Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:01565/13
Data do Acordão:04/22/2015
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:FRANCISCO ROTHES
Descritores:IRS
MAIS VALIAS
Sumário:I – Por força do disposto no art. 5.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 442-A/88, de 30 de Novembro, diploma que aprovou o CIRS, fixando um regime transitório para os rendimentos da categoria G, os ganhos que não eram sujeitos ao imposto de mais-valias só ficam sujeitos a IRS se a aquisição dos bens ou direitos de cuja transmissão provêm se houver efectuado após a entrada em vigor daquele código, em 1 de Janeiro de 1989.
II – Assim, não estão sujeitos a tributação em IRS os ganhos resultantes da venda efectuada em 2001 de um prédio adquirido em 1982 como prédio misto e que mantinha essa natureza à data da entrada em vigor do CIRS.
Nº Convencional:JSTA000P18873
Nº do Documento:SA22015042201565
Data de Entrada:10/14/2013
Recorrente:FAZENDA PÚBLICA
Recorrido 1:A... E OUTRA
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Recurso jurisdicional da sentença proferida no processo de impugnação judicial com o n.º 195/06.0BEBRG

1. RELATÓRIO

1.1 A Fazenda Pública (adiante Recorrente) recorreu para o Supremo Tribunal Administrativo da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga que, julgando procedente a impugnação judicial deduzida por A…………… e mulher, B……………. (adiante Impugnantes ou Recorridos), anulou a liquidação adicional de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares (IRS) que lhes foi efectuada relativamente ao ano de 2001, com fundamento na omissão da declaração dos ganhos (mais-valias) obtidos com a alienação de um terreno para construção.

1.2 O recurso foi admitido, a subir imediatamente, nos próprios autos e com efeito meramente devolutivo e a Recorrente apresentou as alegações, que rematou com conclusões do seguinte teor (Porque usamos o itálico nas transcrições, os excertos que estavam em itálico no original surgirão, aqui como adiante, em tipo normal.-(As notas que no original estavam em rodapé serão transcritas no texto, entre parêntesis rectos.):

«I- A Fazenda Pública, não se conformando com o deferimento total do pedido dos impugnantes, entende que a douta sentença ora recorrida sofre de errada interpretação dos factos e consequente aplicação da lei.

II- Os impugnantes vieram apresentar impugnação judicial, nos termos dos arts. 99.º e seguintes do CPPT, requerendo a anulação da liquidação adicional de IRS referente ao ano de 2001, no valor de € 12.549,14, relativa a mais-valias resultantes da alienação em 11-07-2001, de uma parcela de terreno para construção, com a área de 17.300 m2, sita no Lugar …………, freguesia de ……………, concelho de Guimarães.

III- Por sentença datada de 24-04-2013, foi a presente impugnação judicial julgada procedente, fundamentando, a M.ma Juiz [do Tribunal] a quo, a sua decisão, na jurisprudência consolidada do STA, nomeadamente, no que ficou sumariado no Ac. STA n.º 998/09, datado de 02-06-2010, cujo sumário se transcreve:

À luz do disposto no artigo 5.º do Dec. Lei n.º 442-A/88, de 30 de Novembro, não são tributados em sede de IRS os ganhos obtidos com a transmissão de prédio urbano adquirido como rústico antes da entrada em vigor do Código do IRS e que ainda conservava essa natureza no momento da entrada em vigor desse Código, pese embora tenha adquirido, posteriormente, a natureza de urbano (terreno para construção) e sido alienado como tal.

IV- Concluindo: (...) Aplicando a jurisprudência acabada de referir ao caso sub judice, conclui-se que o prédio em causa não podia ser considerado, nem à data da aquisição, nem à data da entrada em vigor do CIRS, como terreno para construção. De maneira que o ganho obtido pelos impugnantes com a transmissão onerosa, efectuada em 2001, não estava sujeito a IRS (“por mais-valias”). Pese embora esse prédio se tenha entretanto transformado em terreno destinado à construção.
A liquidação padece de vício de violação de lei, o que acarreta a sua anulação.

V- É por não se conformar com este douto entendimento que a Fazenda Pública apresenta respeitosamente o presente recurso jurisdicional, encontrando-se ciente, e a par, da jurisprudência constante, e porventura até mesmo consolidada, do Venerando Tribunal ad quem.

