença e dela interpôs recurso para este Supremo Tribunal Administrativo, apresentando com o requerimento de interposição do recurso as respectivas alegações, que resumiu em conclusões do seguinte teor:
«
A. Vem o presente recurso interposto da douta sentença que julgou procedente a reclamação deduzida nos termos do art. 276º do CPPT, contra o ato de compensação efectuado em 2012/01/12 no PEF com o nº 1805201101235672 (PEF), que corre termos no SF da Maia contra a aqui reclamante,

B. sendo seu fundamento a ilegalidade da compensação efetuada pela administração tributária (AT), por violação do disposto no art. 89º, nº 1, al. a) do CPPT.

C. Decidiu, a final, a Meritíssima (Mma) Juíza [do Tribunal] a quo pela ilegalidade do ato de compensação efetuado, por violação do disposto no predito preceito legal, considerando que “o ato de compensação da dívida exequenda operada pela AT, ao abrigo do disposto no art. 89º do CPPT, quando a dívida já se mostrava garantida e ainda não estavam esgotados os prazos de reclamação graciosa e impugnação judicial é ilegal”,

D. decisão esta com a qual, com a ressalva do sempre devido respeito, não pode a Fazenda Pública conformar-se, porquanto entende que os autos demonstram o integral preenchimento dos aludidos requisitos para que a AT efetive a compensação operada, agindo a AT no estrito cumprimento da legalidade que impera na sua atuação.

E. A AT está vinculada a aplicar os créditos do contribuinte na compensação das suas dívidas, como forma de extinção das obrigações (cfr. art. 847º, nº 1, do Código Civil), prevendo o art. 40º da LGT, no seu nº 2, expressamente, a compensação de créditos tributários como forma de extinção da obrigação tributária.

F. O respeito pelos princípios da igualdade e da proibição do arbítrio impõem à AT a proibição de concessão de moratórias, bem como a suspensão da execução fiscal fora dos casos previstos na lei (cfr. art.s 36º, nº 3, da LGT e 85º do CPPT), por força do princípio da indisponibilidade dos créditos tributários, genericamente enunciado no art. 30º da LGT.

G. O art. 52º da LGT impede a suspensão da cobrança da prestação tributária, efectuada no processo de execução fiscal, salvo em casos de pagamento em prestações ou reclamação, recurso, impugnação da liquidação ou oposição à execução que tenha por objecto a ilegalidade ou inexigibilidade da dívida exequenda, sempre que exista prestação de garantia idónea nos termos das leis tributárias.

H. Por seu lado, o art. 89º do CPPT dispõe, no nº 1, que os créditos do executado resultantes, designadamente, de reembolso, são obrigatoriamente aplicados na compensação das suas dívidas à mesma AT, exceto se estiver a correr prazo para interposição de reclamação graciosa, impugnação judicial, recurso judicial ou oposição à execução ou estar pendente qualquer um desses meios graciosos ou judiciais ou estar a dívida a ser paga em prestações,

I. desde que, contudo, a dívida exequenda se mostre garantida nos termos do art. 169º.

J. Por outro lado, o art. 169º do CPPT condiciona a suspensão da execução à constituição de garantia nos termos do art. 195º ou à sua prestação nos termos do art. 199º, sendo certo que este último sugere que nem todas as garantias serão sempre adequadas, nem, portanto imediatamente aceites.

K. Reunidos os pressupostos exigidos por lei para que a compensação operasse, impunha-se à AT a obrigação de efetuar a compensação da dívida cuja execução não se encontrava garantida, considerando que o imperativo legal de cobrança coerciva nasce após o decurso do prazo de pagamento voluntário e que os créditos do executado para com a AT são obrigatoriamente aplicados na compensação das suas dívidas a essa mesma entidade.

L. É, pois, a compensação efetuada legítima face à lei, designadamente ao disposto no art. 89º do CPPT, já que, no momento da prática do ato controvertido, não obstante a reclamante ter prestado garantia, a mesma ainda se encontrava em apreciação pela AT, não se mostrando o PEF suspenso nos termos do disposto no art. 169º do mesmo diploma.

M. Não obstante o reclamante ter manifestado intenção de reagir contra a liquidação subjacente à instauração do PEF, o certo é que ainda não o tinha feito à data do ato de compensação controvertido.

