Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:01308/12
Data do Acordão:04/03/2013
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:FRANCISCO ROTHES
Descritores:OPOSIÇÃO À EXECUÇÃO FISCAL
REJEIÇÃO LIMINAR
SUSPENSÃO DA EXECUÇÃO
INEXIGIBILIDADE
RECURSO JURISDICIONAL
ALÇADA
Sumário:I - Nos termos do disposto no art. 234.º-A, n.º 2, do CPC, aplicável subsidiariamente ex vi dos arts. 2.º, alínea e), e 281.º, do CPPT, admite-se a possibilidade de recorrer do despacho de indeferimento liminar proferido em processo de oposição à execução fiscal, ainda que o processo tenha valor inferior à alçada.
II - Na oposição à execução fiscal pode ser formulado pedido de suspensão da execução fiscal, em face de uma causa que afecte temporariamente a exigibilidade da dívida, constituindo fundamento subsumível à alínea i) do art. 204.º, n.º 1, do CPPT.
III - A pendência de impugnação judicial da liquidação que deu origem à dívida exequenda, desde que a dívida exequenda se encontre garantida ou o executado tenha sido dispensado da prestação da garantia, constitui causa suspensiva do processo executivo, dando origem à inexigibilidade da dívida até que a impugnação judicial esteja decidida.
IV - Não se justifica, pois, a rejeição liminar da oposição ao abrigo do disposto na alínea b) do n.º 1 do art. 209.º do CPPT se o executado invoca a pendência de uma impugnação judicial com efeito suspensivo da execução fiscal.
Nº Convencional:JSTA00068192
Nº do Documento:SA22013040301308
Data de Entrada:11/27/2012
Recorrente:A......
Recorrido 1:FAZENDA PÚBLICA
Votação:UNANIMIDADE
Meio Processual:REC JURISDICIONAL
Objecto:DESP TAF PORTO
Decisão:PROVIDO
Área Temática 1:DIR PROC TRIBUT CONT - EXEC FISCAL - OPOSIÇÃO
Legislação Nacional:CPPTRIB99 ART204 N1 I ART280 N1 ART209 N1 B ART281 ART169.
ETAF02 ART6 N2 ART26 B ART38 A.
L 3/99 DE 1999/01/13 ART24 N1.
DL 303/2007 DE 2007/08/24 ART11 ART12.
L 52/2008 DE 2008/08/28 ART31 N1.
CPC96 ART685-C N5 ART234-A N2.
LGT98 ART52.
Jurisprudência Nacional:AC STA PROC026482 DE 2002/10/09.; AC STA PROC0786/07 DE 2009/03/04.; AC STA PROC0765/10 DE 2011/02/24.
Referência a Doutrina:JORGE DE SOUSA - CÓDIGO DE PROCEDIMENTO E DE PROCESSO TRIBUTÁRIO ANOTADO E COMENTADO VOLI PAG88 VOLIII PAG498 PAG556 VOLIV PAG423-424.
ALBERTO DOS REIS - CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL ANOTADO 3ED PAG373.
Aditamento:
Texto Integral: Recurso jurisdicional do despacho de rejeição liminar proferido no processo de oposição à execução fiscal com o n.º 2329/11.3BEPRT

1. RELATÓRIO

1.1 A……… (a seguir Executada, Oponente ou Recorrente), deduziu oposição à execução fiscal que foi instaurada contra ela para cobrança de dívida de Imposto Municipal sobre Imóveis (IMI).

1.2 A Juíza do Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto rejeitou liminarmente a oposição com o fundamento de que a Oponente pretende discutir a legalidade em concreto da liquidação que deu origem à dívida exequenda, o que lhe está vedado nesta sede. Deixou ainda registado, por certo para afastar a possibilidade da convolação para forma processual onde tal discussão seria admissível (Embora a Juíza do Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto o não tenha deixado dito expressamente, só a essa luz, e tendo em conta a jurisprudência, designadamente a desta Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo, se compreende a referência ao facto de ter já sido interposta impugnação judicial contra a liquidação que deu origem à dívida exequenda.), que a própria Oponente alegou ter já interposto impugnação judicial contra aquela liquidação.

