Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0619/12
Data do Acordão:10/17/2012
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:FRANCISCO ROTHES
Descritores:IMPOSTO DE SELO
USUCAPIÃO
PRÉDIO RÚSTICO
JUSTIFICAÇÃO NOTARIAL
CONSTRUÇÃO DE IMÓVEL
Sumário:I - Para efeitos do IS, a usucapião é uma transmissão gratuita que apenas nasce com o trânsito em julgado da acção de justificação judicial, com a celebração da escritura de justificação notarial ou no momento em que se tornar definitiva a decisão proferida em processo de justificação.
II - É o acto de usucapião de imóvel usucapido que constitui o objecto da incidência em IS e não também a aquisição de benfeitorias realizadas pelo usucapiente no mesmo imóvel.
III - Assim, tendo sido adquirido por usucapião apenas um prédio rústico, que passou a urbano por nele ter sido construída uma casa pelo usucapiente, só o valor daquele deve ser considerado para efeito de IS.
Nº Convencional:JSTA00067844
Nº do Documento:SA2201210170619
Data de Entrada:06/01/2012
Recorrente:FAZENDA PÚBLICA
Recorrido 1:A...
Votação:UNANIMIDADE
Meio Processual:REC JURISDICIONAL
Objecto:SENT TAF BRAGA PER SALTUM
Decisão:NEGA PROVIMENTO
Área Temática 1:DIR FISC - SELO
Legislação Nacional:CIS03 ART1 ART2 ART3 ART5 R ART13 N1.
CCIV66 ART8 N3 ART1287 ART216.
DL 287/2003 DE 2003/11/12 ART31 ART32.
Jurisprudência Nacional:AC STA PROC01124/09 DE 2010/01/13; AC STA PROC0818/11 DE 2012/02/29; AC STA PROC0833/11 DE 2012/03/17
Aditamento:
Texto Integral: 1. RELATÓRIO
1.1 A…… (adiante Impugnante ou Recorrida), na sequência do indeferimento do recurso hierárquico que interpôs contra a decisão que lhe indeferiu a reclamação graciosa deduzida contra a liquidação de Imposto de Selo (IS) que lhe foi efectuada pela Administração tributária (AT) com referência ao acto de aquisição de um imóvel por usucapião, titulado por escritura pública de justificação notarial, veio deduzir impugnação judicial.
Pediu ao Juiz do Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga que anulasse aquele acto, com o fundamento de que o IS deveria ter incidido apenas sobre o prédio rústico usucapido (terreno de cultivo que adveio à posse da Impugnante e seu marido por doação, não formalizada, feita pela avó materna do seu marido) e já não, como incidiu também, sobre as benfeitorias – casa edificada sobre aquele terreno e que deu origem a que o mesmo passasse a prédio urbano – que não foram objecto de usucapião. Argumentou, em síntese, que o facto de na referida escritura de justificação se aludir a um prédio urbano se deveu exclusivamente ao facto de ser essa a realidade de facto existente à data da celebração da escritura.
1.2 O Juiz do Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga julgou a impugnação judicial procedente e anulou a liquidação impugnada.
Para tanto, em resumo, louvando-se na jurisprudência do Supremo Tribunal Administrativo, considerou que, não obstante o momento relevante para efeitos de tributação em IS, o momento em que se constitui a obrigação tributária, seja «a transmissão gratuita operada por via da escritura de justificação notarial, conforme resulta do disposto no art. 5.º, al. r), do CIS», a jurisprudência tem vindo a considerar que o IS «deve incidir apenas sobre o terreno adquirido por usucapião onde, posteriormente, foram efectuadas as benfeitorias que deram origem ao prédio urbano».
1.3 A Fazenda Pública interpôs recurso da sentença para o Supremo Tribunal Administrativo, o qual foi admitido, com subida imediata, nos próprios autos e efeito meramente devolutivo.
1.4 A Recorrente apresentou as alegações e formulou conclusão do seguinte teor:
«
1. A administração tributária considera que a factualidade, relevante e assente, nos autos, documentada e assumida na sentença, é de molde a preencher os pressupostos de incidência previstos no C.I. Selo e, assim, a fundamentar a tributação em sede desse imposto, nos precisos termos em que o foi.
2. As aquisições por usucapião do direito de propriedade ou de figuras parcelares desse direito, sobre bens imóveis são consideradas (ficcionadas) pelo legislador do C.I. Selo no seu art. 1.º, al. a) e verba 1. 2. da Tabela Geral como transmissões gratuitas de bens como tais sujeitas a imposto de selo (n.º 1 do cit. art. 1.º).