N. Assumindo a suspensão da execução fiscal, proibida nos casos não previstos da lei (cf. art. 36º, nº 3, da LGT), um caráter claramente excecional, designadamente, tendo em conta os estritos termos e exigências reveladas pelos princípios da vinculação à lei na atividade administrativa tributária e da indisponibilidade dos créditos fiscais e proibição da concessão de moratórias no seu pagamento, mormente se estiverem vencidos, afasta-se quaisquer juízos de oportunidade daquela mesma atividade.

O. É o que decorre, afinal, da al. b) do nº 1 do art. 89º do CPPT, a contrario, que impõe que a AT efetue a aplicação de um crédito do executado na compensação das suas dívidas tributárias, desde que a dívida não se mostre garantida nos termos do art. 169º do CPPT, mesmo que esteja pendente processo judicial.

P. A compensação controvertida é assim legalmente admissível, diante do disposto no art. 89º do CPPT, pois sobre a ora reclamante impendia uma dívida fiscal, reconhecida num ato idóneo à promoção da sua cobrança, sendo pois legalmente exigível e podendo a qualquer momento ocorrer um facto extintivo da prestação tributária em dívida, como seja, a compensação efetuada.

Q. Com a prestação da garantia sob a forma de fiança, no seguimento de notificação do órgão de execução fiscal para o efeito, não ficou este órgão investido, desde logo, na obrigação de suspensão da execução.

R. Aliás, conforme consta dos autos (informação/despacho de 2011/01/16) e em conformidade com o disposto no nº 2 do art. 197º do CPPT, ex vi nº 8 do art. 199º do mesmo diploma legal, a competência para apreciar as garantias a prestar é da Direção de Finanças, motivo pelo qual não podia o órgão de execução fiscal, sem mais, declarar a suspensão do PEF.

S. A suspensão da execução nos termos do art. 169º do CPPT mediante aceitação de uma garantia como idónea implica claramente um trabalho de análise adequado e proporcional ao montante da dívida a garantir,

T. estando em causa a segurança do pagamento de dívida tributária vencida de avultado montante, legitimadora de atuação do órgão da execução fiscal segundo exigências maiores na assunção das soluções adequadas à salvaguarda do interesse público no recebimento das quantias que lhe são devidas, especialmente no tipo de garantia a aceitar, sempre numa perspetiva de adequação ao montante do crédito do exequente e de mais fácil realização do crédito.

U. Entende assim a Fazenda Pública, com o devido respeito pelo que vem decidido e salvo melhor entendimento, que a douta decisão recorrida padece de erro no julgamento na aplicação do direito, pois, decidindo como decidiu, errou na subsunção dos factos dados como provados às normas jurídicas aplicáveis in casu, mais concretamente as que regem a compensação de dívidas de tributos por iniciativa da Administração Tributária e a suspensão da execução fiscal, ou seja, os art.s 89º e 169º do CPPT.

Nestes termos, deve ser dado provimento ao presente recurso, revogando-se a douta decisão recorrida, com as legais consequências».

1.4 O recurso foi admitido a subir imediatamente, nos próprios autos e com efeito suspensivo.

1.5 A Reclamante não contra alegou.

1.6 Recebidos os autos neste Supremo Tribunal Administrativo, foi dada vista ao Ministério Público e a Procuradora-Geral Adjunta emitiu parecer no sentido de que seja negado provimento ao recurso, remetendo para o parecer proferido pelo Representante do Ministério Público junto do Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto e que, no que a esta questão respeita, deixou consignado o seguinte:

«O STA tem entendido que o art. 89º do CPPT deve ser interpretado de forma a não se admitir a declaração de compensação de dívida de tributos enquanto não decorrerem os prazos legais de impugnação contenciosa ou administrativa do acto de liquidação da dívida em causa, sob pena de violação dos princípios constitucionais da igualdade e do direito a uma tutela jurisdicional efectiva – cfr Acs STA de 22.04.2009 rec. 277/09 e de 25.06.2009, proferido no proc. 0488/09.

Ora a reclamante antes da compensação havia prestado garantia na forma de fiança, encontrando-se ainda a correr os prazos de reclamação graciosa e impugnação judicial contra a liquidação exequenda».

