Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
29591/21.0T8LSB-A.L1-7
Relator: DIOGO RAVARA
Descritores: PROCESSO DE INVENTÁRIO
VALOR DA CAUSA
PORTARIA 278/2013
DE 2-08
INCONSTITUCIONALIDADE
HONORÁRIOS
PROPORCIONALIDADE
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 03/28/2023
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PARCIALMENTE PROCEDENTE
Sumário: I- No processo de inventário, o valor da causa corresponde ao valor dos bens que integram o acervo patrimonial a partilhar (art.º 302º, nº 2 do CPC), devendo este valor ser corrigido em resultado de avaliação dos mesmos ou de licitações (art.º 299º, nº 4 do CPC).
II- O valor da causa deve ser fixado pelo juiz (art.º 306º, nº 1), e naquela forma processual, o momento próprio para tal é a sentença homologatória da partilha (art.º306º, nº 2, parte final, do CPC).
III- Não tendo tal valor sido fixado, tal omissão pode e deve ser suprida pelo juiz em momento posterior (art.º 306º, nº 3 do CPC).
IV- Como decidiu o acórdão do Tribunal Constitucional nº 803/2017, proc. 846/16, a norma constante do artigo 18.º, n.º 2, da Portaria nº 278/2013, de 2-08, na redação conferida pela Portaria n.º 46/2015, de 23-02, conjugada com a tabela anexa I, é inconstitucional, quando interpretada no sentido de que o montante dos honorários notariais devidos em processo de inventário de valor superior a €275.000, sofre acréscimo de 3 UC por cada €25.000 ou fração, sem limite máximo, não permitindo que os mesmos sejam fixados de acordo com a complexidade e tempo gasto.
V- Tal norma deve, por isso, ser objeto de uma interpretação conforme a Constituição, habilitando o julgador a fixar o acréscimo nela previsto de acordo com critérios de adequação e proporcionalidade, em função da complexidade do trabalho desenvolvido pelo Notário, e do tempo gasto pelo mesmo na sua execução.
VI- Num inventário com o valor de €2.606.359,00, em que o acervo hereditário é constituído por apenas 1 bem imóvel, que se iniciou em 2019 e terminou por acordo entre os interessados, manifestado em conferência realizada em 15-07-2021, tendo a partilha sido homologada em 21-12-2021, afigura-se que um valor global dos honorários, calculado nos termos do art.º 18º, nº 2 da referida Portaria nº 278/2013 e da tabela anexa I que se cifra em €30.396,00 é manifestamente desequilibrado e desproporcional, afigurando-se equilibrado e proporcional reduzir tal montante em 50%, fixando-o em €15.198,00.
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam os Juízes na 7ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa:

1. Relatório[1]
Nos autos de inventário notarial que correu termos no Juízo Local Cível de Lisboa (Juiz 9) do Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa sob o nº 29591/21.0T8LSB.L1, notificados da nota de honorários apresentada pelo Sr. Notário, vieram os interessados AJW, MRA e outros, bem como MLR, MCR, e NMR reclamar da mesma.
Tal reclamação foi decidida por despacho proferido em 07-07-2022[2], que tem o seguinte dispositivo:
“Em face ao exposto, julgo parcialmente procedente a Reclamação deduzida pelos MLR, MCR e NMR e Outros, devendo o Senhor Notário retificar a sua Nota de Honorários, de forma a dar total cabimento legal ao artigo 18.º da Portaria n.º 278/2013, de 26 de agosto, em consonância com presente despacho.”
Inconformados com esta decisão, os reclamantes interpuseram dois recursos de apelação.
Assim, os interessados MLR, MCR e NMR, sintetizaram os fundamentos do seu recurso nas seguintes conclusões:
A - DA VIOLACÃO DO ART.º 24º/2 E 3 DA PORTARIA N.º 278/2013, DE 26/08
1.ª O douto despacho recorrido enferma de manifestos erros de julgamento, tendo violado frontalmente o citado art.º 240/3 da Portaria 278/2013, de 26 de Agosto, pois:
a) O Exmo. Senhor Notário "não proced(eu) à revisão da nota final de honorários e despesas nos exatos termos requeridos", como consta do seu despacho, de 2022.06.23;
b) Nem "envi(ou) para o tribunal competente, no prazo de 10 dias a contar da receção do requerimento, a reclamação e a resposta à mesma" — cfr. texto n.º 1
2.ª O referido prazo de 10 dias terminou assim, em 2022.06.13, e as reclamações e a resposta do Exmo. Senhor Notário apenas foram remetidas ao douto Tribunal a g.ug, por ofício, de 2022.06.23, ou seja, 10 dias após o termo do respectivo prazo legal, previsto no art.º 240/2 e 3 da Portaria n.º 278/2013, de 26 de Agosto – cfr. texto n.º 1;
3.ª A falta de remessa atempada, pelo Exmo. Senhor Notário, das reclamações e da resposta ao douto Tribunal a quo determina, nos termos do citado normativo, que se "consider(em) deferida(s) a(s) reclamaç(ões)", de 2022.06.01 e de 2022.06.02, pelo que o despacho do Tribunal a quo, de 2022.07.07, tal como o despacho do Senhor Notário, de 2022.06.23, violaram frontalmente o disposto no citado art.º 240/2 e 3 da Portaria n.º 278/2013, de 26 de Agosto - cfr. texto n.º 1;
B - DO VALOR DA CAUSA E DOS SERVIÇOS PRESTADOS
4.ª O douto despacho Tribunal a quo, de 2022.07.07. enferma ainda de manifestos erros de julgamento, pois:
a) O valor da causa no processo de inventário não é de €2.606.359,00, mas de €331.779,55, como se decidiu na sentença homologatória da partilha proferida nos presentes autos, em 2021.12.20 e já transitada em julgado (v. CITIUS); e
b) Mesmo que assim não se entendesse, o referido valor de €2.606.359,00, nunca poderia ser considerado no cálculo da segunda prestação de honorários, cujo pagamento foi realizado, em 2020.02.06, pois, a seguir-se a tese do douto Tribunal a quo - que não se aceita a alegada, mas inexistente, alteração do valor da causa teria ocorrido, em 2021.07.05, ou seja, cerca de Um ano e meio depois do referido pagamento, e "só produz efeitos quanto aos atos e termos posteriores", nos termos do disposto no art.º 299º/3 NCPC - cfr. texto n.ºs 2 a 5;
C - DA INCONSTITUCIONALIDADE DO ART.º 180 /2 DA PORTARIA N. 0 278/2013, DE 26/08
5.ª É manifesta a inconstitucionalidade do art.º 18º/2 da Portaria n.º 278/2013, de 26 de Agosto, conjugado com a Tabela I anexa à referida Portaria, por violação dos princípios da segurança. igualdade confiança e justiça, bem como o direito de acesso aos Tribunais e à tutela jurisdicional efetiva (v. art.ºs 2º, 9º, 13º, 18º, 20º e 62º da CRP), com o alcance normativo que lhe foi atribuído no despacho recorrido, no sentido de que o montante dos honorários notariais devidos em processo de inventário de valor superior a € 275.000,00, sofre acréscimo de 3 UC por cada €25.000,00 ou fração, sem limite máximo, não permitindo que os mesmos sejam fixados de acordo com a complexidade da causa e o tempo gasto, tanto mais que a tramitação do presente processo de inventário n.º 1803/19 foi absolutamente linear e simplificada, sem quaisquer reclamações ou recursos (v. AC. TC n. 0 803/2017, de 2017.1 1.29. in www.tribunalconstitucional.pt; cfr. AC. RP de 2020.06.18, Proc. 4248/19.6T80AZ.P1, in www.dgsi.pt) — cfr. texto n.º 6.
Remataram as suas conclusões nos seguintes termos:
“(…) deverá ser dado provimento ao presente recurso, anulando-se ou revogando-se o douto despacho recorrido, com as legais consequências.”
Por seu turno, os interessados AJW, MRA e outros resumiram os fundamentos do seu recurso nas seguintes conclusões:
1. Na sequência das reclamações apresentadas pelos ora Recorrentes à Nota Final de Honorários e Despesas elaborada pelo Sr. Notário, este não procedeu à revisão da mesma nos termos requeridos.
2. O Sr. Notário não enviou as referidas reclamações para o Tribunal competente no prazo de 10 dias legalmente previsto.
3. O Sr. Notário apenas remeteu as reclamações e resposta para Tribuna no dia 23/06/2022, ou seja, 10 dias após o termo do prazo que tinha para o efeito.
4. Ao ter desconsiderado tal atuação, o Despacho viola o disposto nos n.ºs 2 e 3 do artigo 24.º da Portaria n.º 278/2013, de 26 de agosto.
5. O Despacho recorrido desconsidera ainda que o valor da causa do processo de inventário é de 331.779,55€, correspondendo este ao valor atribuído ao processo pelas Partes.
6. O valor de 2.606.359,00€ apenas foi considerado pelas Partes para efeitos de adjudicação ou venda a terceiros do Imóvel - única verba do inventário.
7. Em momento algum o valor da causa foi alterado de 331.779,55€ para 2.606.359,00€.
8. Apenas para efeitos de elaboração da Nota Final de Honorários e Despesas pelo Sr. Notário é que foi considerado o referido valor de 2.606.359,00€.
9. Ainda que se entendesse que o valor da causa deveria ser alterado para 2.606.359,00€, o que apenas se equaciona por mero dever de patrocínio, tal valor nunca poderia ser considerado para cálculo da segunda prestação de honorários, uma vez que tal pagamento foi efetuado no dia 06/02/2022.
10. Assim, a alteração do valor da causa apenas poderia produzir efeitos quanto aos atos e termos posteriores nos termos do disposto no n.º 3 do artigo 299.º do CPC.
11. Por fim, é manifesta a inconstitucionalidade do n.º 2 do artigo 18.º da portaria n.º 278/2013, de 26 de agosto, conjugado com a tabela I anexa à Portaria, por violador dos princípios da segurança, igualdade, confiança e justiça e ainda do direito de acesso aos Tribunais e à tutela jurisdicional efetiva (Cfr. artigos 2.º, 9.º, 13.º, 18.º, 20.º e 26.º da CRP), porquanto a fixação do valor dos honorários sem qualquer limite máximo ou ponderação corretiva das especificidades da situação concreta comporta, no caso concreto, uma restrição desproporcionada do direito de acesso ao direito e à tutela jurisdicional, por ser manifestamente desprovido de conexão razoável com o custo e a utilidade do serviço prestado, sendo o valor de 31.438,74€ claramente injusto e desproporcional.
Culminaram as suas conclusões exprimindo aspirações idênticas às manifestadas pelos apelantes MLR e.o.
O Sr. Notário apresentou contra-alegações, que resumiu nas seguintes conclusões:[3]
1- No entender do interessado contra-alegante, o douto despacho recorrido não merece qualquer censura e deve ser mantido integralmente, como já se verá de seguida;
2- Os dois recursos interpostos têm os seguintes três fundamentos: Inconstitucionalidade do art.º 18º, nº 2, da Portaria n.º 278/2013, de 26 de agosto, na redação conferida pela Portaria n.º 46/2015, de 23 de fevereiro; violação do art.º 24º, nºs 2 e 3 daquela Portaria e a questão do valor da causa e dos serviços prestados; 
3- Começamos pelo valor da causa e dos serviços prestados, apreciando depois a invocada violação do art.º 24º, nºs 2 e 3 da identificada Portaria e, a final, a alegação de inconstitucionalidade do art.º 18º, nº 2 da mesmo diploma;
4- Em relação ao valor da causa, nas conclusões de recurso de AJW e outros, escreve-se que o Despacho recorrido desconsiderou que o valor da causa do processo de inventário é de €331.779,55, atribuído pelas partes no processo;
5- Mais se afirma que o valor de €2.606.359,00 apenas foi considerado pelas partes para efeitos de adjudicação ou venda a terceiros do imóvel e 
6- que nunca o valor da causa foi alterado do referido valor inicial;
7- Ora, em relação ao valor da causa, o nº 3 art.º 302º, do CPC estabelece que “nos processos de inventário, atende-se à soma do valor dos bens a partilhar; quando não seja determinado o valor dos bens, atende-se ao valor constante da relação apresentada no serviço de finanças”;
8- Alem disso, como se salienta na douta decisão recorrida, o art.º 299º, n.ºs 1 e 4, também do CPC, no que respeita ao momento da determinação do valor da causa, refere, como regra geral, que se deve atender ao momento em que a ação é proposta, mas nos processos de liquidação ou noutros em que, analogamente, a utilidade económica do pedido só se define na sequência da ação, o valor inicialmente aceite é corrigido logo que o processo forneça os elementos necessários,
9- Decorre do que se acaba de referir que, a partir do momento em que os interessados no inventário fixaram um novo valor para o imóvel, resultante da média ponderada de três avaliações, que mandaram fazer, o valor do imóvel passa a ser esse;
10- Mas há mais, no Mapa de Partilhas, elaborado pelo alegante interessado e notificado a todos os co-herdeiros, está discriminado o valor em euros de cada quinhão hereditário por referência ao total de €2.606.359,00 (valor total do único bem da herança);
11- Por isso, se o valor da causa no processo de inventário é o somatório do valor dos bens a partilhar, no caso sub judice é o valor do único bem que integrava a herança e foi fixado pelas partes no decurso do processo.
12- A finalizar esta parte, como escreve a meritíssimo Juiz “a quo”, o valor da causa pode ser corrigido até ao final do processo sempre que os elementos fornecidos ao processo o justifiquem.
14- E a correcção, atendendo ao disposto no nº 4 do art.º 299 do CPC actua de forma automática, porquanto decorre da lei – neste sentido saliente-se o entendimento do STJ no Acórdão de 10/09/2020, relatado pelo Cons. Ilídio Sacarrão Martins (disponível em www.dgsi.pt).
15- O valor da causa deve assim permanecer em €2.606.359,00, como se estabelece na douta decisão recorrida.
16- Os recorrentes juntam o valor da causa aos serviços prestados, tentando, no fundo, demonstrar que o valor da causa deveria ser o inicial e que os serviços prestados não justificam o montante dos honorários constantes da nota final que lhes foi apresentada.
17- Todavia, sobre esta matéria não há argumentos novos susceptíveis de ser contraditados, à excepção do que consta da conclusão 10 das alegações do recorrente AJW e outros em que se defende que a alteração do valor da causa só produz efeitos quanto  aos actos e termos posteriores de acordo com o disposto no nº 3 do art.º 299º do CPC .
18- Ora este preceito não tem aplicação aos inventários, pois refere-se somente a reconvenção e intervenção noutros processos, pelo que a alteração do valor da causa contará para efeitos globais do inventário, nomeadamente para efeitos de cálculo dos honorários dos notários no processo de inventário.
19- Os recorrentes carecem em absoluto de razão quando alegam violação do art.º 24º, nºs 2 e 3 da Portaria nº 278/2013.
20- Na verdade, aquele artigo no nº 2 estabelece que “o notário que não proceda à revisão da nota final de honorários e despesas nos exatos termos requeridos deve enviar para o tribunal competente no prazo de 10 dias a contar da receção do requerimento a reclamação e a resposta â mesma.”
21- Mas a reclamação apresentada constitui um incidente sujeito ao pagamento honorários entre 0,5 e 5 UC, pelo que, nos termos do art.º 18, nº10, alínea a) da citada Portaria os recorrentes, ao entregarem a reclamação (01 e 02  de Junho de 2022) deveriam ter liquidado, cada um, honorários no valor de meia UC acrescida de IVA, como primeira prestação de honorários.
22- Como não o tivessem feito até ao dia 09 de Junho de 2022, o Notário, ora alegante, notificou-os para pagarem essa 1ª prestação, o que vieram a fazer no dia 15/06/2022;
23- Como é evidente, enquanto os recorrentes estiveram em falta com o pagamento da 1ª prestação de honorários pelo incidente, este não foi processado, só o tendo sido a partir de 15/06/22, data do pagamento daquela 1º prestação.
24- E só a partir desta data se deve contar o prazo de 10 dias constante do nº3 do artº 24º da Portaria que vimos citando, pelo que veio a terminar em 25/06/2022.
25- Ora, o alegante interessado decidiu o incidente, notificou os reclamantes e remeteu a reclamação e a decisão para o tribunal competente no dia 23 de Junho de 2022, pelo que o fez claramente dentro do prazo.
26- Os recorrentes alegam ainda a inconstitucionalidade do nº 2 do art.º 18º da Portaria nº 278/2013, por violador dos princípios da segurança, igualdade, confiança e justiça e ainda do direito de acesso aos tribunais e à tutela jurisdicional efectiva, pois permite a fixação do valor dos honorários sem qualquer limite máximo ou ponderação correctiva das especificidades da situação concreta;
27- Referem ainda os recorrentes que há restrição desproporcionada do acesso ao direito e à tutela jurisdicional, não havendo conexão razoável entre o custo e a utilidade do serviço prestado.
28- Esta posição tem vindo a ser defendida em Acórdãos do Tribunal Constitucional sobre casos concretos em que aqueles princípios terão sido violados.
29- Mas nem sempre assim é e os Notários não têm alternativa à aplicação das tabelas de honorários, que constam da Portaria nº 278/2013, independentemente do inventário concreto.
