Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
10371/18.7T8LSB.L1.L1-7
Relator: DIOGO RAVARA
Descritores: AUDIÊNCIA DE JULGAMENTO
FACTOS COMPLEMENTARES
NULIDADE PROCESSUAL
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 10/08/2019
Votação: UNANIMIDADE COM * DEC VOT
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PROCEDENTE
Sumário: I - Se no decurso da audiência de julgamento apuram indícios da ocorrência de factos não alegados pelas partes que devam ser qualificados como concretizadores, sem que às partes tenha sido conferida a possibilidade de sobre os mesmos se pronunciarem, vindo estes a ser considerados provados na sentença, ocorre manifesta preterição do disposto no art. 5º, nº 2, al. b) do CPC.
II - A situação descrita em I- não configura nulidade da sentença por excesso de pronúncia (art. 615º, nº 1, al. d) do CPC), nem constitui motivo para anulação do julgamento (art. 662º, nº 2 do CPC), antes configurando uma nulidade processual (art. 195º do CPC), que afeta a audiência de julgamento.
III - Tal nulidade determina a anulação dos atos posteriores ao encerramento da audiência, incluindo a sentença, devendo a audiência ser reaberta, dando-se às partes a possibilidade se se pronunciarem sobre os factos referidos em I-, seguindo-se os demais termos do processo, com aproveitamento de toda a prova produzida na audiência de julgamento que antecedeu a prolação da sentença recorrida.
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam os Juízes na 7ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa:

1. RELATÓRIO
Custódio …, contribuinte fiscal nº … intentou no Juízo Local Cível de Lisboa a presente ação declarativa de condenação, com processo comum, contra Bruno ..., e Seguradoras Unidas, S.A., pessoa coletiva nº …, invocando a ocorrência de um acidente de viação, pedindo a condenação destes a pagar-lhe a quantia de € 4.400,00 a título de indemnização por danos patrimoniais, e a quantia de € 15.00,00 a título de indemnização por danos não patrimoniais, acrescidas de juros de mora desde a citação até integral pagamento.
Para tanto alegou, em síntese, que em data e local que indica, quando atravessava uma rua num semáforo, e com a luz verde para os peões, foi embatido por veículo segurado na ré, que em consequência de tal atropelamento sofreu lesões no corpo e na cabeça que o obrigaram a um período de convalescença, e que em face do seu estado de saúde se encontra deprimido e com baixa autoestima.
Citados os réus, mas antes de ter sido apresentada qualquer contestação, veio o autor desistir da instância relativamente ao réu Bruno ..., tendo tal desistência sido homologada por sentença.
Posteriormente veio a ré contestar, impugnando substancialmente a factualidade alegada pelo autor na petição inicial, e sustentando que o acidente se deveu a conduta negligente do autor.
Conclui pela improcedência da ação, e pela sua absolvição do pedido.
Notificado da contestação, o autor apresentou requerimento pronunciando-se acerca do teor da mesma e sobre os documentos que a acompanharam, e requerendo a realização de diligências de prova.
Seguidamente foi proferido despacho no qual o Tribunal a quo julgou não escrita a matéria do requerimento acima referido, exceto na parte em que o autor se reporta a documentos juntos pela ré, e requer a realização de diligências de prova.
No mesmo despacho foi indeferida a pretensão do autor no sentido de serem desentranhados documentos juntos pela ré, foi fixado o valor da causa, dispensada a realização da audiência prévia, delimitado o objeto do litígio, e enunciados os temas de prova.
Realizada audiência de julgamento, foi proferida sentença, que julgou a ação totalmente improcedente, absolveu a ré dos pedidos formulados pelo autor, e condenou o autor por litigância de má-fé em multa no valor de 9 Unidades de Conta.
Inconformado, veio o autor recorrer da sentença, apresentando alegações que resumiu nas seguintes conclusões:

