Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
01A4351
Nº Convencional: JSTJ00042694
Relator: BARROS CALDEIRA
Descritores: LITIGÂNCIA DE MÁ FÉ
CONDENAÇÃO
CONTRADITÓRIO
Nº do Documento: SJ200202280043511
Data do Acordão: 02/28/2002
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA.
Decisão: CONCEDIDA A REVISTA.
Área Temática: DIR PROC CIV.
Legislação Nacional: CPC95 ARTIGO 3 N3 ARTIGO 459.
Sumário : Sem contraditório não pode haver condenação por litigância de má fé.
Decisão Texto Integral: Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:

A, intentou contra B e C, acção declarativa com a forma ordinária, pedindo a condenação dos réus no pagamento da quantia de 7000000 escudos e nos juros moratórios vencidos e vincendos, à taxa legal, até integral e efectivo pagamento.

Os réus contestaram e terminam pedindo que a acção seja julgada improcedente; que sejam absolvidos do pedido; que o autor seja condenado em multa por litigância de má fé.

Após a tramitação processual normal realizou-se o julgamento, que decorreu com observância do formalismo legal.

Foi proferida sentença, na qual a acção foi julgada improcedente por não provada e os réus absolvidos do pedido, tendo o autor sido absolvido do pedido de condenação em multa por litigância de má fé.

Inconformado o autor interpôs recurso de apelação da sentença.

Após as alegações serem juntas ao processo, no Tribunal da Relação de Lisboa o Sr. Desembargador Relator recebeu tabelarmente o recurso e de seguida, os Srs. Desembargadores Adjuntos apuseram os vistos, sem quaisquer considerações.

Por fim, foi proferido acórdão, em que foi acordado:
- negar provimento à apelação, confirmando-se a sentença recorrida;
- condenar o autor como litigante de má-fé, na multa de 15 unidades de conta (artigo 102 alínea a) do Código das Custas Judiciais;
- ordenar a extracção de certidão da petição, contestação, carta de fls. 88, dos depoimentos das testemunhas, transcritos a fls. 121 e seguintes e deste acórdão, a sua oportuna remessa pelo Tribunal recorrido ao Digno Magistrado do Ministério Público que for competente;
- finalmente, dar cumprimento ao que se dispõe no citado artigo 459, facultando-se o conhecimento à Ordem dos Advogados do facto de se ter implicado a Senhora Advogada, constituída pelo A., na responsabilidade pela condenação por má fé de que este foi alvo.

Inconformado o autor recorreu de revista do acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa.

Recebido o recurso, foram pelo recorrente apresentadas as suas alegações, que terminaram com as seguintes conclusões:
1ª - A decisão impugnada, para além de confirmar a sentença da primeira instância, condenou ainda o autor como litigante de má-fé e responsabiliza a senhora advogada que o representa, pessoal e directamente, pela má-fé de que o autor foi alvo;
2ª - Desse facto foi dado cumprimento ao que se dispõe no artigo 459 do Código de Processo Civil - conhecimento à Ordem dos Advogados;
3ª - À advogada visada, não foi dada a possibilidade de audição e defesa quanto a essa matéria;
4ª - Sendo proferido, e sem mais um juízo positivo sobre a existência de uma ilicitude e de uma culpa em tudo idêntica ao que é emitido quando da condenação da parte por litigância de má-fé.
5ª - Essa comunicação, equivale a um juízo de condenação, que nada tem de discricionário, e devendo ela ser precedida da audição da mandatária visada...
6ª - ... a fim de se poder defender dessa imputação;
7ª - Termos em que in caso, a omissão desse procedimento é causa de nulidade que vicia nessa parte o acórdão recorrido;
8ª - A qual se arguiu e deve ser determinada com as legais consequências.

Os recorridos não apresentaram alegações.

Foram colhidos os vistos legais.

Cabe decidir.

Questão única a decidir:
Apreciação, no acórdão recorrido, da legalidade ou ilegalidade de má fé, com implicação nessa condenação da sua advogada constituída e comunicação consequente à Ordem dos Advogados, nos termos do artigo 459 do Código de Processo Civil.

Decorre do processo, que, na sentença da 1ª instância, o autor foi absolvido do pedido de condenação como litigante de má fé, formulado pelos réus na contestação.

Desta sentença recorreu tão só o autor por os réus terem sido absolvidos do pedido.

Só o autor apresentou alegações impugnando a sentença no referente à absolvição do pedido.

No Tribunal da Relação, o Sr. Desembargador relator, antes da produção do acórdão recorrido, não deu ao autor conhecimento do propósito de o mesmo vir a ser condenado como litigante de má-fé e à advogada do mesmo do propósito desta vir a ser implicada em tal condenação.

No acórdão recorrido o autor foi condenado como litigante de má-fé e a sua advogada responsabilizada em tal condenação.

"Quid Juris"?

Nos termos do n.º 3 do artigo 3 do Código de Processo Civil:
"O juiz deve observar e fazer cumprir, ao longo de todo o processo, o princípio do contraditório, não lhe sendo lícito, salvo caso de manifesta desnecessidade, decidir questões de direito ou de facto, mesmo que de conhecimento oficioso, sem que as partes tenham tido a possibilidade de sobre elas se pronunciarem".

Com este preceito legal o legislador prescreveu "... a proibição da prolação de decisões surpresas ...", como decorre do preâmbulo do Decreto-lei 329-A/95, de 12 de Dezembro.

A condenação de uma das partes como litigante de má-fé, com implicação da sua advogada na mesma, embora seja de conhecimento oficioso, é uma questão de direito importante para a parte e sua advogada.

Tanto assim é, que nos termos do n.º 3 do artigo 456º do Código de Processo Civil:
"Independentemente do valor da causa e da sucumbência, é sempre admitido o recurso, em um grau, da decisão que condene por litigância de má-fé."

No caso dos autos, o Sr. Desembargador relator, como já se disse, não deu conhecimento ao autor e à advogada deste, do propósito de o primeiro vir a ser condenado como litigante de má-fé e da segunda vir a ser responsabilizada em tal condenação.

O autor e a sua advogada não tiveram, pois, qualquer hipótese de se pronunciarem sobre tais questões, antes da prolação do acórdão.

Sendo assim, a condenação do autor como litigante de má-fé e a responsabilização da sua advogada em tal condenação, no acórdão recorrido, são decisões surpresa e, por isso, ilícitas, nos termos do n.º 3 do artigo 3 do Código de Processo Civil.

O Tribunal da Relação conheceu de questões, de que não podia, naquele momento, tomar conhecimento, pelo que, nos termos do disposto no artigo 668, n.º 1, alínea d), in fine, do Código de Processo Civil, o acórdão recorrido nessa parte, é nulo.

Procedem, pois, as conclusões recursórias.

Pelo exposto, acorda-se em conceder a revista e, em consequência, anula-se o acórdão recorrido, na parte em que se condenou o autor como litigante de má-fé, que se responsabilizou a advogada deste em tal condenação e se ordenou a comunicação desta responsabilização à Ordem dos Advogados, ordenando-se a remessa do processo ao Tribunal recorrido, para que seja ordenado o cumprimento do disposto no n.º 2 do artigo 3 do Código de Processo Civil, no referente a tais matérias, para depois, estabelecido o contraditório, se decidir em conformidade.

Sem custas.

Lisboa, 28 de Fevereiro de 2002
Barros Caldeira,
Lopes Pinto,
Faria Antunes.