VI- Não obstante, não pode nem deve a Fazenda Pública, sempre que considere que poderá contribuir para os debates, deixar de esgrimir argumentos que tenha, de forma fundada, por válidos e que aconselhem o (re)pensar das soluções jurisprudenciais, mesmo que consolidadas.

VII- É pois neste espírito de procurar contribuir para a discussão e a aplicação do Direito que, de forma reverencial, se apresenta o presente recurso, seguindo de perto a argumentação aduzida no recurso apresentado por esta Representação da Fazenda Pública, no âmbito do processo de impugnação judicial n.º 1657/06.4BEBRG.

VIII- De acordo com o estabelecido nos arts. 9.º, al. a) e 10.º, n.º 1, al. a) do CIRS, constituem rendimentos da categoria G as mais-valias originadas, designadamente pela alienação onerosa de direitos reais sobre bens imóveis.

IX- Não obstante a vocação de tributação de toda e qualquer mais-valia imobiliária prevista no CIRS, cumpre ter presente o regime transitório estabelecido pelo art. 5.º, do D.L. n.º 442-A/88, de 30 de Novembro, que aprovou o CIRS, segundo o qual, os ganhos que não eram sujeitos ao imposto de mais-valias, segundo o Código do Imposto sobre as Mais-Valias (CIMV), aprovado pelo D.L n.º 46.673, de 9 de Junho de 1965, só ficam sujeitos a IRS se a aquisição dos bens tiver sido efectuada depois da entrada em vigor deste Código.

X- O art. 1.º do CIMV determinava que estavam sujeitos àquele imposto os ganhos resultantes da transmissão onerosa de terrenos para construção, desde que o alienante os tivesse adquirido, quer a título gratuito quer a título oneroso, posteriormente a 9 de Junho de 1965.

XI- Estabelecendo-se no seu § 2.º que são havidos para construção os situados em zonas urbanizadas ou compreendidos em planos de urbanização já aprovados e os assim declarados no título aquisitivo, de fora do campo da tributação encontrar-se-iam as mais-valias provenientes da alienação de prédios rústicos e, bem assim, dos prédios urbanos.

XII- Com a entrada em vigor do CIRS, também estas realidades passaram a ser tributadas como mais-valias imobiliárias, nos termos da alínea a) do n.º 1 do art. 9.º, em articulação com a alínea a) do art. 10.º do CIRS, onde se prevê a sua tributação, sempre que os referidos ganhos não devam ser considerados como rendimentos empresariais ou profissionais 6 [6 Sobre a natureza residual da categoria G, relativamente às demais categorias de rendimentos, veja-se Xavier de Basto, José Guilherme, IRS – Incidência Real e Determinação dos Rendimentos Líquidos, Coimbra, Coimbra Editora, Setembro de 2007, págs. 359 e seguintes].

XIII- Temos para nós que o regime transitório previsto no art. 5.º do DL 442-A/88, relativo aos prédios adquiridos antes da entrada em vigor do CIRS, procurou, por um lado, assegurar a continuidade da tributação dos ganhos que, à luz do anterior regime do CIMV, a ela se encontravam sujeitos, nomeadamente os ganhos resultantes da alienação de terrenos para construção, na acepção que lhe era dada pelo § 2 do art. 1.º do CIMV.

XIV- Por outro lado, pretendeu consagrar a não tributação das mais-valias não sujeitas a tributação, como sejam as provenientes da alienação de prédios rústicos e de prédios urbanos, que mantivessem essa mesma natureza no momento da sua alienação.

XV- Com efeito, como escreve Rui Duarte de Morais 7[7 Aut. cit. Sobre o IRS, 1.ª edição, Almedina, Coimbra, Abril de 2006, págs. 111 e 112]:

O Código do IRS procedeu a um alargamento significativo das mais-valias imobiliárias tributárias, uma vez que antes apenas eram tributados os ganhos obtidos na alienação de terrenos para construção.
Por tal razão, foi introduzida uma norma transitória, segundo a qual as alienações de imóveis que antes da entrada em vigor do CIRS não estavam sujeitas a imposto de mais-valias só dão origem a tributação quando o alienante as haja adquirido na vigência do actual Código. Ou seja, continuam não sujeitos os ganhos obtidos com a alienação de imóveis cuja aquisição haja sido anterior a 1 de Janeiro de 1989, exceptuados os terrenos para construção. (destacado nosso).