30- É preciso ainda referir que a coluna A da tabela do anexo I da Portaria foi decalcada da tabela I A  do Regulamento das Custas Processuais, com a excepção de que nesta o juiz pode intervir na conta das causas de valor superior a €275.000, sendo o remanescente da taxa de justiça   considerado na conta a final, salvo se a especificidade da situação o justificar e o juiz de forma fundamentada, atendendo designadamente à complexidade da causa e à conduta processual das partes, dispensar o pagamento.
31- Naquela Portaria para os inventários não há qualquer hipótese de intervenção, podendo a diferença radicar na consideração de que os Notários nos inventários têm de suportar todos os custos inerentes à tramitação do processo, nomeadamente pessoal, instalações, comunicações e todos os consumíveis necessários para o funcionamento do Cartório.
32- No caso concreto, o processo arrastou-se por mais de três anos e o Notário interessado alegou acerca do inventário em causa na resposta à reclamação de Nota de honorários e Despesas, que p processo de inventário 1803/19 foi difícil, moroso e trabalhoso;
33- Foi necessário determinar os quinhões hereditários de 20 herdeiros, resultantes de 14 aberturas de herança, com as correspondentes habilitações de herdeiros e dois testamentos com deixas a título de herdeiros e legados.
34- No caso aqui em apreço parece-nos haver bastas razões para afastar a declaração de inconstitucionalidade do nº 2 do art.º 18 daquele diploma.
35- Antes de mais, os interessados no inventário poderiam ter tentado promover o acordo de todos os herdeiros e fazer uma partilha extrajudicial, pois segundo os recorrentes o inventário teve uma tramitação absolutamente linear e simplificada, sem quaisquer reclamações ou recursos;
36- Uma partilha extrajudicial seria incomparavelmente mais barata que o inventário e permitiria atingir os mesmos resultados;
37- Alem disso, mesmo no âmbito do inventário, os interessados poderiam ter optado por manter o valor inicial do imóvel e realizar a partilha tomando por base o valor inicial;
38- Mas preferiram obter um valor que levaram a aprovação em conferência de interessados, garantindo assim, em princípio, um preço mínimo quer para eventuais adjudicações quer venda a terceiros.
39- Porém, face à tabela de honorários da Portaria que vimos referindo deveriam saber que a conta de honorários poderia ser elevada.
40- Acresce ainda que se, como parece, os interessados no inventário pretendem vender o imóvel a terceiros, então vão ter mais valia enorme, em sede de IRS, e poderão deduzir na respectiva matéria colectável o valor dos custos de aquisição, o que atenuará proporcionalmente o valor a pagar relativo àquele imposto.
41- Face ao que se deixa dito, neste caso concreto, deve ser negada a declaração de inconstitucionalidade do nº 2 do art.º 18º da Portaria nº 278/2013, mantendo-se integralmente o despacho recorrido.
42- Os dois recursos interpostos têm os mesmos fundamentos e justificações idênticas pelo que as alegações que antecedem contraditam os respectivos conteúdos, dispensando referências explícitas às alegações das recorrentes MLR, MCR e NMR.
2. Objeto do recurso
Conforme resulta das disposições conjugadas dos art.ºs 635º, n.º 4 e 639º, n.º 1 do CPC, é pelas conclusões que se delimita o objeto do recurso, seja quanto à pretensão dos recorrentes, seja quanto às questões de facto e de Direito que colocam[4]. Esta limitação dos poderes de cognição do Tribunal da Relação não se verifica em sede de qualificação jurídica dos factos ou relativamente a questões de conhecimento oficioso, desde que o processo contenha os elementos suficientes a tal conhecimento (cfr. art.º 5º n.º 3 do CPC).
Não obstante, a este Tribunal está vedado apreciar questões que não tenham sido anteriormente apreciadas e não sejam de conhecimento oficioso, porquanto, por natureza, os recursos destinam-se apenas a reapreciar decisões proferidas[5].
No caso em análise, considerando o teor das alegações de recurso apresentadas pela apelante, as questões a apreciar e decidir são as seguintes:
a) O deferimento tácito da reclamação – Conclusões 1ª a 3ª dos apelantes MLR e.o., e 1 a 4 dos apelantes AJW e.o.;
b) O valor da causa - Conclusões 4ª, al. a) dos apelantes MLR e.o., e 5 a 8 dos apelantes AJW e.o.;
c) A não retroatividade da alteração do valor da causa - Conclusões 4ª, al. b) dos apelantes MLR e.o., e 9 e 10 dos apelantes AJW e.o.;
d) A inconstitucionalidade do art.º 18º, nº 2 da Portaria nº 278/2013, de 26-08 - Conclusões 5ª dos apelantes MLR e.o., e 11 dos apelantes AJW e.o.;
e) A adequação do valor dos honorários à complexidade do inventário e ao tempo despendido - Conclusões 5ª dos apelantes MLR e.o., e 11 dos apelantes AJW e.o.
3. Fundamentação
3.1. Os factos
A decisão apelada não contém qualquer elenco de factos provados ou não provados. Contudo, da análise do processado, decorrente das certidões juntas aos autos e da consulta do suporte informático do processo emergem os seguintes factos com relevo para a decisão da presente apelação:
1. Em 26-03-2019 deu entrada no Cartório Notarial do Sr. Dr. JML, notário, um requerimento com o seguinte teor:
“AJW, titular do cartão do cidadão n.º …, residente na Rua Melo Antunes, Lisboa;
VJW, titular do cartão do cidadão n.º …, residente na Rua Luís Piçarra, Lisboa;
JHW, titular do cartão do cidadão n.º…, residente na Rua Manuel Marques, Lisboa;
HGW, contribuinte fiscal n.º …, residente na Praceta Dr. Vilela, Torres Vedras;
VAW, contribuinte fiscal n.º …, residente na Rua António Medina Júnior, Sintra;
MJW, contribuinte fiscal n.º …, residente na Praceta Tomas da Anunciação, Queluz;
JSW, contribuinte fiscal n.º …, residente na Avenida Alvares Cabral, Lisboa;
JCW, contribuinte fiscal n.º …, residente na Rua Actor Vale, Lisboa;
LMW, contribuinte fiscal n.º …, residente no Terreiro dos Corvos, Lisboa;
MGR, contribuinte fiscal n.º…, residente na Rua Fresca, Sintra;
MRA, contribuinte fiscal n.º …, residente no Largo de São Vicente, Cascais;
MAR, contribuinte fiscal n.º …, residente na Rua Félix Correia, Lisboa;
FMW, contribuinte fiscal n.º …, residente em Rua António Medina júnior, Sintra; e
AMW, contribuinte fiscal n.º…, residente em Rua António Medina Júnior, Sintra,
vem, nos termos do disposto do artigo 21.º do Regime Jurídico do Processo de Inventario, requerer que se proceda ao inventário de JLW, o que fazem nos termos e com os fundamentos seguintes:
1.º
JLW casado com JGW, sob o regime da separação de bens faleceu em 04.03.1961, conforme certidão do assento de óbito que se junta como documento número 1.
2.º
JGW faleceu, no estado de viúva de JLW, sem testamento ou qualquer outra disposição de última vontade.
3.º
Sucederam a JLW como únicos herdeiros legitimários os seus sete filhos:
a) EAW, casado com MAW no regime de separação de bens, conforme certidão do assento de nascimento, que se junta como documento número 2;
b) MTR casada com JJR no regime de separação de bens, conforme certidão do assento de nascimento que se junta como documento número 3;
c) VRW, solteiro, conforme certidão do assento de nascimento que se junta como documento número 4;
d) CAW casado com MPW no regime de separação de bens, conforme certidões dos assentos de nascimento que se junta como documento número 5;
e) MHW, solteira, conforme certidão do assento de nascimento que se junta como documento número 6;
f) HMW, solteira, conforme certidão do assento de nascimento que se junta como documento número 7 e,
g) MGW, solteira, conforme certidão do assento de nascimento que se junta como documento número 8, tudo conforme habilitações de herdeiros que se juntam como documentos número 9 e 10.
4.º
Não se procedeu ao inventario e partilha dos bens que compõem a referida herança.
5.º
EAW faleceu em 06/05/1991 e sem deixar testamento ou qualquer outra disposição da sua última vontade, conforme habilitação de herdeiros, conforme documentos número 11 e 12.
6.º
Sucederam a EAW, como únicos herdeiros legitimários, a sua cônjuge sobreviva e os seus sete filhos:
a) MAW, viúva, conforme certidões dos assentos de nascimento e de óbito, conforme documentos número 13 e 14;
b) JGW, divorciado, conforme certidão do assento de nascimento que se junta como documento número 15;
c) HGW, solteira, conforme certidão do assento de nascimento que se junta como documento número 16;
d) VAW, casado com MIW sob o regime da separação de bens, conforme certidão do assento de nascimento que se junta como documento número 17;
e) MJW, solteira, conforme certidão do assento de nascimento que se junta como documento número 18;
f) JSW, casado com AMW sob o regime de comunhão de adquiridos, conforme certidão do assento de nascimento e de casamento que se junta como documento número 19;
g) JAW, solteiro, conforme certidão do assento de nascimento que se junta como documento número 20; e
h) LMW, casado com IMS sob o regime de comunhão de adquiridos, conforme certidão do assento de nascimento que se junta como documento número 21.
7.º
MAW faleceu a 08/07/2016, no estado de viúva de EAW, sem deixar testamento ou qualquer outra disposição de ultima vontade, conforme habilitação de herdeiros que se junta como documento número 22.
8.º
Sucederam a MAW como únicos herdeiros legitimários os seus sete filhos, referidos no artigo 6.º.
9.º
JGW faleceu em 30/06/2018 no estado de divorciado de EMR, sem deixar testamento ou qualquer disposição de ultima vontade, conforme documentos número 23 e 24.
10.º
Sucederam a JGW como herdeiros legitimários os seus três filhos:
a) AJW, casado com MHSW sob o regime de comunhão de adquiridos, conforme certidão do assento de nascimento;
b) VJW, solteiro, conforme certidão do assento de nascimento;
c) JHW, divorciada, conforme certidão do assento de nascimento, tudo conforme doc. 24.
11.º
MTR faleceu em 15/08/1998, no estado de casada com JJR e sem deixar testamento ou qualquer outra disposição da sua última vontade, conforme documentos número 25 e 26.
12.º
Sucederam a MTR como únicos herdeiros legitimários o seu cônjuge sobrevivo e os seus sete filhos:
a) JJR, viúvo;
b) MRA, casada com JFA sob o regime de comunhão de adquiridos, conforme documento número 27;
c) MAR, divorciada, conforme documento número 28;
d) MLR, divorciada, conforme documento número 29;
e) NMR, casado com MCA da sob o regime da separação de bens, conforme documento número 30;
f) GMR, casado com TMR sob o regime de separação de bens, conforme documento número 30;
g) MCR, divorciada, conforme documento número 31;
h) MGR, divorciada, conforme documento número 32.
13.º
JJR faleceu a 10/10/1999 no estado de viúvo de MTR, sem ter deixado testamento ou qualquer outra disposição de ultima vontade, conforme documentos número 33 e 34, tendo-lhe sucedido os seus sete filhos melhor identificados no artigo 12.º.
14.º
Contudo, GMR repudiou às heranças de seus pais MTR e JJR, conforme repudio de herança, conforme documento número 35.
15.º
Da mesma forma, os seus únicos filhos, AMR e JMR, repudiaram as heranças de MTR e JJR (cfr. doc. 33).
16.º
Assim, são sucessores de JJR, como únicos herdeiros legitimários os seus filhos, MGR, MCR, NMR, MLR, MAR, MRA, melhor identificados no artigo 12.º.
17.º
VRW, faleceu, no estado de solteiro, em 30/01/1996, conforme documento número 36.
18.º
VRW, deixou em testamento um legado a favor de sua irmã MTR e outro a favor dos sete filhos do seu pré-falecido irmão EAW, conforme documento número 37.
19.º
No seu testamento VRW deixou metade do que lhe pertence da denominada “Quinta dos Lilazes” a MTR e a outra metade a favor dos sete filhos do seu pré-falecido irmão EAW, nomeadamente, JGW, HGW, VAW, MJW, JSW, JCW  e LMW, (cfr. doc 36), tendo este sido habilitados seus herdeiros, conforme documento número 38.
20.º
CAW faleceu em 08/03/2011, no estado de viúvo de MPW, e sem deixar testamento ou qualquer outra disposição da sua última vontade, conforme documentos número 39 e 40.
21.º
Sucederam a CAW como únicos herdeiros legitimários os seus dois filhos e três netos em representação do seu pré-falecido filho FLW, conforme habilitação de herdeiros que se junta como documentos número 41 e 42:
a) JMMW casado com MICW sob o regime de separação de bens, conforme certidão do assento de nascimento, conforme documento número 43;
b) CLLW, casado com MMSW sob o regime de separação de bens, conforme certidão do assento de nascimento conforme documento número 44;
c) FMW, solteiro, conforme certidão do assento de nascimento conforme documento número 45;
d) AMW, solteiro, conforme certidão do assento de nascimento conforme documento número 46;
e) MTW, solteira, conforme certidão do assento de nascimento conforme documento número 47.
22.º
Sucedeu ainda a CAW a sua filha ABW que exerceu o repudio a herança, conforme habilitação de herdeiros, certidão de assento de nascimento e repudio, conforme documentos 48 e 49.
23.º
A ABW sucederam em direito de representação, JMMW, CLLW, FMW, AMW e MTW melhor identificados no artigo 21.º.
24.º
Para alem dos seus filhos, sucedeu ainda a FLW a sua cônjuge sobreviva, MIW cujo matrimonio foi celebrado a data sob o regime de separação de bens, conforme documento número 50.
25.º
MHW faleceu, no estado de solteira em 08/01/1991 conforme documento número 51.
26.º
Tendo deixado testamento nos termos do qual instituiu seu universal herdeiro o seu irmão CAW, conforme documentos número 52 e 53.
27.º
Desta forma, são actuais herdeiros de MHW, os herdeiros de CAW, melhor identificados no artigo 21.º.
28.º
HMW faleceu em 19/06/1984 no estado de solteira, conforme documento número 54.
HMW deixou testamento nos termos do qual deixou como legado a sua irmã MHW a parte que lhe coubesse da Quinta dos Lilazes, conforme documentos número 55 e 56.
29.º
Tendo a sua irmã falecido posteriormente, são seus atuais herdeiros, os herdeiros de CAW., melhor identificados no artigo 21.º
30.º
MGW faleceu, no estado de solteira, em 01/07/1998 conforme documento número 57.
31.º
MGW, faleceu sem deixar testamento ou qualquer outra disposição da sua ultima vontade, conforme documento número 58.
32.º
Sucederam a MGW como únicos herdeiros legitimários os seus Irmãos e os seus sobrinhos, filhos do seu pré-falecido irmão EAW:
a) MTR,
b) CAW,
c) JGW,
d) HGW,
e) VAW,
f) MJW,
g) JSW,
h) JCW e
i) LMW.
33.º
A herança indivisa por óbito de JLW e apenas composta pelo prédio misto denominado “Quinta dos Lilazes” sito na Rua Sotto Mayor, Rua do Paço e Estrada da Macieira, freguesia de S. Martinho, concelho de Sintra, descrito na 1ª Conservatória do Registo Predial de Sintra sob o nº …, e inscrito na matriz urbana sob o artigo … e matriz rustica sob o artigo .., conforme documentos, documentos número 61, 62 e 63.
34.º
O referido imóvel tem o valor patrimonial tributário de €331.779,55, conforme caderneta predial rustica e caderneta predial urbana (cdf. Doc. 62 e 63), pelo que devera ser esse o valor a atribuir ao presente inventario.
35.º
Assim, sucederam a JLW:
a) HGW, solteira; VAW, casado com MIW sob o regime da separação de bens; MJW, solteira; JSW, casado com AMW sob o regime da separação de bens; JCW, solteiro; LMW, casado com IMS sob o regime de separação de bens; AJW, casado com MHW sob o regime de comunhão de adquiridos; VJW, solteiro; JHW, que sucederam a EAW;
b) MRA, casada com JFA sob o regime de comunhão de adquiridos; MAR, divorciada; MLR, divorciada; NMR, casado com MCA sob o regime da separação de bens; MCR, divorciada; MGR divorciada;
c) JMMW, casado com MICW sob o regime de separação de bens; CLLW, casado com MMSW sob o regime da separação de bens; FMW, solteiro; AMW, solteiro; e MTW, solteira.
36.º
Os Requerentes têm legitimidade para peticionar o presente processo de inventario.
37.º
Tem legitimidade para lhe ser atribuído o cargo de cabeça-de-casal, HGW, por ser a herdeira mais velha, nos termos do disposto no número 4 do artigo 2080.º do Código Civil.
NESTES TERMOS, requerer a V. Exa. que se digne proceder ao inventário facultativo de JLW
Valor: €331.779,55
Junta: 63 (sessenta e três) documentos e procuração forense.
(…)”
2. Em 17-01-2020 o Sr. Notário proferiu o despacho com a refª 411319302, no qual consignou o que segue:
“CONFERÊNCIA PREPARATÓRIA
Nos termos do nº 1 do artigo 47º e não tendo sido deduzida oposição ou impugnação ao processo de inventário, nos termos do nº 1 do artigo 30º, ambos do Regime Jurídico do Processo de Inventário - Lei 23/2013, de 5 de Março (RJPI), exaro o seguinte Despacho:
Convoco para o dia 12 de Fevereiro de 2020, pelas 14 horas, neste Cartório Notarial, a realização de conferência preparatória da conferência de interessados, cujo objeto é a deliberação sobre a composição dos quinhões no modo previsto na Lei do Inventário, bem como a aprovação do passivo, conforme dispõe o nº 1 e nº 3 do artigo 48º do RJPI.
