Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:091/18
Data do Acordão:02/21/2018
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:FRANCISCO ROTHES
Descritores:RECLAMAÇÃO JUDICIAL
EXCESSO DE PRONÚNCIA
PAGAMENTO VOLUNTÁRIO
SUSPENSÃO DE EFICÁCIA
IMPOSSIBILIDADE SUPERVENIENTE
Sumário:I - O excesso de pronúncia é um vício formal das decisões judiciais resultante do conhecimento pelo tribunal de questão que, não sendo do conhecimento oficioso, não lhe tenha sido colocada pelas partes (cfr. art. 125.º, n.º 1, do CPPT e art. 660.º, n.º 2, do CPC), pelo que o mesmo não pode verificar-se relativamente à questão da impossibilidade superveniente da lide, que, enquanto causa de extinção da instância [cfr. art. 277.º, alínea e), do CPC], é do conhecimento oficioso.
II - Não se pode considerar pagamento voluntário o que decorre da aplicação do montante penhorado correspondente ao saldo de uma conta bancária do executado (cfr. arts. 84.º, 264.º e 269.º do CPPT).
III - Deduzida reclamação contra o acto de penhora do saldo de uma conta bancária, ao abrigo do disposto nos arts. 276.º e segs. do CPPT, a mesma tem efeito suspensivo, o que significa que fica suspensa a eficácia desse acto, não podendo os valores penhorados ser aplicados no pagamento coercivo da dívida exequenda, pelo menos até ao trânsito em julgado da decisão.
IV - A questão da ilegal aplicação do montante penhorado pode ser conhecida oficiosamente, quer como questão prévia à questão da inutilidade superveniente da lide invocada pela Fazenda Pública na resposta à reclamação, quer no âmbito do controlo judicial do respeito pelo referido efeito suspensivo da reclamação.
V - Sendo imputável ao órgão da execução fiscal o facto – levantamento da penhora –, que deu origem à impossibilidade superveniente da lide, deve recair sobre a Fazenda Pública a responsabilidade pelas respectivas custas (cfr. n.º 3 do art. 536.º do CPC).
Nº Convencional:JSTA00070547
Nº do Documento:SA220180221091
Data de Entrada:01/30/2018
Recorrente:FAZENDA PÚBLICA
Recorrido 1:A...
Votação:UNANIMIDADE
Meio Processual:REC JURISDICIONAL
Objecto:SENT TTLISBOA
Decisão:NEGA PROVIMENTO
Área Temática 1:DIR PROC TRIBUT CONT - EXEC FISCAL
Legislação Nacional:LGT ART103 ART95 N1 N2 J.
CONST ART268 N4 ART20.
CPPT ART276 ART278 N1 ART277 N2 N3.
L 66-B/2012 DE 31/12 ART97 N1 N.
CC ART295 ART236 N1.
CPC ART608 N2 ART277 E ART536 N3.
CPPT ART2 E ART278 N2.
CPPT ART84 ART264 ART269 ART261 N1.
CPPT ART169 ART125 N1.
CPC ART600 N2
Jurisprudência Nacional:AC STA PROC0909/14 DE 2014/09/17.; AC STA PROC0249/15 DE 2015/03/25.; AC STA PROC0990/15 DE 2015/08/05.; AC STA PROC01112/15 DE 2015/10/14.; AC STA PROC0585/16 DE 2016/06/15.; AC STA PROC0251/17 DE 2017/04/05.; AC STA PROC01053/10 DE 2011/02/24.; AC STA PROC0446/11 DE 2011/08/24.; AC STA PROC01153/11 DE 2012/03/23.; AC STA PROC0946/16 DE 2016/09/14.; AC STA PROC0933/15 DE 2017/11/08.
Referência a Doutrina:JORGE LOPES DE SOUSA - CÓDIGO DE PROCEDIMENTO E DE PROCESSO TRIBUTÁRIO ANOTADO E COMENTADO ÁREAS EDITORA 6ED VOLIV ANOTAÇÃO 2 D AO ART278 PÁGS302-303.
ALBERTO DOS REIS - COMENTÁRIO AO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL VOLIII PÁG368
Aditamento:
Texto Integral: Recurso jurisdicional da decisão proferida no processo de reclamação de actos do órgão de execução fiscal com o n.º 1853/17.9BELRS

1. RELATÓRIO

1.1 A Fazenda Pública (adiante Recorrente) recorre para o Supremo Tribunal Administrativo da sentença por que o Tribunal Tributário de Lisboa, na reclamação deduzida por A………… (adiante Executado, Reclamante ou Recorrido) ao abrigo do art. 276.º e segs. do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT), julgou extinta a instância por inutilidade superveniente da lide na parte em que se questionava a legalidade da penhora das veículos automóveis e julgou procedente a reclamação «no demais», condenando a Fazenda Pública nas custas.

1.2 Com o requerimento de interposição do recurso apresentou a respectiva motivação, que resumiu em conclusões do seguinte teor:

«A. Visa o presente recurso reagir contra a douta sentença por ter julgado “procedente no demais” e pelas custas ser da responsabilidade da Fazenda Pública.

B. O Ilustre Tribunal “a quo” considerou a inutilidade superveniente da lide quanto à penhora dos veículos, que derivou da extinção do processo de execução fiscal. E quanto à penhora do saldo bancário, sendo parte ora recorrida, verifica-se uma ilegalidade por violação da lei referente ao acto superveniente de aplicação desse montante penhorado no pagamento da execução.

C. Nesse entendimento, o Ilustre Tribunal “a quo” invoca que o acto superveniente de aplicação do montante penhorado é ilegal por estar em incumprimento com o disposto no n.º 3 do art. 278.º do CPPT. Nesse sentido, entende que, pese embora as alterações legislativas, as reclamações dos actos do órgão da execução fiscal com subida imediata tem efeito suspensivo da decisão reclamada. Para o efeito, cita o Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, Proc. n.º 0990/15 de 05-08-2015.

D. O objecto do meio processual de reclamação dos actos do órgão de execução fiscal é amplo, abarcando quer os actos materialmente administrativos, quer actos de natureza processual, como a penhora em apreço na decisão ora recorrida, praticados pelo órgão de execução fiscal.

E. Este meio processual tem como finalidade a anulação total ou parcial do acto reclamado, não visando, desta forma, a extinção do processo de execução fiscal que, como se sabe, constitui objectivo primacial da oposição à execução fiscal.

F. Os poderes jurisdicionais no contencioso tributário assentam num contencioso de mera anulação/cassação, que limita a apreciação jurisdicional a proceder à estrita anulação total ou parcial do acto ou decisão reclamada.

G. Logo, pese embora o Tribunal possa realizar uma análise quanto ao eventual preenchimento dos pressupostos do requerido pelo executado ou terceiro, assim como uma análise transversal e circunstancial do quid em apreço, existe uma clara limitação no acto apreciado e na decisão que se venha a tomar.

H. Da amplitude deste meio processual para colocar em crise as decisões do órgão de execução fiscal, em sede de penhora, utiliza-se, usualmente, nos casos de penhora de bens ilegal, assim como, na efectivação de penhora de bens com violação do princípio da proporcionalidade.

I. Pela sua pertinência, existem situações, em sede de penhora, que abarcam a necessidade de apreciação emergente, daí a sua subida imediata, nos termos do art. 278.º n.º 3 do CPPT, em face do prejuízo irreparável, como por exemplo:
- inadmissibilidade da penhora dos bens concretamente apreendidos ou da extensão com que foi realizada;
- imediata penhora de bens que só subsidiariamente respondem pela dívida exequenda;
- incidência sobre bens que, não respondendo, nos termos de direito substantivo, pela dívida exequenda, não deviam ter sido abrangidos pela diligência;

J. Acresce que, subjacente à tramitação processual própria do contencioso tributário, está a aplicação das regras processuais de índole processual civil, designadamente pela remissão disposta na al. e) do art. 2.º do CPPT.

