Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
2316/12.4TBPBL.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: ANTÓNIO CARVALHO MARTINS
Descritores: FACTOS ESSENCIAIS
FACTOS COMPLEMENTARES
FACTOS INSTRUMENTAIS
CONTRADITÓRIO
Data do Acordão: 02/23/2016
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: COMARCA DE LEIRIA - POMBAL - INST. CENTRAL - 2ª SEC. F. MEN. - J3
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ART.5 CPC
Sumário: 1.- Os factos complementares ou concretizadores são aqueles que especificam e densificam os elementos da previsão normativa em que se funda a pretensão do autor - a causa de pedir - ou do reconvinte ou a excepção deduzida pelo réu como fundamento da sua defesa, e, nessa qualidade, são decisivos para a viabilidade ou procedência da acção/reconvenção/defesa por excepção.

2.- Se não forem oportunamente alegados e se nem as partes nem o tribunal, ao longo da instrução da causa, os introduzirem nos autos, garantindo o contraditório, a decisão final de mérito será desfavorável àquele a quem tais factos (omitidos) beneficiavam.

3. Sem prejuízo de às partes caber a formação da matéria de facto, mediante a alegação, nos articulados, dos factos principais que integram a causa de pedir, a reforma do processo civil atribuiu ao Tribunal a assunção de uma posição muito mais activa, por forma a aproximar-se da verdade material e alcançar uma posição mais justa do processo.

4. Reconhecendo-se agora ao Juiz, para além da atendibilidade dos factos que não carecem de alegação e de prova a possibilidade de considerar, mesmo oficiosamente, os factos instrumentais, bem como os essenciais à procedência da pretensão formulada, que sejam complemento ou concretização de outros que a parte haja oportunamente alegado e de os utilizar quando resultem da instrução e da discussão da causa e desde que a parte interessada manifeste vontade de deles se aproveitar e à parte contrária tenha sido facultado o exercício do contraditório.

5. Os factos essenciais, a que se refere o art.5º nCPC, têm necessariamente de ser complementares ou concretizantes de outros factos essenciais oportunamente alegados em fundamento do pedido ou da excepção.

6. Essa complementaridade ou concretização tem de ser aferida pela factualidade alegada na petição inicial, isto é, pela causa de pedir invocada pelo autor, ou pela factualidade que fundamenta a excepção invocada na contestação.

7. Só são atendíveis os factos essenciais não alegados nos articulados e os instrumentais, desde que tenham sido submetidos ao regime de contraditório e de prova durante a discussão da causa.

Decisão Texto Integral:

Acordam, em Conferência, na Secção Cível do Tribunal da Relação de Coimbra:

I - A Causa:

1. C (…) intentou a presente ação de divórcio sem consentimento do outro cônjuge contra V (…), alegando, em síntese, ser casada com o réu e estar dele separada de facto desde 15 de dezembro de 2009.

Disse ainda que o réu está a morar em comunhão de facto com outra mulher pelo menos desde 23 de dezembro de 2009, sendo propósito da autora não restabelecer a vida em comum.

Terminou peticionando que se decrete a dissolução do seu casamento com o réu, por divórcio.

Juntou certidão de assento de casamento e certidão de assento de nascimento das filhas comuns.

2. Foi agendada tentativa de conciliação, não tendo as partes alcançado a totalidade dos acordos necessários à convolação do divórcio em mútuo consentimento.

3. O réu foi citado para contestar a ação.

4. A autora deduziu incidente de prestação de alimentos, peticionando a condenação do réu no pagamento da pensão mensal de € 250, atualizável de acordo com o aumento salarial.

5. Foi realizada nova tentativa de conciliação, tendo as partes requerido o prazo de 15 dias para juntarem a relação dos bens comuns do casal, o que lhes foi concedido, não tendo estas feito a junção de uma relação única de bens comuns, mas de uma relação de bens cada uma.

6. Foi designada data para continuação da tentativa de conciliação, na qual os cônjuges não se reconciliaram nem alcançaram os acordos necessários à convolação do processo para divórcio por mútuo consentimento.

Na mesma diligência, o Tribunal entendeu adequar processualmente a marcha do processo e ordenou o julgamento conjunto do pedido de divórcio e do pedido de prestação de alimentos, tendo determinado a notificação do réu para contestar globalmente ambos os pedidos.

7. O réu não apresentou contestação, foi elaborado despacho saneador e realizada audiência final, tendo sido inquiridas quatro testemunhas.

8. No decurso da audiência final, o Tribunal ordenou a notificação das partes para se pronunciarem quanto à litigância de má-fé da autora, no que respeita ao pedido de alimentos e por poder verificar-se algum dos fundamentos para a cessação do direito a alimentos prevista no artigo 2019.º do Código Civil.

Na sequência desta notificação, o réu pugnou pela existência de litigância de má-fé por parte da autora e a autora defendeu não estar a litigar de má-fé.

*

Oportunamente, foi proferida decisão onde se consagrou que

«Face ao exposto e ao abrigo das disposições legais citadas,

1. Decreto a dissolução, por divórcio, do casamento celebrado entre a autora e o réu;

2. Julgo improcedente o pedido de condenação do réu no pagamento de uma prestação de alimentos à autora;

3. Não condeno a autora como litigante de má-fé.

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Custas da ação por autora e réu, na proporção de ¾ para a autora e ¼ para o réu, face ao decaimento da autora no pedido de alimentos e ao facto de ambos concordarem no divórcio (artigos 527.º, nos 1 e 2, do Código de Processo Civil).

