Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:01266/13
Data do Acordão:02/12/2015
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:FRANCISCO ROTHES
Descritores:IRS
MAIS VALIAS
Sumário:I - Por força do disposto no art. 5.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 442-A/88, de 30 de Novembro, diploma que aprovou o CIRS, fixando um regime transitório para os rendimentos da categoria G, os ganhos que não eram sujeitos ao imposto de mais-valias só ficam sujeitos a IRS se a aquisição dos bens ou direitos de cuja transmissão provêm se houver efectuado após a entrada em vigor daquele código, em 1 de Janeiro de 1989.
II - Assim, não estão sujeitos a tributação em IRS os ganhos resultantes da venda efectuada em 2007 de um prédio adquirido em 1973 como prédio rústico e que mantinha essa natureza à data da entrada em vigor do CIRS.
Nº Convencional:JSTA000P18604
Nº do Documento:SA22015021201266
Data de Entrada:07/16/2013
Recorrente:FAZENDA PÚBLICA
Recorrido 1:A... E MULHER
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Recurso jurisdicional da sentença proferida no processo de impugnação judicial com o n.º 62.11/5BELLE

1. RELATÓRIO

1.1 A Fazenda Pública (adiante Recorrente) recorreu para o Supremo Tribunal Administrativo da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Loulé que, julgando procedente a impugnação judicial deduzida por A…….. e mulher, B…….. (adiante Impugnantes ou Recorridos), anulou a liquidação adicional de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares (IRS) que lhes foi efectuada relativamente ao ano de 2007, com fundamento na omissão da declaração dos ganhos (mais-valias) obtidos com a alienação de um terreno para construção

1.2 O recurso foi admitido, a subir imediatamente, nos próprios autos e com efeito meramente devolutivo e a Recorrente apresentou as alegações, que rematou com conclusões do seguinte teor (Porque usamos o itálico nas transcrições, os excertos que estavam em itálico no original surgirão, aqui como adiante, em tipo normal.):

«1- A, aliás, douta sentença recorrida julgou mal por errada interpretação e aplicação do regime transitório prescrito no art. 5 n.º 1 do DL n.º 442-A/88 de 30 Novembro.

2- Desde que, como temos por certo, à expressão “ganhos” não se ajuste a hipótese dos obtidos com a venda de prédio transformado em terreno para construção após a entrada em vigor do CIRS, não relevando a sua natureza rústica anterior a ela.

3- Importa considerar que a finalidade da interpretação é determinar o sentido objectivo da lei, a vis ac potestas legis; quer dizer, há-de ter em vista o significado que melhor responda ao seu fim, mas deduzindo-o através das palavras e na sua conexão, presumindo-se que o legislador as usou com plena reflexão.

4- Ora, a posição adoptada pelo tribunal a quo deixa no escuro uma parte do preceito: o passo em que textualmente se alude, e, defendemos, se fixa e desenvolve autonomamente o regime dos prédios rústicos; que se confrontado e coordenado com a proposição anterior, somos de parecer, lhe aclara a individualidade e restringe o alcance.

5- No fundo, perante tais dizeres temos de concluir que a lei está a distinguir o âmbito de cada espécie, não podendo o resultado da sua interpretação deixar de reconhecer o significado que da letra transparece e lhe corresponde, assumindo que apresentam contornos e particularidades divergentes.

6- Além disso, parece-nos ilógico e duvidoso que uma lei cujo escopo é alargar a base de incidência, crie em disposição transitória um benefício adicional, como manifestamente decorre no desenvolvimento da tese contida na sentença recorrida.

7- Por outro lado, não estamos perante um problema de crise de confiança ou de retroactividade legal; na medida em que, estamos em presença de facto tributário que se ocorrido antes da entrada em vigor do CIRS já era tributado, não sendo irrelevante para efeitos de determinação da obrigação tributária o carácter anual do imposto.

Assim, pelo exposto, e, principalmente, pelo que será suprido pelo Douto Tribunal, deve ser revogada a sentença sub judice, como é de JUSTIÇA.».