K. A causa de pedir consiste no caminho cognoscitivo do autor, como um desiderato fundamentador do seu impulso processual, para alcançar um determinado objectivo, que se consubstancia no seu efectivo querer ou interesse final, ou seja, o pedido.

L. Assim, o pedido constitui a concretização da pretensão concreta que a parte pretende com a instauração da acção, ou como decorre do art. 581.º n.º 3 do CPC, o efeito jurídico que pretende o autor.

M. Veja-se o disposto no n.º 1 do art. 3.º, no n.º 1 e 3 art. 5.º, no n.º 1 do art. 609.º, todos do CPC, que constituem uma clara manifestação do princípio do dispositivo e do condicionamento no julgamento, que norteiam o caminho a percorrer na apreciação jurisdicional, no sentido que a providência que o autor formula ao Tribunal consubstanciar a delimitação concreta do objecto da lide, conforme o recente Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 19-01-2017, Proc. 873/10.9T2AVR.P1.S1.

N. Nestes termos, o Recorrido apresentou uma reclamação dos actos do órgão de execução fiscal, ora em apreço, para reclamar do acto de decisão de penhoras efectuadas sobre o seu património, que se consubstanciaram em penhoras sobre 5 veículos e saldo de conta bancária.

O. Para o efeito, veja-se na petição inicial, o referido no art. 13.º e 20.º, por outro lado o art. 34.º, e ainda o art. 37.º, 38.º e 40.º.

P. Portanto, o Recorrido peticiona o levantamento das penhoras que derivou do acto de decisão de penhora do seu património, por causa da: ilegalidade das notificações de penhora; insuficiência e ilegalidade do título executivo; e da extensão e desproporcionalidade da penhora.

Q. Nesse sentido, o objecto da presente lide circunstancia-se nos moldes supra referidos, estando a apreciação jurisdicional condicionada à apreciação do acto de decisão de penhora do património do Recorrido.

R. Sucede que, a decisão ora recorrida para além da apreciação das penhoras dos veículos, em que decidiu-se pela inutilidade superveniente da lide, por as referidas penhoras terem sido levantadas, também procedeu à apreciação do acto de aplicação do montante penhorado.

S. Ora, com o devido respeito, que é muito, e salvo melhor entendimento, o douto Tribunal não poderia ter apreciado a decisão do órgão de execução fiscal vertida no acto de aplicação do montante penhorado, porque não decorre do dispositivo apresentado pela Recorrida, e como tal objecto da presente lide, extravasando claramente a sua limitação jurisdicional.

T. Mesmo que se traga à colação a questão temporal, como fez a douta sentença recorrida, de que a apresentação da reclamação foi anterior à citação do processo de execução fiscal e à notificação das penhoras, tal não aporta qualquer importância para o objecto da lide.

U. Porque, é peremptória a limitação jurisdicional abarcada na providência que o Recorrido formula ao Tribunal, delimitando concretamente o objecto da lide.

V. Nesse sentido, sempre se dirá, que se o Recorrido pretendia ver colocada em juízo o acto de aplicação do montante penhorado, poderia reclamar, nos termos do art. 276.º do CPPT, da decisão do órgão de execução fiscal de aplicação do montante penhorado, e em abono da verdade, desconhece-se que o tenha efectuado.

W. Como tal, na douta decisão recorrida verifica-se um excesso de pronúncia por o douto Tribunal ter conhecido de uma decisão do órgão de execução fiscal que não podia ter tomado conhecimento por não decorrer do pedido e das causas de pedir, ou seja, do objecto da lide.

X. Assim sendo, o excesso de pronúncia é gerador de nulidade da ora sentença recorrida, conforme decorre da al. d) do n.º 1 do art. 615.º CPC, pelo que, a douta sentença, que ora se recorre, está ferida de nulidade por o douto Tribunal ter conhecido de questões de que não podia ter tomado conhecimento.

Y. Quanto à decisão das custas ser da responsabilidade da Fazenda Pública, também se entende que a ora decisão recorrida não perfilhou a acertada solução jurídica no caso sub judice.

Z. A responsabilidade por custas nos presentes autos deveria ser imputada na totalidade ao Recorrido, conforme determinado no art. 536.º do CPC e a fundamentação expendida no acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, de 30.01.2013, em sede do processo n.º 01472/12.

AA. Para que a Administração Tributária seja condenada em custas, mostra-se necessário que a inutilidade superveniente da lide lhe seja imputável, nos termos do disposto no n.º 3 do art. 536.º do CPC.

BB. A extinção do processo de execução fiscal correu por pagamento do valor da dívida, e sucedaneamente, ocorreu o levantamento das penhoras em apreço.

CC. Para efeitos de custas, deve empelar [sic] uma análise objectiva: um determinado montante que foi aplicado no processo de execução fiscal em apreço, que culminou no pagamento na íntegra do valor em dívida originando a sua extinção, o que provocou o efeito de levantamento das penhoras associadas à execução.

DD. Não cabe nesta sede, qualquer apreciação de mérito dessa aplicação, mas, apenas e só, a apreciação do motivo que levou ao levantamento das penhoras e à perda da utilidade da causa: a extinção do processo de execução fiscal por pagamento.

EE. Portanto, as custas devem ser da responsabilidade do Recorrido.

FF. Assim sendo, é entendimento da Representação da Fazenda Pública que o Tribunal “a quo”, com a decisão ora em crise, violou o disposto nos artigos 5.º n.º 1 e 3, art. 581.º n.º 3, art. 609.º n.º 1, 615.º n.º 1, al. d) do Código de Processo Civil, ex vi art. 2.º al. e) do Código de Procedimento e Processo Tributário, ao considerar a ilegalidade por violação de lei do acto de aplicação do montante penhorado, derivado da penhora do saldo bancário penhorado, ocorrendo um excesso de pronúncia gerador de nulidade por ter conhecido de pedidos e causas de pedir que não podia tomar conhecimento.

GG. E ainda, ao considerar da responsabilidade da Fazenda Pública pelas custas, sendo certo, que a inutilidade superveniente da lide derivou do levantamento das penhoras por extinção do processo de execução fiscal em virtude do pagamento do valor em dívida.

Pelo que se peticiona o provimento do presente recurso, revogando-se a decisão ora recorrida, assim se fazendo a devida e acostumada JUSTIÇA!».

1.3 O recurso foi admitido a subir imediatamente, nos próprios autos e com efeito devolutivo.

1.4 O Executado contra-alegou o recurso, tendo concluído com a formulação de conclusões do seguinte teor:

«I. No âmbito de reclamação apresentada pelo aqui recorrido da decisão de penhora do saldo bancário e de cinco veículos automóveis, decidiu o Mmo. Tribunal a quo pela extinção da presente instância por inutilidade superveniente da lide quanto à penhora dos veículos, responsabilizando a Fazenda Pública pelas custas por ter dado causa à inútil superveniente, julgando procedente no demais.

II. Por meio da douta sentença proferida, dá o Mmo. Tribunal a quo como provado que, “H) Acompanhando o requerimento supra, procedeu o Reclamante, em 01/08/2016, à entrega da quantia de € 906,00, a título de depósito – Cf. Artigo da resposta a fls. 28 verso, não contraditado”.

III. Tal facto, não contraditado pela recorrente, assume-se de essência relevância na apreciação da prova e decisão do Mmo. Tribunal a quo porquanto contraria o invocado pela recorrente, de que tal pagamento se assumia como voluntário, pelo que extintivo do processo de execução fiscal, facto que importaria a inutilidade superveniente da lide – Cf. Conclusões BB. e CC. das alegações da recorrente.

IV. A recorrente contraria aquele que é o facto determinante para a decisão prolatada pelo Mmo. Tribunal a quo, rejeitando-o como facto dado como assente, e discordando da apreciação do Mmo. Tribunal a quo.

V. O objecto do presente recurso interposto pela Fazenda Pública pressuporia verificada a alegada extinção do processo de execução fiscal por aplicação do montante penhorado do saldo bancário e do pagamento efectuado a título de pagamento voluntário, facto não provado pelo Mmo. Tribunal a quo.