XVI- Portanto, no que tange às mais-valias resultantes da alienação de prédios urbanos e de prédios rústicos, e que mantenham essa natureza no momento em que se gera a mais-valias, ou seja, no momento da transmissão, a mais-valia não poderá ser tributada se a sua aquisição ocorreu antes da entrada em vigor do CIRS.

XVII- Por seu turno, as mais-valias geradas pela alienação de terrenos para construção, na acepção que ao conceito era dada pelo art. 1.º do CIMV, apenas não se encontrarão sujeitas a tributação se a aquisição tiver ocorrido antes da data da entrada em vigor do Código do Imposto de Mais-Valias (9 de Julho de 1965) 8 [8 Vd. nota antecedente, pág. 112, nota 249],

XVIII- E para estes efeitos, o momento relevante para aferir da sujeição, ou não, a tributação é o momento em que se verificam os ganhos da realização da mais-valia, ou seja, o que releva é o momento em que se opera a transmissão do terreno para construção.

XIX- Nesta perspectiva, não se pode acompanhar o entendimento que tem vindo a ser acolhido pelo Venerando Tribunal ad quem, no sentido de considerar que o momento central para efeitos de aferir da sujeição, a natureza jurídica dos prédios no momento em que entrou em vigor o CIRS.

XX- E não se pode acompanhar, uma vez que o art. 5.º do DL 442-A/88 faz menção expressa aos ganhos que não eram sujeitos, ganhos estes que apenas se verificam no concreto momento em que ocorre o facto gerador dos referidos ganhos, isto é, a transmissão do imóvel.

XXI- Como se disse, estabelecia o art. 1.º do CIMV que estavam sujeitos imposto sobre as mais-valias os ganhos resultantes da transmissão onerosa de terrenos para construção, desde que o alienante os tivesse adquirido, quer a título gratuito quer a título oneroso, posteriormente a 9 de Junho de 1965.

XXII- Analisando: a norma de incidência (art. 1.º, n.º 1 do CIMV), estabelece a sujeição ao imposto de mais-valias a transmissão onerosa de terreno para construção, sendo que, conforme é jurisprudência dominante dos nossos Tribunais Superiores, são terrenos para construção, para efeitos do art. 1.º, n.º 1, do CIMV os efectivamente a isso destinados, pressupondo-se que o são os referidos no § 2.º do mesmo preceito 9 [9 Veja-se entre outros, o Acórdão do STA (Pleno) de 13-03-1980, Rec. 1340, citado no Acórdão do TCA Sul, de 15-10-2002 (Rel. J.G. Correia), consultável em http://www.dgsi.pt.].

XXIII- Cumpre também salientar que o § 2.º do art. 1.º do CIMV estabelece uma mera presunção juris tantum que, se por um lado admite prova em contrário, por outro não impossibilita a demonstração da verificação dos pressupostos objectivos de incidência com base em elementos que demonstrem que os terrenos transmitidos se destinavam efectivamente à construção.

XXIV- É que, como refere o Ac. TCAS citado: (…) o conceito de terreno para construção para efeitos fiscais, não pode ser um conceito formal, antes devendo ser um conceito material, dirigido às realidades para as quais foi formulado, traduzindo-se, no caso, na destinação específica à construção.

XXV- Na situação sub judice, essa destinação construtiva foi declarada de forma expressa na escritura de compra e venda.

XXVI- Sendo certo que o § 2.º do art. 1.º do CIMV considerava como terrenos para construção os assim declarados no título aquisitivo, devendo entender-se como momento relevante, o momento da obtenção dos ganhos derivados da transmissão.

XXVII- Neste sentido, ia a jurisprudência do Supremo Tribunal Administrativo 10 [10 Vd. Ac. do Pleno da Secção de Contencioso Tributário do STA, de 20-06-90, Proc. 010478, Rel. Juiz Conselheiro Ferreira da Rocha, cujo sumário pode ser consultado em http://www.dgsi.pt.], a propósito da aplicação do CIMV:

I- É incidente de imposto de mais-valias os ganhos obtidas com a transmissão onerosa de terrenos para construção (art. 1 do CIMV).

II - É ao momento da transmissão do terreno e, portanto, da obtenção dos ganhos com essa transmissão que deve ser aferida a qualificação do terreno como para construção.

XXVIII- Temos, assim, como bom o entendimento então perfilhado pelo Pleno da Secção, não se vislumbrando razões suficientemente ponderosas que possam conduzir a outro entendimento que não o que se acabou de transcrever.