1.3 A Oponente não se conformou com essa decisão e dela interpôs recurso para este Supremo Tribunal Administrativo, recurso que foi admitido, para subir de imediato, nos próprios autos e com efeito meramente devolutivo.

1.4 A Recorrente apresentou as alegações de recurso, que resumiu em conclusões do seguinte teor:
«
1. A oponente tem pendente oposição a liquidação oficiosa de IMT que proveio de avaliação oficiosa de um imóvel que resultou numa avaliação patrimonial manifestamente exagerada.
2. Avaliação essa que determinou o valor de IMI e a sua liquidação que deu origem a um processo de execução a que se opôs.
3. Apontou, entre outros, como fundamento a pendência desses autos de oposição.
4. Entende que a oposição que deduziu não viola o preceituado no art. 204.º n.º 1 alínea h) porquanto não só não é a liquidação do IMI, estritamente considerada, que está em causa mas também – et pour cause – o facto de no caso concreto a impugnação não revestir utilidade nem eficácia face aos fundamentos.
5. Entende ainda que o elenco do art. 204.º n.º 1 do CPPT se bem que taxativo deve entender-se do ponto de vista da utilidade e eficácia material dos fundamentos da oposição e dos instrumentos alternativos a que refere, nomeadamente a impugnação.
6. Que sempre que a utilidade e eficácia material da alínea h) se encontre comprometida sempre será legitima a apresentação de oposição.
7. Que, não só mas também, essa razão se consubstancia no vertido na alínea i).
8. Dada a natureza subordinada do imposto municipal de imóveis (IMI) face à avaliação patrimonial do imóvel concretamente considerado, o facto de estar esta em apreciação afecta de forma decisiva a exigibilidade e exequibilidade da quantia exequenda enquanto for pendente a questão prévia.
9. Entende que existiu por parte da douta sentença recorrida uma errónea interpretação da fundamentação aduzida e do seu enquadramento no elenco do art. 204.º n.º 1 do CPPT, mormente a alínea h).
10. Sem prejuízo, entende que não só a alínea h) como também a alínea i) do art. 204.º CPPT conferem guarida quanto à legitimidade da oposição.
11. Não se justificando, por isso, o indeferimento liminar.

Pelos termos que vem de expor, e nos mais de Direito, e com o sempre mui douto suprimento De V. Exas. deve a decisão de 1.ª instância ser Revogada e a presente oposição ser julgada procedente, com o que se fará JUSTIÇA» (Porque usamos o itálico na transcrição, as partes que no original estavam em itálico surgem aqui em tipo normal, a fim de se respeitar o destaque que lhes foi concedido pela Recorrente.).

1.4 O recurso foi admitido a subir imediatamente, nos próprios autos e com efeito devolutivo.

1.5 Recebidos os autos neste Supremo Tribunal Administrativo e dada vista ao Ministério Público, o Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer no sentido de que o recurso não deve ser admitido e a Recorrente deve ser condenadas nas custas do incidente a que deu causa, com a seguinte fundamentação:

«1. Não cabe recurso das decisões dos tribunais tributários proferidas em processo de execução fiscal [(Permitimo-nos corrigir aqui o manifesto lapso de escrita: onde ficou escrito impugnação judicial queria dizer-se execução fiscal.)] quando o valor da causa não ultrapassar um quarto da alçada fixada para os tribunais judiciais de 1.ª instância (art. 280.º n.º 4 CPPT).
A alçada dos tribunais tributários corresponde, actualmente, a € 935,25 (processos iniciados até 31 Dezembro 2007) e a € 1.250,00 (processos iniciados a partir de 1 Janeiro 2008), em consequência da fixação da alçada dos tribunais judiciais de 1.ª instância em € 3.740,98 (art. 24.º n.º 1 LOFTJ aprovada pela Lei n.º 3/99, 13 Janeiro, na redacção do DL n.º 323/2001, 17 Dezembro) e da sua posterior elevação para € 5.000,00 (art. 24.º n.º 1 LOFTJ, na redacção do DL n.º 303/2007, 24 Agosto aplicável aos processos iniciados a partir de 1 Janeiro 2008).
A toda a causa deve ser atribuído um valor certo, que exprime a utilidade económica imediata do pedido; a esse valor se atenderá para determinar, designadamente, a relação da causa com a alçada do tribunal; se pela acção se pretende obter qualquer quantia certa em dinheiro é esse o valor da causa, ao qual se atende para estabelecimento da relação da causa com a alçada do tribunal (arts. 305.º n.ºs 1 e 2 e 306.º n.º 1 CPC).
A quantia exequenda no processo de execução fiscal onde foi deduzida oposição é no montante de € 589,50 (doc. fls. 4).
O autor atribuiu à causa o valor de € 611,00 (conclusões das alegações fls. 41).