*

Comunique à Conservatória do Registo Civil (artigos 1.º, n.º 1, als. d) e q), 69.º, n.º 1, al. a), e 78.º do Código do Registo Civil)».

C (…) requerente nos autos à margem referenciados e neles melhor identificada, não se conformando com a sentença na parte, veio dela interpor recurso de apelação, alegando e concluindo que:

(…)

Não foram produzidas contra-alegações.

*

*

II. Os Fundamentos:

Colhidos os vistos legais, cumpre decidir:

*

Matéria de Facto assente na 1ª Instância e que consta da sentença recorrida:

III.1. FACTOS PROVADOS

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Dos elementos trazidos aos autos, consideram-se provados os seguintes factos, com interesse para a decisão:

1. Autora e réu casaram a 20 de agosto de 1994, sem convenção antenupcial, sendo que, na data do casamento, a autora tinha 23 anos e o réu tinha 23 anos.

2. J (…) está registada como sendo filha de V (…) e de C (…) e como tendo nascido a 13 de outubro de 1996.

3. F (…) está registada como sendo filha de V (…) e de C (…) e como tendo nascido a 30 de outubro de 2000.

4. Por sentença de 16 de março de 2012 foram reguladas as responsabilidades parentais relativamente a J (…) e a F (…), tendo ficado estabelecido que a primeira ficaria a residir com V (…) e a segunda com C (…) e que a autora pagaria € 75 a título de alimentos devidos à filha J (…) e que o réu pagaria € 150 de alimentos devidos à filha F (…).

5. Autora e réu estão separação de facto desde dezembro de 2009.

6. O Réu está a morar em comunhão de facto com outra mulher.

7. A autora não pretende restabelecer a vida em comum com o réu.

8. No momento da separação e atualmente a autora trabalhava e trabalha no bar de um colégio e o réu trabalhava e trabalha como motorista.

9. A autora reside com a filha F (…).

10. O réu reside com a filha J (…).

11. A autora reside numa moradia, com garagem e sótão, e tem despesas domésticas tidas como normais e comuns à generalidade das pessoas com agregado familiar idêntico.

12. A autora aufere pelo menos € 555 de retribuição base mensal e, nos meses de Setembro e outubro de 2012, recebeu a remuneração líquida de € 625,04.

13. O réu aufere o vencimento base de € 620 e, no mês de março de 2015, recebeu uma remuneração líquida de € 1.582,83.

14. A autora mantém um relacionamento amoroso, incluindo de cariz sexual, com C (…) que dura há cerca de 3 anos.

15. A autora gosta de C (…) e no futuro quer vir a viver com ele.

16. C (…) dá géneros alimentares à autora e passaram juntos o dia de Páscoa, incluindo com os filhos de ambos e outros familiares.

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III.2. FACTOS NÃO PROVADOS

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Não se provaram outros factos relevantes para a decisão, designadamente não se provou o seguinte:

a)O facto 6 iniciou-se pelo menos em 23 de dezembro de 2009.

b)Qualificações profissionais e possibilidade de emprego de autora e réu.

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Nos termos do art. 635° do CPC, o objecto do recurso acha-se delimitado pelas conclusões do recorrente, sem prejuízo do disposto no art. 608°, do mesmo Código.

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Das conclusões, ressaltam, na sua matriz redactorial originária, as seguintes questões:

I.

11. Deve ser modificada a decisão proferida sobre a matéria de facto, não devendo ser dado como provado o facto constante do ponto 15).

12. Acresce que da factualidade provada (e articulada) deveria ter o Tribunal condenado o R. em alimentos.

Apreciando, destaquem-se (em naipe) os elementos que, no seu conjunto, determinaram o tipo de consagração (conexa e adjacente) expressa, que vem questionada:

14. A autora mantém um relacionamento amoroso, incluindo de cariz sexual, com C (…), que dura há cerca de 3 anos.

15. A autora gosta de C (…) e no futuro quer vir a viver com ele.

16. C (…) dá géneros alimentares à autora e passaram juntos o dia de Páscoa, incluindo com os filhos de ambos e outros familiares.

A tal respeito, considera-se não bastar uma qualquer divergência na apreciação e valoração da prova para determinar a procedência da impugnação, sendo necessário constatar um erro de julgamento (cf, Ac. da ReI. de Coimbra de 17-04-2012. proc. n° 1483/09.9TBTMR.C 1. acessível em www.dgsi.ptljtrc; no mesmo sentido, veja-se A. ABRANTES GERALDES in "Julgar', n° 4, Janeiro/Abril 2008, Reforma dos Recursos em Processo Civil, páginas 74 a 76 e o Ac. do S.TJ. de 15-09-2010, proferido no proc. n0241/05ATTSNT.L 1.S1, acessível em www.dgsi.ptlstj.)