XXIX- Aqui chegados, se cotejarmos a construção jurídica que se tem vinda a empreender com a matéria factual relevante, verifica-se que na escritura de compra e venda os impugnantes declararam, de forma expressa, que o objecto do contrato era a alienação de uma:

PARCELA DE TERRENO PARA CONSTRUÇÃO, com a área de dezassete mil e trezentos metros quadrados, sita no lugar de ……………., da freguesia de …………, concelho de Guimarães, omissa à matriz urbana nela já participada.

XXX- Face ao exposto, dúvidas não restam que estamos em presença de um verdadeiro terreno para construção, cuja transmissão se encontraria sujeita a tributação à luz das regras do CIMV, e que, por tal motivo, não lhe será de aplicar a exclusão prevista no regime transitário.

XXXI- Ao não ter entendido assim, e salvo melhor opinião, a sentença recorrida fez uma errónea interpretação e aplicação do Direito, nomeadamente do art. 5.º do DL 442-A/88, e dos art.s 9.º e 10.º do CIRS, razão pela qual deverá a mesma ser revogada e substituída por outra que julgue totalmente improcedente a presente impugnação.

Face ao exposto, revogando a douta sentença recorrida e julgando a presente impugnação judicial improcedente, Vossas Excelências farão, agora como sempre, a costumada JUSTIÇA.».

1.3 Não foram apresentadas contra alegações.

1.4 Recebidos os autos neste Supremo Tribunal Administrativo, foi dada vista ao Ministério Público e o Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer no sentido de que o recurso não merece provimento, com a seguinte fundamentação:

«[…] 1. Na vigência do Código do Imposto de Mais-Valias (CIMV) os ganhos resultantes da transmissão onerosa de terrenos para construção (considerados como os situados em zonas urbanizadas ou compreendidas em planos de urbanização já aprovados e os assim declarados no título aquisitivo) estavam sujeita tributação (art. 1.º n.º 1 e § 2 CIMV)
Os ganhos resultantes da transmissão onerosa de prédios rústicos, prédios mistos e prédios urbanos que não fossem considerados terrenos para construção não estavam sujeitos a tributação.
O STA-SCT tem destilado jurisprudência consolidada interpretando a norma constante do art. 5.º n.º 1 DL n.º 442-A/88, 30 Novembro com o sentido de que não são tributados em IRS os ganhos obtidos com a transmissão de terrenos agrícolas (prédios rústicos) que foram adquiridos antes da vigência do CIRS e que mantinham essa natureza na data do início da sua vigência (acórdãos STA-SCT 4.11.2004 processo n.º 659/04; 9.11.2005 processo n.º 733/05; 29.03.2006 processo n.º 1213/05; 12.12.2006 processo n.º 1100/05; 6.06.2007 processo n.º 179/07; 13.02.2008 processo n.º 763/07; 29.10.2008 processo n.º 539/08; 4.02.2009 processo n.º 872/08; 27.01.2010 processo n.º 969/09; 2.06.2010 processo n.º 998/09).
Esta jurisprudência é aplicável mutatis mutandis aos prédios mistos adquiridos antes da vigência do CIRS e que conservavam essa natureza na data do início da vigência do diploma.
A norma constante do art. 5.º n.º 1 DL n.º 442-A/88, 30 Novembro estabelece uma delimitação negativa do âmbito de incidência objectiva do art. 10.º n.º 1 CIRS, evitando a tributação em sede deste imposto de ganhos resultantes de alienações onerosas que não eram tributadas em CIMV ou em qualquer outra sede fiscal, por conta a não violar fundadas expectativas dos agentes económicos senão mesmo o princípio da confiança, ínsito no princípio do Estado de direito democrático (art. 2.º CRP).
A solução encontrada consistiu em apenas submeter a tributação em IRS os ganhos resultantes da alienação onerosa de prédios rústicos quando a aquisição tiver ocorrido na vigência do CIRS (iniciada em 1.01.1989).

2. Aplicação das considerações antecedentes ao caso concreto:
A alienação onerosa do terreno para construção ocorrida em 11 Julho 2001 não está sujeita a tributação em IRS porque:
a) o prédio cuja fracção foi adquirida pela impugnante B…………….., por sucessão, em 6 Abril 1982, tinha a natureza de prédio misto (probatório n.ºs 1 e 3);
b) aquele prédio misto mantinha essa natureza no início da vigência do CIRS, em 1 Janeiro 1989 (probatório n.º 3);
c) apenas em 26 Abril 2001 (na vigência do CIRS) foi requerida a inscrição na matriz do citado prédio misto como terreno para construção (probatório n.º 4);
d) a alienação onerosa de prédio misto antes do início da vigência do CIRS não estava sujeita a IMV».