1° - Vem o presente recurso interposto da Douta Sentença de fls. do Tribunal " a quo", que julgou totalmente a ação e absolveu a Ré dos pedidos formulados, bem como condenou o Autor como litigante de má fé, no pagamento de multa correspondente a 9 UCs;
2° - O Apelante não se conforma com a Douta Decisão Recorrida, uma vez que entende que a mesma, salvo o devido respeito e melhor opinião, não é justa e enferma, designadamente, de Erro notório de Julgamento da Matéria de Facto e consequente Erro na Fundamentação da Sentença e, eventualmente, de Nulidade (art° 615°, n° 1, alínea d), 2° parte, C.P.C.);
3º - O Apelante impugna a Matéria de facto contida no Ponto 9 dos Factos Provados, já que a mesma integra aquilo a que designamos por um facto concretizador, sendo matéria que não foi alegada pelas partes em nenhuma peça processual produzida, não tendo sido às partes a possibilidade de se pronunciarem, operando-se assim uma violação, designadamente, dos art°s 3°, n° 3 e 5°, n° 2, alínea b), ambos do C.P.C., já que o Tribunal recorrido, salvo melhor opinião, não podia, liminarmente, conhecer oficiosamente tal matéria, pelo que a mesma deve ser eliminada, sob pena de estarmos em presença de uma causa de nulidade da sentença (art° 615°, n° 1, alínea d), 2° parte, C.P.C.), o que desde já se declara, para os devidos e legais efeitos;
4º - Caso assim doutamente não se entenda, o que só por dever de patrocínio se equaciona, desde já impugna o Apelante a matéria dos Factos Provados contida nesse alegado Ponto 9, bem como dos Pontos 6 e 11, e também de parte da Decisão dos Factos Não Provados;
5º - Quanto ao Ponto 9 - " Após o embate, o Autor permaneceu em pé, tendo, alguns segundos depois, se projetado a si próprio para o solo", discorda totalmente o Apelante desta conclusão, sendo, pois, este o concreto ponto de facto que se considera incorretamente julgado (art° 640°, n° 1, alínea a) C.P.C.) e que se pretende seja reapreciado e, consequentemente, alterado para a reposição dos factos e do exigível rigor;
6º - No que tange aos meios probatórios, (art° 640°, n° 1, alínea b) C.P.C.), remete-se para os constantes do registo do sistema de gravações, bem como as transcritas passagens dessas mesmas gravações respeitantes aos depoimentos das testemunhas Bruno ... e Hugo ... prestados em audiência de discussão e julgamento e em que se funda o recurso (n°2, alínea a) do mesmo art°) e que se encontram contidas nas Alegações supra apresentadas e a que corresponde o Capítulo IV do presente Recurso;
7º - Assim, e nos termos do disposto no art° 640°, n° 1, alínea c) do C.P.C., Requer-se, respeitosamente, se proceda à alteração da Matéria de Facto contida no Ponto 9, proferindo-se decisão com a seguinte redação e com os legais efeitos:
" Em consequência do embate de que foi vítima, o autor caiu de imediato no solo";
8º - Quanto ao Ponto 6 - " No momento em que o autor atravessou a passagem para peões nos termos referidos no ponto 1) o semáforo para veículos encontrava-se verde e 
o semáforo para peões encontrava-se vermelho" discorda totalmente o Apelante desta conclusão, sendo, pois, este o concreto ponto de facto que se considera incorretamente julgado (art° 640°, n° 1, alínea a) C.P.C.) e que se pretende seja reapreciado e, consequentemente, alterado para a reposição dos factos e do exigível rigor;
9º - No que tange aos meios probatórios, (art° 640°, n° 1, alínea b) C.P.C.), remete-se para os constantes do registo do sistema de gravações, bem como as transcritas passagens dessas mesmas gravações respeitantes aos depoimentos das testemunhas Bruno ... e Hugo ... prestados em audiência de discussão e julgamento e em que se funda o recurso (n°2, alínea a) do mesmo art°) e que se encontram contidas nas Alegações supra apresentadas e a que corresponde o Capítulo V do presente Recurso;
10º - Assim, e nos termos do disposto, designadamente, no art° 640°, n° 1, alínea c) do C.P.C., Requer-se, respeitosamente, se proceda à alteração da Matéria de Facto contida neste Ponto a) dos Factos não Provados, proferindo-se decisão de anulação de tal resposta e, em consequência, determinar a inclusão nos Factos Provados de um Ponto com a seguinte redação, para os devidos e legais efeitos:
" O Autor quando iniciou a travessia da passadeira ainda se encontrava vermelho o sinal para os veículos que circulavam no sentido ascendente da faixa de rodagem";
11º - Quanto ao Ponto 11 - " Na data referida no ponto 1), o autor queixou-se na instituição hospitalar referida no ponto anterior de dor no terço médio da perna direita...", o Apelante entende que não é rigorosa esta conclusão extraída, sendo, pois, este o concreto ponto de facto que se considera incorretamente julgado (art° 640°, n° 1, alínea a) C.P.C.) e que se pretende seja reapreciado e, consequentemente, alterado para a reposição dos factos e do exigível rigor;
12º - No que tange aos meios probatórios, (art° 640°, n° 1, alínea b) C.P.C.), remete-se para os constantes do registo do sistema de gravações, bem como as transcritas passagens dessas mesmas gravações respeitantes ao depoimento da testemunha Bruno ... prestado em audiência de discussão e julgamento e em que se funda o recurso (n°2, alínea a) do mesmo art°) e que se encontram contidas nas Alegações supra apresentadas e a que corresponde o Capítulo VI do presente Recurso;
13º - Assim, e nos termos do disposto no art° 640°, n° 1, alínea c) do C.P.C., Requer- se, respeitosamente, se proceda à alteração da Matéria de Facto contida no Ponto 11, proferindo-se decisão com a seguinte redação para os devidos e legais efeitos: 
"Na data referida no ponto 1), o autor queixou-se aos paramédicos do INEM que o assistiram no local do acidente e, posteriormente, na instituição hospitalar para onde foi transportado, de dor no terço médio da perna direita..."
14º - Facto a) dos Factos Não Provados (Capítulo VII)- " Quando o autor realizou a travessia na paragem de peões nos termos constantes dos factos provados, encontrava-se aceso o sinal verde de passagem para peões e aceso o sinal vermelho para os veículos”, dando-se aqui, por economia, integralmente reproduzido, o alegado no supra Capítulo V.
15º - Destarte, deverá o Venerando Tribunal da Relação de Lisboa reapreciar a Matéria de Facto a que alude o Facto a), uma vez que a prova produzida em sede de audiência de discussão e julgamento impõe, no nosso entendimento, que aquela seja alterada.
16º - Assim, e nos termos do disposto, designadamente, no art° 640°, n° 1, alínea c) do C.P.C., Requer-se, respeitosamente, se proceda à alteração da Matéria de Facto contida neste Facto a) dos Factos não Provados, proferindo-se decisão de anulação de tal resposta, atenta a sua interligação com o Ponto 6 dos Factos Provados, conforme supra alegado no Capítulo V.
17º - Facto b) dos Factos não provados (Capítulo VIII): "O condutor do motociclo embateu na perna direita do autor, provocando-lhe queda imediata e desamparada no solo onde o autor bateu com o corpo, e em especial com a cabeça";
18º - Em face dos depoimentos supra transcritos (Capítulos IV e VI), para os quais se remete, inexiste qualquer prova, no nosso entendimento, de que o autor/Apelante tenha sido embatido num braço e não ou também na perna direita;
19º - Assim, e nos termos do disposto no art° 640°, n° 1, alínea c) do C.P.C., Requer- se, respeitosamente, seja proferida decisão de anulação da resposta à matéria contida no Facto b) dos Factos não Provados, e, em consequência, determinar a inclusão no elenco dos Factos Provados de um Ponto com a seguinte redação, para os devidos e legais efeitos:
" O condutor do motociclo embateu designadamente na perna direita do autor, provocando-lhe queda imediata e desamparada no solo onde o autor bateu com o corpo e em especial com a cabeça”.
20º - Facto c) dos Factos não provados (Capítulo IX): "Como consequência direta do embate de que foi vítima, padeceu o autor de dores fortes de cabeça e membro inferior direito, com dificuldades de locomoção", não se entendendo, salvo o devido respeito, 
tal conclusão extraída pelo Douto Tribunal recorrido, ao arrepio, no nosso modesto entendimento, das mais elementares regras de experiência e do senso comum.
21º - Assim, e nos termos do disposto no art° 640°, n° 1, alínea c) do C.P.C., Requer- se, respeitosamente, seja proferida decisão de anulação da resposta à matéria contida no Facto c) dos Factos não Provados, e, em consequência, determinar a inclusão no elenco dos Factos Provados de um Ponto com a seguinte redação, para os devidos e legais efeitos:
" Como consequência direta do embate de que foi vítima, padeceu o autor de dores fortes de cabeça e membro inferior direito, com dificuldades de locomoção"
22º - Facto d) dos Factos não provados: (Capítulo X) "Após alta hospitalar, e como consequência do mesmo embate, o autor permaneceu com fortes dores de cabeça e por todo o corpo, em particular na perna direita que igualmente se encontrava inchada e que muito lhe dificultava o andar", pelo à luz do exigível rigor, deverá o Venerando Tribunal da Relação de Lisboa reapreciar a Matéria de Facto a que alude o Facto d) dos Factos não provados, uma vez que a prova produzida impõe, no nosso entendimento, que aquela seja alterada;
23º - Assim, e nos termos do disposto no art° 640°, n° 1, alínea c) do C.P.C., Requer- se, respeitosamente, seja proferida decisão de anulação da resposta à matéria contida no Facto d) dos Factos não Provados, e, em consequência, determinar a inclusão no elenco dos Factos Provados de um Ponto com a seguinte redação, para os devidos e legais efeitos:
"Após alta hospitalar, e como consequência do mesmo embate, o autor permaneceu com fortes dores de cabeça e por todo o corpo, em particular na perna direita que igualmente se encontrava inchada e que muito lhe dificultava o andar"
24º - Facto f) dos Factos não provados: (Capítulo XI)"0 embate acima referido causou ao autor uma grande angústia e stress psicológico, alem de lhe ter causado depressão e baixa auto-estima, situação que até hoje se mantém", pelo que entendemos não poderem restar quaisquer dúvidas que tal matéria deveria ter sido dada como provada, à luz das mais elementares regras de experiência;
25º - Destarte, e à luz do exigível rigor, deverá o Venerando Tribunal da Relação de Lisboa reapreciar a Matéria de Facto a que alude o Facto f) dos Factos não provados, uma vez que a prova produzida impõe, no nosso entendimento, que aquela seja alterada; 
26º - Assim, e nos termos do disposto no art° 640°, n° 1, alínea c) do C.P.C., Requer- se, respeitosamente, seja proferida decisão de anulação da resposta à matéria contida no Facto f) dos Factos não Provados, e, em consequência, determinar a inclusão no elenco dos Factos Provados de um Ponto com a seguinte redação, para os devidos e legais efeitos:
“O embate acima referido causou ao autor uma grande angústia e stress psicológico, alem de lhe ter causado depressão e baixa auto-estima, situação que até hoje se mantém";
27º - Facto g) dos Factos não provados: (Capítulo XII)"Frequentemente, o autor tem recordações do momento em que foi embatido pelo motociclo e a queda daí decorrente, assim como todo o tempo em que permaneceu caído no asfalto a aguardar por assistência médica", dando-se aqui por reproduzido o teor do alegado no Capítulo X.;
28º - Destarte, e à luz do exigível rigor, deverá o Venerando Tribunal da Relação de Lisboa reapreciar a Matéria de Facto a que alude o Facto g) dos Factos não provados, uma vez que a prova produzida impõe, no nosso entendimento, que aquela seja alterada;
29º - Assim, e nos termos do disposto no art° 640°, n° 1, alínea c) do C.P.C., Requer- se, respeitosamente, seja proferida decisão de anulação da resposta à matéria contida no Facto g) dos Factos não Provados, e, em consequência, determinar a inclusão no elenco dos Factos Provados de um Ponto com a seguinte redação, para os devidos e legais efeitos:
“Frequentemente, o autor tem recordações do momento em que foi embatido pelo motociclo e a queda daí decorrente, assim como todo o tempo em que permaneceu caído no asfalto a aguardar por assistência médica";
30º - Quanto à Motivação da Decisão sobre a matéria de facto (Capítulo XIII),
ocorrendo erros no julgamento da matéria de facto, necessariamente a Motivação da mesma padece dos mesmos vícios, designadamente pela importância que foi dada aos depoimentos das testemunhas Bruno ... e Hugo ..., os quais no nosso entendimento e contrariamente ao sustentado pelo Douto Tribunal recorrido, sobretudo o de Hugo ..., não foram claros, precisos e diretos e muito menos foram coincidentes; 
31º - QUANTO À FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO (Capítulo XIV), entende o Apelante que os apontados erros de julgamento da matéria de facto afetam, necessariamente, a Fundamentação de direito, conduzindo a que esta enferme igualmente de erros;
32º - O Apelante não pode concordar com o raciocínio de que a conduta do condutor do motociclo se mostre inidónea para provocar a queda do autor e os danos resultantes da mesma, estando-se perante a ausência de um requisito essencial para que seja reconhecida a existência de responsabilidade civil extracontratual: a existência de nexo causal entre os danos apurados e o facto ilícito, já que entende ter demonstrado ao longo das presentes Alegações que lhe assiste razão ao contrário do decidido pelo Tribunal recorrido;
33º - QUANTO À LITIGÂNCIA DE MÁ FÉ (Capítulo XV), discorda-se, em absoluto de tal condenação, com a agravante da pesada e desproporcionada multa de 9 U.C. aplicada a uma pessoa idosa, reformada e que aufere apenas de pensão cerca de 320 € e que confinou a exercer os seus direitos sem incorrer nos pressupostos a que alude o art° 5425 C.P.C.”.
Rematou as suas conclusões nos seguintes termos:
“… deverá o presente Recurso de Apelação ser julgado procedente e, em consequência, ser revogada a Douta Sentença do Tribunal recorrido, com as legais consequências (…).”
A ré apresentou contra-alegações, que rematou com as seguintes conclusões:

a) Da alegada violação do art.° 596° do CPC pela sentença proferida
1. Não existe na sentença uma violação das regras relativas à enunciação dos temas da prova, ou seja, do art.° 596° CPC: Os temas da prova foram notificados às partes, as quais os aceitaram, não tendo apresentado qualquer reclamação.
2. O que consta a fls. 2 da sentença não são os temas da prova mas sim as questões que importa analisar para decidir as questões em discussão nos autos e que traduzem nada mais do que os pressupostos da responsabilidade civil para ambos os intervenientes no acidente de viação e as excepções/ pedidos formulados, nomeadamente quanto à litigância de má-fé.
b) Da nulidade da sentença decorrente do ponto 9 dos Factos Provados
3. Consta do Ponto 9 da matéria de facto provada, o Tribunal a quo incluiu o seguinte: “Após o embate, o autor permaneceu em pé, tendo, alguns segundos depois, se projectado a si próprio para o solo.”
4. Consta enunciado como 2º tema da prova “Saber se o embate referido na PI se deu entre o motociclo e a perna direita do autor, provocando a queda imediata e desamparada deste no solo onde bateu com a cabeça”.
5. Face à prova produzida, o tribunal a quo considerou que a resposta à questão teria de ser negativa porquanto ficou provado que: i. "o autor permaneceu em pé, tendo, alguns segundos depois, se projectado a si próprio para o solo” - facto provado 9, ii. o embate ocorreu entre a mota e o braço direito do A. - facto provado 7.
6. A questão a decidir não é a argumentação utilizada pelas partes em defesa dos seus pontos de vista fáctico-jurídicos, mas sim as concretas controvérsias centrais a dirimir e não os factos que para elas concorrem.
7. O n.° 9 dos Factos Provados insere-se directamente no âmbito do 2° Tema da Prova: uma coisa são os temas de prova, outra bem diferente são os factos concretos que, na sentença final, têm de ser dados como provados para que a acção possa ser julgada procedente ou improcedente.
8. Não está em causa no ponto 9 da matéria provada qualquer facto concretizador mas mera contra-prova do alegado pelo A..
9. Na petição inicial, o A. alegou que o embate se deu com a sua perna direita, provocando a sua queda imediata e desamparada deste no solo; a R. impugnou tal versão; como tal, foi configurado o tema da prova n.° 2, que se traduz precisamente em permitir a discussão dos factos relativos ao local do impacto e a uma eventual queda imediata.
10. Da prova produzida em julgamento decorre que a queda não foi imediata e o impacto se dá no braço e não na perna.
11. Não há qualquer nulidade da sentença por excesso de pronúncia: conforme decidiu o Acórdão do TRL de 23-04-2015 (disponível em www.dgsi.pt):“1. A sentença não é nula por excesso de pronúncia, nos termos do artigo 615°, n° 1, alínea d) do nCPC,
se o juiz dá como provado determinado facto que o recorrente considera não ter sido alegado ou não constar dos Temas da Prova.
2. É hoje admissível que a enunciação dos Temas da Prova prevista no n° 1 do artigo 596° do nCPC assuma um carácter genérico e por vezes aparentemente conclusivo - ao invés do que sucedia com a Base Instrutória elaborada, nos termos do artigo 511° do aCPC - encontrando- se apenas balizada pelos limites decorrentes da causa de pedir e das excepções invocadas na lide.(...)”
12. Afirma-se ainda no referido acórdão que “A nulidade prevista na alínea d) do n° 1 do artigo 615°, n° 1 do nCPC terá de ser aferida tendo em consideração o disposto no artigo 608.°, n.° 2 do nCPC.
Não pode, na verdade, o Tribunal conhecer senão das questões suscitadas pelas partes, excepto se a lei lhe permitir ou impuser o conhecimento de outras, pelo que a referida nulidade tem de resultar da violação do referido dever.
As questões a que alude a alínea em apreciação, como bem esclarece A. VARELA, RLJ, Ano 122.°, pág. 112, embora reportado ao anterior regime processual civil, mas que nesta parte se mantém inalterável são “(...) todas as pretensões processuais formuladas pelas partes que requerem decisão do juiz, bem como os pressupostos processuais de ordem geral e os pressupostos específicos de qualquer acto (processual) especial, quando realmente debatidos entre as partes  (...)
E, refere ainda ALBERTO DOS REIS que: “uma coisa é tomar em consideração determinado facto, outra conhecer de questão de facto de que não podia tomar conhecimento; o facto material é um elemento para a solução da questão, mas não é a própria questão", (negritos e sublinhados nossos)
13. Tanto está em causa uma questão suscitada pelas partes que foi expressamente incluída nos temas da prova...
14. Apreciar e rebater cada um dos argumentos de facto ou de direito que as partes invocam com vista a obter a procedência ou a improcedência da acção, bem como a circunstância de lhes fazer, ou não, referência, não determina a nulidade da sentença por excesso ou omissão de pronúncia.
15. Na sentença recorrida, o tribunal a quo, tendo em consideração os factos que entendeu terem enquadramento nos temas da prova em discussão e que considerou provados, aplicou o direito que julgou adequado e pertinente ao caso em apreciação, discorrendo sobre o pedido e a causa de pedir formulados na petição inicial, não se vislumbrando que haja conhecido de questões que não poderia conhecer ou de objecto diverso do pedido.
c) Da impugnação da matéria de facto - Ponto 9 dos Factos assentes e alínea b) da matéria de facto não provada
16. Deveria o Recorrente ter indicado que excertos concretos levariam a que não fosse considerado provado que "o autor permaneceu em pé, tendo, alguns segundos depois, se projectado a si próprio para o solo", e que excertos concretos levariam a que se considerasse provado que “em consequência do embate de que foi vítima o autor caiu de imediato no solo.”
17. Nada disso se verifica no recurso apresentado!!
18. Indica o Tribunal a quo que o facto provado 9, entre outros, se sustenta “nos depoimentos claros, precisos e directos das testemunhas Bruno ... (condutor do motociclo seguro pela Ré) e Hugo ... (motorista de serviço público da CARRIS que assistiu ao acidente de viação).” Remetemos, para o efeito, para o teor da douta sentença proferida.
19. A fundamentação constante da sentença coincide com os depoimentos prestados: Testemunha Senhor Bruno ...:
(…)[1]
20. Dos excertos transcritos resulta efectivamente que terá de ser considerado como provado que “o autor permaneceu em pé, tendo, alguns segundos depois, se projectado a si próprio para o solo".
21. Não existe qualquer prova que permita considerar provado que “em consequência do embate de que foi vítima o autor caiu de imediato no solo.” - aliás, nem o Recorrente a identifica...
22. A única testemunha, para além das duas anteriores, que afirmou ter visto o acidente foi o Senhor António Lourenço. Quanto à completa falta de credibilidade desta testemunha basta atentar no que resulta da sentença proferida (tanto que no recurso o Recorrente a desconsidera por absoluto).
23. O mesmo se diga e se dá por reproduzido quanto à pretendida alteração à alínea b) da matéria de facto não provada: o Tribunal a quo considerou como não provado que “O condutor do motociclo embateu na perna direita do autor, provocando-lhe queda imediata e desamparada no solo onde o autor bateu com o corpo, e em especial com a cabeça."
24. Conforme resulta da sentença recorrida, “Quanto aos factos não provados, os factos das alíneas a) e b) foram considerados não provados por estarem em plena contradição com os factos provados devidamente motivados supra."
25. O raciocínio do A./ Recorrente está em plena contradição com as regras instituídas em termos de ónus da prova: o A. é que tinha de provar que o condutor do motociclo embateu na sua perna direita. Não o provou,
26. Pelo que se impõe a manutenção da alínea b) da matéria de facto não provada!!
d) Da impugnação da matéria de facto - Ponto 6 dos factos provados e alínea a) dos Factos não Provados
27. Considera o Recorrente que o Ponto 6 - “No momento em que o autor atravessou a passagem para peões nos termos referidos no ponto 1) o semáforo para veículos encontrava-se verde e o semáforo para peões encontrava-se vermelho” - deveria ser considerado como facto não provado, pretendendo ainda que seja dado como provado o facto constante da alínea a) dos factos não provados, ou seja, que quando o autor realizou a travessia da passadeira se encontrava vermelho o sinal para os veículos e verde o sinal para os peões.
28. Apenas duas testemunhas presenciaram todo o sinistro e ambas afirmam de modo claro e credível que o sinal estava verde para os veículos e vermelho para os peões quando o A. atravessa a passadeira.
29. A Testemunha Senhor Bruno ... (…)
Testemunha Senhor Hugo ...: (…)
30. Deste modo, deverá manter-se, também neste ponto, a sentença tal como proferida, a qual se encontra, aliás, bastante fundamentada quanto à motivação que levou à decisão proferida.
e) Da impugnação da matéria de facto - Ponto 11
31. Quanto ao Ponto 11 considera o Recorrente que existe um erro de julgamento... Salvo o devido respeito, não se verifica onde e como.
32. Pretende o Recorrente que seja considerado como provado que “o autor se queixou aos paramédicos do INEM...” Mas, com base em que prova????
33. Este facto foi considerado como provado por constar em “documento junto com a petição inicial correspondente à nota de alta do Centro Hospitalar de Lisboa (cf. fls. 12), não impugnado pela parte contrária.”
34. Nestes termos, a matéria de facto provada não merece reparo!!
35. O que o A. pretende na verdade, é que seja introduzido um novo ponto que se refira às dores reportadas aos paramédicos do INEM - no entanto, os paramédicos não foram arrolados pelo A. como testemunhas, não existindo qualquer documento que prove tais queixas.
36. Não há, face ao exposto, qualquer erro de julgamento, não podendo novamente proceder a pretensão do Recorrente.
f) Da impugnação da matéria de facto - Alíneas c) e d) dos Factos não provados
37. Impugna ainda o recorrente as alíneas c) e d) da matéria de facto não provada - com que fundamentos?? Na versão do Recorrente, se o Tribunal dá como provado que o Autor foi embatido por um motociclo e caiu ao solo, também teria de dar como provado que teve fortes dores de cabeça e no membro inferior direito, mesmo após alta Hospitalar...
38. O Tribunal a quo jamais dá como provado que o Autor foi embatido por um motociclo e que caiu ao solo.
39. O que o Tribunal dá como provado é que: i. o condutor do motociclo bateu no autor com o seu braço direito; ii. após o embate o A. permaneceu de pé; iii. e posteriormente, projectou-se a si próprio para o solo.
40. Como bem se refere na sentença proferida “No que concerne aos factos das alíneas c) e d), resultou provado que após o embate, o autor permaneceu em pé, tendo, alguns segundos depois, se projectado a si próprio para o solo. Desta forma, suscitam-se bastantes dúvidas sobre se as dores na cabeça e no membro inferior direito de que o autor se queixou quando foi assistido no hospital decorreram directamente do embate ou se foi o próprio autor a causar essas dores quando se projectou para o solo.”
41. Ou seja, não está provado o nexo de causalidade entre tais dores e consequências e o embate com o braço direito do autor!
42. Mais se acrescenta na douta sentença recorrida “Acresce que o autor juntou documentação clínica aos autos que apenas suscita maiores dúvidas sobre os factos aqui em apreciação. Pois, no que concerne ao documento 7 anexo à petição inicial (cf. fls. 14 verso), datado de 13/07/2017, do mesmo resulta que o estado do membro inferior direito do autor teve a sua origem numa «trombose venosa profunda antiga (...)», ou seja, deriva de uma patologia que nada tem a ver com o acidente descrito nos autos, pois em lado algum é alegado pelo autor ou decorre da documentação clinica que o embate tenha provocado a referi a “trombose venosa".
O autor também juntou aos autos documentos clínicos constantes de fls. 15 a 16 que se referem a um estado de saúde denominado “polissinusopatia etmoidal e maxilar bilateral” além e “desvio do septo nasal", situação clínica que em nada tem que ver, directa ou indirectamente, com o embate descrito nos factos provados.
O autor também juntou aos autos comprovativos de realização de consultas constantes de fls. 16 verso a 18 que não aludem o seu objectivo clínico, nem sequer foi presente aos autos qualquer receita ou relatório que possam ter derivado das mesmas. Desta forma, atentas as dúvidas suscitadas nos autos, os factos em causa não resultaram provados.”
43. Novamente, o ónus da prova pertence ao A.. Não tendo o A. efectuado qualquer prova nesse sentido, está em causa matéria que se tem de considerar como não provada, não merecendo reparo a sentença proferida.
g) Da impugnação da matéria de facto - Alíneas f) e g) dos Factos não provados
44. Impugna, por último, o Recorrente as alíneas f) e g) da matéria de facto não provada.
45. O recurso apresentado quanto a estes pontos deixa-nos, salvo o devido respeito, verdadeiramente perplexos: quer porque não se vê que concretos meios probatórios pudessem impor decisão diversa da recorrida - o Recorrente simplesmente não os indica - quer porque o Recorrente volta a inverter completamente as regras relativas ao ónus da prova...
46. É sobre o A. que recai o ónus da prova quanto ao estado psicológico em que ficou. Não é a R. que tem de pedir diligências probatórias que se destinam à prova dos factos alegados pelo A.!!!!
47. Entende ainda o Recorrente que tais factos deveriam ter sido considerados provados à “luz das mais elementares regras de experiência” ... Tal é um completo absurdo, não tendo qualquer tipo de fundamento.
48. Não há qualquer erro de julgamento; não há qualquer erro na apreciação da prova produzida. A verdade é que a sentença proferida não merece reparo!
49. Conforme se afirma na sentença proferida, “não se produziu qualquer prova sobre os factos aí vertidos, sendo que apesar das testemunhas António Lourenço e Jaime Ginja terem relatado que o autor ficou bastante mal em consequência do acidente, os seus depoimentos não se afiguraram credíveis nos termos acima expostos.”
50. Novamente, não poderá ter qualquer provimento a pretensão do Recorrente, por desprovida de qualquer fundamento, mantendo-se nos seus exactos termos a sentença proferida.
h) Da litigância de má fé
51. O A. não foi condenado como litigante de má-fé por ter exercido um direito... Foi condenado por ter feito um uso manifestamente reprovável do processo.
52. Basta atentar na justificação e fundamentação apresentada na sentença recorrida - o autor não podia deixar de saber que foi ele a violar a obrigação de não atravessar a passagem para peões quando o semáforo estava vermelho para si e verde para os veículos e que foi ele próprio a projectar-se para o solo, não tendo essa queda sido consequência directa a necessária do embate.
 ...)
53. Mais, o A. foi ao ponto de arrolar testemunha que prestou o depoimento que prestou, afirmando que acompanhava o A. no momento do acidente, quando os mesmos - A. e testemunha - não poderiam desconhecer que tal não era verdade...
54. Quanto ao montante de multa, considera-se o mesmo justificado nos termos indicados na sentença proferida - atenta a gravidade da postura processual assumida pelo A., deve ser mantida a condenação como litigante de má fé e o montante da multa fixada.
i) Da fundamentação de direito
55. Considerando o acima exposto, é correcta a fundamentação de direito na sentença produzida: “(...)”
56. Em suma, não se verificando o requisito de nexo de causalidade entre o facto (embate do braço direito do condutor do motociclo no corpo do autor) e os danos que resultaram provados, não poderia a acção proceder.”