2. A decisão de admissão do recurso proferida no tribunal recorrido não vincula o tribunal superior (art.685.º-C n.º 5 CPC redacção DL n.º 303/2007, 24 Agosto; despacho fls. 178)».

1.6 Notificada do parecer do Ministério Público, a Recorrente nada disse.

1.7 Dispensaram-se os vistos dos Juízes adjuntos, atenta a simplicidade da questão.

1.8 A questão suscitada pela Recorrente é a de saber se o despacho recorrido fez correcto julgamento quando considerou que a Oponente pretendia discutir a legalidade concreta da liquidação que deu origem à dívida exequenda e, por isso e porque entendeu que essa discussão não podia ter lugar em sede de oposição, não integrando a alegação aduzida na petição inicial qualquer dos fundamentos admissíveis em face do n.º 1 do art. 204.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT), rejeitou liminarmente a oposição nos termos da alínea b) do art. 209.º do mesmo Código.
Previamente, há que apreciar a questão suscitada pelo Procurador-Geral Adjunto, representante do Ministério Público junto deste Supremo Tribunal Administrativo, da admissibilidade do recurso em razão do valor da causa.


* * *

2. FUNDAMENTAÇÃO
2.1 DE FACTO

Do despacho recorrido consta que:

«A oponente foi citada por via postal em 11.06.2011, para proceder ao pagamento da dívida exequenda de IMI do ano de 2010 no valor de 589,50, cfr. fls. 4 dos autos […]

O termo do prazo para pagamento voluntário da liquidação de IMI em causa ocorreu em 30.04.2011».

*

2.2 DE DIREITO

2.2.1 AS QUESTÕES A APRECIAR E DECIDIR

A ora Recorrente veio deduzir no Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto oposição à execução fiscal que contra ela foi instaurada para cobrança de IMI do ano de 2010 alegando, em síntese, que a dívida exequenda «advém de uma avaliação patrimonial e subsequente liquidação oficiosa de IMI, cuja justeza está precisamente em apreciação» naquele mesmo Tribunal, que a referida avaliação enferma de erro nos pressupostos de facto, que se repercute na liquidação que deu origem à dívida exequenda, e que o processo de execução fiscal deveria manter-se suspenso até à decisão final a proferir no processo em que discute a legalidade da liquidação (a Oponente refere-se a esse processo como oposição, numa imprecisão terminológica causadora de dificuldades na interpretação da petição inicial).
A Juíza do Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto rejeitou liminarmente a oposição por ter considerado que a Oponente pretendia discutir a legalidade em concreto da liquidação, o que não constituía fundamento admissível de oposição à execução fiscal.
A Oponente insurgiu-se contra essa decisão, mediante recurso para este Supremo Tribunal Administrativo. Se bem interpretamos as alegações de recurso, na motivação do recurso sustenta que o que pretende com a oposição é a suspensão da cobrança executiva até que esteja decidida a impugnação que diz ter deduzido contra a liquidação de IMI que deu origem à dívida exequenda, sendo que a pendência desta impugnação constitui fundamento de oposição à execução fiscal, previsto na alínea i) do art. 204.º, n.º 1, do CPPT.
Dada vista ao Ministério Público, o Procurador-Geral Adjunto junto deste Supremo Tribunal Administrativo emitiu parecer no sentido de que o recurso não é admissível por o valor da causa não atingir o valor da alçada do tribunal tributário de 1.ª instância.
Cumpre, pois, apreciar previamente a questão se saber se o recurso é ou não admissível.
Só na afirmativa cumprirá sindicar a decisão de rejeição liminar da oposição, o que passa por indagar se a pendência de processo judicial em que se discute a legalidade da liquidação que deu origem à dívida exequenda pode ou não constituir fundamento admissível de oposição à execução fiscal.