1.5 Colheram-se os vistos dos Juízes Conselheiros adjuntos.

1.6 A questão que cumpre apreciar e decidir é a de saber se a sentença fez correcto julgamento ao considerar que os ganhos resultantes da transmissão (venda) de um terreno destinado a construção urbana, ocorrida em 11 de Julho de 2001, mas adquirido (por sucessão) como prédio misto em 6 de Abril de 1982 e que mantinha essa natureza à data da entrada em vigor do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares (CIRS), não estão sujeitos a tributação em sede de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares (IRS), a título de mais-valias, ao abrigo do regime transitório da categoria G, previsto no n.º 1 do art. 5.º do Decreto-Lei n.º 442-A/88 (na redacção do Decreto-Lei n.º 142/92, de 17 de Junho).


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2. FUNDAMENTAÇÃO

2.1 DE FACTO

A Juíza do Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga procedeu ao julgamento da matéria de facto nos seguintes termos:

«Com interesse para a boa decisão da causa, mostra-se apurada a seguinte factualidade:

1- Em 06 de Abril de 1982, a impugnante B…………… adquiriu por sucessão, por morte de C…………….., 3/28 avos da propriedade …………., sita no lugar do mesmo nome, freguesia de ………….., concelho de Guimarães.

2- O processo de imposto sucessório foi instaurado no serviço de Finanças de Guimarães 1, constando do mesmo 8 herdeiros, a mãe cabeça de casal e sete filhos, sendo cada filho herdeiro de 3/28 avos da herança, cabendo à mãe ¼ pelo valor patrimonial que na data e no conjunto dos artigos em causa era de 164.890$50 (€ 822,47).

3- No dia 01.03.2001, foi celebrado contrato promessa de compra e venda do prédio misto denominado “…………..”, sito na freguesia de …………, concelho de Guimarães, com a área de 17.300 m2, inscrito na matriz urbana sob os artigos 157.º, 158.º e 159.º e omisso à matriz rústica, e descrito na Conservatória do Registo Predial de Guimarães sob o n.º 4037 – cfr. fls. 9 a 11 dos autos cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido.

4- No dia 26/4/2001, D…………….., na qualidade de cabeça de casal da herança aberta por óbito de C………………, apresentou no Serviço de Finanças de Guimarães a declaração modelo 129 para inscrição na matriz como terreno para construção do prédio acima identificado, com a área de 17.300 m2 – cfr. fls. 16 e 17 dos autos cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido.

5- Em 11 de Julho de 2001, os impugnantes, por escritura pública celebrada no Cartório Notarial de Fafe, alienaram 3/28 avos, da “PARCELA DE TERRENO para construção, com área de 17.300 m2, sita no lugar do ………….., da freguesia de ……………., concelho de Guimarães, OMISSA à matriz urbana mas nela já participada; ---- A referida parcela abrange todo o prédio misto descrito na conservatória sob o número 4037 que conjuntamente com o prédio descrito sob o n.º trinta mil e cinquenta e cinco formam um só prédio que é formado pelos inscritos na matriz sob os artigos 157, 158, 159 urbanos e omisso na matriz rústica”, sendo que o preço declarado foi de 165.000.000$00 (823.016,53 €) – cfr. fls. 18 a 24 do PA cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido.

6- Os impugnantes não declararam no anexo G da declaração de IRS de 2001, rendimento obtido por força da referida alienação.

7- O sujeito passivo foi notificado para declarar ou provar a exclusão tributária que se refere o n.º 2 do artigo 5.º do Decreto-Lei n.º 442-A/88, de 30 de Novembro, no prazo de 15 dias, pelo ofício n.º 300.289, processo 02.03.012, de 05 de Janeiro de 2004 da Direcção de Finanças de Braga - Divisão de Tributação, que lhe foi enviado sob registo postal dos CTT.

8- Em 26.10.2005, com base na declaração de 26.04.2001, foi efectuada a liquidação adicional de IRS no valor global de 12.549,14 € – cfr. fls. 32 dos autos cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido.