1.7 Dispensaram-se os vistos dos Juízes Conselheiros adjuntos, atento o carácter urgente do processo.

1.8 A questão suscitada pela Recorrente é a de saber se a sentença recorrida fez correcto julgamento quando considerou ilegal a compensação operada no processo de execução fiscal, o que, como procuraremos demonstrar, passa por indagar se o órgão de execução fiscal pode proceder à compensação (i) sem que se mostre esgotado o prazo para impugnar administrativa e judicialmente o acto de liquidação e (ii) sem que a AT se tenha pronunciado pela inidoneidade da garantia oportunamente prestada pela Executada em resposta à notificação que lhe foi efectuada para o efeito pelo órgão de execução fiscal na sequência da manifestação da intenção de deduzir impugnação judicial questionando a legalidade da liquidação da dívida exequenda.


* * *

2. FUNDAMENTAÇÃO

2.1 DE FACTO

A sentença recorrida efectuou o julgamento da matéria de facto nos seguintes termos:

«Com interesse para a decisão da causa resulta apurada a seguinte factualidade:

a) Em 29/11/2011, foi instaurado contra a reclamante o processo de execução fiscal n.º 1805201101235672, por dívidas relativas a IRC do ano de 2007, no montante de € 27.774.337,46 (cf. informação de fls. 7 dos autos).

b) A reclamante, no âmbito daquele processo executivo, solicitou o cálculo da garantia a prestar, tendo sido notificada em 26/12/2011, do valor da garantia a prestar, bem como para no prazo de 15 dias a apresentar (cf. doc. de fls. 7 a 9 dos autos).

c) Em 10/01/2012, a reclamante com vista à suspensão do processo executivo apresentou Fiança emitida pela “B……, S.A”, na qual aquela sociedade se constituía fiadora da, ora, reclamante, até ao montante de € 35.204.319,45 para efeitos de suspensão do processo executivo identificado na alínea a), renunciando ao benefício da excussão prévia (cf. doc. de fls. 10 a 12 dos autos).

d) Em 11/01/2012, nos termos do art. 89º do CPPT, a AT procedeu à compensação de créditos, emitindo para o efeito a compensação nº 2012 00000048846, no montante de € 10.406,10, proveniente de crédito/reembolso de IRC do ano de 2007 (cf. doc. de fls. 30 e 31 dos autos).

e) Com data de 29/09/2011, foi emitida a liquidação nº 2011 00001567518, relativa a IRC do ano de 2007, no montante de € 27.774.337,46, com data limite de pagamento de 07/11/2011 (cf. doc. de fls. 33 dos autos).

f) A presente reclamação foi intentada em 30/01/2012 (cf. doc. de fls. 16 dos autos)».

2.2 DE DIREITO

2.2.1 A QUESTÃO A APRECIAR E DECIDIR

A sociedade denominada “A……, S.A.” pediu ao órgão da execução fiscal que lhe liquidasse a garantia a prestar em ordem à suspensão da execução instaurada contra ela para cobrança coerciva de dívida proveniente de IRC, manifestando a intenção de impugnar judicialmente a liquidação que deu origem a essa dívida.
O órgão de execução fiscal procedeu ao requerido cálculo e notificou a Executada para prestar a garantia em 15 dias, sendo que esta, dentro desse prazo, apresentou uma fiança.
A AT, estando ainda a correr o prazo de reclamação graciosa e de impugnação judicial da liquidação que deu origem à dívida exequenda e sem que se tenha pronunciado sobre a idoneidade da garantia apresentada, procedeu à compensação (parcial) da dívida exequenda com um crédito da Executada sobre a AT.
Discordando dessa compensação, a Executada dela reclamou para o Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto, que julgou a reclamação procedente com fundamento na ilegalidade daquele acto com base nos dois fundamentos invocados: impossibilidade da Administração proceder à compensação (a) enquanto estiverem em curso os prazos de impugnação administrativa e contenciosa e (b) por ter já sido prestada garantia.
A Fazenda Pública discorda da sentença, considerando, em síntese, por um lado que não podia suspender a execução fiscal sem que a dívida exequenda e o acrescido se mostrassem garantidos, pelo que se lhe impunha proceder à compensação e, por outro lado, que não se podia ainda considerar prestada a garantia, uma vez que ainda não tinha emitido pronúncia sobre a idoneidade da fiança que a Executada apresentou como garantia.
Assim, como adiantámos em 1.8, a questão que cumpre apreciar e decidir é a de saber se a sentença recorrida fez correcto julgamento quando considerou ilegal a compensação operada no processo de execução fiscal, o que, como procuraremos demonstrar, passa por indagar se o órgão de execução fiscal pode proceder à compensação (i) sem que se mostre esgotado o prazo para impugnar administrativa e judicialmente o acto de liquidação e (ii) sem que a AT se tenha pronunciado pela inidoneidade da garantia oportunamente prestada pela Executada em resposta à notificação que lhe foi efectuada para o efeito pelo órgão de execução fiscal na sequência da manifestação da intenção de deduzir impugnação judicial questionando a legalidade da liquidação da dívida exequenda.