3. Do título (escritura de justificação junta aos autos) que documenta a transmissão gratuita, objeto de tributação, resulta que o ato de usucapião incidia sobre os prédios rústico e urbano, construído naquele, alicerçada numa posse, dotada de determinadas características e mantida por um certo lapso de tempo, a qual facultou ao possuidor o direito real correspondente à sua posse (cf. Arts. 1251.º e 1287.º do C. Civil).
4. O objeto de incidência em imposto de selo é o imóvel usucapido que, nos exatos termos da escritura de justificação, é integrado por uma realidade imobiliária (terreno e construção) objeto de posse que conduziu à usucapião.
5. Na data dessa escritura de justificação, por via de usucapião, nasceu a obrigação tributária constituída pela transmissão gratuita conforme dispõe a al. r) do art. 5.º do C.I. Selo.
6. O encargo do imposto de selo devido pela transmissão gratuita (facto tributário) por via da usucapião dos imóveis, em questão, nos termos da escritura de justificação, pertence à usucapiente/ impugnante, nos termos do nº. 1 e 3, al. a) do art. 3.º do C. I. Selo.
7. O valor tributável nas transmissões gratuitas de imóveis, como a que está em causa, por ausência de regra especial, é determinado nos termos do art. 13.º, n.º 1 do C.I. Selo que dispõe que o valor dos imóveis é o valor patrimonial tributário constante da matriz nos termos do CIMI à data da transmissão, ou o determinado por avaliação nos casos de prédios omissos ou inscritos sem valor patrimonial.
8. No caso em apreço, o valor patrimonial tributário nos termos do CIMI de € 54.340,00 (não contestado) ao prédio urbano (que absorveu o terreno onde foi construído) e objeto (também) da escritura de justificação, constitui o valor tributável da transmissão gratuita por usucapião na data da escritura de justificação.
9. Pelo que, a esse concreto valor tributável não se pode operar com a dedução do valor da construção, entendida esta como benfeitoria útil (n.º 3 do art. 216.º do Cód. Civ.).
10. Ao decidir, como decidiu, terão sido violados os arts. 1.º, n.º 3, al. a), 5.º, al. r), 13.º, n.º 1 do C.I. Selo, bem como a verba 1.2. da Tabela Geral do C.I. Selo.
Termos em que, concedido provimento ao recurso, deve a douta sentença recorrida ser revogada e a impugnação julgada improcedente».
1.5 A Impugnante não contra alegou.
1.6 Recebidos neste Supremo Tribunal Administrativo, os autos foram com vista ao Ministério Público e o Procurador-Geral Adjunto proferiu parecer no sentido de que seja negado provimento ao recurso, com a seguinte fundamentação:
«A questão controvertida consiste em saber se o valor a ter em conta para efeitos de tributação em IS é o valor do prédio urbano existente à data da escritura de justificação ou o do terreno, efectivamente, usucapido onde esse prédio urbano foi implantado.
No termos do disposto no artigo 1.º 1 do CIS, o imposto incide sobre todos os actos, contratos, documentos, títulos, papéis e outros factos previstos na Tabela geral, incluindo as transmissões gratuitas de bens.
Por força do n.º 3, alínea a) do mencionado artigo, para efeitos da verba 1.2 da Tabela Geral, são consideradas transmissões gratuitas, designadamente, as que tenham por objecto direito de propriedade ou figuras parcelares desse direito sobre bens imóveis incluído a aquisição por usucapião.
A alínea b) do n.º 2 do artigo 2.º do CIS estatui que nas demais transmissões gratuitas, incluindo as aquisições por usucapião, o imposto é devido pelos respectivos beneficiários.
De acordo com o disposto no artigo 5.º/ r) do CIS, a obrigação tributária considera-se constituída, nas aquisições por usucapião, na data em que transitar em julgado a acção de justificação judicial, for celebrada a escritura de justificação notarial ou no momento em que se tornar definitiva a decisão proferida em processo de justificação nos termos do Código do Registo Predial.
Ainda de acordo como o disposto no artigo 13.º/ 1 do CIS o valor tributável dos bens imóveis é o valor VPT constante da matriz nos termos do CIMI, ou o determinado por avaliação, nos casos de prédios omissos ou inscritos sem valor patrimonial.
