Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
534/04.8TBABT.E2
Relator: JAIME PESTANA
Descritores: TAXA DE JUSTIÇA
REMANESCENTE
DISPENSA
Data do Acordão: 01/26/2017
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Sumário: 1-A taxa de justiça constitui a contrapartida devida pela utilização do serviço público de justiça, dele recolhendo um benefício ou utilidade.
2-A dispensa de pagamento do remanescente da taxa de justiça (a liquidar adicionalmente, na parte em que o valor da causa exceda o montante de € 275.000,00 euros) não surge ope legis na esfera jurídica da parte vencedora, antes depende de um juízo casuístico e excepcional.
Decisão Texto Integral: Proc. n.º 534/04.8TBABT.E2 – 2.ª secção.


Acordam os Juízes da Secção Cível do Tribunal da Relação de Évora


Nos presentes autos de acção declarativa de condenação com processo ordinário intentado por (…) – Indústria de Celulose, S.A. contra Fundação (…), (…) IPSS e (…) -Instituto Português de (…) foi proferida decisão dispensando o A. do pagamento da totalidade do remanescente da taxa de justiça.


Inconformado recorreu o Exmo. Magistrado do Ministério Público tendo formulado as seguintes conclusões:

Recorre o Ministério Público inconformado com a douta decisão que de justiça por si devida nos autos à margem referenciados, com fundamento em que o A. não deve ser responsabilizado pelo remanescente da taxa de justiça, que “arrancou apenas da dedução de reconvenção, que se veio a revelar infundada”.

Na verdade, entende o MP que a douta decisão recorrida não faz correcta interpretação do disposto no art.º 6º, n.º 7, do RCP, designadamente na versão introduzida ao art.º 15º, nº 2 pela Lei 7/2012, de 13.02, aplicável à situação sub judice ex vi do art.º 8.º, n.º 1, parte final, da citada Lei 7/2012, pois que faz depender a dispensa de pagamento da taxa de justiça do directo impulso processual da parte, no caso, o reconvinte que é parte vencida na acção.

A taxa de justiça corresponde, pela sua natureza, a uma prestação pecuniária que, em regra, o Estado exige aos utentes do serviço judiciário, como contrapartida do serviço judicial desenvolvido, sendo fixada de acordo com o disposto no art.º 447.º, n.º 2, do CPC, em função do valor e da complexidade da causa, nos termos constantes do Regulamento das Custas Processuais e paga, em regra, integralmente e de uma só vez, no início do processo, por cada parte ou sujeito processual.

A sua exigência é a regra, mas existem excepções de isenção e dispensa desse pagamento - art.º 4º e 15º, respectivamente, do Reg. C. Processuais.

Também é certo que o pagamento de uma só vez constitui a regra, mas existem situações em que a delicadeza dos casos exige moderação nessa exigência, “permitindo-se um pagamento diferido de parte dessa taxa, nos termos previstos no art.º 14º do Reg. das Custas Processuais ou, como sucede no caso dos autos, quando o valor da causa é superior a 275.000,00 euros, o remanescente da taxa de justiça apenas é considerado na conta final, “salvo se a especificidade da situação o justificar e o juiz, de forma fundamentada, atendendo designadamente à complexidade da causa e à conduta processual das partes, dispensar o pagamento” – art.º 6º, n.º 7, al. d), Reg. C. P..

A criação e liquidação das taxas depende do cumprimento do princípio da equivalência, ao exigir que cada indivíduo contribua de acordo com o custo ou o valor das prestações de que usufrui, pelo que é fundamental a verificação de uma proporção adequada e justa entre o montante liquidado e o valor do serviço prestado.

Nos casos em que essa desproporção é visível, o tributo desliga-se completamente da prestação pública tornando numa receita abstracta e, logo, assumindo uma natureza de imposto.

O relevo deste critério de proporcionalidade dá sentido ao princípio vertido no art.º 6º, nº 7, do R.C.P., permitindo a flexibilização de um valor meramente aritmético – o valor da causa – adequando-o ao custo dos encargos suportados pelo Estado com aquela mesma causa, desde que o comportamento das partes não obste à concessão deste benefício, tornando-o imerecido.

