Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0673/14
Data do Acordão:07/02/2014
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:FRANCISCO ROTHES
Descritores:PRESCRIÇÃO DA OBRIGAÇÃO TRIBUTÁRIA
TERMO INICIAL
ISENÇÃO DE SISA
CADUCIDADE
Sumário:I - O prazo de prescrição conta-se, salvo disposição especial em contrário, nos impostos de obrigação única, a partir da data em que o facto tributário ocorreu (n.º 1 do art. 48.º da LGT).

II - O termo inicial da contagem do prazo de prescrição da obrigação tributária, em caso de verificação da condição resolutiva da isenção de sisa (arts. 11.º n.º 3, 16.º n.º 1 CIMSISD e 48.º n.º 1 da LGT) reporta à data do facto tributário e não à data da revogação da isenção.

Nº Convencional:JSTA000P17753
Nº do Documento:SA2201407020673
Data de Entrada:06/06/2014
Recorrente:A............
Recorrido 1:AT - AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Recurso jurisdicional da sentença proferida no processo de reclamação de actos do órgão de execução fiscal com o n.º 1230/13.0BELRS

1. RELATÓRIO

1.1 A………… (adiante Executado, Reclamante ou Recorrente), executado por reversão num processo de execução fiscal, reclamou para o Juiz do Tribunal Tributário de Lisboa, ao abrigo do disposto nos arts. 276.º a 278.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT), da decisão do Chefe do Serviço de Finanças de Lisboa 11 que indeferiu o pedido de suspensão da venda do bem que lhe foi penhorado nesse processo, formulado com fundamento na prescrição da obrigação tributária correspondente à dívida exequenda, proveniente de Imposto de Sisa, na falta de citação da devedora originária para a execução fiscal e na violação do princípio da proporcionalidade, por se lhe afigurar manifestamente desnecessário à garantia do crédito tributário e, por isso, excessivo, vender um bem que se encontra já penhorado na pendência da impugnação judicial em que se discute a legalidade da liquidação que deu origem à dívida exequenda.

1.2 O Juiz do Tribunal Tributário de Lisboa julgou a reclamação judicial improcedente. Isto, em síntese, porque considerou que

· não se verifica a prescrição da dívida exequenda, uma vez que o prazo apenas começa a contar-se da verificação da condição resolutiva da isenção prevista no n.º 3 do art. 11.º do Código do Imposto Municipal de Sisa e do Imposto sobre as Sucessões e Doações (CIMSISD), ou seja, decorridos que sejam três anos sobre a aquisição sem que se verifique a revenda, como prescreve o n.º 1 do art. 16.º do mesmo Código;

· deve considerar-se validamente efectuada a citação do Reclamante, uma vez que, contrariamente ao que sustenta o Reclamante, àquele não são aplicáveis as regras do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT), mas antes as regras do Código de Processo Civil (CPC); quanto à invocada falta de citação da devedora originária, apenas poderia erigir-se em causa de pedir em sede de oposição à execução fiscal e já não na reclamação judicial;

· quanto à pretendida suspensão do processo executivo enquanto estiver pendente a impugnação judicial deduzida contra a liquidação que deu origem à dívida exequenda, a mesma só seria possível caso estivesse garantido o pagamento da dívida exequenda e do acrescido, sendo que não foi prestada garantia e o Reclamante não demonstra que a penhora garanta esse valor.

1.3 O Executado por reversão e Reclamante não se conformou com essa sentença e dela recorreu para este Supremo Tribunal Administrativo, apresentando com o requerimento de interposição do recurso a respectiva motivação, que resumiu em conclusões do seguinte teor: «

a) O Recorrente invocou na sua reclamação que, não obstante se viesse a entender que a penhora efectuada não garantia a dívida, o bem em causa não poderia ser vendido até à decisão sobre a impugnação judicial.

b) Por tal venda colidir com o princípio da proporcionalidade a que a Administração Tributária se encontra vinculada nas suas relações com os contribuintes, pelo que, sempre a venda deveria ter sido suspensa.

c) Constitui causa de nulidade da sentença a falta de pronúncia sobre questões de que o juiz deva conhecer (n.º 1 do art. 125.º do CPPT e entre outros, vide o acórdão desse STA de 09/07/2013, tirado no Recurso n.º 05594/12).