O Mmº Juiz a quo pronunciou-se sobre a nulidade invocada, sustentando que a mesma não se verifica.
Recebido o recurso neste Tribunal da Relação, foram colhidos os vistos.

2. QUESTÕES A DECIDIR
Conforme resulta das disposições conjugadas dos arts. 635º, n.º 4 e 639º, n.º 1 do CPC, é pelas conclusões que se delimita o objeto do recurso, seja quanto à pretensão dos recorrentes, seja quanto às questões de facto e de Direito que colocam[2]). Esta limitação dos poderes de cognição do Tribunal da Relação não se verifica em sede de qualificação jurídica dos factos ou relativamente a questões de conhecimento oficioso, desde que o processo contenha os elementos suficientes a tal conhecimento (cfr. art. 5º n.º 3 do CPC).
Não obstante, excetuadas as questões de conhecimento oficioso, não pode este Tribunal conhecer de questões que não tenham sido anteriormente apreciadas porquanto, por natureza, os recursos destinam-se apenas a reapreciar decisões proferidas[3].
Assim, as questões a apreciar e decidir são as seguintes:
- Da nulidade da sentença (conclusão 3ª)
- Da impugnação da decisão sobre matéria de facto (conclusões 4ª a 30ª)
- Das consequências da pretendida alteração da matéria de facto no mérito da causa, nomeadamente no que respeita à “existência de nexo causal entre os danos apurados e o facto ilícito” (conclusões 31ª e 32ª)
- Da litigância de má-fé (conclusão 33ª)

3. OS FACTOS
O Tribunal a quo considerou provados os seguintes factos:
1. No dia 20 de junho de 2016, pelas 13h30, o autor atravessou a pé a passagem para peões dotada de semáforos, existente na Rua Morais Soares em Lisboa, junto ao n.º 101 e ao cruzamento dessa rua com a Rua dos Heróis de Quionga.
2. Por sua vez, nesse momento, circulava no sentido ascendente da Rua referida no ponto anterior, sentido Praça do Chile/Alto do S. João, o veículo motorizado de matrícula 35-MO-95, marca Honda, modelo JF28, conduzido por Bruno ....
3. A aqui ré declarou assumir a responsabilidade de danos causados pela circulação do motociclo de matrícula 35-MO-95, por acordo denominado contrato de seguro titulado pela Apólice n.º 9001428453 em período temporal que abrange a data referida no ponto 1).
4. A faixa de rodagem na Rua Morais Soares tem uma largura de 12,10 metros, é composta por duas vias de trânsito em cada sentido, sendo o piso asfaltado e no momento referido no ponto 1), o piso estava limpo e seco.
5. Nas circunstâncias descritas no ponto 2), quando se aproximou da passagem para peões referida no ponto 1), junto ao cruzamento da Rua Morais Soares com a Rua dos Heróis de Quionga, circulando na via mais à esquerda atento o seu sentido de trânsito, o condutor do motociclo MO efetuou a ultrapassagem pela esquerda dos veículos automóveis que se encontravam a circular à sua frente na mesma via.
6. No momento em que o autor atravessou a passagem para peões nos termos referidos no ponto 1), o semáforo para veículos encontrava-se verde, e o semáforo para peões encontrava-se vermelho.
7. Devido aos veículos automóveis que se encontravam em fila à sua direita lhe obstruírem a visão, o condutor do motociclo MO apenas viu o autor, vindo da sua direita, a atravessar a passagem para peões referida no ponto 1) quando alcançou esse local, não tendo tempo para travar, conseguindo, no entanto, se desviar, não evitando o embate no autor com o seu braço direito.
8. O aludido embate verificou-se a meio do percurso de atravessamento da passadeira.
9. Após o embate, o autor permaneceu em pé, tendo, alguns segundos depois, se projectado a si próprio para o solo.
10. O autor foi assistido no local pelo INEM e transportado para o Hospital S. José, onde permaneceu oito horas para observação até ter alta no mesmo dia.
11. Na data referida no ponto 1), o autor queixou-se na instituição hospitalar referida no ponto anterior de dor no terço médio da perna direita por hematoma, tendo-lhe sido recomendado repouso com descarga com pé elevado por uma semana e gelo abundante nos próximos 3 dias, registando o autor ainda uma densificação discreta da tenda do cerebelo, com fina lâmina hemática subdural.
12. O autor, á data do acidente, encontrava-se reformado, auferindo 268,75 € mensais de pensão paga pela Caixa Geral de Aposentações, acrescido de 61,04 € mensais, a título de pensão de velhice, paga pelo Centro Nacional de Pensões.
13. O autor nasceu em 18/12/1950.
14. A ré foi citada para a presente acção em 15/05/2018.