E assim o é em atenção ao entendimento de que a efectiva garantia do duplo grau de jurisdição em matéria de facto (consignado no art. 662° do N.C.P.Civil), impõe que o Tribunal da Relação, depois de reapreciar as provas apresentadas pelas partes, afirme a sua própria convicção acerca da matéria de facto questionada no recurso, não podendo limitar-se a verificar a consistência lógica e a razoabilidade da que foi expressa pelo tribunal recorrido.

Este sendo o sentido e alcance que se atribui ao princípio da liberdade de julgamento fixado no art. 607º, nº5, NCPC.

Exercitando-o - e após reconstituição da prova produzida, em particular de outiva em relação aos depoimentos prestados, adrede convocados - considera-se, por autónomo convencimento, que se mostram conformes a deles se retirar a emissão conceitual suficiente e capaz para sustentar, adequadamente - tal como em decisório sobre tais pontos não deixou de se fazer -, que

«Os factos 14 a 16 foram dados como provados na sequência das declarações prestadas pela autora em sede de audiência final, na parte em que referiu que há cerca de 3 anos que mantém um relacionamento com um senhor de nome (…), relacionamento esse que inclui atividade sexual, com uma periodicidade mensal; que gosta deste senhor e que no futuro quer vir a viver com ele, pese embora não saiba se é esse o desejo do Sr. (…). Referiu ainda que o Sr. C (...) lhe fornece bens alimentares.

Ouvido pelo Tribunal, C (…) confirmou o relacionamento com a autora, ainda que o designe como “amizade”, e disse que inclui atividade sexual, com uma periodicidade quinzenal, em regra; que passaram juntos o dia de Páscoa, incluindo com os filhos de ambos e outros familiares; e que dá géneros alimentares à autora, designadamente porcos da sua criação».

Com os factos dados como não provados a resultarem da ausência de prova. Do mesmo modo a ponderar que se não pode perder de vista a consideração de que a prova de um facto assenta, em processo civil, num juizo de preponderância em que esse facto provado se apresente. fundamentalmente, como mais provável ter acontecido do que não ter acontecido, como no caso vertente se evidencia (neste sentido, Ac. RC, de 06.03.2012, disponível em www.dgsLpt; também Ac. RC. 25.02.2014 (Relatora Maria José Guerra l, no Processo com o N° 1712.12.1YIPRT.C 1 ).

Consequentemente, alinhados e aferidos os elementos de prova com interesse para o esclarecimento do caso -, na relação intra-diegética dos Autos e no binómio verdade material/verdade real intra-processual, impõe-se, a tal pretexto, validar a decisão relativamente às respostas consubstanciadas nos pontos em causa que vêm questionados, designadamente no que tange ao que vem referenciado com o nº15.

Funcionando como elementos confluentes e afluentes, aqueles decorrentes de se haver considerado provado (sem merecer objecção) que:

«1) Duração do casamento: o casamento entre autora e réu dura há 20 anos, estando separados de facto há 5 anos;

2) Idade dos cônjuges: autora e réu têm atualmente 43 ou 44 anos (em função da idade que tinham à data do casamento);

3) Qualificações profissionais e possibilidades de emprego: a autora trabalha no bar de um colégio e o réu trabalha como motorista;

4) Tempo que terão de dedicar, eventualmente, à criação de filhos comuns: a filha J (…) reside com o réu e a filha F (…) reside com a autora;

5) Rendimentos e proventos: a autora aufere pelo menos € 555 de retribuição base mensal e, nos meses de Setembro e outubro de 2012, recebeu a remuneração líquida de € 625,04 e o réu aufere o vencimento base de € 620 e, no mês de março de 2015, recebeu uma remuneração líquida de € 1.582,83;

6) Um novo casamento ou união de facto: o réu mora em comunhão de facto com outra mulher e a autora mantém um relacionamento amoroso com um homem;

7) A autora reside numa moradia e tem despesas domésticas normais».

Revelando-se perfeitamente conforme e adequada a fundamentação/motivação encontrada e expressa, ao se fazer ressumar que

«Tanto no momento da separação como atualmente a autora trabalhava e trabalha no bar de um colégio e aufere pelo menos € 555 de retribuição base mensal.

Reside com a filha F(…) numa moradia, com garagem e sótão, e tem despesas domésticas normais.

O réu está obrigado ao pagamento de € 150 de pensão de alimentos à filha F(…).

É evidente que os rendimentos do agregado familiar da autora estão longe de poderem ser considerados elevados, contudo importa salientar que a autora aufere mensalmente um valor superior à remuneração mínima garantida, que atualmente se conta em € 505 (Decreto Lei n.º 144/2014, de 30 de setembro).

Por outro lado, a autora não provou que tenha despesas extraordinárias, superiores ao que é normal numa casa, apenas indicou ter gastos correntes com água, luz, telefone, tendo-se apurado que as suas despesas são tidas como normais.

Diferente seria se, por exemplo, padecesse de doença crónica que exigisse gastos avultados em medicação ou consultas médicas.

Por seu turno, o réu aufere um valor líquido superior, ainda que a remuneração base seja muito semelhante.

Constituiu uma nova família e é de aceitar que também terá as suas despesas correntes, incluindo quanto à filha do casal que ficou a seu cargo e que já atingiu a maioridade.

Não se afigura que o réu tenha um rendimento mensal de tal ordem que o dever de assistência à família (incluindo ao ex-cônjuge) imponha, numa lógica de imperativo ético, qualquer prestação de alimentos ao seu ex-cônjuge.