d) Assim, salvo o devido respeito e melhor opinião, a douta Sentença recorrida é nula por omissão de pronúncia, pelo que não deve, desde logo, permanecer na ordem jurídica.

e) Não se aceita o entendimento acolhido na douta Sentença recorrida, no sentido de que o prazo de prescrição da dívida de SISA só inicia o seu decurso quando cessa a isenção.

f) O termo inicial da contagem do prazo de prescrição da obrigação tributária, em caso de verificação da condição resolutiva da isenção de Sisa, reporta à data do facto tributário e não à data da revogação da isenção (arts. 11.º n.º 3, 16.º n.º 1 do CIMSISD e 48.º n.º 1 da LGT), assim se decidiu, entre outros, no recente Acórdão do Pleno desse STA de 10/04/2013, proferido no Recurso n.º 01135/12.

g) No caso “sub judice” o facto tributário ocorreu em 20 de Dezembro de 2000, tendo o início do decurso do prazo de prescrição ocorrido em 1 de Janeiro de 2001 e terminado em 1 de Janeiro de 2009, data em que se completaram os 8 anos do prazo prescricional (art. 48.º da LGT).

h) Sendo que a liquidação de SISA foi efectuada em 17 de Junho de 2010, resulta evidente que quando esta foi efectuada já a obrigação tributária se encontrava prescrita.

i) A prescrição é do conhecimento oficioso, devendo a Administração Tributária dela conhecer em sede de execução fiscal, o que constitui jurisprudência pacífica.

j) A dívida encontra-se prescrita e a Administração Tributária não conheceu da prescrição, não obstante a tal estar obrigada, o que seria razão para a extinção do processo de execução fiscal, pelo que, por maioria de razão, para a suspensão da venda e do próprio processo executivo, devendo assim a reclamação ter procedido.

k) Assim, a douta Sentença recorrida ao ter considerado que o decurso do prazo de prescrição da dívida de SISA, só se iniciou depois de cessada a isenção, decidindo contra jurisprudência emanada do Pleno desse STA.

l) Preconizou uma errónea interpretação das normas jurídicas aplicáveis, padecendo de erro de julgamento, não podendo em consequência permanecer na ordem jurídica.

m) Ainda que o bem penhorado não fosse suficiente para garantir a dívida, não podia ser vendido até à decisão sobre a impugnação, como foi peticionado.

n) Nas suas relações com os contribuintes, a Administração Tributária actua vinculada ao princípio da proporcionalidade que a impede de afectar os direitos ou interesses legítimos dos administrados em termos não adequados e proporcionais aos objectivos a realizar (art. 266.º, n.º 2, da CRP, art. 5.º, n.º 2, do CPA e art. 55.º da LGT).

o) Este princípio obriga a administração tributária a abster-se da imposição ao contribuintes de obrigações que sejam desnecessárias à realização dos fins que aquela visa prosseguir” (DIOGO LEITE DE CAMPOS, BENJAMIM SILVA RODRIGUES e JORGE LOPES DE SOUSA, in Lei Geral Tributária comentada e anotada, Vislis, 1999, p. 164).

p) Ora, vender um bem penhorado em execução fiscal, por dívida que se encontra impugnada, é manifestamente desnecessário, por a Administração Tributária ter o crédito garantido, podendo vender o bem depois de do trânsito em julgado da decisão que recair sobre a impugnação.

q) Sob pena de o ora Recorrente perder o seu direito de propriedade por uma dívida que pode vir a ser anulada.

r) O que constitui uma afectação dos seus direitos e interesses legítimos, em termos não adequados e desproporcionais, sendo o despacho na origem da reclamação ilegal por violação do princípio da proporcionalidade, pelo que sempre deveria aquela ter merecido provimento.

s) Assim, também pelo ora exposto, a douta Sentença recorrida ao ter mantido na ordem jurídica o despacho reclamado, preconizou uma errónea interpretação das normas jurídicas aplicáveis, padecendo de erro de direito e não podendo, em consequência, permanecer na ordem jurídica.

Nestes termos […] deve o presente recurso ser julgado procedente, pelas razões expendidas, sendo revogada a douta Sentença do Tribunal “a quo” e, em consequência, ser anulado o despacho na origem dos presentes autos […]» (Porque usamos o itálico nas transcrições, os excertos que estavam em itálico no original surgem aqui em tipo normal.).