O Tribunal a quo considerou não provados seguintes factos:
a) Quando o autor realizou a travessia na passagem de peões nos termos constantes dos factos provados, encontrava-se aceso o sinal verde de passagem para peões e aceso o sinal vermelho para os veículos.
b) O condutor do motociclo embateu na perna direita do autor, provocando-lhe queda imediata e desamparada no solo onde o autor bateu com o corpo, e em especial com a cabeça.
c) Como consequência directa do embate de que foi vítima, padeceu o autor de dores fortes na cabeça e membro inferior direito, com dificuldades de locomoção;
d) Após alta hospitalar, e como consequência do mesmo embate, o autor permaneceu com fortes dores de cabeça e por todo o corpo, em particular na perna direita que igualmente se encontrava inchada e que muito lhe dificultava o andar
e) O autor permaneceu cerca de mês e meio em casa de um casal amigo após o que regressou para sua casa, tendo, no entanto, permanecido de cama durante os primeiros oito dias que lá chegou.
f) O embate acima referido causou ao autor uma grande angústia e stress psicológico, além de lhe ter causado depressão e baixa auto-estima, situação que até hoje se mantém.
g) Frequentemente, o autor tem recordações do momento em que foi embatido pelo motociclo e a queda daí decorrente, assim como todo o tempo em que permaneceu caído no asfalto a aguardar por assistência médica.
h) O autor fazia, à data do acidente, com carácter regular, biscates vários, prestando recados, serviços de entregas, de canalizador, de eletricista, e passeando animais, auferindo no mínimo cerca de 200 euros por mês.
i) Desde o acidente até à presente data deixou de fazer biscates por impossibilidade física, em virtude das lesões acima descritas.