Resumidamente, não provou a autora estar numa situação de necessidade de alimentos que justifique a condenação do réu a pagar-lhos, pelo que a sua pretensão terá de ser indeferida».

O que, por sua vez, decorre directamente do enunciado próprio ordenamento jurídico de compatibilidade. Pois que, por emergência, desde logo, do disposto no art. 2016º Código Civil, constitui questão de facto o apuramento das condições de que depende a fixação do quantitativo dos alimentos. Tal fixação é, contudo, questão de direito. E se é certo que os Tribunais de Relação podem lançar mão de presunções, tirando ilações da matéria de facto provada, desde que as mesmas se limitam a desenvolvê-la, não a contrariando frontalmente. E que o Supremo Tribunal de Justiça não pode censurar a aplicação de regras de experiência (Ac. STJ, 24-10-1994: BMJ, 440.º-492), a verdade é que a prova produzida não permite extrapolações, na sua ínsita revelação.

Do mesmo modo, levando em consideração que, decretado o divórcio, a finalidade da lei não é a de equiparar ambos os ex-cônjuges e de lhes assegurar o mesmo nível de vida que mantinham no período de vigência do casamento, mas sim o de proporcionar ao ex-cônjuge carecido o indispensável à vivência diária, sendo pressuposto da atribuição do direito a alimentos, a verificação da situação de necessidade do ex-cônjuge e, necessariamente, da possibilidade do devedor em os prestar (Ac. RE, 5-12-2002: CJ, 2002,5.º-243).

Nos individualizados termos dos arts. 2004, n.º 2, e 2016.°, n.º 3, do Cód. Civil dever-se-á atender a todas as circunstâncias que influam sobre as necessidades do cônjuge que receba alimentos e as possibilidades de quem os presta  (Ac. STJ, 29-5-1991: AJ, 19.°-17). Sendo que à alimentanda, autora na acção, cumpre alegar e provar não só a necessidade do valor peticionado, como a possibilidade de o devedor o prestar. O que não consumou.

Sendo que, por outro lado, não se deve exigir ao obrigado que, para prestar alimentos, ponha em perigo a sua própria manutenção de acordo com a sua condição (Abel Delgado, Divórcio, 1994, p. 167). Tanto assim que, a prestação de alimentos devida ao cônjuge não se mede pelas estritas necessidades vitais, visando apenas assegurar ao necessitado o trem de vida a que tem jus como cônjuge (ou ex-cônjuge) de devedor, tendo-se, no entanto, em conta as reais possibilidades deste (Ac. RC, 10.11.1992:BMJ, 421-508).

Quer isto dizer que, contrariamente ao que se indicia no alegado, a matéria de facto dada como provada (e a demais!...) não está em manifesta oposição com a decisão proferida. O que acontece é que a inferência que se pretende, da prova produzida e chancelada, não é processual e materialmente possível, uma vez que a fixação de alimentos não poderá deixar de atender aos pressupostos mencionados. E esses reconduzem-se, na circunstância, aos que os Autos revelam, uma vez que a prova, reproduzida integralmente pelo Tribunal da Relação, se perfila como adequadamente eleita e valorada.

Em tais termos, pois que só há omissão de pronúncia com vício de limite previsto na al. d) do nº1 do art. 668º do CPC (615º NCPC), quando o Tribunal incumpre quanto aos seus poderes e deveres de cognição o disposto no nº2 do art. 660º do mesmo diploma (608º NCPC) (Ac. STJ, de 14.9.2010:Proc. 461/2001.L1.S1.dgsi.Net). O que, circunstancialmente, não se verificou.

Consequentemente, alinhados e aferidos os elementos de prova com interesse para o esclarecimento do caso -, na relação intra-diegética dos Autos e no binómio verdade material/verdade real intra-processual, impõe-se, a tal pretexto, validar a decisão relativamente às respostas consubstanciadas nos pontos em causa que vêm questionados.

Verificando-se, assim, que o tribunal apreciou livremente as provas e respondeu segundo a convicção que formou acerca de cada facto, tudo em harmonia com o disposto no art. 655° do Cód. Proc. Civil (607º NCPC). Isto porque o regime de prova é dominado pelo princípio da prova livre - o tribunal aferir livremente as provas; em qualquer circunstância, analisando-as criticamente e especificando os fundamentos que foram decisivos para a convicção do julgador. Deste modo, pois que o julgador não é arbitrário na apreciação das provas pericial e testemunhal, mas é, legalmente até, livre, na apreciação desses meios probatórios.

A decisão mostra-se, do mesmo modo, conforme ao dictat do que se consigna no art. 659°, do CPC, maxime, no seu n°3 (607º NCPC), pois na fundamentação da sentença, imperativamente, o juiz tomará em consideração os factos admitidos por acordo, provados por documentos ou por confissão reduzida a escrito e os que o tribunal deu como provados, fazendo o exame crítico das provas de que lhe cumpre conhecer. O que, igualmente, considerações feitas, se mostra observado.