VI. O recurso da Fazenda Pública, nos termos em que o faz, reitera a natureza alienada da posição assumida pela ATA, como órgão decisor e ora parte, suportando o teor de tais alegações na alegada extinção de um processo de execução – acto nunca notificado ao executado – fundado num pagamento voluntário que nunca aconteceu, como verificou o Mmo. Tribunal a quo, facto assente não contraditado pela Fazenda Pública.

VII. No facto – o pagamento do reclamante – entendido pelo Mmo. Tribunal a quo como não tendo sido voluntário e com vista à extinção da execução, assentam as alegações da reclamada, negando-o, não se cingindo o recurso apresentado pela recorrente a matéria exclusivamente de direito, contrariamente ao acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 21/04/2010, pelo que se invoca, para todos os devidos e legais efeitos a incompetência do Mmo. Tribunal para apreciar o presente recurso, em razão da hierarquia, nos termos do artigo 280.º/1 CPPT.

VIII. Apenas em sede de contestação no âmbito dos presentes autos, invocou a Fazenda Pública a inutilidade superveniente da lide em razão da extinção do processo de execução fiscal por pagamento voluntário do aqui recorrido, o que não sucedeu, como resulta dos factos dados como provados.

IX. Procedendo o reclamante à junção de prova documental cabal – datada de 01/08/2016 –, demonstrativa da intenção expressa do recorrido de prestar garantia, por meio de caução, com vista à suspensão da execução e não, como arbitrária e ilegalmente considerou a ATA, como pagamento voluntário.

X. Tendo a citação da execução e a notificação das penhoras em causa ocorrido em data posterior à apresentação da petição inicial de reclamação e seguindo-se ao requerimento supra referido a apresentação de oposição à execução fiscal em 12/08/2016.

XI. Face ao invocado em sede de contestação pela Fazenda Pública – e à resposta apresentada pelo Reclamante, decidiu o Mmo. Tribunal a quo no sentido da não verificação da questão prévia levantada de inutilidade superveniente da lide, ordenando, inerente e consequentemente à não verificação de tal excepção, “no sentido desse montante ser aplicado como garantia à suspensão da execução e não à sua extinção”.

XII. A argumentação ora explanada pela Fazenda Pública traduz em si mesmo um Venire Contra Factum Proprium, porquanto é a própria quem requer, em sede de contestação, a apreciação, pelo Mmo. Tribunal a quo, da invocada questão da inutilidade superveniente da lide, decorrente de uma alegada extinção do processo de execução fiscal por pagamento voluntário.

XIII. Excepção que se impôs ao Mmo. Tribunal a quo analisar, limitando-se a pronunciar-se sobre as questões invocadas pelas partes e nos estritos limites dos seus poderes de cognição, não se reconhecendo razão ao invocado pela recorrente.

XIV. No que à responsabilidade da Fazenda Pública pelas custas processuais concerne, face a todo o supra invocado, porque o levantamento das penhoras em causa decorre de facto imputável à reclamada, que lhe deu causa, pelos fundamentos supra expostos, se impõe sejam as mesmas por esta suportadas, tal como decidido pelo Mmo. Tribunal a quo.

Nestes termos, e nos melhores de direito aplicável, deverá o presente libelo ser admitido, por procedente, consequentemente mantendo-se a decisão proferida pelo Mmo. Tribunal a quo».

1.5 Recebidos os autos neste Supremo Tribunal Administrativo e dada vista ao Ministério Público, a Procuradora-Geral Adjunta emitiu parecer no sentido de que seja negado provimento ao recurso. Isto, após uma parte introdutória em que enquadrou as questões a dirimir, com a seguinte fundamentação:

«[…] II. DA NULIDADE DA SENTENÇA EM CRISE
II.1. Veio, pois, a Recorrente assacar à sentença recorrida a nulidade cominada na alínea d) do n.º 1 do artigo 615.º CPC, porquanto, conforme fora delineado na petição inicial, não constituía objecto da presente reclamação a apreciação da ilegalidade, por violação de lei, do acto de aplicação do montante penhorado, pelo que o conhecimento dessa questão estaria vedado ao tribunal a quo.
Tais factos traduziram-se, assim, na perspectiva da Recorrente, num claro excesso de pronúncia (cfr. as conclusões A a X e FF das alegações, constantes de fls. 97 in fine a 99 do p. f.)
A M.ma Juíza do Tribunal Tributário de Lisboa não apreciou esta questão, no despacho proferido em 17/01/2018, em que se limitou a determinar a subida dos autos a este Colendo STA, pronúncia que, de resto, não lhe era exigível, face à norma do n.º 5 do artigo 617.º do CPC.
O Ministério Público avança, desde já que pugna pela improcedência desta questão decidenda, pelas razões que passará a enunciar.

II.2. Sobre esta específica nulidade versou, v.g., o douto Acórdão deste Colendo STA, de 05/06/2013, tirado no Processo n.º 0433/13, de cujo sumário, por paradigmático, extraímos o seguinte ponto: “(...) O excesso de pronúncia é um vício formal das decisões judiciais resultante do conhecimento pelo tribunal de questão que, não sendo do conhecimento oficioso, não lhe tenha sido colocada pelas partes (cfr. art. 125.º, n.º 1, do CPPT e art. 660.º, n.º 2, do CPC); esse vício não pode resultar do conhecimento de uma questão suscitada pelas partes, ainda que decidida com argumentos diversos dos invocados. (…)” (disponível in www.dgsi.pt tal como os demais a citar de futuro).
Reiterando esta posição, nas palavras expressivas plasmadas no douto Acórdão deste Colendo STA, de 14/09/2016, no Processo n.º 0946/16, “O excesso de pronúncia é um vício formal das decisões judiciais resultante do conhecimento pelo tribunal de questão que, não sendo do conhecimento oficioso, não lhe tenha sido colocada pelas partes (cfr. art. 125.º, n.º 1, do CPPT e art. 660.º, n.º 2, do CPC), pelo que o mesmo não pode verificar-se relativamente à questão da inutilidade superveniente da lide, que, enquanto causa de extinção da instância [art. 277.º, alínea e), do CPC], é do conhecimento oficioso” (o sublinhado não consta do original).
Assim sendo, é lícito concluir que o excesso de pronúncia gerador de nulidade da decisão judicial só tem lugar quando o juiz conhece de causas de pedir, de pedidos ou de excepções de que não podia tomar conhecimento, por força do princípio do dispositivo ou da autorresponsabilização das partes, consagrado no n.º 1 do artigo 5.º do CPC.

II. 3. Ora, revertendo ao caso em presença e socorrendo-nos, para tanto, dos ensinamentos da doutrina que dimana dos mencionados doutos arestos, uma vez analisada a douta decisão judicial em crise, imperativo se torna concluir, salvo melhor opinião, que não ocorre in casu a arguida nulidade.
Conforme melhor se alcança do processado, a Fazenda Pública, na resposta que aduziu, veio requerer, a final, a procedência da excepção dilatória da inutilidade superveniente da lide e a consequente absolvição da instância.
Nesta senda, a julgadora do Tribunal Tributário de Lisboa, ao delimitar o thema decidendum, ou seja, as concretas questões a decidir, enunciou, em primeiro lugar, as excepções suscitadas, designadamente, a intempestividade e a inutilidade superveniente da lide e, em segunda linha, a legalidade das penhoras efectuadas (cfr. fls. 75 do p. f.).
A ser assim, como efectivamente é, não ocorreu excesso de pronúncia, porquanto, na sentença recorrida foi, tão-somente, examinada, em toda a sua dimensão, a suscitada inutilidade superveniente da lide, questão essa concretamente controvertida, tendo o tribunal sopesado os argumentos aventados pela Impugnante e pela Impugnada, para além do mais, sob o prisma do efeito suspensivo da decisão reclamada.
Ademais, todo o raciocínio explanado na fundamentação jurídica da sentença foi em função da realidade espelhada nos autos, mormente na fundamentação de facto da referida sentença que, nesta parte, nem sequer foi impugnada (cfr. as alíneas G, H e I do probatório, ínsitas de fls. 76 a 78 do p. f.).
Assim, atendendo a que a M.ma Juíza do Tribunal Tributário a quo não julgou o caso em presença, mormente neste segmento decisório em crise, fora dos limites que lhe são impostos pela lei, não tendo, pois, apreciado a legalidade do acto de aplicação do montante penhorado, enquanto tal, mas apenas à luz da eventual inutilidade superveniente da lide, que fora suscitada em juízo pela própria Recorrente, não se verifica a arguida nulidade.
De resto, trata-se aqui de uma matéria do conhecimento oficioso do tribunal, razão por que, também por esta via, teria forçosamente de improceder a arguida nulidade.
Nesta conformidade, o presente recurso jurisdicional deverá soçobrar, pelo menos, quanto a esta parte.