Notifique-se os mandatários do requerente do inventário, do cabeça de casal e dos interessados VJW; JHW; HGW; VAW; MJW; JSW.; JCW; LMW; MGR; MAR; FMW; AMW:
- Dr. GA;
- Dr. GC;
- Dr. TB;
- Dra. MJ;
- Dra. SP;
nos termos do nº 1 do artigo 9º da Portaria 278/13 de 26 de Agosto, alterada pela Portaria 46/2015, de 23 de Fevereiro, ao abrigo do artigo 132º do Código de Processo Civil.
Notifique-se os interessados:
- MLR;
- NMR;
- MCR;
- JMMW;
- CLLW;
- MTW
em suporte papel nos termos do nº 3 do artigo 9º da referida Portaria 278/13 de 26 de Agosto (com as alterações introduzidas pela Portaria 46/2015, de 23 de Fevereiro).”
3. Na mesma data referida em 2. o Sr. Notário remeteu aos interessados uma comunicação escrita com o seguinte teor:
“Assunto: Notificação via postal simples
Fica notificada para comparecer pessoalmente ou fazer-se representar por mandatário com poderes especiais, nos termos do nº 2 do artigo 47º do Regime Jurídico do Processo de Inventário - Lei nº 23/2013 de 05 de Março (RJPI), neste Cartório Notarial, no dia 12 de Fevereiro de 2020, pelas 14 horas, para a realização de conferência preparatória da conferência de interessados, cujo objeto é a deliberação sobre a composição dos quinhões no modo previsto na Lei do Inventário, bem como a aprovação do passivo, conforme dispõe o nº 1 e nº 3 do artigo 48º do RJPI.
Que a referida conferência pode ser adiada por uma só vez, nos termos do nº 5 do artigo 47º do RJPI.
Que o inventário pode findar na conferência, por acordo de todos os interessados, conforme dispõe o nº 6 do artigo 48º, sem prejuízo do disposto no artigo 5º, ambos do RJPI.”
4. Em 29-01-2020 o Sr. Notário proferiu o despacho com a refª 411319310, no qual consignou o que segue:
“DESPACHO
Determino a aplicação dos honorários devidos pela segunda prestação do processo de inventário constante do anexo I da Portaria 278/2013 de 26 de Agosto (com as alterações introduzidas pela Portaria 46/2015, de 23 de Fevereiro), nos termos da alínea b) do nº 6 do artigo nº 18, conjugado com a alínea b) do nº 1 do artigo 19º, ambos da referida Portaria.
Que nestes termos devem:
. O Cabeça de Casal - MRA; e
. Restantes Interessados - VJW, JHW, HGW, VAW, MJW, JSW, JCW, LMW, MGR, MAR, FMW, AMW, MLR, NMR, MCR, JMMW, CLLW e MTW proceder cada um ao pagamento correspondente à sua parte, respeitante ao valor global de 1.568,25€, (mil quinhentos e sessenta e oito euros e vinte e cinco cêntimos) no prazo de dez dias, através dos meios previstos no nº 2 do artigo 20º, também da referida Portaria 278/2013.
Que ultrapassado o prazo previsto para o pagamento das prestações sem que estas tenham sido realizadas na íntegra, o Notário pode suspender o processo de Inventário e proceder ao arquivamento do mesmo, nos termos do artigo 19º do Regime Jurídico do Processo de Inventário - Lei 23/2013 de 5 de Março (RJPI).
Notifique-se os respetivos mandatários, nos termos do nº 1 do artigo 9o da Portaria 278/13 de 26 de Agosto, alterada pela Portaria 46/2015, de 23 de Fevereiro, ao abrigo do artigo 132º do Código de Processo Civil.”
5. Na mesma data referida em 4. o Sr. Notário remeteu aos interessados uma comunicação escrita com o seguinte teor:
“Assunto: Notificação
Ficam notificados nos termos do nº 1 do artigo 9º da Portaria 278/13 de 26 de Agosto (com as alterações introduzidas pela Portaria 46/2015, de 23 de Fevereiro), ao abrigo do artigo 132º do Código de Processo Civil, na qualidade de mandatários do cabeça de casal e dos restantes interessados, no processo acima indicado, do Despacho com a N/ Referência 40 de 29-01-2020, para proceder ao pagamento da segunda prestação do Processo de inventário.”
6. Em 15-07-2021 realizou-se a conferência de interessados, tendo os atos ali praticados sido documentados na ata com a refª …, nos seguintes termos:
“(...)
Feita chamada à hora designada no competente Despacho, verifiquei estarem presentes todas as pessoas para este ato convocadas.
Iniciada a conferência, o Notário expôs os motivos da convocação, passando depois a realizar a mesma que deu o seguinte resultado:
Pelos Interessados foi dito que estavam de acordo por unanimidade, quanto à composição da partilha, nos termos do artigo 500, no I da Lei no 23/2013 de 5 de Março, não havendo lugar à adjudicação do bem único a partilhar, mediante proposta em carta fechada, em virtude do único bem a partilhar, ser adjudicado na proporção do direito/quinhão que a cada um dos interessados lhes cabe na presente partilha, não havendo lugar ao pagamento ou recebimento de tornas, pois cada um recebe o que tem direito, e fica pago.
Não há passivo a partilhar.
Acordo
A verba única corresponde ao prédio misto sito na Rua Sotto Mayor, freguesia de União das freguesias de Sintra (S. Maria e S. Miguel, S. Martinho e S. Pedro de Penaferrim), concelho de Sintra, inscrito na matriz sob o artigo rústico .., secção IV, e artigo urbano …, têm os Valores patrimoniais tributários de 279,55€ e de 336.472,50€ respectivamente, tendo sido acordado que o valor atribuído é o de 2.606.359,00€, conforme requerimento do Mandatário Judicial, Dr. GAa de 04-05-2021, confirmado por requerimento do Mandatário Judicial Dr. SS de 28-05-2021, ambos juntos aos autos, pelo que o imóvel será adjudicado em compropriedade aos interessados, a saber:

Valor do quinhãoInteressadoValor da adjudicação
198/5292 (direito)HGW97.516,83€
198/5292 (direito)VAW97.516,83€
198/5292 (direito)MJW97.516,83€
198/5292 (direito)JSW97.516,83€
198/5292 (direito)JCW97.516,83€
198/5292 (direito)LMW97.516,83€
66/5292 (direito)AJW32.505,61€
66/5292 (direito)VJW32.505,61€
66/5292 (direito)JHW32.505,61€
231/5292 (direito)MRA
113.769,64€
231/5292 (direito)MAR
113.769,64€
231/5292 (direito)MLR113.769,64€
231/5292 (direito)NMR113.769,64€

7. Em 21-12-2021 foi proferida sentença com a refª 411373737, na qual foi consignado o que segue:
“Nos presentes autos de inventário, por óbito de JLW, tendo verificado o mapa da partilha e julgando o mesmo em conformidade com as disposições legais aplicáveis, decido homologar pela presente sentença a partilha dali constante, adjudicando aos interessados os respetivos quinhões – cfr. artigo 66.º, n.º 1, da Lei n.º 23/2013, de 5 de março.
Comunique ao Serviço de Finanças competente para efeitos do artigo 62.º, n.º 1, do Código do Imposto de Selo.
Custas na proporção do recebido – artigo 67.º, n.º 1, da Lei n.º 23/2013.
Registe e notifique”.
8. A sentença referida em 7. foi notificada aos interessados por meio de comunicações eletrónicas enviadas em 03-01-2022.
9. Em 20-05-2022 o Sr., Notário elaborou a “nota final de honorários e despesas” com a refª 419990619, a qual tem o seguinte teor:
“NOTA FINAL DE HONORÁRIOS E DESPESAS
NOS TERMOS DA PORTARIA 278/2013, DE 26 DE AGOSTO, COM AS ALTERAÇÕES INTRODUZIDAS PELA PORTARIA 46/2015, DE 23 DE FEVEREIRO
Proferida a sentença homologatória em 20 de Dezembro de 2021, pelo Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa - Juízo Local Cível de Lisboa - Juiz 9, e tendo a mesma já transitado em julgado, apresenta-se a Nota Final:
Valor Total do Processo (considerando o valor final do ativo partilhado de 2.606.359,00€) = 37.494,50€
- Valor da 1.ª Prestação de Honorários    1.568,25€
- Valor da 2.ª Prestação de Honorários    1.568,25€
- Valor da 3.ª Prestação de Honorários   34.250,58€
- Despesas de correio         107,42€
É da responsabilidade de cada Interessado o pagamento do valor de:        
a) HGW, VAW, MJW, JSW, JCW e LWW (198/5292) 1.402,86€ cada um;
b) AJW, VJW e JHW (66/5292)            467,62€ cada um;
c) MRA, MAR, MLR, NMR, MCR e MGW (231/5292) 1.636,66€ cada um;
d) JMMW e CLLW (840/5292) 5.951,50€ cada um;
e) FMW, AMW e MTW (280/5292) 1.983,84€ cada um;
II
A) Valor de honorários pago pelo Requerente do Inventário AJW.
- 1.ª Prestação de Honorários do Processo        1.568,25€
B) Valor de honorários pago pela Cabeça de Casal MRA
- 2.ª Prestação de Honorários do Processo      1.568,25€
III
Por conseguinte, encontra-se em falta o pagamento do montante de 34.358,00€ (correspondendo o valor de 34.250.58€ a honorários devidos pelo processo de inventário nos termos da alínea c) do nº 6 do artigo 18º da referida Portaria e o valor de 107.42€ a despesas de correio), cujo pagamento pode ser efetuado através de transferência bancária para o seguinte IBAN: PT50 … (Novo Banco, S.A.) - DR. JML, juntando aos autos o respetivo comprovativo de pagamento, com identificação do herdeiro e do número do processo.
IV
Todos os herdeiros deverão pagar os montantes da responsabilidade de cada um, acima descritos, com exceção dos seguintes:
a) MRA, que apenas lhe falta pagar o montante de 68,41€, por ter procedido ao pagamento da importância de 1.568,25€; e de
b) AJW, que não tem de proceder a nenhum pagamento, por ter pago a mais a importância de 1.100,63€ (1.568,25€ - 467,62€), sendo-lhe devolvido pelo Notário a referida importância paga a mais, após o pagamento do montante de 34.358,00€. Para tal, deverá ser junto aos autos o IBAN da conta do requerente para a qual pretende que seja transferido a referida importância de 1.100,63€.
As partes podem reclamar da Nota Final de honorários e despesas, nos termos do nº 1 do artigo 24º da referida Portaria, no prazo de dez dias, conforme dispõe o nº 1 do artigo 24-B da referida Portaria.
Após a efetivação do pagamento do valor em falta, emita-se a pedido a certidão para efeitos de registo predial e encerre-se o processo.
(…)”.
10. Em 01-06-2022 os interessados AJW e MRA e outros apresentaram a reclamação com a refª 4…, na qual expuseram o que segue:
“Exmo. Senhor Dr. JML,
AJW, MRA e Outros, Requerente, Cabeça de Casal e Interessados, respetivamente, nos autos acima identificados, tendo sido notificados da nota final de honorários e despesas elaborada no dia 20 de maio de 2022, vêm, nos termos do disposto no artigo 24.º, n.º 1 da Portaria n.º 278/2013, de 26 de agosto, com as alterações introduzidas pela Portaria n.º 46/2015, de 23 de fevereiro, apresentar a sua
RECLAMAÇÃO DA NOTA FINAL DE HONORÁRIOS E DESPESAS
O que fazem nos termos e com os fundamentos seguintes:
I - Do pagamento da nota final de honorários e despesas
1.º
AJW, MRA e outros, Requerente, Cabeça de Casal e Interessados, respetivamente, nos presentes autos e ora Reclamantes, foram notificados, em 20 de maio de 2022, na sequência do trânsito em julgado da sentença homologatória proferida em 20 de dezembro, pelo Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa - Juízo Local Cível de Lisboa - Juiz 9, da nota final de honorários e despesas.
2.º
Resulta da aludida nota final que os Reclamantes e demais herdeiros são responsáveis pelo pagamento do valor total do processo (considerando o valor final do ativo partilhado), que se cifra na ordem de 37.497,50 € (trinta e sete mil quatro centos e noventa e sete euros e cinquenta cêntimos), nos termos do artigo 18.º, n.º 6, alínea c) da referida Portaria.
3.º
Sucede, porém, que os ora Reclamantes, por meio do Requerimento de Inventário apresentado em 26 de março de 2019, definiram como valor do inventário €331.779,55 (trezentos trinta e um mil setecentos setenta e nove euros e cinquenta e cinco cêntimos), que, à data da apresentação do Requerimento do Inventário, era o valor do imóvel inventariado, conforme resulta da caderneta predial rústica e caderneta predial urbana (cf. Docs. 62 e 63 do Requerimento do Inventário).
4.º
O referido inventário tinha por fim a partilha de bens do inventariado JLW.
5.º
No dia 4 de maio de 2021, foi apresentado um requerimento pela cabeça de casal e pelos requerentes MRA para a fixação do valor do imóvel sujeito a inventário e montante mínimo de adjudicação a quantia de €2.606.359,00 (dois milhões seiscentos e seis mil trezentos e cinquenta e nove euros), o qual obteve a concordância dos outros Interessados no inventário.
6.º
O valor de €2.606.359,00 (dois milhões seiscentos e seis mil trezentos e cinquenta e nove euros) resulta de uma média de 3 (três) avaliações pedidas pelos herdeiros para efeitos de adjudicação.
7.º
O referido requerimento para a fixação do valor do imóvel e montante mínimo de adjudicação pelos herdeiros não teve o condão de alterar o valor do processo inicialmente fixado pelo cabeça de casal aquando do Requerimento do Inventário.
8.º
Aparentemente, o Senhor Notário entendeu - de formo errada, como se demonstrará se seguida - que o valor (do processo) a atender para fixação dos honorários é o que resulta da avaliação e não o que foi fixado inicialmente pelo cabeça de casal.
II - Da desproporcionalidade e injustiça da nota final dos honorários e despesas
9.º
Relativamente aos honorários dos Notários, os mesmos encontram-se regulados na já referida Portaria 278/2013, de 26 de agosto, com as alterações introduzidas pela Portaria n.º 46/2015, de 23 de fevereiro. Do referido diploma regulamentar resulta o seguinte: i) os honorários notariais devidos pelo processo de inventário e incidentes são calculados de acordo com as tabelas constantes dos Anexos I e II da indicada Portaria regulamentadora; ii) os Anexos I e II definem a fórmula de cálculo em unidades de conta como sucede com as taxas de justiça nos processos tramitados nos tribunais judiciais.
10.º
A Portaria regulamenta a matéria que concerne aos honorários dos notários sem descurar os princípios e as normas imanentes ao Regulamento das Custas Processuais, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 34/2008, de 26 de Fevereiro (RCP).
Do regime consagrado pela Portaria, no que diz respeito aos honorários notariais, resulta um sistema misto, que assenta, por um lado, no valor da causa e, por outro, na sua correção, por majoração, nos processos especialmente complexos. Este regime não prevê outros mecanismos, nomeadamente de limitação do valor a pagar nos processos de inventário de maior valor - acima dos €275.000,00 -, nem critérios de adequação dos honorários notariais, seja em virtude da abreviação do processo por acordo ou pela manifesta simplicidade do mesmo.
12.º
Assim, aparentemente, uma leitura axiologicamente e sistematicamente desenquadrada indiciaria que o regime permite, nos processos de inventário de maior valor, que os Cartórios Notariais possam fixar honorários excessivos, sem ter em conta a simplicidade do processo ou a desproporcionalidade da relação o custo-utilidade derivada do processo para as partes.
13.º
Contudo, importa notar que, não obstante a desjudicialização do processo de inventário - cujo objetivo consistiu em conferir celeridade processual a estes processos - a substância e essência do regime consagrado na Portaria não se afastam do que era exigido às partes quando os processos de inventário eram tramitados em Tribunal. E, nessa medida, embora com as adaptações necessárias, verifica-se um paralelismo ou semelhança entre a tributação processual a título de taxa de justiça e a fixação de honorários notariais.
Conforme nota o acórdão n.º 803/2017 do Tribunal Constitucional, “pese embora o processo de inventário não comportar a tradicional estrutura de conflito entre um autor e réu (comporta interessados, principais e secundários), não deixa de assumir natureza predominante contenciosa, constituindo espécie processual “onde se discutem e decidem questões em que se envolvem interesses que são, muito frequentemente, não apenas diferentes, mas verdadeiramente conflituantes (cfr. MARGARIDA COSTA ANDRADE e AFONSO PATRÃO, “A desjudicialização do processo de inventário - novas tarefas para o Notário no ordenamento jurídico português”, Curso sobre o novo regime do processo de inventário, Centro de Estudos Notariais e Registais, 2009).”
15.º
Sendo que a intervenção do tribunal está reservada para casos como a homologação da partilha, a resolução de questões complexas que apenas devam ser discutidas em ação judicial autónoma ou reclamação.
16.º
O que significa que, no processo de inventário, continua a estar em causa o recurso dos interessados a serviços de justiça.