Assim, pois que o ónus de prova - sempre na referência do art. 342º, nº1, Código Civil - consiste na necessidade de observância de determinado comportamento, não para satisfação do interesse de outrem, mas como pressuposto da obtenção de uma vantagem para o próprio, a qual pode, inclusivamente, cifrar-se em evitar a perda de um benefício antes adquirido (Antunes Varela, Obrigações, 35); traduz-se, para a parte a quem compete, no encargo de fornecer a prova do facto visado, incorrendo nas desvantajosas consequências de se ter como líquido o facto contrário, quando omitiu ou não logrou realizar essa prova; ou na necessidade de, em todo o caso, sofrer tais consequências se os Autos não contiverem prova bastante desse facto (trazida ou não pela mesma parte) (Manuel de Andrade, Noções Elementares de Processo Civil, 1956, p.184).

Revelando-se, pois, para a parte a quem compete, no dever de fornecer a prova do facto visado, sob pena de sofrer as desvantajosas consequências da sua falta. Assim, exactamente, pois que todos os elementos considerados deficitários, neste horizonte problemático, alegadamente inconsiderados, pela recorrente, foram levados em conta, na decisão proferida.

O que atribui resposta negativa às questões em I.  

14. A autora mantém um relacionamento amoroso, incluindo de cariz sexual, com C (…), que dura há cerca de 3 anos.

15. A autora gosta de C (…) e no futuro quer vir a viver com ele.

16. C (…) dá géneros alimentares à autora e passaram juntos o dia de Páscoa, incluindo com os filhos de ambos e outros familiares.

Neste particular, não podem os factos que vêm aludidos (convertidos em questões tendo em conta o tipo e profusão das conclusões apresentadas) deixar de se considerar uma emergência directa e explícita da prova produzida. Não sofrem por isso contestação nem consentem alternativa. Consequentemente, não podem deixar de provocar os efeitos judiciários que lhe foram atribuídos em decisório. Sendo, por isso, de indeferir o pedido de alimentos feito ao ex-marido e requerido pela mulher divorciada, que, após o divórcio, manteve (no condicionalismo consagrado) relações sexuais com terceiro (Ac. RL, 12-2- I 987: CJ, 1987, 1.°-120). Por sua vez, vivendo o ex-marido em comunhão de mesa e habitação com outra mulher que não a esposa, razoável é presumir que cada um deles suporta metade da renda da casa onde vivem e das despesas do casal (AcRC, 12-4-1988: CJ, 1988,2 .º -64). Representando, com essa amplitude, específica ablação dos seus rendimentos pessoais. Sem que se possa arredar, no caso, tal assumindo particular relevância, o circunstancialismo que resultou provado - e em tal se consubstanciam as questões/argumentos agora esgrimidos - segundo o qual, exactamente: “a autora mantém um relacionamento amoroso, incluindo de cariz sexual, com C (…), que dura há cerca de 3 anos; a autora gosta de C (…) e no futuro quer vir a viver com ele; C (…) dá géneros alimentares à autora e passaram juntos o dia de Páscoa, incluindo com os filhos de ambos e outros familiares”.

Assim, pois que o direito a alimentos do divorciado tem natureza alimentar e é condicionado, tal como na pendência do casamento, pelas necessidades do alimentando e pelas possibilidades do alimentante (Ac. STJ, 24-6-1993: BMJ,428.º-599). Por sua vez, decretado o divórcio, a finalidade da lei (designadamente do disposto no art. 2016º Código Civil - divórcio e separação judicial de pessoas e bens), não é a de equiparar ambos os ex-cônjuges e de assegurar-lhes o mesmo nível de vida que mantinham no período de vigência do casamento, mas sim o de proporcionar ao ex-cônjuge carecido o indispensável à vivência diária, sendo pressuposto da atribuição do direito a alimentos, a verificação da situação de necessidade do ex -cônjuge, da possibilidade do devedor em os prestar (Ac. RE, 5-12-2002: CJ, 2002,5.º-243). Com tal estado de necessidade daquela (cônjuge peticionante) a se não evidenciar nos Autos.

Não deixando de se apreciar, tendo em conta a situação de “estado” em que se encontra a requerente com o referenciado C (…), que se concede que uma união de facto não é - nessa individualizada conformação - uma situação familiar (Cf. Ac. RL, 28.6.1990: CJ, 1990: 3º-152), resultando, não obstante, inequivocamente provado uma específica contribuição patrimonial daquele para com a recorrente, assim também afluente para, juntamente como os rendimentos e condições de vida garantidos (quanto a casa e salário), nos Autos evidenciados, da peticionante, lhe concedam, na sua dimensão, autonomia.

Retenha-se, para o efeito - o que não sai controvertido -, que, como assinalado:

 “O facto 7 decorre da postura assumida pela autora no processo, designadamente em sede de tentativas de conciliação.

As atividades profissionais de autora e réu foram dadas como provadas na sequência do depoimento das testemunhas inquiridas e, quanto à autora, também por referência aos documentos de fls. 36 e 37 e, quanto ao réu, também por referência ao documento de fls. 156.

O facto 11 foi dado como provado com base no depoimento das testemunhas (…) que, de forma credível, descreveram a casa onde mora a autora e as despesas que esta assume. Também relevaram os documentos de fls. 38 a 48.

O facto 12 decorre dos documentos juntos pela autora a fls. 36 e 37.