9- Em 31/10/2005 [(Permitimo-nos corrigir o manifesto lapso de escrita verificado na data: escreveu-se na sentença 2005-09-31 onde se queria escrever 2005-10-31.)], foi emitida a nota de compensação, no montante de 12.549,14 € – cfr. fls. 32 dos autos cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido.

10- Os Impugnantes foram notificados da liquidação do imposto sobre os rendimentos do ano de 2001, em 22.11.2005 – cfr. fls. do PA cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido.

11- A petição inicial que deu origem à presente acção foi apresentada em 24.01.2006».


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2.2 DE DIREITO

2.1.1 A QUESTÃO A APRECIAR E DECIDIR

A Administração tributária (AT), verificando que os ora Recorridos alienaram em 2001 um terreno para construção e que não declararam os ganhos resultantes dessa alienação, liquidou-lhes oficiosamente IRS, por rendimentos de mais-valias.
Os sujeitos passivos discordaram dessa liquidação e contra ela reagiram, através da presente impugnação judicial. Pediram a anulação da liquidação com o fundamento de que os ganhos em causa estão excluídos de tributação pelo regime transitório estatuído no art. 5.º do Decreto-Lei n.º 442-A/88, de 30 de Novembro, uma vez o prédio em causa foi adquirido como misto antes da entrada em vigor do CIRS e ainda conservava essa natureza no momento da entrada em vigor do Código, pese embora tenha adquirido, posteriormente, a natureza de urbano (terreno para construção) e tenha sido alienado como tal.
A Juíza do Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga acolheu a argumentação dos Impugnantes e anulou a liquidação.
A Fazenda Pública discorda da sentença e dela recorre para este Supremo Tribunal Administrativo, sustentando que a sentença não fez a melhor interpretação do art. 5.º do Decreto-Lei n.º 442-A/88, de 30 de Novembro.
Assim, como deixámos dito em 1.6, a questão que cumpre apreciar e decidir é a de saber se a sentença fez correcto julgamento quando considerou não tributáveis em sede de IRS os ganhos obtidos com a transmissão onerosa de um prédio urbano adquirido como prédio misto antes da entrada em vigor do Código do IRS e que ainda conservava essa natureza no momento da entrada em vigor deste Código, por deles estarem isentos ao abrigo do regime transitório da categoria G, previsto no n.º 1 do art. 5.º do Decreto-Lei n.º 442-A/88, na redacção do Decreto-Lei n.º 142/92, de 17 de Junho.


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2.1.2 DA NÃO TRIBUTAÇÃO EM IRS DOS GANHOS RESULTANTES DA TRANSMISSÃO ONEROSA DO PRÉDIO