III. DOS ERROS DE JULGAMENTO DA MATÉRIA DE DIREITO
Invoca, ainda, a Recorrente que, contrariamente ao entendimento plasmado na decisão judicial recorrida, as custas, no que tange à decisão de inutilidade superveniente da lide, deveriam ser da responsabilidade da Reclamante, aduzindo as razões que, na sua óptica, conduziriam à solução oposta à defendida e consagrada pela 1.ª instância.
O Ministério Público avança, desde já, que lhe não assiste razão, também quanto a esta parte.
Efectivamente, nos termos dos n.ºs 3 e 4 do já mencionado artigo 536.º do CPC, neste domínio, a regra é a de que a responsabilidade das custas fica a cargo do Autor, salvo se a inutilidade ou impossibilidade resultar de facto imputável ao Réu que, nesse caso, as suportará.
SALVADOR DA COSTA destaca que esta regra é norteada “pelo princípio de que, não havendo sucumbência, não é legítimo onerar o réu ou o demandado com o pagamento das custas da acção, por ele não ter dado origem ao facto determinante da inutilidade ou impossibilidade superveniente da lide, o que constitui corolário do princípio da causalidade na sua formulação negativa” (in «Regulamento das Custas Processuais, Anotado e Comentado», Almedina, 2.ª edição, pág. 87).
A ser assim, ocorrendo a extinção da instância por impossibilidade ou inutilidade superveniente da lide, importa apurar, para o efeito de condenação nas custas processuais, se se verifica a excepção à referida regra, o que equivale a dizer, se o facto que deu causa à inutilidade é imputável ao Réu.
Ora, como melhor se alcança da fundamentação de facto da sentença em crise, foi a Fazenda Pública que deu azo à reclamação e à consequente inutilidade superveniente, nesta parte.
Destarte, atento o critério legalmente estabelecido, as custas processuais não poderão deixar de ser imputadas à entidade reclamada, que as deverá suportar, nos termos do artigo 536.º, n.º 3, in fine, do CPC.
Nesta conformidade, não nos merece censura a douta sentença recorrida quando, neste enquadramento fáctico e legal, condenou a Recorrente nas respectivas custas.
Assim, forçosa se torna a ilação de que, também quanto a este segmento recursivo, não assiste razão à Recorrente, quando se bate pela revogação da sentença sob escrutínio deste Colendo Supremo Tribunal».

1.6 Com dispensa dos vistos dos Conselheiros adjuntos, atento o carácter urgente do processo, cumpre apreciar e decidir.


* * *

2. FUNDAMENTAÇÃO

2.1 DE FACTO

A Juíza do Tribunal Tributário de Lisboa procedeu ao julgamento da matéria de facto nos seguintes termos:

«A) Foi instaurado no Serviço de Finanças de Lisboa 3, o processo de execução fiscal n.º 3085201601144480, em nome de A…………, por pedido de cobrança via Comissão Interministerial Assistência Mútua em Matéria de Cobrança, a pedido das autoridades fiscais da Alemanha, no montante de € 13.077,10 – cfr. fls. 1 e 2 do processo de execução fiscal (PEF);

B) Em 03/06/2016 foi efectuada a penhora do saldo da conta bancária n.º 308520160000194259, de A……….., do Banco ….., SA, no montante de € 13.323,44 – cfr. fls. 59 dos autos e fls. 16 verso do PEF;

C) No âmbito do processo de execução fiscal referido em A, em 17/06/2016 foi efectuada a penhora dos veículos automóveis com matrículas ………., ………, ………, ………. e ………… – cfr. fls. 60 a 69 dos autos;

D) Em 30/06/2016 o Reclamante teve conhecimento das penhoras referidas em C – cfr. artigos 1.º e 2.º da petição inicial e artigo 22.º da resposta, não contraditado;

E) Em 11/07/2016 foi apresentado o articulado de petição inicial de reclamação de actos do órgão de execução fiscal, no Serviço de Finanças de Lisboa 3, por via e-mail – cfr. fls. 46 dos autos;

F) Em 13/07/2016, o Reclamante foi citado na qualidade de executado no processo referido em A e das penhoras efectuadas e referidas em B e C, sendo € 14.212,38 o valor total em dívida à data – cfr. fls. 45 e 46 do PEF;

G) Em 01/08/2016, o Reclamante remeteu, via fax ao Serviço de Finanças de Lisboa 3, requerimento a solicitar a suspensão da execução n.º 3085201601144480, que se transcreve parcialmente:

2. Procedeu o competente serviço de finanças à penhora dos seguintes bens do oponente,
· Penhora de saldos os bancários, no valor de 13.323,44 € (treze mil trezentos e vinte e três euros e quarenta e quatro cêntimos);
· Penhora de veículo automóvel de matrícula ……….., de marca SAAB, modelo 900;
· Penhora de veículo automóvel de matrícula ………., de marca BMW;
· Penhora de veículo automóvel de matrícula ……….., de marca Mercedes-Benz, modelo C 220CDI;
· Penhora automóvel de matrícula ……….., de marca Mercedes-Benz, modelo 250 S;
· Penhora de veículo automóvel de matrícula ……….., de marca Mercedes-Benz, modelo C 220 CDI.
3. Acto contínuo, no dia 01 de Agosto, procedeu o requerente ao pagamento do valor remanescente de 906,06 € (novecentos e seis euros e seis cêntimos), a fim de, a título depósito, tornar mais célere o levantamento das penhoras dos veículos automóveis que haviam sido efectuadas.
4. O montante exigido no âmbito do presente processo de execução fiscal é de 13.077,10 €, acrescido dos respectivos juros de mora e custas, valor que se totaliza, à data, no montante de 14.212,38 €,
5. O valor em causa encontrava-se já integralmente garantido por meio das diligências de penhora efectuadas.
6. O requerente pretende deduzir oposição judicial, nos termos do artigo 204.º do CPPT.
7. Nestes termos, requer a V. Exa se digne ao abrigo do artigo 169.º/10, 169/1, 199.º/4, 169.º/13 199.º/6, admitir a presente garantia, para o efeito procedendo à suspensão da respectiva execução” – cfr. fls. 56 do PEF;

H) Acompanhando o requerimento supra procedeu o Reclamante, em 01/08/2016, à entrega da quantia de € 906,00, a título de depósito – cfr. artigo da resposta a fls. 28 verso, não contraditado;

I) A AT aplicou o montante penhorado do saldo bancário de € 13.323,44 e a quantia de € 906,00, no pagamento integral da quantia em dívida no processo de execução fiscal n.º 3085201601144480 – cfr. artigo 8.º da resposta do Representante da Fazenda Pública, não contraditado;

J) Em 02/08/2016, foi registado o levantamento da penhora do saldo da conta bancária n.º ………, do Banco ….., SA, no montante de € 13.323,44 – cfr. fls. 59 dos autos;

K) Em 02/08/2016, foi registado o levantamento da penhora dos veículos automóveis com matrículas ……….., ……….., ………., ………. e ………. – cfr. fls. 60, 62, 64, 66 e 68 dos autos;

L) Em 02/08/2016, o processo de execução fiscal referido em A, foi extinto por pagamento – cfr. informação de fls. 58 dos autos, cujo teor integral dou aqui por reproduzido e e-mail a fls. 59 do PEF;

M) Em 12/08/2016, o Reclamante apresentou, junto do Serviço de Finanças de Lisboa - 3, oposição à execução fiscal n.º 3085201601144480, que corre termos neste tribunal sob processo de oposição n.º 710/17.3BELRS – cfr. fls. 48 e SITAF».