O facto 13 decorre do documento junto pelo réu a fls. 156, tendo ainda relevado a pesquisa ordenada pelo Tribunal e cujo resultado consta de fls. 154 e 155.

Os factos 14 a 16 foram dados como provados na sequência das declarações prestadas pela autora em sede de audiência final, na parte em que referiu que há cerca de 3 anos que mantém um relacionamento com um senhor de nome (…) relacionamento esse que inclui atividade sexual, com uma periodicidade mensal; que gosta deste senhor e que no futuro quer vir a viver com ele, pese embora não saiba se é esse o desejo do Sr. C(…). Referiu ainda que o Sr. C (…) lhe fornece bens alimentares.

Ouvido pelo Tribunal, (…) confirmou o relacionamento com a autora, ainda que o designe como “amizade”, e disse que inclui atividade sexual, com uma periodicidade quinzenal, em regra; que passaram juntos o dia de Páscoa, incluindo com os filhos de ambos e outros familiares; e que dá géneros alimentares à autora, designadamente porcos da sua criação».

Por isso, também, a não tornando carecida dos alimentos peticionados.

Daí ser negativa a resposta às questões em II.

III.

18. Por outro lado, concluiu a Mm.ª Juiz a quo que o R. também terá as suas despesas correntes, incluindo quanto à filha do casal que ficou a seu cargo e que já atingiu a maioridade.

19. Ora, nos termos do art. 5º do CPC, compete às partes alegar os factos que integram a causa de pedir; não podendo o tribunal, em princípio, conhecer de factos que não tenham sido alegados pelas partes.

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22. Importa, para o efeito, que o juiz, que pretenda aproveitar-se de um facto notório não alegado pelas partes na elaboração da decisão, faça constar expressamente da mesma que tal facto foi objecto de apreciação do tribunal por ser considerado notório, nos termos do artigo 5º, n.º 2, al. c) do CPC.

25. Da prova produzida, apenas se verifica um relacionamento amoroso, sendo que a Mm.ª Juiz a quo, salvo melhor entendimento, tirou ilações forçadas dos depoimentos e estabeleceu presunções não jurídicas mas pessoais.

A tal respeito - e na emergência do disposto no art. 5º NCPC (ónus de alegação das partes e poderes de cognição do tribunal) -, funcionam como elementos vinculativos os decorrentes da circunstância de serem numerosas as acções cujos factos essenciais (e/ou complementares) não são passíveis de prova directa, de tal modo que a sua verificação resulta sempre, ou quase sempre, e apenas, da prova de factos instrumentais, pela convicção que criam da ocorrência dos primeiros.

A desnecessidade da sua alegação e de serem submetidos ao exercício do contraditório, adrede preparado, por previsível o seu surgimento no decurso da instrução da causa, constitui, quanto a nós, uma solução deveras criticável em termos de justiça material, face à função que no caso prefigurado desempenham. É que não são adminicula probatória, mas sim condicionadores da (in)existência de factos fundantes.

Em todo o caso, os factos complementares ou concretizadores são aqueles que especificam e densificam os elementos da previsão normativa em que se funda a pretensão do autor - a causa de pedir - ou do reconvinte ou a excepção deduzida pelo réu como fundamento da sua defesa, e, nessa qualidade, são decisivos para a viabilidade ou procedência da acção/reconvenção/defesa por excepção. Se não forem oportunamente alegados e se nem as partes nem o tribunal, ao longo da instrução da causa, os introduzirem nos autos, garantindo o contraditório, a decisão final de mérito será desfavorável àquele a quem tais factos (omitidos) beneficiavam

Com a redução ao mínimo do ónus da alegação nos articulados - ao autor basta a exposição dos factos essenciais que constituem a causa de pedir (arts. 552.º-1-d e 5.°-1) e ao réu a exposição dos factos essenciais em que se baseiam as excepções deduzidas (arts. 572.º-c e 5.º-1) -, podendo os demais, sejam eles complementares ou concretizadores, sejam instrumentais, resultar da instrução da causa, sem preclusões, é óbvio que fica aberta a porta à introdução em juízo de autênticos factos-surpresa numa altura em que a parte (prejudicada) já não pode suprir ou adequar a prova, face às limitações temporais dos requerimentos probatórios.

Tanto mais que, quando estejam em causa factos complementares ou concretizadores, de cuja prova dependa, como por via de regra sucede, a procedência do pedido ou da excepção, a lei não exige que a parte contrária se pronuncie efectivamente sobre eles, bastando que tenha tido a possibilidade de o fazer (art. 5.º-2-b, in fine), conceito algo indeterminado e nefasto nas suas consequências, a reclamar a parte do mandatário um grau máximo de atenção. Ou seja, de um ónus de alegação estrita, e nos articulados, passou-se para a livre introdução e recolha de tais factos.

Mesmo relativamente aos factos instrumentais, o apertado regime do anterior n.º 3 do art. 264.º, deu lugar ao seu aproveitamento incondicionado, contanto que resultem da instrução da causa (Cf. Glosa de Abílio Neto ao art. 5º, in Novo Código de Processo Civil Anotado, 2ª Edição Revista e Ampliada, Janeiro/2014, p.25).