Segundo a verba 1.2 da TGIS, o imposto de selo recai em 10% sobre o valor dos respectivos contratos de aquisição gratuita de bens, incluindo por usucapião.
Dos citados normativos resulta um conceito de transmissão jurídico-fiscal que se afasta, significativamente, do conceito de transmissão em direito privado.
Na verdade, em direito civil a noção de transmissão de direito equivale à de aquisição derivada translativa e à sucessão não abrangendo os modos de aquisição originário, como é o caso da usucapião.
Enquanto para o direito civil a usucapião é um modo de aquisição originário do direito de propriedade, cujos efeitos se retrotraem à data do início da posse (artigos 1287.º e 1288.º do C. Civil), para o direito fiscal é uma transmissão gratuita que apenas nasce como trânsito em julgado da acção de justificação notarial, com a celebração da escritura de justificação notarial ou no momento em que se tomar definitiva a decisão proferida em processo de justificação (artigo 5.º/ r) do CIS).
Para feitos fiscais o legislador situa a aquisição por usucapião no momento em que se detecta o aumento da riqueza equivalente ao substrato económico do direito novo que surge no património do usucapiente.
E por isso que o facto tributário não coincide com a data do início da posse, mas com o momento em que existe um acto público que justifica aquisição, momento em que se revela a capacidade contributiva do usucapiente.
Descendo ao caso em análise temos, assim, que só com a celebração da escritura em 12 de Novembro de 2009 (alínea A do probatório) é que houve transmissão susceptível de tributação em sede de IS.
Sucede que, ao contrário da tese sustentada pela recorrente, o facto gerador do IS não foi a aquisição por usucapião de um prédio urbano, como resulta da escritura de justificação notarial, mas sim de um prédio rústico onde a recorrida construiu um prédio urbano.
Efectivamente, como resulta da alínea A) do probatório, a casa com logradouro cuja posse foi justificada foi construída pela impugnante/recorrida em terreno doado verbalmente por sua avó materna, cerca de 1988, o que significa que existe um erro na identificação do prédio na escritura e, consequentemente, no acto de liquidação impugnado.
A casa com logradouro consubstancia uma benfeitoria útil (artigo 216.º do CC) feita pela recorrida no prédio rústico, esse sim adquirido por via do instituto da usucapião.
Ora, como é jurisprudência reiterada e uniforme deste STA:
- Só o acto de aquisição por usucapião do imóvel usucapido é objecto de incidência de tributação em IS e não também o acto de aquisição de benfeitorias realizadas no imóvel pelo usucapiente;
- Não correspondendo à realidade o documentado numa escritura de justificação notarial de usucapião, a liquidação efectuada pela AT com base nos termos constantes nessa escritura está ferida de ilegalidade decorrente de posterior constatação de erro nos pressupostos de facto;
- Tendo sido adquirido por usucapião apenas o prédio rústico onde foi edificado o prédio urbano, só o valor daquele deve ser considerado para efeitos de incidência de imposto de selo».
1.7 Foi dada vista aos Juízes Conselheiros adjuntos.
1.8 A questão que cumpre apreciar e decidir é a de saber se, para efeitos de tributação em IS, o valor a considerar é o do prédio urbano existente à data da escritura de justificação ou o do prédio rústico efectivamente usucapido e que passou a urbano por o usucapiente nele ter construído uma casa.
* * *
2. FUNDAMENTAÇÃO
2.1 DE FACTO
O Juiz do Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga deu como provados os seguintes factos:
«
A) A 12.11.2009, B……. e A…… celebraram, na qualidade de justificantes e primeiros outorgantes, escritura de justificação cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais, constando da mesma, para além do mais o seguinte:
“Declararam os primeiros outorgantes:
Que são donos e legítimos possuidores, com exclusão de outrem, do seguinte imóvel:
Prédio urbano formado por uma casa de dois pavimentos, para habitação, com Rossios, com a área coberta de duzentos e setenta e sete vírgula vinte metros quadrados e descoberta de setecentos e vinte e dois virgula cinquenta metros quadrados, sendo a área total de novecentos e noventa e nove vírgula setenta metros quadrados, sito no lugar de ……., da aludida freguesia de Miranda, (..), omisso no registo e inscrito na matriz urbana sob o artigo provisório P569, em nome do justificante, (..).