Definidos que ficaram os termos da questão a decidir, vejamos com quem está a razão, arrimando-nos à jurisprudência deste Supremo Tribunal Administrativo (Na exposição subsequente vamos seguir de perto o acórdão da Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo de 27 de Janeiro de 2010, proferido no processo n.º 969/09, publicado no Apêndice ao Diário da República de 24 de Março de 2011 (http://www.dre.pt/pdfgratisac/2010/32210.pdf), págs. 167 a 169, também disponível em
http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/38aff4d70ed1f7c4802576bf00508d43?OpenDocument.).
Nos termos da alínea a) do n.º 1 do art. 9.º do CIRS, constituem incrementos patrimoniais, desde que não considerados rendimentos de outras categorias, as mais-valias. E estas, nos termos da alínea a) do n.º 1 do art. 10.º do CIRS, na redacção em vigor ao tempo, são constituídas pelos ganhos obtidos que, não sendo considerados rendimentos empresariais e profissionais, de capitais ou prediais, resultem de alienação onerosa de direitos reais sobre bens imóveis.
Por sua vez, o art. 5.º do Decreto-Lei n.º 442-A/88, de 30 de Novembro, diploma que aprovou o CIRS, estabelece, no seu n.º 1, um regime transitório, nos termos do qual os ganhos que não eram sujeitos ao Imposto de Mais-valias (IMV) criado pelo Decreto-Lei n.º 46373, de 9 de Junho de 1965, só ficam sujeitos a IRS se a aquisição dos bens ou direitos de cuja transmissão provêm se houver efectuado depois da entrada em vigor do CIRS.
Ora, o art. 1.º do revogado CIMV dispunha que o imposto incidia sobre os ganhos realizados através de, entre outros actos, transmissão onerosa de terreno para construção, qualquer que fosse o título por que se operasse, quando dela resultassem ganhos não sujeitos aos encargos de mais valia previstos no artigo 17.º da Lei n.º 2030, de 22 de Junho de 1948, ou no artigo 4.º do Decreto-Lei n.º 41616, de 10 de Maio de 1958, e que não tivessem a natureza de rendimentos tributáveis em contribuição industrial.
Já nos termos do § 2.º deste mesmo art. 1.º do CIMV, eram havidos como terrenos para construção «os situados em zonas urbanizadas ou compreendidos em planos de urbanização já aprovados e os assim declarados no título aquisitivo».
Resulta da matéria de facto que foi dada como assente que o prédio em causa foi adquirido, por sucessão em 6 de Abril de 1982 como prédio misto e foi alienado em 11 de Julho de 2001, já como terreno para construção, tendo adquirido essa qualidade em 26 de Abril de 2001, através da apresentação da declaração modelo 129.
Ou seja, o imóvel em causa era um prédio misto na data da respectiva aquisição – 1982 – e manteve essa mesma qualidade até à data da entrada em vigor do CIRS – 1 de Janeiro de 1989 (Cfr. art. 2.º do Decreto-Lei n.º 442-A/88, de 30 de Novembro.). O que é decisivo para a questão da tributação em IRS, dado que para saber se se verificam os pressupostos da tributação, releva a qualidade que o bem detinha no momento da entrada em vigor do CIRS, uma vez que, como se viu, no regime transitório estabelecido para a categoria G de IRS (regime previsto no n.º 1 do art. 5.º do citado Decreto-Lei n.º 442-A/88), se estabelece que os ganhos que não eram sujeitos ao imposto de mais-valias, só ficam sujeitos ao IRS se a aquisição dos bens ou direitos de cuja transmissão provêm se houver efectuado depois da entrada em vigor deste Código.
Daí que, para o efeito de que nos ocupamos, não se possa relevar a qualidade do prédio como terreno para construção na data da alienação, pois tal qualidade foi adquirida em momento ulterior ao da entrada em vigor do CIRS.
Salvo o devido respeito, a Recorrente não tem razão ao alegar que os ganhos são sujeitos a IRS porque estamos perante a venda de um lote de terreno para construção urbana.
Como ficou dito no acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 6 de Junho de 2007, proferido no processo com o n.º 179/07 (
Publicado no Apêndice ao Diário da República de 24 de Abril de 2008
(http://www.dre.pt/pdfgratisac/2007/32220.pdf), págs. 1160 a 1164, também disponível em
http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/7e01622bc57f9a09802572ff003bbf55?OpenDocument.), a não tributação em IRS, a título de mais-valias, dos ganhos obtidos com a transmissão de terrenos que à data da entrada em vigor do CIRS eram qualificados como terrenos agrícolas (citado art. 5.º do Decreto-Lei n.º 442-A/88) compreende-se «pelo facto de, tendo-se optado pelo cálculo dos ganhos tributáveis a título de mais-valias com base na diferença entre o valor da aquisição e o valor da transmissão, a tributação em IRS da valorização de terrenos agrícolas que haviam sido adquiridos antes da sua entrada em vigor incluiria, parcialmente, a aplicação retroactiva do novo regime de tributação a ganhos obtidos com a valorização dos prédios rústicos, pois forçosamente se iriam tributar, além dos ganhos correspondentes à valorização gerada na vigência do novo Código, também alguns correspondentes à valorização que, como prédios rústicos, pode ter tido ocorrido antes da sua entrada em vigor.