4. OS FACTOS E O DIREITO
4.1. Da nulidade da sentença (conclusões 1- a 3-)
Alega o recorrente que a sentença recorrida padece da nulidade consagrada na parte final da al. d) do nº 1 do art. 615º do CPC, porquanto: “a Matéria de facto contida no Ponto 9 dos Factos Provados (…) integra aquilo a que designamos por um facto concretizador, sendo matéria que não foi alegada pelas partes em nenhuma peça processual produzida, não tendo sido às partes a possibilidade de se pronunciarem, operando-se assim uma violação, designadamente, dos art°s 3°, n° 3 e 5°, n° 2, alínea b), ambos do C.P.C., já que o Tribunal recorrido, salvo melhor opinião, não podia, liminarmente, conhecer oficiosamente tal matéria, pelo que a mesma deve ser eliminada, sob pena de estarmos em presença de uma causa de nulidade da sentença (art° 615°, n° 1, alínea d), 2° parte, C.P.C.)”[4].
A recorrida sustentou que “não está em causa no ponto 9. da matéria provada qualquer facto concretizador mas mera contra-prova do alegado pelo A.”, e que a consideração na sentença de factos não alegados pelas partes não gera a nulidade da mesma nos termos e para os efeitos do art. 615º, nº 1, al. d) do CPC[5].
Nos termos do disposto no artigo 615º, n.º 1, alínea d) do CPC, a sentença é nula quando o juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento. Trata-se de um vício formal, em sentido lato, traduzido em error in procedendo ou erro de atividade que afeta a validade da sentença.
Esta nulidade configura, no fundo, uma violação do disposto no artigo 608º, nº 2, do mesmo Código, segundo o qual “O juiz deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, excetuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras; não pode ocupar-se senão das questões suscitadas pelas partes, salvo se a lei lhe permitir ou impuser o conhecimento oficioso de outras.”
Neste contexto, há que distinguir entre questões a apreciar e razões ou argumentos aduzidos pelas partes. Conforme já ensinava ALBERTO DOS REIS[6], “São, na verdade, coisas diferentes: deixar de conhecer de questão de que devia conhecer-se, e deixar de apreciar qualquer consideração, argumento ou razão produzida pela parte. Quando as partes põem ao tribunal determinada questão, socorrem-se, a cada passo, de várias razões ou fundamentos para fazer valer o seu ponto de vista; o que importa é que o tribunal decida a questão posta; não lhe incumbe apreciar todos os fundamentos ou razões em que elas se apoiam para sustentar a sua pretensão.” Ou seja, a omissão de pronúncia circunscreve-se às questões/pretensões formuladas de que o tribunal tenha o dever de conhecer para a decisão da causa e de que não haja conhecido, realidade distinta da invocação de um facto ou invocação de um argumento pela parte sobre os quais o tribunal não se tenha pronunciado.
Dito de outro modo: esta nulidade só ocorre quando não haja pronúncia sobre pontos fáctico-jurídicos estruturantes da posição das partes, nomeadamente os que se prendem com a causa de pedir, pedido e exceções e não quando apenas se verifica a mera omissão da ponderação das “razões” ou dos “argumentos” invocados pelas partes para concluir sobre as questões suscitadas. Com efeito, a questão a decidir não reside na argumentação utilizada pelas partes em defesa dos seus pontos de vista fáctico-jurídicos, mas sim nas concretas controvérsias centrais a dirimir.
Do supra exposto flui que não constitui nulidade da sentença por omissão de pronúncia a circunstância de não se apreciar e fazer referência a cada um dos argumentos de facto e de direito que as partes invocam para sustentar a procedência ou improcedência da ação. Nas palavras precisas de MANUEL TOMÉ SOARES GOMES[7] “(…) já não integra o conceito de questão, para os efeitos em análise, as situações em que o juiz porventura deixe de apreciar algum ou alguns dos argumentos aduzidos pelas partes no âmbito das questões suscitadas. Neste caso, o que ocorrerá será, quando muito, o vício de fundamentação medíocre ou insuficiente, qualificado como erro de julgamento, traduzido portanto numa questão de mérito.”
Pode, pois, concluir-se que não há omissão de pronúncia quando a matéria, tida por omissa, ficou implícita ou tacitamente decidida no julgamento da matéria com ela relacionada, competindo ao tribunal decidir questões e não razões ou argumentos aduzidos pelas partes. O juiz não tem que analisar todos os argumentos invocados pelas partes, embora se ache vinculado a apreciar todas as questões que devem ser conhecidas, ponderando os argumentos na medida do necessário e suficiente.
Assim, incumbe ao juiz conhecer de todos os pedidos deduzidos, todas as causas de pedir e exceções invocadas e todas as exceções de que oficiosamente deve conhecer, mas não tem que se pronunciar sobre os pedidos e questões cujo conhecimento esteja prejudicado pelo anterior conhecimento de outros/as (art. 608º, nº 2, do CPC).
O conhecimento de uma questão pode fazer-se tomando posição direta sobre ela, ou resultar da ponderação ou decisão de outra conexa que a envolve ou a exclui. Por isso, não ocorre nulidade da sentença por omissão de pronúncia quando nela não se conhece de questão cuja decisão se mostra prejudicada pela solução dada anteriormente a outra. 
No que tange ao excesso de pronúncia (segunda parte da alínea d) do nº 1 do art. 615º), o mesmo ocorre quando o juiz se ocupa de questões que as partes não tenham suscitado, sendo estas questões os pontos de facto ou de direito relativos à causa de pedir e ao pedido, que centram o objeto do litígio. Conforme se refere no acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 06-12-2012  (João Bernardo), p. 469/11.8TJPRT.P1.S1[8] à luz do princípio do dispositivo, há excesso de pronúncia sempre que a causa do julgado não se identifique com a causa de pedir ou o julgado não coincida com o pedido, não podendo o julgador condenar, além do pedido, nem considerar a causa de pedir que não tenha sido invocada. Contudo, quando o tribunal, para decidir as questões suscitadas pelas partes, usar de razões ou fundamentos não invocados pelas mesmas, não está a conhecer de questão de que não deve conhecer ou a usar de excesso de pronúncia suscetível de integrar nulidade.
A discordância da parte relativamente à subsunção dos factos às normas jurídicas e/ou à decisão sobre a matéria de facto de modo algum configuram causa de nulidade da sentença.
Como se afere das considerações supra expostas, a doutrina e a jurisprudência têm entendido que a omissão ou excesso de pronúncia enquanto causas de nulidade da sentença têm por objeto questões a decidir na sentença, e não propriamente factos.
Neste sentido, sublinhou o ac. RL 23-04-2015 (Ondina Alves), p. 185/14.9TBRGR.L1-2, que «questão a decidir não é a argumentação utilizada pelas partes em defesa dos seus pontos de vista fáctico-jurídicos, mas sim as concretas controvérsias centrais a dirimir e não os factos que para elas concorrem.
Apreciar e rebater cada um dos argumentos de facto ou de direito que as partes invocam com vista a obter a procedência ou a improcedência da acção, bem como a circunstância de lhes fazer, ou não, referência, não determina a nulidade da sentença por excesso ou omissão de pronúncia. (…)
Situação diversa da nulidade da sentença é a de saber se houve erro de julgamento, pois como se refere no Ac. do STJ de 21.05.2009 (Pº 692-A/2001.S1), (…) se a questão é abordada mas existe uma divergência entre o afirmado e a verdade jurídica ou fáctica, há erro de julgamento, não “error in procedendo”». 
Em sentido semelhante, decidiu, entre outros, e por mais recente, o ac. RC 23-02-2016 (Carvalho Martins), p. 2316/12.4TBPBL.L1, no qual se sublinhou que “só há omissão de pronúncia com vício de limite previsto na al. d) do nº1 do art. 668º do CPC (615º NCPC), quando o Tribunal incumpre quanto aos seus poderes e deveres de cognição o disposto no nº2 do art. 660º do mesmo diploma (608º NCPC)”. Também o ac. RG 16-11-2017 (José Flores), p. 833/15.3T8BGC.G1, apontou em sentido idêntico, referindo que “não constitui nulidade da sentença por omissão de pronúncia a circunstância de não se apreciar e fazer referência a cada um dos argumentos de facto e de direito que as partes invocam tendo em vista obter a (im)procedência da ação.“
Não obstante, mais recentemente, esta mesma questão foi apreciada de modo diverso no ac. RL 29-05-2018 (Luís Filipe Pires de Sousa), p. 19516/17.3YIPRT.L1-7. Neste aresto, apreciava-se uma situação em que na sentença se considerou provado determinado facto não alegado pelas partes, e que o Tribunal recorrido qualificou como complementar ou acessório (art. 5º, nº 2, al. b) do CPC), sem que no decurso da audiência tenha informado as partes da possibilidade de considerar tal facto na sentença, e sem que tenha concedido aos litigantes a possibilidade de produzir prova.
Com efeito, no mencionado acórdão expôs–se o seguinte:
 “da ata da audiência de julgamento não resulta que o Mmo. Juiz a quo tenha anunciado às partes a pretensão de ampliar a matéria de facto e, muito menos, que lhes tenha facultado a produção de prova, sendo certo que este Tribunal da Relação não tem acesso à gravação da audiência porque não ocorreu.
Nesta medida, não tendo sido observado o formalismo garantístico da alínea b) do nº2 do artigo 5º, a subsequente decisão do tribunal a quo de considerar tais factos na sentença consubstancia uma nulidade por excesso de pronúncia porquanto o tribunal conheceu de questões de que não podia, nessas circunstâncias, tomar conhecimento (Artigo 615º, nº1, alínea d), do Código de Processo Civil)”. Em sentido semelhante se havia igualmente pronunciado o ac. RP 30-04-2015 (Aristides Rodrigues de Almeida), p. 5800/13.9TBMTS.P1.
Finalmente, poder-se-ia ainda congeminar a possibilidade de aplicação às situações em apreço o regime do art. 662, nº 2 do CPC nos termos do qual “a Relação deve, mesmo oficiosamente (…) anular a decisão proferida na 1ª instância, quando, não constando do processo todos os elementos que, nos termos do número anterior, permitam a alteração da decisão proferida sobre a matéria de facto, repute deficiente, obscura, contraditória a decisão sobre pontos determinados da matéria de facto, ou quando considere indispensável a ampliação desta”.
Este breve excurso espelha bem as dificuldades sentidas na determinação das consequências da inobservância do art. 5º, nº 2, al. b) do CPC.
Pela nossa parte, cremos que a inobservância da referida disposição legal pode ocorrer quando:
- Na sentença o juiz não atende a factos complementares ou concretizadores, não alegados pelas partes, mas que se revelam aquando da produção de prova, ou resultam claramente da prova carreada para os autos;
- O juiz atende a tais factos na sentença, sem que as partes tenham tido a possibilidade de sobre os mesmos se pronunciar.
A primeira situação resulta numa decisão sobre matéria de facto que peca por defeito, ao passo que a segunda redunda numa decisão sobre matéria de facto que peca por excesso.
Parece, porém, que ambos os vícios emergem de atos ou omissões praticadas pelo Juiz no decurso da audiência de julgamento, que configuram violação de deveres processuais (aquisição factual e observância do princípio do contraditório), e que influem na decisão final da causa (sentença ou despacho saneador).
Daí que, em nosso entender, o vício se situe a montante da sentença, decorrendo do não exercício dos poderes-deveres de averiguação oficiosa do Tribunal ou da inobservância do contraditório no decurso da audiência de julgamento.
Na verdade, e centrando-nos no concreto vício invocado pelo recorrente, se no decurso da audiência de julgamento se apuram ou pelo menos indiciam fortemente factos não alegados pelas partes suscetíveis de serem qualificados como complementares ou concretizadores, o conhecimento desses factos não constitui uma faculdade do juiz, mas antes um dever; cuja observância conduz a um outro dever instrumental do primeiro, que consiste na observância do contraditório.
Assim, se na observância daquele dever principal se omite o dever secundário, e se os factos em questão influem no exame ou decisão da causa, aquela omissão redundará em nulidade processual, nos termos previstos no art. 195º do CPC.
É certo que nos termos do disposto no art. 197º, nº 1 do CPC, fora dos casos previstos no art. 196º do mesmo código (aos quais a situação dos autos não se reconduz), o conhecimento da nulidade principal depende de arguição da parte interessada.
Contudo, é igualmente certo que o vício foi invocado pelo recorrente, embora com qualificação diversa, não estando o Tribunal vinculado a tal qualificação (art. 5º, nº 3 do CPC).
Tal nulidade pode arguir-se no recurso da sentença, visto que só com a prolação desta se revela, ou, nas palavras certeiras de ALBERTO DOS REIS, é pela mesma “acobertada”.
Com efeito, já em 1945 ensinava o insigne Mestre[9]:
“a arguição de nulidade só é admissível quando a infracção processual não está ao abrigo de qualquer despacho judicial; se há um despacho a ordenar ou autorizar a prática ou omissão do acto ou da formalidade, o meio próprio para reagir contra a ilegalidade que se tenha cometido, não é a arguição ou reclamação por nulidade, é a impugnação do respectivo despacho pela interposição do recurso competente.
Eis o que a jurisprudência consagrou nos postulados: dos despachos recorre-se, contra as nulidades reclama-se.
É fácil justificar esta construção. Desde que um despacho tenha mandado praticar determinado acto, por exemplo, se porventura a lei não admite a prática dêsse acto é fora de dúvida que a infracção cometida foi efeito do despacho; por outras palavras, estamos em presença dum despacho ilegal, dum despacho que ofendeu a lei do processo. Portanto a reacção contra a ilegalidade traduz-se num ataque ao despacho que a autorizou ou ordenou; ora o meio idóneo para atacar ou impugnar despachos ilegais é a interposição do respectivo recurso (...)”.
Na mesma linha se pronunciou MANUEL DE ANDRADE[10]: “(...) se a nulidade está coberta por uma decisão judicial que ordenou, autorizou ou sancionou, expressa ou implicitamente, a prática de qualquer acto que a lei impõe, o meio próprio para a arguir não é a simples reclamação, mas o recurso competente a interpor e a tramitar como qualquer outro do mesmo tipo. Trata-se em suma da consagração do brocardo: «dos despachos recorre-se, contra as nulidades reclama-se»”.
Também ANTUNES VARELA[11] dizia: “se entretanto, o acto afectado de nulidade for coberto por qualquer decisão judicial, o meio próprio de o impugnar deixará de ser a reclamação (para o próprio juiz) e passará a ser o recurso da decisão”.