Deste modo, pois, sem prejuízo de às partes caber a formação da matéria de facto, mediante a alegação, nos articulados, dos factos principais que integram a causa de pedir, a reforma do processo civil atribuiu ao Tribunal a assunção de uma posição muito mais activa, por forma a aproximar-se da verdade material e alcançar uma posição mais justa do processo. Reconhecendo-se agora ao Juiz, para além da atendibilidade dos factos que não carecem de alegação e de prova a possibilidade de considerar, mesmo oficiosamente, os factos instrumentais, bem como os essenciais à procedência da pretensão formulada, que sejam complemento ou concretização de outros que a parte haja oportunamente alegado e de os utilizar quando resultem da instrução e da discussão da causa e desde que a parte interessada manifeste vontade de deles se aproveitar e à parte contrária tenha sido facultado o exercício do contraditório (Ac. RC, de 9.3.2004:

Deste modo, os factos essenciais a que se refere o art. 264.°, n.º 3, do CPC (5º NCPC), têm necessariamente de ser complementares ou concretizantes de outros factos essenciais oportunamente alegados em fundamento do pedido ou da excepção. Essa complementaridade ou concretização tem de ser aferida pela factual idade alegada na petição inicial, isto é, pela causa de pedir invocada pelo autor, ou pela factualidade que fundamenta a excepção invocada na contestação. Sem que - como ao longo do que se considerou já deriva - hajam sido violadas quaisquer regras legais que disciplinam a aquisição processual das provas ou que determinam quais os factos de que o tribunal pode servir-se para a decisão - cf., v.g., arts. 264.° e 664.° do CPC ( 5º NCPC) -, tal constituindo matéria de direito, de conhecimento oficioso, a que se não deixou de atender (Cf. Ac. STJ, de 20.10.2009: Proc. 1433/07.7TBBRG.S l.dgsi.Net).

Por sua vez, sabido se revela, quanto aos factos instrumentais, não ser pela simples razão de eles constarem de documentos e de se afigurar às partes que podem ser dados como provados, que eles devem ser atendidos pelo julgador, mas apenas aqueles que resultarem da instrução e discussão da causa como reza o preceito legal (5º NCPC)  e quanto aos factos referidos no n.º 3 do mesmo preceito, desde que obedeçam aos requisitos nele insertos. Em suma, só são atendíveis os factos essenciais não alegados nos articulados e os instrumentais, desde que tenham sido submetidos ao regime de contraditório e de prova durante a discussão da causa. É esse o sentido do termo resultar que não é sinónimo de constar de documentos ou de outros meios de prova. É esse, do mesmo modo, o alcance da expressão legal « ... dos factos que resultem da instrução e discussão da causa» constante do n.º 2 do art. 264.° do CPC (5º NCPC) (Cf. Ac. STJ, de 27.1.2010: Proc. 1551/03.0TBLLE.EI.Sl.dgsi.Net).

Vincula, de igual forma, a circunstância de um facto ser notório quando o juiz o conhece como tal, colocado na posição do cidadão comum, regularmente informado, sem necessitar de recorrer a operações lógicas e cognitivas, nem a juízos presuntivos (A. DOS REIS, CPC Ano/., 3.°-259 e ss.; CASTRO MENDES, Do conceito de prova, págs. 711 e ss., com grandes desenvolvimentos; VAZ SERRA, Provas, em BMJ, 110.°-61 e ss.).  Ou seja, facto notório não é o mesmo que facto evidente: «este último corresponde à aplicação de verdades axiomáticas próprias das várias ciências; são tactos que se apresentam ao juiz como provindos das fontes comuns do saber humano, tais como o conhecimento de que o calor dilata os corpos» (RODRIGUES BASTOS. Notas ao CPC, 2.º-514; sobre o sentido e alcance do n.º 2 do artigo 514º CPC (412º NCPC) vid. VAZ SERRA, RLJ, 103.°- 412 e ss.

Em função deste entendimento - recte, desta postulação legal - não se trata de na “prova produzida, apenas se verifica(r) um relacionamento amoroso, sendo que a Mm.ª Juiz a quo, salvo melhor entendimento, tirou ilações forçadas dos depoimentos e estabeleceu presunções não jurídicas mas pessoais”. Antes, um exercício interpretativo permitido por lei (412º NCPC), exactamente, a considerar - como foi adequadamente considerado nos Autos - facto notório aquele que, para se considerar verdadeiro, não necessita da produção de prova, por ter de se considerar do conhecimento geral (art. 514. ° do CPC – 412º NCPC). Este conhecimento geral significa, não um facto que é de fácil percepção, mas antes um facto que é realmente do conhecimento da generalidade das pessoas, sem necessidade de fazer apelo a qualquer actividade lógico-cognitiva ou juízo presuntivo (Ac. STJ. de 15.4.2010: Proc. 981 0/03.6TVLSB.S1.dgsi.Net). Que o mesmo é dizer, na revelação de um tipo de “situação relacional” da requerente com o referenciado C (...) , na dimensão de facto assinalada, igualmente a traduzir confluência para uma (acrescida), também, autonomia patrimonial da recorrente face a qualquer tipo de alimentos, eventualmente, a prestar pelo ex-cônjuge.

Daí que se configure, inelutavelmente, como negativa a resposta às questões em III.