Assim, o pagamento da taxa de justiça é exigido a quem, tendo essa possibilidade económica e não beneficiando de apoio judiciário, utiliza os serviços judiciários deles recolhendo um benefício ou utilidade.

A dispensa de pagamento do remanescente da taxa de justiça não surge assim ope legis na esfera jurídica da parte vencedora, antes depende de um juízo casuístico e excepcional.

E neste preceito os critérios de aplicação deste regime excepcional estão bem definidos, com recurso à complexidade da causa e conduta processual das partes.

No caso sub judice temos que o legal representante da R. foi condenado por litigância de má-fé, pelo que dificilmente percebemos a aplicação deste critério pois que a má-fé sempre tem implícita uma inadequada utilização dos meios processuais e uma censurabilidade de conduta que obstaria à aplicação deste instituto de natureza excepcional.

Mas ainda que se entenda que a decisão recorrida fez incidir este critério sobre a conduta do A., requerente da dispensa de pagamento, ao qual nada há a assacar em termos de censurabilidade de actuação e que seria o beneficiário directo da dispensa, note-se que subjacente ao preceito está uma alteração legislativa que teve como objectivo fazer recair sobre as partes litigantes e não sobre a generalidade dos cidadãos, através do Estado, o ónus de suportar os encargos daquele concreto processo.

Na verdade, o requerente é o beneficiário directo da dispensa mas, prevendo a lei a restituição do despendido através do reembolso das custas de parte – art.º 26.º RCP, tal dispensa beneficiaria o outro demandante, o que é, claramente, insuportável pela Ordem Jurídica.

Por outro lado, a causa não oferece uma simplicidade que justifique, sem mais, tal dispensa sendo reflexo dessa complexidade o facto de se tratar de acção pendente há mais de 10 anos, em cujo âmbito foi formulado pedido reconvencional, proferido despacho saneador que conheceu diversas excepções, realizado julgamento, proferida sentença, interpostos três recursos, conhecida, pelo menos, uma nulidade, serviços relativamente aos quais a A. alegou ter pago ao seu mandatário a quantia de 10.000,00 euros.

A Taxa de Justiça inicial foi paga no montante de 2.200,00 euros, impondo-se a sua correcção em face da demonstrada complexidade da causa sendo pressuposto da dispensa de pagamento do remanescente, pelo contrário, a sua simplicidade.

A evolução legislativa da regulamentação atinente à matéria das custas processuais deixou de fazer recair o ónus do pagamento integral da taxa de justiça directamente sobre a parte vencida, prevendo, outro sim, que fosse em primeira linha o litigante a suportar esses encargos, cuja restituição a parte vencedora pode obter, posteriormente, por reembolso das custas de parte.

O Ac. STJ doutamente citado na decisão recorrida tem como objecto determinar se “o exercício do poder-dever conferido ao juiz pelo nº 7 do art.º 6.º do RCP, aprovado pela Lei 17/2012, de flexibilizar o montante global da taxa de justiça devida em procedimentos de valor particularmente elevado – adequando à efectiva complexidade da causa e ao comportamento dos litigantes o valor remanescente da taxa de justiça a liquidar adicionalmente, na parte em que o valor da causa exceda o montante de 275.000,00 euros”.

Nesse sentido, recorre ao espírito do novo regulamento das Custas Processuais, aprovado pelo DL 34/2008, de 26.12, o qual “Procurou adequar o valor da taxa de justiça ao tipo de processo em causa e aos custos que, em concreto, cada processo acarreta para o sistema judicial, numa filosofia de justiça distributiva à qual não deve ser imune o sistema das custas processuais, enquanto modelo de financiamento dos tribunais e de repercussão dos custos da Justiça nos respectivos utilizadores”.

Aceita-se, pois, que o valor da causa é uma referência mas não pode ser o único critério de fixação do valor da taxa de justiça, estabelecendo o legislador um sistema misto que assenta no valor da acção e, também, na possibilidade de correcção da taxa de justiça, em função da complexidade da causa e dos custos que o sistema suportou, em razão dessa complexidade.