Que o referido artigo provisório P 569, corresponde ao artigo 203 da matriz urbana da freguesia de Padreiro (Santa Cristina), desde concelho, freguesia no qual foi inscrito por lapso havido na avaliação fiscal, também inscrito em nome do justificante, o qual provinha, por sua vez, do artigo 471 da matriz urbana da referida freguesia de Miranda, correspondente a um prédio para construção urbana, que, por sua vez, tinha tido origem no prédio rústico adiante referido.
Que entraram na posse de um prédio rústico, de cultivo, com a área de novecentos e noventa e nove vírgula setenta metros quadrados do qual desconhecem o número do artigo da anterior, matriz rústica, cerca do ano de mil novecentos e oitenta e oito, já no estado de casados, por doação, que não chegou a ser formalizada, feita por C……, avó materna do justificante, (..), tendo, eles, justificantes, procedido à construção de uma casa com logradouro, sobre a totalidade desse prédio rústico, cerca do ano de mil novecentos e noventa, que é a atrás identificada, (...), e, assim, há mais de vinte anos que possuem, sem interrupção, nem ocultação de quem quer que seja, na convicção de serem os seus únicos e actuais possuidores, exercendo essa posse de boa-fé, ininterrupta e ostensivamente, com conhecimento da generalidade das pessoas e sem oposição nem violência de quem quer que seja, inicialmente como rústico, que amanhavam, posteriormente como urbano, que habitam, sem pagamento de renda, procedendo a obras de conservação e limpeza que custeiam, amanhando os rossios, pagando as contribuições que sobre o mesmo incidem, tudo com ânimo de quem é dono, agindo, assim, quer quanto à fruição quer quanto aos encargos, por forma correspondente ao exercício do direito de propriedade, ao praticar os diversos actos de uso, fruição, posse e defesa de propriedade, na convicção de que não lesam nem lesaram nunca quaisquer direito de outrem.
Que, assim, tem a sua posse sobre o referido prédio vindo a ser contínua, pública e pacífica, factos que integram a figura jurídica de usucapião, que invocam para efeitos de registo, em primeira inscrição, e para obtenção do respectivo Alvará de Autorização de Utilização.
Que, nestes termos, adquiriram o citado prédio por usucapião, não lhes sendo possível, dado o modo de aquisição, fazer prova do seu direito de propriedade perfeita.
(…)”, cfr fls. 42 a 47 dos autos;
B) A 9.04.2010, a administração fiscal emitiu a liquidação de Imposto de Selo, n.º 1010600, relativa a aquisição por usucapião, no montante de € 2.717,00, cfr. fls. 15 dos autos;
C) A 6.05.2010, a impugnante reclamou graciosamente da liquidação referida em B), cfr. processo de reclamação graciosa n.º 2267201004000307 apenso;
D) A Impugnante foi notificada para o exercício do direito de audição, cfr. fls. 40 a 41, do apenso;
E) A 4.10.20110, a impugnante exerceu o direito de audição, cfr. fls. 43 a 52 do apenso, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais;
F) A reclamação foi indeferida por decisão de 21.10.2010, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido, cfr. fls. 48 e 52 do apenso, ressaltando de relevante o seguinte:
“(…)
Conclusão
1. – Dos factos aqui relatados, e face a todos os elementos reunidos, verifica-se que o artigo 471 urbano – terreno para construção – da freguesia da Miranda, foi indicado pelo cônjuge da reclamante no mod. 129 apresentado em 12-02-1996, como sendo o originário da casa neste participada e à qual foi atribuído o artigo n.º 203 da freguesia de Padreiro Santa Cristina, que foi inscrito na matriz em 1996 e, como já foi referido, todas as contribuições respeitantes ao mesmo, mostram-se pagas em nome do s.p. marido.
2. – No mod. 1 de IMI n.º 2299822, foi participado um prédio novo para habitação, na freguesia de Miranda, ao qual foi atribuído o art. 0569, contendo a referida participação a indicação de que este prédio provinha do art. 471 urbano da freguesia de Miranda.
3. – Porém, o artigo 471 havia já sido eliminado, por ter dado origem ao artigo inscrito em 1996 na freguesia de Padreiro Santa Cristina com o n.º 203.
4. – Verifica-se pela escritura de justificação de 12 de Novembro de 2009, que o que serviu de base à referida escritura foi a declaração mod. 1 de IMI n.º 2299822, a qual deu origem ao artigo 569 urbano, pelo que esta declaração tem relevância fiscal para efeitos de liquidação de Imposto de Selo.
(...)”.