1.4 O recurso foi admitido a subir imediatamente, nos próprios autos e com efeito devolutivo.

1.5 A Fazenda Pública não contra alegou.

1.6 Recebidos os autos neste Supremo Tribunal Administrativo, foi dada vista ao Ministério Público e o Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer no sentido de que seja concedido provimento ao recurso com fundamento na prescrição da obrigação tributária subjacente à dívida exequenda. Na parte que se refere a essa questão, o parecer é do seguinte teor:

«[…] No que respeita à questão da prescrição da dívida exequenda entendeu-se na sentença recorrida, invocando a jurisprudência do acórdão de 28/11/2012 (proc. n.º 0865/12), que o prazo de prescrição tem o seu termo inicial em 20/12/2003, data em que terminou o prazo de 3 anos previsto no n.º 1 do artigo 16.º do CIMSISSD, segundo a tese de que o prazo só começa a correr quando o direito puder ser exercido, nos termos do artigo 360.º, n.º 1, do Código Civil.
Sucede que a doutrina consolidada actualmente no STA é exactamente a contrária daquela que resulta do aresto citado na sentença recorrida. Com efeito, de acordo com o acórdão de do Pleno da secção de contencioso do STA de 10/04/2013, proferido no âmbito do processo n.º 01135/12, «O prazo de prescrição conta-se, salvo o devido respeito, nos impostos de obrigação única, a partir da data em que o facto tributário ocorreu (n.º 1 do art. 48.º da LGT). O termo inicial da contagem do prazo de prescrição da obrigação tributária, em caso de verificação da condição resolutiva da isenção de Sisa (arts. 11.º n.º 3, 16.º n.º 1 CIMSISD e 48.º n.º 1 da LGT) reporta à data do facto tributário e não à data da revogação da isenção». A referida doutrina foi sufragada pelo acórdão do Pleno de 13/11/2013 (proc. n.º 0728/12).
Nos termos do artigo 2.º do CIMSISD o facto tributário verifica-se com a transmissão do prédio. Resulta da matéria de facto dada como assente que o imóvel foi adquirido pela Recorrente em 20/12/2000, altura em que se encontrava em vigor o artigo 180.º do CIMSISD, com a redacção introduzida pelo artigo 4.º do Dec.-Lei 472/99, de 8 de Novembro, que para efeitos de prescrição manda aplicar o disposto nos artigos 48.º e 49.º da Lei Geral Tributária.
Ora, nos termos do artigo 48.º da Lei Geral Tributária, o prazo de prescrição é de 8 anos, o qual se conta, no caso de impostos de obrigação única, como é o caso da sisa, a partir da data em que o facto tributário ocorreu.
Tendo o facto tributário ocorrido em 20/12/2000, data em que o imóvel foi adquirido, o prazo de prescrição terminou em 20/12/2008, caso não tenham entretanto ocorrido quaisquer factos interruptivos ou suspensivos da prescrição.
Da matéria de facto resulta que a liquidação do imposto de sisa foi efectuada em 17/06/2010 e que a citação do Recorrente ocorreu em 15/10/2011, data em que se presume ter recebido a carta registada que lhe foi remetida para o seu domicílio, após fixação da nota de citação, na modalidade de citação com hora certa.
Resulta, assim, que aquando da liquidação do imposto em 17/06/2010 já a obrigação tributária tinha prescrito, uma vez que até 20/12/2008, data do termo do prazo de prescrição, não ocorreu qualquer facto interruptivo ou suspensivo, nos termos do artigo 49.º da Lei Geral Tributária (incongruência do sistema legal ao permitir que na prática o prazo de caducidade do exercício do direito de liquidação seja superior ao prazo de prescrição, de acordo com a doutrina jurisprudencial supra citada).
A solução dada a esta questão prejudica o conhecimento das demais (n.º 2 do artigo 608.º do Código de Processo Civil).
Tendo a sentença recorrida decidido em sentido contrário, padece do vício de errónea interpretação e aplicação da lei, motivo pelo qual deve ser revogada e substituída por acórdão de que julgue verificada a prescrição da dívida exequenda».