2.2.2 DA LEGALIDADE DO ACTO DE COMPENSAÇÃO

2.2.2.1 Inequivocamente, o n.º 1 do art. 89.º do CPPT, na redacção que lhe foi dada pelo art. 120.º da Lei n.º 3-B/2010, de 28 de Abril (Lei do Orçamento de Estado para 2011), não permite a compensação nos casos em que esteja a correr o prazo para interpor qualquer meio de impugnação contenciosa ou administrativa contra a dívida que se pretende compensar.
É o que resulta do preceito, que diz:

«Os créditos do executado resultantes de reembolso, revisão oficiosa, reclamação ou impugnação judicial de qualquer acto tributário são obrigatoriamente aplicados na compensação das suas dívidas à mesma administração tributária, excepto nos casos seguintes:
a) Estar a correr prazo para interposição de reclamação graciosa, recurso hierárquico, impugnação judicial, recurso judicial ou oposição à execução;
b) Estar pendente qualquer dos meios graciosos ou judiciais referidos na alínea anterior ou estar a dívida a ser paga em prestações, desde que a dívida exequenda se mostre garantida nos termos do artigo 169.º».

Era já esse o entendimento da jurisprudência na vigência da redacção inicial do n.º 1 do art. 89.º do CPPT, que, menos explicitamente, rezava:

«Os créditos do executado resultantes de reembolso, revisão oficiosa, reclamação graciosa ou impugnação judicial de qualquer acto tributário são obrigatoriamente aplicados na compensação das suas dívidas à mesma administração tributária, salvo se pender reclamação graciosa, impugnação judicial, recurso judicial ou oposição à execução da dívida exequenda ou esta esteja a ser paga em prestações, devendo a dívida exequenda mostrar-se garantida nos termos deste Código».