2.2.2 DA ADMISSIBILIDADE DO RECURSO

O Ministério Público suscitou, como questão prévia, a inadmissibilidade do recurso por o valor da causa ser inferior ao da alçada dos tribunais tributários de 1.ª instância.
No caso, o valor da causa é de € 589,50, valor da quantia exequenda, equivalente ao benefício que a Oponente pretende obter [cfr. arts. 31.º, n.º 2, alínea c), e 32.º, n.º 2, do Código de Processo dos Tribunais Administrativos].
O art. 280.º, n.º 4, do CPPT estabeleceu a alçada dos tribunais tributários, fixando-a em um quarto da alçada fixada para os tribunais judiciais de 1.ª instância. Ulteriormente, esta alçada, prevista apenas para os processos de impugnação judicial e de execução fiscal, foi fixada no mesmo montante para a generalidade dos processos da competência dos tribunais tributários, pelo art. 6.º, n.º 2, do Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais (ETAF) de 2002.
Como bem salienta o Procurador-Geral Adjunto, a alçada dos tribunais de judiciais de 1.ª instância em processo civil foi fixada em € 5.000,00 pelo n.º 1 do art. 24.º da Lei n.º 3/99, de 13 de Janeiro [Lei da Organização e Funcionamento dos Tribunais Judiciais (LOFTJ)], na redacção do Decreto-Lei n.º 303/2007, de 24 de Agosto, a que corresponde o art. 31.º, n.º 1, da Lei n.º 52/2008, de 28 de Agosto (LOFTJ de 2008), mas só se aplica a processos iniciados após a sua entrada em vigor, em 1 de Janeiro de 2008 (arts. 11.º e 12.º deste Decreto-Lei). Para os processos iniciados até 31 de Dezembro de 2007, continua a vigorar a alçada de € 3.740,98, fixada pelo n.º 1 do art. 24.º da Lei n.º 3/99, na redacção dada pelo Decreto-Lei n.º 323/2001, de 17 de Dezembro. Assim, a alçada dos tribunais tributários de 1.ª instância é de € 935,25 para os processos iniciados até 31 de Dezembro de 2007 e de € 1.250,00 para processos iniciados a partir de 1 de Janeiro de 2008 (Neste sentido, JORGE LOPES DE SOUSA, ob. cit., volume I, anotação 4 ao art. 6.º, pág. 88 e volume IV, anotação 9 ao art. 280.º, págs. 418/419.).
No caso, o valor da causa, é inferior à alçada do tribunal tributário de 1.ª instância.
Como também bem salienta o Procurador-Geral Adjunto, o facto de a Juíza do Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto o ter admitido não vincula este Supremo Tribunal Administrativo, atento o preceituado no art. 685.º-C, n.º 5, do CPC (Diz o n.º 5 do art. 685.º-C do CPC: «A decisão que admita o recurso, fixe a sua espécie e determine o efeito que lhe compete não vincula o tribunal superior nem pode ser impugnada pelas partes, salvo na situação prevista no n.º 3 do artigo 315.º».), aplicável ex vi da alínea e) do art. 2.º do CPPT.
No entanto, no caso é admissível o recurso jurisdicional, apesar do valor do processo ser inferior ao valor da alçada, pois a decisão recorrida é um despacho liminar, motivo por que há que aplicar subsidiariamente ao caso o disposto no art. 234.º-A, n.º 2, do CPC (Diz o art. 234.º-A, do CPC: «É sempre admitido recurso até à Relação, com subida nos próprios autos, do despacho que haja indeferido liminarmente a petição de acção ou o requerimento de providência cautelar».), ex vi dos arts. 2.º, alínea e), e 281.º, do CPPT (Neste sentido, JORGE LOPES DE SOUSA, ob. cit., volume III, anotação 6 ao art. 209.º, pág. 556.). Isto, «por valerem no contencioso tributário as razões, ligadas à garantia do acesso à tutela judicial, que determinaram no processo civil o regime nelas previsto» (Neste sentido, JORGE LOPES DE SOUSA, ob. cit., volume IV, anotação 13 ao art. 280.º, pág. 423/424.).
É certo que o art. 234.º-A, n.º 2, do CPC, se refere a «recurso até à Relação», mas, «deverá entender-se, no contencioso tributário, que o recurso deverá ser interposto para o STA ou para o tribunal central administrativo territorialmente competente, conforme o seu fundamento seja ou não exclusivamente matéria de direito, pois é isso que determinam as regras de repartição de competência entre estes tribunais, definidas nos arts. 32.º, n.º 1, alínea b), 33.º, n.º 1, alínea b), 41.º, n.º 1, alínea a), e 42.º, n.º 1, alínea a), do ETAF de 1984 e arts. 26.º, alínea b), e 38.º, alínea a), do ETAF de 2002; com efeito, para além de estas regras de competência serem especiais para o contencioso tributário, o uso daquela expressão «até à Relação», e não da expressão «para a Relação» revela que o que se pretendeu foi limitar a um grau a possibilidade de recurso e não propriamente alterar as competências dos tribunais que resultem das suas normas estatutárias; por isso, ao aplicar analogicamente aquele [art. 234.º-A, n.º 2, do CPC] ao contencioso tributário, deverão fazer-se as adaptações que resultam do estatuto dos tribunais tributários» (Ibidem.).
A questão prévia suscitada pelo Ministério Público não pode, pois, proceder.