1.3 Não foram apresentadas contra alegações.

1.4 Recebidos os autos neste Supremo Tribunal Administrativo, foi dada vista ao Ministério Público e o Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer no sentido de que o recurso não merece provimento, com a seguinte fundamentação (Por razões de ordem prática, as notas que no original eram de rodapé serão transcritas no texto, entre parêntesis rectos.):

«[…] Nos termos do estatuído no artigo 5.º/1 do DL 442-A/88, de 30 de Novembro “Os ganhos que não eram sujeitos a imposto de mais-valias, criado pelo Código aprovado pelo Decreto-Lei n.º 46673, de 9 de Junho de 1965, bem como os derivados da alienação a título oneroso de prédios rústicos afectos ao exercício de uma actividade agrícola ou da afectação destes a uma actividade comercial ou industrial, exercida pelo respectivo proprietário, só ficam sujeitos a IRS se a aquisição dos bens ou direitos a que respeitam tiver sido efectuada depois da entrada em vigor deste Código.”
Por força do disposto no artigo 10.º/1/ a) do CIRS “Constituem mais-valias os ganhos obtidos que, não sendo considerados rendimentos empresariais e profissionais, de capitais ou prediais, resultem de alienação onerosa de direitos reais sobre imóveis ...”
Como resulta do probatório o imóvel foi adquirido como rústico por escritura pública – partilha e doação, outorgada em 30 de Outubro de 1973.
Em 24 de Outubro de 2007 foi inscrito na matriz um prédio novo, com a designação de terreno para construção, tendo com proveniência o já referido prédio urbano.
Em 11 de Dezembro de 2007 os recorrentes outorgaram uma escritura de permuta, que esteve na génese das mais valias em causa.
Nos termos do CIMV estava sujeita a tributação a transmissão onerosa de terrenos para construção, sendo que eram havidos como terrenos para construção os situados em zonas urbanizadas ou compreendidas em pianos de urbanização já aprovados e os assim declarados no título aquisitivo.
Do referido regime legal parece poder concluir-se que
1. Os ganhos já sujeitos ao imposto de mais valias estão sujeitos a IRS, categoria G.
2. Os ganhos não sujeitos a imposto de mais valias e decorrentes da alienação de bens ou direitos que tenham sido adquiridos até à entrada em vigor do CIRS (1989.01.01), não se encontram sujeitos a IRS.
3. Os ganhos não sujeitos a impostos de mais valias e decorrentes da alienação de bens ou direitos adquiridos depois da entrada em vigor do CIRS estão sujeitos a IRS, desde que enquadráveis no artigo 10.º/1/ a) a d) do CIRS.
Ora, o imóvel em causa sempre teve a natureza de prédio rústico durante a vigência do CIMV, natureza rústica que se manteve mesmo após a entrada em vigor do CIRS.
Logo, não estando sujeito a IMV e tendo sido adquirido antes da entrada em vigor do CIRS não estará sujeito a tributação em IRS.
O facto do prédio em causa ter adquirido a natureza de urbano (terreno para construção) em 2007 não releva para efeitos de isenção de tributação em sede de IRS, como vem defendendo de forma reiterada o STA.1 [1 Acórdãos de 2005.11.09-P.7333/05; 2004.03.29-P.1213/05; 200612.12-P.1100/05; 2007.06.06-P.179/07; 2008.02.13-P.763/07; 2008.10.29-P.539/08; 2009.02.04-P.872/08, 2010.06.02-P.0998/09 e 2012.04.19-P.0923/11, disponíveis no sítio da Internet www.dgsi.pt.]
O afastamento da tributação em sede de IRS dos ganhos obtidos com a transmissão de terrenos que, à data da entrada em vigor do CIRS (1989.01.01), eram qualificados como terrenos agrícolas compreende-se, uma vez que, tendo o legislador optado pelo cálculo dos ganhos tributáveis a título de mais-valias com base na diferença entre o valor de aquisição e o valor da transmissão, a tributação em IRS da valorização de terrenos agrícolas que haviam sido adquiridos antes da sua entrada em vigor incluiria, parcialmente, a aplicação retroactiva do novo regime de tributação a ganhos obtidos com a valorização dos prédios rústicos, pois necessariamente se iriam tributar, além dos ganhos correspondentes à valorização gerada na vigência do CIRS, também alguns correspondentes à valorização que, enquanto prédios rústicos, pode ter ocorrido antes da sua entrada em vigor.
Ora, nos termos do estatuído no artigo 103.º/3 da CRP é proibida a aplicação retroactiva de normas de incidência.
Assim sendo, como nos parece que é, é aplicável ao caso em análise o regime transitório da categoria G estatuído no artigo 5.º do DL 442-A/88, que aprovou o CIRS».