No entanto, mesmo à luz da redacção inicial do n.º 1 do art. 89.º do CPPT, a jurisprudência vinha entendendo que, para efeitos de compensação de dívidas de tributos por iniciativa da AT, se devia equiparar à pendência dos meios processuais ou procedimentais aí elencados o não decurso dos respectivos prazos (De que são expressão os seguintes acórdãos do Pleno da Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:
- de 6 de Maio de 2009, proferido no processo com o n.º 356/08, publicado no Apêndice ao Diário da República de 25 de Setembro de 2009 (http://www.dre.pt/pdfgratisac/2009/32420.pdf), págs. 91 a 94, também disponível em
http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/af862fd25933b9ee802575bc004cea19?OpenDocument;
- de 28 de Outubro de 2009, proferido no processo com o n.º 694/08, publicado no Apêndice ao Diário da República de 21 de Janeiro de 2010 (http://www.dre.pt/pdfgratisac/2009/32440.pdf), págs. 179 a 183, também disponível em
http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/2025debc5a08cd608025766300410b2d?OpenDocument;
- de 2 de Dezembro de 2009, proferido no processo com o n.º 997/08, publicado no Apêndice ao Diário da República de 21 de Janeiro de 2010 (http://www.dre.pt/pdfgratisac/2009/32440.pdf), págs. 195 a 200, também disponível em
http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/0b7417859dbd8c3380257688004e52ea?OpenDocument..)
Isto, em síntese, porque se entendia que «a proibição de efectuar a compensação se pender reclamação graciosa, impugnação judicial, recurso judicial ou oposição à execução da dívida exequenda exprime uma intenção legislativa de a compensação só se dever efectuar relativamente a dívidas sobre as quais não haja controvérsia ou já não haja controvérsia, pelos meios processuais e procedimentais adequados, quanto à legalidade da dívida. Por isso está ínsito naquele n.º 1, já na redacção inicial, que a compensação não possa ser declarada enquanto não decorrerem os prazos legais de impugnação contenciosa e administrativa do acto de liquidação da dívida em causa»(JORGE LOPES DE SOUSA, Código de Procedimento e de Processo Tributário anotado e comentado, Áreas Editora, 6.ª edição, volume I, anotação 9 ao art. 89.º, pág. 730.) .
É certo que o Tribunal Constitucional, no seu acórdão de 13 de Julho de 2005, com o n.º 386/2005 (Acórdão proferido no processo com o n.º 947/2004, publicado no Diário da República, II Série, de 18 de Outubro de 2005 (http://dre.pt/pdfgratis2s/2005/10/2S200A0000S00.pdf), pág. 14858 a 14863, também disponível em
http://www.tribunalconstitucional.pt/tc/acordaos/20050386.html.,) se veio a pronunciar no sentido da não inconstitucionalidade do art. 89.º, n.º 1, do CPPT, na redacção inicial, quando interpretado com o sentido de permitir a compensação logo que a dívida se torne exigível. Mas, como salienta JORGE LOPES DE SOUSA, «mesmo que se considere compatível com a CRP a possibilidade de ser efectuada a compensação findo o prazo de pagamento voluntário, antes de esgotados os prazos de impugnação contenciosa ou administrativa, como entendeu o TC no acórdão citado, não é de adoptar essa interpretação por não ser essa que se deve fazer, à face das regras gerais de interpretação», e o mesmo Autor conclui: «A redacção dada ao n.º 1 deste art. 89.º pela Lei n.º 3-B/2010, de 18 de Abril, vem esclarecer expressamente que a compensação aí prevista apenas não é possível enquanto correrem os prazos legais de impugnação administrativa e contenciosa»(JORGE LOPES DE SOUSA, idem, págs. 730/731.).
Seja como for, certo é que, após a entrada em vigor da nova redacção dada ao n.º 1 do art. 89.º do CPPT pelo art. 120.º da Lei n.º 3-B/2010, de 28 de Abril, ocorrida no dia seguinte ao da sua publicação, nos termos do art. 176.º da mesma Lei, a questão deixou de ser controvertida: é hoje inequívoco que a compensação por iniciativa da AT apenas poderá ser efectuada no âmbito de uma execução fiscal depois de esgotadas as possibilidades de impugnação administrativa e judicial do acto de liquidação e de oposição à execução que tem o executado.
Nem faz sentido, salvo o devido respeito, sustentar, como o faz a Recorrente, que a impossibilidade da compensação no caso de estarem ainda em curso os prazos para a impugnação administrativa ou contenciosa só se verifica se a dívida exequenda se mostrar já garantida nos termos do art. 169.º do CPPT.
Na verdade o requisito de que a dívida exequenda se mostre garantida, relativamente às situações em que o legislador entendeu exceptuar a possibilidade de compensação, apenas foi formulado para as situações previstas na alínea b) do art. 89.º, n.º 1, do CPPT e já não para as situações previstas na alínea a) do mesmo preceito legal. É o que resulta claramente da redacção dada àquelas alíneas da lei, sendo que se o legislador quisesse que também nas situações previstas na alínea a) fosse observado esse requisito, por certo (cfr. art. 9.º, n.º 3, do Código Civil) teria levado a oração subordinada «desde que a dívida exequenda se mostre garantida nos termos do artigo 169.º» ao corpo do artigo ou, pelo menos, tê-la-ia também incluído na parte final da alínea a), ao invés de fazê-lo exclusivamente na parte final da alínea b). Também a ratio legis – elemento da maior importância na tarefa hermenêutica (cfr. art. 9.º, n.º 3, do Código Civil) e do qual demos já conta –, aponta nesse sentido.
Podemos, pois, concluir, com a sentença recorrida, que não é possível a compensação da dívida exequenda por iniciativa da AT antes de esgotadas as possibilidades que a lei confere ao executado de impugnação administrativa e judicial do acto de liquidação e de oposição à execução.
Tanto basta para que se conclua que bem andou a sentença recorrida ao julgar ilegal o acto de compensação operado pela AT, o que tem como consequência que o recurso não possa ser provido.