*

2.2 DE DIREITO

2.2.1 AS QUESTÕES A APRECIAR E DECIDIR

Na sequência do pedido formulado pelo Estado alemão ao Estado português ao abrigo do mecanismo de assistência mútua entre Estados membros da Comunidade Europeia em matéria de cobrança de créditos respeitantes a impostos, foi instaurada pelo Serviço de Finanças de Lisboa-3 execução fiscal contra o ora Recorrido para cobrança de uma dívida de € 13.077,10 e acrescido, que ascendia a € 14.212,38 à data da citação.
No âmbito dessa execução fiscal foram penhorados cinco veículos automóveis e o saldo de uma conta bancária, este do montante de € 13.323,44.
O Executado veio insurgir-se contra essas penhoras mediante reclamação deduzida ao abrigo do disposto no art. 276.º e segs. do CPPT.
A Juíza do Tribunal Tributário de Lisboa, depois de considerar improcedente a caducidade do direito de acção invocada pela Fazenda Pública, passou a conhecer da inutilidade superveniente da lide, também invocada pela Fazenda Pública na contestação com fundamento na extinção da execução fiscal pelo pagamento voluntário. A este propósito, deixou dito, em síntese, que não pode considerar-se que tenha havido pagamento voluntário, uma vez que o pagamento foi feito pela aplicação pelo órgão da execução fiscal do saldo bancário penhorado (€ 13.323,44) e, bem assim, do montante entregue a título de depósito (€ 906,06). Mais salientou que o Executado tinha requerido que este depósito, acrescido do saldo bancário penhorado, se destinassem a garantir o pagamento da dívida exequenda em ordem a suspender a execução fiscal, nos termos do art. 169.º do CPPT, até estar decidida a oposição que deduziu. Prosseguiu, referindo que, uma vez que o órgão da execução fiscal, já depois de instaurada a presente reclamação judicial, utilizou aqueles montantes para o pagamento da dívida exequenda e do acrescido e, em consequência, extinguiu a execução fiscal e levantou a penhora sobre os veículos, deve ter-se por inútil a prossecução da reclamação no que se refere àquela penhora, o que determina a extinção da instância por inutilidade superveniente da lide, nessa parte, que decretou a final, ao abrigo da alínea e) do art. 277.º do Código de Processo Civil (CPC).
Já quanto à penhora do saldo da conta bancária, entendeu a Juíza do Tribunal Tributário de Lisboa que o órgão da execução fiscal não podia ter aplicado o mesmo no pagamento da quantia exequenda e do acrescido, por dois motivos: porque a execução devia considerar-se suspensa após a dedução da presente reclamação e porque o Executado tinha requerido a suspensão da execução fiscal, dando a conhecer ao órgão da execução fiscal que pretendia interpor oposição (como interpôs) e pedindo que a fim de garantir a dívida exequenda e o acrescido lhe fosse considerada a penhora do saldo bancário e o depósito em numerário de € 906.06. Assim, é ilegal a aplicação do montante do saldo bancário penhorado para pagamento, sendo que este, nesta fase, apenas se destinava a garantir a dívida. Concluiu, pois, que «no tocante à penhora do saldo bancário os presentes autos terão de proceder, no sentido desse montante ser aplicado como garantia à suspensão da execução e não à sua extinção».
Mais considerou a Juíza do Tribunal Tributário de Lisboa que a responsabilidade pelas custas recai integralmente sobre a Fazenda Pública, sendo que, na parte respeitante à inutilidade superveniente da lide, atento o disposto no n.º 3 do art. 536.º do CPC, porque esta resulta de facto que lhe é imputável, qual seja o levantamento da penhora sobre os veículos.
A Fazenda Pública discorda da sentença.
Considera, em síntese, que a sentença decidiu em excesso de pronúncia, pois o Reclamante apenas tinha pedido o levantamento das penhoras com fundamento na «ilegalidade das notificações de penhora; insuficiência e ilegalidade do título executivo; e da extensão e desproporcionalidade da penhora». Assim, a Juíza do Tribunal Tributário de Lisboa, ao apreciar (para além da inutilidade superveniente da lide quanto à penhora dos veículos) a legalidade do acto de aplicação do montante penhorado incorreu em excesso de pronúncia, nulidade prevista na alínea d) do n.º 1 do art. 615.º do CPC, uma vez que essa questão «não decorre do dispositivo apresentado pelo Recorrido, e como tal objecto da presente lide, extravasando claramente a sua limitação jurisdicional». Mais refere que nem sequer releva a «questão temporal» – ou seja, se bem interpretamos a motivação do recurso, o facto de essa aplicação ter sido efectuada já depois de instaurada a presente reclamação –, pois «se o Recorrido pretendia ver colocado em juízo o acto de aplicação do montante penhorado, poderia reclamar, nos termos do art. 276.º do CPPT, da decisão do órgão da execução fiscal de aplicação do montante penhorado e, em abono da verdade, desconhece-se que o tenha efectuado».
Considerou ainda, sempre sem síntese, que a sentença fez errado julgamento ao condenar a Fazenda Pública nas custas pela inutilidade superveniente da lide, pois essa inutilidade não lhe é imputável, como requerido pelo n.º 3 do art. 536.º do CPC para que pudesse ser responsabilizada pelas custas. Na verdade, «[a] extinção do processo de execução fiscal ocorreu por pagamento do valor da dívida, e sucedaneamente, ocorreu o levantamento das penhoras em apreço». Reitera que «[n]ão cabe nesta sede qualquer apreciação do mérito dessa aplicação, mas, apenas e só, a apreciação do motivo que levou ao levantamento das penhoras e à perda da utilidade da causa: a extinção do processo de execução fiscal por pagamento».
Assim, as questões que importa apreciar e decidir são as de saber se a sentença recorrida i) enferma de nulidade por excesso de pronúncia por ter conhecido da questão da legalidade da aplicação do saldo bancário penhorado (cfr. conclusões A a X e FF) e ii) fez errado julgamento ao condenar a Fazenda Pública nas custas devidas pela inutilidade superveniente parcial da lide (cfr. conclusões Y a EE e GG).