17.º
Deste modo - socorrendo-nos mais uma vez da indicada jurisprudência do Tribunal Constitucional -, “em face das feições do processo de inventário, as normas que fixam o valor a cargo dos interessados devem ser orientadas pelos mesmos critérios jurídico-constitucionais que determinam o valor das custas judiciais”, ou seja, devem ser orientados por critérios como justiça e proporcionalidade.
18.º
Posto isto, passemos ao caso do presente processo de inventário.
19.º
Aqui chegados, tratando-se de fixação de honorários do notário ao abrigo da Portaria, que, à semelhança do RCP, não prevê limites máximos, há que determinar se o quantum fixado como contrapartida do serviço de Justiça prestado pelo cartório notarial evidencia um excesso ou se, ao invés, ainda reflete uma conexão razoável com o custo e a utilidade do serviço prestado.
20.º
No presente caso, é manifesta a correlação inversa (i.e., a desproporcionalidade) entre o valor da nota final de honorários e despesas e o custo do processo, que teve uma tramitação simples e reduzida.
Com efeito,
21.º
O inventário em questão tinha um elevado número de herdeiros, mas todos representados por apenas dois mandatários, o que facilitou a tramitação e notificação no processo; e os herdeiros em questão compareceram todos à primeira convocatória que lhes foi dirigida e apenas quando foi determinada a sua presença, razão pela qual também o seu elevado número em nada entorpeceu, dificultou ou encareceu este processo.
22.º
O processo em questão tem apenas um bem a partilhar, o que obviamente facilitou todo o trabalho a levar a cabo pelo Sr. Notário.
23.º
As diligências deste processo foram apenas as determinadas por lei, não existiu qualquer reclamação na pendência do processo e não ocorreram diligências ou requerimentos dirigidos ao processo que tenham determinado especial ou inusitado trabalho ao Sr. Notário na condução do processo.
24.º
Mesmo o tempo que decorreu desde o início do processo até à sua conclusão foi apenas consequência das limitações impostas pela pandemia COVID-19 e dos atrasos do Sr. Notário no cumprimento dos prazos, nada sendo imputável aos herdeiros no processo.
25.º
Aliás, se a tramitação do presente processo de inventário tivesse corrido termos no tribunal, as partes poderiam requerer ao Senhor Juiz a dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça, atendendo nomeadamente à relativa simplicidade do processo.
26.º
A fixação da nota final honorários com base no valor da avaliação (não do inventário) posterior levada a cabo pelos herdeiros e que serviu apenas para fixar o valor da adjudicação, viola o princípio da proporcionalidade ínsito no artigo 18.º, n.º 2, segunda parte, da Constituição da República Portuguesa, pois o quantum fixado como contrapartida do serviço prestado pelo cartório notarial é manifestamente excessivo, não apresentando qualquer conexão razoável com o custo e utilidade do serviço prestado.
27.º
Por outro lado, como tem vindo a entender o Tribunal Constitucional (cf., por exemplo, Acórdãos n.ºs 255/07, 471/07, 301/09 e 803/2017), viola o direito de acesso à justiça, consagrado no artigo 20.º da CRP, a fixação de taxas de tal forma elevadas - tendo em conta a natureza do processo - que percam um mínimo de conexão razoável com o custo e a utilidade do serviço prestado.
28.º
Mais, a atuação do Sr. Notário viola o princípio da legalidade, na medida em que o critério normativo de fixação de taxa de justiça (in casu, honorários do notário) reside no valor da causa (cf. artigo 302, n.º 2 do Código do Processo Civil) que, nos processos de inventário, deve ser indicado no Requerimento de Inventário. A pretensão do Sr. Notário em fixar os honorários com base no valor da avaliação, ignorando o valor do processo inicialmente fixado e que permaneceu imutável durante todo o processo, coloca em crise aquele princípio constitucional.
29.º
Aliás, mais grave se torna a violação do princípio da legalidade quando se percebe que a fixação dos honorários pelo Sr. Notário parece obedecer à regra prevista para a aplicação dos valores dos honorários em processos de especial complexidade.
30.º
Ora, a determinação de especial complexidade é da competência do juiz, a requerimento do notário aquando da remessa do processo para a homologação (cf. artigo 18.º, n.º 4 da Portaria), o que não aconteceu.
31.º
Não tendo apresentado o requerimento ao juiz, o Sr. Notário, por um lado, entendeu que o processo não revestia especial complexidade (como, claramente é o caso) e, por outro, concordou, até última instância, com o valor do processo inicialmente fixado e que deve servir de base à fixação dos honorários.
32.º
Ao fixar, já no final do processo, o valor dos honorários com base no valor resultante da avaliação, o Sr. Notário procede, em termos práticos, à alteração do valor do processo, o que é manifestamente ilegal porquanto após a homologação judicial o seu poder para tal ato está manifestamente esgotado.
33.º
Assim, entendemos que a razão da lógica imanente ao regime dos inventários e os princípios jurídico-constitucionais que o enformam, a fixação do valor dos honorários sem qualquer limite máximo ou ponderação corretiva das especificidades da situação concreta (utilidade económica da causa, complexidade do processado e comportamento das partes) comporta, no caso concreto, uma restrição desproporcionada do direito de acesso ao direito e à tutela jurisdicional, por manifestamente desprovido de conexão razoável com o custo e a utilidade do serviço prestado.
34.º
Assim, deve o Sr. Notário rever o montante dos honorários devidos no caso concreto, tendo em conta, designadamente, o valor inicial indicado pelo requerente, a complexidade do processo e o carácter manifestamente desproporcional do montante, indevidamente, exigido.
Termos em que deverá a presente Reclamação ser julgada procedente, em consonância com as invocadas disposições legais, e, em consequência:
a) Ser determinada a retificação da nota final dos honorários e despesas, em conformidade com a natureza do processo de inventário em causa, tendo como referência o valor do processo (€331.779,55); e
Seja feita a emissão das competentes referências de multibanco, nos termos do artigo 20.º, n.º 5 da Portaria n.º 278/2013, de 26 de agosto, com as alterações introduzidas pela Portaria n.º 46/2015, de 23 de fevereiro, para o pagamento dos honorários devidos pela presente reclamação.”
11. Em 02-06-2022 os interessados MLR, MCR, e NMR apresentaram a reclamação com a refª 416990217, na qual expuseram o que segue:
“1. Na nota final em análise imputa-se aos interessados no presente processo de inventário um valor total de honorários e despesas de "37.494,50 €". "considerando o valor final do ativo partilhado de 2,606.359,00€" e sob invocação da "Portaria 278/2013, de 26 de Agosto, com as alterações introduzidas pela Portaria 46/2015, de 23 de Fevereiro",
O referido valor total de honorários e despesas enferma de erros manifestos e é claramente desproporcionado, conforme se vai demonstrar.
2. Em primeiro lugar, "o valor final do processo de inventário" que deve ser considerado para efeitos de cálculo dos honorários, nos termos do art.º 18º/1, 2 e 6/c) da Portaria n.º 278/2013, de 26 de Agosto, é exactamente o mesmo do valor da causa em que foi proferida a sentença homologatória da partilha, de 2021.12.20 - €331.779,55 (v. CITIUS) e não os "2.606.359,00€" agora indicados na nota final reclamada, que enferma de erros manifestos, como resulta das seguintes razões principais:
a) O valor do presente processo nunca poderia ser de "2.606.359,00€". mas apenas de €331.779,55 que é o "valor da coisa" indicado no art.º 302º/3 do NCPC como critério legal de determinação do valor da causa nos inventários (v. Lebre de Freitas, CPC Anotado, 2018, Vol, I, 4a ed., p.p. 611) e corresponde ao "valor matricial" do único bem imóvel a partilhar nestes autos, constante das respectivas cadernetas prediais, juntas ao r.i. como Docs. 62 e 63, conforme resulta do art.º 26º/2 do Regime Jurídico do Processo de Inventário, aprovado pela Lei n.º 23/2013, de 5 de Março (v. Ac. RP de 2020.06.18, Proc. 4248/19.6T80AZ.P1, in www.dgsi.pt);
b) O referido valor da causa de €331.779,55: (i) corresponde ao que foi indicado no r.i. pelos requerentes do inventário (v. art.º 306º/1 do NCPC, in fine), (ii) não foi impugnado pelos restantes interessados (v. art.º 305º/1 do NCPC) e (in) nem este douto Notário, nem o Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa - que exarou a sentença homologatória da partilha, de 2021.12.20, considerando sempre o referido valor da causa - proferiram qualquer decisão relativamente à respectiva alteração, nos termos do art.º 306º do NCPC;
c) Neste sentido, os nossos Tribunais Superiores têm decidido, em casos semelhantes, que, "fixado à causa (...) o valor patrimonial do imóvel que tenha sido indicado pelos autores e expressa ou tacitamente aceite pelos réus (...) o mesmo (...) imp(õe)-se no processo em que foi proferido (e) mesmo que o prédio venha a ser em momento posterior da causa avaliado em valor superior, é aquele valor e não o resultante da avaliação, o valor processual da causa que se tem definitivamente como fixado" (v. Ac. RC de 2013.01.07, Proc. 12/11.9TBSBG-A.C1, in www.dqsi.pt):
d) É pois manifesto que no presente processo "subsiste como valor da causa o anteriormente fixado" (v. Ac. STJ de 2019.02.21, Proc. 6645/11.6TBCSC-A.L1- A.S1; cfr., exactamente no mesmo sentido, Ac. RL de 2010.09.09, Proc. 2268/07.2TVLSB.L1-8, in www.dqsi.pt). de acordo com o princípio da "imutabilidade do valor da causa" (v. Alberto dos Reis, Comentário ao Código de Processo Civil, vol. III, p.p. 649), que estabelece a "irrelevância das alterações resultantes de factos posteriores à proposição da accão (e que) o que conta, quer quanto ao tempo, quer quanto aos factos, é a situação existente naquela data (art.º 308 nº 1 do (anterior) CPC [correspondente ao actual art. 2992/1 do NCPC])" (v. Ac. RL de 2010.09.09, Proc. 2268/07.2TVLSB.L1-8; cfr. Ac. RP de 2010.02.02, Proc. 1006/05.9TBVLG-A.P1, ambos in www.dqsi.pt);
e) Neste sentido, o Venerando Tribunal Constitucional tem decidido:
"A fixação do valor da causa resulta da concretização dos critérios legais, levada a cabo pelas partes O valor assim fixado torna-se definitivo a partir de
determinado momento processual, resultando tal fixação (em princípio) do acordo alcançado. Nenhuma disposição constitucional exige a correccão automática do valor inicialmente fixado. (...) Assim, e tendo em conta que o valor atribuído pelo recorrido ÍA.) não foi impugnado pela recorrida (R.) (...), há que concluir que a interpretação das normas contidas nos artigos 305.º (art.º 308.º n.ºs 1 (...) do (anterior) Código de Processo Civil [correspondentes aos actuais art.ºs 296º e 299º/1 do NCPCl, no sentido de. uma vez fixado o valor da accão. este não poder ser alterado (nem mesmo automaticamente), não viola o disposto n(a) Constituição. Refira-se, aliás, que a imutabilidade do valor da accão a partir de um determinado momento processual visa, precisamente, concretizar no plano infraconstitucional os valores de certeza e segurança. Com efeito, tai imutabilidade só pode decorrer da legalmente pretendida estabilidade de determinados elementos da accão. com vista à tuteia das expectativas que legitimamente se criem em relação ao curso do processo" (v. Ac. TC n.º 182/98, in www.tribunalconstitucional.pt: cfr. Alberto dos Reis, Comentário ao CPC, Vol. III, p.p. 649-650; Abrantes Geraldes, Temas da Reforma do Processo Civil, Vol. I, p.p. 151 e 242);
f) Aplicando os princípios expostos ao caso em análise, é manifesto que, tendo a sentença homologatória da partilha sido proferida, em 2021.12.20, considerando o valor da causa anteriormente fixado em €331.779,55 (v. CITIUS), este constitui “o valor final do processo de inventário" e deve ser considerado para efeitos de cálculo dos honorários devidos "ao Notário pelos serviços prestados no âmbito do processo de inventário", nos termos do art.º 18º/1, 2 e 6/c) da Portaria n.º 278/2013, de 26 de Agosto (cfr. 302º/3 do NCPC e art.º 2672 da Lei n.º 23/2013, de 5 de Março), não podendo agora e após o termo do processo de inventário, vir aumentar-se o valor da causa mais de sete vezes, para "2.606.359,00 €", em clara violação dos referidos normativos, tanto mais que é manifesta "a imutabilidade do valor da accão a partir de(sse) momento processual" (v. Ac. TC n.º 182/98, in www.tribunalconstitucionai.pt).
3. Em segundo lugar, o valor total de honorários e despesas de "37.494.50€" que é imputado aos interessados no presente inventário na nota final reclamada é absolutamente desproporcionado, violando frontalmente os princípios da segurança, igualdade, confiança e justiça, bem como o direito de acesso aos Tribunais e à tutela iurisdicional efetiva (v. art.ºs 2º, 9º, 13º, 18º, 20º e 62º da CRP). Neste sentido, o Venerando Tribunal Constitucional decidiu, no douto acórdão n.º 803/2017, em situação absolutamente semelhante à presente, em "que o processo em presença revestiu tramitação linear e simplificada", que:
"A alocacão de tempo e recursos, humanos e materiais, que determinou ao prestador do serviço, de acordo com padrões médios de eficiência, apenas pode ser tida como relativamente reduzida. (...) Pese embora o valor patrimonial partilhado (...) Temos, então (...), à semelhança do entendido no Acórdão (TC) n.ºs 421/2013, que o sentido normativo sindicado, segundo a qual o montante de honorários notariais devidos pelos interessados em processo de inventário (...), cujo valor ascende a €1.133.910,00. definido em função do valor do inventário, sem qualquer limite máximo ou ponderação corretiva das especificidades da situação concreta (utilidade económica da causa, complexidade do processado e comportamento das partes), e resultando, no caso, a responsabilidade pelo pagamento, a esse título, do valor de €15.180,66 comporta uma restrição desproporcionada do direito de acesso ao direito e à tutela iurisdicional. por manifestamente desprovido de conexão razoável com o custo e a utilidade do serviço prestado. (...) Nos termos e pelos fundamentos expostos, decide-se (...) julgar inconstitucional a norma constante do artigo 18.º, n.ºs 2, da Portaria n.ºs 278/2013. de 26 de agosto, na redação conferida pela Portaria n.ºs 46/2015, de 23 de fevereiro, conjugada com a tabela anexa I, no sentido de que o montante dos honorários notariais devidos em processo de inventário de valor superior a €275.000, sofre acréscimo de 3 UC por cada €25.000 ou fração, sem limite máximo, não permitindo que os mesmos sejam fixados de acordo com a complexidade e tempo gasto" (v. Ac. TC de 2017.11.29 e jurisprudência nele citada; cfr. Acs. TC n.º 421/2013, de 2013.07.15; n.º 471/2007, de 2007.09.25; n.º 248/94, de 1994.03.22, todos in www.tribunalconstitucional.pt: Ac. RC de 2020.06.18, Proc. 4248/19.6T80AZ.P1, in www.dqsi.pt; Gomes Canotilho e Vital Moreira, CRP Anotada, 4a ed., 1/100; Jorge Miranda e Rui Medeiros, Constituição Portuguesa Anotada, 2005, 1/183). 
4. Aplicando os princípios expostos ao caso sub judice, é manifesto que, tendo a tramitação do presente processo de inventário sido absolutamente linear e simplificada, sem quaisquer reclamações ou recursos, o valor total de honorários e despesas de "37.494,50 €" que é imputado aos interessados na nota final reclamada, nos termos do art.º 18º/2 e do Anexo I da Portaria n º 278/2013, de 26 de Agosto, republicada pela Portaria n.º 46/2015, de 23 de Fevereiro, é absolutamente desproporcionado, violando frontalmente os princípios da segurança, igualdade, confiança e justiça, bem como o direito de acesso aos Tribunais e à tutela jurisdicional efetiva (v. art.ºs 2º, 9º, 13º, 18º, 20º e 62º da CRP).
NESTES TERMOS,
Requer а V. Exa. se digne:
a) Ordenar a reforma da nota final de honorários e despesas, de 2022.05.20, nos termos expostos; e
b) Determinar que "o valor final do processo de inventário" a considerar para o cálculo dos honorários devidos é de €331.779,55, nos termos do disposto no art.º 1871, 2 e 6/c) da Portaria n.º 278/2013, de 26 de Agosto (cfr. 30273 do NCPC e art.º 2672 da Lei n.º 23/2013, de 5 de Março), com as legais consequências.”
12 Juntamente com o requerimento referido em 11., os interessados MLR, MCR e NMR juntaram Documento Único de Cobrança, comprovando o pagamento da quantia de €102,00 com o descritivo “Taxa de Justiça – Incidentes /procedimentos anómalos”.