1.7 Dispensaram-se os vistos dos Juízes Conselheiros adjuntos, atento o carácter urgente do processo.

1.8 As questões a apreciar e decidir são as de saber se a sentença recorrida

a) enferma de nulidade por omissão de pronúncia quanto à invocada questão da violação do princípio da proporcionalidade [cfr. conclusões a) a d)];

b) fez correcto julgamento quando considerou que a obrigação tributária correspondente à dívida exequenda não estava prescrita [cfr. conclusões e) a l)]; se ambas as questões forem respondidas negativamente, haverá ainda que apreciar

c) se a venda do bem penhorado antes de decidida a impugnação judicial instaurada contra a liquidação de sisa que deu origem à dívida exequenda viola o princípio da proporcionalidade [cfr. conclusões m) a s)].


* * *

2. FUNDAMENTAÇÃO

2.1 DE FACTO

A sentença recorrida deu como provados os seguintes factos:
«
1. Foi instaurada a execução fiscal n.º 3344201001091336 contra B…………, Lda., por dívida de imposto municipal de sisa e juros compensatórios, nos montantes respectivos de 283.317,21 € e 72.684,45 (cfr. capa do PEF apenso e informação a fls. 103 dos autos);

2. Resulta a dívida do facto de a devedora originária ter adquirido em 20/12/2000 o prédio rústico inscrito na matriz predial da freguesia do ……… sob o artigo n.º 178, beneficiando de isenção de sisa nos termos do art. 11.º, n.º 3, do Código do Imposto Municipal de Sisa e do Imposto sobre as Sucessões e Doações, uma vez que se destinava a revenda (cfr. informação executiva a fls. 103);

3. A devedora originária apenas efectuou a revenda do imóvel em 09/01/2004, à firma C…………, S.A., tendo esta sociedade beneficiado de isenção de IMT, uma vez que a aquisição foi também feita para revenda (cfr. informação executiva a fls. 103);

4. A Administração tributária, no pressuposto da caducidade da isenção em 20/12/2003 e não tendo a devedora originária efectuado o pagamento da sisa devida no prazo de 30 dias a contar daquela data, procedeu, em 17/06/2010, à liquidação do imposto e juros compensatórios, nos montantes indicados supra, em 1) (cfr. nota de liquidação, a fls. 3 e informação executiva a fls. 103);

5. Em 08/10/2010, foi extraída a certidão de dívida que serve de base à execução fiscal (cfr. informação executiva a fls. 103);

6. Em sequência do despacho de reversão de 29/07/2011 (consta a fls. 112 do apenso), por carta registada com aviso de recepção enviada em 03/08/2011 para a morada que consta do processo executivo, foi efectuada citação do reclamante por reversão, tendo a mesma sido devolvida com indicação postal de “avisado” “não reclamado” (cfr. citação, sobrescrito de remessa e talões de registo e A/R a fls. 116 do apenso);

7. Em 01/09/2011, foi expedida carta precatória para o serviço de finanças de Almada – 2 a fim de ali se proceder à citação do reclamante na qualidade de responsável subsidiário (cfr. informação executiva a fls. 103 dos autos; despacho a ordenar a expedição de carta precatória, a fls. 69 do apenso);

8. Em 03/10/2011 foi efectuada diligência de citação do reclamante/revertido na morada constante do processo executivo e que corresponde à indicada na petição inicial da reclamação (cfr. fls. 125 dos autos e fls. 137 a 139 do apenso);

9. Não tendo o citado sido encontrado, foi deixada nota de diligência e marcada citação com hora certa para o dia 10/10/2011, às 14h30 (cfr. certidões de diligência e de citação com hora certa junta a fls. 139 do apenso);

10. Não tendo o citado sido encontrado, foi afixada nota de citação e efectuada a advertência a que se refere o art. 241.º do CPC então vigente, através de carta registada expedida para a residência do citando em 12/10/2011 (cfr. fls. 138 do apenso);

11. Foi efectuada penhora de bens do revertido/reclamante;

12. Foi marcada venda do imóvel penhorado para o dia 21/08/2012;

13. O reclamante requereu a suspensão da venda, via fax, em 21/08/2012 (cfr. fls. 251 e 258 do apenso);

14. O pedido foi indeferido por despacho de 21/08/2012 com os fundamentos da informação em que está exarado (cfr. fls. 117 e 118 dos autos);