1.5 Colheram-se os vistos dos Juízes Conselheiros adjuntos.

1.6 A questão que cumpre apreciar e decidir é a de saber se a sentença fez correcto julgamento ao considerar que os ganhos resultantes da transmissão (permuta) de um terreno destinado a construção urbana, ocorrida em 11 de Dezembro de 2007, mas adquirido (por doação) como prédio rústico em 30 de Outubro de 1973 e que mantinha essa natureza à data da entrada em vigor do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares (CIRS), não estão sujeitos a tributação em sede de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares (IRS), a título de mais-valias, ao abrigo do regime transitório da categoria G, previsto no n.º 1 do art. 5.º do Decreto-Lei n.º 442-A/88 (na redacção do Decreto-Lei n.º 142/92, de 17 de Junho).


* * *

2. FUNDAMENTAÇÃO

2.1 DE FACTO

A Juíza do Tribunal Administrativo e Fiscal de Loulé procedeu ao julgamento da matéria de facto nos seguintes termos:

«Dos documentos e elementos constantes dos autos, com interesse para a decisão da causa, julgo provada a seguinte factualidade:

A) Os impugnantes adquiriram por Escritura Pública de Habilitação - Partilha e Doação, outorgada em 30.101973, no Cartório Notarial de Albufeira, o prédio rústico, com a área de 111.110 m2, composto por pomar de citrinos e com uma construção agrícola, inscrito na matriz predial rústica sob o artigo n.º 184, Secção O, da Freguesia e Concelho de ……….. (cfr. fls. 20 a 29 dos autos);

B) Em 24/10/2007 a Impugnante apresentou a Declaração Mod. 1 de IMI para inscrição de um prédio novo, com a designação de lote de terreno para construção, tendo como proveniência o artigo rústico e 184 da Secção “O” (cfr. fls. 38 do p.a.);

C) A este novo artigo urbano foi atribuído o n.º 22613 da mesma Freguesia e Concelho (cfr. fls. 38 do p.a);

D) Em 21/12/2007 foi feita avaliação, tendo-lhe sido atribuído o valor patrimonial de € 677.230,00 (cfr. fls. 40 do p.a);

E) Em 11/12/2007, através de Escritura de Permuta, outorgada no Cartório Notarial de Loulé, os Impugnantes permutaram o prédio urbano identificado na alínea A), a que atribuíram o valor de € 1.360.800,00, com a Sociedade “C……….., Lda.” (cfr. fls. 31 a 35 dos autos);

F) Através da Escritura de Permuta referida na alínea anterior, os Impugnantes receberam em troca, as fracções “G”, “H”, “I”, “J”, “V”, “X” e quarenta e oito de cem avos indivisos da fracção “F”, a que atribuíram no total, o mesmo valor, todas a construir no citado lote de terreno (cfr. fls. 31 a 35 dos autos);

G) Em 26/04/2010 os Impugnantes, foram notificados para apresentarem a Declaração de Rendimentos Modelo 3, referente ao ano de 2007, por se verificar que a mesma se encontrava em falta (cfr. fls. 27 do p.a.);

H) Em 21/05/2010 foi mencionado na Declaração Mod. 3, apresentada pelos Impugnantes, o seguinte: “valor de realização - € 1.360.800,00” e “valor de aquisição - € 677.230,00” (cfr. fls. 41 a 44 do p.a.);

I) Em 02/07/2010 foi emitida a liquidação n.º 2010 5003751007 de valor a pagar no montante de € 129.621,00, acrescida de juros compensatórios no montante de € 10.298,64 (cfr. fls. 47 processo de reclamação graciosa);

J) Em 31/08/2010 os Impugnantes apresentaram Reclamação Graciosa que foi atribuído o n.º 100720100400395 (cfr. fls. 1 a 5 do processo de reclamação graciosa);

K) Em 28/12/2010 o Director de Finanças de Faro proferiu despacho de indeferimento da reclamação graciosa referida na alínea precedente (cfr. fls. 63 e 64 do processo de reclamação graciosa);

L) Em 28/12/2008 foi enviado aos Impugnantes o ofício n.º 0041 a informar da decisão da reclamação graciosa que foi recebido em 06/01/2011 (cfr. fls. 65 a 67 do processo de reclamação graciosa);

M) Em 2010/1/2011 deu entrada neste Tribunal a presente impugnação (cfr. fls. 3 dos autos)».