G) A 23.11.2010, a impugnante recorreu hierarquicamente, cfr. fls. 56 a 59, cujo teor se dá por integralmente reproduzido, para os legais efeitos;
H) A 15.07.2011, foi o recurso hierárquico indeferido, cfr. fls. 65 a 67 do apenso, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido, para todos os devidos efeitos, ressaltando o seguinte:
“(…)
4 – Ainda que as aquisições por usucapião não sejam juridicamente transmissões, o legislador do Código do Imposto do Selo, (...), integrou na incidência deste imposto a título de transmissões gratuitas as aquisições por usucapião do direito de propriedade ou qualquer outro direito real de gozo sobre bens imóveis.
(…)
9 – Sendo o valor tributável na aquisição por usucapião o valor tributável do prédio adquirido, sem qualquer dedução, não pode ser deduzido ao valor tributável do Imposto do Selo, o eventual direito de crédito do usucapiente sobre o proprietário relativo às benfeitorias úteis realizadas ao abrigo das regras do enriquecimento sem causa. Tal direito de crédito, na verdade, extingue-se como o justificativo da aquisição por usucapião, em virtude da reunião na mesma pessoa das qualidades de credor e devedor.
10 – E é este o entendimento da Administração Fiscal, conforme disposto na Circular 19/2009 da DSIMT”».
*
2.2 DE FACTO E DE DIREITO
2.2.1 A QUESTÃO A APRECIAR E DECIDIR
Na sequência de uma escritura notarial de justificação foi efectuada a liquidação de IS aos justificantes/usucapientes.
Considerando os sujeitos passivos que essa liquidação devia incidir exclusivamente sobre o valor do terreno que foi usucapido e não sobre a casa que por eles foi erigida nesse terreno, insurgiram-se contra essa liquidação, pedindo ao Juiz do Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga a anulação desse acto.
O Juiz do Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga julgou a impugnação judicial procedente e anulou a liquidação. Para tanto, depois de salientar que a obrigação tributária só se constituiu com a celebração da escritura de justificação, como resulta do disposto no art. 5.º, alínea r), do Código de IS (CIS), considerou que o imposto só podia incidir sobre o valor do terreno adquirido por usucapião onde, posteriormente, foram efectuadas as benfeitorias que deram origem ao prédio urbano, e não sobre o valor deste.
A Fazenda Pública discorda desse entendimento e, se bem interpretamos as alegações de recurso e respectivas conclusões, sustenta que, nos termos do título (escritura pública de justificação notarial), o objecto de incidência é o prédio tal como existente (prédio urbano, «que absorveu o terreno onde foi construído») nessa data, que é a que releva também para efeitos de constituição da obrigação tributária.
Ou seja, não se discute no presente recurso qual o momento em que se constitui a obrigação tributária, mas apenas qual o valor sobre que deve incidir o IS: o do prédio urbano existente à data em que foi celebrada a escritura de justificação notarial ou o do prédio rústico no qual foi construída pelos Impugnantes a casa que determinou a mudança da qualificação do prédio para urbano?
*
2.2.2 DO OBJECTO DA TRIBUTAÇÃO EM IS NO CASO DE USUCAPIÃO DE UM PRÉDIO RÚSTICO NO QUAL FOI CONSTRUÍDA UMA CASA PELO USUCAPIENTE
A questão tem sido uniforme e reiteradamente apreciada por esta Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo (Cfr. os seguintes acórdãos da Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:
– de 21 de Outubro de 2009, proferido no processo com o n.º 652/09, publicado no Apêndice ao Diário da República de 19 de Abril de 2010 (http://www.dre.pt/pdfgratisac/2009/32240.pdf), págs. 1593 a 1597, também disponível em
http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/d4336db62eb32ad58025765d0041c1f8?OpenDocument;
– de 13 de Janeiro de 2010, proferido no processo com o n.º 1124/09, publicado no Apêndice ao Diário da República de 24 de Março de 2011 (http://dre.pt/pdfgratisac/2010/32210.pdf), págs. 32 a 37, também disponível em
http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/eb406be2106c68a9802576ac00428a81?OpenDocument;
– de 20 de Janeiro de 2010, proferido no processo com o n.º 773/09, publicado no Apêndice ao Diário da República de 24 de Março de 2011 (http://dre.pt/pdfgratisac/2010/32210.pdf), págs. 79 a 83, também disponível em
http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/6ed756a32f85424b802576b800583495?OpenDocument;