15. Do indeferimento do pedido de suspensão da venda, foi o reclamante notificado por ofício da mesma data, expedido sob registo postal de 24/08/2012 (cfr. fls. 258/259 do apenso);

16. A dívida exequenda foi impugnada judicialmente pela devedora originária, não tendo sido prestada qualquer garantia no processo executivo (cf. art. 41.º da douta p.i. e informação executiva a fls. 103);

17. A primitiva petição inicial de reclamação foi apresentada em 10/10/2012 (cfr. fls. 32 dos autos)».


*

2.2 DE DIREITO

2.2.1 AS QUESTÕES A APRECIAR E DECIDIR

O Serviço de Finanças de Lisboa instaurou uma execução fiscal contra uma sociedade para cobrança de dívida de sisa, proveniente da caducidade da isenção nos termos dos arts. 11.º, n.º 3 e 16.º, n.º 1, do CIMSISD, na medida em que aquela sociedade, que adquiriu um prédio para revenda, revendeu-o já depois de esgotado o prazo de 3 anos previsto na referida norma legal.
O órgão da execução fiscal reverteu a execução fiscal contra o ora Recorrente, a quem citou e penhorou um bem imóvel. Tendo designado data para a venda do bem penhorado, veio o ora Recorrente pedir a suspensão da venda, pedido que o Chefe do serviço de finanças indeferiu.
O Executado por reversão reclamou judicialmente dessa decisão, ao abrigo do disposto no art. 276.º e segs. do CPPT, invocando, em síntese, a prescrição da dívida exequenda, a nulidade por falta de citação e que a execução deveria manter-se suspensa enquanto estivesse pendente a impugnação judicial que a sociedade originária devedora deduziu contra o acto de liquidação da sisa que deu origem à dívida exequenda, sob pena de violação do princípio da proporcionalidade.
O Juiz do Tribunal Tributário de Lisboa indeferiu a reclamação, considerando improcedentes todos os fundamentos invocados.
O Reclamante interpôs recurso da sentença, sustentando que houve omissão de pronúncia quanto à invocada questão de violação do princípio da proporcionalidade e erro de julgamento quanto à questão da prescrição.
Daí termos considerado como questões a apreciar e decidir as que deixámos enunciadas em 1.8.

2.2.2 DA NULIDADE POR OMISSÃO DE PRONÚNCIA

A nulidade por omissão de pronúncia, expressamente prevista no art. 125.º, n.º 1, do CPPT Constituem causas de nulidade da sentença a falta de assinatura do juiz, a não especificação dos fundamentos de facto e de direito da decisão, a oposição dos fundamentos com a decisão, a falta de pronúncia sobre questões que o juiz deva apreciar ou a pronúncia sobre questões que não deva conhecer».), está directamente relacionada com o comando fixado n.º 2 do art. 608.º do novo Código de Processo Civil (correspondente ao anterior art. 660.º) – segundo o qual «o juiz deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, exceptuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras».
Por conseguinte, só pode ocorrer omissão de pronúncia quando o juiz não toma posição sobre questão colocada pelas partes, não emite decisão no sentido de não poder dela tomar conhecimento nem indica razões para justificar essa abstenção de conhecimento, e da sentença também não resulta, de forma expressa ou implícita, que esse conhecimento tenha ficado prejudicado em face da solução dada ao litígio.
No caso sub judice o Recorrente sustenta que ocorre essa nulidade porque o Juiz do Tribunal Tributário de Lisboa não se pronunciou sobre a questão da «violação do princípio da proporcionalidade».
Salvo o devido respeito, e como bem salientou o Representante do Ministério Público neste Supremo Tribunal Administrativo, a invocada violação do princípio da proporcionalidade, tal como foi equacionada pelo Recorrente, «não assume autonomia como uma verdadeira questão, antes configura um argumento invocado no âmbito da questão da suspensão da execução fiscal».
Ora, como a jurisprudência tem vindo a afirmar reiterada e uniformemente, a nulidade por omissão de pronúncia «não significa que o tribunal tenha de conhecer de todos os argumentos ou razões invocadas pelas partes e só a falta de conhecimento de questões constitui nulidade por omissão de pronúncia, como resulta do texto do art. 125.º do CPPT e da alínea d) do n.º 1 do art. 668.º [hoje art. 615.º] do CPC» (Cfr. JORGE LOPES DE SOUSA, Código de Procedimento e de Processo Tributário anotado e comentado, Áreas Editora, 6.ª edição, II volume, anotação 10 b) ao art. 125.º, pág. 364, com abundante indicação de jurisprudência.).
Ou seja, a violação do princípio da proporcionalidade foi invocada pelo Reclamante, não como uma questão em sim mesma – que exigiria «a formulação do pedido de decisão relativo a matéria de facto ou de direito sobre uma concreta situação de facto ou jurídica sobre que existam divergências, formulado com base em alegadas razões de facto ou de direito» (Cfr. JORGE LOPES DE SOUSA, idem.) –, mas como um argumento no sentido de que deveria ter sido decretada a suspensão da execução fiscal enquanto não estivesse decidida a impugnação judicial deduzida contra a liquidação de sisa que deu origem à dívida exequenda, revelando-se a prossecução da execução, com a venda, uma actuação administrativa desproporcionada na ponderação entre os fins visados e os direitos e interesses legítimos do Reclamante.
Ora, quanto a esta questão, é indiscutível que a sentença recorrida dela conheceu, afirmando taxativamente que inexistia motivo para suspender a execução fiscal, pois nem tinha sido prestada garantia nem o Reclamante comprovou que a penhora garantisse o pagamento da dívida exequenda e do acrescido. O facto de não o ter feito sob o mesmo enquadramento jurídico que lhe foi dado pelo Reclamante não releva em termos da validade formal da sentença, tanto mais que o tribunal é livre na apreciação do direito, não estando limitado pela interpretação e aplicação da lei efectuada pelas partes (cfr. art. 5.º, n.º 3 O juiz não está sujeito às alegações das partes no tocante à indagação, interpretação e aplicação das regras de direito».), do novo Código de Processo Civil, a que antes correspondia o art. 664.º).
Concluímos, pois, que a sentença não enferma da nulidade por omissão de pronúncia que lhe vem assacada.