E aceita-se o vertido na conclusão 23º, sob pena de inconstitucionalidade, por violação do art.º 20.º da CRP conjugado com o principio da proporcionalidade, decorrente dos art.º 2º e 18º, 2, também da CRP, quando existir manifesta desproporção entre o valor cobrado a título de taxa de justiça e os custos implicados na acção, ou seja, quando a contrapartida da tramitação processual e o valor pedido pela utilização dos serviços violem o princípio da proporcionalidade e não se entenda possível a redução gradual do montante da taxa de justiça previsto na lei, tendo em conta, designadamente, a complexidade do processo e o carácter manifestamente desproporcional do montante exigido a esse título.

Os juízos de inconstitucionalidade vertidos em diversos Acórdãos do Tribunal Constitucional, designadamente Ac. 301/2009, 151/2009 e 534/2011, têm, justamente, subjacente esta “ideia central de que a taxa de justiça assume, como todas as taxas, natureza bilateral ou correspectiva, constituindo contrapartida devida pela utilização de um serviço público da justiça por parte do respectivo sujeito passivo.

Se assim é, não devendo ser aplicado o montante devido de taxa de justiça com base no cálculo meramente aritmético quando a causa seja manifestamente simples – quando, por exemplo, termina por desistência ou acordo, numa fase inicial –, também é igualmente verdade que não pode ser dispensado o seu pagamento, de forma linear, quando sendo a causa complexa se entende, simplesmente, desonerar as partes do seu pagamento.

Do texto do douto Ac. que citamos (STJ 12.12.2013) retira-se, claramente que são critérios a utilizar na aplicação do n.º 7 do art.º 6º do RCP, porque aferidores dessa necessária proporcionalidade, a utilidade ou valor económico dos interesses envolvidos, o comportamento adequado das partes, sem qualquer violação dos deveres da boa-fé e cooperação e a complexidade da causa.

Mais se retira é possível ao Juiz graduar a dispensa de pagamento do remanescente, não estando vinculado a uma dispensa total, podendo optar por dispensar parcialmente o pagamento.

Termos em que se conclui que a douta decisão violou o disposto no art.º 6.º, n.º 7, do R.C.P., que interpretou no sentido de ser possível ao Juiz dispensar as partes do pagamento do remanescente da taxa de justiça, sem apreciação do grau de simplicidade da causa, bastando-se em aferir que quem deu azo ao elevado valor da causa é parte vencida.

No entanto, o art.º 6º, nº 7, do RCP, actual redacção, deve ser interpretado no sentido de que esse normativo reveste carácter excepcional, só devendo ser aplicado quando a simplicidade da causa e o comportamento das partes, cumulativamente, justifiquem a concessão de tal benefício, assim se fazendo a costumada justiça.

A A. apresentou contra-alegações, pugnando pela improcedência do recurso.


Factualidade relevante

Em 3.5.2004 foi apresentada P.I., peticionando a condenação da R. no pagamento da quantia de 118.215,10 euros, acrescida de juros de mora, à taxa legal, desde a citação;

A 1.ª R. contestou e deduziu pedido reconvencional;

A 29.07.2011 foi proferida decisão final, no sentido de julgar a acção procedente e os pedidos reconvencionais improcedentes;

Ainda condenando o representante legal da R. como litigante de má-fé;

A R. e Manuel Pinto Ribeiro interpuseram recurso para o tribunal da relação de Évora;

A 5.7.2012 foi proferido acórdão no sentido da improcedência de ambos os recursos;

Foi novamente interposto recurso pela R. desta feita para o STJ e proferido acórdão, a 5.3.2013, negando a revista;

Foi apreciada uma nulidade conhecida por despacho proferido a 5.6.2013.


É pelas conclusões do recurso que se delimita o seu âmbito de cognição, salvo questões de conhecimento oficioso – artigos 639.º, CPC.

Discute-se a aplicabilidade ao caso da dispensa de pagamento do remanescente da taxa de justiça.