– de 27 de Janeiro de 2010, proferido no processo com o n.º 922/09, publicado no Apêndice ao Diário da República de 24 de Março de 2011 (http://dre.pt/pdfgratisac/2010/32210.pdf), págs. 158 a 161, também disponível em
http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/dbd2dc9becda6099802576bf0044ae54?OpenDocument;
– de 18 de Fevereiro de 2010, proferido no processo com o n.º 805/09, publicado no Apêndice ao Diário da República de 24 de Março de 2011 (http://dre.pt/pdfgratisac/2010/32210.pdf), págs. 366 a 370, também disponível em
http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/cbad28a02f2c60e4802576d3005702a3?OpenDocument;
– de 24 de Fevereiro de 2010, proferido no processo com o n.º 806/09, publicado no Apêndice ao Diário da República de 24 de Março de 2011 (http://dre.pt/pdfgratisac/2010/32210.pdf), págs. 415 a 417;
http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/17151fd625afb0cc802576db00387dc1?OpenDocument;
– de 3 de Março de 2010, proferido no processo com o n.º 1190/09, publicado no Apêndice ao Diário da República de 24 de Março de 2011 (http://dre.pt/pdfgratisac/2010/32210.pdf), págs. 475 a 478, também disponível em
http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/86a231b047d3dced802576e30051d3d9?OpenDocument;
– de 28 de Abril de 2010, proferido no processo com o n.º 126/10, publicado no Apêndice ao Diário da República de 30 de Março de 2011 (http://dre.pt/pdfgratisac/2010/32220.pdf), págs. 707 a 712, também disponível em
http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/04157b5e009eee6a8025771a00469f7f?OpenDocument;
– de 12 de Maio de 2010, proferido no processo com o n.º 53/10, publicado no Apêndice ao Diário da República de 30 de Março de 2011 (http://dre.pt/pdfgratisac/2010/32220.pdf), págs. 804 a 808, também disponível em
http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/f81750cef95d6dca80257729003a592e?OpenDocument;
– de 9 de Junho de 2010, proferido no processo com o n.º 242/10, publicado no Apêndice ao Diário da República de 30 de Março de 2011 (http://dre.pt/pdfgratisac/2010/32220.pdf), págs. 1014 a 1017, também disponível em
http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/0607b6cc0abb777880257742004f0030?OpenDocument;
– de 22 de Setembro de 2010, proferido no processo com o n.º 334/10, publicado no Apêndice ao Diário da República de 1 de Abril de 2011 (http://dre.pt/pdfgratisac/2010/32230.pdf), págs. 1403 a 1407, também disponível em
http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/209e59119b22d11e802577ae00340bcb?OpenDocument;
– de 8 de Fevereiro de 2012, proferido no processo com o n.º 1120/11, ainda não publicado no jornal oficial, mas disponível em
http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/ce22721cb5382bb2802579ab00359c2a?OpenDocument;
– de 23 de Fevereiro de 2012, proferido no processo com o n.º 1082/11, ainda não publicado no jornal oficial, mas disponível em
http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/b6a16d5fb1557de9802579bc005c0031?OpenDocument;
– de 29 de Fevereiro de 2012, proferido no processo com o n.º 818/11, ainda não publicado no jornal oficial, mas disponível em
http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/917de0c1a660c00c802579c0003a7a19?OpenDocument;
– de 7 de Março de 2012 n.º 833/11, ainda não publicado no jornal oficial, mas disponível em
http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/9f8e25c66851f2c2802579c300399030?OpenDocument&Highlight..
Por isso, e porque não vislumbramos motivo para divergir da jurisprudência consolidada, vamos limitar-nos a seguir a fundamentação expendida no acórdão proferido em 20 de Janeiro de 2010, proferido no processo com o n.º 773/09 (cfr. art. 8.º, n.º 3, do Código Civil (CC)), permitindo-nos apenas as alterações requeridas pelo caso sub judice.
Revogado que foi, a partir de 1 de Janeiro de 2004 (cfr. arts. 31.º e 32.º do Decreto-Lei n.º 287/2003, de 12 de Novembro), o Código da Sisa e do Imposto sobre Sucessões e Doações, as transmissões gratuitas de móveis e imóveis passaram a ser reguladas pelo CIS, cujo art. 1.º, que tem como epígrafe «Incidência objectiva», na versão aplicável, dispõe, no que aqui interessa, o seguinte:
«1 - O imposto do selo incide sobre todos os actos, contratos, documentos, títulos, livros, papéis e outros factos previstos na Tabela Geral, incluindo as transmissões gratuitas de bens.