2.2.3 DO ERRO DE JULGAMENTO - A PRESCRIÇÃO DA OBRIGAÇÃO TRIBUTÁRIA

A questão que cumpre apreciar e decidir pode, resumidamente, enunciar-se nos seguintes termos: o termo inicial da contagem do prazo de prescrição da obrigação tributária, em caso de verificação da condição resolutiva da isenção de sisa nos termos dos arts. 11.º, n.º 3, e 16.º, n.º 1, do CIMSISD, reporta-se à data do facto tributário ou à data da revogação da isenção?
Na verdade, na sentença recorrida, que se louvou no acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 28 de Novembro de 2012, proferido no processo n.º 865/12 (No Apêndice ao Diário da República de 8 de Novembro de 2013 (http://dre.pt/pdfgratisac/2012/32240.pdf), págs. 3679 a 3684, também disponível em
http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/d595fe4e1d9cc6b680257acd004de9fd?OpenDocument.), considerou-se como termo inicial do prazo da prescrição a data em que terminou o prazo de três anos para a revenda, previsto no n.º 1 do art. 16.º do CIMSISD. Isto, no entendimento de o prazo prescricional só começa a correr quando o direito puder ser exercido, nos termos do art. 360.º, n.º 1, do Código Civil.
Porém, como bem salientou o parecer do Procurador-Geral adjunto, esse entendimento não corresponde à jurisprudência actualmente consolidada desta Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo.
O acórdão do Pleno da Secção de 10 de Abril de 2013, proferido no processo n.º 1135/12 (No Apêndice ao Diário da República de 6 de Março de 2014 (http://dre.pt/pdfgratisac/2013/32420.pdf), págs. 130 a 138, também disponível em
http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/cbe4b72185fbd0ca80257b5c003b7a33?OpenDocument.), subscreveu a tese contrária, que, nos termos do respectivo sumário doutrinal, é a de que «[o] prazo de prescrição conta-se, salvo o disposto em lei especial, nos impostos de obrigação única, a partir da data em que o facto tributário ocorreu (n.º 1 do art. 48.º da LGT). O termo inicial da contagem do prazo de prescrição da obrigação tributária, em caso de verificação da condição resolutiva da isenção de Sisa (arts. 11.º n.º 3, 16.º n.º 1 CIMSISD e 48.º n.º 1 da LGT) reporta à data do facto tributário e não à data da revogação da isenção».
A referida doutrina foi seguida pelo acórdão de 24 de Julho de 2013, proferido no processo n.º 1183/13 (No Apêndice ao Diário da República de 26 de Maio de 2014 (http://dre.pt/pdfgratisac/2013/32230.pdf), págs. 3262 a 3267, também disponível em
http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/cc80f7af735904a680257be400317843?OpenDocument.); e foi considerada como jurisprudência consolidada, para efeitos de aferir da admissibilidade do recurso por oposição de acórdãos, pelos acórdãos de 30 de Outubro de 2013, proferido no processo n.º 1183/13 (Ainda não publicado no jornal oficial, disponível em
http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/91de8dac5e677cb980257c1a00570777?OpenDocument), e de 13 de Novembro de 2013, proferido no processo n.º 728/12 (Ainda não publicado no jornal oficial, disponível em
http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/3a208c4bbf5ce0e180257c2a0038516d?OpenDocument.), este do Pleno, que a consideraram como jurisprudência consolidada para efeitos de aferir da admissibilidade do recurso por oposição de acórdãos.