13. Em 09-06-2022 o Sr. Notário proferiu o seguinte despacho com a refª 416990214, no qual consignou o que segue:
“Tendo sido apresentado requerimento na plataforma dos inventários em 02/06/2022, pelo mandatário judicial dos Interessados MLR, NMR e MCR - Dr. SS, reclamando da nota final de honorários e despesas, cabe determinar o seguinte:
Reclamação da Nota Final de Honorários e Despesas Deduzido incidente da Reclamação, após receção do requerimento acima mencionado, determino a aplicação do honorário devido pelo incidente, constante do anexo II, Coluna A, da Portaria 278/2013 de 26 de Agosto, com as alterações introduzidas pela Portaria 46/2015 de 23 de Fevereiro, ao abrigo dos nºs 3 e nº 5 do artigo 18º, fixando o valor dos honorários, devidos pelo incidente no montante de 1,5 UC -153€ (cento e cinquenta e três euros acrescido de IVA), pelo que devem os Interessados MLR, NMR e MCR proceder ao pagamento da importância de 0,5 UC - 51€ (cinquenta e um euros acrescido de IVA), na importância total no valor de 62,73€ (sessenta e dois euros e setenta e três cêntimos) (que corresponde a meia UC e IVA incluído), nos termos da alínea a) do nº 10 do artigo 18º da referida Portaria, devendo ser pago no prazo de 10 dias pelos Interessados que tiveram intervenção no incidente, através da referência multibanco, conforme dispõe o nº 3 do artigo 18º e nº 5 do artigo 20º, ambos da mesma Portaria.”
14. Na mesma data referida em 12. o Sr. Notário proferiu o seguinte despacho com a refª 416990216, no qual consignou o que segue:
“Tendo sido apresentado requerimento na plataforma dos inventários em 02/06/2022, pelo mandatário judicial do Requerente do Inventário, do Cabeça de Casal e dos Interessados VJW, JHW, HGW, VAJ, MJW, JSW; JCW, LMW, MGR, MAR, FMW, AMW e JMW - Dr. GA, reclamando da nota final de honorários e despesas, cabe determinar o seguinte:
Reclamação da Nota Final de Honorários e Despesas Deduzido incidente da Reclamação, após receção do requerimento acima mencionado, determino a aplicação do honorário devido pelo incidente, constante do anexo II, Coluna A, da Portaria 278/2013 de 26 de Agosto, com as alterações introduzidas pela Portaria 46/2015 de 23 de Fevereiro, ao abrigo dos nºs 3 e nº 5 do artigo 18º, fixando o valor dos honorários, devidos pelo incidente no montante de 1,5 UC - 153€ (cento e cinquenta e três euros acrescido de IVA), pelo que devem os Interessados AJW, MRA, VJW, JHW, HGW, VAW, MJW, JSW; JCW, LMW, MGR, MAR, FMW, AMW e JMMW proceder ao pagamento da importância de 0,5 UC - 51€ (cinquenta e um euros acrescido de IVA), na importância total no valor de 62,73€ (sessenta e dois euros e setenta e três cêntimos) (que corresponde a meia UC e IVA incluído), nos termos da alínea a) do nº 10 do artigo 18º da referida Portaria, devendo ser pago no prazo de 10 dias pelos Interessados que tiveram intervenção no incidente, através da referência multibanco, conforme dispõe o nº 3 do artigo 18º e nº 5 do artigo 20º, ambos da mesma Portaria.”
15. Em 15-06-2021 os requerentes MLR, MCR e NMR procederam ao pagamento da quantia referida em 13., na forma ali descrita, tendo remetido ao Sr. Notário o respetivo comprovativo, o que fizeram através do requerimento com a refª 416990212, de 20-06-2021.
16. Em 23-06-2022 o Sr. Notário proferiu o despacho com a refª 32933968, no qual exarou o que segue:
“Assunto: Reclamação da Nota Final de Honorários e Despesas
Nos termos do nº 2 do artigo 24º da Portaria 278/2013 de 26 de Agosto, por não ter procedido à revisão da Nota Final de Honorários e Despesas nos exatos termos requeridos remeto para o Tribunal competente, a Nota Final de Honorários e Despesas, os Requerimentos de Reclamação das partes e a resposta à mesma, o acesso ao processo de inventário supra mencionado, através do código igbvncde.”
17. Em 07-07-2022 o Tribunal a quo proferiu o despacho com a refª 417322824, no qual consignou o seguinte:
“AJW, MRA e OUTROS, assim como MLR, MCR e NMR vieram apresentar Reclamação da Nota Final de Honorários e Despesas elaborada pelo Senhor Dr. JML, Notário que tramitou o processo de inventário n.º 1803/19 em que os Reclamantes eram Interessados.
Com a Nota referida, o Senhor Notário peticiona o pagamento do valor total do processo, fixado em 37.497,50 € (trinta e sete mil quatro centos e noventa e sete euros e cinquenta cêntimos), considerando os seguintes itens:
- “Valor da 1.a Prestação de Honorários 1.568,25€
- Valor da 2.a Prestação de Honorários   1.568,25€
- Valor da 3a Prestação de Honorários 34.250,58€
- Despesas de correio    107,42€”
Ao abrigo do disposto no artigo 24.º n.º 2 da Portaria n.º 278/2013, de 26 de agosto, quanto ao processamento dos atos e os termos do processo de inventário, o Senhor Dr. JML remeteu, ao presente Juízo, as reclamações deduzidas, a fim de serem decididas.
*
O Tribunal é competente, em razão da matéria, hierarquia, território e valor.
Não existem outras exceções ou nulidades que cumpra conhecer, neste momento.
Cumpre apreciar e decidir.
*
Reclamação de AJW, MRA e Outros:
Vêm os Reclamantes insurgir-se contra a Nota Final de Honorários e Despesas elaborada pelo Senhor Dr. JML, peticionando que seja “determinada a retificação da nota final dos honorários e despesas, em conformidade com a natureza do processo de inventário em causa, tendo como referência o valor do processo (€331.779,55)”.
Para o efeito alegam que o Senhor Notário, em violação do princípio da legalidade, estabeleceu o valor dos honorários a pagar pelos Interessados com base no valor fixado do imóvel sujeito a inventário, designadamente com base na quantia de €2.606.359,00 (dois milhões seiscentos e seis mil trezentos e cinquenta e nove euros) e não atendendo ao valor de €331.779,55 que corresponde ao valor do inventário definido pelos Requerentes no seu requerimento inicial e aceite por todas as partes. Mais referem que o valor fixado é desproporcionado atendendo à complexidade da causa e que, em momento algum foi determinada a sua “especial complexidade”, a qual seria da competência de juiz nos termos do artigo 18.º n.º 4 da Portaria.
Cumpre decidir.
A primeira questão a resolver, desde logo, é a de saber qual o valor do inventário, de forma que, a partir daí, se possa aquilatar do valor dos honorários a liquidar. Cumpre descortinar se o valor do inventário é de 331.779,55€ - valor que lhe foi atribuído pelos Requerentes do Inventário – ou 2.606.359,00€ - montante em que foi fixado o valor do imóvel partilhado.
O Senhor Notário, no Despacho de Resposta à Reclamação da Nota de Honorários, refere que “[o] valor do processo é o valor do bem (...)”, escrutinando melhor esta questão quanto à Reclamação dos outros Interessados e, concluindo, em suma, que o valor do inventário é de 2.606.359,00€. Terminando com o indeferimento da pretensão. Nos termos previstos no artigo 302.º, n.º 4 do CPC, no processo de inventário, atende-se à soma dos bens a partilhar.
Quanto ao momento de determinação do valor da causa, estabelece o artigo 299.º n.º 1 do Código de Processo Civil que “[n]a determinação do valor da causa, deve atender-se ao momento em que a ação é proposta, exceto quando haja reconvenção ou intervenção principal”. Sendo que, para os processos em que esse valor não é passível de determinação imediata, o n.º 4 estatui que “[n]os processos de liquidação ou noutros em que, analogamente, a utilidade económica do pedido só se define na sequência da ação, o valor inicialmente aceite é corrigido logo que o processo forneça os elementos necessários”.
Pelo que, evoluindo ao longo do processo de inventário, o valor atribuído, ab initio, pelas partes, no requerimento do inventário não se mantém necessariamente no mesmo até ao final do processo, e será corrigido sempre que os elementos fornecidos no processo assim o justifiquem.
Esta correção, atendendo ao disposto no já citado n.º 4 do artigo 299.º do Código de Processo Civil atua de forma automática, porquanto decorre da lei - neste sentido, salienta-se o entendimento do Supremo Tribunal de Justiça, no Acórdão de 10/09/2020, relatado por Ilídio Sacarrão Martins, disponível in www.dgsi.pt.
Em face ao exposto, não assiste razão aos Reclamantes quando defendem que o valor do Inventário é de 331.779,55 €, para com nele serem apurados os honorários a pagar pelo processo em montante inferior. Tendo os Interessados definido que o valor do imóvel a partilhar seria de 2.606.359,00€ e uma vez fixado por despacho que era esse o valor a atribuir ao imóvel, inequivocamente que o n.º 4 do artigo 299.º entra em aplicação, transmutando o valor da causa - independentemente da existência, ou não, de despacho a consigná-lo - no valor do imóvel.
Consequentemente, o valor da causa é de 2.606.359,00€ e não 331.779,55€, como defendem os Reclamantes.
*
Definida a base do cálculo, a segunda questão a decidir prende-se com a proporção dos honorários fixados. Defendem os reclamantes que viola o princípio da proporcionalidade, pois a causa importa complexidade que permita, ao Senhor Notário, a fixação de honorários excessivos, “sem ter em conta a simplicidade do processo ou a desproporcionalidade da relação o custo-utilidade derivada do processo para as partes” (artigo 12.º).
Quanto a esta questão, refere o Senhor Notário que “[a] Tabela de Honorários, prevista no Anexo I, coluna A - Honorários devidos pelo Processo de Inventário é clara e precisa, não tem valor variável, isto é, estão sujeitos a um valor fixo, determinado pelo valor do processo (em euros) e a partir dos 275.000,00€, ao montante dos honorários acresce, por cada 25.000,00€ ou fração, 3 UC, no caso da coluna A”. Terminando com o indeferimento da pretensão.
Vejamos.
Estabelece o artigo 18.º da Portaria n.º 278/2013, de 26 de Agosto que são devidos honorários ao notário pelos serviços prestados no âmbito do processo de inventário (n.º 1), os quais constam do Anexo I da portaria, que dela faz parte integrante, sendo devidos conjuntamente por todos os interessados, nos termos do artigo 19.º (n.º 2).
Quanto ao momento do pagamento, estatui o n.º 6 do artigo 18.º que “Os honorários devidos pelo processo de inventário devem ser pagos nos seguintes termos:
a) 1.ª Prestação - devida no momento da apresentação do requerimento inicial, no valor de metade dos honorários devidos tendo em consideração o valor do inventário indicado pelo requerente;
b) 2.ª Prestação - devida nos 10 dias posteriores à notificação para a conferência preparatória, no valor da diferença entre o montante dos honorários devidos tendo em consideração o valor do inventário eventualmente corrigido a essa data e o montante já pago nos termos da alínea anterior;
c) 3.a Prestação - devida nos 10 dias posteriores à notificação pelo notário para o efeito, após a decisão homologatória da partilha pelo juiz, no valor da diferença entre o montante devido a título de honorários nos termos do n.º 2 e, se for o caso, do n.º 4, tendo em consideração o valor final do processo de inventário, e o montante já pago nos termos das alíneas anteriores.”
Por sua vez, o concreto montante encontra-se no Anexo I da Portaria, conforme já referido.
Compulsados os artigos citados, assiste total razão ao Senhor Notário quando refere que o cálculo dos honorários, em sede de inventário obedece a critérios de legalidade estrita.
A pretensão dos Reclamantes - de o valor dos honorários ser ponderado pelo intérprete no caso concreto, atento o princípio da proporcionalidade - poderia encontrar cabimento legal se, no processo de inventário, se lhe aplicasse o artigo 6.º n.º 7 do Regulamento das Custais Processuais que coloca no Julgador a possibilidade de, nas causas de valor superior a 275.000,00€ dosear o pagamento da taxa de justiça, atendendo à simplicidade, ou não da causa.
Todavia, “[o] novo processo de inventário da Lei nº 23/2013, de 5 de Março (diploma que aprovou o “Regime Jurídico do Processo de Inventário”) não é aplicável o Regulamento das Custas Judiciais quanto à fixação do montante de honorários notariais devido a final, mormente o nº 7 do art.º 6º deste, no qual se prevê a possibilidade de ser dispensado o pagamento relativo ao remanescente ainda por pagar, porquanto a Portaria 278/2013 de 26 de Agosto que regulamentou o dito processo de inventário, fixa um regime especial quanto a esse particular, ao ter regulamentado de forma expressa as “custas do processo de inventário”, e havendo um especial rigor e detalhe na previsão e estatuição sobre os critérios, regras de cálculo, momento/modo de pagamento e responsabilidade pelo pagamento correspondente” - conforme entendimento do Tribunal da Relação do Porto, em acórdão datado de 13-09-2016 .
Ou seja, no processo de inventário notarial quanto a custas, o valor a pagar é legalmente estabelecido por meio da Portaria n.º 278/2013, de 26 de agosto e o critério está desprovido de arbítrio do Notário.
Por assim ser, a ponderação da proporcionalidade e justiça material foi feita pelo próprio legislador, no momento da feitura da norma, devendo o intérprete eximir-se, desse critério.
Mas reitera-se: o notário está vinculado a critérios de legalidade estrita e qualquer cidadão, feitos os respetivos cálculos, deve alcançar o raciocínio do Senhor Notário.
Ora, fazendo uso desses critérios de legalidade estrita e atendendo ao valor do inventário e à sua evolução, não se alcança qual o raciocínio empregue pelo Senhor Notário no apuramento dos valores a pagar pelos Reclamantes.
Em prol da transparência e do rigor que, em matéria de Justiça deve imperar, aqui se quedam o raciocínio gizado por este Tribunal - na aplicação do normativo em causa - e respetivos valores encontrados:


Assim sendo, é devido pelos Reclamantes o valor de 31.331,32€ naturalmente ser deduzido o valor já pago.
Ao valor dos 31.331,32€, acresce o montante despendido com despesas de correio, no valor de 107,42€, ao abrigo do disposto no artigo 21.º n.º 1 alínea a) da Portaria já referida.
É, portanto, devido um montante final de 31.438,74€.
A Nota de honorários deve, por isso, sofrer alteração de forma a ser condicente com os normativos legais que lhe subjazem e com o raciocínio apurado.
Em face ao exposto, julgo parcialmente procedente a Reclamação deduzida pelos AJW, MRA e Outros, devendo o Senhor Notário retificar a sua Nota de Honorários, de forma a dar total cabimento legal ao artigo 18.º da Portaria n.º 278/2013, de 26 de agosto.
*
Reclamação de MLR, MCR e NMR:
Vêm os Reclamantes peticionar que (alínea a)) seja ordenada a reforma da nota final de honorários e despesas, de 20.05.2022 e que (alínea b)) seja “determinado que o valor final do processo de inventário a considerar para o cálculo dos honorários devidos é de 331.779,55€, nos termos do disposto no artigo 18.º n.º 1 n.ºs 2 e 6 alínea c) da Portaria n.º 278/2013, de 26 de agosto (cfr. 302.º n.º 3 do CPC e artigo 26.º n.º 2 da Lei n.º 23/2013, de 5 de março)".
Para o efeito alegam que o valor da causa é de 331.779,55 €, correspondente ao que foi indicado pelos requerentes do inventário e que não foi impugnado, nem alterado pelo Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa, que homologou a partilha. Mais refere que o valor de honorários e despesas indicado pelo Senhor Notário é “absolutamente desproporcionado, violando frontalmente os princípios da segurança, igualdade, confiança e justiça, bem como o direito de acesso as Tribunas e à tutela jurisdicional efetiva (v. art.ºs 2º, 9º, 13º, 18º, 20º e 62º da CRP)".
O Senhor Notário, no Despacho de Resposta à Reclamação da Nota de Honorários, reitera que “[o] valor do processo é o valor do bem (...)’’, fazendo uma cronologia dos atos processuais, de forma a demonstrar a razão pela qual considera que o valor do inventário são os 2.606.359€. Quanto à violação dos princípios, o Senhor Notário volta a frisar que “[a] tabela de Honorários, prevista no anexo I, coluna A, não tem valor variável, não tem valor livre, tem valores fixos, e não estabelece limites máximos e é determinada pela Portaria 278/2013 de 26 de Agosto e o Notário aplicou neste caso em concreto a Lei (...)’’. Terminando com o indeferimento da pretensão.
Atendendo à similitude dos argumentos deduzidos em ambas as Reclamações, valem aqui todos os argumentos expendidos supra, quanto à Primeira Reclamação, razão pela qual, por economia de meios e celeridade processual para ali se remete.
Por isso, procede, também aqui parcialmente, a Reclamação deduzida.
Em face ao exposto, julgo parcialmente procedente a Reclamação deduzida pelos MLR, MCR e NMR, devendo o Senhor Notário retificar a sua Nota de Honorários, de forma a dar total cabimento legal ao artigo 18.º da Portaria n.º 278/2013, de 26 de agosto, em consonância com presente despacho.
Notifique.”
3.2. Os factos e o direito
3.2.1. Do deferimento tácito da reclamação
O litígio dos presentes autos tem por objeto a fixação do montante dos honorários do Sr. Notário, no âmbito de inventário notarial, que correu termos na vigência do Regime Jurídico do Processo de Inventário[6].
A presente apelação foi interposta da decisão proferida pelo Juízo Local Cível de Lisboa, que julgou apenas parcialmente procedente as reclamações que os apelantes, apresentaram na qualidade de interessados na partilha, na qual se insurgiram contra o montante dos honorários reclamados pelo Sr. Notário.
Numa primeira linha de argumentação sustentaram os apelantes que a reclamação apresentada não poderia ter sido julgada improcedente, porquanto a mesma se deveria ter considerado tacitamente deferida.