2.2 DE DIREITO

2.1.1 A QUESTÃO A APRECIAR E DECIDIR

A Administração tributária (AT), verificando que os ora Recorridos alienaram em 2007 um terreno para construção e que não declararam os ganhos resultantes dessa alienação, liquidou oficiosamente aos ora Recorridos IRS, por rendimentos de mais-valias.
Os sujeitos passivos discordaram dessa liquidação e contra ela reagiram, primeiro mediante reclamação graciosa e, após o indeferimento desta, mediante impugnação judicial. Pediram a anulação da liquidação com o fundamento de que os ganhos em causa estão excluídos de tributação pelo regime transitório estatuído no art. 5.º do Decreto-Lei n.º 442-A/88, de 30 de Novembro, uma vez o prédio em causa foi adquirido como rústico antes da entrada em vigor do CIRS e ainda conservava essa natureza no momento da entrada em vigor do Código, pese embora tenha adquirido, posteriormente, a natureza de urbano (terreno para construção) e tenha sido alienado como tal.
A Juíza do Tribunal Administrativo e Fiscal de Loulé acolheu a argumentação dos Impugnantes e anulou a liquidação.
A Fazenda Pública discorda da sentença e dela recorre para este Supremo Tribunal Administrativo, sustentando que a sentença não fez a melhor interpretação do art. 5.º do Decreto-Lei n.º 442-A/88, de 30 de Novembro.
Assim, como deixámos dito em 1.6, a questão que cumpre apreciar e decidir é a de saber se a sentença fez correcto julgamento quando considerou não tributáveis em sede de IRS os ganhos obtidos com a transmissão onerosa de um prédio urbano adquirido como rústico antes da entrada em vigor do Código do IRS e que ainda conservava essa natureza no momento da entrada em vigor deste Código, por deles estarem isentos ao abrigo do regime transitório da categoria G, previsto no n.º 1 do art. 5.º do Decreto-Lei n.º 442-A/88, na redacção do Decreto-Lei n.º 142/92, de 17 de Junho.