2.2.3 DA REJEIÇÃO LIMINAR

A Juíza do Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto rejeitou liminarmente a oposição à execução fiscal ao abrigo do disposto no art. 209.º, n.º 1, alínea b), do CPPT, ou seja, por considerar que nesta não foi alegado fundamento admitido no n.º 1 do art. 204.º do mesmo Código.
Cumpre, pois, verificar se a matéria de facto alegada pela Oponente integra ou não fundamento do rol do n.º 1 do art. 204.º do CPPT, designadamente o da alínea i): «Quaisquer fundamentos não referidos nas alíneas anteriores, a provar apenas por documento, desde que não envolvam apreciação da legalidade da liquidação da dívida exequenda, nem representem interferência em matéria de exclusiva competência da entidade que houver extraído o título».
Como ensina JORGE LOPES DE SOUSA, «trata-se de uma disposição com carácter residual em que serão enquadráveis todas as situações não abrangidas pelas outras alíneas do mesmo número, em que existir um facto extintivo ou modificativo da dívida exequenda ou que afecta a sua exigibilidade» (Ob. cit., volume III, nota 38 a) ao art. 204.º, pág. 498.).
No caso, a ora Recorrente alegou na petição inicial que tinha deduzido impugnação judicial contra a liquidação de IMI que deu origem à dívida exequenda, pondo em causa a avaliação que lhe está subjacente. É o que resulta da afirmação que aí fez, de que a quantia exequenda «advêm de uma avaliação patrimonial e subsequente liquidação oficiosa de IMI [(Permitimo-nos corrigir o manifesto lapso de escrita: na petição inicial escreveu-se IMT onde queria dizer-se IMI.)] cuja justeza está precisamente em apreciação deste mesmo Tribunal Administrativo e Fiscal». E formulou o pedido de que o processo de execução fiscal ficasse suspenso até que aquela impugnação judicial fosse decidida. É o que resulta do item 7 daquela peça processual, em que deixou escrito: «[…] até que este douto Tribunal Tributário decida da questão prévia – a oposição à avaliação do imóvel – deve o processo de cobrança coerciva manter-se suspenso».
Ou seja, contrariamente ao que considerou a Juíza do Tribunal a quo (porventura sugestionada pela redacção do articulado inicial, salvo o devido respeito, algo obscura, uma vez que a impugnação judicial é aí repetidamente denominada oposição), a pretensão da Oponente não é discutir a legalidade da liquidação que deu origem à dívida exequenda, mas suspender a execução fiscal até que esteja decidida a impugnação judicial onde está a ser discutida essa legalidade.
Em regra, a oposição visa a extinção da execução fiscal. Mas, desde há muito a jurisprudência vem admitindo que prossiga outro fim, qual seja a suspensão da execução, designadamente em face da existência de causa que afecte, ainda que temporariamente, a exigibilidade da dívida (Neste sentido, entre muitos outros, os seguintes acórdãos da Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:
– de 30 de Abril de 1997, proferido no processo n.º 21.471, publicado no Apêndice ao Diário da República de 9 de Outubro de 2000 (http://www.dre.pt/pdfgratisac/1997/32220.pdf), págs. 1240 a 1242 ; com sumário disponível em
http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/a26a21f4d318487a802568fc0039ca52?OpenDocument;
– de 27 de Maio de 1998, proferido no processo n.º 21.808, publicado no Apêndice ao Diário da República de 30 de Novembro de 2001 (http://www.dre.pt/pdfgratisac/1998/32220.pdf), págs. 1939 a 1942, com sumário disponível em
http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/99919c1adbf5c498802568fc0039b3d6?OpenDocument;
– de 31 de Maio de 2000, proferido no processo com o 24.929, publicado no Apêndice ao Diário da República de 10 de Julho de 2001 (http://www.dre.pt/pdfgratisac/2000/32320.pdf), págs. 126 a 131, com sumário disponível em
http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/e56961df4ed6937480256991005486b1?OpenDocument;
– de 24 de Abril de 2002, proferido no processo n.º 25.687, publicado no Apêndice ao Diário da República de 8 de Março de 2004 (http://www.dre.pt/pdfgratisac/2002/32220.pdf), págs. 1218 a 1221, também disponível em http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/eafedc2b538525fb80256bad00506e45?OpenDocument;
– de 13 de Outubro de 2004, proferido no processo n.º 217/04, publicado no Apêndice ao Diário da República de 6 de Julho de 2005 (http://www.dre.pt/pdfgratisac/2004/32240.pdf), págs. 1380 a 1383, também disponível em
http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/45e30e5c8bf597d280256f3800331c45?OpenDocument.).