Trata-se, em bom rigor, de uma questão que não foi apreciada na decisão recorrida, o que se compreende, na medida em que, como veremos, o invocado ato de deferimento tácito apenas se poderia ter formado após a apresentação das reclamações, o que significa que os interessados não podiam ter suscitado tal questão nessas mesmas reclamações.
Mas a verdade é que não prevendo o regime da tramitação do inventário notarial um momento ou forma adequados à invocação de tal meio de defesa, e estando em causa um ato procedimental tácito equivalente a decisão de deferimento daquelas reclamações, cremos que se trata de questão de conhecimento oficioso, pelo que pode ser suscitada apenas na fase de recurso.
Vejamos então, se, no caso, se devem considerar verificadas as circunstâncias de que depende a verificação do invocado ato tácito.
O processamento da tramitação do Regime Jurídico do Processo de Inventário Notarial[7] é regulamentado Portaria nº 278/2013, de 26-08, alterada pela Portaria nº 46/2015, de 23-02.
No que ora interessa, dispõe o nº 1 do art.º 24º da mencionada portaria que “qualquer parte em processo de inventário notarial pode reclamar para o notário da nota final de honorários e despesas, com fundamento na desconformidade com o disposto na Lei nº 23/2013, de 5 de março e na presente portaria.”
Por seu turno estabelece o nº 2 do mesmo preceito que se o notário não atender à reclamação deve remeter a mesma para o Tribunal, o que deverá fazer no prazo de 10 dias, a contar da sua receção.
Finalmente estabelece o nº 3 do mesmo preceito que se o notário, não atender a mesma reclamação nem a remeter ao Tribunal no referido prazo de 10 dias, a reclamação considera-se deferida.
O funcionamento do mecanismo consagrado no referido nº 3 configura uma situação de ato tácito irrevogável por decisão do notário: A inércia do notário produz os efeitos do deferimento da reclamação, não podendo o mesmo, em data posterior ao termo daquele prazo, suprir a sua inércia. Qualquer decisão subsequente do notário sobre tal matéria será, assim, absolutamente ineficaz.
No caso vertente, as reclamações foram apresentadas pelos apelantes em 01-06-2021 e 02-06-2021, mas, apesar de o Sr. Notário não as ter atendido, as mesmas apenas foram remetidas para o Tribunal (por via eletrónica) em 23-06-2021.[8]
Entre as primeiras e a última data decorreram mais de 10 dias, pelo que é de questionar se as reclamações apresentadas pelos apelantes se devem considerar tacitamente deferidas.
Vejamos então.
As reclamações em apreço constituem incidentes do processo de inventário.
Nos termos previstos no art.º 18º, nº 3 da Portaria 278/2013, tais incidentes estão sujeitos ao pagamento de honorários, nos termos previstos na tabela II anexa à mesma (rúbrica “outros incidentes”), sendo esses honorários de montante variável, a fixar a final pelo notário, com um mínimo de 0,5 UC e um máximo de 5UCs.
Conforme estabelece o nº 10 do mesmo art.º 18º da referida Portaria, esses honorários devem ser pagos em duas prestações, sendo a primeira com a dedução do incidente, correspondendo o seu montante ao valor mínimo (1/2 UC), e a segunda nos 10 dias subsequentes à notificação do notário para o efeito, a qual deve ter lugar após a decisão do incidente, correspondendo o montante desta prestação à diferença entre o valor da 1ª prestação e o valor total dos honorários relativos ao incidente, fixados na decisão.
Quanto à forma do pagamento, há que ter em atenção que ao contrário do que se passa com a taxa de justiça inicial e demais custas processuais dos processos judiciais, que habitualmente são liquidadas por meio de “Documento Único de Cobrança” ou “DUC”, sendo os respetivos fundos colocados à ordem do Instituto de Gestão Financeira e de Equipamentos da Justiça (IGFEJ), no caso das custas relativas à tramitação do processo de inventário notarial[9] a Portaria nº 278/2013 consagrou um sistema diverso, em que, nalgumas situações, a prática de determinado ato na plataforma eletrónica de gestão procedimental do processo de inventário notarial gera uma referência multibanco, e, noutros casos se admite qualquer outra forma de pagamento – art.º 20º da mesma Portaria. Seja como for, em todas estas situações, os pagamentos são feitos à ordem do notário.
No caso vertente verifica-se que aquando da dedução da sua reclamação os interessados MLR, MCR e NMR apresentaram DUC comprovativo do pagamento da quantia de €102, que pretenderam associar à dedução do incidente apresentado.
Simplesmente tal pagamento foi feito à ordem do IGFEJ e não do Sr. Notário, razão pela qual não se pode considerar o mesmo efetuado nos termos previstos no art.º 20º da Portaria 278/2013.
Donde, a subscrição de tal DUC não consubstancia uma forma de cumprimento válida e eficaz da obrigação de pagar a 1ª prestação dos honorários devidos pela apresentação do incidente.
Ora, resulta de forma clara do art.º 19º da mesma Portaria que na falta de pagamento das prestações de honorários, o Notário pode, nalgumas situações, notificar os demais interessados para, querendo, procederem ao pagamento das prestações em falta (nº 3), e, persistindo a falta de pagamento, pode mesmo suspender o processo de inventário e proceder ao arquivamento do mesmo (nº 4).
 Destes preceitos emerge a nosso ver, uma conclusão segura: omitido o pagamento de prestação de honorários que se considere devida, o notário não tem o dever de impulsionar o processo.
No caso vertente, o Sr. Notário optou por notificar os interessados para procederem ao pagamento da 1ª prestação de honorários em falta, emitindo as correspondentes referências Multibanco, que enviou aos mesmos, o que fez em 09-06-2021[10].
E só em 15-06-2021 os requerentes MLR, MCR e NMR procederam ao pagamento da referida prestação, tendo remetido ao Sr. Notário o respetivo comprovativo em 20-06-2021.[11]
Assim, só com este pagamento se iniciou a contagem do prazo de 10 dias a que alude o art.º 24º, nºs 2 e 3 da Portaria 278/2013. Por isso, tendo a reclamação sido enviada a juízo no dia 23-06-2021[12], não pode considerar-se aquela reclamação tacitamente deferida, nos termos do referido nº 3.
3.2.2. Do valor da causa
Estabelece o art.º 296º, nº 1 do CPC que “a todo o processo deve ser atribuído um valor certo, expresso em moeda legal, o qual representa a utilidade económica imediata do pedido”.
Por sua vez dispõe o art.º 302º, nº 3 do mesmo código que nos processos de inventário se atende à soma do valor dos bens a partilhar; estipulando ainda o mesmo preceito que “quando não seja determinado o valor dos bens” se atende “ao valor constante da relação apresentada no serviço de finanças”.
Por seu turno estatui o art.º 306º, nº 1 do CPC que “o valor da causa deve ser fixado pelo juiz, sem prejuízo do dever de indicação que impende sobre as partes”, acrescentando o nº 2 do mesmo preceito que tal deve suceder no despacho saneador ou, se a causa o não comportar ou o mesmo não for proferido, deve o valor ser fixado na sentença.
Finalmente estipula o nº 3 do mesmo preceito que se for interposto recurso antes da fixação do valor da causa pelo juiz, deve este fixá-lo no despacho de admissão do mesmo recurso.
No caso vertente, tendo presente que o processo especial de inventário notarial não comporta a prolação de despacho saneador, o momento próprio para a fixação do valor da causa era a sentença homologatória da partilha.
Contudo, a sentença homologatória da partilha é absolutamente omissa no tocante ao valor da causa.
Como suprir tal omissão?
Sobre tal assunto se pronunciou SALVADOR DA COSTA[13], nos seguintes termos:
“Suscita-se a questão de saber qual o qual é a consequência jurídica da omissão da fixação do valor da causa pelo Juiz da 1ª Instância no caso de nenhuma das partes provocar o seu suprimento.
 Certo é que não fixação do valor da causa pelo Juiz da 1ª instância, em algum dos momentos acima referidos, não pode implicar a perda das partes do direito ao recurso.
 Acresce que, enquanto não houver trânsito em julgado da sentença final, subsiste questão da fixação do valor da causa.
 A referida omissão, dado o relevo do valor da causa em toda a dinâmica processual, não pode ser remetida para o regime das nulidades processuais gerais a que se reporta o artigo 195º, n.º 1, nem para a respetiva sanação prevista no artigo 199º, nº 1, por a falta não ser invocada em certo prazo pelas partes.
 O juiz não pode deixar de fixar o valor da causa, pelo menos no despacho que recebeu rejeita a interposição do recurso, ainda que tenha que ordenar a realização de diligências necessárias designadamente a perícia ou a requisição de documentos.
 No caso de o juiz da 1ª Instância que recebeu recurso não fixar o valor da causa, o relator do tribunal ad quem deve ordenar a devolução do processo ao tribunal a quo, assim dia teu magistrado suprir a omissão, nos termos do artigo 652º, nº 1 alíneas b) e d). É uma solução que se conforma com regras de competência e do processo equitativo processo equitativo, que, em regra, não permitem a substituição do juiz da ação pelo relator no recurso.”
À luz deste entendimento, que subscrevemos inteiramente, a omissão da fixação do valor da causa é sempre suprível pelo Tribunal a quo enquanto a decisão apelada não transitar em julgado.
Ora, no caso dos autos verifica-se que na decisão apelada o Tribunal a quo acabou por suprir tal omissão, ao declarar de forma inequívoca, na fundamentação da mesma decisão, que “o valor da causa é de €2.606.359,00 e não €331.779,55, como defendem os reclamantes”.
Como expressamente reconhecem os apelantes, este valor corresponde ao valor do imóvel a partilhar que, mediante prévia avaliação, todos os interessados na partilha deliberaram, por unanimidade, atribuir-lhe.
Donde se conclui que, para além de ter suprido a omissão de fixação do valor da causa, o Tribunal a quo o fez de modo inteiramente consentâneo com o disposto no art.º 302º, nº 3 do CPC.
A este propósito, cumpre recordar que o Supremo Tribunal de Justiça tem considerado que o mecanismo de correção do valor da causa previsto no art.º 299º, nº 4 do CPC deve ser aplicado nos processos de inventário, razão pela qual, se, por força da apresentação de reclamações contra a relação de bens ou das licitações, o valor dos bens a partilhar for majorado relativamente ao inicialmente indicado, deverá atender-se ao valor mais atual para determinar o valor da causa. Neste sentido cfr. acs:
- STJ 06-02-1996 (Aragão Seia), p. 088062;
- STJ 07-07-1999 (Ferreira Ramos), p. 99A366;
- STJ 10-09-2020 (Ilídio Sacarrão Martins), p. 586/14.2T8PNF.P1.S1;
- STJ 12-01-2022 (Catarina Serra), p. 26583/15.2T8LSB.L1.S1;
Nesta conformidade, conclui-se que o valor da causa nos autos de inventário em que foi proferida a decisão apelada é de €2.606.359,00, e que deve ser este mesmo o valor a considerar na determinação dos honorários do Sr. Notário.
3.2.3. Da não retroatividade da alteração do valor da causa
Sustentam igualmente os apelantes que entenda que o valor da causa é de €2.606.359,00, o mesmo nunca poderia ser considerado no cálculo da segunda prestação de honorários, porquanto esta foi paga em 06-02-2020, sendo certo que a alteração do valor da causa teve lugar em 05-07-2021, e que nos termos do disposto no art.º 299º, nº 3 do CPC a alteração do valor da causa só tem efeitos quanto aos autos e termos posteriores do processo.
A ponderação desta argumentação passa pela consideração da totalidade do art.º 299º do CPC, que tem a seguinte redação:
“Artigo 299.º
Momento a que se atende para a determinação do valor
1 - Na determinação do valor da causa, deve atender-se ao momento em que a ação é proposta, exceto quando haja reconvenção ou intervenção principal.
2 - O valor do pedido formulado pelo réu ou pelo interveniente só é somado ao valor do pedido formulado pelo autor quando os pedidos sejam distintos, nos termos do disposto no n.º 3 do artigo 530.º.
3 - O aumento referido no número anterior só produz efeitos quanto aos atos e termos posteriores à reconvenção ou intervenção.
4 - Nos processos de liquidação ou noutros em que, analogamente, a utilidade económica do pedido só se define na sequência da ação, o valor inicialmente aceite é corrigido logo que o
processo forneça os elementos necessários.
Como resulta da parte inicial do invocado nº 3, a norma nele contida aplica-se às alterações do valor da causa previstas no nº 2, e na parte final do nº 1 ou seja, tem em vista as alterações da causa resultantes da dedução de reconvenção.
Portanto, esta norma não tem aplicação no âmbito dos processos de inventário.
E se é verdade que a regra geral é a consagrada na 1ª parte do nº 1 do CPC, não menos verdade será que, como já mencionámos, de acordo com a jurisprudência pacífica dos Tribunais Superiores, que subscrevemos, nos processos de inventário vale a regra excecional consagrada no nº 4 do preceito citado, ou seja, a possibilidade de o valor da causa ser corrigido a final, em resultado da alteração do valor dos bens que integram o acervo a partilhar, decorrente de reclamações apresentadas por interessados e subsequente avaliação dos bens a partilhar, ou por efeito de licitações ou ainda por acordo das partes.
Donde se conclui que tendo o Tribunal a quo, na decisão apelada, fixado o valor da causa em €2.606.359,00, e correspondendo tal valor a uma correta aplicação dos critérios consagrados nos art.ºs 299º, nº 4 e 302º, nº 3 do CPC, deverá ser esse o valor a atender no cálculo dos honorários do Sr. Notário.
Note-se, aliás, que o mecanismo de pagamento faseado dos honorários relativos ao processo de inventário, previsto no art.º 18º, nº 6 da Portaria nº 278/2013 não tem em consideração atos ou incidentes isolados, mas antes se reporta à globalidade do trabalho prestado pelo Sr. Notário, razão pela qual o momento do pagamento das mencionadas prestações não é de ter por relevante, já que aquelas prestações constituem uma forma de adiantamento destes honorários, por conta do valor global a calcular a final. É precisamente por isso que a al. c) do nº 6 do mesmo art.º 18º prevê que a 3ª prestação seja devida após à decisão homologatória da partilha e corresponda à diferença entre o montante dos honorários, calculado em função do valor atualizado do inventário, e o montante pago através da 1ª e 2ª prestações.
Termos em que se conclui pela improcedência do argumento em apreço.
3.2.4. Da inconstitucionalidade do art.º 18º, nº 2 da Portaria nº 278/2013, de 26-08
Suscitaram ainda os apelantes a questão da inconstitucionalidade do art.º 18º, nº 2 da portaria a que nos vimos reportando, por violação do direito de acesso à Justiça consagrado no art.º 20º da Constituição da República Portuguesa, quando interpretado no sentido de que a fixação dos honorários do Sr. Notário deve atender unicamente ao valor da causa, sem ponderação da relação entre a utilidade do serviço prestado e o seu custo, à luz do princípio da proporcionalidade, consagrado no art.º 18º, nº 2 da Lei Fundamental.
A questão da proporcionalidade entre o custo dos processos judiciais e equiparados, e a complexidade e os encargos e despesas diretamente emergentes da sua tramitação tem sido colocada relativamente a diversas disposições legais e regulamentares, destacando-se as seguintes:
a) O art.º artigo 50º, n.º 5 da Portaria n.º 282/2013, de 29-08, em conjugação com a tabela do Anexo VIII, que consagra uma remuneração adicional para o agente de execução, no domínio nas execuções, cujo montante varia em função do valor recuperado ou garantido, do momento processual em que o montante foi recuperado ou garantido, bem como da existência, ou não, de garantia real sobre os bens penhorados ou a penhorar, e que poderá variar entre os 2% e os 10% do valor recuperado ou garantido;
b) O art.º 6º, nº 7 do Regulamento das Custas Processuais, conjugado com o nº 13 da Tabela I anexa àquele, dos quais decorre que nas causas de valor superior a €275.000,00, para além do valor “base” de 16 UC (correspondente a €1.632,00, visto que o valor da UC é de €102); acrescem 3 UCs (€306,00) por cada €25.000,00 ou fração que exceda aquele montante;
c) O art.º 18º. nº 2 da Portaria nº 278/2013, que consagra, relativamente aos honorários do Notário em inventário notarial, um mecanismo em tudo idêntico ao descrito em b), incluindo quanto aos montantes;
Em todos estes domínios, a jurisprudência dos Tribunais da Relação, do Supremo Tribunal de Justiça, e do Tribunal Constitucional tem considerado, de modo uniforme, que as citadas disposições legais devem ser interpretadas à luz dos art.ºs 18º, nº 2 e 20º da Constituição da República, de modo a que se estabeleça uma relação de proporcionalidade e adequação entre os custos inerentes à aplicação destes mecanismos remuneratórios, e o valor intrínseco da atividade que a justifica, de modo a que não constituam um obstáculo ao pleno exercício do direito constitucional de acesso ao Direito e aos Tribunais.
Esta corrente jurisprudencial assenta num processo interpretativo que alguma doutrina qualifica de interpretação conforme à Constituição.
Sobre esta matéria diz JORGE MIRANDA[14]:
“Trata-se, antes de mais, de levar em conta, dentro do elemento sistemático da interpretação, aquilo que se reporta à Constituição. Com efeito, cada disposição legal não tem somente de ser captada no conjunto das disposições da mesma lei e cada lei no conjunto da ordem Legislativa; têm outro sim de se considerar no contexto da ordem constitucional; e isso tanto mais quanto mais se tem dilatado, no século XX, a esfera de ação desta como centro de energias dinamizadoras das demais normas da ordem jurídica positiva.