2.2.2 A sentença julgou também ilegal a compensação com o fundamento de que estava já prestada garantia pela Executada, entendimento com o qual a Fazenda Pública não concorda e que motivou também o presente recurso.
Tem razão a Recorrente ao afirmar que não pode considerar-se prestada a garantia. Apesar de a Executada ter apresentada uma fiança a fim de garantir o pagamento da dívida exequenda e do acrescido, a garantia não pode considerar-se prestada enquanto a AT não se pronunciar sobre a idoneidade da mesma.
No entanto, mesmo que à data em que foi efectuada a compensação não estivessem ainda em curso os prazos para reclamar graciosamente e impugnar judicialmente a liquidação de IRC que deu origem à dívida exequenda – e, como vimos, estavam – nunca a AT poderia proceder à compensação sem que previamente se tivesse pronunciado sobre a idoneidade da fiança apresentada.
Na verdade, enquanto estiver pendente o prazo para prestar garantia ou enquanto a AT não se tiver pronunciado sobre a garantia oferecida, não deverão ser praticados no âmbito da execução fiscal actos ofensivos do património do contribuinte, como o é manifestamente a compensação por iniciativa da AT, na medida que o priva de um crédito a que tem direito sem para tal ter de consentir (No mesmo sentido, o acórdão deste Supremo Tribunal Administrativo de 31 de Janeiro de 2012, proferido no processo com o n.º 26/12, ainda não publicado no jornal oficial, mas disponível em
http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/b86a15c8aa15c995802579a50043fec7?OpenDocument..)
É certo que a dívida ainda não estava garantida. No entanto, notificada para prestar garantia no prazo de 15 dias, a Executada veio dentro desse prazo apresentar fiança, o que não pode ser ignorado. Ora, a AT, sem que se tivesse pronunciado sobre a idoneidade da garantia oferecida, procedeu à compensação parcial da dívida exequenda com um crédito que a Executada detinha sobre a AT.
Só à luz de uma interpretação estritamente literal do art. 89.º, n.º 1, do CPPT, se pode aceitar como legítima a actuação da AT. Como lapidarmente ficou dito no acórdão de 22 de Abril de 2009 deste Supremo Tribunal Administrativo ( Acórdão proferido no processo com o n.º 277/09, publicado no Apêndice ao Diário da República de 30 de Setembro de 2009 (http://www.dre.pt/pdfgratisac/2009/32220.pdf), págs. 598 a 602, com texto disponível em
http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/4bbc957844cfd94a802575a700315740?OpenDocument.), depois de se salientar que, para efeitos de compensação de dívidas de tributos por iniciativa da AT deve equiparar-se à pendência dos meios processuais ou procedimentais aí elencados o não decurso dos respectivos prazos, «isto tanto vale quanto aos meios impugnatórios propriamente ditos (reclamação, impugnação, recurso ou oposição) como aos procedimentos tendentes à prestação de garantia, por um argumento de identidade de razão e sob pena de se desvirtuar a ratio legis que a excepção à possibilidade de compensação constante da parte final do n.º 1 do artigo 89.º pretende acautelar, que parece ser o de “a compensação só se dever efectuar relativamente a dívidas sobre as quais não haja controvérsia”»(Neste sentido, JORGE LOPES DE SOUSA, op. cit., vol. I, nota 9 ao art. 89.º, págs. 730/731.).
A nosso ver, para efeitos de suspensão da execução fiscal e em face da dedução da impugnação judicial ou da declaração de intenção de a deduzir, a garantia deve considerar-se prestada, temporária e provisoriamente, enquanto a AT não se pronunciar expressamente pela sua inidoneidade. Dito de outro modo, enquanto não houver decisão expressa da AT no sentido da inidoneidade da garantia, esta deve ter-se como prestada para efeitos de obviar à compensação. É essa a única interpretação compatível com a intenção do legislador, reafirmada com as alterações que àquele artigo foram introduzidas pela Lei do Orçamento do Estado para 2010, no sentido de «a compensação só se dever efectuar relativamente a dívidas sobre as quais não haja controvérsia ou já não haja controvérsia, pelos meios procedimentais e processuais adequados, quanto à legalidade da dívida» (JORGE LOPES DE SOUSA, ibidem)..
Assim parece não o ter entendido a AT, que procedeu à compensação sem que antes tivesse considerado inidónea a garantia prestada pela Executada.
Também por esse motivo o acto de compensação enferma de ilegalidade, a determinar a sua anulação.
Mesmo que não se concorde com esta tese, afigura-se-nos que sempre haveria de anular-se o acto de compensação por o mesmo violar o princípio da boa-fé, cuja aplicação é hoje inquestionável em sede da actividade administrativa tributária, sendo que pese embora o mesmo não esteja expressamente referido no art. 55.º da Lei Geral Tributária (LGT), a sua aplicabilidade resulta, em primeira linha, do disposto no art. 266.º da Constituição da República (Diz o art. 266.º da CRP:
«1. A Administração Pública visa a prossecução do interesse público, no respeito pelos direitos e interesses legalmente protegidos dos cidadãos.
2. Os órgãos e agentes administrativos estão subordinados à Constituição e à lei e devem actuar, no exercício das suas funções, com respeito pelos princípios da igualdade, da proporcionalidade, da justiça, da imparcialidade e da boa-fé».) (CRP) e também do art. 6.-A do Código do Procedimento Administrativo (CPA) (Diz o art. 6.º-A, do CPA:
«1. No exercício da actividade administrativa e em todas as suas formas e fases, a Administração Pública e os particulares devem agir e relacionar-se segundo as regras da boa fé.
2. No cumprimento do disposto nos números anteriores, devem ponderar-se os valores fundamentais do direito, relevantes em face das situações consideradas, e, em especial:
a) A confiança suscitada na contraparte pela actuação em causa;
b) O objectivo a alcançar com a actuação empreendida»..) A jurisprudência, aliás, desde há muito tem vindo a admitir que a violação pela AT dos deveres procedimentais segundo as regras da boa fé, pode consistir em vício autónomo de violação de lei ( Nesse sentido, vide os seguintes acórdãos
do Supremo Tribunal Administrativo:
- de 25 de Junho de 2008, proferido no processo n.º 291/08, publicado no Apêndice ao Diário da República de 29 de Setembro de 2008 (http://www.dre.pt/pdfgratisac/2008/32220.pdf), págs. 765 a 768, também disponível em
http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/cb8ac813df8ceb328025747b0030b5c0?OpenDocument;
- de 6 de Julho de 2011, proferido no processo com o n.º 589/11, publicado no Apêndice ao Diário da República de 22 de Março de 2012 (http://www.dre.pt/pdfgratisac/2011/32230.pdf), págs. 1212 a 1220, também disponível em
http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/9614176c4c62f070802578cc003ca7c0?OpenDocument;
- de 21 de Setembro de 2011, proferido no processo com o n.º 753/11, publicado no Apêndice ao Diário da República de 22 de Março de 2012 (http://www.dre.pt/pdfgratisac/2011/32230.pdf), págs. 1575 a 1580, também disponível em
http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/0465c3a1f7aba45c8025791a002ec02b?OpenDocument; e
do Tribunal Central Administrativo:
- de 21 de Junho de 2003, proferido no processo com o n.º 5616/01, disponível em
http://www.dgsi.pt/jtca.nsf/170589492546a7fb802575c3004c6d7d/edbe62e2c547d2a780257028004b162a?OpenDocument.).
A actuação da AT, ao proceder à compensação após a apresentação tempestiva do requerimento para prestação de garantia idónea e antes de se pronunciar sobre o mesmo, viola o princípio da boa-fé, não porque frustre a expectativa de deferimento da pretensão, mas por frustra a legítima expectativa de apreciação desse pedido, ancorada no princípio da decisão consagrado no art. 56.º da LGT (Diz o art. 56.º, n.º1, da LGT:
«A administração tributária está obrigada a pronunciar-se sobre todos os assuntos da sua competência que lhe sejam apresentados por meio de reclamações, recursos, representações, exposições, queixas ou quaisquer outros meios previstos na lei pelos sujeitos passivos ou quem tiver interesse legítimo»)..
Não pode permitir-se, sob pena de violação do princípio da boa-fé, que a AT proceda à compensação da dívida exequenda com um crédito da Executada sem que previamente se pronuncie sobre a garantia por esta oportunamente oferecida em ordem à suspensão da execução em virtude de impugnação judicial que manifestou intenção de deduzir contra a liquidação da dívida exequenda. A não ser assim, ficaria ao arbítrio da AT o momento para apreciar a garantia oportunamente oferecida e, consequentemente, a suspensão da execução fiscal, no âmbito da qual poderia entretanto ir praticando diversos actos ofensivos do património do executado, em manifesto desrespeito pelo princípio da decisão.
Esta solução foi já adoptada por esta Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo em situações idênticas, quer relativamente a acto de compensação (Acórdão de 15 de Fevereiro de 2012, proferido no processo com o n.º 89/12, ainda não publicado no jornal oficial, mas disponível em
http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/166d4c23b8f1e99f802579b80040b9bb?OpenDocument.,) quer relativamente à penhora de créditos efectuada pelo órgão da execução fiscal (Acórdão de 19 de Maio de 2010, proferido no processo com o n.º 344/10, publicado no Apêndice ao Diário da República de 30 de Março de 2011 (http://www.dre.pt/pdfgratisac/2010/32220.pdf), págs. 869 a 874, também disponível em
http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/83f5a8f37d6cc5318025772d004a9b2b?OpenDocument., ambos efectuados antes da pronúncia devida sobre a garantia prestada.
Por tudo o exposto, o recurso não merece provimento.