Finalmente argumentou ANSELMO DE CASTRO[12]: “Tradicionalmente entende-se que a arguição da nulidade só é admissível quando a infracção processual não está, ainda que indirecta ou implicitamente, coberta por qualquer despacho judicial; se há um despacho que pressuponha o acto viciado, diz-se, o meio próprio para reagir contra a ilegalidade cometida, não é a arguição ou reclamação por nulidade, mas a impugnação do respectivo despacho pela interposição do competente recurso, conforme a máxima tradicional – das nulidades reclama-se, dos despachos recorre-se. A reacção contra a ilegalidade volver-se-á então contra o próprio despacho do juiz; ora o meio idóneo para atacar impugnar despachos ilegais é a interposição do respectivo recurso (…), por força do princípio legal de que, proferida a decisão, fica esgotado o poder jurisdicional do juiz (art. 666.º)”.
É este também o entendimento pacífico da jurisprudência dos tribunais superiores [neste sentido, cfr. acs. RL 09-05-2019 (Isoleta Almeida Costa), p. 8764/16.3T8LSB.L1-8 e 11-07-2019 (Ana Azeredo Coelho), p. 5774/17.7T8FNC-A.L1-6]
Nesta conformidade, divergindo do entendimento exposto no ac. de 29-05-2019 deste Tribunal e Secção atrás mencionado, consideramos que as situações como a descrita no presente recurso, em que na sentença se atende a factos complementares ou concretizadores com violação do contraditório não configuraram nulidade da sentença (615º, nº 1, al. d) do CPC), mas sim do processo (195º, nº 1 do mesmo Código).
À luz deste entendimento, cumpre então verificar se no caso vertente tal nulidade se verificou.
Estabelece o art, 5º, nº 1 do CPC que “às partes cumpre alegar os factos essenciais que constituem a causa de pedir e aqueles em que se baseiam as exceções invocadas“.
Contudo, o nº 2 do mesmo preceito dispõe que “além dos factos articulados pelas partes, são ainda considerados pelo juiz:
a) Os factos instrumentais que resultem da instrução da causa;
b) Os factos que sejam complemento ou concretização dos que as partes hajam alegado e resultem da instrução da causa, desde que sobre eles tenham tido a possibilidade de se pronunciar“[13].
Da leitura desta disposição legal resulta de forma evidente a distinção entre os conceitos de factos essenciais, instrumentais, complementares e concretizadores.
Sobre esta matéria, refere LEBRE DE FREITAS[14] que factos principais são “os que integram a causa de pedir e os que fundam as exceções. O mesmo autor acrescenta ainda que “A revisão de 1995-1996 tornou também possível a consideração de factos principais que, completando os alegados nos articulados, se tornem patentes na instrução da causa, mas tão-pouco na introdução destes novos factos pode o juiz substituir-se às partes: a parte neles interessada, isto é, aquela que, a serem os factos verdadeiros, beneficia com o efeito constitutivo, impeditivo, modificativo ou extintivo que deles decorra, deverá manifestar a vontade de deles se aproveitar, alegando-os (…)”.
Portanto, para este autor, os factos complementares ou concretizadores são factos principais, e o seu conhecimento depende de uma manifestação de vontade da parte a quem os mesmos aproveitam, bem como da concessão à parte contrária da possibilidade de os contraditar.
Em sentido idêntico se pronunciou MARIANA FRANÇA GOUVEIA[15].
Também MIGUEL TEIXEIRA DE SOUSA considera que os factos complementares ou concretizadores são factos essenciais[16], o que igualmente colhe a adesão de PAULO PIMENTA[17]. Este último explica que “têm a categoria de factos complementares ou concretizadores os que, embora necessários para a procedência das pretensões deduzidas (daí serem essenciais), não cumprem uma função individualizadora do tipo legal”.
Porém, afastando-se do entendimento perfilhado por TEIXEIRA DE SOUSA e MARIANA FRANÇA GOUVEIA, diz PAULO PIMENTA que “acerca da consideração dos factos complementares ou concretizadores prevista no art. 5º 2.b) importa sublinhar que o juiz pode e deve conhecer de tais factos quando “resultem da instrução da causa” e “desde que sobre eles as partes tenham tido a oportunidade de se pronunciar”. Quer isto dizer que, agora e nos termos da lei, o conhecimento desses factos passa a ser oficioso e deixa de estar dependente da vontade do interessado, ao contrário do que sucedia antes do CPC de 2013”.
Também neste sentido se pronunciaram PAULO RAMOS DE FARIA e ANA LUÍSA LOUREIRO[18].
Esta tese do conhecimento oficioso dos factos complementares ou concretizadores, ainda que subordinado à observância do contraditório logrou aprovação na jurisprudência: cfr, entre outros os acs. RC 23-02-2016 (António Carvalho Martins), p. 2316/12.4TBPBL.C1, e RG 20-09-2018 (Jorge Teixeira), p. 1349/13.8TBVRL.G1.
Resta agora aferir o que se deve entender por factos instrumentais, complementares e concretizadores.
Segundo TEIXEIRA DE SOUSA[19]:
“- Os factos complementares são aqueles que concretizam ou complementam os factos que integram a causa de pedir (…) e que asseguram a concludência da alegação da parte (…)
- os factos instrumentais são os que indiciam, através de presunções legais ou judiciais (…) os factos que constituem a causa de pedir ou os factos complementares (… “.
Para PAULO PIMENTA[20], os factos complementares e concretizadores são, a par dos factos nucleares (referidos no nº 1 do art. 5º do CPC), modalidades de factos essenciais.
Para este autor ”os factos complementares são os completadores de uma causa de pedir (ou de uma excepção) complexa, ou seja, uma causa de pedir (ou uma excepção) aglutinadora de diversos elementos, uns constitutivos do seu núcleo primordial, outros complementando aquele”. Já os factos concretizadores “têm por função pormenorizar ou explicitar o quadro fáctico exposto, sendo exactamente essa pormenorização dos factos anteriormente alegados que se torna fundamental para a procedência da acção (ou excepção)”.
Quanto à forma como deve se facultada às partes a possibilidade de se pronunciar sobre os factos complementares ou concretizadores não alegados, detetamos na jurisprudência entendimentos diversos.
Com efeito, no ac. RC 17-01-2017 (Vítor Amaral), p. 3161/12.2TBLRA-A.C1 entendeu-se que tal requisito se deve considerar verificado se os factos não alegados resultam de depoimentos de testemunha que as partes puderam contra-interrogar.
Próximos deste entendimento parecem colocar-se PAULO RAMOS FARIA e ANA LUÍSA LOUREIRO[21], que advogam que “para que a parte tenha a possibilidade de se pronunciar, não é necessário que o juiz despache no sentido de lhe ser dada a palavra para o efeito”.
Diversamente, argumentam ABRANTES GERALDES, PAULO PIMENTA, e LUÍS FILIPE PIRES DE SOUSA[22] que consideram “(…) mais consentânea com os princípios processuais e designadamente com a proibição de decisões-surpresa a posição que defende que o juiz deve anunciar às partes, antes do encerramento da audiência, que está a equacionar utilizar este mecanismo de ampliação da matéria de facto”.
Louvam-se estes autores do exposto no já mencionado ac. RP 30-04-2015 (Aristides Rodrigues de Almeida), p. 5800/13.9TBMTS.P1, onde se afirmou: “Trata-se no fundo de salvaguardar a confiança que é necessário ter quanto ao conteúdo dos actos do processo e de não impor aos mandatários graus de diligência e atenção absolutos, exigindo-lhes que a todo o momento prevejam todas as hipóteses e levem o esforço probatório aos limites apenas para evitar que se o tribunal vier a considerar relevantes outros factos os mesmos resultem provados ou não provados. Só perante esse alerta se poderão imputar às partes as consequências do esforço probatório que entenderam produzir e a responsabilidade por não terem levado esse esforço ao ponto que seria eventualmente necessário.” 
Foi igualmente este o entendimento consagrado no ac. STJ 07-02-2017 (Pinto de Almeida), p. 1758/10.4TBPRD.P1.S1, no qual se expendeu o que segue:
“Admitir-se que o juiz possa, sem mais (isto é, apenas com a exigência de audiência contraditória na produção do meio de prova), considerar o facto novo, essencial (complementar ou concretizador), corresponderia a exigir ao mandatário da parte interessada um grau de atenção e diligência incomum, dirigida não só à produção e valoração da prova que fosse sendo realizada, mas também, antecipando o juízo valorativo do tribunal, à possibilidade de vir a ser retirado desse meio de prova e considerado provado um novo facto nele mencionado.
Crê-se que a disciplina prevista no art. 5º, nº 2, al. b), do CPC exige que o tribunal se pronuncie expressamente sobre a possibilidade de ampliar a matéria de facto com os factos referidos, disso dando conhecimento às partes antes do encerramento da discussão. Só depois poderá considerar esses factos (mesmo que sem requerimento das partes nesse sentido)”. E no mesmo sentido decidiu o ac. RC 09-08-2018 (Moreira Carmo), p. 825/15.2T8LRA.C1.
Posto isto, cumpre regressar ao caso dos autos.
Da análise da petição inicial resulta de forma clara que o autor alegou que no dia 20-06-2016 quando atravessava a pé uma passagem de peões regulada por semáforos e perante a luz verde foi embatido por um motociclo segurado da ré, o qual não respeitou o sinal vermelho, e que em resultado daquele embate do referido motociclo na sua perna caíu no chão batendo com o corpo e também a cabeça, o que lhe causou danos corporais e psicológicos.
A ré contestou, impugnando substancialmente o alegado pelo autor na petição inicial (nomeadamente o art. 8º da p.i. em que o autor alega que em consequência do embate caíu no chão onde bateu com o corpo e a cabeça) e invocando a exceção de culpa do lesado, na medida em que o autor teria atravessado a rua de forma oblíqua, em corrida, e com o sinal vermelho para os peões.
Na sentença veio a dar-se como provado que o autor atravessou a passagem de peões numa ocasião em que o semáforo para veículos se encontrava verde (ponto 6.) e que o condutor do veículo segurado na ré apenas viu o autor quando alcançou o local em que este se encontrava, não tendo tempo de travar, embatendo com o autor com o braço direito (ponto 7.), e que “após o embate o autor permaneceu em pé, tendo, alguns segundos depois, se projectado a si próprio para o solo” (ponto 9.).
O autor considera que “a matéria a que alude o ponto 9 dos factos provados, não foi alegada pelas partes em nenhuma peça processual produzida” e “integra aquilo a que designamos por um facto concretizador (conclusão 3ª).
Por seu turno, a ré sustenta que “não está em causa no ponto 9 da matéria de facto provada qualquer facto concretizador, mas mera contra-prova do alegado pelo A.” (conclusão 8.).
Finalmente o Mmº Juiz a quo consignou que “ao contrário do que é alegado pelo recorrente, o que resultou provado no ponto 9 não foram factos concretizadores de outros que tenham sido alegados nos articulados. O que sucedeu foi que se provou menos do que aquelo que foi alegado pelo autor. De facto, o autor caíu ao solo, mas não em consequência do embate, tendo sido o próprio a projectar-se para o solo alguns segundos após o embate referidos nos pontos 7 e 8 dos factos provados”.
Havendo que decidir, cremos que o facto em discussão permite explicar a razão do contacto do corpo do autor com o solo em momento posterior ao embate da viatura segura na ré com o corpo do autor.
Como é sabido, o autor tinha invocado o embate (da viatura segura na ré com o seu corpo) e a queda, alegando que esta foi consequência daquela. O facto em apreço redunda em causa distinta para o contacto com o solo.
Nesta medida, concluímos, como o fez o autor, que se trata de um facto concretizador, e por isso sujeito à disciplina do art. 5º, nº 2, al. b) do CPC.
Aliás, tal facto reveste-se da maior importância na apreciação da questão da litigância de má-fé imputada ao autor. Assim, no contexto da litigância de má-fé, poderá mesmo tratar-se de um facto essencial nuclear.
Com efeito, se atualmente se mostra consensual que a litigância de má-fé configura uma questão de conhecimento oficioso, não menos certo será que a jurisprudência tem salientado que tal conhecimento oficioso depende da (prévia) observância do contraditório – vd. acs. STJ 28-08-2002 (Barros Caldeira), p. 01A4351; RG 11-01-2018 (José Cravo), p. 3250/17.7T8VCT-A.G1.
Note-se que relativamente à litigância de má-fé, a advertência feita às partes no decurso da audiência prévia não permite considerar observado o princípio do contraditório, no que toca ao facto em análise.
Com efeito, se é verdade que naquela audiência o Mmº Juiz a quo consagrou expressamente, no ponto VII- do despacho ali proferido que “em conformidade com a doutrina constante do ac. do T.C. nº 440/94 (…) a matéria de facto controvertida objecto da presente acção, quer no que respeita aos factos alegados pelo autor, quer no que respeita à impugnação desses factos efectuada pela ré, poderá vir a ser considerada para efeitos do artigo 542º do Código de Processo Civil (litigância de má-fé), caso se mostre verificada a ocorrência deste vício processual“,  o certo é que o facto vertido no ponto 9. dos factos provados não foi alegado por qualquer das partes, e só veio a revelar-se em momento posterior à prolação daquele despacho, pelo que não pode considerar-se abrangido por tal advertência.
Da análise da ata de audiência de julgamento e da audição da respetiva gravação resulta que em momento algum foi proferido qualquer despacho informando as partes da possibilidade de, na sentença final, ser considerado o facto que veio a constar do ponto 9. dos factos da sentença.
Aliás, a inexistência de um tal despacho não é contestada nem pela ré, nas contra-alegações, nem pelo Mmº Juiz a quo, no despacho de sustentação da nulidade invocada.
Em consequência, e por todo o exposto, conclui-se pela verificação da nulidade decorrente da inobservância do disposto contraditório imposto pelo art. 5º, nº 2, al. b) do CPC, devendo a mesma ser enquadrada nos termos do disposto no art. 195º do CPC.
As consequências desta nulidade são as previstas no nº 2 deste último preceito, que estabelece que quando um ato deva ser anulado, anulam-se igualmente os termos subsequentes que sejam dele dependentes, e ressalva que a nulidade de parte de um ato não prejudica as partes não afetadas.
A filosofia subjacente ao regime das nulidades processuais consiste assim no máximo aproveitamento dos atos praticados, conquanto os mesmos não se devam considerar afetados pela nulidade.
No caso vertente, o último momento processual previsto para a observância do dever omitido é o previsto no art. 607º, nº 1, 2ª parte do CPC.
Com efeito, dispõe este normativo, na parte que interessa, que mesmo depois de encerrada a audiência, o juiz pode reabri-la para que se proceda a diligências complementares de instrução da causa.
Tal significa que o processo deve regressar à fase da audiência de julgamento, aproveitando-se toda a prova produzida, mas observando-se o contraditório relativamente aos factos vertidos no ponto 9. dos factos provados, isto é, devendo o Mmº Juiz a quo proferir despacho informando as partes da possibilidade de o Tribunal, na sentença final, atender a tais factos, e concedendo às mesmas a possibilidade de indicarem e produzirem prova.
Observado o contraditório, e produzidas as provas que houver que produzir relativamente a tal facto, deverá a audiência ser concluída, com a produção de alegações, após o que deve ser proferida nova sentença.