A Chamada interpretação conforme à Constituição repousa nesta base. Mas vem a ser mais do que a aplicação de uma regra de interpretação. É um procedimento regra própria da fiscalização da constitucionalidade, que se justifica em nome de um princípio de economia do ordenamento ou de máximo aproveitamento dos actos jurídicos - e não de uma presunção de constitucionalidade da norma.
A interpretação conforme à Constituição não consiste tanto em escolher, entre vários sentidos possíveis e normais de qualquer preceito, o que seja mais conforme com a Constituição quanto em discernir no limite - na fronteira da inconstitucionalidade- um sentido que, conquanto não aparente ou não decorrente de outros elementos de interpretação, é o sentido necessário e o que se torna possível por virtude da força conformadora da Lei Fundamental. E são diversas as vias que, para tanto, se seguem e diversos os resultados a que se chega: desde a interpretação extensiva ou restritiva à redução (eliminando os elementos inconstitucionais do preceito ou do acto) e porventura, a conversão (configurando o acto sobre a veste de outro tipo constitucional).
O juízo sobre a constitucionalidade ou inconstitucionalidade da norma legal vai estear-se então nessa interpretação, pelo que ficam, doravante, excluídas quaisquer outras já conhecidas e mesmo com esta era outras que venham depois a ser formuladas - pelo menos no processo em curso ou até o órgão de fiscalização optar por um sentido diferente daquele que deu ao pronunciar-se pela não inconstitucionalidade.
A interpretação conforme à Constituição implica naturalmente uma posição muito ativa e quase criador do controlo constitucional e de verdadeira autonomia das entidades que promovem em Face dos órgãos legislativos.  Não pode, no entanto, deixar de estar sujeita a um requisito de razoabilidade: ela terá de se meter aí onde o preceito legal, interpretado conforme à Constituição fique privado de função útil, ou onde, segundo o entendimento comum, seja incontestável que o legislador ordinário acolheu critérios e soluções opostos aos critérios e soluções do legislador constituinte. Por outro lado, não custa pressentir os riscos de distorção e de insegurança jurídica que pode envolver.”
Trata-se, assim, de uma interpretação conforme à Constituição, segundo a qual, em determinadas situações em que o resultado da aplicação daqueles preceitos redunde numa manifesta desproporção entre os honorários do Sr. Notário, calculados de acordo com uma estrita interpretação declarativa, assente apenas no elemento literal, do art.º 18º, nº 2 da Portaria 278/2013 e da tabela constante do anexo I e a atividade desenvolvida pelo Sr. Notário, se deve interpretar os mesmos preceitos, no sentido de que os mesmos não consagram um mecanismo rígido de cálculo desses honorários, antes permitem a redução do seu montante, na estrita medida do necessário para assegurar o respeito do princípio da proporcionalidade.
Neste sentido, vejam-se os seguintes arestos:
a) Sobre o art.º 50º, nº 5 da Portaria nº 282/2013:
- RP 10-01-2017 (Mª Cecília Agante), p. 15955/15.2T8PRT.P1;
- RC 11-04-2019 (Manuel Capelo), p. 115/18.9T8CTB-G.C1;
- RE 23-04-2020 (Albertina Pedroso), p. 252/14.9TBVRS-E.E1;
- RG 11-02-2021 (Mª dos Anjos Nogueira), p. 2806/17.2T8VNF-C.G1;
- RL 23-02-2021 (Cristina Maximiano), p. 3830/14.2YYLSB-A.L1-7;
- RL 25-02-2021 (Carlos Castelo Branco), p. 22785/19.0T8LSB-A.L1-2;
- RG de 25-11-2021 (Espinheira Baltar), p. 365/19.0T8CHV.G1;
- RG 11-05-2022 (José Cravo), p. 1742/21.2T8VCT-A.G1;
- RC 24-01-2023 (Arlindo Oliveira), p. 1393/20.9T8ACB-E.C1;
- RL 28-03-2023 (Micaela Sousa), p. 5893/19.5T8FNC.L1[15];
- STJ 18-01-2022 (Mª João Vaz Tomé), p. 9317/18.7T8PRT.P1.S1;
- STJ 02-06-2021 (Ferreira Lopes), p. 3252/17.3T8OER-E.L1.S1;
b) Sobre o art.º 6º, nº 7 do RCP:
- RE 27-01-2017 (Jaime Pestana), p. 534/04.8TBABT.E2;
- STJ 20-05-2021 (Manuel Capelo), p. 5745/16.0T8LSB.L1.S1;
- TC 421/2013, p. 907/2012, no qual se decidiu “Julgar inconstitucionais, por violação do direito de acesso aos tribunais, consagrado no artigo 20.º da Constituição, conjugado com o princípio da proporcionalidade, decorrente dos artigos 2.º e 18.º, n.º 2,segunda parte, da Constituição, as normas contidas nos artigos 6.º e 11.º, conjugadas com a tabela I-A anexa, do Regulamento das Custas Processuais, na redação introduzida pelo Decreto -Lei n.º 52/2011, de 13 de abril, quando interpretadas no sentido de que o montante da taxa de justiça é definido em função do valor da ação sem qualquer limite máximo, não se permitindo ao tribunal que reduza o montante da taxa de justiça devida no caso concreto, tendo em conta, designadamente, a complexidade do processo e o caráter manifestamente desproporcional do montante exigido a esse título.”;
c) Sobre o art.º 18º, nº 2 da Portaria 278/2013:
- RP 13-09-2016 (Luís Cravo), p. 191/16.9YRPRT;
- RP 18-06-2020 (Carlos Portela), p. 4248/19.6T8OAZ.P1
- TC 803/2017 p. 846/16 (seguindo jurisprudência anterior, nomeadamente o  TC 421/2013 p. 917/2012) que decidiu “julgar inconstitucional a norma constante do artigo 18.º, n.º 2, da Portaria n.º 278/2013, de 26 de Agosto, na redacção conferida pela Portaria n.º 46/2015, de 23 de Fevereiro, conjugada com a tabela anexa I, no sentido de que o montante dos honorários notariais devidos em processo de inventário de valor superior a €275.000, sofre acréscimo de 3 UC por cada €25.000 ou fracção, sem limite máximo, não permitindo que os mesmos sejam fixados de acordo com a complexidade e tempo gasto.”
Na apreciação do caso dos autos releva especialmente o exposto no acórdão do Tribunal Constitucional nº 803/2017, no qual se expôs:
“10. O Tribunal Constitucional já se pronunciou por diversas vezes sobre os limites que a Constituição impõe ao legislador na fixação de custas processuais, face aos parâmetros de constitucionalidade invocados pelos recorrentes: a garantia do acesso ao direito e aos tribunais (artigo 20.º, n.º 1, da Constituição) e a limitação da sua restrição pelo princípio da proporcionalidade (artigo 18.º, n.º 2, da Constituição).
O direito de acesso ao direito e à tutela jurisdicional é, ele mesmo, um direito fundamental constituindo uma garantia imprescindível da proteção de direitos fundamentais, sendo, por isso, inerente à ideia de Estado de direito (cfr. Gomes Canotilho  Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa Anotada, Vol. I, 4.ª Edição, Coimbra Editora, Coimbra, p. 408), a que é aplicável o regime dos direitos, liberdades e garantias, por ter natureza análoga àqueles que estão enunciados no título II da Constituição (art.º 17.º da Constituição), como se afirmou, entre muitos, no Acórdão n.º 301/2009: Na verdade, o Estado encontra-se constitucionalmente vinculado a uma actividade prestativa que satisfaça o direito dos cidadãos de acesso à justiça (artigo 20.º da CRP). Este direito corresponde a um direito fundamental dotado da força jurídica própria dos direitos, liberdades e garantias, pelo que o princípio da proporcionalidade, sempre vigente, como princípio básico do Estado de direito, em qualquer campo de actuação estadual que contenda com interesses dos particulares, encontra aqui uma qualificada expressão aplicativa (artigo 18.º, n.º 2, da CRP), reafirmando o já referido no Acórdão n.º 364/2004.
Quer isto dizer que as medidas que limitem o acesso aos serviços de justiça (como a imposição de custas processuais elevadas) constituem uma restrição a um direito fundamental, estando a respetiva regulação submetida ao regime das leis restritivas dos direitos, liberdades e garantias (Lopes do Rego, O direito fundamental de acesso aos Tribunais e a reforma do processo civil, Estudos em Homenagem a Cunha Rodrigues, vol. I, 2001, p. 736). Em particular, tal compressão do direito de acesso à justiça depende de autorização constitucional, deve dirigir-se à salvaguarda de outro interesse ou direito constitucionalmente protegido, subordinar-se ao princípio da proporcionalidade, e constar de lei geral e abstrata, com efeitos não retroativos (artigo 18.º da Constituição).
Em consequência, o acesso aos serviços de justiça não pode ser obstaculizado por exigências desproporcionadas de carácter económico impostas às partes, porque esse acesso é negado não só quando o interessado não tiver meios económicos suficientes, mas também quando ele tiver meios económicos suficientes, mas lhe for pedido, em termos de custas ou equivalente, algo de desproporcionado (Miguel Teixeira de Sousa, A jurisprudência constitucional e o direito processual civil, XXV Anos de Jurisprudência Constitucional Portuguesa, Coimbra Editora, Coimbra, p. 75). Na expressão do Acórdão n.º 301/2009, o direito de acesso aos serviços de justiça seria esvaziado se ao legislador fosse dado fixar montantes de custas judiciais de tal forma elevados que perdessem toda a conexão razoável com o custo e o valor do serviço prestado. Pois, desse modo, o custo da justiça não poderia ser suportado, sem sacrifícios inexigíveis, pela generalidade dos cidadãos, constituindo um obstáculo insuperável ao exercício de um direito que a Constituição reconhece. Nesta perspetiva, para satisfação adequada do direito de acesso aos tribunais, na sua dimensão prestacional, impõe-se, não apenas a remoção, através do sistema de apoio judiciário, das incapacitações causadas por insuficiência de meios dos mais carenciados para pagar taxas, ainda que de montante ajustado, mas também a fixação dessas taxas em valores não excessivamente gravosos, para o universo de todos aqueles que não estão isentos do seu pagamento ou não beneficiam das reduções previstas. Ambas as vertentes se encontram cobertas pela proibição de denegação de justiça por insuficiência de meios económicos.
11. Embora acabe por não retirar consequências dessa afirmação no plano do controlo de proporcionalidade, a decisão recorrida começa por afastar o paralelismo ou a similitude entre a tributação processual a título de taxa de justiça e a fixação de honorários notariais, invocando a desjudicialização do processo de inventário. Não se vê, porém, que estejamos, por via dessa opção legislativa, perante tributo fundamentalmente distinto da taxa de justiça, porque compreendido na categoria, mais vasta, das custas processuais, onde aquela também se inscreve.
 Na verdade, pese embora o processo de inventário não comportar a tradicional estrutura de conflito entre um autor e réu (comporta interessados, principais e secundários), não deixa de assumir natureza predominante contenciosa, constituindo espécie processual onde se discutem e decidem questões em que se envolvem interesses que são, muito frequentemente, não apenas diferentes, mas verdadeiramente conflituantes (cfr. Margarida Costa Andrade e Afonso Patrão, A desjudicialização do processo de inventário - novas tarefas para o Notário no ordenamento jurídico português, Curso sobre o novo regime do processo de inventário, Centro de Estudos Notariais e Registais, 2009).
Nessa medida, neste processo resolvem-se conflitos de interesses privados, através de decisões do notário (desde a aprovação do RJPI pela Lei n.º 23/2013, de 5 de março), tomadas mesmo contra a vontade de algum dos interessados na partilha: assim acontece, por exemplo, na decisão das reclamações quanto à relação de bens (n.º 3 do art. 35.º RJPI), na decisão de reclamações contra o mapa da partilha(n.º 3 do artigo 63.º RJPI), no reconhecimento de dívidas não aprovadas por todos os interessados (art.º 39.º RJPI), na aplicação da sanção civil por sonegação de bens (n.º 4 do artigo 35.º RJPI) ou até na condenação dos interessados em multa (n.º 5 do artigo 32.º RJPI).
A intervenção do tribunal está reservada, para além da homologação da partilha (art.º 66.º RJPI), à resolução de questões que, pela sua complexidade devam ser discutidas em ação judicial autónoma, seja porque o notário não as decidiu e remeteu as partes para os meios judiciais comuns (n.º 1 do artigo 16.º e n.º 3 do artigo 57.º RJPI), seja porque tomou uma decisão provisória (n.º 2 do artigo 17.º e n.º 3 do artigo 36.º RJPI). O tribunal surge ainda como instância de recurso de algumas decisões do notário vg. a decisão de não remeter as partes para os meios judiciais comuns (n.º 4 do artigo 16.º), o despacho determinativo da forma da partilha (n.º 4 do artigo 57.º RJPI), e da reclamação da nota final de honorários e despesas (n.º 2 do artigo 24.º da Portaria 278/2013, de 26 de agosto (na versão que lhe foi conferida pela Portaria n.º 46/2015, de 23 de fevereiro).
Quer isto dizer que, no processo de inventário, permanece verdadeiramente em causa o recurso dos interessados a serviços de justiça, solicitando do Estado, na dimensão prestativa da função jurisdicional, a tramitação de um processo que ponha termo a uma situação de comunhão patrimonial e, se for o caso, resolva as controvérsias suscitadas a esse propósito. O que assume ainda mais relevância em casos, como o presente, em que o recurso ao processo de inventário é uma imposição legal, não se admitindo aos cônjuges pôr fim à comunhão por outra via (cfr. art.º 740.º CPC e 81.º RJPI).
Nestes termos, em face das feições do processo de inventário, as normas que fixam o valor a cargo dos interessados devem ser orientadas pelos mesmos critérios jurídico-constitucionais que determinam o valor das custas judiciais. O facto de o processo de inventário ter, por decisão do legislador democrático, sido transferido dos Tribunais para os Cartórios Notariais não tem, do ponto de vista dos interessados, qualquer consequência na natureza dos custos que lhes cabem; mantém-se uma contraprestação pela utilização de serviços de justiça uma taxa -, independentemente da configuração dos poderes públicos materialmente conferidos ao notário.
Note-se que, ainda que perante problema de índole diversa, o Tribunal já teve oportunidade de sublinhar que o acesso ao processo de inventário se coloca no âmago do direito de acesso ao direito e aos tribunais consagrado no n.º 1 do artigo 20.º da Constituição e da centralidade das funções atribuídas ao notário no RJPI, sem paralelo face a outros agentes privados com participação no sistema de justiça: decorrendo a atribuição de competências aos notários, para a tramitação do processo de inventário, de uma opção vinculativa do legislador de transferir para o setor privado competências públicas antes exercidas pelos tribunais, parece claro que os notários assumem, a este nível de intervenção, um papel substitutivo central que não é comparável com aquele que os advogados ou solicitadores no sistema de justiça, representando ou patrocinando as partes (Acórdão n.º 28/2016). Também em relação aos intervenientes acidentais, o Tribunal acentuou a indissociabilidade entre a respetiva remuneração e a compressão do acesso ao direito e aos tribunais por via do custo exigido pelo serviço de justiça. Assim, no Acórdão n.º 656/2014, apreciando normas relativas à remuneração de peritos em processo judicial, é referido que constituindo a remuneração dos intervenientes acidentais no processo um encargo do processo, o seu valor releva para o apuramento do montante devido a título de custas pela parte que vier a ser condenada no seu pagamento; Desta forma, qualquer aumento na remuneração do perito tem inevitavelmente consequências no montante das custas a pagar, convocando-se o controlo exercido pela jurisprudência constitucional em sede de custas judiciais.
Assim deve acontecer igualmente com os honorários notariais, cabendo salientar que, mesmo no quadro da sua função tradicional dar forma aos atos extrajudiciais - o Notário é, por essência, um «serviço público» mesmo quando «privatizado» (Lopes Cardoso, cit., p. 6), profissional liberal que atua de modo independente e imparcial, dando fé pública aos atos que titula, sendo incindível a sua natureza pública e privada (PEDRO GONÇALVES, in Entidades Privadas com Poderes Públicos, Almedina, 2008, pp. 585-589, acentua as características particulares da função notarial, reunindo-se na pessoa do notário duas posições: a de profissional liberal e a de titular de um ofício público).  Por ser assim, o Tribunal ponderou no Acórdão n.º 115/2002 os montantes devidos a título de emolumentos notariais pela elaboração de uma escritura pública como taxa, apreciando a licitude da sua indexação ao valor do ato (sem qualquer limite máximo) e correspetividade justamente à luz dos mesmos critérios que aplicou quanto ajuizou da legitimidade constitucional de normas reguladoras das taxas de justiça, em sentido próprio.
Conclui-se, então, que não importando a desjudicialização do processo de inventário a modificação da sua substância, o custo a cargo dos interessados na partilha também não se afasta, na sua essência, do que era exigido às partes quando o mesmo processo era tramitado em Tribunal. E, nessa medida, sem prejuízo da adaptação devida pela diferente escala e estrutura de custos de um Cartório Notarial, para mais sujeito a mecanismos de mercado vs. a repartição do financiamento do sistema judicial no seu conjunto, é inteiramente convocável para a resposta a dar ao problema em apreço o lastro jurisprudencial que versou as normas de fixação da taxa de justiça, conformadas em termos similares àquela aqui em exame.