2 - (…)
3 - Para efeitos da verba 1.2 da Tabela Geral, são consideradas transmissões gratuitas, designadamente, as que tenham por objecto:
a) Direito de propriedade ou figuras parcelares desse direito sobre bens imóveis, incluindo a aquisição por usucapião; [Redacção introduzida pela Lei n.º 39-A/2005, de 29 de Julho]. (…)».
Por sua vez, o art. 2.º, sob a epígrafe «Incidência subjectiva», dispõe:
«1 - (…)
2 - Nas transmissões gratuitas, são sujeitos passivos do imposto as pessoas singulares para quem se transmitam os bens, sem prejuízo das seguintes regras:
a) (…)
b) Nas demais transmissões gratuitas, incluindo as aquisições por usucapião, o imposto é devido pelos respectivos beneficiários. [Redacção introduzida pelo Decreto-Lei n.º 287/2003, de 12 de Novembro)».
E o art. 3.º, «Encargo do imposto», dispõe:
«1 - O imposto constitui encargo dos titulares do interesse económico nas situações referidas no artigo 1º. [Redacção introduzida pelo Decreto-Lei n.º 287/2003, de 12 de Novembro).
2 - (…)
3 - Para efeitos do n.º 1, considera-se titular do interesse económico:
a) Nas transmissões por morte, a herança e os legatários e, nas restantes transmissões gratuitas, bem como no caso de aquisições onerosas, os adquirentes dos bens;
(…)».
Já a alínea r) do art. 5.º («Nascimento da obrigação tributária»), na redacção da Lei n.º 64-A/2008, de 31 de Dezembro, dispõe que a obrigação tributária se considera constituída, «Nas aquisições por usucapião, na data em que transitar em julgado a acção de justificação judicial, for celebrada a escritura de justificação notarial ou no momento em que se tornar definitiva a decisão proferida em processo de justificação nos termos do Código do Registo Predial».
Finalmente, o n.º 1 do art. 13.º dispõe que o valor dos imóveis é o valor patrimonial tributário constante da matriz nos termos do CIMI à data da transmissão ou o determinado por avaliação nos casos de prédios omissos ou inscritos sem valor patrimonial.
E de acordo com a verba 1.2. da Tabela Geral o imposto do selo recai em 10% sobre o valor dos respectivos contratos de «aquisição gratuita de bens, incluindo por usucapião (…)».
De acordo com a jurisprudência referida, entende-se que o acto de «aquisição por usucapião» do imóvel objecto dessa aquisição é incidente de tributação em imposto de selo, não o sendo já, porém, o acto de aquisição de benfeitorias entretanto realizadas no mesmo imóvel pelo sujeito beneficiário da usucapião.
É certo que embora sendo uma forma de aquisição originária (cfr. arts. 1287.º e segts. do CC), a usucapião é, para efeitos fiscais, considerada como uma transmissão gratuita de bens imóveis, que ocorre no momento em que se torna definitivo o documento que titula essa aquisição ou transmissão: no caso, a data em que for celebrada a escritura de justificação notarial – cfr. a citada alínea r) do art. 5.º do CIS).
Todavia, também é certo que, como se disse, só o acto de aquisição do prédio objecto da aquisição por usucapião (e não o acto de aquisição das benfeitorias neste realizadas) é que está abrangido no âmbito da incidência objectiva do imposto de selo, pois que, vigorando nesta sede (de incidência do imposto), o princípio da tipicidade fiscal, a regra constante quer da norma corporizada na verba 1.2. da Tabela Geral, quer das normas da alínea a) do n.º 1 e do n.º 3, ambos do art. 1.º do CIS e acima transcritas, é a de que tal imposto só incide sobre o acto de «aquisição por usucapião».
E na verdade, como ficou dito no acórdão desta Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo de 13 de Janeiro de 2010, proferido no processo com o n.º 1124/09, «o acto tributário tem que ter por base uma situação de facto ou de direito, concreta, prevista abstracta e tipicamente na lei fiscal como geradora do direito ao imposto. Tal base é, pois, o pressuposto de facto ou o facto gerador da imposição – cf. Cardoso da Costa, Curso de Direito Fiscal, 1972, p. 266.
No Direito Fiscal vigora o princípio da tipicidade (…).