Ora, como resulta do disposto no art. 169.º do CPPT e no art. 52.º da LGT, a impugnação judicial da liquidação, desde que tenha sido prestada garantia (Após a redacção dada ao n.º 4 do art. 103.º do CPPT pela Lei n.º 15/2001, de 5 de Junho, e em conjugação com o n.º 1 do art. 183.º, a prestação de garantia pode ser efectuada no próprio processo de impugnação.), esteja por decidir o pedido de prestação de garantia ou haja dispensa da sua prestação, obsta à instauração da execução fiscal; caso a execução fiscal tenha sido já instaurada, a instauração da impugnação judicial, desde que tenha sido prestada garantia, esteja por decidir o pedido de prestação de garantia ou haja dispensa da sua prestação, determina a suspensão da execução até que esteja decidida a impugnação.
Nesses casos, a instauração ou a prossecução da execução será ilegal, podendo o executado reagir contra essa ilegalidade mediante oposição, que será enquadrável na alínea i) do artigo 204.º do CPPT.
Voltando ao caso sub judice, se, como afirma a Oponente, foi instaurada e se encontra pendente impugnação judicial contra a liquidação de IMI que deu origem à dívida exequenda, cumpre indagar se estão ou não verificados os pressupostos que obstam à instauração da execução fiscal ou, caso esta estivesse já instaurada, determinam a sua suspensão. Na afirmativa, verificar-se-á fundamento de oposição à execução fiscal – inexigibilidade – subsumível à alínea i) do art. 204.º, n.º 1, do CPPT.
O que não parece possível, em fase liminar, é desconsiderar a alegação da pendência de processo contencioso com efeitos suspensivos.
É certo que a Oponente não alegou na petição inicial ter prestado garantia ou estar dispensada da sua prestação, mas não foi com esse fundamento [que apenas poderia integrar a previsão da alínea c) do n.º 1 do art. 209.º do CPPT (E, a nosso ver, sempre deverá o tribunal dele indagar ao abrigo dos poderes de inquisitório que a lei lhe confere (art. 13.º, n.º 1, do CPPT), uma vez que a Oponente invocou expressamente o efeito suspensivo derivado da pendência da impugnação judicial.)] que a Juíza do Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto rejeitou liminarmente a oposição; a rejeição foi alicerçada na alínea b) daquele artigo – «Não ter sido alegado algum dos fundamentos admitidos no n.º 1 do artigo 204.º» – e, como resulta do que deixámos já dito, não podemos subscrever esse entendimento.
Recorde-se que o despacho de rejeição liminar só é admissível quando a improcedência da pretensão do autor for tão evidente e, razoavelmente, indiscutível, que torne dispensável assegurar o contraditório (art. 3.º, n.º 3, do CPC) e inútil qualquer instrução e discussão posterior, isto é, «quando o seguimento do processo não tenha razão alguma de ser, seja desperdício manifesto de actividade judicial» (Cfr. ALBERTO DOS REIS, Código de Processo Civil anotado, Coimbra Editora, 3.ª edição – reimpressão, vol. II, pág. 373.). Daí que a jurisprudência tenha vindo a afirmar que o despacho de indeferimento liminar, dada a sua natureza “radical”, na medida em que coarcta à partida toda e qualquer expectativa de o autor ver a sua pretensão apreciada e julgada, encontrando a sua justificação em motivos de economia processual, deve ser cautelosamente decretado (Neste sentido, entre muitos outros, os seguintes acórdãos desta Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:
– de 9 de Outubro de 2002, proferido no processo com o n.º 26482, publicado no Apêndice ao Diário da República de 12 de Março de 2004 (http://www.dre.pt/pdfgratisac/2002/32240.pdf), págs. 2252 a 2255, também disponível em
http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/b38d7c8b3ceaa30880256c55004c2e5c?OpenDocument;
– de 4 de Março de 2009, proferido no processo com o n.º 786/07, publicado no Apêndice ao Diário da República de 30 de Abril de 2009 (http://www.dre.pt/pdfgratisac/2009/32210.pdf), págs. 344 a 348, também disponível em
http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/dc17d39856877bcd80257576004b9488?OpenDocument.);
– de 24 de Fevereiro de 2011, proferido no processo com o n.º 765/10, publicado no Apêndice ao Diário da República de 11 de Agosto de 2011 (http://www.dre.pt/pdfgratisac/2011/32210.pdf), págs. 278 a 280, também disponível em
http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/d034d9b7a45de4a780257847005945e7?OpenDocument.).
Por tudo o que ficou dito, o despacho sob recurso será revogado, para que a oposição à execução fiscal, se nada mais obstar, prossiga os seus termos.