2.2.3 CONCLUSÕES

Preparando a decisão, formulamos as seguintes conclusões:
I - A compensação por iniciativa da AT apenas poderá ser efectuada no âmbito de uma execução fiscal depois de esgotadas as possibilidades de impugnação administrativa e judicial do acto de liquidação e de oposição à execução que a lei concede ao executado.
II - Era essa a melhor interpretação da lei no domínio da redacção inicial do art. 89.º, n.º 1, do CPPT e que foi inequivocamente vertida na letra do preceito na redacção que lhe foi dada pela Lei n.º 3-B/2010, de 18 de Abril (Lei do Orçamento do Estado para 2010), aplicável à situação sub judice.
III - Assim, é ilegal o acto de compensação efectuado pela AT antes de esgotados os prazos para reclamação graciosa e para impugnação judicial da liquidação que deu origem à dívida exequenda, como decorre da alínea a) do n.º 1 do art. 89.º do CPPT.
IV - Não faz sentido e não encontra apoio na lei o entendimento de que, ainda que estejam a correr aqueles prazos, a AT só está impossibilitada de proceder à compensação se a dívida exequenda se mostrar já garantida nos termos do art. 169.º, exigência essa que o art. 89.º, n.º 1, do CPPT apenas faz relativamente às situações previstas na sua alínea b), ou seja, quando estejam já pendentes os meios graciosos ou contenciosos.
V - Ainda que assim fosse, tendo o executado apresentado fiança dentro do prazo que lhe foi assinalado pelo órgão de execução fiscal para prestar garantia, não pode a AT proceder à compensação sem que previamente se pronuncie sobre a idoneidade da mesma, sob pena de violação do princípio ínsito no art. 89.º do CPPT.
VI - A prática de acto de compensação de crédito por iniciativa da administração tributária após a oportuna apresentação de requerimento para prestação de garantia e antes da sua apreciação também viola o princípio da boa fé que deve presidir à actividade administrativa (art. 6.º-A do CPA e art. 266.º da CRP), porque frustra a legítima expectativa de apreciação da pretensão, ancorada no princípio da decisão.


* * *

3. DECISÃO

Face ao exposto, os juízes da Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo acordam, em conferência, negar provimento ao recurso.
Custas pela Recorrente.
Lisboa, 8 de Agosto de 2012. – Francisco Rothes (relator) – Lino Ribeiro – Fernanda Xavier.