O facto tributável, com ser um facto típico, só existe como tal, desde que na realidade se verifiquem todos os pressupostos legalmente previstos, que, por esta nova óptica, se convertem em elementos do próprio facto, bastando a não verificação de um deles para que não haja, pela ausência de tipicidade, lugar à tributação. No Direito Tributário, a tipologia é dominada não só por um princípio de taxatividade como também por um princípio de exclusivismo. Opera-se o fenómeno que a lógica jurídica designa por implicação intensiva.
Verifica-se a implicação intensiva sempre que os elementos enunciados no pressuposto não são apenas suficientes, mas ainda necessários para a verificação da consequência: se esses elementos se verificarem, segue-se a consequência, mas esta só se segue se eles se verificarem – cf., sobre o princípio da tipicidade em Direito Fiscal, Alberto Pinheiro Xavier, Conceito e Natureza do Acto Tributário, p. 263 e ss. Sobre o conceito de “implicação intensiva”, cf. Castanheira Neves, Questão-de-facto - Questão-de-direito, p. 264, e ainda J. Baptista Machado, Introdução ao Estudo do Direito e ao Discurso Legitimador, Almedina, 1991, 5.ª reimpressão, p. 187.

A tributação resulta, assim, da verificação concreta de todos os pressupostos tributários, como tais previstos e descritos, abstractamente, na lei de imposto».
Assim, embora para efeito de tributação em IS seja irrelevante o momento da aquisição do direito de propriedade, pois que a obrigação tributária se constitui com a transmissão gratuita operada por via da escritura de justificação notarial (cfr. alínea r) do art. 5º do CIS), já não o é para efeitos do respectivo valor tributável, pois que só sobre o acto de aquisição por usucapião incide o imposto.
E como só o prédio rústico foi objecto de tal forma de aquisição, só o valor deste deve ser considerado na aplicação da respectiva taxa.
Não pode afirmar-se que o estado do imóvel a atender para a aferição do valor terá de ser o verificado na data da escritura de justificação, independentemente das causas das modificações verificadas, sendo que tal estado é uno e não pode cindir-se em rústico e urbano e que a quantificação da obrigação tributária se faz apenas a partir do valor do prédio objecto da escritura. E também não releva (para poder concluir que o valor para cálculo do imposto é o do prédio urbano, por ser assim que o mesmo é descrito na escritura) a circunstância de terem sido os justificantes a declarar, à data da escritura, que eram donos de um prédio urbano, e não já de um prédio rústico, dado que tal declaração não pode, neste âmbito, ter efeitos constitutivos.
Aliás, a realidade imobiliária existente no terreno à data da celebração da escritura de justificação não pode ignorar que foram os recorrentes que edificaram nele a construção em causa, em momento anterior à celebração dessa escritura. E tratando-se de uma benfeitoria útil – cfr. art. 216.º do CC (que poderia, porventura, vir a conferir a propriedade do terreno por via de acessão industrial imobiliária) não podia a mesma incluir-se no âmbito da aquisição por usucapião, para efeitos da liquidação aqui impugnada.
Assim, como bem decidiu o Juiz do Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga, a liquidação impugnada sofre de ilegalidade decorrente da violação das apontadas normas do CIS e tem que ser anulada na parte em que nela foi incluído o valor das benfeitorias realizadas pelos ora justificantes.
O recurso não merece, pois, provimento.
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2.2.3 CONCLUSÕES
Preparando a decisão, formulamos as seguintes conclusões:
I - Para efeitos do IS, a usucapião é uma transmissão gratuita que apenas nasce com o trânsito em julgado da acção de justificação judicial, com a celebração da escritura de justificação notarial ou no momento em que se tornar definitiva a decisão proferida em processo de justificação.
II - É o acto de usucapião de imóvel usucapido que constitui o objecto da incidência em IS e não também a aquisição de benfeitorias realizadas pelo usucapiente no mesmo imóvel.
III - Assim, tendo sido adquirido por usucapião apenas um prédio rústico, que passou a urbano por nele ter sido construída uma casa pelo usucapiente, só o valor daquele deve ser considerado para efeito de IS.
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3. DECISÃO
Face ao exposto, os juízes da Secção do Contencioso Tributário deste Supremo Tribunal Administrativo acordam, em conferência, negar provimento ao recurso.
Custas pela Recorrente.
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Lisboa, 17 de Outubro de 2012. – Francisco Rothes (relator) – Fernanda Maçãs – Casimiro Gonçalves.