Aliás, tal entendimento foi também o seguido pelo Pleno da Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo relativamente a outros impostos (Vide o acórdão do Pleno da Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo de 24 de Fevereiro de 2010, proferido no processo n.º 873/09, publicado no Apêndice ao Diário da República de 3 de Março de 2011 (http://dre.pt/pdfgratisac/2010/32410.pdf), págs. 49 a 54, também disponível em
http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/2fa158d8209225f7802576dd00502ffa?OpenDocument.).
Também nós sufragamos o entendimento de que o termo inicial da contagem do prazo de prescrição da obrigação tributária, em caso de verificação da condição resolutiva da isenção de sisa, nos termos dos arts. 11.º n.º 3 e 16.º, n.º 1, do CIMSISD e do art. 48.º n.º 1 da LGT, se reporta à data do facto tributário e não à data da revogação da isenção, pelas razões expressas no citado acórdão do Pleno da Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo de 10 de Abril de 2013 (rec. n.º 1135/12), para cuja ampla e profícua fundamentação jurisprudencial e doutrinal remetemos, e que aí se encontram desta forma sintetizadas: «[…] (i) não prevendo o n.º 1 do art. 48.º da LGT a suspensão do prazo de prescrição no caso de benefícios fiscais de natureza condicionada (ao contrário do que sucede com o prazo de caducidade da liquidação do imposto – alínea c) do n.º 2 do art. 46.º da LGT); (ii) integrando a matéria da prescrição da obrigação tributária (quer os pressupostos da prescrição, quer os pressupostos relativos ao regime do respectivo prazo) o âmbito das garantias dos contribuintes e (iii) fixando a LGT, como momento relevante para o termo inicial do prazo de prescrição, a ocorrência do facto tributário (sendo este o facto material que preenche os pressupostos legais da norma de incidência do imposto e que determina o nascimento da obrigação tributária), não é de interpretar a norma contida no n.º 1 do art. 48.º da LGT com outro sentido que não seja o de que, no caso, o prazo de prescrição da sisa devida (imposto de obrigação única) se inicia a partir da data em que ocorreu o facto tributário substanciado na transmissão (aquisição por parte do sujeito passivo respectivo) e não a partir da data em que ocorreu a caducidade da condição a que ficara subordinada a isenção de que o mesmo usufruiu».
Assim, tendo em conta que (i) nos termos do art. 2.º do CIMSISD o facto tributário se verifica com a transmissão do prédio, (ii) que na situação sub judice o imóvel foi adquirido pela sociedade originária devedora em 20 de Dezembro 2000, (iii) que nessa data se encontrava em vigor o art. 180.º do CIMSISD, na redacção introduzida pelo art. 4.º do Decreto-Lei n.º 472/99, de 8 de Novembro, que, para efeitos de prescrição, manda aplicar o disposto nos arts. 48.º e 49.º da LGT, (iv) que nos termos do art. 48.º da LGT o prazo de prescrição é de 8 anos, (v) que esse prazo se conta, no caso de impostos de obrigação única, como é o caso da sisa, a partir da data em que o facto tributário ocorreu, somos a concluir que, tendo o facto tributário ocorrido em 20 de Dezembro de 2000, data em que o imóvel foi adquirido, o prazo de prescrição terminou em 20 de Dezembro de 2008, caso não tenham entretanto ocorrido quaisquer factos interruptivos ou suspensivos da prescrição.
Da matéria de facto que foi dada como assente resulta que a citação do Recorrente se considera efectuada em 15 de Outubro de 2011, data em que se presume a recepção da carta registada que lhe foi remetida para o seu domicílio, após fixação da nota de citação, na modalidade de citação com hora certa (cfr. arts. 240.º e 241.º do CPC, na anterior redacção).