2.2.2 ALGUNS CONSIDERANDOS PRÉVIOS

2.2.2.1 SOBRE A RECLAMAÇÃO COM SUBIDA IMEDIATA E A SUSPENSÃO DA EFICÁCIA DO ACTO RECLAMADO

Atenta a natureza judicial da execução fiscal – expressamente consagrada no art. 103.º da Lei Geral Tributária (LGT) – e a possibilidade de pedir a sindicância judicial de todos os actos praticados pela Administração que sejam lesivos – possibilidade constitucionalmente garantia pelo n.º 4 do art. 268.º da Constituição da República Portuguesa (CRP) – é reconhecida, por um lado, a possibilidade de o tribunal controlar a legalidade de todo o processo e, por outro, o direito de os interessados reagirem por via judicial contra todos os actos e omissões praticados pelo órgão da execução fiscal ou por outras autoridades administrativas e que lesem os seus direitos ou interesses legítimos (independentemente da sua natureza administrativa ou processual). É o que resulta do disposto nos arts. 95.º, n.ºs 1 e 2, alínea j), e 103.º, n.º 2, da LGT e do art. 276.º do CPPT.
Esse direito de reacção para o juiz do tribunal tributário, em que se visa a anulação de actos praticados no âmbito da execução fiscal, concretiza-se através do meio processual denominado reclamação e previsto no art. 276.º e segs. do CPPT.
Em regra, o conhecimento da reclamação far-se-á apenas após a venda ou após a penhora, quando esta não dê lugar à venda (art. 278.º, n.º 1, do CPPT). Mas o conhecimento imediato (Leia-se, no prazo de oito dias após a decisão de revogar ou não o acto reclamado, para cuja prolação dispõe do prazo de dez ou de trinta dias, consoante o acto tenha sido proferido pelo órgão da execução fiscal ou por entidade diversa, tudo nos termos do disposto nos n.ºs 2 e 3 do art. 277.º e no n.º 4 do art. 278.º do CPPT. ) da reclamação pode ocorrer, com carácter excepcional, nos casos em que do diferimento da decisão resultariam prejuízos irreversíveis aos direitos e interesses legalmente protegidos do interessado, que serão, não apenas os previstos nas diversas alíneas do n.º 3 do art. 278.º, mas todos aqueles em que do diferimento do conhecimento da reclamação resultaria a consumação dos efeitos do acto reclamado a que o interessado pretende obstar, interpretação esta que se impõe sob pena de restrição inadmissível aos princípios constitucionais da tutela jurisdicional efectiva e do acesso aos tribunais (cfr. arts. 20.º e 286.º, n.º 4, da CRP).
Quando a subida da reclamação é imediata, há que reconhecer-se-lhe efeito suspensivo, ou seja, suspensão da eficácia do acto reclamado. Isto, como reiteradamente tem afirmado a jurisprudência deste Supremo Tribunal (Cfr. os seguintes acórdãos da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:
- de 17 de Setembro de 2014, proferido no processo n.º 909/14, disponível em
http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/85cb91cfce58359680257d6b002c8090;
- de 25 de Março de 2015, proferido no processo n.º 249/15, disponível em
http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/2393717cdad7e7a280257e200046343e;
- de 5 de Agosto de 2015, proferido no processo n.º 990/15, disponível em
http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/b7a28fe921ffff0a80257ead004bda1e;
- de 14 de Outubro de 2015, proferido no processo n.º 1112/15, disponível em
http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/198fba666a31008a80257eea00572022;
- de 15 de Junho de 2016, proferido no processo n.º 585/16, disponível em
http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/-/21deba460a13148e80257fd5003b22c1;
- de 5 de Abril de 2017, proferido no processo n.º 251/17, disponível em
http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/a70689693868cdb28025810100502827.) e bem deu conta a Juíza do Tribunal a quo, não obstante as alterações introduzidas no art. 278.º do CPPT pela Lei n.º 82-B/2014, de 31 de Dezembro – eliminação, na epígrafe da norma, da referência ao “efeito suspensivo” e previsão no n.º 5 de que «A cópia do processo executivo que acompanha a subida imediata da reclamação deve ser autenticada pela administração tributária» – e na alínea n) do n.º 1 do art. 97.º do mesmo Código pela Lei n.º 66-B/2012, de 31 de Dezembro – que passou a dizer «O recurso dos actos praticados na execução fiscal, no próprio processo ou, nos casos de subida imediata, por apenso», quando anteriormente dizia «O recurso, no próprio processo, dos actos praticados na execução fiscal» (Sendo que, então, ou seja, antes desta alteração, o efeito suspensivo da reclamação que subisse imediatamente a tribunal decorria, de facto, da remessa do processo de execução fiscal a tribunal. Cfr. JORGE LOPES DE SOUSA, Código de Procedimento e de Processo Tributário anotado e comentado, Áreas Editora, 6.ª edição, IV volume, anotação 2 d) ao art. 278.º, págs. 302/303.) –, se impõe a manutenção do efeito suspensivo da reclamação com subida imediata, «sob pena de inutilidade prática e consequente violação do princípio da tutela jurisdicional efectiva, constitucionalmente consagrado no artigo 268.º, n.º 4, na Lei Fundamental». Ou seja, como também salientou a sentença recorrida, este Supremo Tribunal tem vindo a afirmar que o facto de ter desaparecido da epígrafe do art. 278.º do CPPT a referência ao “efeito suspensivo” da reclamação com subida imediata e de esta ter deixado de ser tramitada nos próprios autos, não significa que não deva reconhecer-se-lhe efeito suspensivo, ou seja, suspensão da eficácia do acto reclamado, que, dependendo da natureza deste, pode, ou não, demandar a total suspensão da execução fiscal.

2.2.2.2 SOBRE A INTERPRETAÇÃO DA SENTENÇA

A sentença, como todos os enunciados linguísticos, carece de interpretação, ou seja de uma actividade destinada a retirar do texto o seu sentido ou conteúdo de pensamento.
Como este Supremo Tribunal tem dito várias vezes, a decisão judicial, constitui um acto jurídico a que se aplicam, ex vi do art. 295.º do Código Civil (CC), as regras e os princípios gerais de interpretação da declaração negocial, maxime a regra prevista no art. 236.º, n.º 1, daquele Código, de que a declaração deve interpretar-se com o sentido que um declaratário normal, colocado na posição do real declaratário, possa deduzir do seu contexto, tendo em conta não só a parte decisória como toda a sua fundamentação (Neste sentido, os seguintes acórdãos da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:
- de 24 de Fevereiro de 2011, proferido no processo n.º 1053/10, disponível em
http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/f730a5f7bcf14c3c8025784800549ad6;
- de 24 de Agosto de 2011, proferido no processo com o n.º 446/11, disponível em
http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/74819ee643a485c3802578fc00332f94 ;
- de 23 de Fevereiro de 2012, proferido no processo n.º 1153/11, disponível em
http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/e6650fe4e5f8cf99802579bf003aa1f1;
- de 14 de Setembro de 2016, proferido no processo n.º 946/16, disponível em
http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/-/b395d330930e5e4d80258030004c15cb;
- de 8 de Novembro de 2017, proferido no processo n.º 933/15, disponível em
http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/da4dc8c2a9a388cf802581d7003f11ab.).

2.2.2.3 O CASO SUB JUDICE

Feitos estes considerandos introdutórios, avancemos agora na apreciação do recurso.
Prioritariamente, cumpre indagar o que decidiu a sentença quando, após ter julgado verificada a impossibilidade superveniente da lide na parte em que a reclamação se refere à penhora dos veículos, julgou a reclamação procedente «no demais».
A Recorrente, num primeiro patamar da sua argumentação, parece considerar que este último segmento significa que a Juíza do Tribunal Tributário de Lisboa julgou extinta a execução fiscal. É o que resulta das conclusões E e F, onde afirma, relativamente à reclamação dos actos do órgão da execução fiscal que «[e]ste meio processual tem como finalidade a anulação total ou parcial do acto reclamado, não visando, desta forma, a extinção do processo de execução fiscal que, como se sabe, constitui objectivo primacial da oposição à execução fiscal» e que «[o]s poderes jurisdicionais no contencioso tributário assentam num contencioso de mera anulação/cassação, que limita a apreciação jurisdicional a proceder à estrita anulação total ou parcial do acto ou decisão reclamada».
Essa interpretação poderia colher algum apoio na petição inicial, pois na conclusão aí formulada pelo Reclamante sob o n.º VII ficou dito: «Por tudo isso, se impõe, como já se pediu, a declaração de nulidade ou revogação das notificações de que ora se recorre, bem como a extinção do processo de execução fiscal, sempre com subida imediata e efeito suspensivo da execução».
No entanto, como resulta do teor da petição inicial e da sentença, nem o pedido formulado foi de extinção da execução fiscal nem foi com esse sentido que a sentença o encarou. Aliás, a própria Recorrente, nas demais conclusões não mais se refere à extinção da execução – que não foi decretada na sentença – e, ao invés, parece enquadrar a invocada nulidade por excesso de pronúncia no conhecimento da questão da ilegalidade do «acto de aplicação do montante penhorado», considerando, em resumo, que o Tribunal a quo «não poderia ter apreciado a decisão do órgão de execução fiscal vertida no acto de aplicação do montante penhorado, porque não decorre do dispositivo apresentado pela Recorrida, e como tal objecto da presente lide, extravasando claramente a sua limitação jurisdicional».
É no âmbito desse enquadramento que indagaremos da invocada nulidade por excesso de pronúncia.