2.1.2 DA NÃO TRIBUTAÇÃO EM IRS DOS GANHOS RESULTANTES DA TRANSMISSÃO ONEROSA DO PRÉDIO

Definidos que ficaram os termos da questão a decidir, vejamos com quem está a razão, arrimando-nos à jurisprudência deste Supremo Tribunal Administrativo (Na exposição subsequente vamos seguir de perto o acórdão da Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo de 27 de Janeiro de 2010, proferido no processo n.º 969/09, publicado no Apêndice ao Diário da República de 24 de Março de 2011 (http://www.dre.pt/pdfgratisac/2010/32210.pdf), págs. 167 a 169, também disponível em
http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/38aff4d70ed1f7c4802576bf00508d43?OpenDocument.).
Nos termos da alínea a) do n.º 1 do art. 9.º do CIRS, constituem incrementos patrimoniais, desde que não considerados rendimentos de outras categorias, as mais-valias. E estas, nos termos da alínea a) do n.º 1 do art. 10.º do CIRS, na redacção em vigor ao tempo, são constituídas pelos ganhos obtidos que, não sendo considerados rendimentos empresariais e profissionais, de capitais ou prediais, resultem de alienação onerosa de direitos reais sobre bens imóveis.
Por sua vez, o art. 5.º do Decreto-Lei n.º 442-A/88, de 30 de Novembro, diploma que aprovou o CIRS, estabelece, no seu n.º 1, um regime transitório, nos termos do qual os ganhos que não eram sujeitos ao Imposto de Mais-valias (IMV) criado pelo Decreto-Lei n.º 46373, de 9 de Junho de 1965, só ficam sujeitos a IRS se a aquisição dos bens ou direitos de cuja transmissão provêm se houver efectuado depois da entrada em vigor do CIRS.
Ora, o art. 1.º do revogado CIMV dispunha que o imposto incidia sobre os ganhos realizados através de, entre outros actos, transmissão onerosa de terreno para construção, qualquer que fosse o título por que se operasse, quando dela resultassem ganhos não sujeitos aos encargos de mais valia previstos no artigo 17.º da Lei n.º 2030, de 22 de Junho de 1948, ou no artigo 4.º do Decreto-Lei n.º 41616, de 10 de Maio de 1958, e que não tivessem a natureza de rendimentos tributáveis em contribuição industrial.
Já nos termos do § 2.º deste mesmo art. 1.º do CIMV, eram havidos como terrenos para construção «os situados em zonas urbanizadas ou compreendidos em planos de urbanização já aprovados e os assim declarados no título aquisitivo».
Resulta da matéria de facto que foi dada como assente que o prédio em causa foi adquirido em 1973 como rústico e foi alienado em 11 de Dezembro de 2007, já como terreno para construção, tendo adquirido essa qualidade em 24 de Outubro de 2007, através da apresentação da declaração Mod. 1 de IMI.
Ou seja, o imóvel em causa era um prédio rústico na data da respectiva aquisição – 1973 – e manteve essa mesma qualidade até à data da entrada em vigor do CIRS – 1 de Janeiro de 1989 (Cfr. art. 2.º do Decreto-Lei n.º 442-A/88, de 30 de Novembro.). O que é decisivo para a questão da tributação em IRS, dado que para saber se se verificam os pressupostos da tributação, releva a qualidade que o bem detinha no momento da entrada em vigor do CIRS, uma vez que, como se viu, no regime transitório estabelecido para a categoria G de IRS (regime previsto no n.º 1 do art. 5.º do citado Decreto-Lei n.º 442-A/88), se estabelece que os ganhos que não eram sujeitos ao imposto de mais-valias, só ficam sujeitos ao IRS se a aquisição dos bens ou direitos de cuja transmissão provêm se houver efectuado depois da entrada em vigor deste Código.
Daí que, para o efeito de que nos ocupamos, não se possa relevar a qualidade do prédio como terreno para construção na data da alienação, pois tal qualidade foi adquirida em momento ulterior ao da entrada em vigor do CIRS.
Salvo o devido respeito, a Recorrente não tem razão ao alegar que os ganhos são sujeitos a IRS porque estamos perante a venda de um lote de terreno para construção urbana.
Como ficou dito no acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 6 de Junho de 2007, proferido no processo com o n.º 179/07 (
Publicado no Apêndice ao Diário da República de 24 de Abril de 2008
(http://www.dre.pt/pdfgratisac/2007/32220.pdf), págs. 1160 a 1164, também disponível em
http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/7e01622bc57f9a09802572ff003bbf55?OpenDocument.), a não tributação em IRS, a título de mais-valias, dos ganhos obtidos com a transmissão de terrenos que à data da entrada em vigor do CIRS eram qualificados como terrenos agrícolas (citado art. 5.º do Decreto-Lei n.º 442-A/88) compreende-se «pelo facto de, tendo-se optado pelo cálculo dos ganhos tributáveis a título de mais-valias com base na diferença entre o valor da aquisição e o valor da transmissão, a tributação em IRS da valorização de terrenos agrícolas que haviam sido adquiridos antes da sua entrada em vigor incluiria, parcialmente, a aplicação retroactiva do novo regime de tributação a ganhos obtidos com a valorização dos prédios rústicos, pois forçosamente se iriam tributar, além dos ganhos correspondentes à valorização gerada na vigência do novo Código, também alguns correspondentes à valorização que, como prédios rústicos, pode ter tido ocorrido antes da sua entrada em vigor.