Face ao supra decidido, fica prejudicada a apreciação das demais questões que integravam o objeto do presente recurso (art. 608º, nº 2, 2ª parte, aplicável ex vi do art. 663º, nº 2, ambos do CPC).

5. DECISÃO
Pelo exposto, acordam os juízes nesta 7ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Lisboa em declarar nulo o processado subsequente ao encerramento da audiência de julgamento, devendo o Tribunal a quo reabrir a audiência de julgamento, com a prolação de despacho que informe as partes da possibilidade de na sentença vir a considerar os factos vertidos no ponto 9. da sentença recorrida, e conceda às partes a possibilidade de sobre os mesmos se pronunciarem e eventualmente requererem a produção de meios de prova relativamente aos mesmos, seguindo-se os demais termos da causa.
Custas pela recorrida.

Lisboa, 08 de Outubro de 2019 [23]

Diogo Ravara
Ana Rodrigues da Silva
Micaela Sousa (com declaração de voto que segue)

Declaração de voto:
Votei a decisão, considerando que relativamente ao aditamento sob o ponto 9. da enunciação da matéria de facto provada de um novo facto, concretizador daqueles que integram a causa de pedir, deveria ter sido previamente exercido o contraditório, mas, ao contrário da posição que fez vencimento, entendo que essa omissão se comunicou à decisão proferida, de modo que tal fundamento de recurso reveste a natureza de arguição de uma nulidade daquela decisão, por excesso de pronúncia, nos termos do art. 615º, n.º 1, al. d), in fine, do CPC (cf. nesse sentido Prof. Miguel Teixeira de Sousa, Blog do IPPC, 29-11-2016, Jurisprudência (496) Decisão-surpresa; nulidade; investigação da paternidade; caducidade, disponível em https://blogippc.blogspot.com/2016/11/jurisprudencia-496_29.html).

Micaela Sousa


[1] Omitimos nesta sede os trechos transcritos, sem prejuízo da sua apreciação se e na medida em que  tal se revelar pertinente.
[2] Neste sentido cfr. Abrantes Geraldes, “Recursos no Novo Código de Processo Civil”, 5ª Ed., Almedina, 2018, pp. 114-117
[3] Vd. Abrantes Geraldes, ob. cit., p. 119
[4] Conclusão 3ª.
[5] Conclusões 8. e 11.
[6] “Código de Processo Civil Anotado”, Vol. V, Coimbra 3ª Ed., p. 143.
[7] “Da Sentença Cível”, in “O novo processo civil”, caderno V, e-book publicado pelo Centro de Estudos Judiciários, jan. 2014, p. 370, disponível em
http://www.cej.mj.pt/cej/recursos/ebooks/ProcessoCivil/CadernoV_NCPC_Textos_Jurisprudencia.pdf
[8] Todos os arestos invocados no presente acórdão se encontram publicados em http://www.dgsi.pt e/ou e https://jurisprudencia.csm.org.pt/. A versão digital do presente acórdão contém hiperligações para todos os arestos nele citados que se mostrem publicados em páginas internet de livre acesso.
[9] “Comentário Ao Código de Processo Civil”, Vol. 2º-Coimbra Editora, 1945, p. 507
[10] “Noções Elementares de Processo Civil”, Coimbra Editora, 1993 (reimpressão), p. 183.
[11] “Manual de Processo Civil, 2ª Ed., Coimbra Editora,1985, p. 393.
[12] “Direito Processual Civil Declaratório”, vol. III, Almedina, 1982, p. 134.
[13] Itálicos nossos.
[14] “Introdução ao Processo Civil – Conceito e princípios gerais à luz do novo código”, 4ª ed., Gestlegal, 2017, p. 168.
[15] “O princípio dispositivo e a alegação de factos em processo civil”, Revista da Ordem dos Advogados, 2013 II/III, pp. 612-615, disponível em https://portal.oa.pt/upl/%7Bede93150-b3ab-4e3d-baa3-34dd7e85a6ef%7D.pdf.
[16] “Algumas questões sobre o ónus de alegação e de impugnação em processo civil”, Scientia Iuridica, Tomo LXII n.º 332, mai-ago 2013.
[17] “Processo civil declaratório”, 2ª ed., reimpressão, 2018, p. 21.
[18] “Primeiras notas ao Código de Processo Civil”, Vol. I, 2ª ed., pp. 39-41.
[19] Ob. e lug. cits., pp. 396-397.
[20] Ob. cit., p. 22.
[21] Ob. e vol. cits., p. 4 e 521.
[22] “Código de Processo Civil Anotado”, Vol. I, Almedina, 2018, p. 29.
[23]Acórdão assinado digitalmente – cfr. certificados apostos no canto superior esquerdo da primeira página.