2.2.3 DA NULIDADE POR EXCESSO DE PRONÚNCIA

O excesso de pronúncia, como decorre da parte final do n.º 1 do art. 125.º do CPPT, preceito legal que prevê as nulidades da sentença, consiste na «pronúncia [pelo tribunal] sobre questões que não deva conhecer».
O preceito está em consonância com o art. 615.º, n.º 1, do CPC, cuja alínea d) prevê como uma das nulidades da sentença que «[o] juiz […] conheça de questões de que não podia tomar conhecimento». Trata-se de uma norma correlacionada com o n.º 2 do art. 608.º do mesmo código, que dispõe: «O juiz deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, exceptuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras. Não pode ocupar-se senão das questões suscitadas pelas partes, salvo se a lei lhe permitir ou impuser o conhecimento oficioso de outras». Note-se que, na falta de norma do CPPT sobre os deveres de cognição do tribunal, há que recorrer àquele art. 608.º, n.º 2, do CPC, ex vi do disposto no art. 2.º, alínea e), do CPPT.
Desde logo, há que ter presente que a questão da “aplicação do montante penhorado” surge como uma questão prévia relativamente à apreciação da questão da impossibilidade superveniente da lide (Apesar da Recorrente se referir à inutilidade superveniente da lide, afigura-se-nos que a Juíza do Tribunal Tributário de Lisboa andou bem ao qualificar a situação como de impossibilidade superveniente da lide. Como salienta ALBERTO DOS REIS, a impossibilidade superveniente da lide ocorre ou porque se extinguiu o sujeito, ou porque se extinguiu o objecto, ou porque se extinguiu a causa (Comentário ao Código de Processo Civil, III volume, pág. 368). Ora, no caso, a alegada extinção da). Esta última, como bem salientou a Procuradora-Geral Adjunta no parecer referido em 1.5, nunca poderia considerar-se ter sido conhecida em excesso de pronúncia pela razão de que é do conhecimento oficioso, ou seja, deve ser conhecida pelo tribunal independentemente de ser suscitada pelas partes.
Como ficou dito no acórdão deste Supremo Tribunal referido no parecer do Ministério Público, «dificilmente poderá sustentar-se a ocorrência de excesso de pronúncia relativamente ao juízo sobre a utilidade da lide, pois o conhecimento desta, como causa de extinção da instância [cfr. art. 277.º, alínea e), do CPC], se impõe oficiosamente ao juiz, a quem incumbe obstar à prossecução de uma lide de que, em virtude de facto ulterior à sua instauração, não possa resultar efeito útil algum» (Referimo-nos ao seguinte acórdão da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:
- de 14 de Setembro de 2016, proferido no processo n.º 946/16, disponível em
http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/b395d330930e5e4d80258030004c15cb.).
O mesmo se diga, mutatis mutandis, relativamente à impossibilidade superveniente da lide.
Sem prejuízo do que ficou dito relativamente ao conhecimento oficioso da questão da impossibilidade superveniente da lide, não podemos considerar que a Juíza do Tribunal Tributário de Lisboa tenha conhecido dessa questão motu proprio.
Na verdade, foi a Fazenda Pública quem, na resposta (prevista no n.º 2 do art. 278.º do CPPT), invocou expressamente, como «Questão Prévia», a excepção dilatória da inutilidade (rectius, da impossibilidade) superveniente da reclamação, com o argumento de que «não existem penhoras activas, nomeadamente as reclamadas, carecendo de objecto a presente reclamação». Isto, porque «o processo de execução fiscal em apreço foi extinto por pagamento voluntário em 2016-08-02».
Por isso, como melhor veremos adiante, se impôs à Juíza do Tribunal Tributário de Lisboa, a fim de conhecer da invocada impossibilidade superveniente da lide, apreciar se podia ou não considerar-se que a execução fiscal estava extinta pelo pagamento voluntário, como invocado pela Fazenda Pública.
Daí que bem se compreenda a indignação do Reclamante em sede de contra-alegações de recurso – que acusa a Recorrente de venire contra factum proprium – quando afirma que a sentença conheceu do pagamento e consequente extinção da execução fiscal como pressuposto da questão da impossibilidade superveniente da lide suscitada pela Fazenda Pública, motivo por que não pode aceitar-se que esta venha agora arguir a nulidade da sentença por excesso de pronúncia por ter apreciado aquela questão.
É certo que, como afirma a Recorrente, o Reclamante não invocou a ilegalidade “do acto de aplicação do montante penhorado”. Mas, salvo o devido respeito, não o poderia ter feito, uma vez que essa “aplicação” não tinha ainda ocorrido quando foi instaurada a reclamação – cfr. factos provados sob as alíneas E) e I) dos factos provados. Na verdade, como bem realçou a Juíza do Tribunal Tributário de Lisboa o referido acto de “aplicação do montante penhorado” – que a ora Recorrente, salvo o devido respeito, parece confundir com o pagamento voluntário (Como resulta do disposto nos arts. 84.º, 264.º e 269.º do CPPT, não pode considerar-se como pagamento voluntário o que é feito mediante a aplicação do montante penhorado. O pagamento efectuado com dinheiro ou valores penhorados é pagamento coercivo, como resulta inequivocamente do n.º 1 do art. 261.º do CPPT.), que alega ter sido efectuado e ter dado origem à extinção da execução fiscal e, consequentemente, à impossibilidade superveniente da lide – foi praticado quando estava já pendente a presente reclamação judicial.
É certo que, como sustenta a Recorrente, o Executado podia ter interposto reclamação desse acto de “aplicação do montante penhorado”. Mas, salvo o devido respeito, afigura-se-nos que o facto de o não ter feito não obstava a que a Juíza do Tribunal Tributário de Lisboa conhecesse, como conheceu, da legalidade do mesmo, por duas ordens de razão: primeira, porque tendo sido suscitada a intervenção do juiz na execução, ao abrigo do art. 276.º e segs. do CPPT, em ordem a sindicar a legalidade das penhoras efectuadas nos autos, não poderá considerar-se que o tribunal, no âmbito de um processo cuja natureza judicial está expressamente consagrada na lei (art. 103.º, n.º 1, da LGT), esteja impedido de apreciar a legalidade da actuação do órgão da execução fiscal relativamente a outro acto que não o sindicado, pelo menos na medida em que tal se revele necessário a apreciar a reclamação; ora, a análise sobre a legalidade desse acto “de aplicação do montante penhorado” é imprescindível à apreciação da questão que lhe foi suscitada pela Fazenda Pública, ora Recorrente, em sede de reclamação, qual seja a da impossibilidade superveniente da lide.
Na verdade, não pode considerar-se que a actividade do tribunal esteja circunscrita à apreciação da legalidade do acto reclamado quando, para indagar desta, não possa deixar de apreciar a legalidade de outros actos do órgão da execução fiscal com ele concatenados, ainda que ulteriores. A não ser assim, ficaria na disponibilidade do órgão da execução fiscal a possibilidade de o tribunal sindicar a sua actuação, bastando-lhe para impedir tal sindicância praticar outro acto de que resultasse a perda de utilidade ou a impossibilidade da discussão do primeiro. O caso sub judice é um bom exemplo dos efeitos perversos desse entendimento: tendo o Executado na presente reclamação judicial posto em causa a legalidade das penhoras, o órgão da execução fiscal aplicou o saldo da conta bancária penhorado no pagamento da dívida exequenda e do acrescido, pretendendo assim que perdeu utilidade a apreciação da legalidade das penhoras; se não se permitir ao tribunal apreciar a legalidade dessa “aplicação” do montante penhorado ao pagamento – a qual não constitui pagamento voluntário, mas antes pagamento coercivo –, com o argumento de que o conhecimento da questão perdeu utilidade, estaria a vedar-se ao Executado a possibilidade de ver sindicada judicialmente a legalidade das penhoras.
A segunda razão por que se nos afigura que não pode considerar-se que o Tribunal Tributário de Lisboa tenha excedido os seus poderes de pronúncia ao conhecer da legalidade do acto de “aplicação do montante penhorado” é que, a nosso ver, com essa pronúncia, aquele Tribunal limitou-se a aferir do cumprimento do efeito suspensivo da reclamação. Na verdade, como deixámos dito, o Tribunal entendeu que a reclamação tinha efeito suspensivo e, assim tendo entendido, cumpria-lhe assegurar-se de que esse efeito era respeitado.
É certo que, como o diz a Recorrente, desse acto de “aplicação do montante penhorado” poderia o ora Recorrido ter reclamado. Mas, salvo o devido respeito e contrariamente ao que sustenta a Recorrente, do facto de o não ter feito não pode retirar-se a conclusão de que perdeu utilidade o conhecimento da reclamação que deduziu contra a penhora; dito de outro modo, o facto de não ter reclamado desse acto de “aplicação” do montante penhorado não pode ter como efeito a preclusão do direito de ver sindicada judicialmente a legalidade do acto de penhora.
Seria manifestamente violador do princípio da proporcionalidade impor ao interessado que, perante o incumprimento pelo órgão da execução fiscal do dever assegurar o efeito suspensivo da reclamação, tivesse de reagir contenciosamente contra todo e qualquer acto em que sucessivamente se concretizasse esse incumprimento, sob pena de ver ocorrer a inutilidade superveniente da reclamação. Dito de outro modo, deve admitir-se que o juiz conheça oficiosamente da violação do efeito suspensivo da reclamação.
Podemos, pois, concluir com segurança pela inexistência da nulidade por excesso de pronúncia que a Recorrente assaca à sentença.