12. A jurisprudência do Tribunal em matérias referentes à natureza jurídica das custas judiciais e, bem assim, relativas à fixação do seu valor, no contexto do Regulamento das Custas Processuais (RCP), encontra-se sintetizada no Acórdão n.º 361/2015. Este aresto, tal como outros que nele vêm citados, com destaque para o Acórdão n.º 421/2013, pronunciou-se sobre dimensão normativa idêntica à impugnada nos presentes. Com efeito, os valores constantes da tabela I introduzida no RCP pelo Decreto-Lei n.º 52/2011, de 13 de abril, são replicados na tabela Anexa I, na redação conferida pela Portaria n.º 46/2015 à Portaria n.º 278/2013, com exceção da menção a uma terceira coluna (coluna B), relativa aos valores reduzidos, inexistente na regulação dos honorários notariais. Lê-se no Acórdão n.º 361/2015:
«6. O Tribunal Constitucional já por diversas vezes teve a oportunidade de se pronunciar sobre normas respeitantes à incidência de taxa de justiça, mormente, no que aqui releva, quanto aos critérios de fixação do seu montante, no confronto com os parâmetros invocados no recurso (cfr., por exemplo, Acórdãos n.ºs 352/91, 1182/96, 521/99, 349/02, 708/05, 227/07, 255/07, 471/07 e 301/09), sempre considerando que, não impondo a Constituição a gratuitidade da utilização dos serviços de justiça, o legislador dispõe de uma larga margem de liberdade de conformação, competindo-lhe repartir os pesados custos do funcionamento da máquina da justiça, fixando a parcela que deve ser suportada pelos litigantes e a que deve ser inscrita no orçamento do Estado. Sem postergar, porém, a vinculação decorrente da tutela do acesso ao direito e à justiça, direito fundamental consagrado no artigo 20.º da Constituição, incompatível com a fixação de taxas de tal forma elevadas que percam um mínimo de conexão razoável com o custo e a utilidade do serviço prestado e, na prática, impeçam pela sua onerosidade a generalidade dos cidadãos de aceder aos Tribunais.
Assim, e sempre que se pronunciou sobre o domínio de regulação em apreço, o Tribunal não afastou a solvabilidade constitucional, em geral, de critério normativo de fixação do montante da taxa de justiça radicado no valor da causa, enquanto padrão de aferição da correspetividade do tributo. Daí que não tenham merecido censura soluções legais de tributação que, mesmo que determinadas em exclusivo por critérios de valor da ação, não conduziram, nos concretos casos em apreço, à fixação de taxa de justiça evidentemente desproporcionada (cfr. Acórdãos n.º, 349/2001, 151/2009, 301/2009 e 534/2011). Mas, por outro lado, sempre que o funcionamento do critério tributário assente no valor da ação - maxime a ausência de um teto máximo ou de mecanismos moderadores do seu crescimento linear em ações de maior valor levou a uma manifesta desproporção entre o valor cobrado de taxa de justiça e o custo implicado no serviço de justiça, o Tribunal considerou as normas que a tal conduziram merecedoras de censura constitucional (cfr. Acórdãos n.º 227/2007, 471/2007, 116/2008, 301/2009, 266/2010, 421/2013, 604/2013, 179/2014 e 844/2014).
Na síntese do Acórdão n.º 421/2013, citado aliás na promoção para que remete a decisão recorrida: o que determinou tais julgamentos, incluindo estas últimas decisões de não inconstitucionalidade, foi a ideia central de que a taxa de justiça assume, como todas as taxas, natureza bilateral ou correspetiva, constituindo contrapartida devida pela utilização do serviço público da justiça por parte do respetivo sujeito passivo. Por isso que, não estando nela implicada a exigência de uma equivalência rigorosa de valor económico entre o custo e o serviço, dispondo o legislador de «uma larga margem de liberdade de conformação em matéria de definição do montante das taxas», é, porém, necessário que «a causa e justificação do tributo possa ainda encontrar-se, materialmente, no serviço recebido pelo utente, pelo que uma desproporção manifesta ou flagrante com o custo do serviço e com a sua utilidade para tal utente afeta claramente uma tal relação sinalagmática que a taxa pressupõe».
Essa mesma doutrina foi acolhida nos Acórdãos n.º 508/2015 e 155/2017, em ambos os casos culminando pela prolação de juízo positivo de inconstitucionalidade.
13. Aqui chegados, estando também no campo de regulação em apreço verificada a ausência de mecanismos corretivos, seja por o critério normativo não prever limites máximos, seja por não comportar intervenção judicial moderadora quando se mostre que conduziu efetivamente a uma quantia desproporcionada a cargo dos interessados, há que determinar se o quantum fixado como contrapartida do serviço de justiça prestado pelo cartório notarial evidencia um excesso ou se, ao invés, ainda apresenta uma conexão razoável com o custo e a utilidade do serviço prestado (Acórdão n.º 731/2013).
Não sofre dúvida que o processo em presença revestiu tramitação linear e simplificada, para o que contribuiu o acordo atingido na conferência preparatória (o que, recorde-se, determinava na versão originária da Portaria n.º 278/2013, a redução da 2.ª prestação; in casu, os honorários notariais a pagar nesse regime seriam de 11.385,00€ cfr. despacho de fls. 99 a 102). Correspondentemente, a alocação de tempo e recursos, humanos e materiais, que determinou ao prestador do serviço, de acordo com padrões médios de eficiência, apenas pode ser tida como relativamente reduzida. Por outro lado, pese embora o valor patrimonial partilhado, a utilidade retirada da lide pelos interessados é de certo modo mitigada pela sua determinação exógena, porquanto imposta por execução pendente contra um dos cônjuges e pela penhora de bem comum.
Estas considerações aproximam o caso vertente de outras situações em que, perante a exigência de valores de custas processuais na mesma ordem de grandeza e tramitação simplificada, o Tribunal conclui pela ilegitimidade constitucional. Foi o caso, por exemplo, do Acórdão n.º 266/2010, que censurou norma de tributação processual na parte em que dela resulta que as taxas de justiça devidas por um recurso de agravo de um despacho interlocutório, interposto por quem não é parte na causa, sendo a questão de manifesta simplicidade e tendo o recurso seguido uma tramitação linear, ascendem ao montante global de 15.204,39€, determinado exclusivamente em função do valor da ação, sem o estabelecimento de qualquer limite máximo, e na medida em que não se permite que o tribunal reduza o montante da taxa de justiça devida no caso concreto, tendo em conta, designadamente, a natureza e complexidade do processo e o caráter manifestamente desproporcionado desse montante.
É certo que, noutros casos em que foi proferido julgamento positivo de inconstitucionalidade, estavam em equação valores de custas processuais significativamente superiores em valor absoluto, de que são exemplo os Acórdãos n.ºs 471/2007 (123.903,43€), 309/2009 (253.033,92€), 421/2013 (118.360,80€), 844/2014 (59.720,04€), 508/2015 (50.697,41€) e 155/2017 (327.756,60€). Tal diferente ordem de grandeza levou, recorde-se, o tribunal recorrido a cotejar os valores em equação nos presentes autos e no processo julgado pelo Acórdão n.º 421/2013 e a afirmar a dissemelhança entre os dois processos, que se tornaria patente face aos concretos quantitativos de montante tributário fixados em cada um. Todavia, a disparidade entre as duas situações (e entre o caso vertente e outras pronúncias a que se fez referência) é meramente aparente, pois deriva da operação de diferentes valores de ação. Na realidade, caso tivesse o presente inventário o mesmo valor da ação em que foi proferido o Acórdão n.º 421/2013 10.000.000,00€ o montante de honorários a satisfazer pelos requerentes ascenderia a valor superior àquele ponderado no aresto citado (120.666,00€, a que acresceria IVA à taxa de 23%).
Temos, então, que, à semelhança do entendido no Acórdão n.º 421/2013, que o sentido normativo sindicado, segundo a qual o montante de honorários notariais devidos pelos interessados em processo de inventário, findo em conferência preparatória por acordo dos interessados, cujo valor ascende a 1.133.910,00€, definido em função do valor do inventário, sem qualquer limite máximo ou ponderação corretiva das especificidades da situação concreta (utilidade económica da causa, complexidade do processado e comportamento das partes), e resultando, no caso, a responsabilidade pelo pagamento, a esse título, do valor de 15 180,66, comporta uma restrição desproporcionada do direito de acesso ao direito e à tutela jurisdicional, por manifestamente desprovido de conexão razoável com o custo e a utilidade do serviço prestado.”
A argumentação e conclusões vertidas no trecho citado têm inteira aplicação no caso vertente, na medida em que ali se concluíu pela inconstitucionalidade do preceito, na dimensão normativa exposta.
Com efeito, no caso dos autos o valor global dos bens que compõem a herança e, consequentemente, o valor dos honorários calculados por estrita aplicação do art.º 18º, nº 2 da Portaria 278/2013 e da tabela constante do seu anexo 1 corresponde ao dobro dos valores considerados no acórdão do Tribunal Constitucional, sendo que, como veremos, o processo de inventário a que se reporta a presente apelação não se reveste de contornos de relevante dificuldade ou complexidade.
Nesta conformidade, subscrevemos inteiramente o juízo de constitucionalidade manifestado pelo Tribunal Constitucional no citado ac. 803/2017.
Um tal juízo não imporá necessariamente que se desaplique tal preceito, na dimensão interpretativa que é objeto de censura constitucional, abrindo espaço para uma interpretação conforme à Constituição, que salvaguarde o respeito pelo direito de acesso aos Tribunais, consagrado no art.º 20º através da ponderação casuística do valor dos honorários do Sr. notário.
Uma tal interpretação fará apelo ao princípio da proporcionalidade, e impõe a consideração do tempo despendido pelo Sr. Notário com o processo em apreço, e da apreciação quantitativa e qualitativa do trabalho nele desenvolvido.
Tarefa de que nos ocuparemos no ponto subsequente.
3.2.5. Da adequação do valor dos honorários à complexidade do inventário e ao tempo despendido
Aqui chegados cumpre então aferir da adequação entre os honorários devidos ao Sr. Notário e o trabalho por este desenvolvido, tendo em conta a sua duração temporal, dificuldade e complexidade.
Começaremos por considerar o valor dos honorários, calculado estritamente nos termos previstos no art.º 18º, nº 2 da Portaria nº 278/2013.
E fazendo-o, diremos que em nosso entender nesta parte não há que recalcular a 1ª e 2ª prestações, na medida em que as mesmas correspondem a meros adiantamentos por conta do valor global de honorários.
Na verdade, como quer que sejam calculadas, as mesmas mostram-se pagas e, sendo mero adiantamento dos honorários devidos a final, relevam apenas enquanto tal.
Como já mencionámos, o valor da causa a considerar é de €2.606.359,00, valor esse que excede largamente o limite de €275.000,00.
Assim, uma vez que é aplicável a tabela prevista na coluna A da tabela constante do anexo I à Portaria 278/2013[16], o valor dos honorários relativos à parte que não excede €275.000, correspondente a 16 UCs, pelo que se cifra em €1.632,00 (16 x 102€ = 1.632€).
A parte sobrante, €2.331.359 (2.606.359,00€ – 275.000€) corresponde a 94 parcelas de €25.000,00 ou fração (2.331,55€ : 25.000€ = 93,25€).
Por cada uma dessas parcelas é devida a quantia de 3 UCs, ou seja €306,00 (102€ x 3 = 306€).
Donde, o valor dos honorários respeitantes à parte sobrante seria de €28.764,00 (94 x 306 = 28.764€).
Assim, o valor global dos honorários do Sr. Notário, calculados nos termos estritamente decorrentes de uma interpretação meramente declarativa da Portaria 278/2013 seria de €30.396,00 (1.632€ + 28.764€ = 30.396€).
Apreciando a duração do processo de inventário e o trabalho prestado pelo Sr. Notário, destacam-se as seguintes condicionantes:
- Trata-se da partilha de uma herança composta por um único bem imóvel
- Estão envolvidos 14 herdeiros;
- O requerimento inicial foi apresentado em 26-03-2019;
- A conferência de interessados realizou-se em 15-07-2021, e na mesma foi alcançado acordo entre os interessados, que calcularam o valor dos respetivos quinhões.
Atenta a forma como terminou, e o facto de envolver apenas um bem, é de considerar que se tratou de um processo cuja resolução não exigiu esforço técnico significativo, não obstante tenha demandado algum trabalho acrescido, em função do número de interessados envolvidos. Quanto ao tempo que demorou o processo, há que ter presente que o mesmo decorreu em pleno período da pandemia COVID19, com todos os transtornos e dificuldades inerentes, o que significa que a duração total do processo não reflete a complexidade do mesmo, mas é, em significativa medida, resultado desses constrangimentos.
Nesta conformidade, afigura-se equilibrado e proporcional reduzir o valor global dos honorários relativos ao processo em 50%[17], cifrando-se os mesmos em €15.198,00[18].
A este valor acresce o montante respeitante às despesas.
Assim sendo, deverá o Sr. Notário elaborar nova nota de honorários e despesas, considerando o supra exposto.
Termos em que se conclui pela parcial improcedência da presente apelação.
3.2.7. Das custas
Nos termos do disposto no art.º 527º, nº 1 do CPC, “A decisão que julgue a ação ou algum dos seus incidentes ou recursos condena em custas a parte que a elas houver dado causa ou, não havendo vencimento da ação, quem do processo tirou proveito.”
A interpretação desta disposição legal, no contexto dos recursos, deve atender ao elemento sistemático da interpretação.
Com efeito, o conceito de custas comporta um sentido amplo e um sentido restrito.
No sentido amplo, as custas tal conceito inclui a taxa de justiça, os encargos e as custas de parte (cf. art.ºs 529º, nº 1, do CPC e 3º, nº1, do RCP).
sentido restrito, as custas são sinónimo de taxa de justiça, sendo esta devida pelo impulso do processo, seja em que instância for (arts. 529º, nº 2 e 642º, do CPC e 1º, nº 1, e 6º, n.ºs 2, 5 e 6 do RCP).
O pagamento da taxa de justiça não se correlaciona com o decaimento da parte, mas sim com o impulso do processo (vd. art.ºs 529º, nº 2, e 530º, nº 1, do CPC). Por isso é devido quer na 1ª instância, quer na Relação, quer no STJ.
Assim sendo, a condenação em custas a que se reportam os art.ºs 527º, 607º, nº 6, e 663º, nº 2, do CPC, só respeita aos encargos, quando devidos (art.ºs 532º do CPC e 16º, 20º e 24º, nº 2, do RCP), e às custas de parte (art.ºs 533º do CPC e 25º e 26º do RCP).
Tecidas estas considerações, resta aplicar o preceito supracitado.
E fazendo-o diremos que sendo a presente apelação parcialmente procedente, as custas relativas ao presente recurso devem ser integralmente suportadas por apelantes e apelados, na proporção dos respetivos decaimentos.
4. Decisão
Pelo exposto, acordam os juízes nesta 7ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa em julgar a presente apelação parcialmente procedente, alterando a decisão recorrida, reduzindo o valor global dos honorários relativos ao processo em 50%, cifrando-se os mesmos em €15.198,00, quantia à qual acrescerá a quantia respeitante às despesas, bem como os honorários respeitantes ao incidente, devendo o Sr. Notário elaborar nova nota de honorários e despesas em conformidade com o exposto.
Custas por apelantes e apelado, na proporção dos respetivos decaimentos.

Lisboa, 28 de março de 2023
Diogo Ravara
Ana Rodrigues da Silva
Micaela Sousa
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[1] Seguimos de perto o relatório da sentença apelada, ao qual acrescentámos as referências respeitantes às incidências subsequentes.
[2] Refª 417322824, de 06-07-2022
[3] As contra-alegações apresentadas não contêm qualquer conclusão com o nº 13.
[4]  Neste sentido cfr. Abrantes Geraldes, “Recursos no Novo Código de Processo Civil”, 5ª Ed., Almedina, 2018, pp. 114-116.
[5] Vd. Abrantes Geraldes, ob. cit., p. 116.
[6] Aprovado pela Lei nº 23/2013, de 05-03, e revogado pela Lei nº 117/2019, de 05-03. Este diploma será, doravante, designado pela sigla “RJPI”.
[7]
[8] Pontos 10, 11, e 16 dos factos provados.
[9] Que compreendem os honorários notariais e as despesas – art. 15º, nº 1 da Portaria278/2013.
[10] Pontos 13 e 14 dos factos provados.
[11] Ponto 15 dos factos provados.
[12] Ponto 16 dos factos provados.
[13] “Os incidentes da instância”, 10ª ed., Almedina, 2019, pp. 61-62.
[14] “Manual de Direito Constitucional”, tomo II, 2ª ed. (reimpressão), Coimbra Editora, 1985, pp. 232-234.
[15] Proferido nesta mesma data, sendo sua relatora a aqui 2ª adjunta.
[16] Dado que a coluna B se reporta a casos de especial complexidade, sendo certo que a aplicação desse estatuto exigiria a prolação de decisão fundamentada que, no caso, não foi proferida – vd. art. º da mesma portaria.
[17] Decidindo em termos idênticos, numa situação de contornos semelhantes, vd., o citado ac. RP 18-06-2020 (Carlos Portela), p. 4248/19.6T8OAZ.P1.
[18] 30.396 : 2 = 15.198.