2.2.4 CONCLUSÕES

Preparando a decisão, formulamos as seguintes conclusões:
I - Nos termos do disposto no art. 234.º-A, n.º 2, do CPC, aplicável subsidiariamente ex vi dos arts. 2.º, alínea e), e 281.º, do CPPT, admite-se a possibilidade de recorrer do despacho de indeferimento liminar proferido em processo de oposição à execução fiscal, ainda que o processo tenha valor inferior à alçada.
II - Na oposição à execução fiscal pode ser formulado pedido de suspensão da execução fiscal, em face de uma causa que afecte temporariamente a exigibilidade da dívida, constituindo fundamento subsumível à alínea i) do art. 204.º, n.º 1, do CPPT.
III - A pendência de impugnação judicial da liquidação que deu origem à dívida exequenda, desde que a dívida exequenda se encontre garantida ou o executado tenha sido dispensado da prestação da garantia, constitui causa suspensiva do processo executivo, dando origem à inexigibilidade da dívida até que a impugnação judicial esteja decidida.
IV - Não se justifica, pois, a rejeição liminar da oposição ao abrigo do disposto na alínea b) do n.º 1 do art. 209.º do CPPT se o executado invoca a pendência de uma impugnação judicial com efeito suspensivo da execução fiscal.


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3. DECISÃO

Face ao exposto, os juízes da Secção do Contencioso Tributário deste Supremo Tribunal Administrativo acordam, em conferência, conceder provimento ao recurso, revogar o despacho recorrido e ordenar que os autos regressem à 1.ª instância para aí prosseguirem, se a tal nada mais obstar.

Sem custas.


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Lisboa, 3 de Abril de 2013. - Francisco Rothes (relator) – Fernanda Maçãs - Casimiro Gonçalves.