2.2.4 DA SUSPENSÃO DA EFICÁCIA DO ACTO RECLAMADO E DA SUSPENSÃO DA EXECUÇÃO FISCAL

Questão diferente da nulidade por excesso de pronúncia é a de saber se o Tribunal Tributário de Lisboa decidiu correctamente ao considerar que o órgão da execução fiscal actuou ilegalmente ao proceder à “aplicação do montante penhorado” para pagamento da dívida exequenda e do acrescido.
A nosso ver, sim e pelas duas razões que elencou: por um lado, a interposição da reclamação, porque a subir imediatamente, determina a suspensão da eficácia do acto reclamado, nos termos que acima (em 2.2.2.1) deixámos referidos, ou seja, ainda que não determinando a suspensão da execução, impedia que os bens ou valores cuja penhora estava em discussão pudessem ser utilizados para pagamento coercivo da dívida exequenda até ao trânsito em julgado da decisão a proferir na reclamação; por outro lado, ainda antes do órgão da execução fiscal ter praticado o referido acto de “aplicação do montante penhorado”, o ora Recorrido apresentou requerimento pedindo a suspensão da execução ao abrigo do disposto no art. 169.º do CPPT, até que estivesse decidida a oposição que se propunha deduzir (como veio a deduzir) e pedindo também que fosse considerada como garantia bastante a penhora já efectuada, acrescida de uma caução por depósito em dinheiro [cfr. factos provados sob as alíneas G), H), I) e M)], o que impedia que a execução fiscal prosseguisse, pelo menos, até que fosse decidido esse requerimento e, no caso do seu deferimento, até ao trânsito em julgado da oposição.
Concluímos, pois, que bem andou a sentença ao pronunciar-se pela ilegalidade do referido acto de “aplicação do montante penhorado”.

2.2.5 DA CONDENAÇÃO EM CUSTAS

Resta apreciar se a sentença fez correcta interpretação e aplicação dos preceitos legais respeitantes à condenação em custas na parte que se refere à extinção da instância por impossibilidade superveniente da lide que, recorde-se, foi decretada na sentença relativamente à penhora dos veículos automóveis e porque, já depois de instaurada a reclamação, o órgão da execução fiscal levantou a penhora.
A Juíza do Tribunal a quo, com fundamento no n.º 3 do art. 536.º do CPC e considerando que a impossibilidade resultava de facto imputável ao órgão da execução fiscal, qual seja o levantamento da penhora, condenou a Fazenda Pública nas custas respeitantes à decretada impossibilidade superveniente parcial da lide.
A Fazenda Pública discorda, porque entende que o levantamento da penhora é decorrência da extinção da execução pelo pagamento coercivo e insiste na tese de que «[n]ão cabe nesta sede, qualquer apreciação de mérito dessa aplicação» do montante penhorado ao pagamento.
Salvo o devido respeito, não tem razão. Tendo nós concluído que bem andou a sentença ao considerar ilegal a prossecução da execução mediante a aplicação do montante penhorado no pagamento coercivo da dívida exequenda e do acrescido quando estava pendente a reclamação sobre a penhora desse montante, por violação do efeito suspensivo da reclamação, não podemos deixar de considerar que a impossibilidade superveniente da lide, que resultou do levantamento da penhora sobre os veículos por o órgão da execução fiscal ter considerado extinta a execução fiscal com base naquele pagamento, é imputável ao órgão da execução fiscal.
Em consequência, bem andou a sentença ao imputar a responsabilidade dessas custas à Fazenda Pública ao abrigo do disposto no n.º 3 do art. 536.º do CPC, aplicável subsidiariamente ex vi da alínea e) do art. 2.º do CPPT, uma vez que a matéria da responsabilidade por custas não é regulada expressamente na lei processual administrativa e fiscal.
O recurso também não merece provimento nesta parte.

2.2.6 CONCLUSÕES

Preparando a decisão, formulamos as seguintes conclusões:
I - O excesso de pronúncia é um vício formal das decisões judiciais resultante do conhecimento pelo tribunal de questão que, não sendo do conhecimento oficioso, não lhe tenha sido colocada pelas partes (cfr. art. 125.º, n.º 1, do CPPT e art. 660.º, n.º 2, do CPC), pelo que o mesmo não pode verificar-se relativamente à questão da impossibilidade superveniente da lide, que, enquanto causa de extinção da instância [cfr. art. 277.º, alínea e), do CPC], é do conhecimento oficioso.
II - Não se pode considerar pagamento voluntário o que decorre da aplicação do montante penhorado correspondente ao saldo de uma conta bancária do executado (cfr. arts. 84.º, 264.º e 269.º do CPPT).
III - Deduzida reclamação contra o acto de penhora do saldo de uma conta bancária, ao abrigo do disposto nos arts. 276.º e segs. do CPPT, a mesma tem efeito suspensivo, o que significa que fica suspensa a eficácia desse acto, não podendo os valores penhorados ser aplicados no pagamento coercivo da dívida exequenda, pelo menos até ao trânsito em julgado da decisão.
IV - A questão da ilegal aplicação do montante penhorado pode ser conhecida oficiosamente, quer como questão prévia à questão da inutilidade superveniente da lide invocada pela Fazenda Pública na resposta à reclamação, quer no âmbito do controlo judicial do respeito pelo referido efeito suspensivo da reclamação.
V - Sendo imputável ao órgão da execução fiscal o facto – levantamento da penhora –, que deu origem à impossibilidade superveniente da lide, deve recair sobre a Fazenda Pública a responsabilidade pelas respectivas custas (cfr. n.º 3 do art. 536.º do CPC).


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3. DECISÃO

Face ao exposto, os juízes deste Supremo Tribunal Administrativo, em conferência, acordam em negar provimento ao recurso.

Custas pela Recorrente.

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Lisboa, 21 de Fevereiro de 2018. – Francisco Rothes (relator) – Aragão Seia – Dulce Neto.