Ora, essa aplicação retroactiva de normas de incidência tributária, que, a partir da revisão constitucional de 1997 é absolutamente proibida pela nova redacção dada ao art. 103.º, n.º 3, da CRP, só era tolerável anteriormente em situações especiais em que estivesse em causa o interesse geral (Essencialmente neste sentido, pode ver-se o acórdão do Tribunal Constitucional n.º 216/90, de 20-6-1990, processo n.º 203/89, publicado no Boletim do Ministério da Justiça n.º 398, página 207), que não se vislumbram em matéria de tributação de mais-valias».
No caso sub judice, já o dissemos, o prédio em causa era, à data da entrada em vigor do CIRS – 1 de Janeiro de 1989 – um prédio misto tendo sido adquirido, também nessa qualidade, antes da vigência do referido diploma legal, em 1982. Independentemente, pois, de posteriormente ter ocorrido algum facto modificativo do conteúdo do respectivo direito de propriedade (por via do pedido de inscrição na matriz de um lote de terreno para construção urbana) se não estavam, na vigência do abolido IMV, sujeitos a esse tributo os ganhos resultantes da sua transmissão, afastados estão, também, da sujeição a IRS, porque abrangidos no regime transitório previsto no n.º 1 do art. 5.º do Decreto-Lei n.º 442-A/88 na redacção do Decreto-Lei n.º 141/92, de 17 de Junho (Neste sentido, para além dos citados na sentença recorrida e pelo Procurador-Geral Adjunto no seu parecer, entre muitos outros e por mais recentes, os seguintes acórdãos da Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:
– de 2 de Junho de 2010, proferido no processo n.º 998/09, publicado no Apêndice ao Diário da República de 30 de Março de 2011 (http://www.dre.pt/pdfgratisac/2010/32220.pdf), págs. 1001 a 1005, também disponível em
http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/cd7aca0eaa3f4a428025773d003db8d9?OpenDocument;
– de 12 de Janeiro de 2012, proferido no processo n.º 529/11, publicado no Apêndice ao Diário da República de 18 de Abril de 2013 (http://www.dre.pt/pdfgratisac/2012/32210.pdf), págs. 12 a 18, também disponível em
http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/c842fb08010bb11a8025799000382ce9?OpenDocument;
– de 30 de Janeiro de 2013, proferido no processo n.º 1072/12, publicado no Apêndice ao Diário da República de 11 de Março de 2014 (http://www.dre.pt/pdfgratisac/2013/32210.pdf), págs. 471 a 477, também disponível em
http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/b9e181bee504274980257b1d00377cdc?OpenDocument;
– de 2 de Julho de 2014, proferido no processo n.º 1396/13, ainda não publicado no jornal oficial, disponível em
http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/b4221db734c67a6380257d32004ba5c0?OpenDocument;
– de 10 de Setembro de 2014, proferido no processo n.º 1381/13, ainda não publicado no jornal oficial, disponível em
http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/1d2707b63a51373380257d570045ad16?OpenDocument.).
Salvo o devido respeito, a argumentação aduzida pela Fazenda Pública em sede de recurso olvida, não só o teor, como a própria teleologia da norma que fixa aquele regime transitório.
Finalmente, uma breve nota relativamente à alegação da Recorrente, de que «a posição adoptada pelo tribunal a quo deixa no escuro uma parte do preceito: o passo em que textualmente se alude, e, defendemos, se fixa e desenvolve autonomamente o regime dos prédios rústicos; que se confrontado e coordenado com a proposição anterior, somos de parecer, lhe aclara a individualidade e restringe o alcance». A referência feita no n.º 1 do art. 5.º do Decreto-Lei n.º 442-A/88 a prédios rústicos, que a Recorrente considerar ter sido deixada no escuro, reporta-se aos ganhos «derivados da alienação a título oneroso de prédios rústicos afectos ao exercício de uma actividade agrícola ou da afectação destes a uma actividade comercial ou industrial, exercida pelo respectivo proprietário».
Não vemos, nem a Recorrente explica, em que medida esse trecho da norma permite infirmar a interpretação que há muito tem vindo a ser adoptada uniformemente pela jurisprudência. Assim, o recurso da Fazenda Pública não pode ser provido, sendo de manter a sentença recorrida, que anulou a liquidação impugnada


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2.2.3 CONCLUSÕES

Preparando a decisão, formulamos as seguintes conclusões:
I - Por força do disposto no art. 5.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 442-A/88, de 30 de Novembro, diploma que aprovou o CIRS, fixando um regime transitório para os rendimentos da categoria G, os ganhos que não eram sujeitos ao imposto de mais-valias só ficam sujeitos a IRS se a aquisição dos bens ou direitos de cuja transmissão provêm se houver efectuado após a entrada em vigor daquele código, em 1 de Janeiro de 1989.
II - Assim, não estão sujeitos a tributação em IRS os ganhos resultantes da venda efectuada em 2001 de um prédio misto adquirido em 1982 como prédio misto e que mantinha essa natureza à data da entrada em vigor do CIRS.


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3. DECISÃO

Face ao exposto, os juízes da Secção do Contencioso Tributário deste Supremo Tribunal Administrativo acordam, em conferência, em negar provimento ao recurso.

Custas pela Recorrente

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Lisboa, 22 de Abril de 2015. – Francisco Rothes (relator) – Casimiro GonçalvesPedro Delgado.