Sem que a sentença haja violado, assim, as normas dos arts. 5º do CPC e 2003º, 2004º, 2009º, 2016º, 2016º-A e 2019º, estes do CC. Mais considerando que o reconhecimento de uma litigância de má-fé tem de identificar-se com situações de clamoroso, chocante ou grosseiro uso dos meios processuais, por tal forma que se sinta que com a mesma conduta se ofendeu ou pôs em causa a imagem da justiça. Quando a parte se limita - como nos Autos - a litigar baseada na incerteza da lei, na dificuldade de apurar os factos e de os interpretar, apresentando tese jurídica que está longe de se poder considerar manifestamente infundada, nada há a censurar ao respectivo comportamento processual (Ac. RL, de 8.7.2004: Proc. 357112004-4.dgsi.Net).

Deste modo, verificando-se que na sentença recorrida constam os factos e as razões de direito em que o tribunal alicerçou a sua decisão e esta é consequência lógica daquela fundamentação, é evidente que aquela peça processual não está inquinada de qualquer nulidade (art. 668°, nº1, alíneas b), c) e e) do CPC (615° NCPC).

**

Podendo, deste modo, concluir-se, sumariando (art. 663º NCPC), que:

1.

Verificando-se que na sentença recorrida constam os factos e as razões de direito em que o tribunal alicerçou a sua decisão e esta é consequência lógica daquela fundamentação, é evidente que aquela peça processual não está inquinada de qualquer nulidade (art. 668°, nº1, alíneas b), c) e e) do CPC (615° NCPC).

2.

Só há omissão de pronúncia com vício de limite previsto na al. d) do nº1 do art. 668º do CPC (615º NCPC), quando o Tribunal incumpre quanto aos seus poderes e deveres de cognição o disposto no nº2 do art. 660º do mesmo diploma (608º NCPC). O que, circunstancialmente, não se verificou.

3.

Nos individualizados termos dos arts, 2004, n.º 2, e 2016.°, n.º 3, do Cód. Civil dever-se-á atender a todas as circunstâncias que influam sobre as necessidades do cônjuge que receba alimentos e as possibilidades de quem os presta  . Sendo que à alimentanda, autora na acção, cumpre alegar e provar não só a necessidade do valor peticionado, como a possibilidade de o devedor o prestar. O que não consumou.

4.

Sendo que, por outro lado, não se deve exigir ao obrigado que, para prestar alimentos, ponha em perigo a sua própria manutenção de acordo com a sua condição. Tanto assim que, a prestação de alimentos devida ao cônjuge não se mede pelas estritas necessidades vitais, visando apenas assegurar ao necessitado o trem de vida a que tem jus como cônjuge (ou ex-cônjuge) de devedor, tendo-se, no entanto, em conta as reais possibilidades deste.

5.

Os factos essenciais a que se refere o art. 264.°, n.º 3, do CPC (5º NCPC), têm necessariamente de ser complementares ou concretizantes de outros factos essenciais oportunamente alegados em fundamento do pedido ou da excepção. Essa complementaridade ou concretização tem de ser aferida pela factual idade alegada na petição inicial, isto é, pela causa de pedir invocada pelo autor, ou pela factualidade que fundamenta a excepção invocada na contestação. Sem que - como ao longo do que se considerou já deriva - hajam sido violadas quaisquer regras legais que disciplinam a aquisição processual das provas ou que determinam quais os factos de que o tribunal pode servir-se para a decisão - cf., v.g., arts. 264.° e 664.° do CPC ( 5º NCPC) -, tal constituindo matéria de direito, de conhecimento oficioso, a que se não deixou de atender.

6.

Vincula, de igual forma, a circunstância de um facto ser notório quando o juiz o conhece como tal, colocado na posição do cidadão comum, regularmente informado, sem necessitar de recorrer a operações lógicas e cognitivas, nem a juízos presuntivos.  Ou seja, facto notório não é o mesmo que facto evidente: «este último corresponde à aplicação de verdades axiomáticas próprias das várias ciências; são tactos que se apresentam ao juiz como provindos das fontes comuns do saber humano.

7.

A litigância de má-fé exige a consciência de que quem pleiteia de certa forma tem a consciência de não ter razão.  Persistindo que a defesa convicta de uma perspectiva jurídica dos factos, diversa daquela que a decisão judicial acolhe, não implica, por si só, litigância censurável a despoletar a aplicação do art. 456.°, n.º 1 e 2, do CPC. Deste modo, só se não forem observados os deveres de probidade, de cooperação e de boa-fé, se patenteia litigância de má fé. O que, tudo visto, para além do que os Autos patenteiam, se não verifica.

8.

Verificando-se que na sentença recorrida constam os factos e as razões de direito em que o tribunal alicerçou a sua decisão e esta é consequência lógica daquela fundamentação, é evidente que aquela peça processual não está inquinada de qualquer nulidade (art. 668°, nº1, alíneas b), c) e e) do CPC (615° NCPC).

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III. A Decisão:

Pelas razões expostas, nega-se provimento ao recurso interposto, confirmando a decisão recorrida.

Custas da acção a cargo da A. (art. 527º do CPC), fixando-se a taxa de justiça em 3 UC..

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António Carvalho Martins ( Relator )

Carlos Moreira

João Moreira do Carmo