Ora, essa aplicação retroactiva de normas de incidência tributária, que, a partir da revisão constitucional de 1997 é absolutamente proibida pela nova redacção dada ao art. 103.º, n.º 3, da CRP, só era tolerável anteriormente em situações especiais em que estivesse em causa o interesse geral (Essencialmente neste sentido, pode ver-se o acórdão do Tribunal Constitucional n.º 216/90, de 20-6-1990, processo n.º 203/89, publicado no Boletim do Ministério da Justiça n.º 398, página 207), que não se vislumbram em matéria de tributação de mais-valias».
No caso sub judice, já o dissemos, o prédio em causa era, à data da entrada em vigor do CIRS – 1 de Janeiro de 1989 – um prédio rústico tendo sido adquirido, também nessa qualidade, antes da vigência do referido diploma legal, em 1973. Independentemente, pois, de posteriormente ter ocorrido algum facto modificativo do conteúdo do respectivo direito de propriedade (por via do pedido de inscrição na matriz de um lote de terreno para construção urbana) se não estavam, na vigência do abolido IMV, sujeitos a esse tributo os ganhos resultantes da sua transmissão, afastados estão, também, da sujeição a IRS, porque abrangidos no regime transitório previsto no n.º 1 do art. 5.º do Decreto-Lei n.º 442-A/88 na redacção do Decreto-Lei n.º 141/92, de 17 de Junho (Neste sentido, para além dos citados na sentença recorrida e pelo Procurador-Geral Adjunto no seu parecer, entre muitos outros e por mais recentes, os seguintes acórdãos da Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:
– de 2 de Junho de 2010, proferido no processo n.º 998/09, publicado no Apêndice ao Diário da República de 30 de Março de 2011 (http://www.dre.pt/pdfgratisac/2010/32220.pdf), págs. 1001 a 1005, também disponível em
http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/cd7aca0eaa3f4a428025773d003db8d9?OpenDocument;
– de 12 de Janeiro de 2012, proferido no processo n.º 529/11, publicado no Apêndice ao Diário da República de 18 de Abril de 2013 (http://www.dre.pt/pdfgratisac/2012/32210.pdf), págs. 12 a 18, também disponível em
http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/c842fb08010bb11a8025799000382ce9?OpenDocument;
– de 30 de Janeiro de 2013, proferido no processo n.º 1072/12, publicado no Apêndice ao Diário da República de 11 de Março de 2014 (http://www.dre.pt/pdfgratisac/2013/32210.pdf), págs. 471 a 477, também disponível em
http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/b9e181bee504274980257b1d00377cdc?OpenDocument;
– de 2 de Julho de 2014, proferido no processo n.º 1396/13, ainda não publicado no jornal oficial, disponível em
http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/b4221db734c67a6380257d32004ba5c0?OpenDocument;
– de 10 de Setembro de 2014, proferido no processo n.º 1381/13, ainda não publicado no jornal oficial, disponível em
http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/1d2707b63a51373380257d570045ad16?OpenDocument.).
Salvo o devido respeito, a argumentação aduzida pela Fazenda Pública em sede de recurso olvida, não só o teor, como a própria teleologia da norma que fixa aquele regime transitório.
Finalmente, uma breve nota relativamente à alegação da Recorrente, de que «a posição adoptada pelo tribunal a quo deixa no escuro uma parte do preceito: o passo em que textualmente se alude, e, defendemos, se fixa e desenvolve autonomamente o regime dos prédios rústicos; que se confrontado e coordenado com a proposição anterior, somos de parecer, lhe aclara a individualidade e restringe o alcance». A referência feita no n.º 1 do art. 5.º do Decreto-Lei n.º 442-A/88 a prédios rústicos, que a Recorrente considerar ter sido deixada no escuro, reporta-se aos ganhos «derivados da alienação a título oneroso de prédios rústicos afectos ao exercício de uma actividade agrícola ou da afectação destes a uma actividade comercial ou industrial, exercida pelo respectivo proprietário».
Não vemos, nem a Recorrente explica, em que medida esse trecho da norma permite infirmar a interpretação que há muito tem vindo a ser adoptada uniformemente pela jurisprudência.
Face ao exposto, o recurso da Fazenda Pública não pode ser provido, sendo de manter a sentença recorrida, que anulou a liquidação impugnada

2.2.3 CONCLUSÕES

Preparando a decisão, formulamos as seguintes conclusões:


I - Por força do disposto no art. 5.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 442-A/88, de 30 de Novembro, diploma que aprovou o CIRS, fixando um regime transitório para os rendimentos da categoria G, os ganhos que não eram sujeitos ao imposto de mais-valias só ficam sujeitos a IRS se a aquisição dos bens ou direitos de cuja transmissão provêm se houver efectuado após a entrada em vigor daquele código, em 1 de Janeiro de 1989.
II - Assim, não estão sujeitos a tributação em IRS os ganhos resultantes da venda efectuada em 2007 de um prédio adquirido em 1973 como prédio rústico e que mantinha essa natureza à data da entrada em vigor do CIRS.


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3. DECISÃO

Face ao exposto, os juízes da Secção do Contencioso Tributário deste Supremo Tribunal Administrativo acordam, em conferência, em negar provimento ao recurso.

Custas pela Recorrente

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Lisboa, 12 de Fevereiro de 2015. – Francisco Rothes (relator) – Aragão Seia – Ascensão Lopes.