Ou seja, à data da citação do Recorrente, se não se verificaram entretanto factos interruptivos ou suspensivos da execução fiscal, já se verificara a prescrição da execução fiscal.
Tenha-se presente que, nos termos do disposto no n.º 2 do art. 48.º da LGT As causas de suspensão ou interrupção da prescrição aproveitam igualmente ao devedor principal e aos responsáveis solidários ou subsidiários».), esses factos podem dizer respeito ao devedor principal como ao devedor subsidiário, sendo que «[a] produção de efeitos pelas causas de suspensão e prescrição em relação a todos os devedores, que se estabelece no n.º 2 deste art. 48.º, será «um corolário do princípio da unicidade da relação jurídica tributária em relação aos diferentes obrigados pelo seu cumprimento, tal como é entendida no art. 18.º da LGT» (Neste sentido pode ver-se BENJAMIM SILVA RODRIGUES, A Prescrição no Direito Tributário, publicado em Problemas Fundamentais de Direito Tributário, Vislis Editores, 1999, página 286)» (Cfr. DIOGO LEITE DE CAMPOS, BENJAMIM SILVA RODRIGUES e JORGE LOPES DE SOUSA, Lei Geral Tributária Anotada e Comentada, Encontro da Escrita, 4.ª edição, anotação 6 ao art. 48.º, pág. 392.).
É certo que consta dos autos que a sociedade originária devedora deduziu impugnação judicial, facto que, atento o disposto no n.º 1 do art. 49.º da LGT, poderia relevar (Sobre os efeitos desse facto, consoante tenha ocorrido antes ou depois de 30 de Dezembro de 2006, vide o acórdão da Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo de 23 de Abril de 2013, proferido no processo n.º 431/13, publicado no Apêndice ao Diário da República de 15 de Abril de 2014 (http://dre.pt/pdfgratisac/2013/32220.pdf), págs. 1723 a 1727, também disponível em
http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/e460098f2b4470e780257b6500547c8e?OpenDocument.) no apuramento da prescrição.
Acontece porém que, apesar de a sentença não ter fixado a data em que a impugnação judicial foi deduzida, é manifesto que não o poderá ter sido antes da liquidação e esta ocorreu apenas em 17 de Junho de 2010 (cfr. facto provado sob o n.º 4), ou seja, quando estava já prescrita a obrigação tributária.
Assim, contrariamente ao que decidiu a sentença recorrida, a obrigação tributária está prescrita, motivo por que deve ser concedido provimento ao recurso, revogada aquela sentença e, na procedência da reclamação judicial, anulado o despacho reclamado, como decidiremos a final.

2.2.4 CONCLUSÕES

Preparando a decisão, formulamos as seguintes conclusões, decalcadas do citado acórdão do Pleno da Secção de 10 de Abril de 2013, proferido no processo n.º 1135/12:
I - O prazo de prescrição conta-se, salvo disposição especial em contrário, nos impostos de obrigação única, a partir da data em que o facto tributário ocorreu (n.º 1 do art. 48.º da LGT).
II - O termo inicial da contagem do prazo de prescrição da obrigação tributária, em caso de verificação da condição resolutiva da isenção de sisa (arts. 11.º n.º 3, 16.º n.º 1 CIMSISD e 48.º n.º 1 da LGT) reporta à data do facto tributário e não à data da revogação da isenção.


* * *

3. DECISÃO

Face ao exposto, os juízes da Secção do Contencioso Tributário deste Supremo Tribunal Administrativo acordam, em conferência, em conceder provimento ao recurso, revogar a sentença recorrida e, em substituição, julgando a reclamação judicial procedente, declarar prescrita a dívida exequenda.

Sem custas.

Lisboa, 2 de Julho de 2014. - Francisco Rothes (relator) - Aragão Seia - Casimiro Gonçalves.