A taxa de justiça constitui a contrapartida devida pela utilização do serviço público de justiça.

Como refere o recorrente nas suas alegações a sua exigência é a regra, mas existem excepções de isenção e dispensa desse pagamento – art.º 4º e 15º, respectivamente, do Reg.. C. Processuais.

Também é certo que o pagamento de uma só vez constitui a regra mas existem situações em que a delicadeza dos casos exige moderação nessa exigência, permitindo-se um pagamento diferido de parte dessa taxa, nos termos previstos no art.º 14º do Reg. das Custas Processuais ou, como sucede no caso dos autos, quando o valor da causa é superior a 275.000,00 euros, o remanescente da taxa de justiça apenas é considerado na conta final, salvo se a especificidade da situação o justificar e o juiz, de forma fundamentada, atendendo designadamente à complexidade da causa ou à conduta processual das partes, dispensar o pagamento – art.º 6º, n.º 7, al. d), Reg. C. P..

É certo que o legal representante da R foi condenado como litigante de má-fé, mas a aplicação ao caso dos critérios de excepcionalidade previstos no art.º 6.º, n.º 7, do RCP, susceptíveis de conduzirem à dispensa de pagamento, incidiram sobre a conduta do A. a quem nenhuma censura pode ser feita no que respeita à sua conduta processual.

Subscrevemos integralmente a argumentação expendida na decisão recorrida.

«Em causa está o remanescente da taxa de justiça, a qual arrancou apenas da dedução de reconvenção, que se veio a revelar infundada. Logo, pela discussão atinente à mesma não deve ser responsabilizada a A., num contexto em que a R/reconvinte litigou com isenção de pagamento de taxa de justiça e demais encargos, apresentando pretensão de valor muito elevado.

Estamos perante uma acção em que foi deduzido pedido reconvencional.

Como se sabe o réu pode, em reconvenção, deduzir pedidos contra o autor. Há neste caso uma modificação do objecto da acção. Como refere o Prof J. A. dos Reis, in CPC Anotado, Vol. 3, pág. 96, esta, em vez de ficar circunscrita ao pedido formulado pelo autor, passa a ter também por objecto um pedido formulado pelo réu. Não se dá, neste caso, modificação do pedido do autor; o que sucede é que ao pedido enunciado por este acresce um pedido da iniciativa do réu. No fundo, há um cruzamento de acções: com a acção proposta pelo autor contra o réu cruza-se uma outra proposta por este contra aquele. É realmente este o verdadeiro significado da reconvenção: acção proposta pelo réu contra o autor, a qual se enxerta na que o autor propusera contra o réu.

Se para efeitos de valor da acção, ao pedido do autor, se deve somar o pedido reconvencional, para efeitos de aplicação da excepção prevista no art.º 6.º, n.º 7, RCJ, designadamente em sede de avaliação do requisito – complexidade da causa – nada obsta que se diferencie a actividade processual de uma e de outra das partes.

Da síntese dos principais actos processuais supra mencionados resulta que a acção só não foi de simples tramitação dada a conduta do R, conduta essa que culminou numa condenação por litigância de má-fé. Isto vale por dizer que, no que respeita à pretensão deduzida pelo A. estamos perante uma causa que não reveste qualquer complexidade.

Afigura-se-nos, pois, nada haver a censurar quando na decisão recorrida se refere que estando em causa o remanescente da taxa de justiça, a qual arrancou apenas da dedução de reconvenção, que se veio a revelar infundada, pela discussão atinente à mesma não deve o A ser responsabilizado. Entende-se que não se justifica, em termos de proporcionalidade e razoabilidade, o pagamento de todo o remanescente de taxa de Justiça (artigo 6.º, n.º 7, do RCP).

Por todo o exposto, acordam os Juízes da Secção Cível do Tribunal da Relação de Évora em julgar o recurso improcedente e, em consequência, confirmam a decisão recorrida.

Não são devidas custas.

Évora, 26 de Janeiro de 2017

Jaime Ferdinando Castro Pestana
Paulo Tavares de Brito Amaral
Francisco Rodrigues de Matos